Gêneros do Jornalismo e Técnicas de Entrevista

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Gêneros do Jornalismo e Técnicas de Entrevista Pedro Celso Campos Índice 1 Informativo 2 2 Recreativo 3 3 Opinativo 4 4 Interpretativo 5 5 Jornalismo Literário Avançado 8 6 Técnicas de Entrevista 11 7 Conclusão 14 8 Bibliografia 14 Resumo O que é mais importante: Informar, Diver- tir, Opinar ou Interpretar quando se trata de escrever o texto jornalístico? Qual a importância de subdividir o jornalismo em gêneros? Que outros recursos podem ajudar o jornalista no encaminhamento da sua reportagem? Estes assuntos interessam diretamente aos estudantes de jornalismo desde que a preocupação maior seja a busca da qualidade na prática profissional. Do contrário, não fazem sentido. Todavia, ter consciência dos gêneros - até mesmo pela divisão do espaço físico do jornal - pode ser útil naqueles momentos em que o repórter pode voar mais alto, sobrepondo os gêneros, assumindo o chamado "texto de autor", conduzindo o receptor através de uma leitura agradável, fascinante, com emoção, em que tudo se funde na concretude de um texto maior. Ali o repórter não esconde a sua opinião, pode ser lúdico na narrativa, passará informações de quali- dade e interpretará o fato com maestria, contextualizando, explicando, esclarecendo. De qualquer modo, é sempre útil estudar os gêneros, bem como as técnicas de entrevista e o Jornalismo Literário Avançado. Palavras-chave: Jornalismo; Gêneros; Ética; Qualidade; Serviço. Abstract What is more important: Inform, Entertain, Judge or Interpret, concerning the writing of a journalistic text? What is the purpose of subdividing journalistic discourse in genres? What other resources might help the journalist in the construction of the news article? These subjects directly interest the students of Journalism, though providing the major concern be the seeking of quality while exercising the profession. Otherwise, they are meaningless. Nevertheless, being aware of such genres – even for the division of physical space within the press office - might be useful in those moments in which the reporter can fly higher, breaking through the genres, adopting the designated “author’s text”, thus leading the receptor through a more joyful, fascinating, passionate reading,

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Gêneros do Jornalismo e Técnicas de Entrevista

Pedro Celso Campos

Índice1 Informativo 22 Recreativo 33 Opinativo 44 Interpretativo 55 Jornalismo Literário Avançado 86 Técnicas de Entrevista 117 Conclusão 148 Bibliografia 14

ResumoO que é mais importante: Informar, Diver-tir, Opinar ou Interpretar quando se tratade escrever o texto jornalístico? Qual aimportância de subdividir o jornalismoem gêneros? Que outros recursos podemajudar o jornalista no encaminhamento dasua reportagem? Estes assuntos interessamdiretamente aos estudantes de jornalismodesde que a preocupação maior seja a buscada qualidade na prática profissional. Docontrário, não fazem sentido. Todavia,ter consciência dos gêneros - até mesmopela divisão do espaço físico do jornal -pode ser útil naqueles momentos em que orepórter pode voar mais alto, sobrepondoos gêneros, assumindo o chamado "textode autor", conduzindo o receptor atravésde uma leitura agradável, fascinante, comemoção, em que tudo se funde na concretude

de um texto maior. Ali o repórter nãoesconde a sua opinião, pode ser lúdico nanarrativa, passará informações de quali-dade e interpretará o fato com maestria,contextualizando, explicando, esclarecendo.De qualquer modo, é sempre útil estudar osgêneros, bem como as técnicas de entrevistae o Jornalismo Literário Avançado.

Palavras-chave: Jornalismo; Gêneros;Ética; Qualidade; Serviço.

AbstractWhat is more important: Inform, Entertain,Judge or Interpret, concerning the writingof a journalistic text? What is the purposeof subdividing journalistic discourse ingenres? What other resources might helpthe journalist in the construction of the newsarticle? These subjects directly interest thestudents of Journalism, though providingthe major concern be the seeking of qualitywhile exercising the profession. Otherwise,they are meaningless. Nevertheless, beingaware of such genres – even for the divisionof physical space within the press office -might be useful in those moments in whichthe reporter can fly higher, breaking throughthe genres, adopting the designated “author’stext”, thus leading the receptor through amore joyful, fascinating, passionate reading,

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in which everything melds together in theconcreteness of a greater text. There, thereporter shall not hide his opinion, shall beable to be playful in the narrative, will passdependable information and will interpretthe fact with consummate skill, placing itin a context, explaining and making it clear.However, it is both useful and opportune tostudy the genres, as well as interview techni-ques and the Advanced Literary Journalism.

Key words: Journalism; Genres; Quality;Service.

1 InformativoA questão dos gêneros na práxis informativaainda é uma área muito polêmica. Entretantofaz-se necessário estabelecer uma classifica-ção de tendências em que a informação seprocessa.1 Pelo menos no impresso, ao abrirum jornal, por exemplo, o leitor mais atentoperceberá o predomínio de artigos assina-dos e matérias claramente opinativas como oEditorial. Nas páginas seguintes terá notíciascurtas e algumas reportagens mais extensas.No caderno final e nos suplementos especi-alizados terá uma informação mais amena,até com uma linguagem mais alegre comona crônica esportiva ou nas crônicas propri-amente ditas. Há ainda reportagens farta-mente ilustradas sobre viagens, saúde, lazer,comportamento, literatura, além de palavrascruzadas, tiras, horóscopo, adivinhações etc.Por isto alguns autores2 classificam as ma-

1Cf. MEDINA, 1988, p. 552Para Todorov (citado por Manuel Carlos Cha-

parro, em Sotaques D’Aquém e D’Além Mar - Per-cursos e Gêneros do Jornalismo Português e Brasi-leiro. Portugal: Editora Jortejo, 1998, p. 117) "gêne-ros são classes de textos com propriedades comuns".

térias jornalísticas por seu conteúdo Infor-mativo (as notícias curtas), Opinativo (oseditoriais e colunas assinadas), Interpreta-tivo (os textos mais explicativos, que inter-pretam o fato através de reportagens e entre-vistas contextualizadas) e Recreativo (maisvoltado para o lazer e a diversão do leitor).A professora Cremilda Medina entende queo Gênero Recreativo não é uma terminolo-gia adequada, tendo em vista as transfor-mações que os jornais estão experimentandocom as novas tecnologias e com as pesqui-sas3 que identificam a adequada segmenta-ção de público à qual correspondem os con-teúdos de cada gênero. Ao fim e ao cabo, oque os jornais e toda a mídia buscam é al-cançar a maior audiência possível porque éisto que atrai anunciantes e melhora o fatu-ramento publicitário. Esse interesse pelo as-pecto econômico-financeiro que permeia, defato, todo o processo de produção capitalistavoltado para a acumulação,4 está suficiente-

Assim, outros autores reúnem os textos jornalísticosmais de acordo com a forma que o conteúdo: Entre-vistas, Reportagens, Artigos, Colunas, Editoriais, Pe-quenas Notas etc.

3 Em palestra sobre Novos Paradigmas da Ciên-cia, na Unesp, campus de Bauru, por ocasião da Se-mana Nacional de Ciência e Tecnologia, em 5 out.2005, a psicóloga e doutora em filosofia pela UFRJ,Viviane Mosé, produtora do quadro do Fantástico (TVGlobo), revelou que a emissora carioca - líder de au-diência no país - faz pesquisas permanentemente paraverificar as demandas do gosto popular, com o obje-tivo de não investir em gêneros e produtos de poucaaceitação. No caso do quadro sobre os grandes filó-sofos - Ser ou não Ser - a pesquisa de opinião públicaconstatou, segundo ela, que as pessoas estão interes-sadas em formação, e não apenas em informação.

4"As flores do campo e as paisagens têm um gravedefeito: são gratuitas. O amor à natureza não estimulaa atividade de nenhuma fábrica", afirma o Diretor deIncubação e Condicionamento em Admirável MundoNovo, de Aldous Huxley,1981, p. 20.

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mente resumido no título da obra clássica daprofessora Medina: Notícia - Um Produto àVenda.5

Neste artigo vamos tentar caracterizar umpouco melhor cada um desses quatro gênerosdo jornalismo.

De início vale ressaltar que qualquer gê-nero é, antes de tudo, Informativo, pois a no-tícia é a matéria-prima do jornalismo. “Quevem a ser essa figura tão importante, es-pécie de prima donna da imprensa, vedeteinsubstituível no domínio jornalístico?”, in-daga Luiz Amaral.6 E responde com múl-tiplas definições: “Notícia é algo que vocênão sabia antes”. “É um pedaço do socialque volta ao social”. “É tudo que o públiconecessita saber, tudo que o público desejafalar”. Ela se torna tanto mais significativae interessante em função de sua atualidade(imediatismo), proximidade (local), impor-tância (valor intrínseco), transmissibilidade(clareza), conflito (polêmica), suspense (ca-pacidade de prender a atenção), emoções(presença do ser humano) e conseqüências(tendência futura). Encontramos no regis-tro de Amaral7 a grande lição que o jorna-lismo deveria observar, sempre, quando pro-duz notícia: “Um acontecimento só nos de-tém quando, de uma forma ou de outra, te-mos a impressão de participação ou identifi-cação...para ser compreendido pelo públicoo repórter deve partir daquilo que ele co-nhece bem – ele próprio - e falar a lingua-gem do coração”. O mestre está nos ensi-nando a não abrir mão da emoção, a colocar-nos no lugar do outro, a sentir a sua dor ouo seu prazer, suas angústias, suas alegrias.

5 Cf. Editora Summus, 1988.6 Cf. AMARAL, 1997, p. 39.7 id., p. 42.

Para tanto “é preciso descobrir na notícia umponto de interesse, de contato, uma brechaque sirva para atrair o espírito do leitor”.8

Geralmente o leitor se interessa por assun-tos relacionados com sexo, morte, destino,dinheiro, situação do tempo, atos de genero-sidade e a piedade presente nos casos absur-dos e emocionantes. Para Pierre Lévy,9 “no-tícia é a virtualização do fato através do realsimbólico”.

2 RecreativoComo vimos, o recreativo é uma forma aindamais discutível de classificar os gêneros dojornalismo. Como relacionar na categoria de"recreativa"uma matéria de comportamentoque trata de situações extremas diante dasdoenças graves ou terminais ou mesmo daprópria morte? A reportagem sobre desco-bertas científicas pode ser definida como re-creativa? E as matérias sobre Educação? Oque outros autores defendem – como AlbertoDines - é um estilo leve, bem humorado,mais arejado, que não deve ficar confinadoa este ou aquele caderno, mas que deve per-passar todo o jornal, do Esporte ao Editorial.A este respeito, o jornalista Márcio MoreiraAlves critica a linguagem rígida dos editori-ais brasileiros que, na sua opinião, parecemquerer atingir a cabeça do leitor como umapedrada, tentando enfiar-lhes goela abaixo apersuasão imaginada pelo editorialista. 10

De qualquer forma – com esta ou aquelaclassificação – o jornalismo precisa dar aten-ção ao leitor que busca um pouco de lazer,

8 id. ibid.9 Cf. LÉVY, 1998, p. 55.

10 Citado por AMARAL, L. Técnica de Jornal ePeriódico, p. 140.

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de recreação, de divertimento, algo para pas-sar o tempo, descompromissadamente. Acultura do lazer é uma presença crescenteno estressante ritmo da vida atual predomi-nantemente urbana. Antigamente condenadocomo “preguiça”, hoje o ócio com dignidadeé visto como hábito saudável, sinal de in-teligência emocional, traço cultural e sócio-econômico, como define o sociólogo italianoDomenico De Masi. Isto significa que os jor-nais e toda a mídia devem valorizar o noti-ciário sobre cultura, esporte, teatro, cinema,viagens, humor, as crônicas e sátiras, o hu-mor em geral...a própria educação ambien-tal pode ser passada, com excelentes resulta-dos, através da informação lúdica, dos jogosem forma de infográficos, dos desenhos e ti-ras, das histórias em quadrinhos, das crôni-cas etc. 11

3 OpinativoMas o jornalismo não tem apenas o dever deinformar e divertir – mesmo quando educa.Também tem o direito e o dever de opinar. Écom a opinião segura, abalizada, bem fun-damentada, que o veículo de comunicação

11 "Os momentos escolhidos para ler os jornaissão os intervalos de repouso: o descanso que segueao almoço, a espera do jantar ou a hora de dormir.[...] a leitura dos jornais é a distração consciente-mente procurada, nas salas de espera, nos (domin-gos e) feriados, quando chove", afirma Jean Stoet-zel ao relacionar a recreação como a segunda funçãopsicossocial da imprensa (após a função de atualiza-ção), acrescentando que o próprio público consideraa leitura dos jornais como uma atividade de prazer.Ao mesmo tempo, para o político e jornalista francêsJean-Jacques Servan-Schreiber, em sua obra O Desa-fio Americano, "uma das principais características dacivilização pós-industrial é o número de horas de la-zer, cada vez maior, que o homem poderá desfrutar".Cf. AMARAL, 1978, p. 20-21

cumpre seu papel social a serviço do recep-tor, agindo com transparência, passando se-riedade e credibilidade. É necessário que osjornalistas tenham liberdade para comentar arealidade, orientando seus leitores. Infeliz-mente, entretanto, não é sempre assim, nemmesmo em países mais desenvolvidos. Bastalembrar o sensacionalismo dos tablóides in-gleses ou a demissão do jornalista Peter Ar-nett, em 2004, nos EUA, por ter criticado ainvasão do Iraque. É o que nos leva a consta-tar, infelizmente, que não existe liberdade deimprensa, apenas liberdade de empresa. Poristo muitos jornalistas se acomodam, comodenuncia Ignacio Ramonet, do Le Monde Di-plomatique, aceitando as regras do mercadoe silenciando quando deviam se manifestar.Para Luiz Beltrão12 é a opinião que “valorizae engrandece a atividade do jornalista, poisquando expressa com honestidade e digni-dade, com a reta intenção de orientar o lei-tor, sem tergiversar ou violentar a sacrali-dade das ocorrências, se torna fator impor-tante na opção da comunidade pelo mais se-guro caminho à obtenção do bem-estar e daharmonia social”.

No que se refere especificamente ao Jor-nalismo Ambiental, o “dever de opinar” éigualmente sagrado, pois trata-se de infor-mar claramente sobre situações que aparen-temente são vantajosas para a sociedade masque escondem ciladas e intenções não reve-ladas pelos interesses ideológicos em jogo.Mas para opinar é preciso conhecer, estudar,pesquisar, checar dados, confrontar fontes,“gastar sola de sapato” como se diz. É istoque faz o diferencial entre os bons e os mausjornalistas, entre os que têm garra e os que

12 Cf. BELTRÃO, L. Jornalismo Opinativo. PortoAlegre: Sulina, 1980, p. 14.

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têm preguiça, entre os que são céticos e osque acatam tudo....qual jornalista se lembroude pesquisar melhor quando, décadas atrás,um laboratório lançou o medicamento Tali-domida para uso na gravidez? Mas todosnoticiaram, anos mais tarde, o nascimentode crianças com defeitos físicos em todo opaís...

4 InterpretativoAparentemente o gênero Interpretativo - cujabase é a investigação acurada - confunde-secom o Opinativo. Mas não se trata da mesmacoisa. Enquanto o Opinativo parte da infor-mação ou de um pressuposto que configurauma hipótese a ser provada, desenvolvendoem seguida uma argumentação lógica base-ada em boa pesquisa, terminando com umaconclusão persuasiva, o Interpretativo deixapara o leitor a decisão de acatar ou não a in-formação passada do modo mais claro e maisexplicativo possível, sempre buscando a con-textualização histórica, o entorno do fato, osdetalhes do acontecido ou declarado, para iralém do meramente declaratório. Advoga-se, na verdade, um jornalismo que possamostrar ao leitor as tendências futuras, istoé, o encaminhamento que o fato pode tomar,mas não a partir de futurologia irresponsá-vel, e sim de um relacionamento "ótimo"comas fontes do setor. O relacionamento com afonte é ótimo quando a cumplicidade profis-sional preserva a ética e o respeito mútuo,quando o profissional preserva o nome dafonte nas declarações em off e quando nemum nem outra usam o jornalismo com outropropósito que não o de levar a informaçãoverdadeira ao público alvo. Naturalmente obom repórter sabe que é necessário checar asinformações e também sabe que não existem

dois lados na notícia, mas muitos lados, tal-vez alguns conflitantes. Por isto é necessáriochecar, conferir, confrontar dados, ouvir denovo as mesmas fontes, se necessário.

Este é, talvez, o gênero mais difícil - talvezpor isto o mais gratificante - do jornalismoporque exige ainda mais apuração, mais en-trevistas, mais consultas, mais investigação,mais envolvimento da equipe para que o tra-balho saia “redondo”, na expressão de Al-berto Dines13, para que o leitor receba to-das as informações relacionadas com aqueletema e possa tirar, com segurança, suas pró-prias conclusões.

Entretanto, é neste gênero que se desta-cam os grandes jornalistas. Basta lembrarque foi com a ferramenta do Interpretativoque surgiu o "new journalism", nos EstadosUnidos, com destaque para os textos da re-vista Time, em 1923, que inaugurou um es-tilo mais explicativo para noticiar os fatos dasemana, influenciando o surgimento de pu-blicações semelhantes como The New Yor-ker (celeiro dos primeiros livros-reportagemcomo A Sangue Frio, de Truman Capote; OSegredo de Joe Gould, de Joseph Mitchelletc), L’Express, na França; Der Spiegel, naAlemanha; L’Europeo, na Itália etc. Gran-des nomes se revelaram no gênero interpre-

13 Alberto Dines lembra, entretanto, que "o gêneroinvestigativo foi sendo abandonado, aos poucos, pelaimprensa brasileira, justamente quando os grandesjornais preferiram a linha ’empresarial’, que consistebasicamente em informar sem se comprometer. Ogolpe fatal lhe foi desferido paradoxalmente quandoa ’febre’ da comunicação e do seu controle invadiu asinstituições brasileiras [na década de 1970]. Organis-mos privados ou públicos passaram a organizar seusdepartamentos de informações para filtrar e divulgaratravés de notas e releases, a matéria de seu interesseou que lhes era solicitada.". Cf. O Papel do Jornal,1986, p. 91.

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tativo como John Reed, Tom Wolfe, NormanMailler, Ernest Hemingway, Gay Talese, Ga-briel Garcia Marques (Colômbia) e tambémo herói nacional de Cuba, José Martí, entreoutros.

No Brasil esse modo de fazer jornalismode qualidade apareceu em 1928, na revistaO Cruzeiro, de Assis Chateaubriand, regis-trando seu auge nos anos 50, com os me-moráveis textos de David Nasser, Joel Sil-veira, Edmar Morel e tantos outros. Mas foiem 1951, com a reforma do Diário Carioca,onde Pompeu de Souza introduziu pela pri-meira vez na imprensa brasileira a técnicaamericana do lead e o Manual de Redação- como forma de sistematizar e padronizar aprodução de notícias - que teve início a fasemoderna da imprensa brasileira, já a essa al-tura operando em moldes empresariais.

Outro passo importante na melhoria dequalidade do nosso jornalismo foi a reformado Jornal do Brasil, por Alberto Dines,que também trouxe da imprensa americanaa idéia do Caderno de Pesquisa e do Ca-derno Especial de Domingo onde os profis-sionais poderiam escrever textos mais ame-nos, mais contextualizados, afinal, interpre-tando melhor a realidade. Uma Realidadeque surgiu como revista mensal em 1966(preservando as características originais denarrativa diferenciada até 1968), ícone daimprensa brasileira, consolidando em nossopaís o "Novo Jornalismo", juntamente como Jornal da Tarde, em São Paulo, tambémem 1966, dando asas à imaginação cria-dora de nomes ontológicos como José Ha-milton Ribeiro, Luiz Fernando Mercadante,Domingos Meirelles, Joel Silveira, MauroSantayana e tantos outros que Audálio Dan-tas reuniu no livro Repórteres, em 1997, comapoio da Editora Senac.

O "Jornalismo de Autor-- como Dineschamava o "Novo Jornalismo brasileiro--também teve seu espaço na fase pioneirada revista Veja, seguindo-se, depois, oslivros-reportagem de Fernando Morais, Zu-enir Ventura, Ruy Castro, Caco Barcelos eos estudos acadêmicos na área do JornalismoLiterário (como veremos a seguir) com oprofessor Edvaldo Pereira Lima (ECA-USP)e Celso Falaschi (PUC-Campinas) criadoresdo site www.textovivo.com.br.

Hoje o texto interpretativo está despresti-giado, embora já se observe uma tendência àsua retomada, diante do "cansaço"provocadopelo excesso de informações curtas e super-ficiais que os meios despejam sobre o re-ceptor sem apresentar qualquer diferencial.O que tem ocorrido, infelizmente, é que amesma tecnologia que situou o jornalismocomo uma atividade de ponta na indústriagráfica do país, empurra os meios de comu-nicação para a necessidade de disputar mer-cado através da multiplicidade de pequenasnotícias, abordando todos os assuntos, po-rém de forma superficial e meramente quan-titativa. Parte-se do princípio que o apres-sado leitor de nossos dias não tem maistempo para “saborear” longas reportagens.Por isto mesmo as empresas não investemmais em coberturas de fôlego, preferindo re-duzir custos com a produção de notícias cur-tas que muitas vezes chegam pelas Agên-cias de Notícia dispensando a contratação debons jornalistas. Quando o jornal é regional,então, a cobertura local fica praticamente en-tregue a alguns interesses políticos e empre-sariais. Até mesmo parte expressiva do no-ticiário ambiental é “importado” de regiõesdistantes como se no “local” não existissemproblemas ambientais. Assim, não há inter-pretação da realidade, não há explicação do

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fato e o jornalismo perde sua vocação princi-pal que não é disputar espaço com os meioseletrônicos mas fazer o aprofundamento queo leitor espera, a contextualizaçãp que o fatoexige.

A este respeito, afirma o professor UlissesCapozolli, presidente da Associação Brasi-leira de Jornalismo Científico:

A imprensa tem pela frente um enorme de-safio: o de fazer jornalismo interpretativo,ou seja, de contextualização histórica dosacontecimentos como esforço para ofereceruma inteligibilidade possível do mundo. Essadeve ser a alternativa, ao menos para a im-prensa escrita, de enfrentar o caos informa-tivo trazido pela Internet. Essa é a nova fun-ção da imprensa, resultado do impacto não sóda tecnologia..mas do que se poderia chamar,novamente, de ’novos tempos’.

Alguns observadores da mídia chegam aafirmar que o espaço para o jornalismo inter-pretativo, de qualidade, já está de volta, emparte da mídia, e que em muitas redações oque falta mesmo é profissional com a neces-sária sensibilidade, a indispensável força devontade e a natural capacidade de escreverbem para relançar o gênero.

A se confirmarem tais prognósticos, ca-berá, naturalmente, à escola preparar profis-sionais mais criativos, menos propensos aosbitolamentos tradicionais da objetividade ra-cionalista que teima em ter sempre a bordoos instrumentos inibidores da criatividadeque são a apuração apressada, o excessivoformalismo do lead, os rigores do Manual daRedação, a pauta fechada (que não dá aber-tura de abordagem ao repórter) etc.

Com a flexibilização curricular aprovadapelo Ministério da Educação e Cultura em1996 e regulamentada em 2002, os cursos de

jornalismo já têm liberdade para montar cur-rículos mais adaptados às caraterísticas soci-ais, culturais e econômicas de cada região dopaís, o que abre perspectivas para currículosmais compreensivos em relação às deman-das sociais da atualidade. Novos métodosde ensino centralizado no aluno, nos quaiso professor é mais uma instância de apren-dizado, e não a única, com a necessária im-plosão das paredes que cercam a sala de aula- através do uso adequado da Internet, ferra-menta que revolucionou profissões como asdos comunicadores - permitem à área aca-dêmica proporcionar um ensino em sintoniacom os "novos tempos"de que fala o profes-sor Capozolli.

Algumas escolas do país - poucas ainda -estão introduzindo a disciplina "JornalismoAmbiental"na graduação, na pós-graduaçãoe também nas especializações. Esta é umadisciplina que oferece a oportunidade de le-var o aluno ao questionamento da sociedadee dos modelos econômicos vigentes, desper-tando nele o senso crítico inerente ao profis-sional que se destaca do lugar comum. Afi-nal, trata-se de uma matéria intensamente in-terdisciplinar, que abarca várias áreas do co-nhecimento (economia, antropologia, socio-logia, política etc) e que pode servir de mo-delo para a preparação de futuros jornalistascom visão ampliada na análise da complexi-dade do mundo. Este esforço de estudo in-terdisciplinar é próprio da característica sis-têmica que envolve o conceito de meio am-biente permanentemente aberto em sua mul-tiplicidade de abordagens e métodos. ParaEdgar Morin,

...devemos, pois, pensar o problema do en-sino, considerando, por um lado, os efeitoscada vez mais graves da compartimentação

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dos saberes e da incapacidade de articulá-los,uns aos outros; por outro lado, considerandoque a aptidão para contextualizar e integraré uma qualidade fundamental da mente hu-mana, que precisa ser desenvolvida, e nãoatrofiada"(MORIN, 2003, p. 16). 14

Por isto mesmo, sendo o foco deste tra-balho a tentativa de encontrar novos forma-tos, novas linguagens, novos paradigmas deinformação e de formação jornalística, opta-mos por tratar o estudo do jornalismo am-biental através de uma nova abordagem quealia o honesto registro do fato acontecido (ouda declaração), como é esperado do jorna-lismo, com a capacidade de ousar na criati-vidade, na imaginação, na descrição de de-talhes, na imersão em profundidade, no re-gistro de histórias de vida das pessoas domundo real (e não só dos "olimpianos- termoque tomamos emprestado de Cremilda Me-dina - e autoridades).

Estamos falando de uma nova linguagemjornalística, uma ferramenta que pode mudaro modo de fazer jornal.

É a proposta do Jornalismo LiterárioAvançado.

5 Jornalismo Literário AvançadoA abordagem do Jornalismo Literário Avan-çado nasceu na Escola de Comunicação eArtes - ECA, da Universidade de São Paulo,a partir da tese de doutoramento do seu cri-ador, professor Edvaldo Pereira Lima, nadécada de 1990. Trata-se de um aperfei-çoamento da disciplina "Jornalismo Literá-rio", que é ensinada na Europa e nos EUA,constituindo-se, com a sua adaptação ao Bra-sil, uma significativa contribuição acadêmica

14 Cf. MORIN, 2003, p. 16.

para a retomada do "jornalismo da totali-dade"amparado na Teoria Geral dos Siste-mas.

A principal característica desse método é,exatamente, o rompimento com o paradigmalinear presente no reducionismo de filiaçãoiluminista-cartesiana. Valoriza a capacidadede observar a realidade com outros olhos, li-teralmente com "os olhos da mente", abrindoespaço para o lado direito do cérebro que émais abrangente e subjetivo. Com este mé-todo o jornalista poderá ver a floresta alémda árvore, ou atingirá a percepção diferencialde não ver apenas o dedo quando lhe apon-tarem as estrelas. Aquela pauta que renderáuma simples entrevista para o jornalista con-vencionalmente lógico, poderá significar umsaboroso perfil para outro menos apressado,porque toda pessoa humana tem uma históriae, para o professor Edvaldo, "não existe his-tória ruim, o que existe é história mal con-tada". Isto também vale para as instituições,as cidades, os lugares. Nada nem ninguémestá isolado ou perdido no mundo. Buscaresses elos de interconexão do ser, aparente-mente individual, no Ser cósmico, relevar aplenitude da vida, sua jornada, suas transfor-mações, seus pontos de virada, sua trajetó-ria, seus altos e baixos, suas glórias e mi-sérias..é isto que faz o Jornalismo LiterárioAvançado, seja através do livro-reportagem,do flash-book , do perfil ou mesmo do textocurto.

Dessa forma, enquanto a mediação con-vencional transforma uma entrevista em in-formações, as técnicas de "imersão"ou de"observação participante"darão ao jornalistafiliado ao JLA a oportunidade de transmi-tir idéias, o que é absolutamente singularse aceitarmos que a mente humana pensa apartir de idéias e não de informações, como

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nos lembra Roszak.15 Por isto o JLA reco-menda a História de Vida em substituição àdoutrinação quando o objetivo é a persuasão.Vimos isto lá atrás, em Agostinho e Fran-cisco, que pregavam através de exemplos.Para CAPRA (1994, p. 69) "todo conheci-mento significativo é conhecimento contex-tual, e grande parte dele é vivencial e tá-cita". Por outro lado, para transmitir a "vi-vência"do outro, é necessário que o própriojornalista se faça "outro", de tal modo a pas-sar para o receptor não a narrativa da expe-riência, mas a experiência em si que agorajá será como que "sua"experiência, por estarincorporado nela. A este respeito, afirma Pe-reira Lima

Na visão holística do mundo, o observadornão pode ter uma leitura correta da realidadese não se preparar, ele próprio, para a condi-ção necessária à nova perspectiva de enten-dimento. Observador, observado e a coisaobservada transformam-se em interação sis-têmica, crescem para novos níveis de com-preensão. Só assim, mediante a experiênciaprópria, o jornalista terá capacidade de des-pertar, no leitor, os estados de percepção si-milares aos que vivenciou. (Edvaldo PereiraLima. In: Páginas Ampliadas, 1995 p. 258-259). 16

Todavia, "descobrir o outro, revelá-lopara os outros reivindica renúncia e cora-gem. Desvestir-se das crenças pessoais, das

15 "A informação é apresentada como a base dopensamento, enquanto que, na realidade, a mente hu-mana pensa com idéias e não com informações. [...]Idéias são padrões integrativos que não derivam dainformação, mas sim da experiência". Cf. TheodoreRoszak. In The Cult of Information. Citado por CA-PRA, p. 69.

16 Edvaldo Pereira Lima. In: Páginas Ampliadas,1995 p. 258-259.

histórias de classe e família, da fama efê-mera, do sucesso com o chefe circunstan-cial, das facilidades momentâneas e, literal-mente, como se dizia há alguns anos, ’pisarno barro’, é um salto no escuro", como ad-verte Cremilda Medina.17 E acrescenta:

São várias etapas. Abrir-se, aprender a ouvir,a respeitar o diverso, a lidar com os desiguais,a ser descrente e apurar, a recuperar visõesdistintas, a eleger o pequeno como parte es-sencial do todo e a todos tratar igualmente.Porque nessa tarefa o que eqüivale é a hu-manidade. E a informação bem trabalhadaé patrimônio da humanidade. Seja entre asmulheres afegãs, as africanas esterilizadas, asnordestinas famintas e malcuidadas, as mo-delos tornadas objetos de consumo ou os se-nhores de todos os poderes.

Contar boas histórias. Contá-las bem.Com emoção. Este é o grande diferencialpara a narrativa jornalística dos "novos tem-pos". Mas se agir friamente e apressada-mente, se não se preparar, o jornalista nãoalcançará a empatia que Erasmo de Rotter-dam (1469-1536) ensina:

O homem é feito de maneira que as ficçõeslhe causam muito mais impressão que a ver-dade. Quereis uma prova clara e sensível?Ide a vossas igrejas quando lá se prega. Se oorador trata de algum assunto sério, as pes-soas se aborrecem, bocejam, dormem; masse, mudando subitamente de tom e de as-sunto, [...] o pregador põe-se a recitar comênfase alguma velha história popular, a audi-ência logo muda de atitude: todos despertam,se aprumam, escutam, todos são olhos e ou-vidos. (ROTTERDAM, Elogio da Loucura,2005: p .69 - 70). 18

17 Cf. A Arte de Tecer o Presente, p. 149.18 Cf. Erasmo de Rotterdam. In Elogio da Lou-

cura, 2005, p. 69 - 70.

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Contudo, se a característica da narrativapelo JLA é o rompimento do lead raciona-lista, para deixar passar todas as influênciasbenéficas do nosso campo morfogenético, épreciso lembrar, com clareza, que a narra-tiva sempre parte do fato real acontecido, vezque o JLA trabalha com a literatura da reali-dade. O que faz toda diferença é que no JLAa pauta é totalmente flexível e a captação nãoé apressada, do mesmo modo que a narrativanão está estrangulada pelo arcabouço das pi-râmides invertidas, do lead, do sub-lead, dodead-line imediato etc.

Já nos primeiros anos da faculdade, osestudantes de jornalismo que pretendem seaprofundar na opção pelo JLA para escreve-rem suas reportagens experimentais ou seustrabalhos de conclusão de curso, geralmentepreferem a "cabeça bem-feita"à "cabeça bemcheia"de que fala Montaigne, explicado porEdgar Morin:

O significado de uma cabeça bem cheia (g.n) é óbvio: é uma cabeça onde o saber é acu-mulado, empilhado, e não dispõe de um prin-cípio de seleção e organização que lhe dê sen-tido. Uma cabeça bem-feita (g. n.) signi-fica que, em vez de acumular o saber, é maisimportante dispor ao mesmo tempo de umaaptidão geral para colocar e tratar os proble-mas [e dispor, igualmente, de] ...princípiosorganizadores que permitam ligar os saberese lhes dar sentido. (MORIN, 2003, p. 21). 19

Normalmente esses alunos pesquisam asnovas ciências, como as Ciências da Terra(entre elas a Geografia), a Cosmologia (quetrata do Universo), a Ecologia (que tratados ecossistemas), a História das Civiliza-

19 MORIN, A Cabeça Bem-Feita - Repensar a Re-forma, Reformar o Pensamento, 2003, p. 21

ções (aprendendo mais sobre Islã, China, Ín-dia), a Psicologia Arquetípica de Jung 20, aTeoria dos Campos Morfogenéticos ampli-ada por Rupert Sheldrake,21 a mitologia mo-derna estudada por Joseph Campbell22 etc.Sobre a importância de estudar os mitos, eaté mesmo o próprio sonho, Campbell dirá:"Uma coisa que se revela nos mitos é que,no fundo do abismo, desponta a voz da sal-vação. O momento crucial é aquele em que averdadeira mensagem de transformação está

20 Carl Gustav Jung (1875- 1961), fundador da psi-cologia analítica, rompeu com o pai da psicanálise(Freud) por discordar - dentre outras teses - que o sub-consciente humano tivesse uma natureza predominan-temente sexual. Jung considerava, além do inconsci-ente individual, o inconsciente coletivo, constituídopor símbolos universais, transmitidos de geração emgeração e cristalizados nos arquétipos, como a anima,que é a faceta feminina da personalidade masculina,e o animus, que é a faceta masculina da personali-dade feminina [...] Os arquétipos, enquanto patrimô-nio comum a toda a humanidade, podem ser encon-trados na literatura, na arte, e em outros produtos cul-turais. No indivíduo, eles se manifestam nos sonhose constituem fatores determinantes da personalidadee da conduta. Em Jung a terapia para os males psi-cológicos está na busca do equilíbrio. Exemplos dearquétipos do inconsciente coletivo são o mito do pa-raíso perdido, a figura do velho sábio, o herói etc. Cf.Eniclopédia Tudo. São Paulo: Abril Cultural, [s.d.],p. 131 e 748.

21 A Teoria dos Campos Morfogenéticos trata dadeterminação, da visualização e da projeção mentalque podem solucionar problemas aparentemente in-contornáveis, segundo Pereira Lima (1995, p. 255).Rupert Sheldrake é autor de O Renascimento da Na-tureza e de Os Sete Experimentos que Podem Mudaro Mundo", publicados pela Editora Cultrix, de SãoPaulo.

22 Os estudos de Campbell (1904-1987) sobre mi-tologia moderna, com vários livros publicados, influ-enciaram grandes criadores do cinema mundial comoSpielberg e George Lucas (de Guerra nas Estrelas, In-diana Jones etc). A citação referida no texto está emO Poder do Mito, 1990, p. 39.

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prestes a surgir. No momento mais sombriosurge a luz".

Eles igualmente lêem livros de Fritjof Ca-pra, onde aprendem sobre a complexidadeda vida e a abordagem holística, ou de AmitGoswami, sobre física quântica, isto é, sobreas ligações possíveis entre ciência e espiri-tualidade, ou sobre o grande mestre do pen-samento complexo que é Edgar Morin. Naverdade, esses alunos identificados com astécnicas do JLA estudam a abordagem sis-têmica do saber, como em Bertalanfy, assimanalisada por Morin:

A Teoria Geral dos Sistemas - que parte dofato de que a maior parte [sic] dos objetosda física, da astronomia, da biologia, da so-ciologia, átomos, moléculas, células, orga-nismos, sociedades, astros, galáxias formamsistemas, ou seja, conjuntos de partes diver-sas que constituem um todo organizado - re-tomou a idéia, freqüentemente formulada nopassado, de que um todo é mais que o con-junto das partes que o compõem...[...] assimas propriedades do ser vivo são desconheci-das na medida de seus constituintes molecu-lares isolados, elas emergem neste e para estaorganização. A rotina, fruto da ciência disci-plinar, era tão forte que, por muito tempo, opensamento sistêmico permaneceu afastadodas ciências, tanto naturais como humanas, e,ainda hoje, é marginalizado. (MORIN, 2003,p. 26). 23

Não faltaria assunto para tratar do JLAao longo de todo este trabalho se este fossenosso único propósito. Mas o que busca-mos aqui é apresentar as "ferramentas do sis-tema", isto é, alguns recursos que os futurosjornalistas poderão utilizar na proposta deum outro jornalismo possível, voltado para

23 Cf. MORIN, 2003, p. 26.

a leitura totalizante da realidade. Como oJLA, em sua metodologia, contempla exata-mente este modo de ver, e como o estudodo meio ambiente apresenta característicasigualmente interdisciplinares por excelência,entendemos que o JLA pode ser uma boa fer-ramenta de trabalho. Sendo assim, podemospenetrar, agora - tendo adquirido, com hu-mildade, o saber dos mentores - em algumasminúcias da própria técnica do fazer jorna-lístico que tem, na entrevista, sua matériaprima, etapa determinante nesta nossa jor-nada em busca do Graal do saber. Um saberque não nos torna melhores nem mais felizesse não colocado a serviço de uma finalidadenobre como é levar às pessoas um conheci-mento integrado, inclusivo, holístico, que émuito mais do que simples informação, paranão incorrermos na dúvida de T. S. Eliot:24

"Onde está o saber que perdemos na infor-mação? Onde está a sabedoria que perde-mos no conhecimento?"

6 Técnicas de EntrevistaAlgumas técnicas são essenciais na entre-vista para o JLA, destacando-se, como jáfoi dito, o aspecto da "imersão". Nas his-tórias de vida, antes de mais nada, é pre-ciso conquistar a simpatia do entrevistado.E isto não se faz com meias-verdades, commentiras, com falsa identidade, com câma-ras ocultas ou com qualquer outro expedi-ente escuso. Pelo contrário, para estabele-cer uma boa interação com a fonte, o jorna-lista deve ser honesto, transparente, amigo,companheiro. Ninguém abre a caixa pretada vida, na sua intimidade mais crua e maisexposta, a uma pessoa não confiável, estra-

24 Citado por MORIN, 2003, p. 17.

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nha, maquiavélica. Por outro lado, o própriojornalista deve se precaver para não se en-volver em situações ilegais. Em depoimentoà imprensa, no início de 2003, sobre seu li-vro a respeito de um traficante, Caco Barce-los contou que estabeleceu algumas normas,segundo as quais não tomaria conhecimento– durante as entrevistas – de fatos criminososem andamento ou futuros, apenas de fatospassados. Também é necessário obter, logode início, um documento assinado em que oentrevistado autoriza a divulgação de texto eimagem a seu respeito, o que poderá livrar oprofissional de futuros e caros processos poruso indevido de imagem.

Uma vez conquistada a simpatia do entre-vistado, é necessário passar a conviver comele em seu próprio ambiente. Foi assim queJoseph Mitchell escreveu uma das mais boni-tas reportagens, em meados do séc. XX, con-tando a história de um boêmio do GreenwichVillage, em Nova York, o popular Joe Gould,que estaria escrevendo uma História Oralmaior que a Bíblia. Mitchell sempre evitavaos lugares-comuns do jornalismo: celebrida-des, poderosos, "olimpianos"... Seus perso-nagens viviam à sombra, anônimos. Suasreportagens eram buriladas anos a fio e fo-ram elas que melhor capturaram o espíritode Nova York entre as décadas de 30 e 60. Oprimeiro perfil de Joe Gould foi publicado narevista The New Yorker no fim de 1942. Em1964, Joseph Mitchell completaria o perfil deJoe Gould, sete anos após a morte de seu per-sonagem, com o qual conviveu longamentenos bares da cidade até "percebê-lo"nos mí-nimos detalhes.

Não agiu diferente outro destacadojornalista-literário norte-americano, NormanMailer, ao descrever "a luta do século"entreCassius Clay (Muhamed Ali) e George Fo-

reman, realizada em 1974, no Zaire. O autorentrou "em comunhão"com seu personagem,interagindo com ele, sentindo suas dores,experimentando suas alegrias, participandode corridas com ele, convivendo em suacasa, no Zaire, tornando-se quase uma"extensão"da pessoa. Afinal, essa luta tinhaalgo de ideológico entre o americanismoescancarado de Foreman e o muçulmanismocombativo de Clay, aquela coisa de Bemcontra o Mal tão própria do judaísmo-cristãoe tão cara aos que continuam se achando nodireito de mapear o "eixo do mal"sobre aterra.

O polêmico Truman Capote passou seisanos fazendo entrevistas, coletando dados,lendo documentos, pesquisando, até publi-car, em 1965, o clássico A sangue frio[sic], por ele considerado o primeiro livro-reportagem com recursos literários, baseadoem fato real, narrando um crime ocorridoem 1959 no interior do Kansas, no meio-oeste americano. Para uma verdadeira "imer-são"no contexto dos fatos, o autor mudou-se– por um ano – para a cidadezinha de Hol-comb, onde um casal e seus dois filhos fo-ram assassinados friamente, numa tragédiaque causou comoção nacional.

Ao posfaciar o relançamento de A sanguefrio [sic], pela Editora Companhia das Le-tras, em 2003, o jornalista Matinas SuzukiJr. baseou-se em longa entrevista concedidapelo próprio Capote a George Plimpton, pu-blicada em 16 de janeiro de 1966, em TheNew York Times, para expor o método deapuração que o autor utilizou até chegar aoque batizou de "romance de não-ficção". Asinformações que Matinas Suzuki Jr. coletouno referido depoimento revelam que

Capote entrevistou por longo tempo um

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grande número de pessoas sem fazer anota-ções ou gravá-las. Segundo ele, a anotaçãoe a gravação prejudicam o tempo dedicado àobservação dos personagens e do ambiente, eintimidam os entrevistados, que perdem a na-turalidade e deixam de fazer revelações im-portantes. Gay Talese, outro expoente do jor-nalismo literário, também condena o uso degravador e das anotações na frente do entre-vistado. Capote dizia ter treinado com umamigo uma técnica de prestar atenção abso-luta ao que ouvia (o amigo lia longos trechosde um livro em voz alta, e depois Capote,qual um "fotógrafo literário", tentava repro-duzir literalmente o trecho lido). Ele gabava-se de conseguir cerca de 95% de total preci-são.

A citação literal do texto tem o objetivode lançar luz sobre a já referida dúvida quemuitos profissionais têm na hora de regis-trar a apuração. Entretanto, mais do que aexpressão mecânica do método - gravar ouanotar ou um dos dois ou nem um nem ou-tro, o que resulta bastante relativo conformeas situações profissionais que se apresentamou conforme as capacidades e limitações decada entrevistador - o mais importante é re-ter o conceito do método. Trata-se, comefeito, de exigir do entrevistador uma con-centração especialíssima sobre o que está ou-vindo, uma capacidade de percepção do realmuito superior ao que normalmente chama-mos de "prestar atenção". Não basta prestaratenção, é preciso "entrar"na história, pensarjunto com o entrevistado, "copiar"o seu vôo,como se diz no jargão da aviação quando opiloto precisa repetir, em vôo, as manobrasdo colega ou da equipe, como faz a Esqua-drilha da Fumaça. A segurança da manobradepende literalmente dessa capacidade de in-teração do piloto com o grupo, numa fusão

quase perfeita entre homem e máquina, talcomo conta Edvaldo Pereira Lima a respeitode Ayrton Senna25 ao conquistar suas melho-res marcas com pneus de chuva, exatamentequando os concorrentes não conseguiam aconcentração suficiente para evitar as fatídi-cas derrapagens. Muitos fazem entrevistas,muitos se põem a fazer perguntas durantedias a fio a um personagem determinado paraescrever uma "história de vida". Mas pou-cos se perguntam por que Mitchell, Capotee todos os ases do jornalismo literário eramtão cuidadosos na apuração e levavam tantotempo para produzir o relato. Tudo bem quecontavam com o apoio (inclusive, ou prin-cipalmente, financeiro, coisa que falta hojeem dia) do fundador da revista The New Yor-ker, Harold Ross, e do editor Willian Shawn,que financiaram os dois autores e publicaramseus livros, inicialmente, em capítulos.

Na verdade, resolvido o problema finan-ceiro, não se pode ter pressa para produ-zir o jornalismo literário. Este é um gê-nero em que não basta registrar os fatos, épreciso pensar a narrativa, rechecar informa-ções, conferir dados, ficar atento ao anda-mento da situação. No caso de A sangue frio,por exemplo, a obra pareceria incompleta oumenos importante sem a solução final repre-sentada pela execução dos criminosos. Seriatransformar uma tragédia de grande reper-cussão em conto da carochinha, parodiandoos clássicos dos irmãos Grimm: "E ficarampresos para sempre"... Também J. Mitchellsó revelou o segredo do seu personagem de-pois que Joe Gould morreu.

Além dessas técnicas de entrevista, de nar-rativa, dos gêneros etc o jornalista conta com

25 Cf. Ayrton Senna, Guerreiro de Aquário, 1995,p. 94.

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a valiosa ferramenta da fotografia para valo-rizar suas reportagens. A fotografia dá vidaao texto, atrai a atenção do receptor, ajudaa explicar e contextualizar as situações. Poristo o fotojornalismo é disciplina obrigatóriano curso superior, compondo-se de parte teó-rica e parte laboratorial. Na cobertura ambi-ental, a fotografia exerce um destacado pa-pel de documentação e de referência. En-tretanto, como a notícia ambiental ainda nãomerece da imprensa convencional a devidavalorização, não é raro o uso de fotos me-ramente "ilustrativas"nas matérias ambien-tais, isto é, fotos retiradas de arquivo, por-tanto sem a presença participante do fotó-grafo no local dos fatos, de tal modo que amatéria passa uma informação, mas a fototransmite outro contexto que o editor, arbi-trariamente, superpõe. Em outras situaçõesa foto é "tratada"para "dar conta"de explicaro fato. Ainda há casos em que a foto de ar-quivo é publicada sem crédito e sem data, demodo a dificultar o entendimento do recep-tor. No âmbito da fotografia são muitos osatentados à ética da informação, enquanto seimagina estar preservando a estética da di-agramação à custa do sumário sacrifício daverdade.

7 ConclusãoPodemos concluir, afinal, que o jornalistadispõe de várias ferramentas como suporteà produção do texto de qualidade. Alémdos atributos próprios de seu estilo, de suaverve, de sua capacidade intelectual e, so-bretudo, de sua capacidade de apuração danotícia, ele pode conceber o texto - aindana fase mental - direcionando-o para a téc-nica estritamente informativa; ou para o en-tretenimento; ou para a persuasão ou, en-

tão, para o aprofundamento interpretativo,neste caso explicando melhor a informação,contextualizando-a com o antes, o agora eo depois. Também pode usar as técnicasde entrevista, lembrando-se que cada caso éum caso e que não há receita pronta. Contamuito, neste caso, a acuidade da observaçãodo que se passa em volta ou mesmo no sem-blante, na mente ou no coração do entrevis-tado. Por isto é importante preferir o contatopessoal que a entrevista à distância. Há aindao acervo de ferramentas oferecidas pelo Jor-nalismo Literário Avançado. Na verdade ojornalista precisa ter não apenas competên-cia mas também um pouco de sorte para es-tar na empresa certa no momento exato. Amaleabilidade da empresa que aceita desa-fios editoriais joga a favor do bom repórternaquelas horas decisivas em que o grandefato não manda recado nem avisa que estáchegando. Em outras situações, com editoresque se sentem pouco à vontade para romperparadigmas e bancar "aventuras"(como fez oeditor do W. Post no caso Watergate nos anos1970) então é doloroso ser criativo e às vezesnão resta outra opção senão pegar o boné eir batalhar um espaço profissional em cidademaior ou em veículo mais aberto. O funda-mental é jamais abrir mão dos ideais e de umjornalismo criativo, ético, sério e totalmentevoltado para o serviço ao receptor. Este é omelhor de todos os gêneros: o jornalismo deserviço.

8 BibliografiaAMARAL, L. Jornalismo: Matéria de Pri-

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