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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS
CURSO DE LETRAS
GÊNEROS TEXTUAIS E A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTO
KÊNIA VIEIRA DE JESUS
ANÁPOLIS
2009
1
KÊNIA VIEIRA DE JESUS
GÊNEROS TEXTUAIS E A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTO
Artigo apresentado à Coordenação do Curso de Letras para fins
de obtenção do grau de licenciado em Letras com Habilitação
em Línguas Portuguesa e Inglesa e Literaturas pela
Universidade Estadual de Goiás. Orientador: Ms. Sóstenes Cezar de Lima.
ANÁPOLIS
2009
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Autora: KÊNIA VIEIRA DE JESUS
Título: GÊNEROS TEXTUAIS E A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTO
Data de Defesa: 27 de novembro de 2009.
BANCA EXAMINADORA CONCEITO
_________________________________________________ ___________
Prof°. Ms. Sóstenes Cezar de Lima
Orientador
_________________________________________________ ___________
Profª. Ms. Euda Fátima de Castro
3
RESUMO Esta pesquisa tem como propósito efetuar uma investigação e análise das atividades realizadas com os gêneros
textuais que circulam nas práticas pedagógicas da aula de Língua Portuguesa no 3º ano do Ensino Médio, bem
como observar se no seu processo de escolarização, o texto mantém as mesmas propriedades sociodiscursivas e as características de gênero que detinha originalmente. O foco da pesquisa são os textos levados pelo professor
para a sala de aula. A presente pesquisa se insere no paradigma qualitativo e se fundamenta nos estudos dos
gêneros textuais. Os dados coletados mostram que, na sala de aula, diferentes gêneros textuais nem sempre
resultam em diferentes maneiras de se abordar o texto, já que as práticas de leitura e escrita recebem um
tratamento muito consolidado na escola. Além disso, os textos sofrem variação de sentido ao serem
escolarizados.
PALAVRAS-CHAVE: Gêneros Textuais. Ensino. Produção de Texto.
4
ABSTRACT
This research is intended to realize a investigation and analysis of the activities realized with the textual genres
that circulate on teaching practice of the Portuguese Language class in the 3rd year of high school, as to observe
if on the process of schooling, the text maintains the same socio-discursive properties and genre features that had
originally. The texts that the teachers take to the classroom are the focus of this research. The present research is within the qualitative paradigm and it is based on the studies of textual genres. The data generated show that, in
the classroom, different textual genres do not always result in different ways to approach the text, because the
lecture and writing pratices receives one treatment more consolated at school. Besides this, the texts suffer
meaning variation when they are schoorized.
KEYWORDS: Textual genres. Education. Text production.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 06
1 Os gêneros: em busca de definição 07
1.1 Distinção entre gêneros textuais e tipos textuais 08
2 Os gêneros na escola 09
2.1 Os gêneros textuais e o ensino de língua 09
2.2 Os gêneros textuais e a prática da escrita 11
3 Metodologia e geração dos dados 13
4 Circulação dos gêneros textuais na sala de aula e práticas didáticas: análise e discussão dos
dados 13 4.1 Gêneros textuais no ensino de gramática 14
4.2 Gêneros textuais no ensino de Literatura 17
4.3 Gêneros textuais na prática de leitura 18
4.4 Gêneros textuais na prática de produção de texto 20
CONSIDERAÇÕES FINAIS 21
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 22
ANEXOS 23
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INTRODUÇÃO
Neste artigo objetiva-se mostrar como os gêneros textuais são abordados em sala
de aula e como são utilizados para a prática de produção de texto (quando utilizados). Além
disso, outras práticas relacionadas aos textos serão descritas, a fim de perceber se no processo
de escolarização o texto ainda mantém as mesmas propriedades sócio-discursivas que detinha
anteriormente. A metodologia utilizada é de caráter qualitativo e se baseia no estudo dos
gêneros textuais. Utilizou-se para análise dos dados os textos e atividades aplicadas pelo
professor.
Sabe-se que produzir um texto escrito é promover um ato de comunicação, e para
isso ser efetivado de forma clara e objetiva, é necessário o trabalho com gêneros textuais
diversificados. A adoção dos gêneros como objeto de ensino conduz a um processo de
ensino/aprendizagem de língua materna que permite ao aluno utilizar atividades de linguagem
em qualquer situação em que se encontre.
O fato é que a escola, muitas vezes, não possui um objetivo real para o processo
de produção escrita em sala de aula. Dessa forma, quando o aluno produz um texto, ele sabe
que todos os seus erros gramaticais serão visados, o que gera no aluno a ideia de ignorância
para com a própria língua e acaba causando o medo de escrever. Além disso, para o aluno,
escrever é um ato obrigatório que compõe um processo avaliativo na escola.
Por esse motivo, a produção de texto tem sido uma das maiores preocupações para
o ensino da língua materna, pois, de um lado os alunos têm apresentado em todas as séries
escolares dificuldades ao expor suas ideias, de outro, os professores mostram-se cada vez
mais limitados em estratégias positivas diante dos textos dos alunos.
Acredita-se que esta pesquisa ao evidenciar a posição que os gêneros textuais e a
prática da produção de texto ocupam em sala de aula, será muito útil tanto ao âmbito
acadêmico, quanto à educação básica para a reflexão de uma metodologia que valorize o
trabalho com gêneros diversos e produções textuais a fim de contemplar as práticas sociais as
quais os alunos estão submetidos.
Assim sendo, o artigo será constituído de quatro partes: a primeira e segunda
contêm os pressupostos teóricos que embasarão a análise dos textos e atividades relacionadas
aos mesmos; a terceira apresenta a metodologia e geração dos dados; a quarta compreende a
análise de atividades e textos trabalhados em sala de aula pelo professor. Constituem ainda
este texto a conclusão, as referências bibliográficas e os anexos.
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1 OS GÊNEROS: EM BUSCA DE DEFINIÇÃO
O estudo dos gêneros não é novo e está se ampliando muito nas ultimas décadas.
São muitas as perspectivas teóricas. É importante ressaltar que o estudo dos gêneros surgiu na
época de Platão e Aristóteles e se achava concentrado apenas na literatura. Em Platão o que
prevalecia era a tradição Poética, enquanto que em Aristóteles era a tradição retórica. Agora o
estudo dos gêneros faz parte da lingüística de uma maneira geral, mas em particular nas
perspectivas discursivas.
Devido às diversas perspectivas de estudo, existem muitas definições para
gêneros. Bazerman (2006b) acredita que ao compreendermos os gêneros como fenômenos de
reconhecimento psicossocial (partes de processos de atividades socialmente organizadas),
possivelmente chegaremos a uma compreensão mais satisfatória dos gêneros. O autor defende
a posição de que “os gêneros emergem nos processos sociais em que as pessoas tentam
compreender umas às outras suficientemente bem para coordenar atividades e compartilhar
significados com vistas aos seus propósitos práticos” (BAZERMAN, 2006b, p. 31). Desse
modo, pode-se considerar os gêneros como fatos sociais que as pessoas realizam
constantemente em suas práticas sociais. Isso reforça a ideia de que os gêneros nascem
naturalmente da comunicação.
O estudo dos gêneros é focalizado também por Dolz e Shneuwly (2004). Os
autores defendem a ideia de gênero como um instrumento, ou seja, como uma ferramenta a
ser usada em situação de linguagem. Conforme Dolz e Shneuwly (2004, p.52), “uma das
particularidades desse tipo de instrumento - como de outros, alias - é que ele é constitutivo da
situação: sem romance, por exemplo, não há leitura e escrita de romance‟‟.
A posição assumida por Marcuschi diante dos gêneros não é muito diferente do
que foi colocado por Bazerman (2006b). Marcuschi ressalta que “os gêneros não são
entidades naturais como as borboletas, as pedras, os rios e as estrelas, mas são artefatos
culturais construídos historicamente pelo ser humano” (MARCUSCHI, 2005, p. 30).
Como vimos, os gêneros constituem recursos necessários para a interação; servem
para coordenar as atividades humanas e prover as formas comunicativas necessárias para
alcançar o significado pretendido. É através dos gêneros que são realizadas as situações
comunicativas nas práticas cotidianas, pois os gêneros surgem, situam-se e por fim, integram-
se de modo funcional às culturas em que se desenvolvem, caracterizando-se por suas funções
comunicativas.
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Após essas definições de gêneros, partiremos para outra questão muito discutida
ultimamente: gêneros textuais ou tipos textuais?
1.1 Distinção entre gêneros textuais e tipos textuais
Como pode ser observado, a comunicação é possível somente a partir de um
gênero textual. Dessa forma, uma distinção que se faz importante no interior deste trabalho é a
que existe entre gêneros e tipos textuais que, muitas vezes, é confundida pela maioria dos
profissionais da educação.
Marcuschi (2005) ao explicar tal distinção ressalta que a expressão tipo textual é
utilizada para designar uma espécie de sequência definida pela natureza linguística de sua
composição. Já a expressão gênero textual se refere a textos materializados que encontramos
vigentes nas práticas cotidianas e que apresentam características sócio-comunicativas
definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição. Para deixar essa
distinção mais clara, Marcuschi fornece uma listagem de gêneros. Para o autor, alguns
exemplos de gêneros textuais seriam:
Telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem
jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo,
receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante,
instruções de usos, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concursos, piada,
conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador,
aulas virtuais e assim por diante (MARCUSCHI, 2005, p. 23).
É muito importante ressaltar que tanto o gênero quanto o tipo textual são aspectos
que constituem o funcionamento da língua em situações comunicativas do dia a dia.
Bazerman (2006a) considera os gêneros não somente como formas textuais, mas também,
como formas de vida e de ação pelo fato de estarem sempre presentes em nossas práticas
cotidianas. Fazer a classificação dos gêneros textuais não é fácil, pelo fato de serem
dinâmicos, de possuírem complexidade variável, e ainda por causa de sua natureza sócio-
histórica. Mas, é preciso ter consciência de tal distinção no momento de trabalhar com textos
de diversos gêneros em sala de aula, seja para a leitura ou para produção de texto.
Os tipos textuais não são muitos, abrangem cerca de meia dúzia de categorias
conhecidas. A que é mais conhecida é a dissertação, famosa por ser muito utilizada para a
prática de produção textual nas escolas. Há ainda a narração, a exposição, a descrição e a
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injunção. Quanto aos gêneros textuais pode-se dizer que estes são de número quase infinito, já
que permeia toda a comunicação humana.
Marcuschi afirma ainda que “ao dominar um gênero textual, não dominamos uma
forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em
situações sociais particulares” (MARCUSCHI, 2008, p. 154). Dessa forma, podemos
considerar os gêneros como designações sócio-retóricas, enquanto que os tipos se enquadram
nas designações teóricas. Tendo essa questão em vista, pode-se dizer que os gêneros são
formas textuais (escritas ou orais) muito estáveis, históricas e socialmente situadas.
2 OS GÊNEROS NA ESCOLA
2.1 Os gêneros textuais e o ensino de língua
Os estudos sobre o ensino da língua materna apontam para a necessidade de se trabalhar com a leitura e a produção de textos na escola, visando à diversidade de gêneros. Há
uma necessidade muito grande de tratar os gêneros textuais de um modo bem explícito no
ensino de língua, já que a ênfase seria no ensino da produção de textos e não o ensino da produção de enunciados soltos. O que é observado com frequência, no ensino, é o
esquecimento das práticas de leitura e escrita e a função que estas exercem fora da escola,
enfatizando assim, o ensino de nomenclaturas gramaticais. As Orientações Curriculares para o Ensino Médio insistem na perspectiva de se
trabalhar com diferentes gêneros textuais que permeiam a comunicação humana. Isso
significa que:
[...] no contexto do Ensino Médio, devem propiciar ao aluno o refinamento de
habilidades de leitura e de escrita, de fala e de escuta. Isso implica tanto à ampliação
de saberes relativos à configuração, ao funcionamento e à circulação dos textos
quanto ao desenvolvimento da capacidade de reflexão sistemática sobre a língua e a
linguagem (OCEM, 2006, p.18).
Para isso, é necessário agrupar esses gêneros, em função de sua circulação social,
em gêneros literários, de imprensa, publicitários, entre outros, considerando assim, que o
trabalho com os gêneros proporciona a inserção do aluno na cultura letrada, além de ampliar a
sua competência linguística e discursiva, o que tornará mais visível a compreensão da
realidade desse aluno. Assim, o estudo dos gêneros pode ter consequências positivas para o
ensino da língua, pois o que é levado em conta são os seus usos e funções numa situação
comunicativa autêntica.
Já constitui um saber comum a consciência de que ensinar a língua não é
meramente ensinar a memorização das estruturas da língua, e sim ensinar a língua como um
lugar de interação entre sujeitos. No entanto, lamentavelmente, ainda é possível ver com certa
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frequência, nas aulas de língua portuguesa, tanto no Ensino Fundamental como no Médio, a
prática do estudo de nomenclatura e de estruturas linguísticas isoladas, ou seja, o ensino da
língua centra-se, sobretudo, no ensino de regras gramaticais, exigindo dos alunos o
conhecimento teórico dos conceitos e não a prática reflexiva com abordagem em gêneros
diversos. Ao se tratar do ensino com gêneros, Machado (2005, p.139) defende que:
[...] o ensino de produção e compreensão de texto deve centrar-se no ensino de
gêneros, sendo necessário, para isso, que se construa, previamente, um modelo
didático do gênero, que defina, com clareza, tanto para o professor quanto para o
aluno, o objeto que está sendo ensinado, guiando, assim, as intervenções didáticas.
Como o texto aparece sempre estruturado e configurado em um gênero textual, ter
o conhecimento da diversidade e do funcionamento desse gênero é de suma importância tanto
para a produção quanto para a compreensão, já que a identificação do gênero de um texto é o
ponto de partida para a sua compreensão. Conforme afirma Antunes,
Compete ao professor ajudar o aluno a identificar os elementos típicos de cada gênero
desde suas diferenças de organização e sequenciação (por exemplo, quantos blocos os
gêneros apresenta e em que seqüências eles costumam aparecer) até suas
particularidades propriamente linguísticas (lexicais e gramaticais) (ANTUNES, 2003, p.118).
Como se nota, esta identificação somente será possível na medida em que o leitor
adquire a experiência de leitura e sabe o que buscar em cada texto lido.
Ensinar a língua significa focalizar os discursos e os textos que marcam as
interações. Para isso, é necessário que o professor de língua materna tenha uma qualificação
melhor, para assim, ter o domínio e a familiaridade com as práticas prestigiadas de uso da
língua escrita. Um dos maiores problemas que se nota nas práticas de sala de aula é descobrir
formas para articular as noções construídas no quadro do ensino gramatical-frasal com as
noções que são provenientes da linguística textual.
De acordo com Dolz e Shneuwly (2004, p. 79), “a representação do gênero na
escola pode então ser descrita como segue: trata-se de levar o aluno ao domínio do gênero
exatamente como este funciona (realmente) nas práticas de linguagem de referência”. Como
se observa, a atenção é destinada ao domínio do gênero correspondido á prática de linguagem.
Desse modo, o aluno estará sendo preparado para enfrentar quaisquer exigências
comunicativas com as quais poderão se confrontar.
Pensando em um ensino de língua mais abrangente e que vise as práticas
cotidianas do aluno, Bunzen (2006, p.158) sugere que
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O professor trabalhe com uma política de ensino de língua fortalecedora das práticas
sociais dos alunos em contextos culturais específicos, pois não podemos negar o
“conflito intercultural” que tem lugar na escola (principalmente no EM).
Nessa perspectiva, vale mencionar que as práticas de leitura e escrita em gêneros
diversos, constantemente presentes no cotidiano dos alunos nos diferentes espaços de
socialização, devem ser totalmente legitimados na escola e não excluídas.
É indispensável que se pense no ensino de língua como prática de uso e de
reflexão sobre a linguagem. Ao visar o ensino nessa perspectiva, com certeza estará inserindo
o aluno na cultura letrada, levando-o a perceber as funções sociais da leitura e da escrita para
além do âmbito escolar.
2.2 Os gêneros textuais e a prática da escrita
Sabe-se que no momento que um gênero textual é introduzido na escola, torna-se
escolarizado, pois quando utilizado para a prática da escrita, se faz simplesmente para fins
avaliativos. Ao observar a prática de produção de textos em sala de aula, Bazerman (2006a)
afirma que
Aprender a escrever é um trabalho duro que requer o domínio de problemas de
escrita cada vez mais difíceis, de modo que, se quisermos que nossos alunos
aprendam a escrever, nós precisamos identificar os tipos de produção escrita com os
quais eles vão querer trabalhar com afinco e os tipos de problemas de escrita que
eles vão querer selecionar (BAZERMAN, 2006a, p.33).
A prática de produção de texto pode ser uma atividade bastante envolvente para
os alunos, caso o professor, no momento da escolha de determinados gêneros para a prática da
produção textual, conte com a ajuda dos alunos para a seleção dos textos com que se
identificam mais. Com certeza, a produção desses alunos será diferente, e, mais, deixará de
ser uma tarefa árdua passando á prazerosa.
Para Antunes (2003, p.62-63),
as propostas para que os alunos escrevam textos devem corresponder aos diferentes
usos sociais da escrita - ou seja, devem corresponder àquilo que, na verdade, se
escreve fora da escola - e assim, sejam textos de gêneros que tem uma função social determinada, conforme as práticas vigentes na sociedade.
Como se observa, é necessário que o texto esteja relacionado à realidade social do
aluno e que não se restrinja somente ao âmbito escolar. Ao levar em consideração os
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diferentes usos sociais da escrita, as condições de letramento (no caso o letramento social)
poderiam ser desenvolvidas dentro da própria escola, e assim os alunos teriam uma escrita
mais voltada para a realidade.
Voltando à escolha dos gêneros que permearão a aula de português para a prática
da escrita, é preciso que não haja displicência no momento de selecionar os gêneros escritos
que os alunos irão produzir. Quando o professor trabalha com os gêneros que norteiam a
realidade do aluno, o desenvolvimento do ensino/aprendizagem torna-se bem mais visível na
escola. Para Bazerman (2006a, p. 34)
Uma vez que os alunos se sintam parte da vida de um gênero, qualquer um que
atraia a sua atenção o trabalho duro e detalhista de escrever se torna
irresistivelmente real, pois o trabalho traz uma recompensa real quando engajado em
atividades que os alunos consideram importantes.
Diante disso, nota-se que é essencial o trabalho com a diversidade de gêneros
textuais que possibilite ao aluno a produção do seu próprio conhecimento lingüístico.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) ao visar à
prática de leitura e produção de textos sugerem uma prática de ensino mais voltada para a
formação de leitores e escritores críticos. Segundo os PCNs (1999, p.139) “o aluno deve ser
considerado como produtor de textos, aquele que pode ser entendido pelos textos que produz
e que o constituem como ser humano”. O documento coloca ainda que “a situação formal da
fala/escrita na sala de aula deve servir para o exercício da fala/escrita na vida social. Caso
contrário, não há razão para as aulas de Língua Portuguesa” (p.143).
Para Bunzen (2006, p. 158-159),
A visão que o aluno tem de produzir textos reduz-se a produção escolar e não remete
à diversidade de práticas sociais e suas múltiplas funções. A ênfase em atividades de produção de textos que visam apenas à correção gramatical para obtenção de uma
nota constrói normalmente uma identidade para este aluno como não produtor de
textos, como um sujeito “incapaz de escrever”.
Hoje em dia isso é típico nas escolas. No momento em que o aluno produz um
texto, tem a consciência que será simplesmente para obtenção de nota. É muito comum a
pergunta vale nota? feita pelos alunos quando o professor pede para realizarem uma produção
textual.
É importante ressaltar que quando o professor corrige os textos, a sua atenção é
votada somente para as correções gramaticais, esquecendo-se assim, da parte mais importante:
O conteúdo. Desse modo, os textos dos alunos se tornam reduzidos a produtos estritamente
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escolares, ou seja, estes textos não irão se enquadrar de maneira nenhuma numa dimensão
comunicativa; não exercerão nenhuma função nas práticas sociais desses alunos, pois após
receber os textos de volta, simplesmente serão engavetados ou descartados. Se houvesse
valorização das habilidades de escrita por parte da escola, os alunos poderiam exercitar as
suas competências textuais. Além disso, estaria preparando também, a competência
profissional desses indivíduos.
3 METODOLOGIA E GERAÇÃO DOS DADOS
Esta pesquisa utilizou-se a metodologia qualitativa para desenvolver o estudo
acerca dos gêneros textuais trabalhados em sala de aula. Para Flick (2004, p. 20)
Os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa... consistem na escolha correta de
métodos e teorias oportunos, no reconhecimento e na análise de diferentes
perspectivas, nas reflexões dos pesquisadores a respeito de sua pesquisa como parte
do processo de produção de conhecimento e na variedade de abordagens e métodos.
O trabalho de campo foi realizado em uma escola pública, localizada na cidade de
Anápolis-Go. As observações das aulas de Língua Portuguesa ocorreram no 3º ano do Ensino
Médio durante o período de 30 dias. Além das observações das aulas, os dados foram gerados
a partir de textos fornecidos pelo professor.
Para análise dos materiais recolhidos, dividiu-se as aulas em que foi trabalhado
conteúdos de gramática, leitura e produções de texto, como foco didático. Posteriormente, foi
feita uma listagem de todos os gêneros textuais introduzidos pelo professor na sala de aula.
Em seguida, houve a descrição e análise das atividades realizadas com os gêneros textuais.
4 CIRCULAÇÃO DOS GÊNEROS TEXTUAIS NA SALA DE AULA E PRÁTICAS
DIDÁTICAS: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
A discussão deste trabalho será feita a partir de dados coletados no 3º ano do Ensino
Médio. Tenho como objetivo analisar o modo como os gêneros textuais são abordados após
serem escolarizados, ou seja, retirados de seus suportes originais e inseridos na sala de aula,
investigando se no seu processo de escolarização, o texto conserva as propriedades sócio-
discursivas e as características de gênero que detinha originalmente.
A professora dividiu as aulas da seguinte forma:
11 aulas para o Ensino de Gramática;
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5 aulas para explicar conteúdo de Literatura;
2 aulas para a prática de leitura;
1 aula para a produção de texto.
Os textos utilizados foram:
4 anúncios publicitários (Revista MTV) reproduzidos no livro didático de Português – Anexo
1;
1 reportagem jornalística (Folha de S. Paulo) reproduzida no livro didático de Português -
Anexo 2;
1 resumo sobre o Modernismo no Brasil – Anexo 3;
1 resumo acerca do gênero conto - – Anexo 4;
1 conto fantástico (Marina Colassanti) – Anexo 5;
2 artigos de opinião (Lya Luft – Veja e Ulisses Tavares – Ponto de Vista) – Anexos 6 e 7
respectivamente.
Os textos mencionados acima, que serão utilizados para análise dos dados deste
trabalho, estão disponíveis no tópico anexo.
As atividades realizadas pelo professor serviram a quatro propósitos: 1) trabalhar
atitudes, comportamentos e opiniões dos alunos sobre questões e assuntos tratados nos textos;
2) trabalhar reconhecimento de formas gramaticais no texto; 3) realizar a prática da leitura
(direcionada apenas para fins escolares); 4) trabalhar produção de texto.
4.1 Gêneros textuais no ensino de gramática
Primeiramente, será visto o trabalho com os textos que enfocam o ensino de
formas gramaticais. Foram trabalhados cinco textos com esse propósito: quatro anúncios
publicitários da Revista MTV, n.4, ano 1, jun. 2001, p.76-77 e uma reportagem jornalística da
Folha de S. Paulo, 17 de dez. 2001.Folhateen, p.10, ambos reproduzidos no livro didático De
olho no mundo do trabalho. Tanto os anúncios publicitários, quanto a reportagem jornalística
foram passados no quadro para os alunos copiarem. As cópias dos textos no quadro, ou seja, a
transfiguração destes causou desperdício de tempo da aula, visto que a professora gastou 40
minutos para copiá-los no quadro.
Com relação aos anúncios publicitários, a professora faz uma questão
perguntando qual a finalidade desse “tipo de texto” (a questão foi elaborada pela própria
professora), e em seguida propõe outras questões (retiradas do livro didático) em que pede aos
alunos:
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1. Observe as seguintes frases extraídas do texto, classifique o período e delimite
as orações.
a) “Os furinhos deixam passar a água e ajudam a escolher o arroz”.
b) “Seu mecanismo interno suga, aquece, esteriliza e devolve o ar à
atmosfera”.
c) “É o clássico dos clássicos dos inventos brasileiros”.
d) “Parece um liquidificador, mas na verdade usa o mesmo princípio de
rotação das máquinas de lavar”.
e) “Ela chacoalha um pouco, e promete que devolve a roupa limpinha, só que (a devolve) bem encharcada”.
Foram passados no quadro mais dois exercícios referentes aos anúncios
publicitários, os quais pediam para explicar algumas afirmações baseadas em frases extraídas
do texto, e identificar o sentido que liga as orações:
2. Em alguns casos, o fato de as orações estarem relacionadas não indica
dependência sintática (relação das palavras ou frases dentro da construção
gramatical de um texto), mas semântica (relação dos sentidos e significados na construção de uma frase ou texto) de uma com outra. Em outros casos, temos
evidente dependência sintática. Observe as frases seguintes e explique a afirmação
acima.
“Os furinhos deixam passar a água e ajudam a escolher o arroz”
“A lavadora promete que devolve a roupa limpinha”
3. Se, em alguns casos, a relação tem a ver com o sentido que ganha um período
com a ligação de orações, então podemos identificar esses sentidos. Releia as frases
seguintes e identifique o sentido que liga as orações. a) “Seu mecanismo interno esteriliza e devolve o ar à atmosfera”.
b) “Ela devolve a roupa limpinha, só que (a devolve) bem encharcada”.
c) “Ideal para quem tem preguiça ou não tem uma grelha na churrasqueira”.
Com relação à reportagem jornalística, a professora solicita (questões provenientes
do livro didático):
4. Análise as duas frases seguintes, extraídas do texto e destaque as orações que
compõem os períodos. Considerando os conceitos de coordenação e subordinação responda e justifique: todas as orações são independentes? Que
tipo de relação é evidenciada nos dois casos?
a) “Desde os anos 70, está no ar a idéia de papel eletrônico, mas as últimas
novidades são de duas semanas atrás”.
b) “A expectativa é que um papel eletrônico mais ou menos convincente
apareça só daqui a cinco anos”.
Houve outro exercício pedindo para identificar nas orações, subordinadas que
exercem funções próprias do substantivo:
5. Pense na frase “Daqui a algumas décadas seu neto lhe perguntará o que era
papel.” Temos dois verbos, portanto duas orações. Observe que a oração “O que era
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papel” pode ser substituída pelo pronome isto, e funciona como objeto direto do verbo perguntar: Ele perguntará isto a você. Como o objeto direto é uma função
típica do substantivo, temos um caso de subordinação substantiva. Identifique nas
orações abaixo, subordinadas exercendo funções próprias do substantivo.
a) Os cientistas aspiram a que o produto esteja à venda em breve.
b) Há uma necessidade de que se crie um mercado para o livro eletrônico.
c) “Cientistas holandeses anunciaram que estão perto de criar uma tela com „quase
todas‟ as propriedades do papel: leveza, flexibilidade, clareza, etc”.
d) Os cientistas da Holanda têm uma posição: o papel eletrônico é uma realidade em curto prazo.
e) Os holandeses dizem que já têm um protótipo.
f) Que o papel eletrônico tenha mais vantagens do que o papel comum é necessário
para sua aceitação.
Nos dois casos, apenas uma questão foi feita com foco no texto. Com os anúncios
publicitários, foi enfocada a finalidade do texto. Pode-se verificar, nas práticas didáticas do(a)
professor(a), uma concepção de texto apenas como um repositório de elementos gramaticais.
Percebe-se que as questões formuladas estão voltadas para a estrutura de frases e não para a
estrutura e funcionamento dos textos enfocados. Nota-se também que, ao se tratar do ensino
de gramática, privilegia-se o trabalho com frases em detrimento do trabalho com o texto..
Desse modo, há um apagamento das características sócio-comunicativas originais desses
gêneros textuais, que, no processo de escolarização, transformam se em, basicamente,
enunciados escolares que servem apenas a exercícios de puro reconhecimento e memorização
de nomenclaturas gramaticais, característica da concepção escolar.
A abordagem da professora sobre a finalidade dos anúncios publicitários mostra
que ela não possuía conhecimentos teóricos satisfatórios a respeito do gênero anúncio
publicitário. De fato, sabia que eram textos que possuíam uma intenção (a de persuadir o
leitor a adquirir determinados produtos), mas houve um equívoco ao chamá-los de tipo de
texto, pois trata-se de gêneros. Com certeza há uma grande necessidade de se explorar
gêneros textuais diversificados em sala de aula, mas, além de saber a finalidade de cada
gênero, é essencial saber distingui-lo, o que implicará uma melhor compreensão do aluno
quando se defrontar com outros modelos de gêneros. Quanto às outras atividades propostas,
percebe-se que as técnicas são usadas visando direcionar a análise gramatical. As atividades
exigiam um bom domínio do conteúdo de sintaxe, caso contrário, os alunos não saberiam
responder as questões.
Além disso, há outro ponto que merece destaque em relação aos textos
trabalhados no ensino de gramática. A transferência desses textos para o livro didático
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provocou uma desfiguração em suas funções sócio-comunicativas, o que descaracterizou suas
configurações no plano social. A transfiguração de um texto é entendida como
O processo de transposição de um texto de uma determinada configuração (material
e social) para outra, cuja principal marca é a transferência do texto de um suporte
para outro, o que ocasiona necessariamente um novo circuito social para o texto
(LIMA, 2008, p.17).
Os gêneros textuais, ao serem transportados para o livro didático, sofreram
transfigurações, e serviram apenas para explicar conteúdos escolares.
Se antes os gêneros anúncios publicitários em seu suporte original tinham o
propósito de divulgar o produto para o consumo numa determinada circunstância específica,
após serem transferidos para o livro didático, reduziram-se simplesmente a conjunto de
exemplos potenciais para estudo da gramática. Não possui mais a função de divulgar o
produto, mas sim de explicar conteúdos didáticos referentes à sintaxe. O mesmo ocorreu com
a reportagem jornalística ao ser retirada do seu suporte original e reproduzida no livro: deixou
de concentrar algumas de suas propriedades sociais que possuía antes.
4.2 Gêneros textuais no ensino de Literatura
Perante ao conteúdo de literatura, será demonstrado neste ítem como a professora
trabalhou dois resumos para explicá-lo. O texto “O Modernismo no Brasil” (anexo 3) aborda
a primeira fase do Modernismo no Brasil. A professora disse que para conteúdo de literatura
opta por pegar resenhas/resumos da internet, pois o conteúdo do livro didático é extenso. O
texto foi passado no quadro para os alunos copiarem, para a cópia foi gasto uma aula de 45
minutos. A aula seguinte foi utilizada totalmente para a explanação deste conteúdo. O foco da
explicação girou em torno dos escritores de maior destaque e os tipos de movimentos e
manifestações que compunham esta fase.
É importante levar conteúdos desse nível para as aulas de literatura, mas não
houve nenhuma atividade que os abrangesse. Seria interessante trabalhar obras pertencentes a
este estilo literário para que o conteúdo pudesse oferecer significado para o processo de
aprendizagem dos alunos. Já que nesse período literário, os gêneros literários passavam por
transições, em relação aos estilos anteriores, em relação às formas e conteúdos. A professora
poderia ter demonstrado a diferenciação entre conto e romance, ambos são narrativas, porém
o conto centra-se em um conflito somente, enquanto o romance reflete sobre vários conflitos,
enfatizando o principal. As crônicas seriam interessantes para trabalhar o contexto histórico
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da época, visto que, esse gênero refere-se às situações cotidianas, assim a professora poderia
ter explorado o contexto no qual o modernismo originou-se, comprovando as características
do movimento. Além disso, ela poderia refletir sobre as semelhanças e rupturas daquele
momento em relação à atualidade. O gênero poema, nesta escola literária também passa por
inúmeras transformações. As formas ganham liberdade e os temas abordados são múltiplos,
essa riqueza poderia ser demonstrada nos poemas de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e
Manuel Bandeira, por exemplo, os poemas mostram os objetivos da época, que eram voltados
para a realização de uma arte cada vez mais nacional.
Outro ponto interessante que poderia ser realizado nesta aula é a comparação de
textos literários com pinturas da época que também refletiam sobre os mesmos ideais.
Como se observa, a escola ainda cultiva uma visão tradicional. Não visa a leitura da
literatura e sim o ensino da periodização literária. Para Martins (2006, p.85) “é preciso que a
escola amplie mais suas atividades, visando a leitura da literatura como atividade lúdica de
construção e reconstrução de sentidos”. Desse modo, antes de abordar determinado gênero
textual em sala de aula para transmitir o conteúdo de literatura, é preciso primeiramente
pensar em como envolver tanto o ensino como a leitura de gêneros literários, pois ambos
devem estar presentes no contexto escolar de modo articulado pelo fato de serem dois níveis
dialogicamente relacionados.
O resumo sobre o gênero conto (anexo 4) foi estudado em sala de aula para
abordar as características do gênero. A professora pediu para os alunos formarem duplas e
distribuiu cópias do conteúdo. A abordagem deste texto foi diferente da do primeiro, pois em
seguida foi proposto um conto para realizar a prática de leitura do gênero.
4.3 Gêneros textuais na prática de leitura
Para a prática de leitura, a professora utilizou o conto “A moça tecelã” de Marina
Colassanti (anexo 5), ela solicitou aos alunos, que em dupla, fizessem a leitura silenciosa do
conto. Enquanto eles liam o texto, a professora escreveu no quadro algumas questões
(elaboradas por ela) para que entendessem melhor o conto. Seguem as questões:
1) Quais as personagens principais?
2) O que acontece na história narrada?
3) Quem narra? O narrador conta de fora ou ele também é um dos personagens?
4) Quem é o autor do texto? É um autor contemporâneo ou mais antigo?
5) O que você achou do conto? Justifique.
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As questões acima tentam estimular a interpretação do texto, mas exercita apenas
o reconhecimento do que está explícito no texto. Nessas questões, não se percebe a
necessidade do aluno de colocar estratégias sociocognitivas em ação para processar o texto,
pois são perguntas objetivas, as quais focalizam apenas conteúdos presentes na superfície do
texto, o que torna uma atividade de pura decodificação para os alunos. Ou seja, a resposta
encontra-se centrada no texto e na biografia da autora no final do texto.
Apenas uma das questões formuladas exige que os alunos façam inferência ao que
não está explícito no conto. É o caso da questão “O que você achou do conto? Justifique”.
Neste caso, os alunos precisaram responder a questão oralmente e com as próprias palavras, o
que levou a um processo de reflexão um pouco maior. Mas, ao observar tal questão, percebe-
se que admite qualquer resposta, o que torna a ligação com o texto, apenas um pretexto sem
base alguma para a resposta.
As outras quatro questões formuladas possuíam o intuito de levar o aluno a
aprender alguma coisa sobre o conto, deixando de lado a etapa de compreensão e
processamento do texto, para se preocupar apenas com os ensinamentos que podem ser
adquiridos a partir dele.
Ao relacionar o texto “A moça tecelã” (anexo 5) com o resumo que continha as
explicações sobre o gênero conto (anexo 4) nota-se que durante a exposição do conteúdo não
houve referência ao fantástico, e o conto escolhido condizia com esta modalidade. Seria
viável que se constasse no resumo da explicação sobre o conto a sua classificação (fantástico,
maravilhoso, ficção, etc). Além disso, escolher outras modalidades de contos para serem
trabalhadas em sala de aula seria importante para a apreensão do conteúdo pretendido. Dessa
forma, o processo de ensino e aprendizagem ocorreria sem maior dificuldade e os alunos
passariam a compreender os textos literários de forma crítica e reflexiva.
Com relação ao outro texto (anexo 6) utilizado para a prática de leitura, o artigo
de opinião de Ulisses Tavares, intitulado “Sexo, dinheiro e sucesso? Só lendo!”, que,
conforme a cópia entregue aos alunos, foi retirado da revista Ponto de Vista, mas sem
indicação da data de publicação. Segundo relato da professora, o objetivo era levar os alunos a
perceberem a importância da leitura, sendo assim, ela não pediu nenhuma atividade, apenas
solicitou que os alunos refletissem sobre o texto.
Como se nota, houve a leitura do texto, mas direcionado apenas para fins
exclusivamente escolares. Desse modo, não se percebe no trabalho, a realização das
estratégias de leitura que levem ao processamento do texto pelos alunos, que os façam
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perceber o tom de persuasão utilizado pelo autor, já que o artigo de opinião é um gênero de
discurso que busca convencer o outro de uma determinada ideia e influenciá-lo por meio de
um processo argumentativo.
As atitudes dos alunos após a leitura do texto demonstraram que os efeitos de
sentido criados pelo autor não os levaram ao processamento das informações ali presentes.
Isso mais uma vez direcionou a prática de leitura para fins escolares, restringindo-se somente
ao âmbito escolar.
Infelizmente, quando se trata da prática de leitura na escola, percebe-se uma
enorme dificuldade em romper com a concepção de leitura como decodificação. Isso faz com
que o leitor se torne assujeitado pelo sistema e ao mesmo tempo caracterizado por uma
espécie de não consciência, o que impossibilita a formação de leitores críticos proposta pelos
PCNs. Portanto, a compreensão do texto não pode ser vista como uma construção passiva de
uma representação de um objeto linguístico, mas sim, como parte de um processo interativo
no qual o leitor interpreta ativamente as ações de um autor.
4.4 Gêneros textuais na prática de produção de texto
Como exemplo do uso do texto como modelo direcionado para a produção de
texto (anexo 7), tem-se o trabalho com outro artigo de opinião da autora Lya Luft, “A
mentirosa liberdade”, publicado em 25 de março de 2009, pela revista Veja. A cópia deste
gênero foi entregue aos alunos em folha A4. Após fazer a leitura do texto com a turma, a
professora iniciou uma discussão envolvendo o tema modismo. Posteriormente, os alunos
produziram um texto no qual deveriam se posicionar defendendo se são livres ou conduzidos
pela moda.
Verifica-se que os alunos viram o texto fornecido apenas como um modelo a ser
seguido/imitado. Por isso, a maioria dos textos produzidos por eles, fugiu do que foi proposto.
Isso é muito comum no ambiente escolar, pois os textos são oferecidos para a prática de
leitura e produção de texto para funcionarem apenas como modelos a serem seguidos
enquanto forma de configuração de textos, e não como modelos implícitos de discursos a
serem proferidos.
O texto utilizado para a prática da escrita deve estar relacionado ao ambiente
social do aluno e, à medida que a escola vise textos que condizem com a realidade do
educando, o trabalho de produção de texto será mais prazeroso. Isso propiciará o
desenvolvimento da escrita dentro e fora da escola. Mas isso somente será possível se a
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prática de produções de textos ganhar mais espaço nas aulas de Língua Portuguesa, o que
raramente é visto nas escolas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos dados analisados e discutidos, pode-se dizer que os textos recolhidos
e as atividades aqui descritas indicam que os textos ao serem escolarizados, sofrem
transformações de sentido, à medida que as práticas de leitura e produção de texto na escola
são direcionadas para fins estritamente escolares, e não voltadas para a construção do sentido.
A concepção de compreensão vislumbrada nas atividades propostas é que compreender o
texto se resume ao conhecimento da língua e à reprodução de informações e dados objetivos
encontrados.
Além disso, os dados gerados indicam que trabalhar diferentes gêneros textuais
na sala de aula nem sempre resultam em maneiras diversificadas de se abordar o texto, já que
as práticas de leitura e escrita recebem um tratamento muito consolidado e estável no contexto
escolar.
É necessário que a escola cumpra sua função no desenvolvimento da leitura e da
produção de texto na vida dos alunos, pois, somente assim, se tornarão sujeitos críticos e
reflexivos para exercerem suas funções de cidadãos plenos.
Portanto, espera-se despertar no leitor a vontade de explorar esse assunto para que
novas pesquisas sejam realizadas no intuito de compreender o valor do trabalho com a
diversidade de gêneros textuais nas práticas escolares.
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