Genivaldo, afinador de pianos

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Quando ele toca ate o piano fica afinado S e você disser que eu desafino, saiba que isso em mim provoca imensa dor. Só privilegiados têm o ouvido igual ao seu, eu possuo apenas o que Deus me deu.” Já se viu, João Gilberto e Tom Jobim viviam preo- cupados com a afinação dos instrumentos e da voz. E cantavam isso abertamente. Genivaldo Gonçal- ves Rocha, 35 anos, também vive preocupado com as afinações. Tanto que vive afinando instrumentos

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Quando ele toca ate o piano f ica

af inadoSe você disser que eu desafino,

saiba que isso em mim provoca imensa dor. Só privilegiados têm o ouvido igual ao seu,

eu possuo apenas o que Deus me deu.” Já se viu, João Gilberto e Tom Jobim viviam preo-

cupados com a afinação dos instrumentos e da voz. E cantavam isso abertamente. Genivaldo Gonçal-ves Rocha, 35 anos, também vive preocupado com as afinações. Tanto que vive afinando instrumentos

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não só em Atibaia como em toda a região para que os sons cheguem melhor e mais puros aos ouvidos mais exigentes. Além de afinar, pianos especialmen-te, também é músico, e toca. Toca piano, violão, ban-dolim e o que mais aparecer. Fora compor canções. Sensível, comunicativo, afinado como poucos.

Para se ter uma ideia do tanto que é complicado afinar um piano basta lembrar que o instrumento tem nada menos que 88 teclas e 250 “cordinhas para serem afinadas”. Fora outros detalhes técnicos, cla-ro. Um simples errinho vai provocar reclamações do pianista e condenações dos ouvidos mais aguçados das plateias. Como se vê não é assunto fácil nem para se explicar. “Tem que ter bons ouvidos, mas não pre-cisa ter conhecimento musical, até porque a maio-ria dos afinadores não toca nenhum instrumento e nem tem conhecimento das notas musicais”, conta Genivaldo, explicando que um bom afinador tem mesmo é que entender da parte técnica.

Ainda assim ele é diferente dos outros afinadores: “posso dizer que sou o único afinador que afina e toca piano entre todos os afinadores que conheço. Perdão, minto, tem sim um ou outro colega afina-dor que também toca”, explica. Não é uma missão fácil, tanto que existem pouquíssimos afinadores de piano no país. Genivaldo, por exemplo, é o único na nossa região. “Fora o meu trabalho aqui em Atibaia conheço um afinador em Jundiai, outro em Ribei-rão Preto. E tem em São Paulo, claro e um outro, em Minas”, lembra.

Nascido e criado no campo, na cidade de Umuara-ma, Paraná, filho mais novo de uma família com dez irmãos, veio para São Paulo quando tinha 10 anos. “Meu pai mal sabia assinar o nome, ainda assim conseguiu dar boa formação a todos os filhos. Foi

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um grande pai. Acho que entendia demais de econo-mia, pois fazer tudo o que ele fez com o que ganhava trabalhando como agricultor era coisa pra ministro nenhum botar defeito”, ri. De lá para cá, confessa que já gostou, já amou, já viveu, já teve problemas amorosos, amores doidos, sofridos, mas não casou. “Ou algumas mulheres não afinaram ou eu é que sou o desafinado”, brinca.

Genivaldo confessa que se tornou afinador de pia-nos na base da curiosidade. “Antes de ser afinador eu era músico. Antes de ser músico eu era comer-ciante de instrumentos musicais. Antes de tudo eu gosto de tudo o que faço. Afino, toco, componho, compro instrumentos, vendo instrumentos, vivo”, brinca. O violão foi o seu primeiro instrumento. Depois veio o bandolim. Comprando, vendendo, um dia surgiu um cliente com um piano desafina-do e que queria vender o instrumento. “Resolvi participar do problema e conheci um afinador em São Paulo. Ele veio e eu acompanhei durante todo o conserto. Era pura curiosidade, mas eu prestei atenção em tudo o que ele fazia. Vi cada detalhe, cada toque. Depois me encontrei de novo com esse afinador. A mesma coisa. Observei, olhei, pergun-tei. E mais uma vez, e foram várias vezes que estive junto com ele, sempre de olho, que acabei apren-dendo até sem querer. Quando me dei conta, pedi a ele que me deixasse tentar. Ele deixou. Com medo, pois a afinação é muito detalhada, muito exigente. Quando vi, já estava afinando.”

Claro que Genivaldo continuou contando com a assistência do amigo durante algum tempo, até que começou a “voar” e afinar sozinho. Ele diz que uma afinação demora, em média, duas ou três horas. Sem parar. E então dá uma verdadeira aula sobre como

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afinar, como trabalhar e até como tocar um violão, um bandolim ou um piano. Pena que o repórter não tenha a mínima habilidade necessária. Repórter não passa de um ser curioso, só tem perguntas, não tem respostas...

“Cada piano tem sua personalidade, sua caracte-rística. Os pianos franceses são diferentes dos pia-nos alemães, cada construtor tem sua maneira de elaborar o instrumento. O Brasil tem sim bons cons-trutores. A Alemanha é o grande país dos pianos, da mesma forma que a Itália é a maior construtora de violinos”, ensina. “Vivo de música. Toco, afino, com-pro, vendo instrumentos. É a minha vida.” Afora toda essa habilidade musical e comercial Genival-do é formado em Relações Públicas pela FAAT. É o pianista oficial do Hotel Bourbon, toca no Terrazzo Italia, em São Paulo e vários outros locais importan-tes. Estudou na Universidade Livre de Música e no afamado conservatório Souza Lima, em São Paulo. Se expressa muito bem, arranha no idioma inglês, no francês e até no alemão, tudo aprendido com um professor húngaro que teve.

Tem oficina em Atibaia e quando o caso é mais gra-ve recorre a colegas que trabalham em São Paulo. “O fato de ter um bom ouvido é quase que um dom natural. Da mesma forma que o sentido do olfato”, ensina e proclama: “Eu diria que Atibaia poderia ser caracterizada como “cidade dos pianos”. Tem mui-tos pianos por aqui. Como é uma cidade antiga seus pianos são dos melhores. Contam que antigamente as pessoas passavam pelas ruas da cidade e ouviam o som de pianos saindo das janelas das casas. Nem todas as pessoas tocam, mas tem muito piano na ci-dade”, diz. E Genivaldo, sempre muito bem afinado, vai seguindo a música e tocando em frente. ■