Gente que fez história História viva - mackenzie.br · nior se lembra com saudade... Da São...

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Mackenzie 13 pais reforçou em mim algo em que sempre acreditei: a verdadeira união de duas pessoas não é apenas uma questão de assinar papéis. É algo que deve ser encarado com a máxima seriedade. Há muitas coisas de que Luiz Jú- nior se lembra com saudade... Da São Paulo de antigamente, que tinha, no máximo, 500.000 a 600.000 habitantes. E onde tudo era perto, fácil de alcançar. “Lembro-me da primeira vez que fui a um cinema, em 1914, ali, no Anhangabaú. Meu pai me levou para ver um filme com a história de um mascarado... Nunca esqueci. Só que dormi no fim do filme e nunca fiquei sabendo quem era o tal do mas- carado. Que pena!” Com 18, 19 anos, os interesses de Luiz Júnior eram outros. Não apenas li- gados aos estudos e às atividades es- portivas no Mackenzie. Claro, isso era bem importante.“Mas, naquele tempo, o futebol tinha conquistado grande des- taque. Um dos primeiros jogos de fute- bol foi o realizado em 1912 no Macken- zie contra o Germania, que hoje é o Clube Pinheiros. Mais tarde, muitos de nós fazíamos parte do Clube Paulistano, onde havia diversos jogadores amado- res também mackenzistas. O Arakem Pa- tusca jogava pelo Mackenzie, o enge- nheiro Arnaldo Motta também. “O ambiente da escola era maravi- lhoso – aliás, o Mackenzie sempre se solidarizou com a prática de esportes como maneira de formar e comple- mentar o caráter e a educação. Em 3 de junho de 1930, a equipe do Mackenzie disputou um jogo contra o Palestra Itália, que hoje é o Palmeiras, na Ponte Grande, perto do Rio Tietê. Terminou empatado em 4 x 4. E como o adversário era time famoso, houve cobrança de ingressos. No final, o Pa- lestra Itália dividiu conosco o valor arrecadado. De comum acordo, todos os jogadores pegaram esse dinheiro e fizeram doação ao Mackenzie, para que a escola terminasse a construção do ginásio coberto, uma obra que esta- va parada há algum tempo.” Outro grande interesse de Luiz Júnior foram as alunas do Mackenzie. “Como hoje, elas, antigamente, eram muito bonitas! E nós queriamos na- morar. Mas namoro era coisa séria, res- peitosa. Era importante estar junto, con- versar, andar de mãos dadas. A gente mandava bilhetinhos, se encontrava aos domingos para ir ao cinema e quando havia alguma festa as mães acompa- nhavam. Beijo tinha que ser conquista- do.”Luiz dá um sorriso maroto quando se lembra do que aprontou um dia, em plena aula. Conta que se curvou para a frente em sua carteira e chamou pelo nome a linda loira que ele tanto admi- rava, sentada na carteira seguinte. Quando ela voltou-se ele, rápido, de sur- presa, beijou-lhe a face! O que também ficou muito marca- do na vida de Luiz Júnior foram os professores, que muito contribuíram para a formação do seu caráter, e as amizades que perdurariam ao longo de toda a vida.“Colegas e amigos co- mo o engenheiro Fernando Gasparian, os arquitetos Kneese de Melo e Walter Saraiva, além de Américo da Graça Martins – que, mais tarde, se tornou um grande professor, além de ser um engenheiro de capacidade excepcio- nal – são nomes que marcaram a mi- nha juventude. Minha primeira profes- sora foi dona Lucila.” O que dizer aos mackenzistas de- pois de conversar com essa história viva de Mackenzie? Ele mesmo fala: “Quero dizer antes de mais nada que considero todos os mackenzistas um pouco meus netos. Fico feliz em sa- ber que tantas famílias tenham recorri- do a essa instituição para encaminhar seus filhos na vereda da vida. O Mac- kenzie sempre foi uma instituição em que o progresso, a boa formação, a con- fiança, a educação e o melhor ensino constituíram marca registrada. Que vo- cês, alunos, saibam aproveitar a dádiva de estarem entre essas paredes, respei- tem seus professores, recorram a eles com confiança e sem titubeios sempre que precisarem, porque eles saberão in- dicar-lhes o melhor caminho.” Gente que fez história Mackenzie 12 com a profissão escolhida porque na- quela época era comum as pessoas darem continuidade aos negócios da família. Como a atividade paterna era o comércio, nada mais natural que se especializasse nesse segmento. Em dezembro de 1939, Luiz Júnior casou-se com Nice Ana Rosa de Franco. “Quem fez o pedido de casamento foi minha mãe. Explico: guardo ainda hoje, com profunda tristeza, uma fatalidade que aconteceu em minha vida – o divór- cio dos meus pais. Nunca me conformei com aquilo pois acredito que a pre- sença do pai e da mãe no dia-a-dia dos filhos é a experiência mais importante e marcante na vida do futuro adulto.” “A cerimônia foi na igreja de São Bento, pois meu sogro era professor de violino lá e os dois cunhados estudavam no São Bento. Devido a essa ligação com o lugar, minha mulher pediu que a ceri- mônia fosse lá, onde hoje não se fazem mais casamentos.”Luiz lembra com pro- funda emoção a nova vida que começou naquele momento:não só a festa na casa do sogro, na Alameda Lorena, mas sobre- tudo a responsabilidade assumida a par- tir daquele instante,os filhos nascidos da união, os netos vindos mais tarde, a com- panheira que hoje já não está com ele... “Ter vivido a separação dos meus O mackenzista posa ao lado da pedra fundamental do Prédio 1, onde há duas inscrições no cimento: As Sciências Divinas e Humanas e Anno Domini - 1894 – o do início da construção. Entre as homenagens recebidas, a do Centro Acadêmico Horácio Lane é o seu nome dado a uma das salas (no alto). Em 13 de março de 2002, recebeu o título de Benemérito outorgado pelo Conselho Universitário da UPM. Q uem vive o dia-a-dia do Ins- tituto Presbiteriano Macken- zie, em São Paulo, com cer- teza conhece Luiz Poças Leitão Júnior, personagem incansável que freqüenta diariamente as vielas internas do cam- pus, é amigo dos mais antigos colabo- radores da instituição e conhecido dos novos alunos ou funcionários. A história desse personagem é bas- tante curiosa. Ele nasceu em Liver- pool, Grã-Bretanha, em 20 de setem- bro de 1911, segundo Poças Leitão por acaso. “Meus pais se casaram na Suíça”, conta,“e pouco tempo depois foram para a Inglaterra porque meu pai era representante de uma marca de automóveis.”O pai, Luiz Felipe Po- ças Leitão, português – filho de um mi- nistro do rei de Portugal –, foi para Lau- sane,Suíça,cursar a Universidade de Co- mércio, onde conheceu Luiza Frida Re- nould, com quem se casou. A família mudou-se para o Brasil em 1913 e, em São Paulo, abriu uma empresa de comércio e importação de produtos de palha e vime. Em 1915, Luiza lecionou etiqueta, boas maneiras, dança de salão e ginástica. Foi ela quem matriculou o filho no Mackenzie. Segundo Luiz, uma das razões pelas quais sua mãe procurou o Mackenzie era o profundo respeito que a escola tinha, já naquela época. Luiza era presbiteriana e o marido, católico. O segundo filho do casal, Paulo Juliano, nascido em 1919, também foi matriculado no Mackenzie onde, a par- tir de então, todos os descendentes – fi- lhos e netos da família – estudaram. Luiz Júnior formou-se em Conta- bilidade, em 1930. Diz-se satisfeito “Isto é Mackenzie!”, seu grito de guerra ecoa sempre pelo campus Itambé. Um punhado de anos atrás, esbanjando vitalidade, o alegre Poças Leitão ensaia passos de frevo, dançando com a desembaraçada morena. Em sua classe, no 4º ano do curso Comercial, só havia três colegas do sexo feminino. Sentada, no meio da foto, está a “linda loira” por quem Poças (o quinto da esquerda para a direita na fileira do meio) morria de amores. História viva

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Mackenzie 13

pais reforçou em mim algo em quesempre acreditei: a verdadeira união deduas pessoas não é apenas uma questãode assinar papéis. É algo que deve serencarado com a máxima seriedade.

Há muitas coisas de que Luiz Jú-nior se lembra com saudade...

Da São Paulo de antigamente, quetinha, no máximo, 500.000 a 600.000habitantes.E onde tudo era perto, fácilde alcançar. “Lembro-me da primeiravez que fui a um cinema, em 1914, ali,no Anhangabaú. Meu pai me levoupara ver um filme com a história deum mascarado... Nunca esqueci. Sóque dormi no fim do filme e nuncafiquei sabendo quem era o tal do mas-carado. Que pena!”

Com 18, 19 anos, os interesses deLuiz Júnior eram outros. Não apenas li-gados aos estudos e às atividades es-portivas no Mackenzie. Claro, isso erabem importante.“Mas,naquele tempo,ofutebol tinha conquistado grande des-taque. Um dos primeiros jogos de fute-bol foi o realizado em 1912 no Macken-zie contra o Germania, que hoje é oClube Pinheiros. Mais tarde, muitos denós fazíamos parte do Clube Paulistano,onde havia diversos jogadores amado-res também mackenzistas.O Arakem Pa-tusca jogava pelo Mackenzie, o enge-nheiro Arnaldo Motta também.

“O ambiente da escola era maravi-lhoso – aliás, o Mackenzie sempre sesolidarizou com a prática de esportescomo maneira de formar e comple-mentar o caráter e a educação. Em 3de junho de 1930, a equipe doMackenzie disputou um jogo contra o

Palestra Itália, que hoje é o Palmeiras,na Ponte Grande, perto do Rio Tietê.Terminou empatado em 4 x 4. E comoo adversário era time famoso, houvecobrança de ingressos. No final, o Pa-lestra Itália dividiu conosco o valorarrecadado. De comum acordo, todosos jogadores pegaram esse dinheiro efizeram doação ao Mackenzie, paraque a escola terminasse a construçãodo ginásio coberto,uma obra que esta-va parada há algum tempo.”

Outro grande interesse de LuizJúnior foram as alunas do Mackenzie.“Como hoje, elas, antigamente, erammuito bonitas! E nós queriamos na-morar. Mas namoro era coisa séria, res-peitosa.Era importante estar junto,con-versar, andar de mãos dadas. A gentemandava bilhetinhos,se encontrava aosdomingos para ir ao cinema e quandohavia alguma festa as mães acompa-nhavam. Beijo tinha que ser conquista-do.” Luiz dá um sorriso maroto quandose lembra do que aprontou um dia, emplena aula. Conta que se curvou para afrente em sua carteira e chamou pelonome a linda loira que ele tanto admi-rava, sentada na carteira seguinte.Quando ela voltou-se ele,rápido,de sur-presa, beijou-lhe a face!

O que também ficou muito marca-do na vida de Luiz Júnior foram osprofessores, que muito contribuírampara a formação do seu caráter, e asamizades que perdurariam ao longode toda a vida.“Colegas e amigos co-mo o engenheiro Fernando Gasparian,os arquitetos Kneese de Melo e WalterSaraiva, além de Américo da Graça

Martins – que, mais tarde, se tornouum grande professor, além de ser umengenheiro de capacidade excepcio-nal – são nomes que marcaram a mi-nha juventude.Minha primeira profes-sora foi dona Lucila.”

O que dizer aos mackenzistas de-pois de conversar com essa históriaviva de Mackenzie? Ele mesmo fala:

“Quero dizer antes de mais nadaque considero todos os mackenzistasum pouco meus netos.Fico feliz em sa-ber que tantas famílias tenham recorri-do a essa instituição para encaminharseus filhos na vereda da vida. O Mac-kenzie sempre foi uma instituição emque o progresso,a boa formação,a con-fiança, a educação e o melhor ensinoconstituíram marca registrada. Que vo-cês, alunos, saibam aproveitar a dádivade estarem entre essas paredes, respei-tem seus professores, recorram a elescom confiança e sem titubeios sempreque precisarem,porque eles saberão in-dicar-lhes o melhor caminho.”

G e n t e q u e f e z h i s t ó r i a

Mackenzie12

com a profissão escolhida porque na-quela época era comum as pessoasdarem continuidade aos negócios dafamília.Como a atividade paterna era ocomércio, nada mais natural que seespecializasse nesse segmento.

Em dezembro de 1939, Luiz Júniorcasou-se com Nice Ana Rosa de Franco.“Quem fez o pedido de casamento foiminha mãe. Explico: guardo ainda hoje,com profunda tristeza, uma fatalidadeque aconteceu em minha vida – o divór-cio dos meus pais.Nunca me conformeicom aquilo pois acredito que a pre-sença do pai e da mãe no dia-a-dia dosfilhos é a experiência mais importante emarcante na vida do futuro adulto.”

“A cerimônia foi na igreja de SãoBento, pois meu sogro era professor deviolino lá e os dois cunhados estudavamno São Bento.Devido a essa ligação como lugar, minha mulher pediu que a ceri-mônia fosse lá, onde hoje não se fazemmais casamentos.”Luiz lembra com pro-funda emoção a nova vida que começounaquele momento:não só a festa na casado sogro,na Alameda Lorena,mas sobre-tudo a responsabilidade assumida a par-tir daquele instante,os filhos nascidos daunião,os netos vindos mais tarde,a com-panheira que hoje já não está com ele...

“Ter vivido a separação dos meus

O mackenzista posa ao lado da pedra

fundamental do Prédio 1, onde há duas

inscrições no cimento: As Sciências Divinas

e Humanas e Anno Domini - 1894 – o do

início da construção. Entre as homenagens

recebidas, a do Centro Acadêmico Horácio

Lane é o seu nome dado a uma das salas

(no alto). Em 13 de março de 2002,

recebeu o título de Benemérito outorgado

pelo Conselho Universitário da UPM.

Quem vive o dia-a-dia do Ins-tituto Presbiteriano Macken-zie, em São Paulo, com cer-

teza conhece Luiz Poças Leitão Júnior,personagem incansável que freqüentadiariamente as vielas internas do cam-pus, é amigo dos mais antigos colabo-radores da instituição e conhecidodos novos alunos ou funcionários.

A história desse personagem é bas-tante curiosa. Ele nasceu em Liver-pool, Grã-Bretanha, em 20 de setem-bro de 1911, segundo Poças Leitãopor acaso. “Meus pais se casaram naSuíça”, conta,“e pouco tempo depoisforam para a Inglaterra porque meupai era representante de uma marcade automóveis.” O pai, Luiz Felipe Po-ças Leitão, português – filho de um mi-nistro do rei de Portugal –, foi para Lau-sane,Suíça,cursar a Universidade de Co-mércio, onde conheceu Luiza Frida Re-nould, com quem se casou.

A família mudou-se para o Brasilem 1913 e, em São Paulo, abriu umaempresa de comércio e importaçãode produtos de palha e vime. Em1915, Luiza lecionou etiqueta, boasmaneiras, dança de salão e ginástica.Foi ela quem matriculou o filho noMackenzie. Segundo Luiz, uma dasrazões pelas quais sua mãe procurouo Mackenzie era o profundo respeitoque a escola tinha, já naquela época.

Luiza era presbiteriana e o marido,católico.O segundo filho do casal,PauloJuliano, nascido em 1919, também foimatriculado no Mackenzie onde, a par-tir de então, todos os descendentes – fi-lhos e netos da família – estudaram.

Luiz Júnior formou-se em Conta-bilidade, em 1930. Diz-se satisfeito

“Isto é Mackenzie!”, seu grito de guerra ecoa sempre pelo campus Itambé.

Um punhado de anos atrás, esbanjando

vitalidade, o alegre Poças Leitão ensaia

passos de frevo, dançando com a

desembaraçada morena.

Em sua classe, no 4º ano

do curso Comercial, só

havia três colegas do

sexo feminino. Sentada,

no meio da foto, está a

“linda loira” por quem

Poças (o quinto da

esquerda para a direita

na fileira do meio)

morria de amores.

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