Geografia Escolar: Um estudo da localidade de Piracicaba-SP.

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  GEOGRAFIA ESCOLAR: UM ESTUDO DA LOCALIDADE DE PIRACICABA   SP. ANDREA COELHO LASTÓRIA 1  (FACULDADE SALESIANA DOM BOSCO DE PIRACICABA E COLÉGIO SALESIANO DOM BOSCO   ASSUNÇÃO) APRESENTAÇÃO Esta prática educativa parte do pressuposto de que a ciência geográfica é palco das atividades humanas e sociais. A concepção de Geografia enquanto ciência de síntese (que foca na descrição e na denominação terrestre) é desconsiderada em prol de uma Geografia que se preocupa com a organização do espaço, suas estruturas, suas inter-relações e sua dinâmica. A prática aqui relatada foi desenvolvida pela autora no início do ano letivo de 2005. Realizada em três salas de aula da quinta série do ensino fundamental, num colégio privado, confessional e católico, situado na cidade de Piracicaba-SP. INTRODUÇÃO A concepção de Geografia que assumimos é a que busca estudar o espaço geográfico de modo dinâmico, permitindo a busca de novos caminhos para o ensino desta ciência. As abordagens tradicionais da Geografia tornaram seu ensino impotente para explicar, responder e intervir na realidade. Em contrapartida, algumas abordagens atuais têm possibilitado estudar e focar nos conceitos de espaço e de tempo como construções humanas importantes para desenvolver (junto com os alunos) a capacidade de identificar e refletir sobre diferentes aspectos da realidade. Aspectos imprescindíveis para a compreensão da complexa relação Sociedade-  Natureza. Apesar da diversidade teórica e metodológica, essas abordagens concebem os recortes do espaço geográfico como centrais para se desenvolver a seleção de conteúdos curriculares. Os recortes do espaço geográfico são apresentados nas quatro categorias abaixo: - Paisagem (relativa ao domínio do visível, sujeita à percepção individual); - Lugar (relativo à porção do espaço onde se vive, espaço do cotidiano); - Região (dimensão espacial com elementos comuns, produto de critérios pré- estabelecidos); - Território (espaço apropriado, sujeito às escalas temporais). Tendo em vista tais considerações teóricas, as práticas educativas que caminham nesta direção focalizam, também, novos procedimentos metodológicos. Tais procedimentos envolvem ações de: -  problematização - observação - registro 1  Licenciada em Geografia e Pedagogia, bacharel em Geografia, Mestre e Doutora em Educação na área de Metodologia de Ensino.  [email protected] 

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 GEOGRAFIA ESCOLAR: UM ESTUDO DA LOCALIDADE DE PIRACICABA – SP.

ANDREA COELHO LASTÓRIA1 (FACULDADE SALESIANA DOM BOSCO DEPIRACICABA E COLÉGIO SALESIANO DOM BOSCO – ASSUNÇÃO)

APRESENTAÇÃO

Esta prática educativa parte do pressuposto de que a ciência geográfica é palco das atividadeshumanas e sociais. A concepção de Geografia enquanto ciência de síntese (que foca na descriçãoe na denominação terrestre) é desconsiderada em prol de uma Geografia que se preocupa com aorganização do espaço, suas estruturas, suas inter-relações e sua dinâmica.A prática aqui relatada foi desenvolvida pela autora no início do ano letivo de 2005. Realizadaem três salas de aula da quinta série do ensino fundamental, num colégio privado, confessional ecatólico, situado na cidade de Piracicaba-SP.

INTRODUÇÃO

A concepção de Geografia que assumimos é a que busca estudar o espaço geográfico de mododinâmico, permitindo a busca de novos caminhos para o ensino desta ciência.As abordagens tradicionais da Geografia tornaram seu ensino impotente para explicar, respondere intervir na realidade. Em contrapartida, algumas abordagens atuais têm possibilitado estudar efocar nos conceitos de espaço e de tempo como construções humanas importantes paradesenvolver (junto com os alunos) a capacidade de identificar e refletir sobre diferentes aspectosda realidade. Aspectos imprescindíveis para a compreensão da complexa relação Sociedade-Natureza.

Apesar da diversidade teórica e metodológica, essas abordagens concebem os recortes do espaçogeográfico como centrais para se desenvolver a seleção de conteúdos curriculares. Os recortes doespaço geográfico são apresentados nas quatro categorias abaixo:

-  Paisagem (relativa ao domínio do visível, sujeita à percepção individual);-  Lugar (relativo à porção do espaço onde se vive, espaço do cotidiano);-  Região (dimensão espacial com elementos comuns, produto de critérios pré-

estabelecidos);-  Território (espaço apropriado, sujeito às escalas temporais).

Tendo em vista tais considerações teóricas, as práticas educativas que caminham nesta direção

focalizam, também, novos procedimentos metodológicos. Tais procedimentos envolvem açõesde:

-  problematização-  observação-  registro

1 Licenciada em Geografia e Pedagogia, bacharel em Geografia, Mestre e Doutora em Educação na área deMetodologia de Ensino. [email protected] 

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-  descrição-  documentação-  representação-  pesquisa-  formulação de hipóteses e explicações dos fenômenos sociais, culturais ou naturais.

Deste modo, ensinar Geografia (assim como ensinar História, Ciências etc) é criar possibilidadesde investigação na sala de aula. É conceber o conhecimento como algo em constante construção.É buscar um crescente entrosamento entre ensino e pesquisa, aprendizagem e pesquisa. Essaatitude pedagógica diante do conhecimento está apenas começando. Trata-se de uma novapostura, que hoje, começa a envolver tanto o professor como seus alunos. Envolve uma mudançaparadigmática. Ainda é preciso superar a idéia de que o professor de Geografia é aquele que “dá”aula com conhecimentos “prontos” (trazidos, na maioria das vezes, via livro didático). A imagem

que optamos é a do professor mediador, entre os alunos e os conhecimentos a serem construídospor ambos. Entendemos que a postura investigativa está presente quando o professor busca dadosrelevantes para a compreensão da realidade e os organiza de forma a possibilitar uma reflexão

conjunta com os alunos.Tendo em vista que o conhecimento é historicamente produzido (através das relações sociais) éimportante que o trabalho com a Geografia priorize diferentes leituras ou versões dasexperiências vividas pelos alunos. Para tanto é fundamental que o ensino de Geografiaproporcione situações de aprendizagens que desenvolvam os conteúdos (BRASIL, 1997):

-  Conceituais (que se referem à construção intelectual para operar com símbolos, idéias,imagens e representações que permitem organizar a realidade);

-  Procedimentais (que expressam um saber-fazer, que envolve uma série de ações de formaordenada e não aleatória); 

-  Atitudinais (que partem do pressuposto de que a escola possui um contexto socializador,

sendo geradora de atitudes relativas ao conhecimento, ao professor, aos colegas, àsdisciplinas, às tarefas e à sociedade). 

As colocações relatadas referem-se aos fundamentos teóricos e metodológicos das novasabordagens que a Geografia Escolar anda buscando para a produção de um ensino maiscomprometido com as necessidades sociais de hoje. O trabalho do professor de Geografia noensino fundamental não está mais “preso” apenas ao livro didático. O uso de referências do

cotidiano e da localidade dos alunos (possibilitada pela valorização de variadas linguagens erepresentações simbólicas) está no centro das atenções. A prática educativa a ser apresentada estáinserida nestas colocações.

OBJETIVO GERALO objetivo  deste trabalho é  refletir sobre os novos fundamentos teóricos e metodológicos daGeografia Escolar e apresentar uma prática educativa desenvolvida sob tais fundamentos.

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OBJETIVO ESPECÍFICO

Descrever como se deu o estudo da localidade de Piracicaba-SP na prática educativa.

DESCRIÇÃO DA PRÁTICA

O conteúdo “Viver nas cidades” (inserido no contexto curricular denominado “As cr ianças, ascidades e o campo” proposta da nova Rede Salesiana de Escolas)

2 foi desenvolvidopossibilitando a aquisição das noções e/ou conceitos de espaço público, privado, coletivo eindividuais; metrópole, minifúndios, latifúndios; espaços de moradia e trabalho; representaçãocartográfica e diferentes modos de vida urbanos e rurais. As habilidades priorizadas eram:

-  Ler e interpretar diferentes tipos de textos (didático, poema, letra de música, jornalístico edepoimento).

-  Ler e interpretar croquis e mapas políticos.

O livro de Geografia da Rede Salesiana de Escolas apresenta, no primeiro capítulo, váriasrepresentações e imagens de cidades (fotos, croquis, mapa político da região sudeste e nordeste,mapa tridimensional, depoimentos dos próprios autores3 sobre suas lembranças da cidade natal eoutras cidades de destaque nacional).Entendemos que o estudo da própria localidade é indispensável para os alunos compreenderem asinter-relações entre o espaço local, nacional e global. Portanto, visando possibilitar o ensino doconteúdo “Viver nas cidades”, incluímos a própria localidade de Piracicaba SP. A descrição desta

inclusão é que caracteriza esta prática educativa.

Orientamos os alunos a buscarem figuras ou fotos sobre espaços coletivos, individuais,privados e públicos em Piracicaba. Observamos que a praça José Bonifácio, o parque da Rua

do Porto e o Engenho Central foram os mais destacados como espaços coletivos. Os espaçosindividuais encontrados pelos alunos foram diziam respeito às próprias casas ou pequenosespaços de estudo ou trabalho. No entanto, a atividade gerou a seguinte dúvida nos alunos: “Se espaço público é tudo o que é

relativo, destinado ou pertencente ao coletivo, a todos os membros de uma sociedade, o Shopping

Center de Piracicaba é público ou privado?” Para “solucionar” a questão levantada, solicitamos que os alunos pesquisassem definições maiscompletas no livro, na internet, junto aos pais, dentre outros. As salas de aula ficaram divididas.Um grupo argumentava que todo shopping center deveria ser público porque possui entrada livrepara todos (não é necessário pagar para entrar). Outro grupo dizia o oposto e justificava queapenas os que têm dinheiro o freqüentam.A discussão possibilitou a classificação de diferentes espaços públicos e coletivos da cidade apartir da perspectiva capitalista. Os alunos chegaram a conclusão de que nem todo espaçocoletivo é público e que O Shopping Center de Piracicaba, apesar de coletivo e aparentementepúblico, não pertence a todos (apenas os que têm dinheiro para comer, brincar ou compararpodem freqüentá-lo). Posteriormente, os alunos puderam compartilhar com os pais sobre a“descoberta”.

2 Sob coordenação de Eliana Duran Senicatto.3 São eles: Prof. Msc. Antônio Aparecido Primo (apelidado por Nico) e Prof. Hugo L. M. Montenegro.

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Várias verbalizações surgiram entre as crianças. Resgatamos a de uma aluna que depois de ir aoshopping center  com sua mãe concluiu: - Percebi que lá não tem crianças de rua. Vi unsmoleques descalços e sujos entrarem e o segurança mandar eles embora. Realmente é triste, masnão é um lugar para todos. Só para quem tem dinheiro ou para quem está bem arrumadinho”.  

A segunda etapa da prática envolvia a leitura de croquis e mapas (político e tridimensional).Achamos que esta tarefa ficaria mais interessante se os alunos tiveram contato com os materiaiscartográficos da própria localidade de Piracicaba. Um mapa turístico de Piracicaba (trazido poruma aluna) despertou o interesse por este tipo de representação. As características dos mapastridimensionais (denominados de mapas turísticos por não apresentarem uma representaçãocompleta, apenas alguns locais escolhidos são destacados como se fosse um desenho em trêsdimensões) ficaram evidenciadas. Os alunos conseguiram localizar a área central, as principaisruas e avenidas, o salto do rio, a Escola Superior de Agricultura, etc. A noção de escala numéricae gráfica foi facilitada pelo trabalho desenvolvido com os mapas da própria localidade (muitosdeles encontrados em sites disponíveis na internet ).

A terceira etapa da prática consistiu numa pesquisa sobre a verticalização e o adensamentourbano de Piracicaba. Cada criança deveria buscar, em fontes de diversas naturezas(documentos, depoimentos orais, fotos antigas da cidade, livros e na internet ), informações sobreo início da verticalização na cidade. Para isto, questionamos sobre qual (ou quais) conhecimentoos alunos tinham a respeito do assunto. A partir desta “conversa” inicial, acrescentamos

elementos importantes a respeito do conceito de verticalização e adensamento urbano.Distribuímos para os alunos, uma seqüência de quatro croquis de Piracicaba em 4 décadasdiferentes (1950, 1960, 1970 e 1980). Pelas seqüências, era possível perceber o crescimentohorizontal da cidade, porém, o crescimento vertical, só poderia ser visto com uma seqüência defotos aéreas da cidade em décadas passadas. As fotografias encontradas pelos alunosevidenciaram tal aspecto.

No entanto, um fato trágico marcou o processo de verticalização da cidade. Com muita facilidadeos alunos descobriram sobre o edifício COMURBA.Por meio de entrevistas com os familiares, imagens recolhidas pela internet  e pelos jornaisantigos foi possível recontar a maior tragédia que envolveu o processo de verticalização dacidade.O edifício Luiz de Queiroz (apelidado de COMURBA) foi construído no início da década de 60,na área central da cidade. Ele deveria ser o símbolo da modernidade, pois foi construído com umformato arrojado. No entanto, em novembro de 1964, o primeiro grande monumento verticaldesabou e matou dezenas de pessoas. Os alunos foram orientados para entrevistar os avós ououtros moradores mais antigos da cidade. O resultado foi surpreendente!Muitas fotografias e histórias narradas pelos antigos moradores foram descritas pelas crianças. Arelação da queda do COMURBA com o atraso da verticalização em Piracicaba foi estudado.Relações com a tragédia ocorrida em Nova Iorque, Estados Unidos (no dia 11 de setembro em2001) também foram comentadas.Destacamos dois aspectos que explicitam alguns dos resultados obtidos. O primeiro refere-se aoaspecto metodológico (uso de depoimentos orais) e diz respeito a um aluno que, apesar do poucocontato com seu avô paterno, descobriu que ele tinha sido bombeiro e que trabalhou na equipe deresgate do COMURBA. Segundo o menino, a descoberta os aproximou. Os comentários narradospelo avô foram contados e recontados em sala de aula e fora dela. O segundo refere-se àpossibilidade de trabalhar a interligação entre História e Geografia, ou seja, o fato histórico

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(queda do COMURBA) foi desvelado conjuntamente com o processo de verticalização eadensamento urbano.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Geografia escolar não pode ser entendida enquanto disciplina que desenvolve apenasaprendizagens factuais de conteúdos. O professor de Geografia de hoje é convidado à replanejarsua ação pedagógica, tendo em vista desenvolver aprendizagens que ultrapassem a descrição, amemorização e a quantificação de fatos ou lugares. Isso envolve um novo entendimento sobre agênese e a conduta dos processos sócio-espaciais e históricos. Envolve ainda, considerar asrelações humanas com a natureza, procurando sempre, analisar conflitos e propor soluções.Quando o professor de Geografia evita os conteúdos estáticos e passa a contextualizarconhecimentos históricos e geográficos por meio de um variado repertório teórico emetodológico, adquire um importante papel como mediador entre teoria, conhecimento esociedade.Talvez a dificuldade maior resida no fato de que alguns professores de Geografia buscam adquirir

apenas os novos procedimentos metodológicos (como fazer) e deixam de lado a fundamentaçãoteórica. Estes professores podem sentir dificuldades em estabelecer as conexões entre asatividades desenvolvidas no contexto local ou do cotidiano com as relações mais amplas decaráter global ou social (envolvendo a escala local com a regional, nacional e mundial),resultando em produtos ou ações que permanecem no senso comum.Entendemos que as práticas educativas que envolvem os estudos da localidade, em conexões comos contextos sociais e globais mais amplos, possibilitam um avanço para a Geografia escolar.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Geografia – terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: temastransversais. Brasília: MEC/SEF, 1997. 

CASTROGIOVANNI, A.C. (org.) Ensino de Geografia: práticas e textualizações nocotidiano. Porto Alegre: Mediação, 2000.

CAVALCANTI, L.S. de Geografia e práticas de ensino. Goiânia: Alternativa, 2002.

JACINTHO, S.M.C. Considerações sobre o ensino da Geografia. Cadernos de Formação:ensino de Geografia. São Paulo: UNESP, 2004. (Projeto Pedagogia Cidadã)

PELETEIRO, M.R.P. y MELÓN, M.C. La formación geográfica en la educación infantil yprimaria, Íber, n.16,abr, ano V, 1998.

PRIMO, A.P. e MONTENEGRO, L.M.H. Geografia  – 5a. série: livro do professor. São Paulo:CIB, 2004. (Coleção Rede Salesiana de Escolas)