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GEOGRAFIA HUMANA E ECONÔMICA Rafael Lacerda Martins

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2010

GEOGRAFIA HUMANAE ECONÔMICA

Rafael Lacerda Martins

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M386 Martins, Rafael Lacerda. / Geografia Humana e Econômica. / Rafael Lacerda Martins. — Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2010.

124 p.

ISBN: 978-85-7638-765-7

1. Geografia humana - Brasil. 2. População - Estatística. 3. Globa-lização. 4. Geografia econômica. I. Título.

CDD 304.20981

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Sumário

Introdução à Geografia | 7Geografia | 7Geografia Humana e Econômica | 9Espaço geográfico | 11Escala geográfica | 12

Conceitos fundamentais | 15Níveis de análise em Geografia | 15Região | 16Lugar | 18Território | 20

Geografia Cultural | 25Introdução à Geografia Cultural | 25Temas da Geografia Cultural | 26A noção de gênero de vida | 28Geografia Cultural: reflexos da globalização | 28

Geografia Política | 33Introdução à Geografia Política | 33Geopolítica | 35Geopolítica e nova ordem mundial | 37

Globalização | 41Processo de globalização | 41Blocos econômicos: o caso do Mercosul | 42Economias mundiais | 44Implicações espaciais das atividades econômicas sob a visão do capitalismo | 45

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Abordagens do espaço agrário | 49Organização do espaço agrário | 49Caracterização geográfica como propósito de indicações de procedência | 50Geografia Agrícola: o caso da produção do arroz | 52

Abordagens sobre o meio técnico | 59O meio técnico-científico-informacional | 59Constituição dos espaços econômicos | 61Integração territorial | 62

O espaço regional | 67Dinâmica regional brasileira | 67Organização econômica: o espaço regional em transformação | 69Urbanização brasileira | 71

Temas em Geografia da População | 75Demografia na análise geográfica | 75Estudos populacionais e fontes de dados | 76Distribuição e estrutura da população | 79Crescimento populacional | 81

Abordagens no estudo da população | 87Políticas de população | 87Ferramentas do demógrafo | 88Teorias de população: o pensamento Neomalthusiano | 90Teoria de Marx acerca da população | 91Concepções sobre populações: as migrações | 91

Elementos da dinâmica populacional | 95Dinâmica populacional brasileira | 95Desenvolvimento populacional | 98Algumas considerações sobre o Índice de Desenvolvimento Humano | 99

Abordagem socioambiental em Geografia Humana | 105Questão ambiental | 105Conceito de gestão ambiental e planejamento ambiental | 106Sustentabilidade ambiental no contexto da Geografia Humana | 108Reflexões socioambientais: recursos hídricos | 109

Gabarito | 113

Referências | 119

Anotações | 123

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ApresentaçãoPrezados alunos,

Sou o Professor Rafael Lacerda Martins. Ao iniciarmos a disciplina de

Geografia Humana e Econômica, quero desejar as boas-vindas e convidá-los

para iniciar os estudos dessa disciplina imbuídos de curiosidade, disponibilidade

e responsabilidade crítica em torno das temáticas apresentadas.

A disciplina tem como objetivo central o desenvolvimento de uma análise

a respeito das diferentes abordagens em Geografia Humana e Econômica.

A estrutura e construção dos textos expressam conceitos, pensamentos e

interpretações do espaço geográfico e suas categorias. Procurei enfocar a

evolução das dinâmicas ambientais, culturais e socioterritoriais, em conjunto

com as características e os estágios do processo histórico-geográfico. Dessa

maneira, a realização e o desenvolvimento dessa disciplina pretendem ser um

processo desencadeante de alterações objetivas e subjetivas em nossa forma

de inserção e futura intervenção na realidade social e ambiental.

Este livro está estruturando em 12 aulas, no qual irei abordar uma breve

introdução da Geografia como ciência e seus conceitos fundamentais na análise

das relações entre a sociedade e natureza. Apresento a Geografia Cultural,

procurando enfocar os estudos das relações humanas. Abordo a Geografia

Política, como um conhecimento importante para interdisciplinaridades das

ciências humanas. Apresento considerações sobre o processo de globalização

e suas implicações culturais e geoeconômicas no mundo e no Brasil. Trato

também da organização do espaço agrário, como o espaço de interesse nas

relações do território e nas funções de integração territorial. Por fim, relaciono

um quadro-síntese e o objetivo dos estudos populacionais, concentrado na

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geografia da população, identificando os conceitos e as definições importantes para

os cientistas sociais, numa análise e uma interpretação nas diferentes abordagens

de estudo. O conteúdo do livro busca acrescentar uma leitura informativa, crítica e

interpretativa sobre os diferentes estudos nas distintas áreas da Geografia Humana

e Econômica. Apresenta uma abordagem socioambiental capaz de produzir uma

visão critica e fundamental nos dias de hoje.

Bem, convido todos à leitura, e que esse livro auxilie na construção do conheci-

mento. Boas leituras!

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Geografia Cultural

Introdução à Geografia CulturalA primeira noção de Geografia Cultural pode ser introduzida a partir do entendimento e con-

ceituação em torno do termo. A Geografia Cultural é uma ramificação da Geografia e pode ser caracte-rizada pelo estudo e pela compreensão da distribuição espacial das manifestações culturais. Podemos citar alguns exemplos, como as manifestações das religiões, as crenças, os rituais, as artes, as formas de trabalho. Em conjunto a essa primeira definição, podemos agregar que a Geografia Cultural também é aquela que considera os sentimentos e as idéias de um grupo social ou povo sobre o espaço geográfico a partir da experiência e momentos já vivenciados.

A Geografia Cultural, como todas as subdivisões da Geografia, deve estar “ligada à Terra”. Os aspectos da Terra, em particular aqueles produzidos ou modificados pela ação humana, são de grande significado. O estudo desses aspectos geográficos resultantes da ação do homem considera as diferenças entre as comunidades humanas que as criam ou criaram e se referem aos modos especiais de vida de cada uma como culturas. A Geografia Cultural compara a dis-tribuição variável das áreas culturais com a distribuição de outros aspectos da superfície da Terra, visando identificar aspectos ambientais característicos de uma determinada cultura e, se possível, descobrir que papel a ação humana desempenha ou desempenhou na criação e manutenção de determinados aspectos geográficos. (WAGNER ; MIKESELL, 2003, p. 27-28)

A partir do século XX, essa área do conhecimento e abordagem de estudo espacial na ciência geográfica, vem trabalhando determinados temas, tais como: gêneros de vida, paisagem cultural, áreas culturais, história da cultura no espaço e ecologia cultural. A realização de trabalhos nessa área do conhecimento, por profissionais da Geografia foi extensa e importante, colocando marcos fundamentais em diferentes metodologias e tornando os estudos excelentes referenciais teóricos, sendo ressaltados e utilizados no desenvolvimento desse campo de estudo da Geografia. Como exemplo, temos a produção da Escola de Berkeley, na qual o pesquisador Carl Sauer tornou-se nome fundamental nos estudos culturais.

As razões da incorporação tardia da Geografia Cultural entre os geógrafos brasileiros são várias. Entre elas estão a força da tradição empiricista, profundamente presa a uma pretensa leitura objetiva da realidade, e, a partir do final da década de 1970, da perspectiva crítica, calcada em um materialismo histórico mal assimilado. A cultura foi, ou negligen-ciada, ou entendida segundo o senso comum, passando a ser vista como sendo dotada de poder explicativo. (CORRÊA; ROSENDAHL, 2003, p. 9)

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Algumas mudanças na Geografia Cultural ocorreram a partir da segunda metade dos anos 1970, dentre estas, as mais significativas estiveram preocupadas em ampliar e inserir novos referenciais teóri-co-metodológicos, como a vida cotidiana, a linguagem e religião, as formas de expressão, dos signifi-cados comuns de grupos sociais, enfim uma abordagem própria dos estudos da Geografia Cultural, permitindo assim ampliar as possibilidades de análise e investigação em torno do objeto de estudo. As releituras da Geografia Cultural incorporaram e agregaram novos valores e discussões aos temas mais tradicionais da Geografia, abrindo assim uma área cada vez mais presente nas análises e estudos geográficos.

Para Paul Claval, o principal objetivo dos estudos da Geografia Cultural, ou da abordagem cul-tural nas ciências geográficas é entender a experiência dos homens (sociedade) no meio (social/am-biental), além de incorporar os significados e compreender tais estudos no meio e relacionar o nosso conhecimento e as nossas vidas. Claval lista as principais mudanças de ordem epistemológica e teórica da Geografia Cultural, sendo mudanças significativas na base da epistemologia científica. A base epis-temológica pode ser entendida como o alicerce do conhecimento filosófico, que engloba uma reflexão geral da natureza e os limites do conhecimento. A epistemologia enfoca sua análise entre o sujeito e o objeto, apresentando os postulados e as conclusões dos métodos científicos, traçando seu caminho científico, sua história e evolução. O mesmo autor descreve ainda os novos rumos das relações homens/meio ambiente, enfocam as relações sociais e os problemas morais do mundo contemporâneo.

Uma possível definição dessa “nova” Geografia Cultural seria: contemporânea e histórica (mas sempre contextualizada e apoiada na teoria); social e espacial (mas não reduzida a aspectos da paisagem definidos de forma restrita); urbana e rural; atenta à natureza contingente da cultura, às ideologias dominantes e às formas de resistência. Para essa “nova” geografia a cultura não é uma categoria residual, mas o meio pelo qual a mudança social é experienciada, contestada e constituída. Para desenvolver essa questão de forma mais detalhada, será necessário retornar às raízes americanas da Geografia Cultural contemporânea. (CASGROVE ; JACKSON, 2003, p. 136).

Temas da Geografia CulturalOs geógrafos Wagner e Mikesell abordam vários temas da Geografia Cultural, dentre os quais se

destacam: cultura, área cultural, paisagem cultural, história da cultura, ecologia cultural e o geógrafo cultural. Tais temas marcam de forma sintética a conexão e a compreensão dos estudos da Geografia Cultural e constituem a aplicação e apresentação do núcleo desse conhecimento.

A Cultura, segundo os autores citados, representa as atividades de entendimento de um grupo, considerada também um conjunto de símbolos usados nessas atividades de comunicação e entendi-mentos. O entendimento entre as pessoas do grupo acontece pela similaridade dos pensamentos, pelas simbologias usadas e ações atribuídas a valores e qualidades. Podemos afirmar que a cultura é interna-mente produzida em uma base geográfica, sendo que a base geográfica também é algo do reconheci-mento cultural e, por sua vez, um resultado da própria produção cultural.

Em outras palavras, o conceito de cultura oferece um meio para classificar os seres humanos em grupos bem definidos, de acordo com características comuns verificáveis, e também um meio para classificar áreas de acordo com as ca-racterísticas dos grupos humanos que as ocupam. (WAGNER ; MIKESELL, 2003, p. 28).

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Para Wagner e Mikesell, a área cultural pode ser entendida como o limite da cultura, ou seja, é a área que mantém as atividades e os atributos de uma determinada cultura1. Podemos verificar alguns conjuntos espaciais da cultura, como os pontos centrais da cultura, as linhas em que ocorre a transmissão ou a transferência da abrangência cultural, as áreas que representam a abrangência geográfica de determinados tipos ou elementos de cultura. Uma área cultural pode definir uma determinada região ou um determinado território associando a relação do homem com o meio, suas condições com os recursos humanos e naturais, a qualidade das relações entre sociedade e natureza.

Dada a dependência da homogeneidade cultural face à comunicação imediata e à dependência da comunicação, face à contigüidade geográfica ou substitutos técnicos para isso, a “área cultural” implica uma uniformidade relativa em vez de absoluta. A similaridade cultural relativa aparece em diferentes graus, desde identidade virtual de atitudes e aptidões num pequeno território, até semelhanças gerais ou ampla disseminação de características individuais ou elementos da cultura em grandes áreas. (WAGNER ; MIKESELL, 2003, p. 32).

A paisagem cultural é o resultado concreto e visível de um grupo cultural que, por sua vez, pro-duz marcas no espaço geográfico através do tempo. A paisagem cultural segundo os autores Wagner e Mikesell, refere-se ao conteúdo geográfico de uma determinada área ou a um complexo geográfico de certo tipo, no qual são manifestadas as escolhas feitas e as mudanças realizadas pelo homem enquanto membro de uma comunidade cultural2.

Outro tema da Geografia Cultural é a composição da história da cultura, na qual se apresentam a evolução dos “modos de vida” no transcorrer do tempo, com o desenvolvimento tecnológico e dos diferentes grupos sociais estruturados em diferentes períodos. Para exemplificar esse tema da Geografia Cultural, podemos citar o conhecimento e a evolução na produção de artefatos, que são registrados nos estudos arqueológicos.

A ecologia cultural é o resultado do trabalho de entendimento da produção de uma cultura, da sua área cultural e da sua paisagem cultural, o que ultrapassa a análise simples sobre os atores culturais e suas ações. As ações dos diferentes atores culturais, inseridos em uma cultura e num campo de rela-ções específicas de um “modo de vida”, produzem sucessivos eventos históricos que promovem a quali-dade da cultura em distintos tempos. De fato a importância deve-se a análise da relação entre todos os elementos do sistema cultural e seus determinantes históricos, como as práticas culturais que se dão num determinado ambiente.

O geógrafo cultural, conforme Wagner e Mikesell, pode ser entendido da seguinte forma:

[...] para os geógrafos culturais, qualquer sinal de ação humana numa paisagem implica uma cultura, demanda uma história e exige uma interpretação ecológica; a história de seu povo evoca sua fixação na paisagem, seus problemas ecológicos e concomitantes culturais, e o reconhecimento da cultura exige a descoberta de traços que a mesma deixou na superfície da terra. (WAGNER, P. L.; MIKESELL, 2003. p. 50).

1 WAGNER, P. L.; MIKESELL. Os temas da Geografia Cultural. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 32.2 WAGNER, P. L.; MIKESELL. Os temas da Geografia Cultural. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 36.

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A noção de gênero de vidaA noção de gênero de vida marca uma corrente do pensamento geográfico chamada de possi-

bilismo, a qual percebe o papel das atividades, das técnicas e da cultura humana na alteração do meio natural. O desenvolvimento da cultura e dos costumes é visto como conseqüências do meio natural, do tipo de clima, do tipo de relevo, do potencial hídrico.

Para exemplificar a corrente do pensamento geográfico ligado ao possibilismo, podemos citar Paul Vidal de la Blache que estabeleceu um rompimento com o pensamento dominante da segunda metade do século XIX, apresentando um estudo da força da relação da natureza e suas influências sobre o homem. Indicou também que o homem apresentava possibilidades reais e concretas de modificá-las e alterá-las.

Neste processo, de trocas mútuas com a natureza, o homem transforma a matéria natural, cria formas sobre a superfície terrestre: para Vidal, é aí que começa a “obra geográfica do homem”. Assim, na perspectiva vidalina, a natureza passou a ser vista como possibilidades para a ação humana; daí o nome de Possibilismo, [...] Vidal denominou “gênero de vida”, o qual exprimiria uma relação entre a população e os recursos, uma situação de equilíbrio, construída historicamente pelas sociedades. A diversidade dos meios explicaria a diversidade dos gêneros de vida. (MORAIS, 1993, p. 68-69).

Esse conceito desenvolve o pensamento de que o homem, em suas inúmeras atividades de so-brevivência, necessita se relacionar em grupo, criando a possibilidade de conhecer o ambiente natural em que vive, sentindo sua dificuldade na transformação da natureza. Estabelece também um conjunto de técnicas que facilitam o trabalho e que possibilitam melhor conforto e adequada produção científi-ca. O processo de desenvolvimento do conhecimento e o aprimoramento das técnicas de manipulação e criação de ferramentas foram capazes de transformar a natureza, permitindo o surgimento de rituais específicos que mantiveram o sentido de explicação e entendimento sobre os processos que eram ob-servados em seu meio. Aos poucos foram surgindo e acumulando-se no tempo e no espaço determina-das crenças, rituais, danças e figuras divinas que asseguravam a explicação sobre os fenômenos naturais e humanos. Surgiram assim os gêneros de vida, que de acordo com Max Sorre “é o conjunto de técnicas e rituais de uma comunidade em envolvimento com as dificuldades de seu meio físico” (SORRE, 2002).

De acordo com Max Sorre, existem elementos formadores dos gêneros de vida: primeiro, os cria-dores ou organizadores que são as técnicas fundamentais; segundo, os fixadores que definem o tipo de habitat, estrutura agrária; terceiro, os antagônicos (limitadores) que reúnem as prescrições religiosas que atrapalham a evolução econômica; e por fim, os relictuais que são os adornos, os cânticos, os ritos funerários, por exemplo. Os gêneros de vida existem justamente por sua permanência e estabilidade no tempo. Por outro lado, eles não são estáticos e podem evoluir. A evolução dos gêneros de vida apresen-ta-se pelo acúmulo do saber técnico e pelo máximo dinamismo das atividades econômicas.

Geografia Cultural: reflexos da globalizaçãoPara ampliar a discussão acerca dessa temática devemos lembrar alguns efeitos e algumas con-

seqüências diante do contexto da globalização nos dias de hoje. Sem dúvida já é comum o termo de “comunidade global”, “aldeia global”, ou simplesmente “mundo globalizado”. Talvez esses termos provo-quem uma interpretação rápida e direta, no que se refere à velocidade da informação ou movimenta-ção e transporte de pessoas e recursos, ou seja, em qualquer parte do planeta é possível ter ligação do global como o local, seja por comunicação ou por relações de ordem econômica, por exemplo.

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A globalização derruba fronteiras e aproxima limites; tais premissas são colocadas de forma exageradas na nossa sociedade. Grande parte dos processos relacionados à globalização, como mo-delos de consumo e adaptação a tecnologias trazem certa padronização cultural, ocorrendo efeitos negativos na cultura local e regional de determinadas áreas culturais, pois permite a redução de práticas e rituais presentes na diversidade cultural do planeta.

A fixação de novos espaços econômicos mundiais facilita a integração cultural entre os povos e as comunidades. Por outro lado, carrega um sentido de desenvolvimento, muitas vezes não desejado para certas comunidades locais. O agravamento dessa situação amplia-se significativamente na dependên-cia de um domínio global. Citamos as dependências do sistema financeiro nas relações internacionais de grupos privados. Fica claro que os efeitos e as conseqüências sobre a cultura de muitos países e regiões ficam comprometidos, salientando as diferenças e exclusões sociais e alterando as relações fun-damentais do cotidiano das pessoas.

Outra análise das reflexões da globalização sobre a cultura diz respeito ao conformismo e à adapta-ção rápida das pessoas em torno da qualidade e quantidade de exigências sociais, que traduzidas, sig-nificam uma competitividade e uma irresponsabilidade ambiental, sob a ótica econômica e política. Nesse contexto, também podemos falar das relações do trabalho que aprofundam as dependências globais para atender a um padrão internacional de consumo crescente de muitos países.

As adaptações e os conformismos da nossa sociedade encontram-se ligados à globalização da economia, que por intermédio da forte industrialização de produtos ou pela utilização de determina-dos serviços em escala mundial, trazem conseqüências negativas e perversas para a população. Po-demos citar o consumo de alimentos industrializados na escala global, que contribui para alterações na dinâmica de consumo em comunidades menores, constituindo uma mudança cultural e no padrão de alimentação das pessoas. A conseqüência dessa mudança é o consumo de um valor energético di-ferenciado para aquelas pessoas, até então desconhecido ou não utilizado, sendo resultado de uma intensa divulgação de mídia e incorporação de novos valores na sociedade. Esse exemplo classifica um rompimento em “hábitos” e “modos de vida” estabelecidos por um longo tempo no cotidiano de certas comunidades, interferindo e/ou modificando relações culturais e sociais presentes.

Texto complementar(MORAES, 1981)

O principal livro de Ratzel, publicado em 1882, denomina-se Antropogeografia – fundamentos da aplicação da Geografia à História; pode-se dizer que esta obra funda a Geografia Humana. Nela, Ratzel definiu o objeto geográfico como o estudo da influência que as condições naturais exercem sobre a humanidade. Essas influências atuariam, primeiro na fisiologia (somatismo) e na psicologia (caráter) dos indivíduos, e, através destes, na sociedade. Em segundo lugar, a natureza influenciaria a própria constituição social, pela riqueza que propicia, através dos recursos do meio em que está localizada a sociedade. A natureza também atuaria na possibilidade de expansão de um povo, obs-taculizando-a ou acelerando-a. E ainda nas possibilidades de contato com outros povos, gerando

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assim o isolamento e a mestiçagem. Ratzel realizou extensa revisão bibliográfica, sobre o tema das influências da natureza sobre o homem, e concluiu criticando as duas posições mais correntes: a que nega tal influência, e a que visa estabelecê-la de imediato. Diz ele que essas influências vão se exer-cer mediatizadas, através das condições econômicas e sociais. Para ele, a sociedade é um organismo que mantém relações duráveis com o solo, manifestas, por exemplo, nas necessidades de moradia e alimentação. O homem precisaria utilizar os recursos da natureza, para conquistar sua liberdade, que, em suas palavras, “é um dom conquistado a duras penas”. O progresso significaria um maior uso dos recursos do meio, logo, uma relação mais íntima com a natureza. Quanto maior o vínculo com o solo, tanto maior seria para a sociedade a necessidade de manter sua posse. É por essa razão que a sociedade cria o Estado, nas palavras de Ratzel: “Quando a sociedade se organiza para defender o território, transforma-se em Estado”. A análise das relações entre o Estado e o espaço foi um dos pon-tos privilegiados da Antropogeografia. Para Ratzel, o território representa as condições de trabalho e existência de uma sociedade. A perda de território seria a maior prova de decadência de uma so-ciedade. Por outro lado, o progresso implicaria a necessidade de aumentar o território, logo, de con-quistar novas áreas. Justificando essas colocações, Ratzel elabora o conceito de “espaço vital”; este representaria uma proporção de equilíbrio, entre a população de uma dada sociedade e os recursos disponíveis para suprir suas necessidades, definindo assim suas potencialidades de progredir e suas premências territoriais. E fácil observar a íntima vinculação entre essas formulações de Ratzel, sua época e o projeto imperial alemão. Essa ligação se expressa na justificativa do expansionismo como algo natural e inevitável, numa sociedade que progride, gerando uma teoria que legitima o impe-rialismo bismarckiano. Também sua visão do Estado como um protetor acima da sociedade, vem no sentido de legitimar o Estado prussiano, onipresente e militarizado.

A Geografia proposta por Ratzel privilegiou o elemento humano, e abriu várias frentes de estudo, valorizando questões referentes à História e ao espaço, como: a formação dos territórios, a difusão dos homens no globo (migrações, colonizações etc.), a distribuição dos povos e das raças na superfície terrestre, o isolamento e suas conseqüências, além de estudos monográficos das áreas habitadas. Tudo tendo em vista o objeto central que seria o estudo das influências, que as condições naturais exercem sobre a evolução das sociedades. Em termos de método, a obra de Ratzel não realizou grandes avanços. Manteve a idéia da Geografia como ciência empírica, cujos procedimentos de análise seriam a observação e a descrição. Porém, proponha ir além da descrição, buscar a síntese das influências na escala planetária, ou, em suas palavras, “ver o lugar como objeto em si, e como elemento de uma cadeia”. De resto, Ratzel manteve a visão naturalista: reduziu o homem a um animal, ao não diferenciar as suas qualidades específicas; assim, propunha o método geográfico como análogo ao das demais ciências da natureza; e concebia a causalidade dos fenômenos humanos como idêntica a dos naturais. Daí, o mecanicismo de suas afirmações. Ratzel, ao propor uma Geografia do Homem, entendeu-a como uma ciência natural.

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Atividades1. O que significa gênero de vida?

2. Qual a definição do objeto da Geografia segundo Ratzel?

3. Como podemos definir área cultural?

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