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GEÓLOGOS QUE FAZEM HISTÓRIA: ORVILLE DERBY, AVELINO OLIVEIRA, OTHON LEONARDOS, VIKTOR LEINZ E SUAS MONOGRAFIAS SOBRE A HISTORIA DA GEOLOGIA NO BRASIL (1897 1955) Picanço, Jefferson de Lima. 1 ; Mesquita, Maria José. 1 1 Departamento de Geologia e Recursos Naturais Instituto de Geociências UNICAMP RESUMO São analisados os discursos de quatro monografias sobre a História das Ciências Geológicas no Brasil. A monografia de Derby, publicada em 1895 na revista brasileira é o grande modelo cronológico e narrativo para as demais. Neste texto, seguindo os cânones da geração de 1870, a valorização da ciência estrangeira em detrimento da brasileira e a desvalorização do passado luso-brasileiro é a maior característica. As monografias de Avelino Oliveira e Othon Leonardos (1943), seguindo no geral a cronologia e a estrutura do texto de Derby, já aponta algumas mudanças de rumo. Os textos de Othon Leonardos e Viktor Leinz, publicados em 1955 na coleção “As Ciências no Brasil” (1955), dirigidas por Fernando Azevedo repetem o mesmo discurso, mas renovam ao discutir alguns aspectos da institucionalização das ciências. O texto de Othon Leonardos descreve as diversas escolas de pensamento, em geral associadas a instituições de pesquisa ou ensino. Já o texto de Viktor Leinz, junto com uma discussão sobre as instituições de ensino, também faz discussões sobre o financiamento da pesquisa pura e o caráter de nossa produção cientifica. Ao revelar sua visão sobre o desenvolvimento das ciências geológicas no Brasil há uma importante discussão sobre o papel do cientista na sociedade, tanto no brasil quanto na américa latina; INTRODUÇÃO Em trabalho publicado na “Revista Brasileira” em 1897, Orville Derby (1851-1915) faz um curto texto monográfico intitulado “As Investigações Geológicas do Brazil”, onde mostra os principais trabalhos geológicos realizados até então. No texto de Derby, é

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GEÓLOGOS QUE FAZEM HISTÓRIA: ORVILLE DERBY,

AVELINO OLIVEIRA, OTHON LEONARDOS, VIKTOR LEINZ E

SUAS MONOGRAFIAS SOBRE A HISTORIA DA GEOLOGIA NO

BRASIL (1897 – 1955)

Picanço, Jefferson de Lima.1 ; Mesquita, Maria José.1

1 Departamento de Geologia e Recursos Naturais – Instituto de Geociências UNICAMP

RESUMO

São analisados os discursos de quatro monografias sobre a História das Ciências Geológicas no

Brasil. A monografia de Derby, publicada em 1895 na revista brasileira é o grande modelo

cronológico e narrativo para as demais. Neste texto, seguindo os cânones da geração de 1870,

a valorização da ciência estrangeira em detrimento da brasileira e a desvalorização do passado

luso-brasileiro é a maior característica. As monografias de Avelino Oliveira e Othon Leonardos

(1943), seguindo no geral a cronologia e a estrutura do texto de Derby, já aponta algumas

mudanças de rumo. Os textos de Othon Leonardos e Viktor Leinz, publicados em 1955 na

coleção “As Ciências no Brasil” (1955), dirigidas por Fernando Azevedo repetem o mesmo

discurso, mas renovam ao discutir alguns aspectos da institucionalização das ciências. O texto

de Othon Leonardos descreve as diversas escolas de pensamento, em geral associadas a

instituições de pesquisa ou ensino. Já o texto de Viktor Leinz, junto com uma discussão sobre as

instituições de ensino, também faz discussões sobre o financiamento da pesquisa pura e o

caráter de nossa produção cientifica. Ao revelar sua visão sobre o desenvolvimento das ciências

geológicas no Brasil há uma importante discussão sobre o papel do cientista na sociedade, tanto

no brasil quanto na américa latina;

INTRODUÇÃO

Em trabalho publicado na “Revista Brasileira” em 1897, Orville Derby (1851-1915) faz

um curto texto monográfico intitulado “As Investigações Geológicas do Brazil”, onde

mostra os principais trabalhos geológicos realizados até então. No texto de Derby, é

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bastante significativo que os cientistas do período ilustrado são apresentados sem

explicitar suas ligações com a ilustração portuguesa. Por outro lado, o texto dá especial

ênfase ao trabalho dos viajantes e cientistas estrangeiros, retratados como os “pais” ou

“precursores” da ciência geológica no Brasil. Os cientistas Brasileiros, no texto de Derby

logo se sobrecarregam com serviços burocráticos ou são empurrados para a política, e

deixam para trás o trabalho cientifico. Assim se dá com Câmara e com José Bonifácio

com o Barão de Capanema e com João da Silva Coutinho, entre outros. Da mesma forma,

apesar de saudar a criação da Escola de Minas de Ouro Preto como uma nova era na

geologia Brasileira, Derby não deixa de observar que a “política vai desviando os

talentos” dos seus formandos.

O texto de Derby teve bastante influência na geologia Brasileira. Trabalhos posteriores

acabaram por repetir e aprofundar esta narrativa. Assim, as monografias sobre a história

da geologia Brasileira apresentadas por Avelino Ignácio Oliveira (1891-1970) e Othon

Henry Leonardos (1899-1977), no primeiro capítulo de seu livro “Geologia do Brasil”,

de 1943, mantem e reforça a cronologia de Derby, trazendo-a até meados dos anos 1930.

Da mesma forma, as monografias de Othon Leonardos e Viktor Leinz (1904 – 1983), que

aparecem no livro “A Ciência no Brasil”, de 1955, publicado sob a influência de Fernando

Azevedo repetem praticamente a mesma cronologia.

É importante ouvir a voz de cientistas refletindo sobre seu fazer. Esta leitura pode nos

ajudar a entender os caminhos adotados até aqui, e fazer com que possamos dimensionar

nossas opções enquanto cientistas. Este texto procura ressaltar esta narrativa e

contextualizar estes discursos.

“INVESTIGAÇÕES GEOLÓGICAS DO BRASIL”, DE ORVILLE DERBY (1895)

Orville Adalbert Derby nasceu em 1851 em Kellogsville, no estado de Nova York

(Estados Unidos). Cursou geologia na universidade de Cornell, onde foi aluno de Charles

Frederick Hartt. Ainda muito jovem, veio ao Brasil por duas vezes, em 1870 e 1871, como

membro das expedições Morgan, chefiada pelo mesmo Hartt. Terminou seu curso em

1875, com um trabalho decorrente de suas observações no Brasil.

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Em dezembro de 1875, retorna ao pais para fazer parte da Comissão Geológica do

Império, idealizada, criada e chefiada por Hartt. Entre seus colegas na comissão estavam

Richard Rathburn, geólogo também formado em Cornell, John Casper Branner, geólogo

formado em Indiana e um dos mais próximos amigos de Derby; além de Marc Ferrez,

fotógrafo, entre outros. Neste período foram realizadas diversas expedições pelo Brasil,

principalmente no Norte-Nordeste.

Com o fim da comissão geológica em 1877 e com a subsequente morte de Hartt em 1878,

Derby é um dos poucos estrangeiros que permanece no pais e passa a trabalhar no museu

nacional, a princípio sem remuneração e posteriormente como chefe da secção de

geologia. Neste período trabalhou com os catálogos e organização das coleções da

comissão geológica, tendo ainda se envolvido com inúmeros projetos na bacia do são

Francisco, minas gerais, são Paulo e Paraná. A partir de 1879 fez parte da comissão

hidráulica do império, trabalhando sob a chefia de William Milnor Roberts. Pouco depois,

trabalha em ouro preto com Gorceix, na elaboração de cartas geológicas de Minas Gerais

(Figueiroa, 1997).

Em 1885 Derby aceita o convite de Joao Alfredo Corrêa de Oliveira, presidente da

província de São Paulo, para organizar um survey nos mesmos moldes da comissão

geológica do império (Figueiroa, 1997). Criada em 1886, a Comissão Geográfica e

Geológica de São Paulo foi dirigida por Derby até 1905. Sob sua direção, foram efetuados

estudos de levantamento de vastas zonas inexploradas do oeste de São Paulo. Foram feitos

o reconhecimento de diversas bacias quanto a sua topografia e navegabilidade, bem como

a sugestão de obras que pudessem ser executadas. Da mesma forma foram efetuados

estudos sobre a geografia, a geologia e a biologia destas regiões.

Tendo sido afastado da CCGGSP em 1905, Derby trabalhou por algum tempo na Bahia,

convidado pelo secretário de agricultura Miguel Calmon Du Pin e Almeida, a trabalhar

no Serviço de Terras e Minas do estado. De volta ao Rio de Janeiro em 1907, Derby

organiza o serviço geológico e mineralógico do Brasil. No entanto, apesar da montagem

de uma boa equipe e do trabalho realizado, o SGMB padeceu de contínuos cortes de

verbas. Desgastado com a situação, derby suicidou-se em 1915 no Hotel dos Estrangeiros,

no Rio de Janeiro.

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Orville Derby fez um curto texto monográfico publicado na “Revista Brasileira” em 1897,

intitulado “As Investigações Geológicas do Brazil”, onde discute os principais trabalhos

geológicos realizados até então no país.

Neste texto Derby não adota uma periodização formal, mas segue um padrão de ordem

cronológica. Inicialmente, faz referência aos trabalhos dos tempos coloniais. Ai, faz

referência as características de bom observador pratico dos mineiros práticos, os quais,

segundo Derby, fizeram experiências na descoberta das jazidas de diamante e ouro num

nível ”quase-científico”.

Derby também cita os trabalhos dos luso-Brasileiros da ilustração, como Vieira Couto,

Martim Francisco, Câmara e José Bonifácio. Em seu texto Derby afirma ser o trabalho de

Vieira Couto desprovido de valor cientifico.

Por outro lado, o texto dá especial ênfase ao trabalho dos cientistas estrangeiros. Entre

eles se destaca no texto o trabalho de Eschwege, que considera o maior pesquisador deste

período. As observações precisas e minuciosas de Eschwege foram publicadas am livros

e grande revistas, sendo uma fonte confiável de conhecimento sobre a geologia Brasileira.

Da mesma forma, a vinda de D Leopoldina ao Brasil propiciou a presença de

pesquisadores como Sellow, Lund e outros, com diversas contribuições interessantes.

Enfeixando o período inicial do século, Derby reconhece certo período “alemão” na

geologia Brasileira.

Da mesma forma, o texto faz referência as observações de pesquisadores como Darwin,

Lund, Helmreichen e Pissis, que apresentaram contribuições consideradas importantes

para a geologia Brasileira.

A expedição de Agassiz em 1867 teria inaugurado uma nova fase. Neste novo período,

na narrativa de Derby, sobressai de maneira decisiva a atuação de Charles Frederick Hartt.

Com Hartt, inicia-se uma fase de intensas pesquisas, que dura até o fim do século. Com

o fim da Comissão Geológica do Império, os pesquisadores dela oriundos, entre eles o

próprio Derby assumem os trabalhos nas instituições que vão se formando. Este trabalho

se desdobra, entre outros, nos trabalhos da Comissão Geográfica e Geológica de São

Paulo e na fundação da Escola de Minas de Ouro Preto.

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O texto observa que os cientistas Brasileiros logo se sobrecarregam com serviços

burocráticos ou são empurrados para a política, e deixam para trás o trabalho cientifico.

Assim se dá com Câmara e com José Bonifácio, no início do século XIX. Posteriormente,

Derby cita o Barão de Capanema e João da Silva Coutinho, que realizaram diversos

estudos e expedições em meados do século XIX. Mesmo sendo “ativos observadores

geológicos”, estes cientistas deixaram poucas observações ao se sobrecarregarem “com

aspectos administrativos”. Da mesma forma, apesar de saudar a criação da Escola de

Minas de Ouro Preto como uma nova era na geologia Brasileira, não deixa de observar

que a “política vai desviando os talentos” dos seus formandos. O texto de Derby teve

bastante influência na geologia Brasileira. Trabalhos posteriores realizados por outros

pesquisadores acabaram por repetir e aprofundar esta narrativa.

INVESTIGAÇÕES GEOLOGICAS E MINERALOGICAS NO BRASIL: AVELINO

OLIVEIRA E OTHON LEONARDOS (1943)

Avelino Ignácio de Oliveira (1891-1970) nasceu em Minas Gerais. Gradou-se em 1916

pela Escola de Minas de Ouro Preto. Ingressou imediatamente no Departamento Nacional

de Produção Mineral, onde fez carreira. A maior parte de sua atuação profissional como

geólogo se fez na Amazônia, onde trabalhou de 1918 a 1933. Seu trabalho técnico foi

sobretudo em geologia econômica, onde estudou diversas ocorrências, como a barita de

Araxá (1936), adubos fosfatados (1937), e as ocorrências de ferro e manganês de Urucum

(1943).

Dirigiu a Divisão de Fomento da Produção Mineral (DPFM) em dois períodos: 1936-

1938 e 1942-1944. Avelino Ignácio de Oliveira era considerado uma das maiores

autoridades do pais em geologia e exploração de petróleo. Foi também diretor técnico do

conselho nacional do petróleo e, em 1947, foi nomeado seu vice-presidente. Foi diretor

geral do DNPM entre 1951 e 1961.

Othon Henry Leonardos nasceu em Niterói em 1889 e faleceu no Rio de Janeiro em 1977.

Graduado engenheiro geografo em 1917 e engenheiro civil em 1919 pela Escola

Politécnica do Rio, dedicou-se desde logo as ciências geológicas. Foi geólogo do

Departamento Nacional de Produção Mineral até 1925.

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Desde 1918 lecionou mineralogia, geologia e metalurgia na Escola Nacional de

Engenharia, na faculdade Nacional de Filosofia, na Universidade do Distrito federal e na

Escola Fluminense de Engenharia. Foi também engenheiro de Minas do DNPM (1933-

1938). Em 1956, participou juntamente com outros pesquisadores, do grupo que resultou

na formação dos primeiros cursos de geologia do Brasil. Foi membro de diversas

sociedades cientificas no Brasil e em outros países.

Foi autor do livro “Geologia do Brasil” (1943), em parceira com Avelino Ignácio de

Oliveira, um dos grandes compêndios sobre a geologia Brasileira. Também foi autor de

vários trabalhos de história da geologia, como os capítulos sobre a Mineralogia e a

petrografia no Brasil, publicados no livro “As Ciências no Brasil” (1951), coordenados

por Fernando de Azevedo. Também publicou os livros “Geociências no Brasil: a

contribuição Britânica”, de 1970 e “geociências no Brasil: a contribuição germânica”

(1973). Publicou também, em parceria com Viktor Leinz, o “Glossário Geológico”

(1971).

Em seu livro Geologia do Brasil, o primeiro capitulo é intitulado “investigações

geológicas e mineralógicas no Brasil”. Neste curto capitulo introdutório, Oliveira e

Leonardos tratam de assuntos que vão desde a origem da geologia até os últimos esforços

em termos de institucionalização da ciência geológica no Brasil.

A estrutura segue em muito a da monografia de Derby, já citada, inclusive

cronologicamente. No entanto, como abrange um período temporal maior, e mesmo sem

estabelecer uma clara periodização, o capítulo apresenta uma estruturação que varia de

períodos históricos a instituições.

O relato percorre inicialmente a História da Geologia. Neste trecho é significativa a

narrativa da superação da controvérsia entre Netunistas e Plutonistas pelo atualismo de

Lyell. Quanto ao Brasil, o período colonial é citado em passant, seguido de referências

sobre os trabalhos de martim Francisco e José Bonifácio de Andrada e de Manuel Ferreira

da Câmara. Quanto a este último, os autores ignoram onde havia feito seus estudos,

embora reconheça o mérito de sua memória.

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Também é reconhecido o grupo de pesquisadores da Escola Politécnica do Rio de Janeiro

e do Museu Nacional. Nesse grupo o autor destaca Frederico Guilherme Schuch de

Capanema, embora sejam também destacados Joao Martins da Silva Coutinho (1830 –

1889), Oscar Nerval de Gouveia e Manuel Timóteo da Costa.

A narrativa da comissão geológica do império segue praticamente a mesma narrativa de

Derby, passando pelo “naufrágio” e pela “perda total” da qual Hartt não se refez,

culminando com sua morte. A seguir é feito o relato da Comissão Geografia e Geológica

de São Paulo e da Escola de Minas de Ouro Preto. Neste item é feita uma biografia tão

pormenorizada quanto possível de alguns dos mais importantes alunos da escola, como

Gonzaga de Campos, Eusébio de Paula Oliveira, Calógeras, Arrojado Lisboa e outros.

No século XX a narrativa é centrada em instituições: são descritos os pesquisadores das

comissões das minas de carvão de pedra (1903), o Serviço Geológico e Mineralógico do

Brasil, o museu nacional e o Conselho Nacional do Petróleo (CNP). Termina com um

retrato das principais escolas de geologia do pais e seus principais professores.

“A MINERAGLOGIA E A PETROGRAFIA NO BRASIL”, DE OTHON

LEONARDOS (1955)

A monografia “A Mineralogia e a Petrografia no Brasil”, publicada em 1955 por Othon

Leonardos como um capitulo do tomo II da Coleção “A Ciência No Brasil”, dirigida por

Fernando Azevedo. Trata-se de um trabalho um pouco mais distinto do trabalho de Derby,

uma vez que se encontra com uma clara periodização e subdividido em itens marcados

por uma “escola” ou uma instituição, senão ambas. A estrutura de diversos trechos do

texto são em muito semelhantes com o Capitulo 1 da Geologia do Brasil.

É interessante notar que Leonardos reconhece os “precursores” coloniais, como Gabriel

Soares de Souza e Antonil, entre outros. Mas, como as demais monografias, não vê os

Andradas como produto da ilustração luso-Brasileira, como pode se apreender do título

do item: “A Escola Brasileira dos Andradas”.

Os cientistas estrangeiros merecem dois itens, um para os norte-americanos (págs. 280-

285) e outro para os “europeus e seus discípulos Brasileiros” (286-294). Trata-se de dois

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itens extensos, que abrangem, no caso americano, desde Hartt até cientistas

contemporâneos de Leonardos, como John Dorr II e William Pecora, entre outros. Da

mesma forma, o item sobre os europeus abrange desde o século XIX até seus

contemporâneos.

Os geólogos Brasileiros estão apresentados nos itens “o Serviço Geológico e o Grupo

Moderno do Rio de Janeiro”, onde é feita uma extensa listagem e apresentadas pequenas

biografais dos geólogos do SGMB/DNPM e do museu nacional; “Djalma Guimarães e o

Grupo de minas Gerais” e “Viktor Leinz e o Grupo Paulista”. Por fim, os geólogos do Sul

são discutidos no item “Pesquisas Isoladas no Sul do Brasil”.

“A GEOLOGIA E A PALEONTOLOGIA NO BRASIL”, DE VIKTOR LEINZ (1955)

Viktor Leinz (1904 – 1983) nasceu na Alemanha, onde gradou-se pela universidade de

Heidelberg. Aluno do prof. Carl W. Correns, trabalhou também na Universidade de

Rostok. Veio ao Brasil em 1935 a convite do governo Brasileiro, para trabalhar no

Departamento Nacional de Produção Mineral. Neste período, também deu aulas de

Mineralogia e Geologia no Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e

Letras do Distrito Federal (Anônimo, 1983).

Entre 1939 e 1945 trabalhou no Rio Grande do Sul, onde trabalhou com estudos sobre

diversos bens minerais, como cobre, estanho, volfrâmio e carvão, além de pesquisas

geológicas e estratigráficas.

Veio para São Paulo em 1948 para ocupar a cátedra de geologia e paleontologia na

Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Em 1957 participou da criação do

curso de geologia do USP, tendo sido seu primeiro coordenador. Aí trabalhou até 1974,

quando se aposentou.

Viktor Leinz publicou diversos trabalhos como petrólogo e mineralogista. No entanto,

sua obra mais famosa e de maior alcance oi o livro “Geologia Geral”, escrito em parceria

com seu ex-aluno Sergio Estanislau do Amaral (1925-1996). Este livro, publicado pela

primeira vez em 1962 teve 14 edições até 2001. Foi o mais importante livro-texto de

geologia de seu tempo, tendo sido lido por diversas gerações de geólogos Brasileiros.

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A monografia de Viktor Leinz, “A Geologia e a Paleontologia no Brasil”, também

publicada no livro de Fernando Azevedo, tem uma estrutura um pouco diferente. O autor

apresenta aqui uma periodização em três fases distintas (embora haja na verdade quatro):

1) época dos viajantes estrangeiros (1810-1875); 2) as primeiras iniciativas oficiais para

a criação de “Comissões”, mas ainda orientadas por cientistas estrangeiros; 3) fase

moderna com desenvolvimento de pesquisas (1907-1935). O autor reconhece ainda uma

“Fase atual”, de 1935 até o presente (1955), onde faz um breve relato da situação da

Geologia Geral, da Paleontologia e Estratigrafia e da Geologia Regional. Neste item,

Leinz destaca que sem o desenvolvimento da sociedade e o aumento do número de

geólogos, não haverá possibilidade de uma ciência “sem fins utilitários”.

A monografia se encerra com itens dedicado as instituições de pesquisa e ensino e à

produção cientifica nacional. Neste item entram em discussão a criação de diversas

instituições de pesquisa e de cursos com a presença de disciplinas de geologia nos últimos

anos. O item “publicações Brasileiras versando ciências geológicas” encerra a

monografia. Neste item é apresentado um levantamento sobre as publicações sobre a

geologia do Brasil nos anos de 1800-1945. No diagrama apresentado (Pág. 260), Leinz

mostra o aumento exponencial de artigos totais, e o aumento da produção de artigos

escritos em português. Discute também os principais periódicos que publicavam assuntos

relativos a geologia no Brasil. Desde o primeiro deles, os “Anais da Escola de Minas de

Ouro Preto”, o número de periódicos sofre um constante aumento. Com a diminuição da

frequência de viagens de estrangeiros no Brasil, observa que está aumentando

progressivamente o número de artigos escritos em português. Entretanto, a quantidade

não necessariamente quer dizer qualidade, como observa.

DISCUSSÃO

As monografias até aqui discutidas apresentam diversos pontos em comum. Em termos

de estrutura, são textos cronológicos, contendo pequenas biografias e bibliografias

comentadas de (geo)cientistas que estudaram o Brasil, sejam oriundos de outros países,

seja brasileiros de nascença ou de adoção. Estes textos, por vezes difíceis de ler, contém,

no entanto, diversas chaves para sua compreensão. Estas chaves dizem respeito ao

contexto para o qual o autor escrevia, e como pensava o fazer cientifico.

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Os textos também apresentam uma ciência bastante restrita (e restritiva). Em seu texto,

Derby faz uma série de restrições: por um lado, elege Eschwege como “pai” da geologia

brasileira. Por outro, nega o status cientifico de Vieira Couto. Leinz faz uma restrição

mais elíptica, quando estabelece que o primeiro período (ou seja, o início) da geologia

brasileira seria a época dos viajantes estrangeiros, que ele situa entre 1810-1875. Ao se

referir ao ano de 1810, refere-se muito provavelmente ao ano da chegada ao Brasil de

Eschwege e Varnhagen. Neste sentido, o texto de Othon Leonardos (1955) é o que se

apresenta mais generoso, ao incluir as contribuições dos autores coloniais como Gabriel

Soares ou Antonil. Por outro, o texto de Othon acaba por desconhecer o papel da

ilustração portuguesa quando cita a “escola brasileira dos Andradas”.

Outra característica comum dos textos é a visão negativa do passado colonial português.

Este discurso, elaborado em meados do século XIX, reflete as críticas de parte dos

intelectuais da geração de 1870 (Alonso, 2002, pág. 240). No entanto, este discurso

adentra o século XX, com a obra de autores como Fernando Azevedo (Figueiroa, 1998b,

pág. 109).

A estruturação e a cronologia do texto de Derby repetem-se nos demais textos. A grande

diferença reside no fato de que, nos textos subsequentes aqui estudados, há o início de

uma narrativa que vai além da cronologia, para se fixar em instituições – no dizer de

Othon Leonardos (1955) em “escolas” - provavelmente no sentido de escolas de

pensamento e ação. Leinz chega a esboçar uma periodização muito próxima da narrativa

de Derby. Quando esta narrativa se estende além da narrativa de Derby, a presença de

instituições parece tomar conta das narrativas. Não é outra a intenção de Leonardos, ao

estabelecer as suas “escolas”. Também não é casual a fase de “Consolidação das

pesquisas” de Viktor Leinz seja encerrada em 1935, ao tempo das reformas promovidas

pelo governo Vargas no DNPM, expandindo sua organização.

Os geólogos brasileiros de seu tempo, Derby repete várias vezes ao longo do texto, são

sempre sequestrados para a “política”. Como discutido por Figueiroa (1998b), os

cientistas brasileiros, assim como em toda a américa Latina “foram ao mesmo tempo

religiosos, funcionários públicos, diretores de repartições públicas, membros de

associações diversas, escritores e até mesmo literatos” (Figueiroa, op.cit., pág. 120). A

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função do intelectual ainda não estava claramente definida nesta época. Em geral,

pertencia a uma pequena elite letrada em meio a um “mar de analfabetos”.

Já para Leinz, um dos maiores problemas da pesquisa estava no caráter endógeno da

pesquisa brasileira. Com a maior institucionalização e com o advento de cientistas

brasileiros, as publicações em português tornam-se mais e mais importantes que as

publicações em inglês e alemão, por exemplo. Em sua época, Leinz lamenta que “ótimas

monografias [...] se dissolveram em pequenas notas nem sempre substanciais (Leinz,

1955, pág. 261) ”.

CONCLUSÕES

A partir das quatro monografias analisadas, percebe-se um discurso comum e que

atravessa todo o século XX, refletindo sobre o caráter da geológica brasileira. Ao colocar

o papel de pioneiro para os grandes pesquisadores estrangeiros, como Derby e Eschwege,

escamoteia-se toda uma geração de cientistas brasileiros e luso-brasileiros importantes.

Aqui, a crítica a colonização e o caráter ibérico pouco avesso à ciência também se faz

presente.

Muito embora o texto de Derby seja quase canônico, seguido na forma e conteúdo,

diversas diferenças aparecem. O texto de Oliveira e Leonardos parece mais “fixado” no

texto de Derby. No entanto, ali começa a se esboçar uma periodização e uma organização

que surgem mais claramente nos textos de Leonardos e Leinz. Embora não seja o objetivo,

e nem tampouco haja uma discussão mais aprofundada, a questão da institucionalização

plena da geologia no pais parece estar presente. As “escolas” de Leonardos refletem um

fazer que está presente em diversas regiões e instituições do pais. A discussão final do

texto de Leinz sobre a questão da educação em geologia nas escolas superiores brasileiras,

o papel do financiamento à pesquisa pura e a visibilidade da ciência aqui produzida

através de artigos em periódicos mostra uma nova fase na pesquisa geológica.

O aprofundamento das questões colocadas nestas monografias é um tema de grande

relevância para entender o papel do cientista em nossa sociedade, onde o desvelar destes

discursos revelam facetas interessantes da ciência geológica e mesmo da ciência brasileira

neste período. A reflexão dos geocientistas sobre o seu saber ilumina aspectos

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interessantes do fazer ciência no Brasil e na América Latina. Que suas vozes nos tragam

novas ideias e reflexões para moldar o fazer ciência neste novo século que adentramos.

REFERENCIAS

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Page 13: GEÓLOGOS QUE FAZEM HISTÓRIA: ORVILLE DERBY, … · segundo Derby, fizeram experiências na descoberta das jazidas de diamante e ouro num nível ”quase-científico”. Derby também