Geometria Euclidiana

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA HISTÓRIA DA GEOMETRIA HIPERBÓLICA Nome: Fernanda Martins Braz – Belo Horizonte/2009 –

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Geometria

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Page 1: Geometria Euclidiana

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISINSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA

HISTÓRIA DA GEOMETRIA HIPERBÓLICA

Nome: Fernanda Martins Braz

– Belo Horizonte/2009 –

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISINSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA

HISTÓRIA DA GEOMETRIA HIPERBÓLICA

Monografia desenvolvida como requisito para a aprovação no curso de Especialização em Matemática para Professores da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nome: Fernanda Martins BrazOrientador: Francisco Satuf Rezende

– Belo Horizonte/2009 –

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Nome: Fernanda Martins Braz

Monografia: História da Geometria Hiperbólica

Membros componentes da banca examinadora:

Francisco Satuf Rezende (Orientador)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Helder Cândido Rodrigues

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Alberto Berly Sarmiento Vera

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Belo Horizonte, de de 2009.

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“Uma geometria não pode ser mais verdadeira do que

a outra; poderá ser apenas mais cômoda.” (Poincaré)

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Sumário

1 – Resumo .............................................................................................................. 07

2 – Introdução ........................................................................................................... 08

3 – História da Geometria ......................................................................................... 09

4 – Euclides .............................................................................................................. 10

5 – Geometria Euclidiana ......................................................................................... 12

6 – Quinto Postulado de Euclides ............................................................................ 14

6.1 – Tentativas de demonstrar o quinto postulado ........................................15

6.1.1 – Ptolomeu ................................................................................. 15

6.1.2 – Proclus .....................................................................................16

6.1.3 – Nasir Eddin All Tusin ............................................................... 16

6.1.4 – John Wallis ...............................................................................17

6.1.5 – Girolamo Saccher ................................................................... 17

6.1.6 – Johann Heinrich Lambert ........................................................ 19

6.1.7 – Adrien Marie Legendre ............................................................ 21

7 – Uma nova Geometria ..........................................................................................22

7.1 – Carl Friedrich Gauss ..............................................................................22

7.2 – Wolfgang Boylai .....................................................................................23

7.3 – Johann Boylai ........................................................................................23

7.4 – Nicolai Ivanovich Lobachewsky .............................................................25

8 – Geometria Hiperbólica ........................................................................................ 26

8.1 – Modelos de Geometria Hiperbólica ...................................................... 27

8.1.1 – Modelo de Beltrami ................................................................. 27

8.1.2 – Modelo de Klein ...................................................................... 28

8.1.3 – Modelos de Poincaré .............................................................. 29

9 – Consequências da nova geometria ................................................................... 31

10 – Geometria Hiperbólica na escola ..................................................................... 32

11 – Conclusão ........................................................................................................ 32

12 – Referências Bibliográficas ................................................................................ 34

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1 – Resumo

A Geometria é vista como uma ciência de natureza lógica e dedutiva, sendo formulada por postulados, axiomas e noções comuns a todos. Assim Euclides formulou e organizou todo o conhecimento sobre geometria de sua época nos Elementos. Euclides começou o desenvolvimento de seu trabalho utilizando cinco postulados, mas o quinto, conhecido como postulado das paralelas, causou grande polêmica. Muitos afirmavam que se tratava de um teorema e buscavam uma demonstração. Grandes matemáticos aventuraram-se no estudo do quinto postulado, e o problema que parecia simples, tornou-se numa difícil busca por séculos. Em meio às tentativas de prová-lo, foi descoberta uma nova geometria, a Geometria Hiperbólica, em que se negava o quinto postulado e afirmava que por um ponto fora de uma reta passa mais de uma reta paralela à reta dada. Iniciava-se, então, uma série de resultados novos, inclusive a descoberta de que a Geometria Hiperbólica é tão consistente quanto a Geometria Euclidiana. Esses resultados, apesar de diferentes e distantes de alguns resultados da Geometria Euclidiana, possuem um encadeamento lógico correto e, inclusive, aplicação prática. É interessante que os professores de matemática tenham conhecimento da existência da geometria não euclidiana e compartilhem com seus alunos algumas informações e curiosidades a esse respeito, já que nas escolas a geometria de Euclides é ensinada como verdade absoluta e inquestionável.

Palavras-chave: geometria, euclidiana, hiperbólica

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2 – Introdução

O ensino da geometria costuma ser muito desprivilegiado na educação básica,

sendo muitas vezes o último conteúdo a ser abordado no ano letivo, isso quando há

tempo. Além disso, muitos professores não têm segurança ao ensinar geometria,

com seus axiomas e teoremas, muito menos sabem da existência de outras

geometrias.

É fato que o estudo das geometrias não euclidianas normalmente não é abordado

nos cursos de Licenciatura Matemática, o que explica o espanto de muitos

professores ao tomarem conhecimento dessa nova geometria, já que a geometria de

Euclides é aprendida e ensinada como única e absoluta geometria existente.

A geometria hiperbólica é uma geometria não euclidiana e estudá-la possibilita uma

visão crítica sobre a própria Matemática, sobre seus argumentos e demonstrações.

Esse trabalho visa fazer um breve relato histórico do desenvolvimento da geometria

hiperbólica para ampliar um pouco mais a visão do professor de matemática,

aprimorando seu conhecimento e servindo como introdução para um estudo mais

aprofundado das geometrias não euclidianas.

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3 - História da Geometria

A origem da Geometria (do grego medir a terra) está ligada a algumas práticas do

cotidiano relacionadas ao plantio, construções e movimento dos astros, sendo usada

para cálculo de áreas, superfícies e volumes. Seu estudo iniciou-se na antigüidade,

nas civilizações egípcia e babilônica, por volta do século XX a.C.

Todos os anos o rio Nilo extravasava as margens e inundava o seu delta, terreno

situado entre dois braços de um rio. A boa notícia era a de que as cheias

depositavam nos campos de cultivo lamas aluviais ricas em nutrientes, tornando o

delta do Nilo a mais fértil terra lavrável do mundo antigo. A má notícia consistia em

que o rio destruía as marcas físicas de delimitação entre as possessões de terra.

Dessa forma, adviam daí conflitos entre indivíduos e comunidades sobre o uso

dessa terra não delimitada. A dimensão desses conflitos era tal que uma pessoa

recém falecida tinha de jurar aos deuses que não enganou o vizinho, roubando-lhe

terra. O coração comido por uma besta horrível chamada o “devorador” seria a

punição para tal pecado. Roubar a terra do vizinho era considerado uma ofensa tão

grave como quebrar um juramento ou assassinar alguém. Sem marcos fronteiriços,

os agricultores e administradores de templos, palácios e demais unidades produtivas

fundadas na agricultura não tinham referência clara do limite das suas possessões

para poderem cultivá-las e pagarem os impostos devidos. Os antigos faraós

resolveram passar a nomear funcionários, os agrimensores, cuja tarefa era avaliar

os prejuízos das cheias e restabelecer as fronteiras entre as diversas posses. Foi

assim que nasceu a geometria. Estes agrimensores acabaram por aprender a

determinar as áreas de lotes de terreno dividindo-os em retângulos e triângulos.

A fórmula da área do retângulo (base x altura) provavelmente nasceu da observação

de mosaicos quadrados e a descoberta da área do triângulo por meio da divisão em

duas partes, pela diagonal, de quadrados e retângulos. Quando deparavam com

superfícies irregulares, cartógrafos e agrimensores utilizavam o método de

triangulação (dividir um campo em porções triangulares cujas áreas somadas davam

a área total).

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A descoberta do modo como calcular o comprimento de uma circunferência e a área

de um círculo também foi devido a problemas práticos, como, por exemplo,

construções que requeriam paredes curvas. Os antigos geômetras perceberam a

existência de uma relação entre o raio e o comprimento da circunferência: o

comprimento da circunferência é sempre cerca 6,28 vezes seu raio. Já a área do

círculo foi encontrada por um escriba egípcio chamado Ahmes, há cerca de 2000

a.C., que descobriu uma relação entre a área do quadrado e a área do círculo.

Ahmes concluiu que para saber a área do círculo basta calcular a área de um

quadrado construído sobre o raio e multiplicar a respectiva área por 3,14.

Por volta de 500 a.C., as primeiras academias foram fundadas na Grécia e a busca

por conhecimentos sobre geometria aumentava. A partir de Tales de Mileto (600

a.C., aproximadamente), surgem as primeiras tentativas de deduzir os fatos

geométricos. Porém, foi com Euclides que a geometria desenvolveu-se como ciência

dedutiva, por volta de 300 a.C.

4 - Euclides (325-265 a.C.)

Conta-se que em tempos muito remotos um jovem discípulo perguntou ao seu

mestre qual o lucro que teria com o estudo da geometria. Seu mestre, o grande

matemático grego Euclides, chamou um escravo e pediu que este entregasse

algumas moedas ao jovem que a partir daquele momento deixou de ser aluno de

Euclides.

Pouco se sabe sobre a vida de Euclides. Não se sabe onde nasceu, nem sua

formação. É possível que tenha estudado na Academia de Platão, em Atenas, por

causa da semelhança entre a visão platônica do conhecimento e a visão de

Euclides, em particular do desinteresse pelas aplicações práticas. Euclides

eventualmente se estabeleceu em Alexandria, Egito, onde o soberano Ptolomeu I

havia criado um importante instituto científico conhecido como Museu.

No Museu, Euclides tornou-se um bom educador, com reconhecida habilidade como

expositor. Sua obra mais importante, Os Elementos, era usada como texto

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introdutório ao estudo de matemática elementar.

Euclides foi o primeiro a apresentar a matemática como ciência dedutiva, sendo que

cada afirmação deveria ser deduzida de outras mais simples de maneira lógica e

sucessiva.

Hoje, sabe-se que a obra mais influente de Euclides, Os Elementos, escrita por volta

de 300 a.C., é uma compilação de teoremas conhecidos e demonstrados. Euclides

sistematizou a grande massa de conhecimentos matemáticos adquiridos ao longo do

tempo, dando ordem lógica e estabelecendo o conceito de lugar geométrico.

Não é possível saber qual a extensão do trabalho que pode ser atribuído ao próprio

Euclides, porém a mera redação dessa obra já lhe confere um lugar de destaque na

história da matemática, sendo considerada como o primeiro tratado científico,

modelo para todos os outros em qualquer ramo da ciência. Os tópicos tratados em

cada um dos volumes de Os Elementos são:

Livro I – Os fundamentos da geometria plana.

Livro II – Álgebra geométrica.

Livro III – Teoria da circunferência.

Livro IV – Figuras inscritas e circunscritas.

Livro V – Teoria das proporções abstratas.

Livro VI – Figuras geométricas semelhantes e proporcionais.

Livro VII – Fundamentos da teoria dos números.

Livro VIII – Continuação de proporção e teoria dos números.

Livro IX – Teoria dos números.

Livro X – Classificação dos incomensuráveis.

Livro XI – Geometria dos sólidos.

Livro XII – Medição de figuras

Livro XIII – Sólidos regulares

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5 - Geometria Euclidiana

Para Euclides, a geometria era uma ciência dedutiva que operava a partir de certas

hipóteses básicas, os axiomas, que foram apresentados em dois grupos: as noções

comuns e os postulados. A distinção entre esses grupos não é muito clara, mas

noções comuns seriam consideradas hipóteses aceitáveis a todas as ciências e

postulados seriam hipóteses próprias da Geometria.

Noções comuns:

(a) Coisas iguais a uma mesma coisa são também iguais.

(b) Se iguais são adicionados a iguais, os totais são iguais.

(c) Se iguais são subtraídos de iguais, os restos são iguais.

(d) Coisas que coincidem uma com a outra, são iguais.

(e) O todo é maior do que qualquer uma das partes.

Postulados

I. Pode-se traçar uma (única) reta ligando dois pontos.

II. Pode-se prolongar (de uma única maneira) uma reta finita continuamente

em uma linha reta.

III. Pode-se traçar um círculo com centro qualquer e raio qualquer.

IV. Todos os ângulos retos são iguais.

V. Se uma reta, interceptando duas outras, forma ângulos internos de um

mesmo lado cuja soma é menor que dois retos, então estas duas retas, se

prolongadas indefinidamente, se encontram naquele lado cuja soma dos

ângulos internos é menor que dois retos.

Com o quinto postulado, foi criado o primeiro e mais duradouro modelo para o

espaço físico, a Geometria Euclidiana, regido pelos postulados. Esse modelo

possuía, aparentemente, um encadeamento lógico perfeito.

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Implicitamente, Euclides também fez uso de outras hipóteses para a compilação de

seu trabalho,por exemplo:

a) Vale o axioma de Pasch: sejam A, B e C três pontos não colineares e r

uma reta que não contém nenhum destes pontos. Se r corta o segmento AB

então ela também corta o segmento BC ou o segmento AC.

b) As retas são contínuas

Ao escrever os Elementos, Euclides introduziu os postulados um a um e juntamente

com suas definições e axiomas, deduziu 465 proposições.

É preciso que o conjunto de axiomas tenha as três propriedades seguintes:

a) Completude: tudo que será usado na teoria está apropriadamente contido

nos axiomas, de maneira que não hajam hipóteses implícitas

b) Consistência: é impossível deduzir dois teoremas contraditórios dos axiomas

c) Independência: nenhum axioma é conseqüência de alguma combinação dos

demais.

Com base na análise das propriedades de um sistema axiomático, percebe-se que

as demonstrações de Euclides eram cheias de apelos à intuição com hipóteses

implícitas, fazendo-se necessário uma reconstrução. Em 1899, o matemático alemão

David Hilbert (1862 – 1943) apresentou sua obra, Fundamentos de Geometria, que

esclarecia alguns problemas lógicos e fazia um estudo rigoroso dos Elementos de

Euclides.

Hilbert torna como primitivos os conceitos de ponto, reta e plano e os considera

interligados a três relações não definidas: “estar entre” e “congruência”. Também

elaborou o primeiro conjunto completo de axiomas da geometria euclidiana,

subdividido-os como de incidência, ordem, congruência, paralelas e continuidade.

Em 1904, Hilbert provou que a geometria euclidiana é consistente se a aritmética for

consistente.

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6 - Quinto postulado de Euclides

“Se uma reta, interceptando duas outras, forma ângulos internos de um mesmo lado cuja soma é menor que dois retos, então estas duas retas, se prolongadas indefinidamente, se encontram naquele lado cuja soma dos ângulos internos é menor que dois retos.” (5º postulado de Euclides)

Figura 1: Quinto Postulado de Euclides

O quinto postulado só é utilizado a partir da proposição 29 nos Elementos, sendo as

28 primeiras válidas para qualquer outra geometria onde sejam assumidos os quatro

primeiros postulados, sendo assim é impossível, no âmbito da geometria euclidiana,

provar a proposição 29 sem o 5º postulado.

Proposição 29: Quando uma reta corta duas paralelas, formam-se ângulos

correspondentes iguais.

Por definição, retas são paralelas quando não têm ponto em comum, ou seja,

quando não se cruzam.

O quinto postulado tornou-se alvo de críticas dos Elementos no tempo de Euclides e

durante 2.000 anos inúmeras tentativas foram feitas para demonstrá-lo. Uma das

conseqüências foi a produção de vários outros equivalentes denominados

substitutos.

Afirmar que um postulado A é substituto do quinto postulado significa dizer que o

desenvolvimento dos quatro primeiros postulados mais o postulado A coincide com

Geometria Euclidiana. Além disso, tomando o postulado A é possível provar o quinto

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postulado, e vice-versa. O substituto mais conhecido é o apresentado pelo

matemático escocês John Playfair num trabalho publicado em 1.795 (Elementos de

Geometria).

Axioma de Playfair: Por um ponto fora de uma reta pode-se traçar uma única reta

paralela à reta dada.

A seguir outros equivalentes ao quinto postulado de Euclides:

Postulado A: a soma dos ângulos internos de um triângulo é sempre igual a

dois ângulos retos.

Postulado B: existe um par de triângulos semelhantes e não congruentes.

Postulado C: existe um par de retas eqüidistantes.

Postulado D: se três dos ângulos de um quadrilátero são retos, então, o

último também é reto.

Esses substitutos mostram que o quinto postulado não é óbvio e sem ele não

teríamos o teorema da soma dos ângulos internos de um triângulo, toda teoria dos

triângulos semelhantes e, conseqüentemente, a trigonometria deixaria de existir.

Substituindo o quinto postulado por outra proposição, obtém-se outra geometria um

tanto diferente da que estamos acostumados.

6.1 - Tentativas de demonstrar o quinto postulado

Muitos tentaram demonstrar o quinto postulado, mas a maior parte das tentativas ou

admitiam fatos equivalentes a ele ou faziam uso de afirmações que não podiam ser

demonstradas pelos quatros outros postulados.

6.1.1 - Ptolomeu I

“... ele (o quinto postulado da Geometria Euclidiana) deveria ser retirado completamente da redação

dos postulados, pois é um teorema difícil, o qual Ptolomeu propôs-se a demonstrar,...” (Proclus, nos

comentários sobre o livro I dos Elementos)

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Ptolomeu, que viveu na época de Euclides, escreveu um livro que apresentava uma

prova do quinto postulado, mas essa tinha um erro, pois assumia que paralelismo

acarreta na congruência de duas figuras. O principal argumento de Ptolomeu era

que se uma reta intercepta um segunda reta, também interceptará todas as retas

paralelas a esta segunda. Essa afirmação é válida apenas na Geometria Euclidiana.

6.1.2 – Proclus (410 – 485)

Filósofo, matemático e historiador, Proclus relata que, mesmo na época de Euclides,

muitas tentativas foram feitas para provar o quinto postulado e aponta equívocos na

demonstração de Ptolomeu.

Na demonstração proposta por Proclus, deve-se admitir que retas paralelas são

eqüidistantes, o que é equivalente ao quinto postulado.

6.1.3 – Nasir Eddin All Tusin (1201 – 1274)

Astrônomo, matemático persa e editor de uma versão do Elementos para o árabe,

Nasir supôs, sem demonstração, o seguinte axioma para deduzir o quinto postulado:

“sejam m e n duas retas, A um ponto de m e B um ponto de n, tais que AB é

perpendicular a n e forma um ângulo agudo com m. Então as perpendiculares

baixadas de m à reta n, do lado do ângulo agudo, são menores do que AB e as que

ficam do outro lado são maiores do que AB.”

Figura 2: Axioma de Nasir

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Em sua demonstração, Nasir usou uma figura que ficou muito conhecida pelo nome

de outro matemático. Ele considerou um quadrilátero em que os ângulos da base

eram retos e os lado AC é congruente ao lado BD

Figura 3: Quadrilátero usado por Nasir

Nasir conclui que a figura é um retângulo, provando que os ângulos C e D são retos.

Traçando a diagonal, dividiu o retângulo em dois triângulos, provando a existência

de um triângulo cuja soma dos ângulos internos é 180º, o que é equivalente ao

quinto postulado.

6.1.4 – John Wallis (1616 – 1703)

Deve-se citar outros matemáticos que nos séculos XVI e XVII escreveram sobre o 5º

postulado e tentaram prová-lo: F. Comandino (1509 – 1575 ), C.S. Clavio (1537 –

1612), P.A., Cataldi (? - 1626), G.A. Boreli (1608 – 1679), Giordano Vitale (1633 –

1711) e J. Wallis (1616 – 1703).

Wallis não usou a idéia de eqüidistância entre retas trabalhada pelos matemáticos

que o precederam e apresentou uma demonstração do quinto postulado baseando-

se no seguinte postulado: “dado um triângulo, é possível construir um outro que lhe

é semelhante, com lados arbitrariamente grandes”. Porém, seu postulado é

equivalente ao quinto postulado.

6.1.5 – Girolamo Saccheri (1667 - 1733)

As contribuições do padre jesuíta, Saccheri, foram mais importantes que as

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anteriores e seu trabalho foi publicado em um livro chamado Euclides ab omni naevo

vindicatus (Euclides, sem qualquer falha). Saccheri considerou outras hipóteses não

trabalhadas por Euclides e trabalhou suas consequencias.

Saccheri achou interessante o método da prova por redução ao absurdo ao ler os

Elementos de Euclides. Esse método consiste em assumir como hipótese que a

proposição a ser demonstrada é falsa. Se durante a demonstração ocorrer alguma

contradição, isso implica que a proposição é verdadeira.

Para usar o método descrito acima, Saccheri fez uso de seu conhecimento de

Lógica, já que antes de ser professor na Universidade de Paiva, lecionou Filosofia

na Universidade de Turim, tendo publicado um tratado de Lógica em 1697 chamado

Lógica Demonstrativa, que usava o método de Euclides no tratamento da lógica

formal.

A figura fundamental em seu trabalho é chamada de quadrilátero de Saccheri, que

consiste em um quadrilátero ABCD em que os ângulos da base, ângulo A e ângulo

B, são retos e o lado AC é congruente ao ao lado BD.

Figura 4: Quadrilátero de Saccheri

AB é chamada base inferior e CD, base superior do quadrilátero de Saccheri.

O objetivo de Saccheri era saber se os ângulos C e D eram retos, agudos ou

obtusos, sendo esses casos conhecidos por hipótese do ângulo reto, hipótese do

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ângulo agudo e hipótese do ângulo obtuso, respectivamente. Seu trabalho consistia

em três passos:

I. Provar que os ângulos C e D são congruentes;

II. Provar que o quinto postulado equivale com a hipótese do ângulo reto e

III. Provar que o fato dos ângulos C e D serem agudos ou obtusos entra

em contradição com uma das 28 primeiras proposições dos Elementos

de Euclides.

Inicialmente, Saccheri demonstrou que os ângulos C e D são congruentes usando a

propriedade de congruência entre triângulos. Em seguida, demonstrou que a

hipótese do ângulo obtuso era falsa, assumindo, como Euclides, que a reta é infinita.

Saccheri também provou a equivalência entre o quinto postulado e a hipótese do

ângulo reto. Entretanto, ao procurar uma contradição para a hipótese do ângulo

agudo, provou uma série de resultados coerentes com todos os postulados da

Geometria Euclidiana, exceto o quinto.

Saccheri tentou uma segunda prova para encontrar uma contradição na hipótese do

ângulo agudo, mas novamente não obteve sucesso. Se ele percebesse que não

havia contradição para ser encontrada, a descoberta da nova geometria teria

ocorrido quase um século antes.

Em seu trabalho, mostrou possuir um grande conhecimento em lógica e percepção

geométrica, mas mesmo com todos os resultado obtidos, não acreditou na

existência de uma nova geometria, devido até a influência religiosa da época.

Apesar disso, muito contribuiu para o desenvolvimento da Geometria não Euclidiana.

6.1.6 – Johann Heinrich Lambert (1728 - 1777)

Lambert deu continuidade ao trabalho de Saccheri na tentativa de também encontrar

uma contradição para a hipótese do ângulo agudo e chamou a atenção para a teoria

das paralelas, tendo seu trabalho escrito em 1766 e publicado, após sua morte, por

G. Bernoulli e C.F. Hindenburg.

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Lambert considerou um quadrilátero com três ângulos retos e supôs três hipóteses

para o quarto ângulo:

Figura 5: Quadrilátero de Lambert

I. Hipótese do ângulo reto, equivalente ao quinto postulado de Euclides;

II. Hipótese do ângulo obtuso e

III. Hipótese do ângulo agudo.

Como Saccheri, Lambert eliminou a hipótese do ângulo obtuso assumindo que a

reta é ilimitada. Todavia, também não chegou em contradição ao tentar demonstrar

a hipótese do ângulo agudo, obtendo proposições inusitadas. Entre elas destaca-se

a seguinte:

“A área de um triângulo é proporcional à diferença entre a soma de seus

ângulos internos e dois ângulos retos.”

Essa diferença, conhecida como deficiência do triângulo, tem um papel muito

importante na Geometria Hiperbólica e seu valor é igual a zero na Geometria

Euclidiana, na qual a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180º.

Lambert observou que a hipótese do ângulo obtuso vale para triângulos esféricos e

que a hipótese do ângulo agudo ocorre na superfície de uma esfera de raio

imaginário. Suas observações seriam posteriormente comprovadas pelos

matemáticos Riemann e Lobachewsky.

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6.1.7 – Adrien Marie Legendre (1752 - 1833)

Legendre foi um grande matemático francês, tendo inúmeras pesquisas em

matemática pura e aplicada. Também foi um autêntico professor que se dedicava à

educação básica. Escreveu um livro, Elementos de Geometria, largamente utilizado

por estudantes, já que o estilo de suas demonstrações era mais simples e acessível.

Seu livro também foi muito utilizado no Brasil, alcançando mais de 25 edições.

Legendre publicou várias demonstrações do quinto postulado, mas todas erradas.

Seu trabalho era dividido em três hipóteses:

I. A soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180º (equivalente

ao quinto postulado);

II. A soma dos ângulos internos de um triângulo é menor do que 180º e

III. A soma dos ângulos internos de um triângulo é maior do que 180º.

A comprovação do item I foi facilmente feita e Legendre eliminou a possibilidade da

soma dos ângulos internos de um triângulo ser maior do que 180º, pois encontrou

contradição. Porém, as várias demonstrações fornecidas por Legendre de que a

soma dos ângulos internos de um triângulo não pode ser menor do que 180º

estavam incorretas.

Há uma relação entre o trabalho de Legendre e Saccheri, como se segue:

Hipótese do ângulo reto ↔ A soma dos ângulos internos de um triângulo = 180º

Hipótese do ângulo agudo ↔ A soma dos ângulos internos de um triângulo < 180º

Hipótese do ângulo obtuso ↔ A soma dos ângulos internos de um triângulo > 180º

Os três matemáticos (Saccheri, Lambert e Legendre) não conseguiram eliminar a

hipótese do ângulo agudo simplesmente porque não existe contradição nem

equívoco nessa hipótese. Eles não perceberam que se negassem o quinto postulado

teria surgido uma nova geometria.

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7 – Uma nova Geometria

Ainda no início do século XIX, alguns matemáticos buscavam uma demonstração do

quinto postulado de Euclides, mas todas tentativas foram fracassadas. Apesar disso,

todos esses trabalhos e buscas por um resultado serviram como guia para outros

matemáticos na descoberta de uma nova geometria. Assim, deve-se ressaltar a

colaboração de todos aqueles que procuraram uma prova, pois, de certa maneira,

eles abriram o caminho para o árduo trabalho de se construir outras geometrias.

7.1 – Carl Friedrich Gauss (1777 – 1855)

Gauss foi o maior matemático de sua época e contribuiu muito para o

desenvolvimento da nova geometria. Na verdade, ele foi o primeiro a designar a

nova geometria como não Euclidiana.

Apenas alguns dos resultados de Gauss foram conhecidos durante sua vida. É

compreensível, já que em seu tempo a Inquisição exercia grande pressão sobre

aqueles que dominavam algum tipo de conhecimento e esses deveriam ser

prudentes. Gauss temia opor-se publicamente às teorias de Kant, cuja filosofia havia

sido adotada pela igreja católica e considerada como dogma. Kant acreditava que o

rigor das demonstrações matemáticas deveria ser dispensado e a intuição adotada.

Já Gauss acreditava que o rigor era necessário. Em sua obra mais famosa, Crítica

da razão pura, publicada em 1871, Kant chama o espaço euclidiano de uma

“necessidade inevitável de pensamento”.

Sabe-se da descoberta da nova geometria por Gauss graças as suas anotações e

correspondências que trocava com alguns matemáticos da época. Muitos de seus

resultados foram divulgados dessa forma.

Inicialmente, Gauss tentou provar o quinto postulado usando o método redução ao

absurdo, como fizera antes Saccheri e Lambert. Mas na segunda década do século

XIX, Gauss começou a deduzir uma nova geometria, formulando idéias e teoremas.

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Segue-se um trecho da carta escrita por Gauss a F.A. Taurinus, em Göttingem, em 8

de novembro de 1824:

“... A hipótese que a soma dos ângulos é menor que 180º leva a uma geometria curiosa, muito diferente da nossa (a euclidiana), mas totalmente consistente, a qual desenvolvi a um ponto que me satisfaz plenamente, no sentido de que posso resolver qualquer problema nela, com exceção da determinação de uma constante que não pode ser fixada a priori. ... ... Os teoremas dessa geometria parecem paradoxais e absurdos para um não iniciado; mas reflexão cuidadosa sobre o assunto revela que eles não contém nada de impossível. ... ... Todos os meus esforços para descobrir uma contradição, uma inconsistência, nesta geometria não euclidiana não tiveram sucesso, e a única coisa nela que se opõe a nossa concepção é que se for verdade, deve existir no espaço uma unidade universal de medida linear (desconhecida por nós). ...” ( v. [5] p. 45).

Gauss provou que a diferença entre dois ângulos retos e a soma dos ângulos

internos de um triângulo traçado numa superfície de curvatura negativa constante é

proporcional a área do triângulo. Esse trabalho coincidia com o trabalho de Lambert

e indicava a existência de uma geometria onde não era válido o postulado das

paralelas.

7.2 – Wolfgang Boylai (1775 - 1856)

O húngaro Wolfgang Boylai foi amigo de Gauss e trocava com este

correspondências sobre a teoria das paralelas. Ambos estavam empenhados na

busca por uma demonstração do quinto postulado. W. Boylai apresentou seu

trabalho a Gauss, em 1804, acreditando ter resolvido o problema, mas Gauss

apontou o erro da prova. Quatro anos depois Gauss recebeu uma prova

suplementando a demonstração anterior, mas não respondeu comentando o

trabalho. Wolfgang colocou suas idéias no livro de dois volumes Tentamen.

7.3 – Johann Boylai (1802 - 1860)

Filho de Wolfgang Boylai, Johann Boylai mostrou interesse pela matemática ainda

jovem, tendo se dedicado ao estudo da teoria das paralelas, apesar de seu pai tê-lo

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aconselhado a não seguir tal caminho. Por carta, seu pai fez um pedido: “Pelo amor de

Deus, eu lhe peço, desista! Tema tanto isso quanto as paixões sensuais porque isso pode tomar todo

o seu tempo e privá-lo de saúde, paz de espírito e felicidade na vida!” (v.[8] p. 16). Johann gastou

muito tempo tentando demonstrar o quinto postulado.

Em 1820, resolveu negar o quinto postulado de Euclides e resultados interessantes

começaram a aparecer. Ele acreditou na possibilidade da existência de uma

geometria geral, na qual a geometria euclidiana seria um caso particular.

Negando o quinto postulado, havia duas possibilidades:

I. Não existe qualquer reta paralela a uma reta dada passando por um ponto

fora desta reta.

II. Existe mais de uma reta paralela a uma reta dada passando por um ponto.

Porém, é conseqüência dos quatros primeiros postulados a existência de retas

paralelas, eliminando, assim, a hipótese I.

Aceitando a sugestão de seu pai, Johann Boylai publicou um apêndice do Tentamen

em 1832, apresentando suas idéias e descobertas. Gauss recebeu uma cópia do

Apêndice e ficou surpreso com a genialidade do filho de seu amigo. Segue um

trecho de sua resposta a Wolfgang Boylai:

“Se eu começasse com a afirmação de que não ouso louvar tal trabalho, você, é claro, se sobressaltaria; mas não posso proceder de outra forma, pois louvá-lo significaria louvar a mim mesmo, visto que todo conteúdo do trabalho, o caminho que seu filho seguiu, os resultados dos quais ele chegou, coincidem quase exatamente com as meditações que têm ocupado minha mente por (um período de) trinta a trinta e cinco anos. Por isto mesmo encontro-me surpreso ao extremo.” (v.[5] p. 49)

Johann ficou desapontado por saber que outro fizera, antes dele, as mesmas

descobertas. Durante sua vida não publicou mais nada, porém dedicou-se ao estudo

de extensões de suas idéias em espaços tridimensionais e também na comparação

de sua geometria não euclidiana com a trigonometria esférica conhecida na época.

(v.[5] p.50)

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7.4 – Nicolai Ivanovich Lobachewsky (1793 - 1856)

O russo Lobachewsky formou-se na Universidade de Kasan em 1813 e logo tornou-

se instrutor, sendo que aos 21 anos de idade tornou-se membro do corpo docente

dessa Universidade. Aos 35 anos foi nomeado reitor e é considerado o maior

matemático russo de seu tempo. Publicou suas conclusões sobre a geometria não

Euclidiana dois anos antes do Apêndice de J. Boylai.

Em 1826, fez uma conferência ao Departamento de Matemática e Física da

Universidade de Kasan em que se negava o quinto postulado. Lobachewsky

afirmava que por um ponto exterior a uma reta passa mais do que uma paralela e submeteu um artigo pela Academia de Ciências de S. Petersburgo que

inicialmente foi rejeitado.

Em 1829, publicou memórias de suas aulas expondo toda sua teoria das paralelas,

mas não teve muita atenção em seu país nem em outra parte do mundo, já que

naquela época o russo não era uma língua muito popularizada no meio acadêmico.

Seu último livro foi publicado em francês, época em que estava cego.

Na verdade, Lobachewsky, Gauss e J. Boylai desenvolveram a geometria não

Euclidiana ao mesmo tempo, mas Lobachewsky foi o primeiro a comunicar suas

descobertas e não temeu o impacto que seu trabalho poderia causar na teoria

Kantiana. O reconhecimento de seu trabalho veio apenas após sua morte. Em 1871,

Klein deu o nome de Geometria Hiperbólica a nova geometria desenvolvida por

esses três matemáticos.

Grandes matemáticos continuaram o estudo da Geometria não Euclidina, como

Beltrami, Poincaré, Klein e Riemann, desenvolvendo o assunto e aplicando em

outras áreas da matemática.

A independência do postulado das paralelas trouxe uma nova visão sobre a

geometria e como Gauss havia previsto, a aceitação dessas novas idéias seria lenta.

Em 1868, Beltrami provou definitivamente que não era possível provar o quinto

Page 26: Geometria Euclidiana

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postulado, mostrando que a geometria hiperbólica é tão consistente quanto a

geometria euclidiana. Sendo assim, não poderia haver contradição.

8 – Geometria hiperbólica

Como visto, o surgimento da geometria hiperbólica é devido ao fato de se negar o

quinto postulado de Euclides, trocando o postulado das paralelas pelo seguinte: por

um ponto fora de uma reta, podem ser traçadas pelo menos duas retas paralelas a

reta dada.

Assim, no espaço hiperbólico não existe apenas uma, mas muitas retas passando

por qualquer ponto externo dado. Na figura abaixo, as retas s e t são paralelas a

reta r.

Figura 6: Retas paralelas na Geometria Hiperbólica

Com a nova suposição da geometria hiperbólica, bem como proposições da

geometria euclidiana que não dependem do quinto postulado, Lobachewsky

demonstrou um grande número de teoremas dessa nova geometria.

Umas das conseqüenciais dessa nova geometria, conforme já escrito por Gauss a

Taurinos, é que a soma dos ângulos internos de um triângulo é menor que 180º.

Outra conseqüência, é que triângulos semelhantes não existem. Foi nesse último

fato que Wallis tropeçou quando tentou demonstrar o quinto postulado de Euclides,

pois são resultados equivalentes. Na geometria hiperbólica, se dois triângulos têm

os ângulos iguais, então eles são congruentes.

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As duas conseqüenciais estão relacionadas, pois a deficiência (diferença entre a

soma dos ângulos internos e dois ângulos retos) do triângulo varia com o tamanho

do triângulo: quanto maior o triângulo, maior a deficiência, e quanto menor o

triângulo, mais próximos estão de serem da geometria euclidiana.

Como resultados da geometria hiperbólica, também tem-se que os ângulos do topo

de um quadrilátero de Saccheri são agudos e que o ângulo de um quadrilátero de

Lambert é sempre agudo. Deve-se observar que como a soma dos ângulos internos

de um triângulo é menor do que 180º, então a soma dos ângulos internos de um

quadrilátero é menor do que 360º. Isso implica no fato de não existirem quadrados

ou retângulos nessa nova geometria.

Apesar de vários resultados, não se pode afirmar que uma nova geometria esteja

sendo provada. Assim, para demonstrar a consistência da geometria hiperbólica e

para poder visualizá-la, foi desenvolvido modelos para expô-la.

Um modelo de uma geometria é um ambiente no qual seus conceitos, postulados e

teoremas são interpretados e suas afirmações aceitas como verdadeiras.

8.1 - Modelos de Geometria Hiperbólica

8.1.1 – Modelo de Beltrami

A primeira tentativa de construção de um modelo foi do matemático Eugênio

Beltrami (1835-1900), que em 1868 apresentou um modelo contido em R³.

Como já citado, esse modelo para a geometria hiperbólica demostrava que ela era

não contraditória. Beltrami publicou o trabalho no qual mostrava que em uma

superfície de curvatura negativa constante, tomando as geodésicas (curvas que

minimizam o comprimento entre dois pontos próximos de uma superfície) como

retas, todos os resultados obtidos por Lobachewsky eram verificados. Essa

superfície é conhecida como pseudo-esfera.

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Figura 7: Pseudo-esfera

Porém, o modelo de Beltrami possuía um defeito. As superfícies de curvatura

negativa constante conhecidas na época possuíam arestas, o que impedia o

prolongamento de certas geodésicas. Hoje se sabe que nas superfícies de curvatura

constante positiva, as curvas geodésicas são as retas de uma geometria não

euclidiana na qual vale a hipótese do ângulo obtuso. Essa geometria pode ser

imaginada na esfera em que as retas são os círculos máximos.

Figura 8: Esfera com círculo máximo

8.1.2 – Modelo de Klein

Outro modelo foi proposto por Félix Klein (1849-1945), em que o plano euclidiano é

transformado num disco, tendo no círculo que o circunda os pontos que representam

o infinito no plano original. Assim, as retas são as cordas do disco, excluindo suas

extremidades. Na figura, as retas BA e CD são paralelas a reta BD.

Figura 9: Plano no Modelo de Klein

Page 29: Geometria Euclidiana

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Nesse modelo, o mais simples de todos, as retas têm uma dimensão infinita dentro

de uma área finita. Além da noção euclidiana de distância, os ângulos também são

distorcidos.

8.1.3 – Modelos de Poincaré

Henri Poincaré (1864-1912) foi um dos matemáticos mais criativos de todos os

tempos e escreveu mais que qualquer outro matemático do século XX. Os modelos

propostos por Poincaré para a geometria hiperbólica foram desenvolvidos entre

1882 e 1887 e são chamados de modelo do disco e modelo do semi-plano.

Modelo do Disco de Poincaré

Nesse modelo, o plano hiperbólico é um disco limitado e as retas são todos os

diâmetros do círculo (excluindo as extremidades) e todos os arcos de círculos

ortogonais.

O ângulo hiperbólico entre duas retas é definido como sendo o ângulo euclidiano

entre suas tangentes no ponto de intercessão e o comprimento de um segmento AB

é dado por

d (A,B) = ln [AC.BD/BC.AD]

, sendo C e D pontos do disco que são as extremidades da reta hiperbólica que

contém AB, onde AC, BD, BC e AD são comprimentos euclidianos.

Poincaré redefiniu a distância de modo que o espaço se comprime à medida que

nos aproximamos do limite do universo, transformando efetivamente em infinita a

área finita.

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Figura 10: Modelo de Disco de Poicaré

Modelo do Semi-plano de Poincaré

Esse modelo consiste num semi-plano em que as retas são semi-círculos com

centro no eixo x. Esse eixo é conhecido como reta dos infinitos. Também são retas

nesse modelo as retas perpendiculares à reta dos infinitos, que podem ser

entendidas como semi-círculos de raio infinito. Ângulos e distâncias são medidos

como no modelo de disco.

No semi-plano abaixo, tem-se que r//s e s//q.

Figura 11: Modelo do Semi-plano de Poincaré

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Observe que a definição de retas paralelas continua sendo válida na geometria

hiperbólica, já que o “aparente ponto de encontro” está na verdade no eixo dos

infinitos.

O modelo de Poincaré é um ambiente que facilita a visualização de resultados dos

quais muitos matemáticos trabalharam arduamente para descobrir. Se nosso espaço

é hiperbólico, ele se comportará exatamente como o modelo de Poincaré, porém em

três dimensões.

É possível verificar que o modelo de Poincaré satisfaz todos os postulados da

geometria hiperbólica, apesar de não ser essa uma tarefa fácil. Os conceitos

primitivos da geometria hiperbólica nesse modelo são objetos da geometria

euclidiana, isso implica que os teoremas da geometria hiperbólica são provados

usando os objetos da geometria euclidiana. Assim, caso seja descoberta uma

contradição na geometria hiperbólica, teremos também uma contradição na

geometria euclidiana, ou seja, uma geometria é tão consistente quanto a outra.

Mas será que a geometria euclidiana é consistente? Vimos que o matemático Hilbert

provou que a geometria euclidiana é tão consistente quanto a aritmética. Mas em

1940, o lógico Kurt Gödel mostrou que a aritmética possui afirmações indecidíveis e

que uma teoria não pode provar sua própria consistência.

Termina assim a saga do 5º postulado, sabendo que grandes descobertas foram

feitas por causa do estudo desse postulado.

9 – Consequências da nova geometria

No fim do século XIX, a geometria hiperbólica já era aceita e a geometria euclidiana

perdeu o status de verdade inquestionável.

A nova geometria rompe a fronteira da matemática e Albert Einsten utiliza o espaço

curvo na Teoria da Relatividade, que diz que a presença de matéria pode “encurvar”

o espaço e modificar o tempo, provando que a nova geometria tinha aplicação

Page 32: Geometria Euclidiana

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prática. A determinação de qual geometria é mais adequada para o mundo real é um

problema experimental.

Mas, a aplicação mais importante da geometria não euclidiana foi sua influência

sobre a concepção da matemática no século XX, pois foi percebido que todos os

elementos de uma teoria deveriam ser cuidadosamente analisados e explicitados,

tendo a necessidade do rigor matemático nas demonstrações e não basear-se em

simples intuição.

10 – Geometria Hiperbólica na escola

Um aluno do ensino elementar não está apto para perceber as sutilezas do

encadeamento lógico-dedutivo na geometria, já que até grandes matemáticos

gastaram muito tempo para descobrirem as falhas nas afirmações e demonstrações.

A escola básica não é o local adequado para uma discussão axiomática, mesmo

porque os alunos deveriam ter uma base sólida de fatos geométricos e processos

dedutivos. Sendo assim, o professor deve colaborar para a formação dessa base,

estimulando o olhar crítico e a percepção de um processo lógico-dedutivo do aluno.

Mas é importante e necessário que o professor saiba mais do que seus alunos e

tenha algum conhecimento sobre a geometria não euclidiana para não ensinar a

geometria euclidiana como verdade absoluta. Sendo assim, seria interessante que

os professores de matemática soubessem como a geometria se desenvolveu após

Euclides.

11 – Conclusão

Nesse trabalho, foi apresentado de maneira objetiva e resumida o desenvolvimento

da geometria hiperbólica ao longo de séculos. Todo esse desenrolar foi devido a

uma dúvida: o quinto postulado de Euclides é um teorema?

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Grandes matemáticos elaboraram propostas que muitas vezes chegavam em

contradições. Mas mesmo quando o objetivo não era alcançado, contribuía para o

desenvolvimento da matemática. Errando numa direção, outras foram acertadas.

Todo esse processo serviu para ensinar como a base de uma teoria matemática

deve ser construída: lentamente, com afirmações possíveis de serem provadas, de

maneira lógica e com menos intuição. Caso contrário, essa base não seria sólida e

toda teoria matemática ruiria-se a qualquer momento.

Trabalhar o desenvolvimento da geometria hiperbólica na escola, além de ser um

fator motivador, contribuiria para estruturar a capacidade dedutiva do aluno. Mas

antes, é necessário que o professor de matemática conheça o desenvolvimento

dessa nova geometria e como ela contribuiu para o enriquecimento da matemática e

de outras ciências.

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Referência Bibliográfica:

[1] <http://pt.wikipedia.org>

[2] <http://www.somatematica.com.br>

[3] <http://www.searadaciencia.ufc.br/donafifi/hiperbolica/hiperbolica2.htm>

[4] <http://home.uevora.pt/~rpa/Geometria%20Nao%20Euclidiana.pdf>

[5] BARBOSA, João Lucas Marques. Geometria hiperbólica. Goiânia. Ed. Da UFG,

2002.

[6] AVRITZER, Dan. Geometria Moderna. 1985.

[7] DO CARMO, M. P., Geometrias Não-Euclidianas, Matemática Universitária, N.

6, dezembro de 1987, pp. 25-48.

[8] <http://www.mat.ufc.br/gmat/livros/euclides.pdf>