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Geometrias sob a Axiom´ atica de Hilbert Ana Cl´ audia da Silva Moreira

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Geometrias sob a Axiomatica de Hilbert

Ana Claudia da Silva Moreira

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Introducao

Este trabalho foi elaborado pela aluna Ana Claudia da Silva Moreira,a pedido da Profa. Eliane Quelho Frota Rezende, como encerramento dadisciplina Geometria Descritiva e Desenho Geometrico (MA 241), oferecidano segundo semestre de 2006, obrigatoria nos cursos de Matematica (Bacha-relado e Licenciatura) da Universidade Estadual de Campinas.

O objetivo geral do trabalho e mostrar aos colegas, estudantes do curso,a existencia de outras Geometrias e seus sistemas axiomaticos, baseados node Hilbert. Partindo da Axiomatica de Hilbert para a Geometria Euclidiana,estudada na ementa da disciplina citada, procuramos estudar a construcaode modelos que dessem forma a outras Geometrias, mostrando quais gru-pos axiomaticos de Hilbert continuam validos e quais sao suprimidos oualterados. Estudamos Geometrias Euclidiana, Esferica, Projetiva e Afim.

O trabalho nao e aprofundado e para compreende-lo bastam conheci-mentos basicos de Geometria Analıtica e Algebra Linear. E desejavel que setenha algum conhecimento de classes de equivalencia e conjuntos quocientespara que se tenha uma melhor compreensao da construcao do modelo paraa Geometria Projetiva.

O trabalho traz tambem breves relatos historicos que julgamos curiosoe estimulante acrescentar.

Agradecemos o apoio do Prof. Carlos Eduardo Duran Fernandez que taoatenciosamente nos indicou e cedeu fontes bibliograficas fundamentais paraa pesquisa e estudo aqui apresentados.

Ana Claudia da Silva MoreiraCampinas, 03 de novembro de 2006.

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Indice

Capıtulo 1 - Aspectos Historicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11.1 Geometria Classica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11.2 Os Elementos de Euclides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41.3 Axiomas de Hilbert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Capıtulo 2 - Geometrias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .102.1 Geometria Euclidiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102.1.1 O Conjunto Rn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .102.1.2 Plano Eucliano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112.1.3 Trigonometria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142.1.4 Espaco Euclidiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.2 Geometria Elıptica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .152.2.1 Plano Elıptico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.2.2 Retas Elıpticas Orientadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182.2.4 Isometrias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192.2.5 Congruencia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .202.2.6 Trigonometria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2.3 Geometria Projetiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242.3.1 Plano Projetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252.3.2 Retas Projetivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .272.3.3 Plano Projetivo Dual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

2.4 Geometria Afim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302.4.1 Plano Afim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .302.4.2 Retas Afim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

Capıtulo 3 - Teorema de Menelau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

Referencias Bibliograficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

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Capıtulo 1

Aspectos Historicos

1.1 Geometria Classica

A palavra Geometria tem etimologia grega e significa “medicao de terras” NaAntiga Mesopotamia e no Antigo Egito, o conhecimento geometrico resumia-se a um aglomerado de procedimentos praticos de mensuracao aplicados,principalmente na agricultura. Eram calculos empıricos de comprimentos,areas e volumes com o emprego de formulas, muitas delas erroneamenteutilizadas.

Devemos aos gregos a transformacao da Geometria de um conhecimentorudimentar e pratico num dos ramos da Matematica Pura. Eles tiveram ainiciativa de abstrair as ideias do contexto fısico para o contexto puramentemental, processo que levou seculos para ser completado, aproximadamentede 600 a.C. ate 300 a.C..

O mais antigo grego conhecido que adotou tal postura foi o mercadore engenheiro Tales de Mileto (± 600 a.C. a ± 547 a.C.), considerado oprimeiro filosofo, cientısta e matematico grego. Ele empregou argumentoslogicos para demonstrar proposicoes basicas de Geometria, muitas delas desua autoria, que nao tinham importancia alguma na medicao de terras. Talesfoi a origem de uma escola que perdurou por um seculo e supoe-se que eletenha aprendido em suas viagens os rudimentos de Geometria com os povosda Mesopotamia e Egito. E creditado a ele a demonstracao de resultadostais como:

• um cırculo e bissectado por um diametro;

• os angulos da base de um triangulo isoceles sao iguais;

• um angulo inscrito num semicırculo e um angulo reto;

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• os angulos opostos pelo vertice sao iguais.

Pitagoras de Samos (± 569 a.C. a ± 475 a.C.), possivelmente um alunoda escola de Tales, estabeleceu uma sociedade filosofica e religiosa que muitocontribuiu para a formalizacao da Geometria, com trabalhos nas Teorias deparalelas, figuras similares e com uma combinacao de Teoria de numeros emisticismo. O proprio Pitagoras introduziu as palavras Filosofia (amor aSabedoria) e Matematica (o que e aprendido). Apos a morte do filosofo, aEscola Pitagorica dividiu-se em duas faccoes. Uma, formada por aqueles queaceitavam a palavra do “mestre” como uma revelacao e a outra, formada poraqueles seguidores que desejavam “o novo aprendizado”, os matematicos.

Membros da ultima faccao desenvolveram novos resultados de matematicaexclusivamente por deducao logica, transformando-a numa Ciencia Dedu-tiva. Sua doutrina sobreviveiu por seculos. Ainda na decada de 1980 exis-tiam seguidores mısticos em Fortaleza, Ceara, que realizavam suas reunioesnum velho casarao do centro da cidade, na Rua Major Facundo, cuja sedeera chamada de Escola Pitagorica.

O avanco seguinte foi estabelecido por outro grego, um professor deGeometria, Hipcrates de Chios (± 470 a.C. a ± 410 a.C.), ao escrever umlivro texto, Elementos de Geometria, no qual os teoremas eram arranjadosnuma sequencia onde os subsequentes eram provados tendo como base osteoremas anteriores. Tudo indica que sua obra esta contida nos Livros Ie II dos Elementos de Euclides. Com ele tem-se inıcio a sistematizacaodo conhecimento Matematico, estabelecendo uma estrutura de apresentacaoque sobrevive ate hoje. Hipocrates de Chios contribuiu com teoremas sobrecircunferencias.

Por essa mesma epoca, foi fundada em Atenas, pelo filosofo Platao (±427a.C. a ± 347 a.C.), a famosa Academia, uma instituicao que congregava osmaiores sabios da epoca. Sobre seu portao estava escrito:

Nao permitam a entrada de quem nao saiba geometria.

Com a Academia, a Matematica obteve o status de Ciencia Pura, seusmembros nao tinham a preocupacao em aplicar os conhecimentos adqui-ridos no seu trabalho e a enfase era no desenvolvimento do pensamentomatematico e filosofico.

Um dos membros da Academia, dos 17 aos 30 anos, foi o filosofo Aristotelesda Macedonia (± 384 a.C. a ± 322 a.C.). Aristoteles descendia de umaabastada famılia da Macedonia. Seu pai fora medico do avo de Alexandre, o

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grande. Estudou na Academia de Platao e ali ficou ate a morte do fundador(± 347 a.C.), quando emigrou para a Asia Menor, indo desposar Pıtia, afilha de um pequeno tirano da regiao. Com a invasao e conquista da regiaopelos persas, emigrou para a ilha de Lesbos onde sua esposa morreu ao dara luz a uma filha.

A contribuicao de Aristoteles para os fundamentos da Matematica foiindireta, construiu uma teoria de afirmacoes que comecava com nocoes co-muns, nocoes especiais, definicoes e um tratado sobre logica em Filosofia,estabelecendo a base para toda a Matematica grega.

Em 343 a.C., o pai de Alexandre, chamou-o para educar o filho, fato quecriou uma grande afeicao entre o filosofo e o futuro conquistador. Apos ser(um excelente) governador de uma regiao da Macedonia, voltou a Atenasonde fundou um famoso centro cientıfico e filosofico chamado Liceu.

O Liceu foi a primeira Universidade, com o significado atual do termo.Ao contrario da Academia, instituicao destinada aos aristocratas, Aristotelesrequisitava seus alunos da classe media. E a diferenca continuava no metodode ensino. Seus alunos eram dirigidos para o estudo de Ciencias onde classi-ficavam plantas, animais e seus habitos, estudavam Epistemologia, Filosofia,Anatomia, etc.. O Liceu tinha biblioteca, jardim zoologico e museu natural,mantidos com a ajuda financeira de Alexandre e exemplares trazidos pelospescadores, exploradores e cacadores a seu pedido.

Aristoteles foi cientista, professor e filosofo. Suas aulas matutinas eramministradas caminhando com seus alunos pelos porticos que circundavam oLiceu, escola construıda no meio dos Jardins de Lıcio. Por isso sua escola eapelidada de peripatetica (ambulante). Pelas tardes abria-se a Universidadepara a populacao, onde eram proferidas conferencias sobre diversos assuntos.Embora nao fosse matematico, deixou registrada uma demonstracao mos-trando que

√2 nao era comensuravel. Seu rigor cientıfico, levou-o a uma

filosofia na qual os termos empregados eram precisamente definidos. Prestesa morrer, pediu para ser sepultado ao lado da esposa, na ilha de Lesbos.

Nos seiscentos anos seguintes a criacao do Liceu foram criadas centenasde Escolas pela regiao grega, mas nenhuma delas comparavel em importanciaa ele ou a Academia, exceto o Museu de Alexandria.

Outro membro da Academia, Eudoxos de Cnido (± 408 a.C. a ± 355a.C.), fez a moldura de como deve ser uma teoria Matematica, sistemati-zando formalmente o metodo axiomatico inspirado no trabalho de Aristoteles.Sua mais notavel contribuicao foi compreender as quantidades incomen-suraveis que tanto perturbou os pitagoricos. Aceita-se que seu trabalhoem Matematica e a base dos Livros V, VI e XII dos Elementos de Euclides.A Academia foi um centro no qual varios de seus membros se destacaram

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na historia da Matematica e, em particular, na Geometria:

• Teodoro de Cirene (± 465 a.C. a ± 398 a.C.);

• Teaetetus (± 417 a.C. a ± 369 a.C.);

• Meneacmus (± 380 a.C. a ± 320 a.C);

• Dinostrato (± 390 a.C. a ± 320 a.C.), irmao de Meneacmus;

• Autolicos de Pitane (± 360 a.C. a ± 290 a.C.)

Com a morte de Alexandre da Macedonia, o Grande, (356 a.C. a 323a.C.) aluno de Aristoteles e Meneacmus, o territorio conquistado foi divididoentre seus generais. Alexandria, cidade fundada por ele, ficou no territoriogovernado por Ptolomeu I, terras correspondentes ao atual Egito. Estegeneral criou o Museu de Alexandria e o transformou numa Universidadeinsuperavel em seu tempo, em termos de conhecimento. Para dar umagrandeza da importancia do centro, notıcias da epoca falam numa bibliotecade 500 mil volumes. Muitos dos intelectuais mudaram-se para ali, entre elesEuclides.

1.2 Os Elementos de Euclides

Toda esta construcao da mente humana, feita ao longo de 300 anos, ficouregistrada numa obra momumental intitulada Elementos, constituıda de 13livros (capıtulos). Nela estao demonstradas 465 proposicoes deduzidas deum sistema axiomatico numa forma didatica, cujo unico rival em numero detraducoes e a Bıblia. Tal obra expoe sistematicamente toda a Matematicabasica conhecida em seu tempo.

Devemos tal facanha ao matematico grego Euclides (± 330 a.C. a ± 270a.C.) cuja biografia e praticamente desconhecida. Provavelmente estudou naAcademia e mudou-se para Alexandria a convite de Ptolomeu I para ser oprimeiro professor de Matematica do Museu. Escreveu cerca de doze obrasmas somente cinco delas resistiram ao tempo. Seu texto intitulado Optica(Stoichia) foi um dos primeiros trabalhos escritos sobre perspectiva. A obrade Euclides nao e apenas uma simples compilacao de resultados conhecidos;supoe-se que varias proposicoes e provas sao do proprio Euclides e, possi-velmente, algumas delas foram acrescentadas posteriormente. A obra naotrata apenas de Geometria, inclui tambem resultados de Aritmetica. NoLivro IX ficou para a posteridade uma das mais belas e elegantes provas da

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Matematica, a prova do teorema: Existem infinitos numeros primos. Certa-mente um autor de uma obra como os Elementos deveria ser uma matematicode primeira linha. A lenda descreve-o como um professor excepcional, sendocaricaturado na figura de um velhinho bondoso. Sua proposta didatica parao ensino da Matematica foi espetacular. Ainda hoje, 2300 anos depois, eintegralmente adotada nas Escolas de todo o mundo.

A Escola de Alexandria sobreviveu ate 450 d.C. e muito contribuiu como desenvolvimento da Geometria pos-Euclides, sendo seu maior expoente oex-aluno siciliano Arquimedes de Siracusa (287 a.C. a 212 a.C.) consideradoum dos tres maiores matematicos de todos os tempos, junto com o inglesIsaac Newton (1643 a 1727) e o alemao Johann Carl Friedrich Gauss (1777a 1855). Seu metodo para calculo de areas guarda muita semelhanca com oCalculo Integral utilizado nos dias atuais.

Outros notaveis do Museu foram o ex-aluno Apolonius de Perga (262a.C. a 190 a.C.), com o estudo das conicas, e um professor do Museu, Papusde Alexandria (290 d.C. a 350 d.C.) que ampliou o trabalho de Euclides, comresultados cujo espırito era totalmente diferente do que foi feito ate entao,demonstrando teoremas novos que diziam respeito apenas aos axiomas deincidencia. Papus foi o ultimo grande geometra grego e seu trabalho e tidocomo a base da Geometria Projetiva.

A morte de Hipatia de Alexandria (± 370 d.C. a ± 415 d.C.) professorado Museu e primeira mulher a destacar-se no estudo da Matematica, marca oinıcio do declınio daquele centro como polo intelectual e do perıodo das trevaspara as civilizacoes ocidentais. Hipatia teve morte cruel, foi descarnada comconchas de ostras e queimada em praca publica por uma turba de cristaosincentivada pelo Patriarca de Alexandria, Cirilo.

Cem anos depois da morte de Hipatia, em 527 d.C., a Academia Platonicade Atenas ja com 900 anos, bem como outras escolas, foi fechada e seusmembros dispersos por Justiniano, Imperador Romano Catolico. E pormuitos seculos o desenvolvimento da Matematica esteve a cargo de outrascivilizacoes, como a Arabe cuja maior contribuicao foi na Algebra. O co-nhecimento geometrico ficou, praticamente, estagnado e esquecido por dezseculos. Acredita-se que com a fuga dos professores gregos para a Persia, acivilizacao Arabe tomou o impulso relatado nos livros de Historia.

1.3 Axiomas de Hilbert

Dezoito seculos depois da publicacao dos Elementos (1482), em plena Re-nascenca, comecaram a surgir as primeiras traducoes dos Elementos para

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as lınguas europeias modernas, passando aquela obra a receber um estudocrıtico pelos interessados.

Com a retomada do estudo dos Elementos de Euclides surgiram variosresultados surpreendentes que diziam respeito apenas a ideia de incidencia.Por exemplo, Girard Desargues (1591 a 1661) e Blaise Pascal (1623 a 1662)demonstraram muitas propriedades nao metricas de conicas que eram bemdiferentes daquelas examinadas por Apolonio dezoito seculos antes. O es-tudo de geometrias com poucos axiomas perdurou por mais dois seculos, asvezes de forma esporadica e desorganizada, outras com intensidade e ima-ginacao.

Como pano de fundo ficava o postulado das paralelas, a secular duvidase ele era ou nao um axioma Euclidiano independente dos demais, sendo omais instigante topico de interesse dos geometras. Muitos acreditaram quepodia ser um teorema. Nao e! Ao longo da historia muitas demonstracoes,erradas e claro, foram apresentadas, inclusive por matematicos importantesem sua epoca. Ainda no tempo de Euclides, Ptolomeu I acreditou que tinhadado uma demonstracao para o Axioma das Paralelas e tudo leva a crer queo proprio Euclides ficou relutante em aceita-lo como postulado, utilizando-o apenas a partir da 292a proposicao dos Elementos. Algumas tentativasforam dramaticas, como aquela feita pelo padre jesuıta italiano GiovanniSaccheri (1667 a 1773). Ele, simplesmente, demonstrou todos os resultadosbasicos da hoje chamada Geometria Hiperbolica, mas nao teve a ousadiapara acreditar que poderiam existir outros tipos de modelos geometricospara a Natureza que nao a Geometria Euclidiana.

Na metade do seculo XIX ja tinham sido coletadas varias hipoteses as-sumidas por Euclides e utilizadas nas suas argumentacoes sem que tivessemtido uma demonstracao ou uma axiomatizacao anterior.

Em 1898-99, o matematico alemao David Hilbert (1862 a 1943) apresen-tou um sistema de axiomas completo para a Geometria Euclidiana plana eespacial numa serie de conferencias na Universidade de Gottingen. Isto signi-fica que todos os resultados dos Elementos permaneciam validos assumindoseus postulados. Seu sistema axiomatico e um dos marcos na Historia daMatematica pois organiza os fundamentos da Geometria e Analise. A com-paracao mais proxima que pode ser feita e com a organizacao ocorrida naAlgebra ao ser introduzido o conceito de Grupo.

Varios outros sistemas axiomaticos equivalentes ao de Hilbert foram pro-postos. Dois deles se destacam. Aquele estabelecido por George DavidBirkhoff (1864 a 1944), com forte enfase no conceito de distancia, e umoutro conhecido pela sigla SMSG (School Mathematics Study Group) feitona decada de 1960 por uma equipe de professores americanos dirigidos por

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Edward G. Begle. Aqui, mais uma vez fatos polıticos interferem nos cami-nhos da Matematica.

Com o lancamentodo primeiro satelite artificial pela extinta Uniao Sovietica,o Governo Americano decidiu reformular o ensino de Ciencias nas escolas,nomeando e financiando grupos de estudos para elaborar as propostas dareforma. SMSG foi um dos grupos.

Logo apos a fixacao dos axiomas de Hilbert, o matematico americanoOswald Veblen (1880 a 1960) estabeleceu os axiomas da Geometria Projetivana sua obra Projective Geometry em conjunto com John Wesley Young.Atualmente, o ingles H. M. S. Coxeter (1907) e considerado o maior geometrasintetico, tendo varios livros publicados na area.

Apresentamos a seguir os Axiomas da Geometria Euclidiana Plana(ou Parabolica) propostos por Hilbert.

I. Termos Indefinidos1. Ponto, reta, plano, pertence, esta entre e congruencia.

II. Axiomas de Incidencia1. Para cada dois pontos distintos existe uma unica reta que

os contem.2. Toda reta contem pelo menos dois pontos.3. Existem pelo menos tres pontos que nao pertencem a uma

mesma reta.

III. Axiomas de Ordem1. Se um ponto B esta entre A e C, entao os tres pontos

pertencem a uma mesma reta e B esta entre C e A.2. Para quaisquer dois pontos distintos A e C, existe pelo

menos um ponto B pertencente a reta−→AC tal que B esta entre

A e C.3. Se tres pontos distintos estao sobre uma mesma reta, nao

mais que um ponto esta entre os outros dois.4. (Pasch) Sejam A,B e C tres pontos que nao estao sobre

uma mesma reta e seja l uma reta do plano que nao contem algumdos tres pontos. Entao, se l intercepta o segmento AB, elatambem intercepta o segmento AC ou o segmento BC.

IV. Axiomas de Congruencia1. Se A e B sao dois pontos distintos numa reta l e A

′e

um outro ponto de uma reta l′, nao necessariamente distinta

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da anterior, entao e sempre possıvel encontrar um ponto B′em

(um dado lado da reta) l′, tais que os segmentos AB, e A′B′ sejam

congruentes.2. Se um segmento A′B′ e um segmento A′′B′′, sao congruentes

a um mesmo segmento AB, entao os segmentos A′B′ e A′′B′′ saocongruentes entre si.

3. Sobre uma reta l, sejam AB e BC dois segmentos da mesmaque, exceto por B nao tem pontos em comum. Alem disto, sobreuma outra ou a mesma reta l

′, sejam A′B′ e B′C ′ dois segmentos

que, exceto por B′

nao tem pontos em comum. Neste caso seAB ∼= A′B′ e BC ∼= B′C ′, entao AC ∼= A′C ′.

4. Se ∠ABC e um triangulo e se−−−→B

′C

′e um raio, entao existe

exatamente um raio−−−→A

′B

′em cada lado de B′C ′ tal que ∠A

′B

′A

′ ∼=∠ABC. Alem disso, cada angulo e congruente a si mesmo.

5. Se para dois triangulos 4ABC e 4A′B

′C

′as congruencias

AB ∼= A′B′, AC ∼= A′C ′ e ∠BAC ∼= ∠B′A

′C

′sao validas, entao a

congruencia ∠ABC ∼= ∠A′B

′C

′e satisfeita.

V. Axioma das Paralelas1. Seja l uma reta e A um ponto nao em l. Entao existe no

maximo uma reta no plano que passa por A e nao intercepta l.

VI. Axiomas de Continuidade1. Axioma de Arquimedes: Se AB e CD sao segmentos, entao

existe um numero natural n tal que n copias de CD construıdascontiguamente de A ao longo do raio

−−→AB passara alem do ponto

B.2. Axioma da Completude da Reta: Uma extensao de um

conjunto de pontos sobre uma reta com suas relacoes de con-gruencia e ordem que poderiam preservar as relacoes existentesentre os elementos originais, bem como as propriedades funda-mentais de congruencia e ordem que seguem dos axiomas acima(menos o das paralelas) e impossıvel.

Para obtermos os Axiomas da Geometria Euclidiana Espacial (ouSolida) devemos acrescentar ainda os seguintes:

VII. Axiomas sobre Planos1. Em todo plano existe ao menos tres pontos nao colineares.2. Nem todos os pontos pertencem ao mesmo plano.

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3. Tres pontos nao colineares pertencem a um unico plano.4. Se dois pontos de uma reta pertencem a um plano, entao

toda a reta esta contida no plano.5. Se dois planos tem em um ponto em comum eles tem um

segundo ponto em comum.

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Capıtulo 2

Geometrias

Postula-se, a partir da divisao axiomatica do sistema criado por Hilbert, istoe, a partir dos grupos de axiomas, algumas vezes com pequenas modificacoes,para se criar um modelo para outras Geometrias a serem estabelecidas.

2.1 Geometria Euclidiana

Construir um modelo para a Geometria Euclidiana e fixar um conjuntoalgebrico especıfico, que sera chamado plano, estabelecer quais dos seus sub-conjuntos serao nomeados de retas, enfim, definir cada um dos termos inde-finidos do sistema axiomatico e, finalmente, verificar que todos os axiomasde Hilbert sao validos neste contexto.

Axiomas da Geometria Euclidiana PlanaI. Termos IndefinidosII. Axiomas de IncidenciaIII. Axiomas de OrdemIV. Axiomas de CongruenciaV. Axioma das ParalelasVI. Axiomas de Continuidade

2.1.1 O Conjunto Rn

Denotaremos uma reta, um plano e um espaco euclidiano por E1, E2 e E3,respectivamente.

O conjunto das 1 − upla ordenadas, R1 = (x);x ∈ R, e canonicamenteidentificado com o conjunto dos numeros reais R. Nao distinguiremos uma1 − upla ordenada (x) ∈ R. Para construir uma correspondencia um a um

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entre os numeros reais R e os pontos de uma reta Euclidiana E1, fixamosuma unidade e associamos a cada ponto de uma reta Euclidiana E1 um uniconumero real, o qual chamamos abcissa do ponto. Com isto temos definidouma aplicacao P : R −→ E1, onde P (x) e o ponto da reta Euclidiana cujaabscissa e x.

Escolhidos dois eixos Cartesianos num plano Euclidiano E2, digamos Oxe Oy, definimos P : R2 −→ E2, onde P (x, y) e o ponto do plano Euclidianocuja abscissa e x e a ordenada e y. Reciprocamente cada ponto do planoe associado a um unico par ordenado. Fixado o sistema de eixos, o PlanoEuclidiano passa a ser chamado Plano Cartesiano.

Analogamente, fixados tres eixos Cartesianos em E3, Ox, Oy e Oz, de-finimos a aplicacao P : R3 −→ E3, onde P (x, y, z) e o ponto do planoEuclidiano tal que a abscissa e x, a ordenada e y e a altura e z. Passamosdaı a chamar E3 de Espaco Cartesiano. O mesmo valera para En.

Foi neste contexto, isto e ao se perceber que, fixado um sistema de eixoscartesianos, poderia se fazer uma identificacao canonica entre o espaco Eu-clidiano En e o conjunto algebrico Rn que surgiu a Geometria Analıtica.Ela nos permite, por exemplo, calcular distancia, angulos, utilizando ferra-mentas da Algebra Linear, como o produto interno.

E interessante notar que, ao contrario do que o termo nos induz a pensar,a Geometria Analıtica nao e um ramo da Geometria, mas um poderosometodo para solucionar problemas possibilitando a transcricao de problemasgeometricos em uma linguagem algebrica, o que muitas vezes, os tornammais simples.

2.1.2 Plano Euclidiano

• Chamaremos R2, plano e a seus elementos, pontos.

Definicao 2.1.1. Um hiperplano com vetor normal η ∈ Rn contendo o pontop ∈ Rn e o subconjunto denotado e definido por Γη(p) = {v ∈ Rn; 〈v − p, η〉 = 0}.Notacao: Γη(p) : 〈v − p, η〉 = 0.

• Um hiperplano em R2 sera chamado de reta.Sejam p = (p1, p2) e η = (η1, η2) pontos em R2. O plano com reta normal

η, passando por p e dado por

lη(p) : 〈(x, y)− (p1, p2), (η1, η2)〉 = 0

lη(p) : 〈(x− p1, y − p2), (η1, η2)〉 = 0

lη(p) : η1x+ η2y + (−η1p1 − η2p2) = 0

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lη(p) : η1x+ η2y − 〈(p1, p2), (η1, η2)〉 = 0

lη(p) : η1x+ η2y + η3 = 0

Note que lη(p) = lλη(p).A equacao da reta que passa pela origem sera denotada por

lη : η1x+ η2y = 0

lη e subespaco proprio de R2, de dimensao um. Uma base e formada porqualquer vetor nao nulo pertencente a lη, por exemplo, η⊥ = (−η2, η1).

• Entendemos o conceito de um ponto pertencer a uma reta.

Agora podemos verificar alguns axiomas:

• Dois pontos distintos determinam uma reta.Dados p = (p1, p2) e q = (q1, q2), consideramos q − p = (q1 − p1, q2 − p2)

e tomamos η = (−q2 + p2, q1 − p1).Entao, p, q ∈ lη(p) = 〈(x, y)− (p1, p2), λη〉 = 0.

• Esta entreDada lη(p), defina f : R −→ lη(p) por f(t) = p+ λη⊥, onde η⊥ e obtido

a partir de η. Dado η = (η1, η2)⇒ η⊥ = (−η2, η1).p esta entre q = f(t0) e r = f(t2)⇔ t0 < t1 < t2.A definicao deste ultimo termo nos permite demonstrar todos os axiomas

de ordem e continuidade, alem de podermos definir segmentos de reta: osegmento [p, q] e o conjunto formado pelos pontos p, q e os pontos que estaoentre eles. O comprimento do segmento [p, q] e a distancia entre os extremosd(p, q) = |b− a|.

Lembramos que uma isometria do R2 e uma funcao de R2 −→ R2 quepreserva distancia. Toda isometria e uma translacao, rotacao, reflexao ouuma composicao destas funcoes.

As propriedades preservadas pelo Grupo de Isometrias - colinearidade,concorrencia de retas, angulos e distancias - sao chamadas propriedades Eu-clideanas 1.

Teorema 2.1.1. Toda isometria f , pode ser escrita como f(x) = U0(x) +(u, v) onde U0 e uma isometria que fixa a origem e (u, v) ∈ R2.

1Mais sobre Grupo de Isometrias, propriedades Euclidianas e geometria como acao deum grupo sobre um espaco pode ser encontrado na referencia [2] ou no trabalho “Geometriano Plural - A visao de Klein”, da mesma aluna, que sera em breve disponibilizado.

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Demonstracao. Seja U′0 uma isometria que fixa a origem. Entao U

′0(x) =

U0(x) para alguma U0, isometria que fixa a origem. De fato, U′0(x) = U0(x)+

(0, 0) = U0(x).Seja U

′′uma isometria que nao fixa a origem. Entao U

′′(0) = (u, v),

u 6= 0 ou v 6= 0.Tome U0(x) = U

′′(x) − (u, v) ⇒ U0(0) = (0, 0) (i.e. U0 fixa a origem).

Entao U′′(x) = U0(x) + (u, v) como querıamos.

Como U0 fixa a origem⇒ U0 e uma rotacao em torno da origem ou umareflexao por uma reta que passa pela origem, e tem matrizes em uma dasformas:

U0 = Rθ =[

cos θ −senθsenθ cos θ

]ou U0 = R∗θ =

[cos 2θ sen2θsen2θ − cos 2θ

]Daı toda isometria f e da forma: f(x) = Rθx+v ou f(x) = R∗θx+v. Note

que as matrizes acima sao ortogonais, i.e., R−1θ = Rt

θ. Resulta o seguinte

Teorema 2.1.2. Uma aplicacao f : Rn −→ Rn e uma isometria, se, esomente se, existe uma translacao Ta : Rn −→ Rn e um operador ortogonalU : Rn −→ Rn tais que f(x) = Ta ◦ U(x).

Entendido o conceito de isometria, podemos enunciar

• Dois segmentos sao congruentes se existe uma isometria do R2 queaplica biunivocamente um segmento no outro.

• Angulolη indica a reta com vetor normal η 6= 0, orientada por η, i.e., o lado “de

cima” da reta e para onde o vetor η aponta. lη e a mesma reta, como conjuntode pontos, porem com orientacao oposta, i.e. enquanto retas orientadas, elassao distintas.

O vetor v esta no semiplano positivo Hη(p) definido por lη quando〈v − p, η〉 ≥ 0 e no semiplano negativo quando 〈v − p, η〉 ≤ 0. E claroque quando 〈v − p, η〉 = 0, v ∈ lη.

Um angulo e o conjunto obtido pela intersecao entre dois semiplanospositivos Hη(p) ∩Hµ(q) e mede θ(η,−µ).

• Dois angulos sao congruentes se existe uma isometria do R2 que aplicabiunivocamente um angulo no outro.

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Com isso ja e possıvel demonstrar todos os axiomas de congruencia.

• ParalelasSeja q um ponto tal que q /∈ lη(p). Entao, existe lη(q) ‖ lη(p) e esta

reta e unica. Dizer que duas retas sao paralelas e equivalente a dizer que osistema formado por suas equacoes nao tem solucao.

2.1.3 Trigonometria

Dados 3 pontos, A,B,C nao colineares do plano, podemos construir umtriangulo 4ABC , com vertices nestes pontos. Sejam α, β, γ as medidas dosangulos cujos vertices sao A,B,C e a, b, c as medidas dos lados opostos aestes vertices, respectivamente.

Entao valem as leis dos senos e dos cossenos,

sinα

a=sinβ

b=sinγ

c

c2 = a2 + b2 − 2abcosγ

generalizacoes do Teorema de Pitagoras.Decorre da axiomatizacao da Geometria Euclidiana que α+ β + γ = π

2.1.4 Espaco Euclidiano

• Chamaremos R3 de espaco e seus elementos de pontos.

• Um hiperplano em R3 sera chamado de plano.Sejam p = (p1, p2, p3) e η = (η1, η2, η3) pontos do R2. O plano Γη(p) fica

definido da seguinte forma:

Γη(p) : η1x+ η2y + η3z + k = 0, onde k = −〈p, η〉

O plano passando pela origem, fica,

Γη : η1x+ η2y + η3z = 0

Γη e subespaco 2-dimensional de R3.v0, w0 ∈ Γη tal que u = αv0 + βw0, α, β ∈ R {v0, w0, η} e uma base para

R3, i.e, det [v0, w0, η] 6= 0 e {v0, w0} e uma base para Γη.Uma retas em R3 e um conjunto determinado pela intersecao de dois

planos nao paralelos.Analogamente ao plano, definimos todos os termos envolvidos na axio-

matizacao e construımos um modelo para a Geometria Espacial (Solida).

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Nao nos concentramos muito na construcao do modelo para a Geome-tria Euclidiana, pois este tema ja foi tratado extensivamente no curso deGeometria Descritiva e Desenho Geometrico, durante todo este semestre.Estamos mais interessados em construir modelos para outras geometrias,como veremos a seguir.

2.2 Geometria Elıptica

O espaco considerado como modelo para a Geometria Elıptica e o S2, aesfera unitaria em R3.

Definicao 2.2.1. Uma esfera em Rn de raio r > 0 e centro c ∈ Rn e osubconjunto denotado e definido por

Sn−1r (c) = {v ∈ Rn : d(c, v) = r}

d(c, v) = ‖(v − c)‖ = ‖(v1 − c1, ..., vn − cn‖ =

=√

(v1 − c1)2 + ...+ (vn − cn)2 = r ⇒ (v1 − c1)2 + ...+ (vn − cn)2 = r2

S2 ={v ∈ R3 : ‖v‖ = 1

}(esfera unitaria canonica, onde d(c, v) = 1)

AxiomasO sistema axiomatico que consideraremos agora, omitira o grupo de

Axiomas de Ordem do sistema axiomatico para a Geometria Euclidiana,fixado por Hilbert.

Como nao e possıvel se estabelecer uma Ordem, no axioma 1 do Grupode Congruencia deve se omitir a expressao “um dado lado da reta”.

No Axioma das Paralelas estabeleceremos que sempre ocorre intersecaoentre quaisquer duas retas (cırculos maiores da esfera) e essa intersecao edupla.

I. Termos Indefinidos1. Ponto, reta, plano, pertence e congruencia.

II. Axiomas de Incidencia1. Para cada dois pontos distintos existe uma unica reta que os contem.2. Toda reta contem pelo menos dois pontos.

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3. Existem pelo menos tres pontos que nao pertencem a uma mesmareta e todos estao sobre o mesmo plano.

IV. Axiomas de Congruencia

V. Axioma das Paralelas1. Seja l uma reta e A um ponto nao em l. Entao toda reta que passa

por A intercepta l.

VI. Axiomas de Continuidade1. Existe uma correspondencia biunıvoca entre os numeros reais e os

pontos de uma reta menos um de seus pontos.

2.2.1 Plano Elıptico

• Chamaremos S2 de plano elıptico e seus elementos de pontos elıpticos.

Distancia ElıpticaDados u, v ∈ S2, θ(u, v) ∈ [0, π]. Como ‖u‖ = ‖v‖ = 1, temos,

cosθ(u, v) = 〈u, v〉

senθ(u, v) = ‖u× v‖

Definimos a distancia em S2 como,

d : S2 × S2 −→ R, d(u, v) = θ(u, v)

d e uma funcao distancia, i.e. satisfaz as propriedades:1. d(u, v) ≥ 0, a igualdade so se verifica quando u = v;2. d(u, v) = d(v, u)3. d(u, v) ≤ d(u,w) + d(w, v).

• Um grande cırculo em S2 sera chamado reta elıptica.rη ⊂ S2 e uma reta elıptica se rη = S2 ∩Γη, onde Γη e o plano no R3 que

contem a origem e tem η = (η1, η2, η3), como vetor normal.Portanto, rη =

{(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y2 + z2 = 1 e η1x+ η2y + η3z = 0

}Dizemos que v ∈ S2 e rη ⊂ S2 sao incidentes quando v ∈ rη

Proposicao 2.2.1. (Condicao de Incidencia) Dados um ponto v ∈ S2 eum grande cırculo rη ∈ S2. Temos:

v e rη sao incidentes⇔ 〈v, η〉 = 0

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Demonstracao. Sabemos que v ∈ S2 e rη = S2 ∩ Γη. Logo v ∈ rη ⇔ v ∈ Γη

⇔ 〈v, η〉 = 0.

Com isto ja nos e possıvel verificar o grupo de axiomas de incidencia daGeometria Elıptica.

Nota (Geometria Diferencial): rη e chamada geodesica. O vetor bi-normal de rη num ponto p e paralelo ao vetor normal do plano que determinarη. E o vetor normal a S2 em p e paralelo ao vetor normal de rη.

• Dois pontos distintos determinam uma reta.Sejam u, v ∈ S2 distintos ⇒ η = u× v 6= 0⇔ u 6= −v.Suponha u 6= −v. Temos Γη e rη = Γη ∩ S2. Como 〈u, η〉 = 0 = 〈v, η〉 ⇒

u, v ∈ rη.Suponha agora u = −v. Seja η ∈ R3 tal que 〈u, η〉 = 0. Como u = −v ⇒

〈v, η〉 = 0⇒ u, v ∈ rη. Esta reta nao e unica ja que existem infinitos planoscontendo a origem, u e v, colineares.

No plano elıptico nao existe paralelismo, nem a propriedade de inter-seccao unica entre duas retas. Ao contrario,

Sejam Γη e Γν dois planos distintos que passam pela origem, determina-dos pelos vetores normais η e ν respectivamente. Tais planos interseccionamS2 nas retas elıpticas rη e rν , i.e., rη = S2 ∩ Γη e rν = S2 ∩ Γ3.

Entao, rη ∩ rν = S2 ∩ (Γη ∩Γν)⇒ rη ∩ rν = S2 ∩ tv, onde tv e a reta cujovetor diretor e v = η × ν. Segue que rη ∩ rν = {u1, u2}.

Mais formalmente, temos a seguinte

Proposicao 2.2.2. (Concorrencia de Duas Retas) Duas retas elıpticasdistintas rη e rν sempre se interseptam em dois pontos, a saber,

u1 =1

‖η × ν‖η × ν e u2 = − 1

‖η × ν‖η × ν

Proposicao 2.2.3. (Colinearidade de tres Pontos) Dados tres pontosu, v, w ∈ S2. Temos:

u, v, w sao colineares⇔ det [u, v, w] = 0

Demonstracao. Sejam u, v, w ∈ S2 distintos e v 6= −w. Entao, u, v, w saocolineares ⇔ u, v, w ∈ rη = Γη ∩ S2 para algum vetor η normal ao plano Γη.

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Seja η = u × v. Sabemos que u, v ∈ Γη e como rη = S2 ∩ Γη. Portanto,u, v, w sao colineares ⇔ w ∈ Γη, i.e., 〈w, η〉 = 0.

Segue que u, v, w sao colineares ⇔ 〈w, η〉 = 〈w, u× v〉 = det [u, v, w] =0.

Proposicao 2.2.4. (Equacao de Concorrencia para tres Retas) Da-das tres retas elıpticas, digamos rη, rµ e rν . Temos:

rη, rµ e rνsao concorrentes⇔ det [rη, rµ, rν ] = 0

Demonstracao. Sejam u1 e u2 pontos de intersecao das retas elıpticas rη erµ. Entao, 〈u1, η〉 = 〈u1, µ〉 = 〈u2, η〉 = 〈u2, µ〉 = 0.

rν e concorrente com rη e rµ ⇔ 〈u1, ν〉 = 〈u2, ν〉 = 0 ⇔ η, µ, ν saocoplanares (Euclidiana) ⇔ 〈ν, η × µ〉 = 0↔ det [rη, rµ, rν ] = 0.

• Existe uma correspondencia biunıvoca entre os numeros reais e ospontos da reta elıptica menos um de seus pontos.

A demonstracao deste fato envolve a ideia de projecao estereografica.Imagine a reta elıptica (um cırculo) feita de arame. A reta elıptica menosum ponto e equivalente a fazermos um corte neste arame e abrirmos o arco,formando um “meio cırculo”. Apoiamos este arco sobre a reta real, de formatangente. As semi-retas que partem do centro do “cırculo” projetam cadaponto da reta elıptica menos um ponto sobre R de forma biunıvoca.

O grafico da funcao α(θ) = (cos θ, senθ), definida do intervalo (0, 2π) emR2 e exatamente o cırculo unitario menos um ponto, S1 − {(1, 0)}. Assim,temos que, em um certo sentido, o intervalo (0, 2π) e o cırculo unitario menosum ponto sao a mesma coisa.

Considere agora f : (0, 1) −→ (0, 2π), dada por f(t) = 2πt e g : (0, 1) −→R, definida por g(x) = tanπ

(x− 1

2

).

Segue que g ◦ f−1 : (0, 2π) −→ R e a bijecao procurada. Portanto, existeuma correspondencia um-a-um entre (0, 2π) e R. Por transicao, o resultadosegue.

2.2.2 Retas Elıpticas Orientadas

Γη esta orientada por η, i.e. η aponta para o lado de cima do plano. Umvetor v esta no semiespaco positivo, definido pelo plano Γη, se 〈v, η〉 ≥ 0 eno semiespaco negativo, se 〈v, η〉 ≤ 0. Se 〈v, η〉 = 0, entao v pertence aoplano.

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Para determinar um plano orientado que passe pela origem, precisamosapenas de vetor unitario η ∈ S2. Tal plano sera denotado por Γη. Γη e Γ−η

sao iguais como conjuntos, porem diferentes enquanto planos orientados.Dizer que a reta rη tem orientacao positiva, significa que se uma pessoa

percorre o grafico de rη, sobre a parte “de cima” do plano, i.e. com a cabecavoltada para onde o vetor normal aponta, entao a parte interior do cırculocujo bordo e rη, fica a esquerda desta pessoa. Formalizando:

p ∈ rη ⇒ p× η = φη(p),

onde φη e o vetor tangente a geodesica no ponto p e descreve a velocidadede uma pessoa fazendo o percurso positivo sobre a curva.

2.2.3 Isometrias

O conceito de isometria sera importante para obtermos a ideia de con-gruencia na geometria esferica.

Definicao 2.2.2. Uma isometria em S2 e uma aplicacao U : S2 −→ S2 quepreserva distancia, i.e., θ(U(u), U(w)) = θ(v, w) para todo v, w ∈ S2.

Teorema 2.2.1. (Classificacao de Isometrias em S2 - Leonhard Eu-ler, 1707 - 1783): Uma aplicacao U0 : S2 −→ S2 e uma isometria ⇔ U0

for a restricao de um operador ortogonal U : R3 −→ R3

Demonstracao. (⇐) Seja U : R3 −→ R3 um operador ortogonal. Como Upreserva norma ⇒ ‖U(u)‖2 = 〈U(u), U(u)〉 = 〈u, u〉 = ‖u‖2 ⇒ U |S2 = U0 :‘S2 −→ S2 esta bem definida.

Agora dados u, v ∈ S2, temos

θ(U0(u), U0(v)) = 〈U(u), U(v)〉 = 〈u, v〉 = θ(u, v).

Logo U0 preserva a distancia esferica.(⇒)Dada Uo : S2 −→ S2 uma isometria na esfera, definimos U : R3 −→

R3, como

U(v) =

{‖v‖U0

(v‖v‖

), v 6= 0

0 , v = 0

1. U esta bem definida.

Seja u = v 6= 0⇒ ‖u‖ = ‖v‖ ⇒ u‖u‖ = v

‖v‖ .

Calculamos U(u) e U(v)⇒ U(u) = ‖u‖U0

(u‖u‖

)e U(v) = ‖v‖U0

(v‖v‖

).

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Como U0 e isometria e esta bem definida em S2, temos U0

(u‖u‖

)=

U0

(v‖v‖

), ja que u

‖u‖ e v‖v‖ tem norma igual a um, i.e., pertencem ao S2.

Segue que U(u) = U(v).

2. U e ortogonal.

‖U(v)‖2 =⟨‖v‖Uo

(v‖v‖

), ‖v‖Uo

(v‖v‖

)⟩= ‖v‖2

⟨Uo

(v‖v‖

), Uo

(v‖v‖

)⟩=

‖v‖2

‖v‖2 〈v, v〉 = ‖v‖2.

3. A restricao de U ao S2 e U0.

U |S2 = Uo, pois v = 0 /∈ S2, logo U |S2 = ‖v‖U0

(v‖v‖

). Como v ∈ S2 ⇒

‖v‖ = 1, temos:U |S2(v) = U0(v)

2.2.4 Congruencia

Dois pontos distintos u, v ∈ rη definem dois segmentos de reta elıptica: o arcomaior e o arco menor. Definir qual dos dois pretendemos usar e mencionarum terceiro ponto w que devera pertencer a rη.

• Dois segmentos sao congruentes se existe uma isometria de S2 queaplica biunivocamente, um segmento no outro.

Diante disso, os tres primeiros axiomas do Grupo de Congruencia saovalidos, no modelo elıptico.

Definicao 2.2.3. O semiplano positivo Hη definido pela reta elıptica ori-entada, rη, e o hemisferio formado pelos pontos u ∈ S2 tais que 〈u, η〉 ≥ 0.Analogamente, o semiplano negativo e o hemisferio formado pelos pontosu ∈ S2 tais que 〈u, η〉 ≤ 0.

Definicao 2.2.4. Um angulo, ou uma lua, no plano elıptico S2, determinadopor duas retas elıpticas distintas e orientadas, rη e rµ, e o conjunto Lηµ

Obtido pela intersecao dos semiplanos positivos determinados por elas, asaber, Lηµ = Hη ∩Hµ.

Os vertices da lua Lηµ sao os pontos:

u =1

‖η × µ‖η × µ e − u = − 1

‖η × µ‖η × µ

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A medida de uma lua Lηµ e dada por θ(µ,−η).

Definidos estes termos, valem as mesmas ideias sobre angulos da Geo-metria Euclidiana: angulos obtusos, angulos agudos, angulos retos, angulossuplementares, angulos complementares, angulos opostos pelo vertice, etc...

• Duas luas sao congruentes se existe uma isometria de S2 que aplicabiunivocamente uma lua na outra.

Definicao 2.2.5. (Triangulo Elıptico): Sejam u, v, w ∈ S2 tais que {u, v, w}seja uma base ordenada, positiva, de R3, i.e. det [u, v, w] > 0. Tais pon-tos sao vertices de um chamado triangulo elıptico, 4uvw. Os lados destetriangulo sao as retas elıpticas rη, rµ e rν , onde

η = u× v, µ = v × w, ν = w × u,

i.e., 4uvw = Hη ∩Hµ ∩Hν .

Note que a ordem dos pontos u, v, w e cıclica: u→ v, v → w,w → u.

• Dois triangulos elıpticos sao congruentes se existe uma isometria queaplica biunivocamente um triangulo sobre o outro.

• Uma reta elıptica menos um de seus pontos e um modelo de uma retaeuclidiana.

2.2.5 Trigonometria

Seja4uvw um triangulo elıptico, com u, v, w ∈ S2. Estabelecemos a seguintenotacao correspondente a cada um dos vertices:

Vertice u- o lado oposto, a, esta contido em rµ, µ = v × w.- o angulo α = π − θ(ν, η).- a = θ(v, w).

Vertice v- o lado oposto, b, esta contido em rν , ν = w × µ.- o angulo β = π − θ(ν, µ).- b = θ(w, u).

Vertice w- o lado oposto, c, esta contido em rη, η = µ× v.

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- angulo γ = π − θ(µ, ν).- c = θ(u, v).

Lema 2.2.1. Estabelecida a notacao acima, temos

η × µ = 〈ν, v〉 v, µ× ν = 〈η, w〉w, ν × η = 〈µ, u〉u

do que resultam as seguintes igualdades:

‖η × µ‖ = ‖µ× ν‖ = ‖ν × η‖

Demonstracao. As primeiras igualdades decorrem das propriedades do pro-duto vetorial duplo. Por exemplo, vejamos a terceira igualdade, as demaissao analogas.

ν×η = (w×u)×(u×v) = 〈w, u× v〉u−〈u, u× v〉w = 〈w, u× v〉u = 〈w, η〉u

Aplicando as propriedades do produto misto e a simetria do produtointerno, temos

〈w, η〉 = 〈w, u× v〉 = 〈u, v × w〉 = 〈v × w, u〉 = 〈µ, u〉

Do que decorre a igualdade que querıamos provar.Procedendo da mesma forma para demonstrar as demais igualdades,

obtemos 〈µ, u〉 = 〈η, w〉 = 〈ν, v〉 ⇒ ‖〈µ, u〉‖ = ‖〈η, w〉‖ = ‖〈ν, v〉‖Agora para mostrar o resultado do Lema, basta tomar as normas das

igualdades mostradas:

‖ν × η‖ = ‖〈µ, u〉u‖ = ‖〈µ, u〉‖ ‖u‖ = ‖〈µ, u〉‖

Analogamente,‖µ× ν‖ = ‖〈η, w〉‖‖η × µ‖ = ‖〈ν, v〉‖

E o resultado segue.

Proposicao 2.2.5. Seja 4uvw um triangulo elıptico. Utilizando nossanotacao, temos sen(α)sen(b)sen(c) = sen(a)sen(β)sen(c) = sen(a)sen(b)sen(γ).

Demonstracao. Sabemos que senθ(ν, η) = ‖ν×η‖‖ν‖‖η‖ ⇒ ‖ν × η‖ = ‖ν‖ ‖η‖ senθ(ν, η) =

sen(b)sen(c)sen(π − α) = sen(b)sen(c)sen(α)pois, b = θ(w, u)⇒ sen(b) = senθ(w, u) = ‖w × u‖ = ‖ν‖.Analogamente, obtemos

‖ν × η‖ = sen(a)sen(c)sen(β)

‖µ× ν‖ = sen(a)sen(b)sen(γ)

Pelo Lema anterior (igualdade das normas) o resultado segue.

22

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Teorema 2.2.2. Seja 4uvw um triangulo elıptico. Entao:

sen(α)sen(a)

=sen(β)sen(b)

=sen(γ)sen(c)

cos(γ) =cos(c)− cos(a)cos(b)

sen(a)sen(b)

Demonstracao. (Lei dos Senos) - A demonstracao decorre diretamente daproposiccao anterior. Como sen(α)sen(b)sen(c) = sen(a)sen(β)sen(c), te-mos

sen(α)sen(b) = sen(a)sen(β)sen(α)sen(a)

=sen(β)sen(b)

A conta e analoga para as outras igualdades e o resultado segue.

(Lei dos Cossenos) - Temos 〈µ, ν〉 = 〈v × w,w × u〉 = 2 〈〈v, w〉 , 〈w, u〉〉−〈〈v, u〉 , 〈w,w〉〉 = cosθ(v, w)cosθ(w, u)− cosθ(v, u) = cos(a)cos(b)− cos(c)

Por outro lado, 〈µ, ν〉 = ‖µ‖ ‖ν‖ cosθ(µ, ν) = sen(a)sen(b)cos(π − γ) =−sen(a)sen(b)cos(γ)

Para apresentarmos o ultimo teorema desta secao precisamo antes com-preender como calcular areas de luas da esfera unitaria.

Arquimedes considerava seu mais belo teorema aquele que estabelece aigualdade entre as areas de uma esfera de raio r e de um cilindro circunscritoa ela, de altura 2r: Area = 4πr2.

Ele e seus contemporaneos acharam o resultado tao fascinante que ins-creveram a figura que o ilustra na lapide de Arquimedes.

Seja L a superfıcie lateral do cilindro. Podemos definir

f : L −→ S2

p 7−→ f(p)

Esta aplicacao tem uma propriedade interessante: preserva areas!Assim, uma lua em S2 com angulo α e obtida pela projecao de uma faixa

de largura α e altura 2 e sua area e dada por Area(L) = 2α.

Teorema 2.2.3. (Teorema de Girard) Seja 4uvw um triangulo elıpticoe considere a notacao estabelecida no inıcio da secao. Entao:

Area(4uvw) = α+ β + γ − π

consequentemente, α+ β + γ > π.

2Identidade de Lagrange: 〈a × b, c × d〉 = det

(〈a, c〉 〈a, d〉〈b, c〉 〈b, d〉

)

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Demonstracao. Podemos calcular as areas das luas

Lνη = 2α, Lηµ = 2β, Lµν = 2γ

Considere as luas simetricas L−. Elas tem de mesma area das luas Lacima, respectivamente. Portanto, S2 = Lνη ∪ Lηµ ∪ Lµν ∪ L−νη ∪ L−ηµ ∪ L−µν .

Mas, 4uvw = Lνη ∩ Lηµ ∩ Lµν e 4−uvw = L−νη ∩ L−ηµ ∩ L−µν aparecem tresvezes cada.

Por isso, para o calculo da area, devemos escrever

Area(S2) = 2α+ 2β + 2γ + 2α+ 2β + 2γ − 2Area4uvw − 2Area4−uvw

4π = 4(α+ β + γ)− 4Area(4)uvw

Area(4)uvw = (α+ β + γ)− π

Como a area e uma grandeza positiva, temos (α + β + γ) − π > 0 ⇒(α+ β + γ) > π

2.3 Geometria Projetiva

Voce ja pensou porque ao viajar por uma estrada que tem lados, suposta-mente paralelos, eles parecem se encontrar num ponto muito distante? Ouem como pode ser possıvel retratar numa tela bidimensional uma paisagemtridimensional?

Ao refletirmos sobre tais questoes percebemos que a Geometria Euclidi-ana a qual estamos tao habituados parece nao ser um modelo da realidadetao proximo da forma como a visualizamos, quanto pensavamos.

Tambem chamada Geometria Elıptica Simples, a Geometria Projetivaprocura apresentar um modelo coerente com nossa percepcao de mundo.

E certamente a mais simples, com dois grupos axiomaticos apenas, o deincidencia e o de continuidade, nao envolvendo problemas de congruencia ede ordem.

Axiomas

O alemao Karl Georg Christian von Staudt (1798-1867) foi o primeiromatematico que viu a possibilidade de construir uma Geometria logica semo conceito de congruencia. Na sua epoca as atencoes estavam voltadas parao exame de estruturas geometricas simples. Uma tal geometria define-se,essencialmente, postulando axiomas de incidencia. Mas o primeiro a propor

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o acrescimo de pontos ideais (logo veremos de que se tratam) foi o astronomoJohannes Kepler (1571-1630). Sugestao desprezada na epoca.

I. Termos Indefinidos1. Ponto, reta, plano, pertence.

II. Axiomas de Incidencia

V. Axioma das Paralelas1. Seja l uma reta e A um ponto nao em l. Entao toda reta que incide

em A intercepta l.

VI. Axiomas de Continuidade1. Existe uma correspondencia biunıvoca entre os numeros reais e os

pontos de uma reta menos um de seus pontos.

2.3.1 Plano Projetivo

Queremos construir um modelo para a Geometria Projetiva. Considere oespaco R3 \{0}, isto e, o R3 perfurado na origem. Considere ainda a relacaode equivalencia

v ∼ w ⇔ existe um numero real λ 6= 0, tal que v = λw.

Tome o quociente R3 \ {0} / ∼

• Chamaremos RP2 = R3 \ {0} / ∼ de plano projetivo e seus elementosde pontos projetivos.

Um ponto projetivo v, v 6= 0, e uma classe de equivalencia

v = {λv : λ ∈ R e λ 6= 0}

O subconjunto v e uma reta perfurada em R3 \ {0}.A aplicacao quociente e denotada por

ψ : R3 \ {0} −→ RP2

v 7−→ v

Notacao: v = (v1 : v2 : v3) ∈ RP2. A tripla e chamada coordenadahomogenea de v.

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Relacao entre RP2 e S2

Para cada v ∈ RP2 podemos determinar dois pontos na esfera unitaria

u =v

‖v‖e seu antıpoda, − u = − v

‖v‖

Segue que v = u = −u.Assim,

ψ|S2 = ψ0 : S2 −→ RP2

u 7−→ u

ψ0 e sobrejetora.De fato, dado v ∈ RP2, ∃

{u = v

‖v‖ , −u = − v‖v‖

}∈ S2 tal que ψ(u) =

ψ(−u) = vIsto nos da uma ideia: podemos construir o plano projetivo sobre S2!Sejam u, v ∈ S2. Entao a relacao de equivalencia se torna

u ∼ v ⇔ u = v ou u = −v e

RP2 = S2/ ∼

isto e v ∈ RP2 pode ser representado por u = (u1, u2, u3) ∈ S2 comu3 6= 0, ou seja, estamos no hemisferio norte da esfera,

He3 ={u ∈ S2 : 〈u, e3〉 = u3 ≥ 0

}ψ|He3

= ψ0 : He3 −→ RP2 e sobrejetora.Dado v ∈ RP2, existe{

u = v‖v‖ ∈ S2, se u3 > 0

u, −u ∈ S2, se u3 = 0

Considere a reta elıptica re3 ⊂ S2,

re3 ={u ∈ S2 : u3 = 0

}entao os pontos da imagem de re3 por ψ0 sao chamados pontos ideais e

representados por I∞.Agora sim, obtivemos uma bijecao ψ0 : He3/re3 −→ RP2/I∞

3.

3Ou seja, estamos identificando todos os pontos pertencentes a reta re3 , obtida pelaintersecao da esfera unitaria com o plano xy. Identificar traz consigo a ideia de quetodos esses pontos passam a ser representados como um unico e mesmo ponto no conjuntoquociente.

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2.3.2 Retas Projetivas

Sabemos que na Geometria Euclidiana Plana, uma reta e a menor distanciaentre dois pontos. Tambem na Geometria Elıptica, uma geodesica (retaelıptica ou grandes cırculos) em S2 e a menor distancia entre dois pontoselıpticos. Para definirmos o que vem a ser uma reta projetiva, nada maisnatural do que perguntarmos: qual seria a menor trajetoria entre dois pontosv, w ∈ RP2?

Para respondermos a esta pergunta, precisamos primeiro da nocao dedistancia em RP2.

A distancia classica em RP2 e definida como

d : RP2 × RP2 −→ R(v, w) 7−→ mın {θ(a, b), θ(a,−b)}

onde a, b ∈ S2 sao representantes quaisquer das classes v e w respectiva-mente.

Agora podemos definir

• Um subconjunto r ⊂ RP2 e uma reta projetiva se r for a imagem deuma reta elıptica pela projecao ψ0 : S2 −→ RP2.

ou, usando o modelo do espaco perfurado, temos

• Um subconjunto r ⊂ RP2 e uma reta projetiva se r for a imagem deuma reta perfurada pela projecao ψ : R3 \ {0} −→ RP2.

Ja vimos que um plano Γ ⊂ R2 que contem a origem fica determinadopor seu vetor normal η = (η1, η2, η3) 6= 0. Todo multiplo de η, λη, comλ 6= 0, determinara o mesmo plano.

Naturalmente, pensamos em considerar η ∈ RP2.Ora, sabemos que rη e uma geodesica⇔ rη = Γη∩S2. Tambem, sabemos

que ψ(rη) e uma reta projetiva. Logo, podemos denotar a reta projetiva porrη, isto e reta projetiva determinada pela projecao por ψ do grande cırculoΓη ∩ S2 = Γλη ∩ S2.

Nesta notacao, re3 e a reta de pontos ideais, I∞.

2.3.3 Plano Projetivo Dual

A fim de prosseguirmos com a verificacao axiomatica, e util a ideia de PlanoProjetivo Dual.

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Sabemos que cada ponto projetivo η ∈ RP2 determina uma unica retaprojetiva rη e cada reta projetiva r ⊂ RP2 determina um unico ponto pro-jetivo η.

Seja R ⊂ P(RP2), dado por R ={rη : η ∈ RP2

}, onde P(RP2) e o

conjunto das partes de RP2, isto e, seus elementos sao todos os subconjuntosde RP2.

Assim, podemos estabelecer uma correspondencia biunıvoca entre R eRP2, rη ←→ η, logo existem tantas retas projetivas quantos pontos projeti-vos!

Tomamos RP2 como modelo para o cojunto das retas projetivas R, apartir de agora indicado por RP2∗ e denominado plano projetivo dual. Assim

rη ⊂ RP2 ⇔ η ∈ RP2∗

Recordemos que ate o momento definimos, plano, reta e ponto projetivos.Continuemos com nossa verificacao axiomatica.

Proposicao 2.3.1. Dados um ponto projetivo v ∈ RP2 e uma reta projetivaη ⊂ RP2∗, temos

v e rη sao incidentes⇔ 〈v, η〉 = 0

Demonstracao. Seja Γη ⊂ R3 \ {0}.

〈v, η〉 = 0⇔ v ∈ Γη ⇔ ±v

‖v‖∈ rη ⊂ Γη ∩ S2 ⇔ v =

(v

‖v‖

)∈ rη

• Para cada dois pontos distintos existe uma unica reta que os contem.

Proposicao 2.3.2. (Equacao de uma Reta por dois Pontos) Por doispontos projetivos distintos existe uma unica reta projetiva, a saber,

η = v × w ∈ RP2∗

Demonstracao. (Existencia) Sejam a, b ∈ S2 representantes das classes deequivalencias dos pontos projetivos v, w ∈ RP2 dados, respectivamente.Como v 6= w por hipotese, entao b 6= ±a.

Considere o plano Γη, onde η = a × b. Γη e o unico plano que contema, b e a origem. Alem disso, S2 ∩ Γη = rη e ψ(rη) = rη e reta projetiva.

Como a e b sao pontos de rη, suas imagens por ψ pertencem a rη.

ψ(a) = a = v e ψ(b) = b = w

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η = ψ(η) = ψ(a× b) = ψ(a)× ψ(b) = v × w = v × w(Unicidade) Suponha que exista rµ 6= rη passando por v e w. Como

rµ 6= rη ⇒ µ 6= η.Por definicao, rµ e a reta projetiva pertencente a RP2 determinada pela

projecao da geodesica rη = Γµ ∩ S2 (Atencao: lembre que, sendo rη umageodesica, Γµ necessariamente passa pela origem).

Sabemos que dado µ so existe um plano Γµ correspondente. Logo, comoµ 6= η ⇒ µ 6= ±η ⇒ Γµ 6= Γη. Alem disso, se a e b sao representantes de v ew, respectivamente e η = a× b, Γµ nao passa por a e b.

Isto implica que as imagens de a e b pela projecao ψ nao pertencem arµ ⇒ ψ(a) = v /∈ rµ e ψ(b) = w /∈ rµ ⇒ contradicao!

Logo rη e unica.

Proposicao 2.3.3. (Concorrencia de Duas Retas) Duas retas projeti-vas distintas, η, ν ∈ RP2∗ tem um unico ponto em comum, a saber,

v = η × ν ∈ RP2

Diz-se que tres pontos u, v, w ∈ RP2 sao colineares se existe uma retaprojetiva incidindo sobre eles.

Proposicao 2.3.4. (Equacao de Colinearidade para Tres Pontos)Dados tres pontos u, v, w ∈ RP2 temos

u, v, w sao colineares se, e somente se, det [u, v, w] = 0

Demonstracao. Sejam u 6= v 6= w ∈ RP2. Entao u, v, w sao colineares⇔ ∃ rη incidindo sobre eles⇔ ∃ Γη (contendo a origem) tal que Γη∩S2 = rηe ψ0(rη) contem estes pontos.

Isto ocorre, se, e somente se, Γη contem os representantes das classesdos tres pontos projetivos, u, v, w que obviamente sao nao nulos e naocolineares.

Observe que v, w ∈ Γη ⇔ (v × w)⊥Γη ⇔ η = v × w (ou λ(v × w)) eneste contexto, u ∈ Γη ⇔ 〈u, η〉 = 0.

Portanto, u, v, w ∈ Γη ⇔ 〈u, v × w〉 = 0⇔ det[u, v, w] = 0.

Proposicao 2.3.5. (Equacao de Concorrencia para Tres Retas) Da-das tres retas projetivas η, µ, ν ∈ RP2∗, temos

as retas η, µ, ν sao concorrentes se, e somente se, det [η, µ, ν] = 0

• Uma reta projetiva menos um de seus pontos e um modelo de umareta euclidiana.

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2.4 Geometria Afim

Qualquer resultado demonstrado na Geometria Afim permanece valido naGeometria Euclidiana, nao sendo valida a afirmacao oposta. O termo “afim”foi introduzido pelo matematico suico Leonard Euler (1707-1783). Eulernasceu em Basileia, e estudou com Johann Bernoulli. Apesar do fato deter sido pai de mais de vinte filhos e ficado cego aos 50 anos, foi um ma-tematico prolıfico, tendo produzido mais de oitocentos trabalhos e livros,com contribuicoes fundamentais em todas as areas da Matematica.

Convidado pela czarina Catarina, a grande, para trabalhar na sua corte,imprimiu sua personalidade cientıfica na matematica russa, influencia queperdura ate os dias atuais. La nao existe uma separacao nıtida entre Ma-tematica pura e Matematica aplicada como estamos acostumados a fazer noocidente.

Na axiomatizacao da Geometria Afim, eliminamos apenas o grupo deCongruencia do sistema axiomatico de Hilbert, o restante permanece igualao proposto.

Axiomas

I. Termos Indefinidos1. Ponto, reta, plano, pertence, esta entre.

II. Axiomas de Incidencia

III. Axiomas de Ordem

V. Axioma das Paralelas

VI. Axiomas de Continuidade

2.4.1 Plano Afim

Trataremos de Geometria Afim a partir dos conceitos que ja conhecemos deGeometria Projetiva.

Seja Π : z = 1 ⊂ R3 \ {0}, o plano paralelo ao plano xy, tangente a S2

no polo norte, pn = (0, 0, 1).Podemos identificar naturalmente o plano R2 com o plano Π

(x, y)←→ (x, y, 1)

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Cada ponto (x, y, 1) ∈ Π ⊂ R3 \ {0} determina um unico ponto em RP2,(x : y : 1). Considere

AP2 ={(x : y : 1) ∈ RP2 : (x, y, 1) ∈ R3

}• Chamaremos AP2 de plano afim e seus elementos de pontos afins.

Observe que qualquer ponto v = (x : y : z) do plano projetivo com aterceira coordena homogenea nao nula, z 6= 0 pertence ao plano afim, pois vpode ser representado por (x

z : yz : 1) e v corresponde ao ponto (x

z ,yz ) ∈ R2.

Chamaremos esta identificacao de identificacao afim.Essencialmente, o plano afim e o plano projetivo menos a reta ideal I∞,

ou seja, podemos pensar no plano afim como o hemisferio norte de S2 sem oequador. Como a reta ideal e a reta projetiva rη, onde η = (0, 0, 1) podemosdefinir o plano projetivo tambem na forma

AP2 ={(u1 : u2 : u3) ∈ RP2 : u3 6= 0

}2.4.2 Retas Afim

• Chamaremos de reta afim a intersecao de uma reta projetiva com o planoafim.

Como qualquer reta projetiva intercepta a reta ideal I∞ num unicoponto, segue que uma reta afim e uma reta projetiva menos o seu pontoideal e sera denotada por rη ⊂ AP2, η = (η1, η2, η3), com η3 6= 0.

Proposicao 2.4.1. A identificacao de R2 com o plano afim AP2 transformaa reta euclidiana l : η1x+η2y+η3 = 0 na reta afim rη, onde η = (η1 : η2 : η3).

Demonstracao. Seja l ⊂ R2 uma reta com vetor normal η = (η1, η2) e pas-sando pelo ponto p = (p1, p2), dada pela equacao

l : η1x+ η2y + η3 = 0, onde η3 = −〈p, η〉

Podemos identificar a reta l com uma reta s contida em Π, usando aidentificacao ja citada no texto. Por outro lado, sabemos que qualquer retano R3 e intersecao de dois planos. Assim, s = Π ∩ Γ. No entanto, existeminfinitos planos Γ que interceptados com Π determinam s, mas somente umcontem a origem Γη : η1x + η2y + η3z = 0, onde η = (η1, η2, η3) e o vetornormal. Portanto, s = Π ∩ Γη.

Ao projetarmos os pontos de s sobre AP2, obtemos rη, com η = (η1 : η2 :η3)

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E interessante citar que tal identificacao nos permite calcular intersecaode retas, equacao de retas por dois pontos, determinar se duas sao paralelas,etc. de forma mais pratica. Para exemplos, consulte [1].

E importante observar que, uma vez que podemos pensar no plano afimcomo o hemisferio norte de S2 sem o equador, podemos induzir sobre ele ametrica elıptica. Com esta metrica obtemos segmentos com medidas iguais,porem que nao podem ser colocados em correspondencia biunıvoca utili-zando isometrias de S2. Isto e, nao podemos estabelecer relacoes de con-gruencia entre esses segmentos. O mesmo ocorre com triangulos.

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Capıtulo 3

Teorema de Menelau

Menelau de Alexandria viveu por volta do ano 100 d.C., na Grecia. Teon,comentador de Alexandria, menciona que Menelau escreveu seis livros sobrecordas de um cırculo, alem de muitos outros trabalhos que se perderam.Tres livros de seu tratado Sphaerica se preservaram, em arabe.

O livro II trata de astronomia, mas nos livros I e III encontra-se a pri-meira definicao de triangulo esferico. O trabalho procura demonstrar avalidade de varias proposicoes de Euclides sobre triangulos planos para ocaso esferico. Alem disso, demonstra que a soma dos angulos internos deum triangulo esferico e menor que 180◦.

No livro III encontra-se o Teorema de Menelau, que enunciamos logoapos a seguinte

Definicao 3.0.1. Um ponto que se situa em uma reta pelo lado de umtriangulo, mas que nao coincide com nenhum dos vertices do triangulo,chama-se ponto de Menelau do triangulo relativamente a este lado.

Teorema 3.0.1. (Teorema de Menelau) Considere o triangulo 4ABC.Seja l uma reta que intersecciona os lados BC, CA e AB (ou seus prolon-gamentos) em tres pontos distintos P,Q,R, respectivamente. Entao:

AR

RB

BP

PC

CQ

QA= −1

Demonstracao. (1) Pelo Teorema Fundamental da Geometria Afim 1, sabe-mos que existe uma transformacao afim t que leva os pontos A,B,C sobre

1Esta demonstracao utiliza conceitos nao apresentados aqui. Optamos por incluı-lacom o objetivo de despertar a curiosidade do leitor. Recomendamos a leitura do capıtulo2 da referencia [2] ou do capıtulo sobre Geometria Afim, do trabalho “Geometria no Plural- A visao de Klein”, ja citado, para uma melhor compreensao desta demonstracao.

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os pontos A′= (0, 1), B

′= (0, 0), C

′= (1, 0), respectivamente e a reta l a

alguma reta l′. O triangulo4A′

B′C

′e retangulo em B. Seja l

′: y = mx+c.

Calculamos as coordenadas dos pontos P′, Q

′, R

′onde l

′intersecciona

os lados B′C ′ , C ′A′ , A′B′ , respectivamente.Obtemos, P

′=(−c

m , 0), R

′= (0, c) e Q

′=(

1−cm+1 ,

m+cm+1

).

Calculamos:A′R′

R′B′ = c−10−c = c−1

−c

B′P′

P ′C′ =−cm−0

1+ cm

= −cm+c

C′Q′

Q′A′ =1−cm+1

−1

0− 1−cm+1

= −(m+c)c−1

Segue queA

′R

R′B′B

′P

P ′C ′C

′Q

Q′A′ = −1

Como t−1 e uma transformacao afim, preserva proporcao ao longo deretas, portanto leva os pontos P

′, Q

′, R

′devolta aos originais P,Q,R, de tal

forma queAR

RB

BP

PC

CQ

QA= −1

como querıamos.

E possıvel tambem demonstrar este Teorema tracando pelos verticesA,B,C perpendiculares a reta l,

−−→AX,

−−→BY ,

−→CZ, respectivamente. Estas semi-

retas serao paralelas entre si, portanto pode-se aplicar o Teorema Fundamen-tal da Proporcionalidade da Geometria Euclidiana Plana. Como mostrare-mos na demonstracao a seguir:

Demonstracao. (2) Sabemos que os pontos P,Q,R sao colineares. Baixamosperpendiculares

−−→AX,

−−→BY ,

−→CZ, sobre a reta l, a partir de A,B,C, respecti-

vamente.Aplicando semelhanca de triangulos e desprezando os sinais, temos

AR

RB=AX

BY,

BP

PC=BY

CZ,

CQ

QA=CZ

AX

Resulta queAR

RB

BP

PC

CQ

QA= ±1

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Contudo, uma vez que ha apenas duas possibilidades - ou a reta l cortaapenas um dos tres lados do triangulo externamente ou corta os tres la-dos externamente - temos apenas a possibilidade de sinal negativo para oresultado da igualdade acima, como querıamos.

A volta do Teorema de Menelau, tambem vale, como mostra o Teoremaabaixo.

Teorema 3.0.2. (Teorema de Menelau - Recıproca) Sejam P,Q,Rpontos pertencentes aos lados BC,CA,AB, diferente dos vertices, de um4ABC, tais que

AR

RB

BP

PC

CQ

QA= −1

Entao P,Q,R sao colineares.

Demonstracao. A demonstracao e baseada na demonstracao (2) do Teoremade Menelau.

Por hipotese, valeAR

RB

BP

PC

CQ

QA= −1

Podemos supor a reta−−→QR e nao paralela ao lado BC. Entao ela o

intersecciona em algum ponto P′. Por definicao, P

′e ponto de Menelau do

lado BC. Logo, podemos aplicar o Teorema de Menelau aos pontos P′, Q,R,

colineares. Temos:

AR

RB

BP′

P ′C

CQ

QA= −1

Segue que BP′

P ′C= BP

PC ⇒ P′= P . Ou seja, P,Q,R sao colineares.

A partir da Forma Trigonometrica do Teorema de Menelau, que enunci-amos a seguir, o matematico estendeu suas descobertas para o caso esferico.

Encerramos nosso trabalho apresentando estes resultados.

Proposicao 3.0.2. Ligando-se o vertice A de um triangulo ABC ao pontoD (distinto de B e de C) da reta

−−→BC, temos

BD

DC=ABsenBAD

ACsenDAC

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Demonstracao. Seja h o comprimento da altura baixada do vertice A sobreo lado BC. Entao temos:

BD

DC=h

h

BD

DC=

2Area(4ABD)2Area(4ADC)

=

(∗) (AB)[(AD)senBAD]

(AC)[(AD)senDAC]=ABsenBAD

ACsenDAC

(*) No numerador, temos 2Area(4ABD) = base × altura. Considerea base AB. Seja h1 a altura pelo vertice D sobre o lado AB. Entao,senBAD = h1

AD ⇒ h1 = (AD)senBAD. O raciocınio e analogo para odenominador.

Teorema 3.0.3. (Forma Trigonometrica do Teorema de Menelau)Sejam P,Q,R pontos de Menelau relativos aos lados BC,CA,AB de umtriangulo ABC. Entao, P,Q,R pertencem a uma reta, se, e somente se,

senBAP

senPAC

senCBQ

senQBA

senACR

senRCB= −1

Demonstracao. Pela Proposicao anterior temos:

BP

PC=ABsenBAP

ACsenPAC

CQ

QA=BCsenCBQ

BAsenQBA

AR

RB=CAsenACR

CBsenRCB

Decorre que(senBAP

senPAC

)(senCBQ

senQBA

)(senACR

senRCB

)= −1

se, e somente seBP

PC

CQ

QA

AR

RB= −1

O que completa a prova.

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Teorema 3.0.4. Sejam P,Q,R pontos de Menelau relativos aos lados BC,CA,ABde um triangulo ABC e seja O um ponto do espaco, fora do plano dotriangulo ABC. Entao os pontos P,Q,R sao colineares se, e somente se,

senBOP

senPOC

senCOQ

senQOA

senAOR

senROB= −1

Demonstracao. Sabemos que pelos pontos OAB passa um plano, ΓOAB,portanto temos um triangulo plano 4OAB. Consideramos ainda a reta−−→OR ⊂ ΓOAB, e aplicamos a Proposio 3.0.2

AR

RB=OAsenAOR

OBsenBOR

Fazendo o mesmo para os triangulos4OAC e4OBC, considerando as retas−−→OQ e

−−→OP respectivamente, obtemos mais duas equacoes. Das trs equaes

resulta o que queremos provar. Verifique!

Teorema 3.0.5. Sejam P′, Q

′, R

′pontos de Menelau relativos aos lados

B′C

′, C

′A

′, A

′B

′de um triangulo esferico 4A′

B′C

′. Entao P

′, Q

′, R

′per-

tencem a uma circunferencia maxima da esfera (isto e equivalente a dizerque sao colineares na geometria esferica) se, e somente se,

senB′P

senP ′C ′senC

′Q

senQ′A′senA

′R

senR′B′ = −1

Demonstracao. Seja O o centro da esfera S2 em cuja superfıcie se encontrao triangulo 4A′

B′C

′. Se notarmos que

senB′P

senP ′C ′ =senB′OP ′

senP ′OC ′

senC′Q

senQ′A′ =senC ′OQ′

senQ′OA′

senA′R

senR′B′ =senA′OR′

senR′OB′

entao o resultado segue imediatamente do Teorema anterior. Conclua ademonstracao.

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Referencias Bibliograficas

[1] Andrade, Placido Francisco de Assis & Barros, Abdenago Alves de,Introduacao a Geometria Projetiva, XIII Escola de Geometria Dife-rencial, Instituto de Matematica e Estatıstica da Universidade de SaoPaulo, 26 a 30 de julho de 2004.

[2] Brannan, David A., Esplen, Matthew F. & Gray, Jeremy J., Geome-try, University Press, Cambridge, UK, 1999.

[3] Eves, Howard, A Survey of Geometry, Allyn and Bacon Inc., Boston,USA, 1974.

[4] Eves, Howard, Introducao a Historia da Matematica, Editora da Uni-camp, Campinas, SP, 2004.

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