GEOMORFOLOGIA DA LINHA DE COSTA DE CAMOCIM - CE · 2019-11-20 · superior – arenitos argilosos)...
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GEOMORFOLOGIA DA LINHA DE COSTA DE CAMOCIM - CE
Eduardo de Sousa Marques (a)
, Vanda de Claudino-Sales (b)
, Lidriana de Souza Pinheiro
(c)
(a) Aluno do Mestrado Acadêmico em Geografia (MAG), Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). E-mail:
Professora do Mestrado Acadêmico em Geografia (MAG), Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). E-
mail: [email protected]
(c) Professora do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (LABOMAR – UFC), e-mail:
Eixo: Zonas costeiras: processos, vulnerabilidades e gestão.
Resumo
O processo de uso e ocupação da zona costeira em Camocim é um fator em constante
crescimento, situação que intervêm diretamente no equilíbrio evolutivo da linha de costa. A
expansão urbana nestas áreas de fragilidade ambiental representa um risco para a integridade
natural das praias e falésias, significando um impacto direto para os recursos naturais,
modificando assim a paisagem. A pesquisa caracteriza geomorfologicamente a linha de costa de
Camocim, em particular a Praia das Barreiras e do Farol, construindo perfis perpendiculares da
faixa litorânea, observando as distintas feições naturais que ali ocorrem. São realizadas análises a
respeito dos processos de caracterização geomorfológica através do estudo dos principais agentes
(naturais e antrópicos) que interferem diretamente na dinâmica desse segmento costeiro.
Palavras chave: Linha de costa, morfologia, morfodinâmicas, erosão, Camocim.
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1. Introdução
A zona costeira representa um ambiente de múltiplas interações de troca de matéria e energia
entre o continente e o oceano, controladas pelas condições e oscilações atmosféricas. Por esse motivo
a linha de costa apresenta frequentes variações. Três fatores caracterizam a zona costeira em várias
escalas espaciais e temporais em função dessas interações, são elas a herança geológica, o modelado
quaternário e as atuais dinâmicas sedimentares (Tessler e Goya, 2005).
A linha de costa de Camocim é caracterizada por litoral retilíneo segmentado por duas pontas
litorâneas, constituídas por rochas da Formação Camocim, que representa um depósito conglomerático
de idade terciária . Trata-se da área de ocorrência da foz do Rio Coreaú, com presença de planície de
inundação com manguezal (Figura 1). Na Praia das Barreiras, situada na margem esquerda da foz do
rio, ocorrem falésias vivas sustentadas pela Formação Barreiras Indiviso, apresentando afloramentos
da Formação Camocim na parte basal (Figura 2). Essa feição geomorfológica se estende até a Ponta do
Trapiá, na Praia do Farol (Figura 3).
Segundo Claudino-Sales e Peulvast (2006), a região é caracterizada por depósito sedimentar
cenozoico com evolução controlada por processos eólicos e continentais (intemperização,
pedogenização, escoamentos superficiais com ravinamentos, ação fluvial). Na planície litorânea, o
transporte de sedimentos é resultante da ação dos alísios de SE e NE, com maiores velocidades média
diária ocorrendo no período diurno, com valor máximo de 6,2 m/s por volta das 14:00h (Lira et al.,
2011). A precipitação anual é da ordem de 1.032,3 mm (IPECE, 2017). As ondas da zona litorânea
cearense são do tipo “sea”, com 1,1 metro de altura em média, e um período médio de 5 a 6 segundos
(Morais et al., 2006).
A área de pesquisa abrange a Praia das Barreiras e a Praia do Farol (ver figura 1), perfazendo
13,3 km2 e com uma linha de costa de 6,186 km de extensão. Trata-se de duas praias dissipativas
próximas do perímetro urbano da cidade de Camocim. A proposta da pesquisa é caracterizar o perfil
morfológico de duas praias caracterizadas por feições geomorfológicas diferenciadas, uma
apresentando falésias vivas, a outra expondo extensa faixa de praia, e analisar a intervenção antrópica
nas duas áreas.
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Figura 1: Localização da área de estudo.
Figura 2: Praia das Barreiras em Camocim – CE (Abril de 2018)
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As falésias na Praia das Barreiras são constituídas pela Formação Barreiras Indiviso (seção
superior – arenitos argilosos) e pela Formação Camocim (seção basal – ortoconglomerado
oligomítico) (Morais et al., 2006; Ximenes Neto, 2018). Por outro lado, a Praia do Farol
mantêm uma linha de costa identificada a partir do alcance do nível de preamar, de acordo com
identificacao proposta por Crowell (1991) e Bird (2008).
Figura 3: Praia do Farol em Camocim – CE (Abril de 2018)
A pesquisa tem como principal objetivo construir inferências a respeito dos atuais processos
de caracterização geomorfológica da linha de costa, analisando e discutindo os agentes erosivos que se
diferenciam ao longo da costa por conta do material constituinte e pelas diferentes formas de uso e
ocupação.
2. Materiais e métodos
No mês de abril de 2018, foi realizado uma visita a campo em conjunto com uma equipe de
pesquisadores do instituto LABOMAR (Laboratório de Ciências do Mar) da Universidade Federal do
Ceará (UFC). O objetivo se estabeleceu em delimitar a linha de costa com o uso do RTK (Real Time
Kinematic) e construir perfis na zona praial. Foram ao todo cinco perfis, sendo três na área da Praia
das Barreiras (praia estuarina ) e outros dois na Praia do Farol (praia oceânica) (Figura 4). A linha de
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costa delimitada com o uso do RTK obedeceu a base das estruturas das falésias vivas na Praia das
Barreiras e do limite máximo em nível de preamar na Praia do Farol.
Figura 4: Mapa dos perfis da linha de costa da área de pesquisa
O RTK consiste em um instrumento que fornece a delimitação de alguns pontos ou
estruturas a partir da catalogação dos dados posicionais de um GPS em tempo real no pleno exercício
em campo. Ele consiste em dois receptores, um deles é fixo (estacionário), denominado de “estação
base” (localizado em um ponto de coordenadas conhecidas), e o outro é o “rover”, que fica junto ao
usuário coletando os dados (Figura 05).
Figura 5: Uso do rover do RTK para a coleta dos dados em campo (Abril, 2018)
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A estação base fica calculando constantemente as correções em relação as coordenadas dos
pontos onde está estacionada, mede erros e emite as correções para o rover em tempo real. O grau de
precisão é de 2 centímetros aproximadamente, proporcionando dados confiáveis e exatos.
Utilizando os dados coletados pelo RTK em campo, foi possível constatar a altura elipsoidal
das feições por meio dos receptores GNSS (Sistemas Globais de Navegação por Satélite – Sigla em
inglês), não sendo possível obter no momento a altura do nível médio do mar (ou do geoide). Foi
preciso, no entanto, saber a altura do geoide (sua ondulação), para que se possa descobrir a altura do
nível médio do mar (elevação ortométrica). Para isso, foi consultada o modelo de ondulação geiodal
(MAPGEO – 2015), produzido pelo IBGE (2015) em conjunto com a Coordenação de Geodésia
(CGED) e Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – EPUSP.
Segundo informações colhidas no portal do IBGE, esse modelo foi calculado com 5´de arco
com a atualização do sistema de ondulação geoidal em um ponto ou mais pontos, cujas coordenadas
estejam em referência ao SIRGAS 2000, entre as latitudes de 6º N e 35º S e entre as longitudes de 75º
W e 30º W, dentro do território brasileiro. Segundo os dados fornecidos pelo MAPGEO (2015), a
altura geoidal em Camocim mede -15 metros.
Para ocorrer a conversão da altura elipsoidal (h) obtida pelos receptores GNSS em altura
ortométrica (H) é necessário que se diminua o valor obtido por esta altura elipsoidal pelo valor da
altura Geoidal (N): H= h – N (Figura 6).
Figura 6: Esquematização da fórmula de conversão das medidas elipsoidais em ortométricas a partir
da elevação geoidal. Fonte: IBGE (2018)
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O resultado dos trabalhos de campo, bem como a análise de dados relativos a intervenções
antrópicas na área de pesquisa, são apresentados a seguir.
3. Resultados e discussões
Os dados da altura elipsoidal obtidas em campo foram corrigidos na etapa de gabinete
utilizando-se a medida da altura geoidal, obtendo assim a ortométrica (Tabela 1) disponível no
MAPGEO – IBGE (2015).
Tabela 1: Variação da elevação elipsoidal e ortométrica de cada perfil
Variação da elevação elipsoidal (m) Variação da elevação Ortométrica (m)
Perfil 1 -8,688 a -13,736 6,31 a 1,26
Perfil 2 -2,703 a -12,751 12,3 a 2,25
Perfil 3 -9,662 a -15,354 5,49 a -0,04
Perfil 4 -12,270 a -14, 653 2,73 a 0,3
Perfil 5 -11,376 a -15,779 3,62 a 0,05
Na tabela acima é possível perceber a presença das falésias vivas na Praia das Barreiras
(Figura 7, 8 e 9) pela acentuada diferença dos valores mínimos e máximos apresentados na elevação,
estando o perfil 2 com a maior variação altimétrica. Essa característica torna a faixa de praia menos
extensa em comparação com a Praia do Farol (Figuras 10 e 11), na qual apresenta um relevo mais
plano. Os perfis a seguir caracterizam a morfologia da linha de costa dos cinco perfis apresentados,
indicando a linha de costa pela sigla “LC”.
O perfil da Figura 7 localiza-se adjacente a desembocadura do Rio Coreaú, tornando-se o
ponto mais próximo do perímetro urbano entre os perfis apresentados na pesquisa. Por conta da
localização, este perfil recebe sedimentos provenientes do estuário do rio, podendo ser identificado na
zona de estirâncio à formação de arenitos de praia (beach rock).
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A área deste perfil é caracterizada por uma intensa intervenção antrópica, identificada pela
ação dos pescadores artesanais, carroceiros, fluxo de veículos na faixa de praia e frequente despejo de
resíduos sólidos (lixo).
Figura 7: Perfil 1 da Praia das Barreiras
O próximo perfil (Figura 8) localiza-se em uma área mais afastada do perímetro urbano,
porém há presença de casas e empreendimentos no entorno. O paredão das falésias nesse ponto
apresenta-se mais elevado, ocorrendo uma considerável formação de beach rocks na zona de
estirâncio. Apesar de distanciado, é um ponto bastante visitado e movimentado.
Figura 8: Perfil 2 da Praia das Barreiras
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No perfil da Figura 9 a formação das falésias torna-se menos expressiva, ocorrendo
paleodunas, dunas fixas e móveis. Nas zonas de estirâncio e ante-praia a formação de beach rocks é
expressiva. É possível presenciar a instalação de hotéis na área, observando ainda a livre prática do
pastoreio na qual representa um fator de intensa erosão, pois há perda da vegetação no topo das
falésias para a alimentação do gado e a consequente compactação do solo pelo pisoteio.
Figura 9: Perfil 3 da Praia das Barreiras
Nos perfis seguintes (Figura 10 e 11), a morfologia da zona costeira se diferencia pelas
características geológicas e geomorfológicas. A Praia do Farol é delimitada pelo alcance do nível de
preamar, o que resulta em variação da linha de costa em função dos movimentos ascendentes do mar.
Figura 10: Perfil 4 da Praia do Farol
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Figura 11: Perfil 5 da Praia do Farol
A área destes perfis (Figuras 10 e 11) representa a direção da expansão urbana, identificada
pelos inúmeros loteamentos, vias de acesso asfaltadas, hotéis e fixação de barracas de praia. Trata-se
de uma setor litorâneo bastante frequentado pela população local e turistas. Na faixa de praia é comum
a ocorrência de extração da areia, formando profundas crateras em decorrência da intensa remoção de
material. Além disso, é constante despejos de lixo, além da ocorrência frequente de fluxos de veículos,
tornando a zona de pós-praia bastante inclinada e desconfigurada.
Na proporção que a praia vai sendo ocupada, ocorre a plantação de árvores no intuito de
proteger as instalações dos fluxos de sedimentos (migração das areias). Carvalho (2015) identificou na
área, além dos problemas acima mencionados, a execução de procedimentos que desviam ou barram
esse fluxo, acumulando areia a barlamar dos estabelecimentos, criando obstáculos para o tráfego de
automóveis ou para a livre circulação de sedimentos. Com isso as praias vão sendo destruídas.
Segundo Farias (2008) as alterações espaciais da linha de costa se constituem em um sério
problema no mundo, repercutindo em perdas de infraestruturas públicas e privadas, tornando-se um
problema sério em países subdesenvolvidos como o Brasil, pois faltam recursos para a recuperação
dos danos.
4. Considerações finais
Existem três formas de apropriação dos recursos naturais da zona costeira: Para o ramo
empresarial se constitui como uma área lucrativa pelo forte potencial turístico, para os pescadores
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significa a principal fonte de emprego/renda e para quem visita simboliza-se como um espaço de lazer
e esportividades. Essas formas de ocupação torna essa zona um espaço de intenso dinamismo, tanto
por questões naturais, quanto econômicas e sociais. Além de caracterizar morfologicamente a linha de
costa é necessário entender os heterogêneos e dialéticos agentes que intercedem ou interferem no
equilíbrio natural. Dessa forma, é necessário um constante monitoramento destes dinamismos no
intuito de promover a conservação dos recursos naturais. Porém, sem as devidas fiscalizações ou
projetos de conscientização social, todas as formas de monitoramento se tornam irrisórias, havendo
assim a urgência de um plano efetivo e atualizado para o gerenciamento costeiro.
5. Agradecimentos
Agradeço a FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico)
pela concessão de bolsa para a realização da presente pesquisa e desenvolvimento da dissertação no
Mestrado Acadêmico em Geografia da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)., e ao
Laboratório de Oceanografia Geológica do Labomar/UFC pelo apoio nas atividades de campo.
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