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EDERSON NASCIMENTO GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR) PONTA GROSSA 2005

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EDERSON NASCIMENTO

GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE

USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR)

PONTA GROSSA

2005

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EDERSON NASCIMENTO

GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE

USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de bacharel em Geografia, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Setor de Ciências Exatas e Naturais, Departamento de Geociências.

Orientador: Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias

PONTA GROSSA

2005

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EDERSON NASCIMENTO

GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE

USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de bacharel em Geografia, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Setor de Ciências Exatas e Naturais, Departamento de Geociências.

Ponta Grossa, 1º de dezembro de 2005.

Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias – Orientador

Doutor em Geografia Humana

Universidade Estadual de Campinas

Profª. Drª. Cicilian Luiza Löwen Sahr

Pós-doutora em Geografia

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Profª. Msc. Sandra Maria Scheffer

Mestre em Ciências Sociais Aplicadas

Universidade Estadual de Ponta Grossa

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Àqueles que indicaram a direção, iluminaram o caminho,

e me possibilitaram chegar até aqui: meus pais.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias, pela maneira atenciosa, segura e rigorosa com

que orientou a realização deste trabalho e, sobretudo, pelos ensinamentos efetuados ao longo

de toda a trajetória de pesquisa, os quais contribuíram significativamente para minha

formação acadêmica.

À Flávia, companheira e incentivadora, que com sua dedicação e atenção, foi minha

cúmplice na realização da pesquisa, participando ativamente de todos os momentos da

mesma.

À Luana, irmã de sangue e de coração, pela companhia às visitas às áreas irregulares,

momento cuja contribuição foi de inestimável valia na realização da pesquisa.

À Ana Seres Leite e Marcelo José Gonçalves, profissionais da Prefeitura Municipal de

Ponta Grossa, pelas informações fornecidas, imprescindíveis para a conclusão deste estudo,

bem como pela forma atenciosa e prestativa que sempre me atenderam.

À amiga Rubiane, pelas discussões frutíferas e pelas trocas de informações, de textos e

de idéias, que muito auxiliaram na concretização deste trabalho.

E a todos aqueles que, direta ou indiretamente, sabendo ou não, construíram comigo

esta pesquisa.

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“Para entender a cidade, não basta apenas observá-la ou viver nela. É preciso verificar a sua dinâmica, a sua geografia e a sua história.”

Eliseu Savério Spósito

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RESUMO

O geoprocessamento constitui importante instrumento para realização do mapeamento da ocupação e uso da terra em áreas urbanas. Permite a coleta, o armazenamento, o tratamento e a análise dos dados de forma georreferenciada. Essa tecnologia foi empregada na elaboração do mapeamento das áreas de uso e ocupação irregular da terra existentes na cidade de Ponta Grossa (PR) no ano de 2004. A realização do trabalho resume-se nas seguintes etapas: levantamento e revisão bibliográfica; levantamento da legislação que regula o uso e a ocupação da terra urbana; elaboração de uma base cartográfica; análise de correlações entre mapas para a obtenção das áreas em condição irregular quanto à propriedade da terra, à declividade de terreno e às faixas de domínio das ferrovias, dos cursos d’água e das redes de alta tensão elétrica, e; elaboração de visitas em campo, bem como de entrevistas com profissionais do poder público e com moradores de áreas irregulares, a fim de caracterizar a sua organização espacial e entender melhor o seu processo de surgimento e evolução. Entre os principais resultados obtidos, constatou-se um grande número de usos e ocupações irregulares localizados nas faixas de drenagem dos cursos d’água; a ocorrência de vários usos irregulares tipicamente rurais, como áreas de cultivo e de chácaras, e, sobretudo, um predomínio dos usos residenciais entre as ocupações irregulares, em especial das áreas faveladas, fato que revela a dificuldade de acesso à moradia vigente em Ponta Grossa, bem como a precarização das condições de vida de parcela significativa da população urbana. Palavras-chave: Mapeamento. Espaço urbano. Uso e ocupação irregular. Ponta Grossa.

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ASBTRACT

The geoprocessing constitutes an important instrument for accomplishment of mapping of the land use and occupation in urban areas. It allows the collection, the storage, the treatment and analysis of the data in georreferenced form. That technology was used in the elaboration of mapping of the areas with irregular use and occupation of the land existents in the urban space of Ponta Grossa (PR) in 2004. In general words, the study was accomplished in the following stages: research and bibliographical revision; research of the legislation that regulates the use and the occupation of the urban land; construction of a cartographic base; analysis of correlations among maps to obtain the areas in irregular condition as for the land property, to the land steepness and the domain strip of railroads, rivers and streams and also high electric tension nets, and; elaboration of visits in the places, as well as of interviews with professionals of public administration and with residents of irregular areas, in order to characterize the space organization and to understand the appearance process and evolution of those areas better. Among the obtained results, it was verified a great number of irregular uses and occupations located in the strips of drainage of the rivers; the occurrence of several irregular uses typically rural, as cultivation areas and of small farms, and, above all, a prevalence of the residential uses among the irregular occupations, especially of the slum dwellers areas, fact that reveals the access difficulty to the home that is in force in Ponta Grossa, as well as the worsening of the conditions of life of great part of the urban population. Keywords: Mapping. Urban space. Irregular use and occupation. Ponta Grossa.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 - Tipo de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, em 1960.............................................................................................................

70

Mapa 2 - Tipo de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, em 1980.............................................................................................................

72

Mapa 3 - Tipo de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, em 2004.............................................................................................................

73

Figura 1 - Representação do universo do geoprocessamento......................................

80

Figura 2 - Organograma de representação das principais áreas de aplicação dos Sistemas de Informações Geográficas........................................................

82

Figura 3 - Fotografia aérea do loteamento irregular Ouro Verde, registrada em 2001.............................................................................................................

86

Figura 4 - Imagem de satélite IKONOS, passagem de 2004, exibindo o loteamento irregular Ouro Verde...................................................................................

86

Figura 5 - Cálculo da faixa de drenagem do arroio do Padre, no software ArcView GIS, utilizando a função buffer...................................................................

88

Mapa 4 - Localização e área total (em hectares) das bacias hidrográficas existentes na área urbana de Ponta Grossa.................................................

89

Mapa 5 - Largura das faixas de drenagem adotadas para cada bacia hidrográfica....

90

Figura 6 - Modelo digital de elevação (MDE) com as declividades das vertentes do arroio Lajeado Grande e afluentes.........................................................

92

Figura 7 - Residência com propriedade jurídica fundiária regular, localizada ao lado do arroio Pilão de Pedra......................................................................

96

Mapa 6 - Ocupação, em 1960, das áreas correspondentes às atuais faixas de drenagem.....................................................................................................

97

Mapa 7 - Ocupação, em 1980, das áreas correspondentes às atuais faixas de drenagem.....................................................................................................

98

Mapa 8 - Condição da propriedade da terra nas áreas de uso e ocupação irregular em faixas de drenagem – 2004....................................................................

101

Mapa 9 - Áreas irregulares predominantemente residenciais – 2004........................

107

Figura 8 - Vistas de uso misto (residencial e comercial), localizado às margens de um curso d’água, na vila Baronesa........................................................ 109

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Figura 9 - Imagem da favela da vila Senador Flávio Carvalho Guimarães.................

114

Figura 10 - Favela em encosta com acentuada declividade, localizada na vila Nossa Senhora das Graças.....................................................................................

114

Figura 11 - Ocupações irregulares na faixa de domínio de uma rede de alta tensão elétrica, na vila Santa Mônica.....................................................................

115

Figura 12 - Posto de saúde em área de várzea, localizado na vila Princesa dos Campos.......................................................................................................

117

Figura 13 - Detalhe da poluição do arroio Lajeadinho..................................................

118

Figura 14 - Vista do Jardim Jundiaí, loteamento irregular com vários lotes desocupados................................................................................................

118

Mapa 10 - Áreas irregulares com predominância de chácaras e usos industrial e agrícola - 2004............................................................................................

120

Figura 15 - Área de cultivo em faixa de drenagem, localizada nas proximidades da vila 31 de Março.........................................................................................

121

Figura 16 - Detalhe em imagem de satélite, de uma chácara em condição irregular de ocupação, localizada ao lado de um curso d’água na vila Pinheiro.......

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Áreas de bacias hidrográficas e faixas não edificáveis correspondentes, conforme a lei municipal n° 4.842/1992.....................................................

45

Tabela 2 - População urbana, rural e total, em número absoluto, crescimento relativo e taxa de urbanização para o município de Ponta Grossa, no período de 1940 a 2000...............................................................................

63

Tabela 3 - Participação percentual dos principais tipos de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, nos anos de 1960, 1980 e 2004..............

69

Tabela 4 - Questionamentos básicos a serem respondidos por um SIG.......................

83

Tabela 5 - Categorias de uso e ocupação irregular e área ocupada, segundo diferentes critérios de irregularidade...........................................................

94

Tabela 6 - Condição da propriedade da terra e área ocupada pelas irregularidades de uso e ocupação da terra existentes nas faixas de drenagem em 2004.....

100

Tabela 7 - Classes de uso e ocupação da terra em condições de irregularidade...........

103

Tabela 8 - Participação percentual das diversas classes de uso da terra em cada categoria de irregularidade..........................................................................

104

Tabela 9 - Evolução da população favelada em Ponta Grossa no período de 1960 a 2004.......................................................................................................... 112

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 13 2 A REPRODUÇÃO CONTRADITÓRIA DO ESPAÇO URBANO.................... 162.1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E ESPAÇO URBANO: PRIMEIRA

APROXIMAÇÃO..................................................................................................... 162.2 ESPAÇO URBANO: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS............................. 192.3 O USO DESIGUAL DA TERRA URBANA........................................................... 222.3.1 A terra urbana enquanto mercadoria......................................................................... 242.3.2 A segregação urbana e o surgimento de áreas de uso e ocupação irregular.............. 29 3 A EVOLUÇÃO DA IRREGULARIDADE DO USO E DA OCUPAÇÃO

DA TERRA URBANA............................................................................................ 353.1 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA: DEFINIÇÃO E CAUSAS

GERAIS DE SUA EXPANSÃO............................................................................... 363.2 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR E DANOS SÓCIO-AMBIENTAIS................ 403.3 PRINCIPAIS LOCALIZAÇÕES DAS IRREGULARIDADES .............................. 413.4 O MARCO JURÍDICO............................................................................................. 433.4.1 Legislação referente ao parcelamento da terra urbana.............................................. 433.4.2 Legislação de proteção da rede de drenagem............................................................ 443.4.3 Normatização da ocupação nas proximidades de linhas de transmissão elétrica...... 473.5 TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR E PRÁTICAS SOCIAIS

ASSOCIADAS.......................................................................................................... 473.5.1 Loteamentos irregulares............................................................................................ 483.5.2 Favelas....................................................................................................................... 513.5.3 Usos rurais irregulares da terra urbana...................................................................... 563.5.4 Ocupações regulares em desacordo com leis específicas.......................................... 58 4 URBANIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DAS IRREGULARIDADES DE

OCUPAÇÃO E USO DA TERRA EM PONTA GROSSA: BREVE HISTÓRICO............................................................................................................ 60

4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E PRINCIPAIS CONDICIONANTES DA URBANIZAÇÃO PONTA-GROSSENSE............................................................... 60

4.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS IRREGULARIDADES DE PONTA GROSSA..................................................................................................... 68

5 ELABORAÇÃO DO MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE USO E

OCUPAÇÃO IRREGULAR................................................................................... 775.1 GEOTECNOLOGIAS: UM INSTRUMENTAL EFICIENTE PARA

ANÁLISES DO ESPAÇO URBANO....................................................................... 775.2 O PROCESSO DE LEVANTAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS

IRREGULARES........................................................................................................ 83 6 ANÁLISE DOS TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA

TERRA URBANA EM PONTA GROSSA........................................................... 936.1 QUANTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS IRREGULARIDADES............... 936.1.1 Quanto às categorias de irregularidade...................................................................... 946.1.2 Quanto às classes de uso e ocupação da terra............................................................ 102

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6.2 LOCALIZAÇÃO, NATUREZA OCUPACIONAL E ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DAS IRREGULARIDADES................................................................ 105

6.2.1 Áreas irregulares residenciais: favelas, loteamentos irregulares e ocupações em desacordo com a legislação urbana...................................................................... 106

6.2.2 Os terrenos amplos: áreas de uso industrial, agrícola e chácaras.............................. 119 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 124 REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 127 APÊNDICE A – Formulário de observação..................................................................... 132 APÊNDICE B - Formulário utilizado nas entrevistas com moradores de áreas irregulares........................................................................................................................... 135 APÊNDICE C – Formulário utilizado na entrevista com o técnico da Divisão de Controle Ambiental, da prefeitura municipal.................................................................. 138 APÊNDICE D – Formulário utilizado na entrevista com a assistente social do Departamento de Assuntos Comunitários, da prefeitura municipal.............................

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APÊNDICE E – Mapa final de áreas de uso e ocupação irregular da terra na cidade de Ponta Grossa...................................................................................................... 142

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1 INTRODUÇÃO

O processo de produção e reprodução do espaço apresenta-se intimamente vinculado à

dinâmica de (re)produção geral da sociedade, a qual se realiza dia-a-dia a partir das ações

engendradas pelos grupos sociais, que viabilizam a própria sobrevivência e reproduzem as

diversas classes e grupos da sociedade. Nesse contexto, o acesso à terra urbana assume

importância fundamental, uma vez que esta se apresenta como condição essencial para a

realização de qualquer atividade, seja ela referente à obtenção de renda monetária, seja para a

simples função da moradia. Por essa razão, a terra passa a ser disputada pelos diversos atores

sociais para diversos fins, como residenciais, industriais, de preservação ambiental, para

especulação imobiliária, entre outros.

Em decorrência desse fato, aliado à carência de uma gestão urbana que garanta um

maior equilíbrio na apropriação social do espaço na cidade, visando minimizar a especulação

imobiliária e a seletividade no acesso à terra urbana, vários grupos sociais vêem restringido o

seu acesso à terra, tendo dificultada a satisfação de suas necessidades e de seus interesses, seja

por limitações de ordem jurídica, seja pela barreira imposta pela propriedade privada da terra,

que vigora na sociedade capitalista. Nessas condições, surgem no espaço urbano várias áreas

com formas de uso e de ocupação que confrontam as determinações estabelecidas pelo

arcabouço jurídico regulador do uso e da ocupação fundiária no espaço urbano.

Em Ponta Grossa, tal realidade tem se mostrado bastante dinâmica. Verifica-se na

cidade a ocorrência de várias áreas em situação irregular de uso e ocupação fundiária,

localizadas em áreas ambientalmente frágeis, como em terras marginais a cursos d’água e

encostas com acentuada declividade, além de outros locais que oferecem grandes riscos à

ocupação humana, como sob redes de alta tensão elétrica e ao lado de ferrovias, e ainda em

terras que apresentam plenas condições para a edificação e uso urbano, mas que a ocupação

ou o uso praticado não possui o respaldo da propriedade jurídica da terra.

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A importância assumida por tal processo na dinâmica de (re)produção do espaço

urbano ponta-grossense torna imprescindível o levantamento e a caracterização de tais áreas

em situação de irregularidade, com vistas à subsidiar uma melhor compreensão do processo

de organização dessa parcela informal da cidade e, por essa via, possibilitar a proposição de

medidas e a elaboração de estratégias de intervenção em tais áreas.

No entanto, perante a grande heterogeneidade apresentada pelas irregularidades

ocorridas na cidade, bem como à dificuldade de sua identificação em campo, fruto da

complexidade inerente a alguns parâmetros legais que restringem a ocupação e uso da terra –

como, por exemplo, a declividade topográfica e a largura da faixa marginal de proteção de

cursos d’água -, faz-se necessária a utilização de um instrumental eficiente, que permita, de

forma ágil e simples, a captura e o processamento de uma ampla gama de dados espaciais.

Esta tarefa é possibilitada através da aplicação de tecnologias de geoprocessamento, mais

precisamente de dados cartográficos digitais, de produtos de sensoriamento remoto, dados de

Sistema de Posicionamento Global (GPS) e principalmente, da utilização de Sistema de

Informações Geográficas (SIG).

Nesse sentido, a pesquisa teve como objetivo principal realizar o mapeamento e

análise da organização espacial das áreas de uso e ocupação irregular da terra, existentes na

cidade de Ponta Grossa no ano de 2004, por meio da utilização de geotecnologias. Para tanto,

em linhas gerais, efetuou-se a definição dos tipos de irregularidade de uso e ocupação da terra

existentes na cidade e construiu-se uma base de dados georreferenciados, contendo mapas,

imagens e dados estatísticos diversos sobre essa temática. Buscou-se ainda identificar as

principais características sócio-econômicas dos grupos sociais ocupantes das áreas, bem como

examinar as principais conseqüências socioambientais decorrentes dessas formas de

ocupação.

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O trabalho foi organizado na seguinte estrutura. No capítulo 2, realiza-se uma

exposição sobre a natureza contraditória do processo de produção e reprodução do espaço

urbano, enfocando a importância do acesso à terra na estruturação segregada do espaço na

cidade e no advento e consolidação de áreas irregulares de uso e ocupação fundiária urbana.

Em seguida, apresenta-se uma abordagem teórica geral do fenômeno da irregularidade

fundiária no espaço urbano, definindo os principais tipos (com base na realidade ponta-

grossense), estabelecendo suas características mais comuns quanto à distribuição espacial,

discutindo os danos socioambientais mais relevantes desencadeados por tais irregularidades e,

ainda, caracterizando-as perante a legislação competente.

No capítulo 4, realiza-se uma abordagem histórica sobre os principais fatores e agentes

sociais que conduziram o crescimento e a estruturação do espaço urbano de Ponta Grossa.

Procura-se também examinar a evolução histórica das principais irregularidades de ocupação

e uso da terra, observadas no contexto de urbanização e dinamização econômica da cidade e

de transformações na estrutura agrária no Estado. No capítulo seguinte efetua-se,

primeiramente, uma breve exposição sobre as características do instrumental geotecnológico

empregado na pesquisa e, num segundo momento, realiza-se um detalhamento das etapas

cumpridas no processo de mapeamento e de análise das áreas em situação de irregularidade.

Finalmente, no capítulo 6, apresenta-se os resultados estatísticos e analíticos da

pesquisa, enfocando as diferentes categorias de irregularidade fundiária, os tipos de uso e

ocupação irregular identificados, bem como a natureza de sua ocupação e as principais

características de sua organização espacial.

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2 A REPRODUÇÃO CONTRADITÓRIA DO ESPAÇO URBANO

Uma sociedade não pode viver senão através de um determinado espaço. A relação

entre a sociedade e a natureza se dá mediante um processo de trabalho situado dentro de um

quadro mais amplo, aquele da produção de bens para atender a existência humana.1 E desse

modo, “ao produzirem sua existência os homens produzem não só sua história, conhecimento,

processo de humanização mas também o espaço.”2

Neste capítulo será abordada a natureza contraditória do espaço social, através do qual

se dá o desenrolar da vida humana. Primeiramente serão tecidas algumas considerações gerais

sobre o espaço na visão da ciência geográfica e em seguida será realizada uma análise sobre o

processo de (re)produção do espaço urbano, objeto de nossa análise.

2.1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E ESPAÇO URBANO: PRIMEIRA APROXIMAÇÃO

O espaço é, antes de qualquer coisa, um produto social, engendrado no seio das

relações estabelecidas no interior da sociedade, relações tais que, conforme Castells, conferem

ao espaço “uma forma, uma função, uma significação social.” O espaço, portanto, “não é uma

pura ocasião de desdobramento da estrutura social, mas a expressão concreta de cada conjunto

histórico, no qual uma sociedade se especifica.”3

O processo de produção e reprodução desse espaço social interessa diretamente à

ciência geográfica. Tal espaço – o espaço geográfico - pode ser caracterizado, de acordo com

Carlos, como sendo “o produto, num dado momento, do estado da sociedade, portanto, um

produto histórico”, configurando-se como o “resultado da atividade de uma série de gerações

que através de seu trabalho acumulado têm agido sobre ele, modificando-o, transformando-o,

1 CARLOS, A. F. A. A cidade. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2001. p. 31. 2 Ibid., p. 28. 3 CASTELLS, M. A questão urbana. Tradução de Arlene Caetano. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 181.

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humanizando-o, tornando-o um produto cada vez mais distanciado do meio natural”. Por este

viés, é o espaço, no dizer da autora, “um produto social em ininterrupto processo de

reprodução.”4

O espaço geográfico, na acepção de Santos, compõe-se de sistemas de objetos

espaciais e também de sistemas de ações sociais, sistemas estes que se entrelaçam,

constituindo um conjunto solidário, inseparável e contraditório. Os diferentes sistemas se

influenciam mutuamente, condicionando, num movimento único, a organização espacial e da

vida social.5

Nessa perspectiva, como afirma Corrêa6, uma localização, um bairro, uma forma

espacial é produto das relações sociais historicamente estabelecidas e é, simultaneamente,

condição para a reprodução das relações sociais. No processo de produção – em sentido

amplo - cria-se condições que permitam a sua reprodução e também das diferentes classes

sociais. Assim, os objetos produzidos pelo trabalho social possibilitam que as atividades

realizadas por eles perpassem no tempo. Permitem, da mesma forma, a reprodução do próprio

grupo social, ligado a tal lógica produtiva.

E na atualidade, o principal local onde tais relações se dão é, sem dúvida, o espaço

urbano. Este aparece como a expressão mais aguda do processo de produção da humanidade

engendrado pela formação econômica e social capitalista. Como discutiremos mais à diante,

as cidades, em sua maioria, crescem e se organizam a partir de diferentes lutas sociais,

travadas por diferentes atores sociais concretos, com interesses distintos e, muitas vezes,

antagônicos.

4 CARLOS, op. cit., p. 32. 5 SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2002. p. 63. Na mesma página, o autor nos explica melhor esse movimento único: “Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos pré-existentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma.” 6 CORRÊA, R. L. Região e organização espacial. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 74-75.

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Devido a tal fato, o espaço urbano é produzido tendo como característica principal a

desigualdade social, pois esses conflitos geram “vencedores” e “vencidos”, os primeiros

usufruindo de uma maneira ou de outra das benesses existentes no espaço urbano – tanto na

esfera da produção de mercadorias, como no plano do consumo do espaço - e os segundos

constituindo a parcela da população a quem é privado o acesso pleno à cidade, tendo muitas

vezes surrupiados direitos absolutamente elementares, como por exemplo, o acesso à moradia,

fato que será examinado neste trabalho.

É importante destacar, como nos lembra Carlos, que refletir nos dias atuais sobre a

cidade no Brasil implica em pensá-la “enquanto materialização do processo de ‘urbanização

dependente’” ocorrido no país, no qual “as contradições emergem de modo mais gritante, e a

acumulação da riqueza [...] caminha pari passu com a miséria”. Por essa via, diferentemente

do que ocorre nos países ditos desenvolvidos, “Aqui ainda se trava uma árdua luta por

condições mínimas de vida, por direitos básicos já amplamente conquistados naqueles

países.”7

Frente a tal situação, Santos avalia que, “Deixado ao quase exclusivo jogo de mercado,

o espaço vivido consagra desigualdades e injustiças e termina por ser, em sua maior parte, um

espaço sem cidadãos.” De um modo geral, segundo o autor, consultando um mapa tanto do

país como do espaço urbano local, é fácil identificar-se amplas áreas sem serviços e

equipamentos de uso coletivo essenciais à vida social e à vida individual. “É como se as

pessoas nem lá estivessem”8, ressalta.

Nas seções seguintes serão tecidas considerações sobre o espaço urbano e o modo

como este é reproduzido pelos diversos segmentos sociais e as desigualdades desencadeadas

por tal reprodução, cenário a partir do qual as áreas de uso e ocupação irregular surgem e se

expandem na cidade.

7 CARLOS, p. 32 e 33. 8 SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. p. 43.

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2.2 ESPAÇO URBANO: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

O espaço urbano capitalista apresenta-se como um importante objeto de estudo para

vários cientistas sociais, sobretudo para o geógrafo. Em linhas gerais, o interesse em entender

a cidade, como aponta Corrêa, justifica-se pelo fato dela concentrar uma parcela cada vez

maior da população. Além disso, a cidade é também “o lugar onde os investimentos de capital

são maiores, seja em atividades localizadas na cidade, seja no próprio urbano, na produção da

cidade”. E, principalmente, é na cidade que os conflitos sociais ocorrem de maneira mais

intensa.9 Sendo componente do espaço geográfico, esta forma de organização espacial – a

cidade – é também, como todo espaço, um produto da sociedade, organizado e condicionado

pela estrutura das relações sociais estabelecidas entre os diferentes grupos e classes sociais

que a compõem.10

Considerada como uma construção humana, a cidade aparece, antes de tudo, como

trabalho social materializado, acumulado no decorrer do processo histórico e desenvolvido

por uma sucessão de gerações. “Expressão e significado da vida humana, obra e produto,

processo histórico cumulativo, a cidade contém e revela ações passadas ao mesmo tempo, já

que o futuro se constrói a partir das tramas do presente”.11

É no espaço urbano, ou a partir dele, que as forças produtivas alcançam o seu maior

grau de desenvolvimento, permitindo que o capital se reproduza de maneira mais acelerada.

Desse modo, na cidade também encontra-se concentrada uma parcela significativa da

população, a qual, via produção de bens e como mercado consumidor, permite a perpetuação

do processo de acumulação capitalista. Isto se deve, segundo Rolnik, ao fato de que a

concentração populacional ocorrida no espaço urbano “intensifica as possibilidades de troca

9 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. 4. ed. São Paulo: Ática, 2005. p. 5. 10 CAPEL, H. La definición de lo urbano. Scripta vetera. Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sv-33.htm>. Acesso em 11 jan. 2005. 11 CARLOS, A. F. A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2004. p. 7-8.

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entre os homens, potencializando sua capacidade produtiva.”12 Nessa linha de análise, Silva

nos lembra que “os processos de urbanização refletem a dinâmica da acumulação e

concentração do capital através da intensificação das atividades econômicas no espaço urbano

e reproduzem a aglomeração necessitando cada vez de mais espaço.”13

Desta forma, a cidade torna-se também o principal local onde os diversos grupos

sociais vivem e se reproduzem, expondo seus valores, perseguindo seus objetivos, enfim,

construindo contraditoriamente o espaço citadino e a vida urbana.

Os diferentes atores sociais concebem a cidade de maneira diferente, principalmente

conforme o valor de uso que esse espaço lhe apresenta. Carlos nos explica que a visão em

relação à cidade difere, sobretudo, sob a ótica dos produtores de mercadorias e dos moradores.

Do ponto de vista dos primeiros, “a cidade materializa-se enquanto condição geral da

produção (distribuição, circulação e troca) e nesse sentido é o locus da produção (onde se

produz a mais-valia) e da circulação (onde esta é realizada).” Por outro lado, para os

segundos, enquanto consumidores, “a cidade é meio de consumo coletivo (bens e serviços)

para a reprodução da vida dos homens”. Fundamentalmente para esses, “É o locus da

habitação e tudo o que o habitar implica na sociedade atual: escolas, assistência médica,

transporte, água, luz, esgoto, telefone, atividades culturais e lazer, ócio, compras, etc.”14

Por este viés, o espaço urbano se reproduz a partir de conflitos e contradições sociais,

sendo o embate principal aquele travado entre os interesses do capital e os da sociedade em

geral. Em outras palavras, a contradição-motriz da organização do espaço urbano e da vida

social é “aquela entre a reprodução do espaço (que tende a se concretizar sob os interesses e

12 ROLNIK, R. O que é cidade. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 25. 13 SILVA, J. M. Valorização fundiária e expansão urbana recente de Guarapuava – PR. 1995, 181 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1995. p. 6. 14 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 46.

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necessidades da reprodução do capital e sobre o poder do Estado) e a reprodução da vida (que

diz respeito ao conjunto da sociedade e tem como objetivo a construção do humano).”15

Notadamente a cidade aparece também, como já se disse, como local fundamental da

habitação e da vivência humana em sua dimensão plena. É onde se estabelece o plano do

vivido, o local onde as práticas sociais se organizam reproduzindo as condições de existência

da própria sociedade, onde se dá, enfim, o desenrolar da vida cotidiana.16 Além disso, é o

local onde o plano do vivido se relaciona com o plano da produção capitalista de mercadorias,

revelando a reprodução das relações de produção da sociedade17, assim como das distintas

classes sociais que reproduzem diariamente o espaço urbano.

Em síntese, o espaço urbano capitalista constitui-se no locus da produção e no palco

principal da reprodução desigual da sociedade e sua reprodução, como afirma Carlos, “recria

constantemente as condições gerais a partir das quais se realiza o processo de reprodução do

capital”, bem como, da “vida humana em todas as suas dimensões.”18

Por outro lado, o modo de apropriação do espaço urbano pelos distintos segmentos

sociais é expresso através do uso da terra. A maneira pela qual se dará esse uso dependerá,

entretanto, dos fatores que condicionam o seu processo de produção. Ainda segundo Carlos,

em linhas gerais, na sociedade capitalista essa apropriação está vinculada ao “processo de

troca que se efetua no mercado, visto que o produto capitalista só pode ser realizado a partir

do processo de apropriação, no caso específico, via propriedade privada.”19

Essas condicionantes dos diferentes – e muitas vezes antagônicos – modos de uso da

terra urbana serão examinadas mais de perto a partir da próxima seção.

15 Id. O espaço urbano... op. cit., p. 48. 16 Ibid., p. 48-117 passim. 17 Ibid., p. 139. 18 Ibid., p. 57. 19 Id. A cidade. op. cit., p. 27.

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2.3 O USO DESIGUAL DA TERRA URBANA

No espaço urbano muitas pessoas se relacionam e exercem diferentes atividades,

buscando atender às suas diversas necessidades. Uma dessas necessidades é o acesso à terra

urbana, o qual é condição sine qua non para a realização de toda e qualquer atividade. Afinal

de contas, seja para o lazer, seja para a moradia, seja igualmente para a produção de

mercadorias, é impossível fazê-lo sem se apropriar de um “pedaço de chão” na cidade, ou

seja, uma determinada fração da terra urbana. Com isso, de acordo com Scheffer20, a terra

passa a ser disputada pelos diferentes atores sociais para fins diversos, como residenciais,

industriais, de preservação ambiental, ou mesmo para ser retida com fins especulativos.

Nesse sentido, pode-se facilmente perceber que o uso da terra urbana é

inevitavelmente conflituoso, pois estão em jogo interesses distintos, muitos deles antagônicos,

engendrados por atores sociais igualmente distintos. Notadamente, os principais conflitos se

dão, como já se destacou, no âmbito da contradição existente entre os interesses do capital e

da sociedade de um modo geral, pois enquanto aquele busca se reproduzir por meio do

processo de valorização, a sociedade busca melhores condições de reprodução da vida de uma

maneira ampla.

Assim, concordamos com Carlos no sentido de que “a cidade é, antes de mais nada,

uma concentração de pessoas exercendo, em função da divisão social do trabalho, uma série

de atividades concorrentes ou complementares, desencadeando uma disputa de usos.”21 As

diversas atividades realizadas se materializarão na cidade em função de determinados fatores,

notadamente referentes à sua viabilização econômica.

As atividades produtivas, por exemplo, buscarão, via de regra, locais em que seja

possível a redução dos custos de produção. Já para as atividades comerciais, o acesso ao 20 SCHEFFER, S. M. Espaço urbano e política habitacional: uma análise sobre o programa de lotes urbanizados da PROLAR - Ponta Grossa. 2003, 122 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2003. p. 11. 21 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 40.

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mercado será o principal aspecto a ser considerado. Para as atividades que dependem de

circulação de mercadorias, é fundamental o acesso às vias rápidas de transporte, que permitem

reduzir o tempo de percurso, reduzindo igualmente a tendência de desvalorização do capital.

Os setores prestadores de serviços também buscarão localizações que otimizem

economicamente a atividade ao máximo, de maneira que certos tipos tenderão a se localizar

nas proximidades dos centros de negócios, outros em áreas radiais, outros ainda em certas

zonas específicas. O uso residencial, por sua vez, depende da inserção social de seus

ocupantes, sendo sobretudo reflexo do “papel que cada indivíduo ocupará (direta ou

indiretamente) no processo de produção geral da sociedade e, conseqüentemente, o seu lugar

na distribuição da riqueza gerada.”22

No que tange à organização dos usos da terra urbana, Villaça argumenta que a

localização dos objetos espaciais ocupa papel de destaque na estruturação interna da cidade.

Tanto é verdade que, na opinião do autor, “Os produtos específicos da produção do espaço

intra-urbano não são os objetos em si [...] mas suas localizações. [...] A produção dos objetos

urbanos só pode ser entendida e explicada se forem consideradas suas localizações.” Nesse

contexto, a localização ocorre associada ao espaço urbano em sua totalidade, pois diz respeito,

nas palavras do autor, “às relações entre um determinado ponto do território urbano e todos os

demais.”23 Desse modo, sob sua ótica, “a força mais poderosa [...] agindo sobre a estruturação

do espaço intra-urbano tem origem na luta de classes pela apropriação diferenciada das

vantagens e desvantagens do espaço construído e na segregação espacial dela resultante.”24

Para Carlos, os modos de ocupação do espaço pela sociedade serão indicados pelas

necessidades de reprodução do capital em geral, apoiados nos mecanismos de apropriação

privada, onde o uso da terra é fruto da condição geral do processo de reprodução social,

22 Ibid., p. 46. 23 VILLAÇA, F. O espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln Institute, 1998. p. 24. 24 Ibid., p. 45.

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processo este que imprime uma certa configuração ao espaço urbano. Tal conformação resulta

de dois modos distintos de uso da terra: aquele “vinculado ao processo de produção e

reprodução do capital” e, por outro lado, aquele “vinculado à reprodução da sociedade, tanto

da força de trabalho (enquanto exército industrial de reserva), quanto da população em geral

(consumidores).”25

É imprescindível lembrar, no entanto, que frente ao respaldo jurídico dado pela

propriedade privada vigente na sociedade capitalista, para se ter acesso a certa parcela da terra

urbana é necessário remeter uma determinada renda ao seu proprietário, referente ao seu

valor. Apesar da terra – enquanto matéria – não ser produzida pelo trabalho humano,

enquanto condição indispensável para a produção e para a sobrevivência, a terra, sobretudo a

urbana, passa a ser valorizada, assumindo uma condição de mercadoria.

Na seqüência, examinaremos o caráter mercantil assumido pela terra na cidade - fator

decisivo na localização das atividades e dos indivíduos no urbano – e suas causas

fundamentais. Em seguida, será enfocada a segregação sócio-espacial que nasce em tal

contexto, a qual se constitui em fator fundamental para o surgimento e ratificação da

irregularidade de uso e ocupação da terra na cidade.

2.3.1 A terra urbana enquanto mercadoria

Singer ressalta que “Sendo a cidade uma imensa concentração de gente exercendo as

mais diferentes atividades, é lógico que o solo urbano seja disputado por inúmeros usos.” E

esta disputa é pautada “pelas regras do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade

25 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 49.

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privada do solo, a qual – por isso e só por isso – proporciona renda e, em conseqüência, é

assemelhada ao capital.”26

Conforme já adiantado, só se pode ter acesso a um pedaço de terra – legalmente

dizendo – pagando-se pelo mesmo, geralmente através de compra ou de aluguel. Isso se deve

ao fato de que na sociedade capitalista atual, “o uso é produto das formas de apropriação (que

tem na propriedade privada sua instância jurídica).”27

A importância assumida pela terra urbana enquanto condição essencial para a

realização de qualquer atividade28, aliada ainda às suas propriedades intrínsecas (sobretudo

amenidades físicas), confere a ela o caráter de mercadoria, assumindo assim um determinado

preço a ser pago pelos indivíduos desprovidos do direito de propriedade.

Enquanto simples matéria, elemento da natureza, a terra não possui valor, pois não

pode ser criada, não pode ser reproduzida pelo trabalho humano. Afinal, como nos coloca

Rodrigues, “Quando alguém trabalha na terra, não é para produzir a terra, mas sim o fruto da

terra, ou então as edificações sobre a terra.”29 Todavia, enquanto componente do espaço

urbano, a terra transcende a condição de mera superfície, sítio das edificações, e assume,

conforme Villaça, a condição de localização, como já se destacou anteriormente. É dessa

maneira que esse bem natural – a terra – se articula aos demais fragmentos da cidade e,

conseqüentemente, à lógica geral de produção do espaço urbano. Nesse sentido, portanto,

mesmo não sendo fruto do trabalho social, a terra se valoriza, porque o espaço do qual ela faz

parte é produzido socialmente. Nas palavras de Carlos, “a terra-matéria não pode ser

26 SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, E. (Org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. 2. ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982. p. 21. 27 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 47. 28 Lembramos que, entre outras coisas, a terra urbana “pode ser suporte de processos de valorização de capitais, quando se trata de terrenos utilizados por indústrias, empresas comerciais e financeiras; ela pode ser suporte de atividades econômicas não-capitalistas quando se trata de locais usados pelo pequeno comércio, pelo artesanato e pelo camponês instalado nas fronteiras agrícolas da cidade; a terra pode também ser usada apenas como suporte de consumo, quando se trata de terrenos utilizados para moradias; finalmente, a terra pode servir como meio de reserva de valor, através da compra e retenção por um agente econômico”, conforme RIBEIRO, L. C. de Q. Espaço urbano, mercado de terras e produção da habitação. In: SILVA, L. A. M. da. (Org.). Solo urbano: tópicos sobre o uso da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 42 29 RODRIGUES, A. M. Moradias nas cidades brasileiras. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988. p. 16.

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reproduzida, mas o espaço o é constantemente, mudando de significado à medida que o

processo histórico avança.”30

Nessa condução argumentativa, é conveniente lembrar as considerações feitas por

Santos sobre os objetos espaciais, as quais enunciam que

São as propriedades de uma coisa que dizem como ela se relacionará com outras coisas. [...] Esta é a base em que os sistemas de objetos se constroem e obtêm um significado. [...] Essas condições relacionais incluem o espaço e se dão por intermédio do espaço. Nesse sentido é o espaço considerado em seu conjunto que redefine os objetos que o formam. Por isso, o objeto geográfico está sempre mudando de significação.31

Dessa forma, sendo a terra considerada como um objeto, elemento do espaço, ela tem

o seu valor regulado pela totalidade do espaço, pois é esta totalidade que define a sua maior

ou menor significação para os diferentes estratos sociais. Sob tal perspectiva, concordamos

com Villaça no sentido de que

há dois valores a considerar no espaço urbano. O primeiro é o dos produtos em si – os edifícios, as ruas, as praças, as infra-estruturas. O outro é o valor produzido pela aglomeração, dado pela localização dos edifícios, ruas e praças, pois é essa localização que os insere na aglomeração. A localização se apresenta, assim, como um valor de uso da terra – dos lotes, das ruas, das praças, das praias – o qual, no mercado, se traduz em preço da terra. Tal como qualquer valor, o da localização também é dado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, para produzir a cidade inteira da qual a localização é parte.32

A localização aparece como principal valor de um determinado fragmento do espaço

urbano em virtude da acessibilidade que a mesma pode ou não proporcionar, seja para a

realização da produção enquanto força de trabalho, seja para o próprio consumo do espaço.

Desse modo, ainda conforme Villaça, os diferentes pontos da cidade

30 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 53. 31 SANTOS, M. A natureza... op. cit., p. 97. 32 VILLAÇA, op. cit., p. 334, destaque do autor.

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condicionam a participação do seu ocupante tanto na força produtiva social representada pela cidade como na absorção, através do consumo, das vantagens da aglomeração. É esse o valor de uso do ponto – sua capacidade de fazer com que se relacionem entre si os diversos elementos da cidade.33

Segundo essa abordagem, o preço assumido por determinada parcela da terra urbana

no mercado de terras, vai depender das características físicas do terreno, mas principalmente

da sua inserção no espaço urbano como um todo. Assim, de acordo com Carlos34, influirão no

preço da terra principalmente a acessibilidade aos locais providos de serviços e equipamentos

urbanos (escolas, centros de saúde, shoppings etc); a infra-estrutura disponível (água, luz,

pavimentação, transporte) e, com menor importância, os fatores referentes à topografia, que

influirão nas possibilidades e custos da construção. E além dos citados, contribui um último

fator decisivo, que é o processo de valorização espacial.

Rodrigues, aproximando-se de Singer, afirma que um outro fator importante na

definição do preço da terra urbana é o seu monopólio, conferido pela propriedade privada da

terra, vigente na sociedade capitalista, a quem a possui. Isso se deve ao fato de que a terra, na

condição de bem indispensável à produção de qualquer atividade, valoriza-se sem grandes

investimentos, propiciando, por meio de sua concentração, a geração de uma renda adicional

ao seu proprietário. Assim declara a autora:

a terra é, também, uma espécie de capital, que está sempre se valorizando. [...] A valorização do capital dinheiro aplicado em terra está relacionada à ‘valorização’ do capital em geral. A terra é um equivalente de capital, porque se ‘valoriza’ sem trabalho, sem uso. Para produzir renda o ter e o usar não estão juntos. Pauta-se nas regras de valorização do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade privada. Mas é uma falsa mercadoria e um falso capital. É um valor que se valoriza pela monopolização do acesso a um bem necessário à sobrevivência e tornado escasso e caro pela propriedade.35

33 Ibid., p. 78. 34 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit. p. 48. 35 RODRIGUES, op. cit. p. 17.

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Vale ressaltar que esta concentração da propriedade fundiária é significativamente

danosa do ponto de vista social nos países ditos subdesenvolvidos, como o Brasil. Sobre este

fato, Spósito36 esclarece que tal concentração também ocorre nos chamados países de

primeiro mundo. Diferentemente da nossa realidade, no entanto, naqueles países o poder de

compra da população é satisfatório, o que lhe permite, sem maiores problemas, pagar aluguéis

e mesmo mudar-se de cidade, quando necessário.

Em síntese, pode-se afirmar, novamente em convergência com Villaça37, que o preço

da terra apresenta dois componentes principais: um decorrente do seu preço de produção

social e um outro derivado do monopólio de sua propriedade. A evolução dos preços da terra

mantém, no entanto, uma inter-relação com as condições de reprodução do espaço na cidade,

as quais são decorrentes, segundo Carlos,

da produção das condições gerais da reprodução do sistema e dos custos gerados pela aglomeração, pelo grau de crescimento demográfico, pela utilização do solo, pelas políticas de zoneamento ou de reserva territorial e pelas modificações do poder aquisitivo dos habitantes.38

Todavia, é muito importante destacar que essa reprodução geral do espaço urbano

possui um vínculo estreito com as práticas sociais das classes de alta renda. Na acepção de

Villaça, essas classes se constituem como o principal vetor que estrutura o espaço na cidade,

pois ao se instalarem num determinado setor dentro da mesma, atraem para próximo de si a

melhor infra-estrutura, uma ampla gama de serviços, bem como investimentos diversos, de

caráter privado e público.39 Isso acaba valorizando significativamente essas terras e, por

decorrência, influindo, de uma maneira ou de outra, no preço de todos os demais terrenos do

espaço urbano.

36 SPÓSITO, E. S. A vida nas cidades. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 25. 37 VILLAÇA, op. cit., p. 79. 38 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 48. 39 VILLAÇA, op. cit., p. 318-320 passim.

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É evidente que o preço que precisa ser pago para obtenção do direito à propriedade da

terra restringe o acesso a determinadas áreas e influi decisivamente em seu modo de ocupação

e uso. Tal processo, próprio do modo de produção capitalista, desencadeia e aprofunda na

cidade o surgimento de áreas fortemente segregadas socialmente, isto é, separa os indivíduos

economicamente, “reproduzindo no espaço, via tendência a ‘arranjos espaciais específicos’

(bairros de diferentes estratos ou classes sociais, ‘condomínios exclusivos’, favelas etc.) a

diferenciação social.”40 Esse processo de divisão social do espaço será objeto de uma análise

mais pormenorizada na seção a seguir.

2.3.2 A segregação urbana e o surgimento de áreas de uso e ocupação irregular

É impossível se falar em favelas ou em áreas de uso irregular da terra, sem abordar

antes o caráter díspar e segregado do espaço e da sociedade urbana e sua natureza, caráter esse

verificável, senão em todas, pelo menos numa extensa lista de cidades brasileiras, entre as

quais a cidade de Ponta Grossa - como se procurou demonstrar neste trabalho - está incluída.

Já se destacou que em seu processo de perpetuação, as sociedades, ao produzirem a

sua existência, produzem também o espaço. Em tal processo são construídos diferentes meios

de trabalho, como indústrias, lojas, vias de acesso, entre outros, os quais possibilitam a

realização tanto das atividades produtivas e não-produtivas, assim como a reprodução das

próprias atividades e das classes sociais. Na fixação das atividades produtivas e não-

produtivas e em sua continuidade, o espaço paulatinamente se diferencia, em decorrência da

natureza específica de cada atividade, aliada às qualidades locacionais daquele espaço.41

O’Neill nos explica que a fixação diferenciada das atividades no espaço é própria do

modo de produção capitalista, o qual “separa e isola as atividades e os indivíduos em funções

40 O’ NEILL, M. M. V. C. Segregação residencial: um estudo de caso. 1983, 182 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1983. p. 34. 41 Ibid. p. 26-27.

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específicas e os projeta no espaço dentro de uma certa racionalidade.” Sendo assim, “as

relações sociais, como os meios de trabalho, projetam-se e fixam-se no espaço fragmentando-

o e segregando-o.”42 Na verdade essa disparidade revela a maneira contraditória pela qual se

reproduz o espaço urbano, proveniente das diferenças socioeconômicas existentes entre os

distintos grupos sociais. “O uso diferenciado da cidade demonstra que esse espaço se constrói

e se reproduz de forma desigual e contraditória. A desigualdade espacial é produto da

desigualdade social.”43

Como afirma Santos44, por mais simples que seja a análise das características

referentes à distribuição da população no espaço urbano, conforme seus vários estratos, e à

distribuição dos serviços públicos, dos tipos de comércio, das amenidades e dos preços, há

uma relação bastante próxima entre a localização dos indivíduos e o seu nível social e de

renda. À primeira vista, essa posição ocupada pelo indivíduo dentro da escala social terá

efeito direto sobre o local que o mesmo ocupará no espaço urbano, à medida que o acesso à

terra urbana se dará conforme o maior ou menor poder aquisitivo e político do indivíduo, isto

é, conforme a sua possibilidade de transpor as barreiras impostas pela propriedade privada,

pagando pela terra para daí realizar a fixação das atividades. Na sociedade capitalista de

classes, todavia, é claro que há discrepâncias com relação a tal possibilidade de acesso à terra,

decorrentes sobretudo da distribuição desigual de renda no processo de produção geral da

sociedade. Com isso, surge e se intensifica na cidade o processo de segregação sócio-

espacial, com as classes sociais tendendo a se distribuir no espaço urbano em determinados

arranjos espaciais que consistem numa correspondência entre o nível social de renda e o preço

da terra ocupada.

Castells caracteriza a segregação urbana como sendo, em linhas gerais, “a tendência à

organização do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa 42 Ibid., p. 27. 43 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 23. 44 SANTOS, M. O espaço do cidadão. op. cit., p. 83.

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disparidade social entre elas, sendo esta disparidade compreendida não só em termos de

diferença, como também de hierarquia.”45

Para Villaça, a segregação é um processo engendrado no interior dos conflitos entre as

classes sociais da cidade, tendo como principal força motriz a “luta pela apropriação

diferenciada do produto ‘ponto’ ou localização, enquanto valor de uso do espaço produzido

ou construído.”46 Notadamente levam vantagem nessa luta os grupos de maior poder

econômico e político dentro do espaço urbano, os quais correspondem – salvo eventuais

exceções – às classes de alta renda. São esses segmentos sociais que, via de regra, desfrutam

das localizações mais privilegiadas, dotadas de melhor infra-estrutura e bens de consumo

coletivo, pois essas classes tanto podem pagar por tais bens, escolhendo as áreas da cidade

que mais lhe agradem, como também, e principalmente, atrair a instalação dessas melhorias

para os locais do espaço urbano nos quais elas se encontram, através da influência que tais

classes exercem sobre o mercado imobiliário e sobre o Estado.47

Inversamente, as demais classes que não podem de alguma forma pagar pelos meios

de consumo coletivo, ficam com as “sobras” do espaço urbano, ou seja, aquelas áreas

deixadas de lado pela população de alto poder aquisitivo. Quase sempre essas áreas

correspondem às localizações menos vantajosas no contexto geral da cidade, não por acaso,

com infra-estrutura precária ou inexistente e, na maioria das vezes, carentes de serviços

básicos como equipamentos de saúde e educação. O’Neill nos lembra, contudo, que tais áreas

segregadas apresentam-se em diferentes graus de segregação, diferenciando-se

conseqüentemente entre si.48 Assim, para alguns segmentos sociais, as opções de apropriação

de uma parcela do espaço se restringem a determinadas áreas periféricas, longe dos meios de 45 CASTELLS, op. cit., p. 250. 46 VILLAÇA, op. cit., p. 357. 47 Ibid., p. 320. Cabe acrescentar que, conforme CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 26-27, o Estado contribui para o desencadeamento da segregação das classes sociais e sua ratificação, na forma de determinados mecanismos que afetam os valores das diversas localizações, como a taxação diferenciada de imposto predial e territorial, que influem nos preços da terra e dos imóveis, além ainda da distribuição desigual dos investimentos públicos e suas conseqüências. 48 O’NEILL, op. cit., p. 39-40.

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consumo e dos locais de emprego da classe trabalhadora, como os precários conjuntos

habitacionais criados pelo Estado para atender a demanda habitacional não-solvável. Àqueles

grupos sociais que sequer têm esta possibilidade, resta uma única alternativa de moradia: a

“invasão” de áreas desocupadas, como é o caso, por exemplo, das favelas.49

Em resumo, o que se quer dizer é que o espaço urbano capitalista se estrutura a partir

de relações sociais contraditórias, as quais estratificam a cidade conforme suas classes sociais,

por meio da apropriação desse espaço produzido socialmente – e tornado privado pelo

mecanismo jurídico da propriedade privada. Em tal processo, aos segmentos da população

com menor renda são negados quaisquer meios legais de acesso à terra urbana e à cidade. Na

passagem a seguir, Singer resume, em outras palavras, esse processo contraditório:

Em última análise, a cidade capitalista não tem lugar para os pobres. A propriedade privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda monetária seja requisito indispensável à ocupação do espaço urbano. Mas o funcionamento normal da economia capitalista não assegura um mínimo de renda a todos. Antes, pelo contrário, este funcionamento tende a manter uma parte da força de trabalho em reserva, o que significa que uma parte correspondente da população não tem meios para pagar pelo direito de ocupar um pedaço do solo urbano. Esta parte da população acaba morando em lugares em que, por alguma razão, os direitos da propriedade privada não vigoram: áreas de propriedade pública, terrenos em inventário, glebas mantidas vazias com fins especulativos, etc., formando as famosas invasões, favelas, mocambos, etc... Quando os direitos da propriedade privada se fazem valer de novo, os moradores das áreas em questão são despejados, dramatizando a contradição entre a marginalidade econômica e a organização capitalista do uso do solo.50

Esta verdadeira “depressão social” que é a segregação sócio-espacial, se mantém e se

reforça ao longo da história em virtude da sua funcionalidade ao modo de produção

capitalista, afinal tal estruturação sócio-espacial viabiliza e reproduz a dominação social

exercida por parte das elites dirigentes no sistema. Na visão de Villaça, é por meio da

segregação que essas classes comandam “a apropriação diferenciada dos frutos, das vantagens

49 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 48-49. 50 SINGER, op. cit., p. 33-34.

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e dos recursos do espaço urbano.”51 Rodríguez e Arriagada52 assinalam que a segregação se

apresenta como um importante mecanismo na reprodução das desigualdades

socioeconômicas, à medida que restringe a esfera de interação dos diversos grupos sócio-

econômicos e assim danifica a vida comunitária, minando a capacidade de ação coletiva dos

mesmos. Corrêa complementa esclarecendo que, antes de qualquer coisa, a segregação

representa antes o contrário disso, isto é, viabiliza a reprodução da sociedade de classes e de

suas frações, surgindo assim, como um instrumento fundamental para a manutenção do status

quo:

A segregação assim redimensionada aparece com um duplo papel, o de ser um meio de manutenção dos privilégios por parte da classe dominante e o de um meio de controle social por esta mesma classe sobre os outros grupos sociais, especialmente a classe operária e o exército industrial de reserva. Este controle está diretamente vinculado à necessidade de se manter grupos sociais desempenhando papéis que lhe são destinados dentro da divisão social do trabalho, papéis que implicam em relações antagônicas de classe, papéis impostos pela classe dominante, não apenas no presente mas também no futuro, pois se torna necessário que se reproduzam as relações sociais de produção.53

É no contexto dessa segregação social empreendida no espaço urbano, “imposta”,

como diz O’Neill54, às classes de menor renda, que surge e cresce a maioria das áreas de uso e

ocupação irregular, áreas tais que, em geral, se apresentam como a alternativa mais simples -

senão a única - das classes de menor renda, perante a aguda seletividade ao acesso à terra,

vigente na cidade capitalista. Vale dizer, no entanto, que também há inúmeras irregularidades

no espaço produzido pelos outros estratos sociais, inclusive nas áreas “nobres” da cidade, tal

como constatado por Ferreira et al55, em investigação realizada sobre a cidade de Goiânia.

51 VILLAÇA, op. cit., p. 328. 52 RODRÍGUEZ, J.; ARRIAGADA, C. Segregación residencial en la ciudad latinoamericana. Eure, Santiago, v. 29, n. 89, p. 5-24, maio 2004. p. 6 e 19. 53 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 64. 54 O’NEILL, op. cit., p. 35. 55 FERREIRA, D. F. et al. Impactos sócio-ambientais provocados pelas ocupações irregulares em áreas de interesse ambiental – Goiânia/GO. Disponível em <www.ucg.br/nupenge/pdf/0004.pdf> Acesso em 18 fev. 2005. p. 6. Esses autores lembram ainda que o próprio Estado, contraditoriamente “patrocina verdadeiros absurdos ao desrespeitar a legislação de forma flagrante, construindo de forma irregular ou mesmo cedendo áreas de interesse da comunidade para organizações diversas.”

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Mas, comumente, são as classes menos favorecidas que mais têm sofrido física e

emocionalmente com os efeitos desse fenômeno.

No capítulo seguinte, examinar-se-á mais detalhadamente as características dessas

áreas irregulares – enfocando aquelas encontradas no espaço urbano ponta-grossense -, bem

como os processos e atores sociais envolvidos em sua constituição.

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3 A EVOLUÇÃO DA IRREGULARIDADE DO USO E DA OCUPAÇÃO DA TERRA

URBANA

O processo de urbanização no Brasil tem apresentado, como uma de suas

características principais, a proliferação de processos informais de expansão urbana e de

ocupação da terra. Milhões de brasileiros só têm conseguido ter acesso à terra urbana, bem

como à moradia, por meio de mecanismos e processos irregulares diversos, o que acaba

ocasionando, muitas vezes, graves conseqüências socioeconômicas e ambientais.

A produção do espaço urbano se dá dentro das normas ditadas pelo jogo capitalista

que, segundo Fernandes, inclui mecanismos segregativos como mercados de terras centrados

na especulação imobiliária, além de “sistemas políticos clientelistas e regimes jurídicos

elitistas”56, mecanismos esses que têm cerceado o acesso formal à terra urbana,

principalmente para os mais pobres, e acelerando assim a ocupação e o uso irregular da terra

na cidade.

Tendo em vista tais considerações, o fenômeno do uso e da ocupação irregular da terra

na cidade reflete, de modos distintos e muitas vezes simultâneos, as necessidades e os

interesses de diferentes atores sociais produtores do espaço urbano. Algumas irregularidades

podem meramente representar a busca pela otimização do uso de uma área regularizada, como

em certas terras de uso agrícola situadas na cidade, onde se estende o cultivo para dentro das

faixas de proteção dos cursos d’água, estabelecidas por lei. Outras áreas irregulares expressam

também um outro tipo de obtenção de renda da terra por parte de determinados proprietários

fundiários, os quais loteiam e vendem a preços mais acessíveis, áreas sem a sua devida

regularização jurídica, terras essas, inclusive, que podem ser não edificáveis perante a

legislação vigente. Podem representar também a organização segregativa do espaço urbano

empreendida pelo Estado, em aliança com as classes dominantes, a qual se fundamenta 56 FERNANDES, E. Introdução. In: INSTITUTO PÓLIS. Regularização da terra e da moradia: o que é e como implementar. [São Paulo], 2002. p. 12.

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essencialmente em mecanismos jurídicos e padrões urbanísticos que refletem os interesses

dessas classes. Mas também, além de simbolizar o injusto mecanismo de reprodução da

cidade e da vida urbana, baseado na segregação sócio-espacial e na apropriação diferenciada

dos meios de consumo urbanos, representa, ao mesmo tempo, a luta das classes sociais de

renda mais reduzida contra tal mecanismo, a luta para também se apropriar de uma parcela do

espaço urbano, a luta por um lugar na cidade.

Na seqüência do capítulo será melhor esclarecido o que são áreas de uso e ocupação

irregular, bem como a sua natureza e suas características gerais.

3.1 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA: DEFINIÇÃO E CAUSAS GERAIS DE

SUA EXPANSÃO

Já se destacou que, para o desempenho das mais diversas atividades dentro do espaço

urbano (e também fora dele, vale acrescentar), é necessário se apropriar de uma fração da

terra. E no bojo dessa apropriação para realização das atividades, seja de produção ou de

consumo, é que se caracteriza a sua ocupação e o seu tipo de uso. É evidente, no entanto, que

não são todas as áreas que podem ser ocupadas e/ou utilizadas de qualquer maneira. Há desde

locais que são restritos a determinados usos específicos, a outros que, perante a legislação,

sequer podem ser ocupados.

Todavia, perante o processo contraditório e excludente pelo qual a cidade é estruturada

no bojo do modo de produção capitalista, apoiando-se na propriedade privada, muitas pessoas

não têm possibilidades de adquirir um pedaço de terra legalmente no mercado imobiliário. Por

outro lado, há também vários locais onde, por razões diversas, são praticados usos que

confrontam a normatização do uso e da ocupação urbana, mesmo estando a terra devidamente

amparada, em certos casos, pela propriedade jurídica.

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Com base nesse entendimento, pode-se considerar como áreas irregulares com relação

ao seu uso e/ou ocupação aquelas localidades que comportam determinadas atividades e

ocupações que infringem o uso determinado pela legislação urbana, além daquelas áreas

onde a ocupação não é respaldada por título de propriedade ou por qualquer outra forma

legal de cessão da terra urbana.

As causas da expansão dessas áreas irregulares se referem, de uma maneira geral, à

incapacidade estrutural, por parte de determinadas classes sociais, de pagar pela posse da

terra, assim como à incompatibilidade dos interesses dos diversos segmentos sociais, refletido

pelo conjunto jurídico e normativo urbano – elaborado também por, e para determinados

segmentos da sociedade, vale dizer, quase sempre as elites.

Oliveira e Chaves argumentam que uma parcela significativa das áreas de uso e

ocupação irregular da terra urbana, no Brasil, é desencadeada pelo crescente processo de

empobrecimento de parte da população, cujas causas principais são: o “padrão de acumulação

historicamente centrado no arrocho salarial; [o] desemprego e [a] precariedade das relações de

trabalho; [a] estrutura tributária regressiva; [o] redirecionamento do gasto público e [também]

os desníveis educacionais.” Com isso, ocorre uma queda generalizada na capacidade do poder

aquisitivo das famílias de comprar ou mesmo alugar imóveis.57

Analisando as irregularidades no plano residencial, Grostein58 argumenta que o seu

aumento se expressa tanto pela redução da oferta de loteamentos legalizados como também

pelo seu contraponto: a elevação da oferta de loteamentos ilegais. A produção de moradias

populares, no entanto, que poderia atenuar significativamente a evolução dessas

irregularidades, não encontra respaldo na economia capitalista. Como esclarece Corrêa59, isso

57 OLIVEIRA, N. B. de; CHAVES, T. S. Assentamentos de submoradias, segregação sócio-espacial e condições sócio-ambientais em Juiz de Fora, Minas Gerais – estudo de caso no Alto Santo Antônio. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEÓGRAFOS, 7, 2004, Goiânia. Anais... Goiânia, IESA/UFG/AGB, 2004. Disponível em: <http://www.igeo.uerj.br/VICBG-2004/Eixo1/e1%20398.htm>. Acesso em 12 jul. 2005. 58 GROSTEIN, M. D. Metrópole e expansão urbana: a persistência de processos “insustentáveis”. São Paulo em perspectiva, v. 15, n. 1, p. 13-19, jan./mar. 2001. p. 14. 59 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 21.

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ocorre porque não há interesse por parte do capital em produzir habitações para as classes

populares, em virtude, sobretudo, dos baixos níveis salariais das classes populares, o que,

segundo Castells, atrasaria sobremaneira a obtenção de lucros devido ao fato de ser bastante

longa a taxa de rotação do capital em tal produção.60 Por vezes, ocorre que o capital

imobiliário volta-se preferencialmente para produção à demanda solvável e, num segundo

momento, solicita a ajuda do poder público “no sentido de tornar solvável a produção de

residências para satisfazer a demanda não-solvável.”61

Frente a essas condições, a busca de outras alternativas à necessidade de moradia pela

classe trabalhadora, como afirma Gohn, configura-se como um fator necessário e

praticamente inevitável.

A análise histórica nos revela que a questão habitacional das camadas populares não tem sido resolvida no Brasil pelo simples jogo do mercado ou pelas políticas públicas. Trata-se de uma questão estrutural. O modelo de acumulação vigente não oferece alternativa ao trabalhador de arcar com os custos de aquisição ou locação de sua moradia. O próprio trabalhador sabe disso, e procura as soluções alternativas.62

Além disso, Fernandes esclarece que o próprio marco jurídico e urbanístico também

tem tido um papel fundamental na disseminação das irregularidades. Diz o autor que “a

ausência de leis urbanísticas — ou sua existência baseada em critérios técnicos irreais e sem

considerar os impactos socioeconômicos das normas urbanísticas e regras de construção”, tem

auxiliado a consolidação da segregação e da ilegalidade, “alimentando as desigualdades

provocadas pelo mercado imobiliário.” Existe também certa dificuldade para implementação

das leis vigentes, em parte decorrentes, na fala do mesmo autor, da “falta de informação e

60 Explica o referido autor que “a taxa de rotação do capital investido na construção é especialmente longa, devido à lentidão da fabricação, à carestia do produto a ser adquirido, que limita os compradores, e se faz com que se opte pela solução do aluguel, à extensão do prazo de obtenção de lucro.” CASTELLS, op. cit., p. 230. 61 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 22. 62 GOHN, M. da G. Movimentos sociais e luta pela moradia. São Paulo: Loyola, 1991. p. 165.

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educação jurídicas e ao difícil acesso ao Poder Judiciário para o reconhecimento dos

interesses sociais e ambientais”.63 Por fim, acrescenta ainda que

a definição doutrinária e a interpretação jurisprudencial dominantes dos direitos de propriedade, atuando de maneira individualista, sem preocupação com a função social da propriedade [se é que ela existe!], prevista na Constituição, têm resultado em um padrão essencialmente especulativo de crescimento urbano, que combina a segregação social, espacial e ambiental.64

Finalmente, a dinâmica da segregação é, como já se comentou, um dos fatores mais

importantes na evolução das irregularidades. As considerações de Fernandes65 nos indicam

que é notório que as irregularidades no uso e na ocupação da terra urbana são absolutamente

toleradas nas cidades, desde que estejam longe de áreas nobres, não “atrapalhando” a

dinâmica da valorização fundiária, e também fora das áreas mais visíveis, onde não possam

“denegrir” a imagem da cidade e da administração pública. Assim, nessa reprodução espacial

urbana sob a lógica das classes dominantes, as áreas irregulares, sobretudo as favelas, são

praticamente esquecidas pelo poder público (ou do capital). Villaça ressalta que comumente a

cidade “formal”, apanágio das classes mais favorecidas, passa a ser encarada como a

“verdadeira” cidade, devendo receber – e efetivamente recebendo – o maior volume de

investimentos e de melhorias por parte da administração pública. Contrariamente, a cidade

irregular passa a ser vista como uma “outra” cidade, a periferia, “por mais central que seja sua

localização”.66

Evidentemente há ainda outros fatores que auxiliam de uma maneira ou de outra o

surgimento e a consolidação de determinadas irregularidades no uso e na ocupação urbana.

Alguns desses fatores particulares serão comentados mais adiante, no item 3.5.

63 FERNANDES, op. cit., p. 13. 64 Ibid., p. 12-13. 65 Ibid., p. 13. 66 VILLAÇA, op. cit., p. 326.

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3.2 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR E DANOS SÓCIO-AMBIENTAIS

Outra questão que merece ser abordada é aquela referente aos problemas ambientais

que certos modos irregulares de uso e ocupação da terra acarretam no espaço urbano. A

ocupação de margens de cursos d’água e fundos de vale por áreas residenciais, industriais e

agrícolas, que ocorre em larga escala em áreas urbanas bem drenadas como a de Ponta

Grossa, auxilia na geração de uma cadeia de impactos negativos, entre os quais se pode

mencionar, conforme Amorim e Cordeiro67, a remoção da vegetação ciliar e a conseqüente

perda de biodiversidade – a qual, freqüentemente, já é escassa nas cidades; a intensificação de

processos erosivos nas encostas, elevando o volume de sedimentos carreados para os cursos

d’água e aumentando o risco de escorregamentos das terras ocupadas. Com isso, há também o

aumento do escoamento superficial e o assoreamento do leito da drenagem, elevando as

possibilidades da ocorrência de inundações e enchentes. Essas, por sua vez, também podem

ocasionar sensíveis problemas à população ocupante, desde a proliferação de doenças como

leptospirose e verminoses diversas, como a destruição de moradias e bens dos moradores,

colocando inclusive a integridade física e mesmo a vida dos habitantes em risco.

Um outro sério problema comumente associado às irregularidades nas proximidades

da rede de drenagem é a poluição e contaminação das águas. Frente à precariedade sanitária

vigente em tais ocupações, tanto o esgoto quanto, em alguns casos, o lixo produzido no local,

são lançados diretamente nos cursos d’água, comprometendo a qualidade da água superficial e

também da subterrânea, podendo prejudicar o abastecimento da cidade.68

Tendo em vista a comum ocorrência desses danos, Grostein assinala que “A escala e a

freqüência com que estes fenômenos se multiplicam nas cidades revelam a relação estrutural

67 AMORIM, L. M. de; CORDEIRO, J. S. Impactos ambientais provocados pela ocupação antrópica de fundos de vale. Saneamento ambiental, [s. l.], n. 111, p. 40-46, jan./fev. 2005. p. 40. 68 BRASIL. Ministério das cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. A questão da drenagem urbana no Brasil: elementos para formulação de uma política nacional de drenagem urbana. [Brasília], 2003. p. 4-6 passim.

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entre os processos e padrões de expansão urbana da cidade informal e o agravamento dos

problemas socioambientais.”69

Embora esses impactos negativos sejam engendrados por distintas irregularidades e

praticadas por diferentes grupos sociais, Oliveira e Chaves observam que quem mais sofre

com esse processo é a população pobre assentada nas submoradias irregulares. Esclarecem os

autores que “Tanto essa parte da população tem menos acesso a serviços de infraestrutura

básica, como é a maior vítima, posto que as condições de renda e as políticas inadequadas não

permitem que a população tome atitudes defensivas.”70

3.3 PRINCIPAIS LOCALIZAÇÕES DAS IRREGULARIDADES

Até aqui viu-se que as formas irregulares de uso e ocupação da terra são cada vez mais

comuns na cidade, e que em tal processo, as classes e grupos sociais realizam, por motivos

distintos, a utilização de locais em que tais práticas acarretam problemas físicos e sociais aos

próprios ocupantes – e também a outras pessoas - e levam a sensíveis danos ao ambiente.

Neste item serão mostrados quais são esses lugares em que as irregularidades ocorrem,

priorizando as localidades características do espaço urbano ponta-grossense.

São vários os locais que comumente são utilizados irregularmente na cidade, mas de

um modo geral, tais irregularidades localizam-se principalmente nas áreas rejeitadas pelo

mercado imobiliário, que são normalmente aquelas atreladas a fortes restrições legais de uso,

como áreas de proteção permanente, cuja ocupação acarreta danos ambientais, e ainda locais

cuja ocupação torna-se de alto risco à integridade física.

69 GROSTEIN, op. cit., p. 16. 70 OLIVEIRA; CHAVES, op. cit.

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Pode-se dizer que a maior parcela das irregularidades é identificada nas áreas com

finalidades residenciais, podendo ser regulamentadas ou não pela propriedade da terra. Os

locais mais ocupados irregularmente para a constituição de áreas residenciais são:

− Faixas de drenagem: são as áreas lindeiras aos cursos d’água, que devem ser

destinadas à preservação permanente da vegetação ciliar. Em geral a extensão lateral

da faixa varia de acordo com a lei adotada e com as características da drenagem.

Normalmente essas áreas apresentam vastas extensões de irregularidades. No caso de

“invasões”, isso se deve ao fato desses locais representarem aparentemente um menor

risco à segurança do ocupante e também pelo fato dessas áreas geralmente estarem

sob a tutela do Estado, órgão que representa aos ocupantes uma ameaça de expulsão

bem menor do que um proprietário particular. Há ainda irregularidades praticadas por

outros usos da terra, como indústrias, chácaras, etc., quando há cursos d’água nas

áreas ocupadas por tais usos;

− Terrenos com declividade acentuada: devido a riscos de escorregamentos de terras,

esses locais legalmente também são destinados à preservação permanente, com o fim

de manter a estabilidade da encosta;

− Faixas de domínio: são faixas de segurança, localizadas nas proximidades de

determinadas construções, como linhas de alta tensão elétrica, estradas de ferro e

rodovias, gasodutos, etc.;

− Áreas loteadas: é muito comum a existência de áreas loteadas em condições de

irregularidade, em sua totalidade ou em parte. Como será mostrado adiante, não é

difícil encontrar nas cidades áreas loteadas nas quais não há a posse jurídica

regulamentada dos terrenos, em função de irregularidades no processo de loteamento

ou pelo aglomerado estar assentado em algumas das áreas non aedificandi

mencionadas acima;

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− Áreas destinadas à construção de obras públicas: são áreas internas aos loteamentos,

deixadas livres pelos loteadores para a construção, pelo poder público, de serviços e

equipamentos de uso coletivo (escolas, postos de saúde, praças, etc), áreas de lazer,

entre outras, mas que, antes disso, são ocupadas, principalmente, pelas classes de

menor renda para fins de moradia;

− Terrenos particulares ociosos: são normalmente glebas ainda não parceladas,

localizadas no interior ou na periferia do tecido urbano contínuo, que oferecem plenas

condições para comportar usos urbanos, e que são “invadidas” por outras famílias,

normalmente para uso residencial. Essa ocupação ocorre e se consolida, em geral, em

locais cujo proprietário da terra, por razões diversas - tais como dívidas tributárias, ou

mesmo interesse posterior na ocupação da área - não intervém no sentido de expulsar

os ocupantes.

3.4 O MARCO JURÍDICO

Considerando os locais acima citados como aqueles onde as irregularidades mais

ocorrem (em Ponta Grossa e em várias outras cidades), abordaremos neste item o arcabouço

jurídico aplicado às mesmas, cujas leis e normas forneceram os parâmetros para a realização

do mapeamento das irregularidades fundiárias utilizando geoprocessamento, que será

mostrado adiante.

3.4.1 Legislação referente ao parcelamento da terra urbana

Pode-se considerar que um dos mais importantes instrumentos jurídicos

normatizadores do parcelamento da terra para fins de urbanização, é a Lei federal n°

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6.766/197971, também conhecida como “Lei Lehman”. Esta lei institui determinações

importantes para o assunto em análise, como a restrição do parcelamento e da ocupação de

terrenos nas proximidades de estradas de ferro. Entre outros requisitos, a lei estabelece que os

loteamentos deverão estar situados a uma distância máxima de 15 metros das vias férreas (art.

4°, inciso III).72

Essa lei regula ainda a ocupação com relação ao padrão de declividade do terreno,

enunciando, no seu art. 3°, que:

[...] Não será permitido o parcelamento do solo: [...] III - em terreno com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes.

3.4.2 Legislação de proteção da rede de drenagem

São vários os instrumentos jurídicos que normatizam o uso e a ocupação dos fundos de

vales e áreas próximas dos mesmos. No caso de Ponta Grossa, o principal desses instrumentos

é a Lei municipal n° 4.842/199273, que é empregada pelo município para o estabelecimento

das chamadas faixas de drenagem, as quais são descritas no art. 2°, inciso I, como sendo “as

faixas de terreno que compreendem os cursos d’água, córregos ou depressões naturais

responsáveis pelo escoamento de águas pluviais das bacias hidrográficas”. A grande diferença

dessa lei para o chamado Código Florestal (Lei federal n° 4.771/196574), no que diz respeito à

proteção de áreas de drenagem, é que a lei municipal define a extensão das faixas de acordo

71 BRASIL. Lei n° 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6766.htm> Acesso em: 18 jul. 2005. 72 A redação atual do inciso é dada pela lei complementar federal n° 10.932/2004. Ver BRASIL. Lei no 10.932, de 03 de agosto de 2004. Altera o art. 4o da Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que "dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências". Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.932.htm#art3>. Acesso em 18 jul. 2005. 73 PONTA GROSSA. Lei n° 4.842, de 29 de dezembro de 1992. Dispõe sobre a criação dos Setores Especiais de Preservação de Fundos de Vale e dá outras providências. Disponível em: <www.pg.pr.gov.br/legislacao/plano_diretor>. Acesso em 18 mar. 2005. 74 Ver BRASIL. Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo código florestal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em 11 jul. 2005.

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com a bacia hidrográfica para a qual contribui o curso d’água. O valor da faixa, assim, é

variável de acordo com o tamanho de sua bacia (arts. 3° e 4°), conforme mostra a tabela 1.

Tabela 1 - Áreas de bacias hidrográficas e faixas não edificáveis correspondentes, conforme a lei municipal n° 4.842/1992

Área da bacia hidrográfica (ha) Faixa não edificável para cada lado (m)

De 0 a 25 6 De 25 a 50 8 De 50 a 75 10 De 75 a 100 15

De 100 a 200 20 De 200 a 350 25 De 350 a 500 30 De 500 a 700 35

De 700 a 1.000 40 De 1.000 a 1.300 50 De 1.300 a 1.500 60 De 1.500 a 1.700 70 De 1.700 a 2.000 80 De 2.000 a 5.000 100

Mais de 5.000

Variável conforme especificações de órgão competente

Fonte:

PONTA GROSSA (2005).

No entanto, essas determinações da lei em análise, geram dificuldades de

interpretação, principalmente no que diz respeito à correta delimitação da bacia hidrográfica.

Diferentes profissionais divergem nesse aspecto, sobretudo com relação à área e à hierarquia

fluvial - no sentido de se decidir em que condições um determinado sistema de drenagem

pode ser individualizado como uma bacia. Na verdade, mesmo no meio científico, ainda não

se chegou a um consenso sobre o que é uma bacia hidrográfica.75 Evidentemente esse fato

influirá diretamente no tamanho de faixa utilizada e na quantificação das terras em condição 75 Um dos principais trabalhos que abordam a discussão sobre o conceito de bacia hidrográfica é o de BOTELHO, R. G. M. Planejamento ambiental em microbacia hidrográfica. In: GUERRA, A. J. T.; SILVA, A. S. da; ______. (Orgs.). Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 269-300. Esta autora nos fornece algumas contribuições importantes para a questão, em sua discussão sobre o conceito de microbacia hidrográfica – que corresponde, grosso modo, àquilo que é enunciado como bacia hidrográfica na lei em discussão. Para esta autora, historicamente o conceito de bacia (ou microbacia) hidrográfica tem mantido uma relação intrínseca com os projetos de planejamento e conservação ambiental. Desse modo, em sua opinião, caberia considera-la, antes de mais nada, como “uma área, cuja extensão é função da análise de alguns elementos que estarão envolvidos na pesquisa, como técnicas, recursos materiais, equipe de trabalho e tempo disponível.” (p. 273) Dizendo em outros termos, para a autora citada, não existem critérios objetivos e absolutos para a definição de bacia/microbacia hidrográfica, sendo mais prudente delimita-la conforme o trabalho que será realizado na/sobre a mesma.

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de irregularidade de uso e ocupação. Frente a essas indecisões, muitas vezes a delimitação

acaba sendo feita pelos órgãos do poder público, de modo a priori e sem nenhuma

padronização.

Outro problema dessa normatização é que, da forma que está enunciada, apesar de

estabelecer faixas largas para as bacias maiores, ela pode, paradoxalmente, ser menos

restritiva que as determinações previstas no art. 2° do Código Florestal76, em certos casos,

mais precisamente nas bacias hidrográficas com área inferior a 350 hectares.

Esta confrontação legal foi minimizada em Ponta Grossa a partir de 1999, quando a

antiga Secretaria Municipal de Turismo e Meio Ambiente solicitou ao Instituto Brasileiro de

Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), um parecer normativo – o Parecer

n° 06/199977 - sobre quais valores efetivamente deveriam ser adotados para a delimitação das

faixas de preservação permanente. Tal parecer ratificou a supremacia da legislação federal

sobre a municipal, tornando “híbrida” a legislação de proteção da rede de drenagem ponta-

grossense. As determinações menos restritivas da Lei municipal n° 4.842/1992 foram

desconsideradas, passando a valer, a partir da expedição do referido parecer, a largura de faixa

marginal estabelecida pela Lei federal n° 4.771/1965 (30 metros), para os cursos d’água

pertencentes a bacias hidrográficas menores que 350 hectares. Por sua vez, naquelas bacias

com área igual ou superior a 350 hectares, os valores de faixas de drenagem estabelecidos

pela lei municipal, continuaram valendo.

76 Esse artigo foi reeditado pela Lei federal n° 7.803/1989. Ver BRASIL. Lei n° 7.803, de 18 de julho de 1989. Altera a redação da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e revoga as Leis nºs 6.535, de 15 de junho de 1978, e 7.511, de 7 de julho de 1986. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7803.htm#art2>. Acesso em 11 jul. 2005. 77 BRASIL. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Dá parecer favorável à supremacia das normas estabelecidas pelo Código Florestal sobre a competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local. Parecer normativo n° 06, de 23 de fevereiro de 1999. Relator: Salvador Oliva Neto. Documento de circulação interna da Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente, da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa.

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3.4.3 Normatização da ocupação nas proximidades de linhas de transmissão elétrica

É bastante comum a ocorrência de ocupações irregulares, quase em sua totalidade por

favelas, em terras não edificáveis sob ou nas proximidades de linhas de transmissão de

energia elétrica (redes de alta tensão) que atravessam a área urbana. No entanto, não há uma

lei específica que restrinja e que limite a distância mínima para a ocupação e edificação de

locais adjacentes às redes.

Na verdade o mecanismo jurídico que regula essa ocupação é uma norma técnica para

instalação de redes de distribuição rural de energia elétrica, a chamada NTC 831.001, da

companhia de energia elétrica estadual. Segundo esta norma, diferentemente das

determinações legais para as outras irregularidades, não há uma largura fixa para as faixas não

edificáveis em torno das linhas de transmissão. Essa largura varia de acordo com o tipo de

rede elétrica (uma ou mais), do balanço das redes pelo vento, de determinados efeitos

elétricos e do posicionamento de equipamentos das mesmas, mais precisamente de suportes e

de estais.78

3.5 TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR E PRÁTICAS SOCIAIS ASSOCIADAS

A maior parte das irregularidades de ocupação e uso da terra está associada às áreas

residenciais da cidade, constituindo-se, além das próprias moradias, em estabelecimentos

diversos - como equipamentos de uso coletivo e estabelecimentos comerciais e de prestação

de serviços, por exemplo -, lotes desocupados etc., que aparecem junto com as residências,

numa localidade irregular. Essas irregularidades aparecem, nas cidades, distribuídas na forma

de favelas, loteamentos ilegais e mesmo áreas legalizadas do ponto de vista da propriedade

jurídica fundiária. Entretanto, há também outras irregularidades em áreas periurbanas 78 COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA. Norma técnica COPEL - NTC: projeto de redes de distribuição rural. 4. ed. [Curitiba], 2002, p. 30-31.

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utilizadas pela indústria (além daquelas áreas industriais existentes dentro da malha urbana

contínua), bem como locais com uso agrícola, como em chácaras e mesmo fazendas situadas

em terras da área urbana.

Nesta seção abordaremos essas diferentes formas de irregularidade. A divisão e a

classificação feita a seguir levam em conta apenas as irregularidades constatadas no espaço

urbano de Ponta Grossa, de modo que há inúmeras outras irregularidades fundiárias urbanas

nas cidades brasileiras, além daquelas aqui enfocadas.

3.5.1 Loteamentos irregulares

Sob a ótica da organização legal da cidade, o parcelamento da terra é o instituto

jurídico por meio do qual se realiza a primeira e mais importante etapa de organização do

tecido urbano, que é a sua urbanização. É nessa etapa que o desenho urbano é definido,

constituído pelo traçado do sistema viário, localização das áreas de uso público, destinadas à

construção de praças e equipamentos coletivos, além da divisão dos lotes. Estes definem a

localização das edificações que serão construídas, observando as determinações fixadas pelo

plano diretor do município.79

Para Grazia e Leão Júnior80, um loteamento é, juntamente com o desmembramento,

uma das formas de parcelamento da terra urbana, mas que se diferencia desse último porque,

com o loteamento há a abertura de novos logradouros públicos e vias de circulação, ou ainda a

modificação, prolongamento ou ampliação das ruas já existentes. Conforme enuncia a lei

federal n° 6.766/1979, nos seus artigos 50, 51 e 52, a realização de loteamentos ou

desmembramento de glebas para fins de urbanização, em dissonância com as disposições

79 PINTO, V. C. Ocupação irregular do solo urbano: o papel da legislação federal. Disponível em <http://www.senado.gov.br/web/conleg/artigos/direito/OcupacaoIrregulardoSoloUrbano.pdf>. Acesso em 18 jul. 2005. p. 1. 80 GRAZIA, G. de; LEÃO JÚNIOR, P. S. M. Loteamentos clandestinos e irregulares. In: INSTITUTO PÓLIS, op. cit. p. 61.

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legais ou sem autorização do órgão público competente, constitui crime contra a

administração pública, sendo que os “loteadores irregulares” estão sujeitos a penas de

suspensão dos pagamentos ainda em débito pelos compradores, multa e reclusão de até 5

anos.81 Mesmo assim, segundo Pinto82, parcela significativa do tecido urbano no país tem sido

elaborada mediante parcelamento irregular da terra urbana.

Ainda na acepção de Grazia e Leão Júnior, pode-se resumir estes modos informais de

parcelamento da terra em dois tipos principais: os loteamentos irregulares (num sentido mais

restrito do termo) e aqueles ditos clandestinos. Considera-se um loteamento irregular strictu

sensu quando o seu projeto foi aprovado pela prefeitura municipal, mas não foi devidamente

executado pelo loteador da gleba. Em geral, são aqueles loteamentos sem obras de infra-

estrutura. Também pode ocorrer que o responsável pelo loteamento tenha apenas submetido o

projeto para aprovação pelo poder público, sem cumprir as demais etapas necessárias ao

cumprimento da lei n° 6.766/1979.83 Há que se destacar, todavia, que nem sempre o

loteamento é realizado por um determinado indivíduo ou empresa do setor privado. Há muitos

casos onde o loteador irregular é o próprio Estado, em geral promovendo precários

loteamentos para abrigar populações recém emigradas ou removidas de áreas de risco. Estes

loteamentos irregulares estatais, comumente conhecidos como assentamentos, normalmente

são carentes de serviços e da infra-estrutura necessária e exigida na legislação referente ao

parcelamento da terra urbana.

Por sua vez, um loteamento é considerado clandestino quando não há um projeto

referente ao mesmo apresentado ou aprovado pela prefeitura.84 Como argumenta Pinto, esses

loteamentos podem ser efetuados tanto pelos proprietários da gleba original, como também

81 Façamos nossas, para a realidade aqui analisada, as palavras de RODRIGUES, op. cit., p. 27, as quais declaram que “Embora as cidades estejam coalhadas destes loteamentos [irregulares e clandestinos] e alguns desses loteadores sejam bastante conhecidos, desconhece-se, até o momento, loteadores clandestinos que estejam cumprindo pena de prisão.” 82 PINTO, loc. cit. 83 GRAZIA; LEÃO JÚNIOR, loc. cit. 84 Id.

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por terceiros. Diz este autor que a irregularidade permite, nos dois casos, a apropriação de

uma maior renda da terra. Com a primeira prática busca-se sobretudo “escapar dos

procedimentos e ônus contidos nas leis federais, estaduais e municipais, tais como destinação

de áreas públicas e realização de obras de infra-estrutura.” Por outro lado, no segundo caso,

trata-se de uma grilagem de terras urbanas, onde determinados indivíduos e empresas vendem

a posse de terrenos alheios – do poder público ou de outras pessoas.85

O que estas duas formas de loteamento têm em comum é a irregularidade do ponto de

vista da propriedade jurídica da terra, que permanece em vigor depois que os lotes são

comercializados. Embora essas parcelas da terra urbana tenham geralmente preços mais

acessíveis, todo o ônus dessas formas de loteamento tem recaído sobre os

compradores/moradores de tais lotes. Mesmo quando são loteados pelo proprietário da gleba

original, os compradores de terrenos irregulares e clandestinos não detém a sua propriedade

legal, pois, como bem afirma Pinto, “a regularidade urbanística do empreendimento é sempre

uma condição para seu registro em cartório, momento em que são individualizados os lotes,

mediante abertura das respectivas matrículas”. Como conseqüência, “antes do registro, os

lotes ainda não existem juridicamente e portanto não constituem objeto suscetível de ser

alienado.”86 E evidentemente, estando a terra nessa condição, seus moradores não conseguem

a aprovação da planta de sua casa, que também passa a ser irregular e, desse modo, mesmo

tendo pago pelo direito de propriedade privada, “não podem ter a documentação da

propriedade legalizada – a escritura definitiva”.87

Tais loteamentos, predominantemente voltados às classes de menor renda, são, como a

maioria das áreas residenciais populares, desprovidos de infra-estrutura e equipamentos

urbanos. Com o tempo, face à pressão exercida pela população ocupante, tais loteamentos são

legalizados e recebem do Estado alguns serviços de infra-estrutura. Corrêa considera que 85 PINTO, op. cit., p. 2. 86 Id. 87 RODRIGUES, loc. cit.

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essas melhorias empreendidas alteram a dinâmica dos preços da terra, valorizando as áreas

adjacentes, beneficiando inclusive os proprietários de áreas deixadas intencionalmente vazias

com fins especulativos.88

Nesse sentido, como destaca Rodrigues89, a oficialização dos loteamentos em condição

de irregularidade, ao mesmo tempo em que atende às reivindicações dos moradores,

beneficiando-os, permite, por outro lado, a obtenção por parte dos loteadores, de “maiores

rendas e lucros a esta forma ilegal de parcelamento da cidade.” Entretanto, os loteadores

“clandestinos” comumente se defendem ponderando o próprio caráter elitista da legislação,

argumentado que com o atendimento aos padrões legais exigidos - que implicam no

provimento de uma infra-estrutura mínima, bem como num fracionamento menor da gleba -

os lotes teriam preços elevados, sendo inacessíveis a uma ampla parcela da população.

Dentro do marco jurídico legal, cabe ao poder público municipal tomar providências

contra o aumento do número de loteamentos dessa natureza, mas esse mesmo poder público

local, contraditoriamente, age na maioria das vezes de forma “omissa”, sob pressão de

determinados segmentos da classe política, interessados em formar um eleitorado junto aos

ocupantes das terras.90

3.5.2 Favelas

Dentre as irregularidades de uso e ocupação da terra existentes nas mais diversas

cidades, este é o tipo que merece mais atenção. Em primeiro lugar, por ser um dos mais

comuns nas grandes e médias cidades do país – e em Ponta Grossa, como veremos, não é

diferente. E principalmente, por ser o tipo de irregularidade mais hostil aos ocupantes, tanto

pelos grandes riscos oferecidos à saúde e à integridade física dos moradores, como pelos

88 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 19. 89 RODRIGUES, loc. cit. 90 PINTO, loc. cit.

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estigmas sociais que seus habitantes corriqueiramente sofrem. Além disso, como já se

comentou, no âmbito da ocupação por favelas também são desencadeados vários danos ao

ambiente.

Antes de qualquer coisa, cabe dizer que a favela, diversamente da maior parte das

outras formas de constituição do tecido urbano, é uma forma de produção da cidade e da

habitação sem vínculo direto com o circuito imobiliário. No processo de constituição da

favela, como constata Rodrigues, “Está ausente a legitimidade jurídica da propriedade da

terra, a incorporação imobiliária, a indústria de edificação e por vezes até a indústria de

construção relativa aos insumos; mas produzem casas e cidades.”91

Embora não haja um consenso na literatura sobre a definição do que vem a ser uma

área favelada92, em linhas gerais pode-se defini-la, no nosso entender, pelas duas

características que mais aparecem nas várias definições existentes. Assim, a favela pode ser

concebida como uma área ocupada diretamente pela população, normalmente apresentando

precárias condições de moradia, e cuja ocupação não é respaldada pela propriedade jurídica

da terra urbana.

Notadamente, sua origem advém da necessidade, por parte das classes sociais de

menor renda, de solucionar a questão de como e de onde morar. São várias as condicionantes

que levam a sua formação e crescimento, dentre as quais estão fatores de caráter mais geral,

assim como fatores de natureza intra-urbana. Notadamente tais fatores exercem maior ou

menor influência conforme a região e as ações dos atores sociais existentes.

Rodrigues analisa que a favela resulta, entre outras coisas, da conjugação dos

seguintes fatores:

91 RODRIGUES, op. cit., p. 24, grifos do original. 92 Um debate em torno do conceito de favela é realizado em LÖWEN, C. L. Favelas: um aspecto da expansão urbana de Ponta Grossa – PR. 1990, 174 f. Dissertação (Mestrado em Organização do Espaço Urbano) - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus Rio Claro, Rio Claro, 1990. p. 3-10.

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da expropriação dos pequenos proprietários rurais e da superexploração da força de trabalho no campo, que conduz a sucessivas migrações rural-urbana e também urbana-urbana, principalmente de pequenas e médias para as grandes cidades. É também produto do processo de empobrecimento da classe trabalhadora em seu conjunto [...]. Resultado também do preço da terra urbana e das edificações – mercadoria inacessível para a maior parte dos trabalhadores – a favela exprime a luta pela sobrevivência e pelo direito ao uso do solo urbano de uma parcela da classe trabalhadora.93

Outro fator fundamental, frisado por Giacomini, Hayashi e Pinheiro, é o já exposto

mecanismo da segregação sócio-espacial vigente no espaço urbano, sendo também a favela,

por essa via, produto “de uma situação onde o solo é cada vez mais determinado pelo seu

valor, e onde o controle do espaço urbano é exercido pela, ou em nome das camadas

dominantes.”94

Um dos principais fatores que diferenciam as áreas faveladas das demais formas de

ocupação da terra urbana é que as favelas são áreas ocupadas diretamente pela população. É

nesse sentido que Corrêa enfatiza ser, sobretudo, na construção da favela, que os grupos

sociais excluídos na cidade assumem efetivamente a condição de agentes modeladores do

espaço urbano, produzindo da maneira que podem o seu próprio espaço. Considera ainda o

autor, que

A produção deste espaço é, antes de mais nada, uma forma de resistência e, ao mesmo tempo, uma estratégia de sobrevivência. Resistência e sobrevivência às adversidades impostas aos grupos sociais recém expulsos do campo ou provenientes de áreas urbanas submetidas às operações de renovação, que lutam pelo direito à cidade.95

A construção da favela é feita, em geral, de forma gradativa e individual. Rodrigues96

descreve este processo, explicando que ele se desenvolve com a busca dos indivíduos que não

têm onde morar. Sem recursos suficientes para adquirir um terreno no mercado imobiliário, 93 RODRIGUES, op. cit., p. 40. 94 GIACOMINI, M. R.; HAYASHI, M.; PINHEIRO, S. de A. Trabalho social em favela: o método da condivisão. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1987. p. 33. 95 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 30. 96 RODRIGUES, op. cit., p. 43.

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estes normalmente conversam com os moradores do local e ao encontrar uma parcela de terra

desocupada, constroem seu barraco com a ajuda de amigos e familiares. É comum também a

compra de barracos já prontos. A ocupação e construção da favela podem ocorrer também de

maneira conjunta, quando determinado número de famílias se organiza e em bloco procuram

um local para se instalar. A ocupação da área é realizada num mesmo momento por todo o

grupo e a construção das casas é realizada em mutirões.

É devido à natureza de sua ocupação que, de acordo com Santos, as favelas são, “Por

definição, [...] um habitat clandestino”.97 Essas formas de ocupação da terra urbana são

construídas, quase sempre, em terrenos pouco valorizados e inadequados para a construção.

Normalmente são terras pertencentes ao poder público, como áreas deixadas livres para a

construção de equipamentos de uso público, e principalmente as non aedificandi, tal como

terrenos alagadiços e acidentados, margens de cursos d’água, áreas verdes, entre outras.

Evidentemente a ocupação desses lugares traz vários transtornos, comprometendo a qualidade

de vida dos ocupantes. Em primeiro lugar, porque muitos desses locais – sobretudo os últimos

– são os locais mais insalubres e inseguros, fato que, para Rodrigues, “também explica porque

as favelas ocupam as ‘piores’ terras, as que apresentam maiores problemas de enchentes, de

desabamentos, e que deixam seus moradores expostos ao risco de perder seu barraco, quando

não a sua vida.”98

Giacomini, Hayashi e Pinheiro destacam ainda a insegurança do habitante da favela,

esta sendo entendida além do plano da integridade física, mas também no sentido de

insegurança psicológica, reflexo principalmente do preconceito enfrentado dia após dia,

enfim, de um ambiente social que frustra e maltrata o indivíduo.99

97 SANTOS, M. Manual de geografia urbana. Tradução de Antônia Dea Erdens e Maria Auxiliadora da Silva. São Paulo: HUCITEC, 1981. p. 179. 98 RODRIGUES, op. cit. p. 39. 99 “Para o homem, o fator moradia é essencial na sua vida para que se realize plenamente enquanto pessoa.” Nesse sentido, na favela “Certamente a insegurança é um fator redutivo dos mais marcantes. A insegurança da própria construção física, muitas vezes localizada perto de córregos [...] nem sempre tem estrutura capaz de resistir às intempéries. A insegurança também é presente para ele enquanto trabalhador que vai sentindo na pele

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Apesar de tudo, para muitas famílias a favela se apresenta como a única possibilidade

de sobrevivência na cidade, via acesso à terra e a pelo menos parte dos meios de consumo

produzidos pelo urbano. Löwen aponta que “A invasão de uma área já representa uma

economia nos gastos com a aquisição da terra urbana e com os impostos conseqüentes”, e

também a realização da construção pelo próprio favelado pode reduzir as despesas com a

habitação ainda mais.100 Além disso, embora insegura e insalubre, a localização da favela

pode também trazer vantagens de ordem econômica para seus moradores, fato que

dificilmente ocorre, por exemplo, com os loteamentos ilegais. Cabe destacar que estes, via de

regra, localizam-se na periferia da cidade, muitas vezes separados do tecido urbano contínuo

por glebas de terras ainda não loteadas, à espera de valorização, ocorrendo isolados de

serviços e infra-estrutura. Em contrapartida, as áreas de favelas estão dentro da malha urbana,

podendo se aproveitar, entre outras coisas, de um transporte de melhor qualidade e “de um

mercado de trabalho mais amplo, com maior variedade de demanda de serviços que a

periferia”101, principalmente, como ressalta Villaça102, via subemprego, que é o que viabiliza a

sobrevivência de muitas famílias faveladas.

No que concerne aos aspectos urbanísticos, a favela comumente se caracteriza,

segundo Löwen103, por traçados e padrões que fogem às normas convencionais, muitas vezes

contrastando com as áreas vizinhas. As vias internas são normalmente estreitas, delineadas

pela circulação de pedestres e suas dimensões dificilmente permitem o tráfego de veículos.104

Há uma elevada densidade de construções, as quais aparecem dispostas “ao acaso” visando

aproveitar ao máximo o espaço disponível, não havendo assim uma clara delimitação de lotes.

Entretanto, tais padrões não se constituem em regra. Há certas favelas, notadamente as mais

o peso das discriminações de pessoas que vivem em melhores condições de habitação. E eis que ele passa a negar a sua própria casa, o seu próprio chão.” GIACOMINI; HAYASHI; PINHEIRO, op. cit., p. 26-27. 100 LÖWEN, op. cit., p. 12. 101 Ibid., p. 9. 102 VILLAÇA, op. cit., p. 225. 103 LÖWEN, op. cit., p. 10. 104 Ibid., p. 20.

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antigas, que apresentam uma maior organização urbanística, com “lotes” e vias mais largas, e

também com habitações de melhor qualidade. Geralmente estas são as favelas onde a

ocupação já se consolidou, os moradores, com menor receio de expulsão das terras, efetuaram

algumas melhorias nas moradias e mesmo o Estado pode ter implementado uma certa infra-

estrutura.

Internamente, as favelas, principalmente aquelas já “consolidadas”, também podem

apresentar uma diversificação de usos da terra além dos residenciais, como pequenos locais de

prestação de comércio, serviços e uso misto, com vias a abastecer a própria população. Mas

também é mais comum do que se possa imaginar, mesmo nessas áreas onde a propriedade da

terra não impera, o paradoxal (des)uso dos barracos com fins de obtenção de renda, via

monopólio de sua propriedade. Ou seja, mesmo na favela, há barracos que não são utilizados

por seus donos para o fim de moradia de sua família, mas sim como meio de obtenção de

renda adicional, por meio do aluguel. E como lembra muito bem Spósito, “Quando sabemos

que há pagamento de aluguel até nas favelas, podemos imaginar o grau de exploração entre os

próprios ‘despossuídos’, porque reproduzem, de maneira bem clara, as contradições do

sistema capitalista.”105

3.5.3 Usos rurais irregulares da terra urbana

Há diversos municípios brasileiros onde sua área urbana não é exclusivamente urbana,

mas é também rural, por mais paradoxal que isso possa parecer. Em outras palavras, o

perímetro urbano oficial, definido pelo poder público municipal tendo em vista interesses

diversos, não corresponde plenamente ao espaço urbano propriamente dito. Carlos106 nos

lembra que é comum o poder público local decretar como perímetro urbano áreas que

105 SPÓSITO, op. cit., p. 61. 106 CARLOS, A. F. A. O espaço urbano... op. cit., p. 133.

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abrangem, por exemplo, plantações e pastagens. A partir das considerações tecidas por

Corrêa107 no tocante às práticas dos proprietários de terras do espaço urbano e periurbano,

esse fato pode ser em parte explicado pelo comum interesse que esses proprietários têm,

segundo o autor, de realizar a conversão da terra de rural para urbana, visando a sua

incorporação ao tecido citadino e conseqüentemente, a obtenção de uma renda fundiária mais

elevada. Para isso, agem junto ao legislativo municipal buscando intervir na definição do

perímetro urbano, ampliando-o até as suas terras. Cabe ainda complementar que essa

expansão perimetral urbana também traz benefícios ao próprio poder público municipal, à

medida que possibilita um aumento da arrecadação com o imposto predial e territorial.

Todavia, enquanto essa agregação não ocorre, os proprietários dessas terras periféricas

utilizam-nas predominantemente para determinadas atividades do tipo agropecuário.

Mas mesmo dentro do espaço urbano dito contínuo, verifica-se comumente a presença

de amplas áreas onde ocorre a produção agrícola em pequena escala, como em sítios e

chácaras, que visam normalmente o abastecimento local ou a própria subsistência. Pode-se

encontrar inclusive algumas plantações em glebas vazias e lotes desocupados, realizados pela

população que reside nas proximidades dessas áreas, para o próprio consumo (hortas).

Todavia, em alguns casos, esses tipos de uso da terra também se caracterizam como

irregulares quando avançam sobre faixas marginais dos cursos d’água - áreas que, como já

dito, são destinadas à preservação permanente de sua vegetação – e também para dentro da

área de domínio das linhas férreas. Veremos que na cidade de Ponta Grossa, esse tipo de

irregularidade é um dos mais presentes.

107 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 16-17.

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3.5.4 Ocupações regulares em desacordo com leis específicas

É comum em algumas cidades brasileiras, como é o caso de Ponta Grossa, a presença

de determinadas ocupações que contraditoriamente, embora sejam amparadas plenamente

pela propriedade jurídica fundiária, confrontam determinadas leis e normas que regulam a

ocupação e o uso da terra urbana. Um exemplo são os amplos terrenos das áreas industriais

das cidades, comumente cortados por elementos de rede de drenagem, nos quais não é

respeitado o limite das faixas marginais de proteção dos cursos d’água. As causas dessa

irregularidade podem estar associadas à própria negligência dos praticantes do uso irregular

com relação às determinações legais, bem como do próprio poder público para com esse fato.

Um outro caso típico é o de áreas residenciais que estão assentadas sobre locais que,

de acordo com a legislação ambiental em vigor, seriam destinadas à preservação permanente,

mas que não podem ser enquadradas como loteamentos irregulares, favelas ou qualquer outra

categoria de irregularidade, porque estão juridicamente regulamentadas pela propriedade da

terra. Esse desacordo pode ocorrer por diferentes razões, mas que mantém uma relação entre

si. Em primeiro lugar, nas áreas habitacionais, certas ocupações podem consistir em antigas

áreas em situação fundiária irregular, como loteamentos ilegais ou mesmo favelas, localizadas

principalmente em áreas de preservação ambiental – como em fundos de vale e encostas com

acentuada declividade -, mas que num momento posterior tiveram suas terras regularizadas

por algum mecanismo jurídico, como a “concessão especial de uso para fins de moradia” ou

as “zonas especiais de interesse social”, por exemplo.108

A diversidade de interesses políticos em jogo também constitui um importante fator a

ser considerado na análise desse tipo de irregularidade. É bastante comum tanto a “concessão 108 Sobre as características de tais instrumentos jurídicos e sua aplicação pelo poder público municipal, ver, entre outros, COSTA, F. C. V. da et al. Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). In: INSTITUTO PÓLIS, op. cit., p. 92-96; ALFONSIN, B. de M. Concessão Especial de Uso para fins de Moradia. In: INSTITUTO PÓLIS, ibid., p. 98-106; BRASIL. Ministério das Cidades. Plano diretor e regularização fundiária. In: ______. Plano diretor participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. [Brasília]: CONFEA/Ministério das Cidades, 2004. p. 79-85.

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irregular” do uso de terras – concessão essa que é, na verdade, uma permissão ou indicação do

agente político, baseado no poder que o mesmo possui na esfera política da cidade - como

também a sua posterior regularização. Ambas as práticas são realizadas sem observância a

quaisquer mecanismos jurídicos ou parâmetros urbanísticos e tem fins, sobretudo, de fornecer

ou elevar o prestígio do agente político junto às classes populares “beneficiadas”. Como

veremos adiante, a própria cidade de Ponta Grossa fornece alguns bons exemplos dessas

práticas.

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4 URBANIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DAS IRREGULARIDADES DE OCUPAÇÃO E

USO DA TERRA EM PONTA GROSSA: BREVE HISTÓRICO

A emergência das irregularidades de uso e ocupação da terra urbana em Ponta Grossa

guarda uma relação bastante próxima com o seu processo de urbanização. Neste capítulo será

realizado um resgate histórico da dinâmica da reprodução do espaço urbano ponta-grossense à

luz daquele processo, que vigorou durante praticamente todo o século XX.

4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E PRINCIPAIS CONDICIONANTES DA URBANIZAÇÃO

PONTA-GROSSENSE

O início do povoamento de Ponta Grossa remonta ao princípio do século XVIII,

quando o governo de Portugal fez a doação de sesmarias na região dos Campos Gerais –

terras estas localizadas, mais precisamente, entre os rios Itararé (ao norte) e Iguaçu (ao sul)109

-, a comerciantes interessados em utilizá-las para a criação de gado.110 Todavia, a ocupação da

região se intensificou no final daquele século, motivada por sua integração econômica ao

movimento do tropeirismo. Conforme aponta Lavalle111, o clima temperado e a vegetação

típica do local, composta por gramíneas, permitiram a fixação da atividade criatória na região,

e ainda a sua localização ao longo da rota das tropas, proporcionava boas condições para o

incremento do comércio entre compradores e criadores de gado. Com isso, Ponta Grossa foi

paulatinamente se transformando num centro polarizador de população, passando a atrair

tanto pessoas que buscavam realizar investimentos de capital em propriedades, como

populações sem recursos, que para aí se deslocavam à procura de emprego.

109 DITZEL, C. de H. M.; CHAVES, N. B. História da cidade. Disponível em: <http://www.pontagrossa.pr.gov.br>. Acesso em: 27 jun. 2005. 110 SCHEFFER, op. cit., p. 37. 111 LAVALLE, 1974 apud LÖWEN, op. cit., p. 35.

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Ao longo do século XIX o povoado foi crescendo e a economia local se

desenvolvendo. Segundo Gonçalves e Pinto, tal dinâmica provocou sensíveis mudanças na

estrutura social e no perfil da economia local, verificando-se, sobretudo a partir de 1850, a

concentração de antigos proprietários de terras no espaço urbano, buscando ali o

desenvolvimento de novas atividades, tais como estabelecimentos industriais e casas de

comércio. Essas alterações sócio-econômicas ocorridas em Ponta Grossa estabeleceram a base

para a concentração da população no espaço urbano, em oposição às dispersões ocorridas nas

áreas rurais. Como constataram as autoras acima citadas, na segunda metade do século XIX,

“A economia gerada pela erva-mate, madeira, gado e outros produtos comercializados,

juntamente com a presença de migrantes nacionais e estrangeiros, aceleram o

desenvolvimento urbano.” 112

A urbanização de Ponta Grossa se intensifica ainda mais a partir na década de 1890,

com a instalação do transporte ferroviário no espaço urbano local. A extensão da ferrovia do

Paraná até Ponta Grossa, ocorrida em 1894, e a construção, dois anos mais tarde, da estrada

de ferro São Paulo-Rio Grande, conferiram à cidade a posição de importante entroncamento

ferroviário do sul do país, e acarretaram novas alterações na sua estrutura econômica.113 Essas

ferrovias ajudaram a aquecer a economia local, haja vista que possibilitou a ampliação das

possibilidades de comércio dos produtos.114 De acordo com Ditzel e Chaves115, nessa época

ocorre na cidade a instalação de diversas olarias, engenhos de erva-mate, de beneficiamento

de madeira e de couro.

Nessas condições, Ponta Grossa continua a atrair constantes fluxos populacionais para

a sua área urbana, de modo que já no princípio do século XX, o município apresentava a

112 GONÇALVES, M. A. C.; PINTO, E. A. Ponta Grossa: um século de vida. Ponta Grossa: UEPG, 1983. p. 31. 113 SCHEFFER, op. cit., p. 40. 114 GONÇALVES; PINTO, op. cit., p. 122. 115 DITZEL; CHAVES, op. cit.

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maior parcela de sua população residindo na cidade e trabalhando em atividades

eminentemente urbanas.116

Nas duas primeiras décadas do século XX verifica-se uma intensificação, em Ponta

Grossa, das características de aglomeração urbana, sendo a cidade dotada de certa infra-

estrutura, como redes de água e esgoto, linhas telefônicas e calçamento, além de outros

benefícios, como associações beneficentes, hospitais, atrações culturais como cinema, teatro,

conjuntos musicais etc., características essas que, conforme Gonçalves e Pinto, faziam de

Ponta Grossa, no limiar da década de 1920, “a cidade mais próspera do interior paranaense,

cujo futuro era vislumbrado como grandemente promissor.”117

Como esclarecem Ditzel e Chaves, o crescimento de Ponta Grossa verificado nos

primeiros decênios do século XX “se inscreve num contexto nacional de desenvolvimento

econômico e urbanização que favorece, sobretudo, as regiões sudeste e sul do país.” Para

esses autores, “Esse desenvolvimento resulta de uma conjugação de fatores como capital,

mão-de-obra, mercado relativamente concentrado, matéria prima disponível e barata,

capacidade energética e um sistema de transportes ligando as zonas de produção aos

portos.”118

A partir de 1940 se acentua o crescimento populacional da cidade de Ponta Grossa,

mas até meados da década de 1960, esse crescimento também ocorria na área rural, embora

em menor proporção. A partir dessa década, no entanto, o espaço urbano ponta-grossense tem

um expressivo incremento populacional, em oposição à sua zona rural, que passa a apresentar

sucessivas quedas em sua participação percentual de população (TABELA 2).

116 PAULA, J. C. M. de. População, poder local e qualidade de vida no contexto urbano de Ponta Grossa – PR. 1993, 192 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus Rio Claro, Rio Claro, 1993. p. 69 e 86. 117 GONÇALVES; PINTO, op. cit., p. 46. 118 DITZEL; CHAVES, op. cit.

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Tabela 2 - População urbana, rural e total, em número absoluto, crescimento relativo e taxa de urbanização para o município de Ponta Grossa, no período de 1940 a 2000

Ano

População urbana

População rural

População total

Taxa de

urbanização (a/b*100) Absoluta

(a) Crescimento relativo (%)

Absoluta

Crescimento relativo (%)

Absoluta (b)

Crescimento relativo (%)

1940*

30.220

43,9

11.021

6,7

40.608

36,0

74,4

1950* 43.486 80,6

11.757 4,9

55.243 64,5

78,7

1960 78.557 43,9

12.332 12,4

90.889 39,7

86,4

1970 113.074 52,9

13.866 -1,2

126.940 47,0

89,1

1980 172.946 28,2

13.701 -10,1

186.647 25,3

92,7

1991 221.671 20,2

12.313 - 43,8

233.984 16,9

94,7

2000 266.552

6.917

273.469

97,5

* Inclui dados do distrito de Guaragi, território pertencente ao município de Ponta Grossa entre os anos de 1900 e 1940, mas que permaneceu anexado ao município de Palmeira até 1957, quando foi reincorporado à Ponta Grossa. Fontes: IBGE (Censos demográficos de 1940 a 2000); LÖWEN (1990). Organização: NASCIMENTO, E. (2005)

Examinando os dados da tabela acima, pode-se constatar que a população total do

município de Ponta Grossa sofre um crescimento expressivo no período de 1940 a 1960

(123%), saltando de 40.608 para 90.899 habitantes. Nesses vinte anos ocorre também um

aumento sucessivo na participação percentual da população urbana, passando de 74,4 % para

86,4%. Já o crescimento da população rural, em termos absolutos, praticamente se manteve

estável no referido período, elevando-se de pouco mais de 11.000, em 1940, para 12.332 em

1960. Para Löwen119, entre as causas desse crescimento generalizado, verificado não só em

Ponta Grossa, mas em grande parte dos municípios paranaenses, estão o próprio crescimento

natural e, principalmente, os movimentos migratórios para o Estado, ocorridos no período.

119 LÖWEN, op. cit., p. 41.

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Por outro lado, desde o início dos anos 1960 até a década atual, o crescimento da

população urbana contrasta com sucessivas quedas na participação percentual da população

rural, e também, a partir da década de 1970, no seu número em termos absolutos.

É importante salientar que a dinâmica populacional verificada no município a partir de

1960, esteve associada ao processo de industrialização e modernização produtiva que passava

a vigorar em determinadas regiões do país, entre as quais o Estado do Paraná e o município de

Ponta Grossa se inseriam. Vale lembrar também que é sobretudo desse decênio em diante que

as irregularidades no uso e na ocupação da terra urbana, principalmente as áreas de favelas,

tornaram-se notórias no espaço urbano ponta-grossense.

A partir do final da década de 1960 o poder público municipal passou a criar

condições favoráveis à industrialização local. O maior exemplo foi o chamado PLADEI –

Plano de Desenvolvimento Industrial de Ponta Grossa, proposto pelo executivo municipal em

1969, através do qual o poder público passou a subsidiar a instalação de indústrias na cidade,

criando nessa época o distrito industrial no bairro Cará-Cará e destinando também “parte da

receita tributária do município à reversão em estímulos para a instalação de indústrias”.120

Atraídas pelos incentivos fiscais e pela privilegiada localização do município como

importante entroncamento rodo-ferroviário do sul do Brasil, várias indústrias de capital tanto

nacional como estrangeiro se instalaram na cidade a partir dessa época, sobretudo nos grandes

eixos de circulação do espaço urbano, como a avenida Visconde de Mauá e a PR-151, além,

evidentemente, do distrito industrial.121 Também cabe ressaltar que a dinâmica de

industrialização vigente, “alterou o perfil da cidade na sua estrutura interna, com o

investimento nas pavimentações asfálticas, construção de praças e melhorias da iluminação

120 PAULA, op. cit., p. 49. 121 Dentre os estabelecimentos instalados em Ponta Grossa destacam-se aqueles vinculados ao complexo agro-industrial da soja, dentre as quais estão as empresas Anderson Clayton S. A. Indústria e Comércio, a Cargill Agrícola S. A., COINBRA – Comércio e Indústria Brasileira S. A., e INCOPA – Indústria de Óleos Vegetais, conforme LÖWEN, op. cit., p. 53.

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pública nos bairros”122, fato que modificou a dinâmica de valorização da terra na cidade e

contribuiu para a intensificação da especulação imobiliária.

Outro fator que impulsionou o crescimento da população urbana se refere às

transformações ocorridas no espaço rural paranaense na época, que acarretaram um intenso

movimento migratório do campo para as áreas urbanas. Analisemos com mais calma esse

processo. De acordo com Moro123, tais modificações têm raízes na política nacional de

incentivo à modernização do setor agrícola, adotada pelo Estado brasileiro a partir da década

de 1960, a qual visava atenuar os impactos econômicos causados pela crise no mercado

mundial do café (na época, o principal produto agrícola da economia brasileira e também da

paranaense), bem como, segundo Oliveira124, melhorar as relações comerciais brasileiras,

intensificando as transações com os países da Comunidade Econômica Européia e com o

Japão. Tal política previa, entre outras medidas, investimentos na industrialização de produtos

agropecuários e o fornecimento de crédito rural facilitado.125 Beneficiada pelos altos preços

alcançados pelos produtos de exportação, essa política deu início a um processo de

modernização do setor agrícola paranaense, aumentando, a partir da década de 1970, o uso de

máquinas, adubos (químico e orgânico) e de outros insumos pelos produtores.126 Por outro

lado, as culturas mais tradicionais como o algodão, o feijão e, principalmente, o café,

altamente empregadoras de mão-de-obra, foram substituídas por atividades mais ligadas aos

complexos agro-industriais, sobretudo a soja, o trigo e o milho.127

As modificações ocorridas na base produtiva causaram profundas alterações na

estrutura fundiária. Como assinalam Istake e Bacha, “A escala de operação das unidades

produtivas expandiu-se, tornando inviável a produção de culturas como a soja e o trigo em 122 SCHEFFER, op. cit., p. 42. 123 MORO, D. Á. A modernização da agricultura paranaense. In: VILLALOBOS, J. U. G. (Org.). Geografia social e agricultura. Maringá: UEM, 2000, p. 28. 124 OLIVEIRA, A. U. de. Agricultura brasileira: transformações recentes. In: ROSS, J. L. S. (Org.). Geografia do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1996. p. 469. 125 MORO, op. cit., p. 29. 126 Ibid., p. 30-31. 127 Ibid., p. 35-36.

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pequenas áreas”128. Com isso, o trabalho assalariado passou a se expandir no campo,

paralelamente a uma elevação do preço da terra.129 Tais fatos intensificaram o processo de

concentração da propriedade fundiária no Estado, comprometendo cada vez mais a oferta de

empregos no meio rural. Assim, conforme Moro, grandes contingentes populacionais foram

espoliados do espaço rural paranaense, de modo que parte significativa dessa população se

dirigiu para os centros urbanos do Estado, principalmente para as cidades que atuavam como

pólos regionais, como era o caso de Ponta Grossa.130

Nas últimas duas décadas Ponta Grossa passou por melhorias em sua infra-estrutura,

com modificações no sistema viário da cidade e nas rodovias de acesso ao espaço urbano,

além da transferência da estação ferroviária e da retirada dos trilhos das áreas centrais, o que,

segundo Scheffer, “favoreceu a expansão da malha urbana, fazendo crescer a periferia da

cidade.”131

Ponta Grossa termina o século XX ainda em ritmo de crescimento urbano, com uma

população citadina superior a 266.000 habitantes e apresentando uma elevada taxa de

urbanização: 97,5 % (vide TABELA 2). Notadamente, esse aumento populacional da cidade

se dá juntamente ao que se pode chamar de uma expansão urbana “desordenada” territorial e

socialmente, característica essa que se deve tanto às práticas especulativas que há muito

vigoram em Ponta Grossa (as quais serão comentadas no item seguinte), além da inexistência

de um ordenamento da ocupação urbana socialmente mais equilibrado.

É importante ter em conta que esse crescimento “desordenado” mantém

historicamente uma relação com as próprias características físico-territoriais da cidade. Já é

bastante conhecido que a expansão da cidade foi - e ainda é - influenciada pela morfologia de

128 ISTAKE, M.; BACHA, C. J. C. Evolução da agropecuária e da agroindústria no Paraná no período de 1970 a 1996. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 37, 1999, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu: SOBER/IAEE, 1999. Disponível em: <http://gipaf.cnptia.embrapa.br/itens/ publ/sober/sober.html#Area1>. Acesso em 19 abr. 2004. 129 PAULA, op, cit., p. 73. 130 MORO, op. cit., p. 50-51. 131 SCHEFFER, op. cit., p. 43.

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seu sítio, o qual apresenta características particulares. Como lembram Medeiros e Melo132, o

centro da cidade localiza-se num alto topográfico do qual divergem radialmente vários cursos

d’água, sendo que a expansão horizontal da malha urbana se deu sobretudo a partir dos

divisores topográficos. As grandes disparidades hipsométricas e a densa rede de drenagem,

existentes na cidade, caracterizam o sítio urbano ponta-grossense como uma superfície repleta

de vales, muitos dos quais constituídos de encostas com declividades acentuadas. Tais

características conferem ao sítio local um caráter bastante heterogêneo no que diz respeito às

possibilidades de ocupação, ocorrendo amplas áreas impróprias para serem edificadas, fato

que influi na dinâmica de organização do espaço urbano na medida em que certas áreas serão

mais bem valorizadas pelo capital imobiliário, ao passo que outras serão desprezadas e/ou

retidas pelo Estado para fins de proteção ambiental.

Como afirma Scheffer, “A urbanização, como um processo social e histórico, expressa

a lógica do uso e ocupação do solo urbano.”133 Em Ponta Grossa, como se procurou

esclarecer, a urbanização há muito vem ocorrendo com grande intensidade, desvencilhada de

uma disponibilidade de terras – mercadologicamente dizendo - para todos, tampouco de uma

disciplinarização dos usos da terra empreendidos com vistas à satisfação das necessidades dos

grupos sociais de uma maneira mais abrangente. É em tal contexto que são produzidas a

maioria das irregularidades de ocupação e uso da terra na cidade, assunto este que será

analisado de modo mais próximo na seção seguinte.

132 MEDEIROS, C. V.; MELO, M. S. de. Processos erosivos no espaço urbano de Ponta Grossa. In: DITZEL, C. de H. M.; LÖWEN SAHR, C. L. (Orgs.). Espaço e cultura: Ponta Grossa e os Campos Gerais. Ponta Grossa: UEPG, 2001. p. 109. 133 SCHEFFER, op. cit., p. 47.

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4.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS IRREGULARIDADES DE PONTA

GROSSA

O crescimento populacional apresentado pela cidade veio acompanhado também pela

expansão da área considerada urbanizada do município, principalmente nas últimas quatro

décadas. Em apenas vinte anos, no período de 1960 a 1980, a extensão da área urbanizada de

Ponta Grossa cresceu 40,6 %, passando de 43,06 para 60,55 km2. Se analisarmos o período

1980-2004, veremos que a expansão foi ainda mais significativa: nesse curto período de 24

anos, a área urbanizada do município deu um verdadeiro “salto”, totalizando, no final do

período, 138,5 km2, o que equivale a um acréscimo territorial de 128,7 % em relação à área

urbanizada de 1980 e de 321,64 % sobre a área existente em 1960.134

Tal crescimento se dá em proporção próxima ao percentual de crescimento da

população urbana, haja vista que, entre 1960 e 2000, o aumento da população urbana foi de

339,31 %. No entanto, Paula135 ressalta que, não obstante a proximidade entre os percentuais

de expansão do espaço urbano e de sua população, isto não significa de forma alguma que as

terras incorporadas tenham sido efetivamente ocupadas. Como se pode ver na tabela 3, na

área urbanizada do município existem, na verdade, amplas áreas desocupadas, bem como

extensos terrenos concentrados em poucas mãos, em sua maioria incorporados ao espaço

urbano na década de 1990, os quais são voltados para usos com características rurais

(chácaras e áreas de cultivo).

134 Dados obtidos no âmbito do projeto “Geoprocessamento aplicado ao mapeamento da evolução da ocupação e uso da terra na cidade de Ponta Grossa (PR)”, concluído em 2004, ao qual esta pesquisa esteve vinculada. As informações são advindas da interpretação de fotografias áreas dos anos de 1960 e 1980 e de imagem de satélite de 2004, além de levantamento de campo realizado nesse último ano. 135 PAULA, op. cit., p. 90-91.

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Tabela 3 - Participação percentual dos principais tipos de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, nos anos de 1960, 1980 e 2004

Tipo de uso

Anos 1960 1980 2004

Edificações

29,44

49,74

51,78

Lotes e glebas desocupadas 60,12 44,07 17,01 Chácaras e áreas de cultivo 2,03 2,42 19,98 Mata 6,74 3,03 5,04 Outros 1,67 0,74 6,19

Total 100,00 100,00 100,00 Fontes: Interpretação de fotografias aéreas (1960/1980) e imagem de satélite IKONOS (2004); pesquisa de campo (2004). Organização: NASCIMENTO, E. (2005)

Pode-se observar que, em 1960, menos de 30 % da área urbanizada comportava

edificações, ao passo que as áreas desocupadas somavam mais de 60 % do tecido urbano.

Examinando o mapa 1, pode-se notar que em 1960, a ocupação urbana se dava

preferencialmente na área central e nos grandes espigões do relevo, localizados ao longo dos

eixos leste-oeste e sul. Verifica-se neste ano também uma ampla ocorrência de áreas loteadas

sem ocupação, situadas em praticamente toda a periferia da cidade. Tais loteamentos eram

produzidos em áreas distantes do centro (como aqueles localizados nas porções sudeste e

sudoeste da área urbanizada), mesmo existindo locais mais próximos do centro para serem

ocupados (MAPA 1). De acordo com Paula136, tal fato resulta da dinâmica de especulação

fundiária por meio da qual o espaço urbano ponta-grossense foi (re)produzido no decorrer da

segunda metade do século XX. Conforme aponta o autor, sempre foi comum em Ponta Grossa

a aprovação de loteamentos sem nenhuma infra-estrutura, muitos dos quais localizados em

locais bastante distantes do centro. Tal prática, não só colaborava na manutenção da

especulação fundiária vigente, mantendo as terras mais centrais em pousio social, como

também servia para ratificá-la, na medida em que atendiam aos interesses dos proprietários

das terras periféricas, que buscavam apenas a obtenção de renda da terra ao loteá-las sem

prover o mínimo de infra-estrutura, ou seja, aplicando o mínimo de capital possível. 136 Ibid., p. 96.

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A partir das considerações do autor supramencionado, pode-se ainda tecer outra

consideração evidente e importante: vários desses loteamentos precários podem estar, sob os

olhos da legislação atual, em condição irregular de ocupação, uma vez que foram submetidos

à aprovação perante leis bem mais antigas e mais brandas que as atuais. Resta dizer ainda que

o poder público também se interessa pelo alargamento do perímetro urbano na medida em que

isso permite o aumento da arrecadação com impostos territoriais.137

Em 1980, apesar da densificação da ocupação ocorrida principalmente nas áreas mais

centrais, surgem ainda novos loteamentos, sobretudo nas porções norte e noroeste da área

urbanizada, acompanhando respectivamente as rodovias PR-151 e BR-376, além de alguns

loteamentos isolados no oeste e sudoeste da cidade. Pode-se notar que neste ano ainda era

significativa a participação das áreas desocupadas - notadamente nas áreas periféricas – as

quais respondiam por cerca de 44 % da área urbanizada total (vide TABELA 3 e MAPA 2).

Por sua vez, em 2004, a área urbanizada de Ponta Grossa apresentava uma

configuração peculiar, bastante diferenciada daquelas verificadas nas duas ocasiões anteriores.

No período 1980-2004 ocorre uma redução significativa, em termos percentuais, das áreas

desocupadas, que em 2004 somavam 17 % da área urbanizada total, estando estas

concentradas, predominantemente, nos novos loteamentos periféricos localizados nas porções

leste, nordeste, norte e noroeste da área urbanizada. Todavia, nesse período, a urbanização de

Ponta Grossa avança consideravelmente ao longo da BR-376 (sudoeste e sudeste da área

urbanizada), incorporando amplas áreas industriais e, principalmente, de chácaras e de uso

agrícola (MAPA 3). O avanço da área urbanizada sobre tais áreas caracteristicamente rurais –

muitas das quais já apresentando irregularidades de uso da terra, como veremos adiante -

também faz parte da dinâmica especulativa vigente no espaço urbano de Ponta Grossa, uma

vez que isso facilita uma eventual conversão do uso rural da terra para urbano e,

possivelmente, a produção de novos loteamentos periféricos - quiçá até irregulares. 137 Ibid., p. 88.

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Enquanto a área urbanizada se expande regida principalmente pela lógica da

especulação, repleta de loteamentos em condição irregular de ocupação, as irregularidades

ligadas à escassez de terras contraditoriamente se avolumam na cidade. O exemplo mais cabal

dessa situação é a evolução ocorrida do tipo de irregularidade mais preocupante no contexto

urbano – pelas más condições de moradias que as populações estão sujeitas, como já se

salientou - que são as favelas.

Löwen138 constatou que as primeiras favelas surgiram na cidade em meados da década

de 1950, sendo que o número de áreas faveladas aumentou significativamente nos anos

seguintes, surgindo, em média, onze novas favelas em Ponta Grossa a cada cinco anos.

Afirma, contudo, que foi notadamente a partir da década de 1970, no âmbito da modernização

agrícola paranaense e da industrialização local, que as favelas tiveram seu período de maior

instalação de barracos.

Como afirma Singer139, neste processo de modernização e industrialização “tardia”,

comum a vários países latino-americanos, o número de empregos criados pela economia

urbana é insuficiente para absorver toda a mão-de-obra espoliada do campo, fato que propicia

o surgimento de grupos populacionais marginalizados, pelo menos no que diz respeito à

moradia. Entretanto, Löwen Sahr destaca que não se pode determinar claramente a causa

preponderante do crescimento das áreas faveladas em Ponta Grossa:

As causas do crescimento das favelas no espaço urbano são complexas. Pode-se atribuir o crescimento do fenômeno a diversos processos, bem como a conjugação deles. São os processos mais gerais, como o êxodo rural, o empobrecimento da população, ou aqueles mais ligados a fatores internos da cidade, com o crescimento urbano especulativo e a segregação espacial.140

138 LÖWEN, op. cit., p. 76. 139 SINGER, P. Economia política da urbanização. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 48. 140 LÖWEN SAHR, C. L. Estrutura interna e dinâmica social na cidade de Ponta Grossa. In: DITZEL, LÖWEN SAHR, op. cit., p. 32.

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De uma maneira geral, as favelas ponta-grossenses há muito se localizam em áreas

impróprias à ocupação e à moradia. Conforme a autora acima mencionada, em Ponta Grossa

as áreas faveladas ocorrem, em sua maioria:

- em áreas destinadas para a construção de equipamentos de uso público, como praças e

escolas, por exemplo;

- em áreas de proteção ambiental (margens de cursos d’água, reservas florestais, etc.);

- em locais com características físicas desfavoráveis, que não podem ser ocupadas sem a

execução de obras de infra-estrutura, como em terrenos com acentuada declividade ou

sob risco de inundação, entre outros;

- em áreas que oferecem alto risco à função de moradia, como ao lado de ferrovias e sob

redes de alta tensão elétrica, etc.141

A maior parte das terras que abrigam favelas em Ponta Grossa é de propriedade do

poder público municipal. Ainda de acordo com Löwen Sahr, dentre as áreas públicas, as áreas

faveladas ocorrem predominantemente ao longo dos fundos de vale da cidade, pois a

ocupação desses lugares apresenta vantagens tanto para os favelados como para a

administração pública. Para os primeiros, tais áreas “significam uma relativa segurança por,

via de regra, pertencerem ao poder público municipal que representa uma menor ameaça de

expulsão do que os proprietários particulares.” Por sua vez,

Para o poder público municipal [...] também apresenta vantagens, sobretudo para a imagem da cidade e conseqüentemente para a imagem do governo local, pois como a administração municipal não dispõe de solução abrangente para o problema da moradia, deixar que se ocupem os vales “resolve” a situação emergencial e, ao mesmo tempo, “esconde” o problema.142

Como se pode ver, as irregularidades de uso e ocupação da terra urbana em Ponta

Grossa aparecem intimamente ligadas ao seu processo de urbanização, principalmente na sua

141 Ibid., p. 33. 142 Id.

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última fase (a partir do final da década de 1960), quando a legislação reguladora do uso da

terra se torna mais restritiva143 e intensifica-se o poder da cidade em atrair população, em

virtude do maior dinamismo econômico advindo de sua industrialização, concomitantemente

à desarticulação do modo de vida rural, que ajudou a projetar o espaço urbano, aos olhos de

diversos grupos sociais, como a melhor (ou mesmo a única) opção de acesso à terra e à

satisfação de suas necessidades.

Em tal conjuntura e considerando o “descaso” do poder público para com essa

questão, é absolutamente compreensível que a irregularidade de uso e ocupação da terra

mantenha-se elevada na cidade. A partir do próximo capítulo passar-se-á ao relato do trabalho

realizado de mapeamento dessas áreas, bem como à discussão dos resultados obtidos.

143 Vale lembrar que as restrições legais para a ocupação e uso da terra na cidade se intensificaram só a partir de 1967, com a formulação do primeiro plano diretor de desenvolvimento do município, ocasião em que foram estabelecidas maiores exigências para a aprovação de loteamentos, inclusive a manutenção de faixas de preservação permanente (menores que as atuais) nas margens dos cursos d’água. Ver PONTA GROSSA. Prefeitura Municipal. Plano diretor de desenvolvimento de Ponta Grossa - 1967. Disponível em: <http://pontagrossa.pr.gov.br> Acesso em: 07 set. 2004.

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5 ELABORAÇÃO DO MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE USO E OCUPAÇÃO

IRREGULAR

Procurou-se mostrar neste trabalho que a expansão de áreas de uso e ocupação

irregular da terra vem ocorrendo rapidamente na cidade de Ponta Grossa. Para efetuar o

mapeamento desse processo dinâmico surge como alternativa satisfatória o emprego de

tecnologias de geoprocessamento, as quais constituem-se num eficiente instrumental

tecnológico para captura, tratamento e análise de informações acerca do espaço geográfico,

que facilita e racionaliza possíveis intervenções sobre o mesmo.

Na primeira seção deste capítulo serão tecidas algumas considerações sobre as técnicas

e as tecnologias de geoprocessamento e sua importância para o processo de produção de

informações acerca do espaço geográfico. No item seguinte, serão elucidadas as etapas do

trabalho de mapeamento das áreas de uso e ocupação irregular da terra no espaço urbano

ponta-grossense, realizado com o emprego de geotecnologias.

5.1 GEOTECNOLOGIAS: UM INSTRUMENTAL EFICIENTE PARA ANÁLISES DO

ESPAÇO URBANO

Lacoste estabeleceu, com muita razão, que é fundamental conhecer um determinado

espaço “para saber nele se organizar, para saber ali combater”.144 E um dos conhecimentos

mais valiosos para essa necessária compreensão do espaço, já anunciado na ocasião pelo

autor, é a cartografia. Esta, assim como o conhecimento geográfico de uma maneira geral,

assume o papel de saber estratégico, fundamental na elaboração de ações racionais no e sobre

o espaço geográfico.

144 LACOSTE, Y. A geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Tradução de Maria Cecília França. 2. ed. Campinas: Papirus, 1989. p. 189.

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Como esclarece Santos, na atualidade, sob a égide do período técnico do modo de

produção capitalista intitulado técnico-científico-informacional, a produção e a transmissão de

informações - e aí se incluem as informações espaciais - assume uma posição de importância

ainda maior na dinâmica de reprodução espacial.145

Sob tal processo, os instrumentos e as técnicas de obtenção e tratamento de

informações cartográficas tiveram um grande desenvolvimento tecnológico, evolução essa

que, segundo Pereira e Silva146, foi bastante impulsionada, entre outros fatores particulares,

por necessidades de ordem militar, para subsidiar processos de levantamento de recursos

naturais e também, mais recentemente, para monitorar e controlar as condições do ambiente.

O advento de novas tecnologias de coleta e tratamento de informações cartográficas, aliado ao

aperfeiçoamento de técnicas já existentes, impulsionou o desenvolvimento das chamadas

tecnologias de geoprocessamento – ou, reunindo numa única palavra, das geotecnologias.

Há diversas e divergentes definições sobre o que vem a ser o geoprocessamento, mas

em linhas gerais, o termo se refere a um conjunto de técnicas computacionais pertinentes à

obtenção, armazenamento e análise de informações espacializadas, bem como o

“desenvolvimento, e uso, de sistemas que as utilizam”, como enuncia Rodrigues.147 O

geoprocessamento abrange diferentes tecnologias de coleta e tratamento de dados espaciais,

dentre as quais se destacam:

145 Ver SANTOS, M. A natureza... op. cit., p. 169-310. O chamado meio técnico-científico-informacional, inicia-se depois da 2ª Guerra Mundial e se consolida (incluindo os países de capitalismo periférico) na década de 1970. Esse período se caracteriza fundamentalmente por uma profunda interação entre ciência e técnica no processo produtivo e pela existência de um mercado global. Neste período, na acepção deste autor, “os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação e [...] a energia principal de seu funcionamento é também a informação.” p. 238. 146 PEREIRA, G. C.; SILVA, B.-C. N. Geoprocessamento e urbanismo. In: GERARDI, L. H. de O.; MENDES, I. A. (Orgs.). Teoria, técnica, espaços e atividades: temas de Geografia contemporânea. Rio Claro: AGETEO, 2001. p. 97. 147 RODRIGUES, M. Introdução ao Geoprocessamento. Simpósio Brasileiro de Geoprocessamento. São Paulo: POLI/USP, 1990. p. 01.

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− a cartografia digital, que consiste, grosso modo, na digitalização de dados espaciais148

e na “automação de tarefas cartográficas”;149

− o sensoriamento remoto, que “permite a aquisição de informações sobre objetos sem

contato físico com eles”150, via, por exemplo, fotografias aéreas e imagens de satélite;

− o Sistema de Posicionamento Global (GPS), que fornece, entre outras coisas,

informações sobre rumos e coordenadas, atualmente com precisão satisfatória, e ainda;

− as ferramentas computacionais para realização de operações de geoprocessamento: os

Sistemas de Informações Geográficas (SIG).151

Além das tecnologias mencionadas, as quais são de maior interesse frente aos

objetivos deste trabalho, vale ressaltar que faz parte do geoprocessamento uma infinidade de

outras técnicas referentes tanto à coleta, como ao armazenamento e trabalho com as

informações. De todas as técnicas, as mais relevantes são representadas adiante na figura 1.

Como apontam Câmara e Medeiros152, o geoprocessamento visa sobretudo contribuir

para a ampliação do conhecimento acerca do espaço geográfico, disponibilizando

instrumentos computacionais que forneçam subsídios para que os distintos analistas possam

identificar a evolução de um fenômeno geográfico no tempo e no espaço, bem como as inter-

relações mantidas entre os diferentes fenômenos.

148 Dado espacial é aqui entendido como “elementos definidos pelas variáveis x, y e [eventualmente] z, possuem localização no espaço e estão relacionados a determinados Sistemas de Coordenadas”, conforme SILVA, A. de B. Sistemas de informações geo-referenciadas: conceitos e fundamentos. Campinas: UNICAMP, 2003. p. 30. Os grifos são do texto original. 149 SANTOS, S. M. dos; PINA, M. de F. de; CARVALHO, M. S. Os sistemas de informações geográficas. In: CARVALHO, M. S.; PINA, M. de F. de; SANTOS, S. M. dos. (Orgs.). Conceitos básicos de Sistemas de Informação Geográfica e Cartografia aplicados à saúde. Brasília: Organização Panamericana da Saúde, Ministério da Saúde, 2000. p. 14. 150 NOVO, E. M. L. de M. Sensoriamento remoto: princípios e aplicações. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1992. p. 1. 151 CÂMARA, G.; MEDEIROS, J. S. de. Princípios básicos em Geoprocessamento. In: ASSAD, E. D.; SANO, E. E. (eds.) Sistema de Informações Geográficas: aplicações na agricultura. Planaltina: Embrapa-CPAC, 1998. p. 8. 152 Id.

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Figura 1 – Representação do universo do geoprocessamento. Fonte: FATOR GIS On Line (2005)

Uma dessas tecnologias de geoprocessamento que mais têm contribuído – e vale dizer,

pode ainda contribuir muito mais – para o entendimento da organização espacial é o Sistema

de Informações Geográficas (SIG). Não obstante as várias e distintas definições de SIG153, de

uma maneira mais ampla, pode-se caracterizar essa tecnologia, tomando por base as

contribuições de Matias154, como sendo um conjunto integrado de equipamentos, programas,

metodologias, dados geográficos e pessoas (usuários), destinado a tornar possível a captura, o

armazenamento, o processamento, a análise e a apresentação de dados referenciados

153 A bibliografia aponta uma diversidade de definições sobre o que vem a ser um SIG, fruto das distintas interpretações realizadas no âmbito do desenvolvimento e aplicação do sistema. Para ver algumas comparações entre diferentes conotações do termo SIG na literatura, consultar, entre outros, BRANCO, M. L. G. C. A geografia e os sistemas de informação geográfica. Território, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 77-91, jan./jul. 1997. p. 89-91; MATIAS, L. F. Sistema de Informações Geográficas (SIG): teoria e método para representação do espaço geográfico. São Paulo, 2001. 314 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 123-124; e SILVA, A. de B. op. cit., p. 42-45. 154 MATIAS, op. cit., p. 130-132.

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geograficamente. A maior vantagem dos Sistemas de Informações Geográficas reside, de um

modo geral, na sua capacidade de otimizar a produção de informações espaciais. Na acepção

de Matias, isto é possível, sobretudo, pela versatilidade desse instrumental, que possibilita o

trabalho com uma ampla gama de dados de natureza e características distintas. Nas palavras

desse autor:

O uso da tecnologia SIG instaura-se nas últimas décadas como um importante instrumento de aquisição, produção de análises e representação de informações sobre o espaço geográfico. Reúne para isso os conhecimentos e as práticas tecnológicas oriundas de diversas áreas do conhecimento científico, característica manifesta das tecnologias modernas, representando uma síntese do poder de manipulação de dados disponibilizado pelo meio computacional. Em um mesmo ambiente de trabalho, [...] permite tratar dados provenientes de fontes diversas, como exemplo, redes de monitoramento por satélites (imagens, sinais GPS, etc.), levantamentos de campo (topográficos, censitários, etc.), mapeamentos sistemáticos, mapeamentos temáticos, com escala de abrangência que vai do local ao global. Os formatos dos dados, por sua vez, também são diversificados e podem ser adquiridos e manipulados na forma de mapa, imagens, relatórios, gráficos, vídeos, entre outros.155

De acordo com Santos, Pina e Carvalho, essa versatilidade que têm esses sistemas,

“torna-os úteis para organizações no processo de entendimento da ocorrência de eventos,

predição e simulação de situações, e planejamento de estratégias”, pois “permitem a

realização de análises espaciais complexas através da rápida formação e alternação de

cenários”.156 Portanto, sua aplicação possibilita a realização de várias análises sobre o espaço

geográfico, subsidiando estudos e atuações no ramo ambiental, de ordem sócio-econômica e,

também, no que concerne à gestão do espaço urbano, como mostra, de forma esquemática, a

figura 2.

No que diz respeito à análise da organização do espaço urbano, a tecnologia SIG tem

se mostrado ser um instrumental eficiente. Através da integração entre diferentes mapas

temáticos e dados não espaciais (como indicadores socioeconômicos da população, por

exemplo) e da sua espacialização, permite a produção e a análise de informações espaciais, 155 Ibid., p. 267. 156 SANTOS; PINA; CARVALHO, op. cit. p. 15.

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proporcionando uma melhor compreensão da organização espacial da cidade, bem como

auxílio na elaboração de estratégias que possam melhorar a gestão do espaço urbano.157 Os

SIGs possibilitam a realização de inúmeras análises e correlações entre dados espaciais,

fornecendo respostas a vários questionamentos sobre as características de uma determinada

organização espacial, quais são as mudanças que estão acontecendo e quais são as tendências

de evolução dos fenômenos (TABELA 4).

Figura 2 – Organograma de representação das principais áreas de aplicação dos

Sistemas de Informações Geográficas. Fonte: adaptado de MATIAS (2005)

157 SIKORSKI, S. R. Geoprocessamento como instrumento de planejamento urbano. GIS BRASIL 96, Curitiba. Anais... Curitiba, 1996. p. 40 e 45.

USO DA TERRA

INFRA-ESTRUTURA

CENSO

MONITORAMENTO

RECURSOS NATURAIS

EIA/RIMA

PLANEJAMENTO URBANO

CONTROLE DE OBRAS

CADASTRO

SÓCIO-ECONÔMICAS

AMBIENTAIS

GERENCIAMENTO

APLICAÇÕES DE SIG

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Tabela 4 – Questionamentos básicos a serem respondidos por um SIG

Objetivo Questionamento

Localização

O que está em...? Condição Onde está...? Tendência O que mudou...?

Rota Qual o melhor caminho...? Padrão Qual a melhor variável...?

Simulação Ocorrendo um evento... Modelamento

Se ocorrer...

Fonte:

RHIND apud SILVA (2003, adaptado)

Em síntese, os Sistemas de Informações Geográficas, bem como as geotecnologias de

um modo geral, constituem-se num conjunto de instrumentos eficazes para a elaboração de

estudos que busquem entender a organização do espaço geográfico, em especial o espaço

urbano, bem como para propor medidas e subsidiar a elaboração de estratégias de intervenção

no/sobre o mesmo.

5.2 O PROCESSO DE LEVANTAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS IRREGULARES

Tendo em vista a heterogeneidade dos tipos de irregularidade de ocupação e uso

fundiário existentes no espaço urbano ponta-grossense, a etapa inicial da realização do

mapeamento consistiu na elaboração de uma tipologia de tais áreas, a fim de facilitar a

identificação e sua posterior caracterização em campo. Essa tipologia foi definida com base

em investigações de campo preliminares, além de consultas ao arcabouço jurídico que

normatiza a ocupação e uso da terra na cidade e estudos acerca das características da

organização espacial do espaço urbano de Ponta Grossa, como os já citados anteriormente no

capítulo 4. A tipologia estabelecida categoriza as áreas irregulares com relação aos seguintes

fatores:

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− Quanto à propriedade da terra: abrange as localidades cujo uso ou ocupação não é

respaldada por título de propriedade legal da terra – as chamadas “invasões” de terras;

− Quanto às faixas de drenagem: diz respeito a usos e ocupações dentro das faixas

marginais dos cursos e corpos d’água, considerados incompatíveis com a proteção da

rede de drenagem e dos fundos dos vales. Incluem usos que provoquem a remoção da

vegetação ciliar e possam provocar danos ao ambiente, como edificações diversas,

usos agrícolas ou o parcelamento da terra para fins de loteamento;

− Quanto à declividade do terreno: agrega ocupações e usos inadequados em terrenos

com declividade igual ou superior à 30%;

− Quanto às faixas de domínio de ferrovias: abrange ocupações localizadas até o limite

de 15 metros para cada lado da estrada de ferro;

− Quanto às faixas de domínio de redes de alta tensão elétrica: compreende usos e

ocupações inadequados, localizados dentro de uma faixa de 25 metros de largura

localizada abaixo das linhas de transmissão de energia elétrica. Esse valor adotado

corresponde à largura mais freqüente adotada na cidade158, uma vez que não existe um

valor fixo para tal medida.

A seguir foi iniciada a construção da base de dados georreferenciados sobre o tema.

Utilizando os dados da base cartográfica digital da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa

(PMPG, 2001), efetuou-se primeiramente a conversão dos arquivos contendo temas de

interesse – divisão de lotes, ferrovias, cursos d’água, linhas de transmissão elétrica etc. - do

formato .dxf (tipo AutoCAD) para o formato .shp, apropriado para o trabalho no ambiente

SIG. Obteve-se dados cartográficos - tanto na forma analógica como digital - também de

outras fontes, tais como cartas topográficas e bases cartográficas digitais do IBGE e de outros

158 Chegou-se a esse valor através de medições, realizadas via software de geoprocessamento, em fotografias aéreas e imagens de satélite.

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projetos realizados pelo Departamento de Geociências da UEPG. Uma vez inseridos no SIG,

tais dados, quando houve necessidade, também foram adaptados ao formato .shp.

As análises de geoprocessamento foram executadas, empregando softwares da família

ArcView GIS®.159 É importante ressaltar que, sempre que possível, os procedimentos de

digitalização foram efetuados com o auxílio de fotografias aéreas do ano 2001, com escala

aproximada de 1:2.000160, bem como de uma imagem do satélite IKONOS®, com resolução

espacial de 1 metro e registrada em 2004161, todas em meio digital – arquivo tipo .tiff. Vale

complementar que as fotografias também auxiliaram a análise da evolução e da organização

espacial de várias áreas irregulares. A título de exemplo, as figuras 3 e 4 exibem,

respectivamente, uma fotografia aérea e uma parcela da imagem de satélite utilizada na

pesquisa, mostrando dois momentos da organização espacial da vila Ouro Verde, extenso

loteamento irregular localizado na porção sudoeste da cidade.

A etapa seguinte consistiu no levantamento de informações sobre os tipos de uso e

ocupação da terra urbana. Tais informações foram obtidas diretamente em campo, em

trabalho realizado de maneira conjunta com o projeto “Geoprocessamento aplicado ao

mapeamento e análise da evolução da ocupação e uso da terra na cidade de Ponta Grossa

(PR)”162, momento em que foi efetuada - para toda a área urbanizada do município - a

159 O software ArcView GIS, empregado como suporte para a realização desta pesquisa, destaca-se como um dos mais utilizados na área geotecnológica, pois “supre as principais funções para organização, consulta e análise de informações georreferenciadas, utilizando uma estrutura de dados gráficos vetorial e banco de dados relacional”. Além disso, também apresenta módulos que suportam, entre outras tarefas, a realização de análises espaciais com dados matriciais, modelagem tridimensional de superfície, por meio de redes triangulares irregulares (TIN) e ainda o “processamento de imagens de sensoriamento remoto”, como aponta MATIAS, L. F. Sistema de Informações... op. cit., p. 194-195. 160 Obtidas junto ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Ponta Grossa (IPLAN). 161 Cedida pela Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. 162 Este projeto, do qual esta pesquisa é parte, foi realizado pelo Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Ponta Grossa, com apoio científico-financeiro da Fundação Araucária, e executado no período de agosto de 2002 a dezembro de 2004 pela equipe do Laboratório de Geoprocessamento, sob a coordenação do Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias. Seus objetivos principais consistiram em realizar o mapeamento do uso da terra urbana em Ponta Grossa nos anos de 1960, 1980 e 2004, bem como em avaliar a expansão da malha urbana e a evolução dos tipos de uso fundiário no decorrer das décadas, utilizando-se, para isso, de tecnologias de geoprocessamento.

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Figura 3 – Fotografia aérea do loteamento irregular Ouro Verde, registrada em 2001. Fonte: IPLAN (2001)

Figura 4 – Imagem de satélite IKONOS, passagem de 2004, exibindo o loteamento irregular Ouro Verde. Fonte: PMPG (2004)

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identificação do tipo de uso que era praticado predominantemente no lote ou, quando foi o

caso, na gleba.163

Finalizada esta etapa, iniciou-se a identificação das diferentes categorias de

irregularidade fundiária. As informações acerca das ocupações e usos em condição irregular

com relação à propriedade da terra no ano de 2004 foram extraídas de mapas analógicos

cedidos pelo Departamento de Assuntos Comunitários da Prefeitura Municipal de Ponta

Grossa (DEPAC/PMPG). Essas informações foram transferidas para o computador, através de

digitalização em tela sobre a base cartográfica.

As irregularidades existentes com relação às faixas de domínio e de drenagem foram

identificadas via software de geoprocessamento, utilizando a função “área de influência”

(buffer), que consiste no cálculo automático da área de influência (no caso, as faixas não

edificáveis) de um atributo qualquer (que aqui são as linhas de transmissão, as ferrovias e a

rede de drenagem). Visando facilitar a compreensão desse procedimento, a figura 5 exibe um

exemplo do mesmo, a qual representa o cálculo da faixa de drenagem do arroio do Padre,

utilizando a função buffer do programa ArcView GIS. A faixa de drenagem (em amarelo) foi

delimitada contando-se, a partir das margens do curso d’água (em azul), 30 metros para cada

lado do mesmo.

Na delimitação das faixas de domínio, utilizou-se os valores de 12,5 metros de cada

lado do eixo das redes elétricas e de 15 metros para as linhas férreas, contados a partir de cada

uma de suas margens. Por sua vez, para a rede de drenagem, empregou-se os mesmos

procedimentos atualmente utilizados pela Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento

e Meio Ambiente da prefeitura municipal, para a delimitação das faixas marginais.164

163 Os trabalhos de campo contaram ainda com a participação dos acadêmicos Alex Caetano da Silva, Gustavo Conceição Bahr, Naomi Anaue Burda, Rafael Justus Braciak, Vagner Zamboni Berto e Wladimir Teixeira Schuster, além do professor Lindon Fonseca Matias. 164 Segundo informações do Sr. Marcelo José Gonçalves, técnico da Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, obtidas em entrevista concedida ao autor no dia 22 de setembro de 2005. O entrevistado é um dos profissionais responsáveis pela delimitação das faixas de drenagem, bem como por sua observação em projetos de parcelamento e uso da terra e de edificação.

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Realizou-se o cálculo de área de cada bacia hidrográfica e adotou-se, como faixa não

edificável, os valores enunciados pela lei municipal n° 4.842/1992, excluindo aqueles menos

restritivos do que a legislação federal (lei n° 4.771/1965). Em lugar destes, aplicou-se a

metragem de 30 metros, estabelecida pelo Código Florestal, seguindo as recomendações do

parecer jurídico n° 06/1999. As áreas obtidas para cada bacia hidrográfica, bem como a

largura das faixas de drenagem adotadas, são mostradas adiante, respectivamente pelos mapas

4 e 5.

Figura 5 – Cálculo da faixa de drenagem do arroio do Padre, no software ArcView GIS, utilizando a função buffer.

Organização: NASCIMENTO, E. (2005)

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Finalmente, para a obtenção das áreas irregulares quanto à declividade do terreno,

construiu-se um modelo digital de elevação (MDE) a partir da triangulação entre as curvas de

níveis - como o exibido adiante pela figura 6 -, empregando-se o módulo Arc View GIS 3D

Analyst. O modelo foi classificado de acordo com as declividades do terreno calculadas na

triangulação e convertido do formato .tin (dado cuja estrutura é tridimensional) para .grid

(bidimensional), o qual é, na verdade, uma imagem do modelo. Utilizando um outro módulo

do sistema ArcView, o Image Analysis, realizou-se, em seguida, a vetorização da imagem

.grid, gerando-se um arquivo .shp e obtendo-se a representação das áreas de interesse

na forma de polígonos. Desses polígonos obtidos, calculou-se automaticamente a área somada

por aqueles correspondentes às declividades iguais ou superiores a 30%.

Cumpridas tais etapas, efetuou-se o cálculo da extensão territorial das áreas irregulares

para cada classe de uso e ocupação da terra e também para cada categoria de irregularidade.

Com essas informações em mãos, foram realizadas visitas em campo para observação,

registro e caracterização da organização espacial das áreas e de indicadores do perfil

socioeconômico dos habitantes e, quando foi o caso, dos impactos ambientais decorrentes de

tal forma de ocupação. Foram realizadas 50 entrevistas com moradores de diferentes áreas e

situações de irregularidade, orientadas com formulário contendo questões semi-abertas, com o

fito de obter algumas informações particulares às localidades e categorias de uso e ocupação

irregular. E ainda duas entrevistas com profissionais do poder público que atuam junto aos

locais de grande parcela das irregularidades: a assistente social do Departamento de Assuntos

Comunitários, Srª. Ana Seres Leite, e o técnico da Divisão de Controle Ambiental da

Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente, Sr. Marcelo José

Gonçalves, ambos da prefeitura municipal. Nos apêndices A, B, C e D apresenta-se,

respectivamente, um modelo de cada formulário aplicado: para observação e para as

entrevistas com os moradores e os diferentes representantes do poder público.

91

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Figura 6 – Modelo digital de elevação (MDE) com as declividades das vertentes dos arroios da Prancha

(menor, em primeiro plano) e Lajeado Grande (mais extenso, ao fundo). Organização: NASCIMENTO, E. (2005)

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6 ANÁLISE DOS TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA

URBANA EM PONTA GROSSA

Os resultados obtidos pela pesquisa mostram que o fenômeno da irregularidade de uso

e ocupação da terra apresenta-se de forma marcante no espaço urbano de Ponta Grossa. A

cidade contempla irregularidades de tipos e naturezas distintas, e produzidas por diferentes

grupos e classes sociais no transcorrer da história. Nesse processo complexo, notadamente os

mais pobres saem perdendo, “ficando” com as irregularidades mais danosas para si e para sua

família, como locais de moradia afastados dos meios de consumo e sem condições de

habitabilidade.

Neste capítulo procurar-se-á realizar um diagnóstico geral da irregularidade de uso e

ocupação da terra na cidade de Ponta Grossa na atualidade (mais precisamente referente ao

ano de 2004). Serão apresentados os principais indicadores estatísticos concernentes a tais

irregularidades no tocante à situação (categoria) de irregularidade existente e ao tipo de uso

e/ou ocupação praticado e, em seguida, será efetuada uma caracterização geral da organização

espacial de tais áreas irregulares.

6.1 QUANTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS IRREGULARIDADES

Os resultados de nossas investigações mostram que, no ano de 2004, 13,17 km2 (mais

precisamente 1.317,23 hectares) da área urbanizada apresentavam-se em irregular condição de

uso e/ou ocupação da terra, perante às determinações da legislação competente ou à situação

jurídica da propriedade fundiária. Esse valor equivale a aproximadamente 9,5% de toda a área

urbanizada do município (que naquele ano totalizava 138,5 km2).165

165 Dado este que consiste em um dos resultados do projeto maior, ao qual esta pesquisa esteve vinculada.

93

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Essa irregularidade aparece bem distribuída e bastante diferenciada no bojo do espaço

urbano. Com o intuito de facilitar a exposição dos resultados e sua discussão, optou-se por

organizá-los em dois sub-itens: um enfocando as categorias de irregularidade, e outro,

priorizando o modo de utilização das terras.

6.1.1 Quanto às categorias de irregularidade

Dentre os diferentes critérios de identificação de áreas irregulares, constatou-se uma

expressiva maioria das irregularidades relacionada às faixas de drenagem (1.161,27 hectares),

valor bastante superior, inclusive, ao total de áreas com propriedade irregular da terra (favelas

e loteamentos irregulares), que é 3,5 vezes menor (327,14 hectares) (TABELA 5).

Tabela 5 – Categorias de uso e ocupação irregular e área ocupada, segundo diferentes critérios de

irregularidade

Categoria de irregularidade

Área (em hectares)

Faixas de drenagem 1.161,27 Propriedade da terra 327,14

Declividade do terreno igual ou superior a 30% 21,74 Faixas de domínio de ferrovias 4,74

Faixas de domínio de linhas de transmissão elétrica 2,66 Área total (excluindo-se as sobreposições entre as áreas)166 1.317,23

Organização: NASCIMENTO, E. (2005)

Tendo em vista a grande superioridade do total de áreas irregulares em faixas de

drenagem, frente ao somatório de terras com propriedade irregular, é evidente que há amplas

áreas de faixas de drenagem que estão ocupadas sob a proteção legal da propriedade jurídica

da terra. Esse fato merece uma atenção especial. Tal disparidade ocorre, em primeiro lugar,

pelo fato de que os loteamentos mais antigos da cidade, notadamente aqueles anteriores a

166 A diferença no total das áreas se deve ao fato de ocorrerem, em certas áreas, mais de um tipo de irregularidade, como no caso, por exemplo, de usos residenciais localizados ao lado de cursos d’água, quando os mesmos podem ser considerados irregulares tanto em relação ao limite da faixa de drenagem estabelecida para o local, como também em relação à propriedade jurídica da terra.

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1967, eram aprovados – ou melhor, incorporados ao tecido urbano - sem nenhuma exigência

de reserva de faixa marginal de proteção dos cursos d’água ou de preservação de qualquer

depressão responsável pelo escoamento hidrográfico. Mesmo durante parte da década de

1970, quando já existiam alguns instrumentos jurídicos que normatizavam a ocupação

fundiária, era comum a produção de áreas residenciais sem o estabelecimento de qualquer

metragem de faixa marginal, fato que só passou a ser exigido com maior freqüência somente a

partir do final dessa década, com a elaboração da Lei federal n° 6.766/1979.167

Portanto, grande parte das áreas loteadas com propriedade fundiária legal que estão

atualmente dentro dos limites de faixas de drenagem, foi produzida e ocupada sobretudo antes

de 1980. Um exemplo é a residência mostrada na figura 7, localizada ao lado do arroio Pilão

de Pedra, na vila Ana Rita, que, conforme o próprio morador, tem a propriedade jurídica da

terra regularizada, cujo limite do terreno se estende até a margem do curso d’água.

Se fizermos uma correlação dos atuais limites das faixas marginais com o tipo de

ocupação da terra na cidade nos anos de 1960 e 1980, pode-se comprovar a expressiva

ocupação das atuais faixas de drenagem, ocorrida até o último ano mencionado. Analisando as

informações dos mapas 6 e 7, pode-se observar que em 1960 e principalmente em 1980,

várias das áreas que atualmente são consideradas como faixas de proteção da rede de

drenagem já estavam loteadas e abrigavam edificações. Em sua maioria, são essas as

localidades que, na atualidade, encontram-se em condição irregular de ocupação perante a

legislação ambiental, mas com a propriedade jurídica fundiária, em sua maioria,

regulamentada.

Nota-se que já em 1960 a maior parte das terras correspondentes às atuais faixas de

drenagem já tinha sido incorporada à malha urbana, mas até este ano a ocupação ocorrera com

167 GONÇALVES, M. J. Entrevista. 22. set. 2005; LEITE, A. S. Entrevista. 27. set. 2005.

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Figura 7 – Residência com propriedade jurídica fundiária regular, localizada ao lado do arroio Pilão de Pedra. Foto: NASCIMENTO, E. (2005)

maior intensidade apenas nas áreas lindeiras às nascentes de alguns arroios, localizadas em

torno do centro da cidade. No entanto, grande parte das áreas restantes já estava loteada,

porém predominantemente desocupada, inclusive várias localidades distantes do centro. Tal

configuração espacial faz parte do processo de especulação fundiária que, como já se afirmou

no 4° capítulo, comandou a expansão urbana do município na segunda metade do século XX

(MAPA 6). Por sua vez, no período de vinte anos, a ocupação e a edificação dentro das atuais

faixas marginais se densifica, ao mesmo tempo em que o parcelamento da terra também

avança sobre algumas novas áreas, principalmente a sudeste da cidade. Em 1980 já aparecem

também algumas áreas de favelas, ocupando alguns terrenos desprezados pelo mercado

imobiliário, como nas porções norte (arroio da Prancha) e noroeste da área urbana (arroio

Lajeadinho), e também nas proximidades do centro (arroio do Padre) (MAPA 7).

96

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O número de áreas irregulares em terras regulamentadas foi aumentado

consideravelmente nos anos 1990, década em que ocorreu, como já se afirmou, a

incorporação ao perímetro urbano de uma ampla área localizada no sudeste da atual área

urbanizada, ao longo da BR-376. Isso porque nesse novo setor da cidade havia, e ainda há, o

predomínio de grandes lotes de uso industrial e de glebas com uso agrícola, em tese, terras em

situação regular em relação à propriedade jurídica (ver mapa no APÊNDICE E).

Uma outra condicionante da ampla ocorrência de áreas legalizadas dentro de faixas

marginais é a já comentada natureza complexa da lei atual que normatiza a ocupação de

fundos de vale na cidade. A contradição em relação às determinações do Código Florestal,

aliada à falta de critérios mais simples e claros para a sua implementação, favoreceu a

ocupação legal de várias áreas dentro das faixas de drenagem, uma vez que antes de 1999,

seguia-se integralmente os parâmetros da lei municipal de setores de fundos de vale (lei n°

4.842), adotando-se inclusive os valores menos restritivos do que os 30 metros de distância

marginal, exigidos pela legislação federal. Evidentemente essas ocupações são tidas nos dias

atuais como conflitantes em relação aos parâmetros jurídicos utilizados para a delimitação de

tais faixas. Ademais, perante a ausência de critérios objetivos para se delimitar com clareza as

bacias hidrográficas – procedimento necessário para a elaboração da contagem da largura da

faixa -, essa delimitação é (e sempre foi) feita de maneira a priori, subjetiva, ficando

dependente dos conhecimentos e dos critérios adotados pelos diferentes profissionais

responsáveis.168

Constatou-se que no ano de 2004, apenas 15,42% das irregularidades referentes às

faixas de drenagem diziam respeito a usos e ocupações com propriedade jurídica em situação

irregular, ao passo que toda a área restante (84,58% do total) se encontrava amparada pela

propriedade legal da terra (TABELA 6).

168 GONÇALVES, op. cit.

99

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O mapa 8 exibe as localidades das faixas de drenagem que apresentavam

irregularidade de uso ou de ocupação em 2004, sendo essas classificadas conforme a condição

da propriedade da terra. Pode-se observar que as irregularidades com propriedade fundiária

legal aparecem predominantemente nas áreas periféricas das faixas de drenagem, ao passo que

as ocupações com propriedade irregular se localizam notadamente nos fundos de vales,

justamente os locais que normalmente são ignorados pelo mercado imobiliário. Pode-se notar

ainda a ocorrência de várias outras áreas irregulares com a propriedade fundiária regularizada,

concentradas sobretudo no eixo de expansão urbana situado no sudeste da área urbanizada.

Tais irregularidades dizem respeito predominantemente a amplos terrenos com chácaras, uso

agrícola e industrial (ver também APÊNDICE E).

Tabela 6 - Condição da propriedade da terra e área ocupada pelas irregularidades de uso e ocupação da terra

existentes nas faixas de drenagem em 2004

Condição Área (em hectares) Participação percentual Favelas 166,61 14,35

Loteamentos irregulares 12,45 1,07 Usos e ocupações diversos com

propriedade jurídica regular 982,21 84,58

Total 1.161,27 100,00

Organização: NASCIMENTO, E. (2005)

A segunda categoria de irregularidade fundiária urbana corresponde às ocupações com

propriedade irregular da terra. Na análise dessas áreas é importante separar as favelas dos

loteamentos irregulares. As áreas de favelas correspondem à ampla maioria das

irregularidades com relação à propriedade fundiária - 81% -, enquanto que os 19% restantes

correspondem aos diferentes loteamentos informais.

100

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Ainda sobre os dados das categorias de irregularidade identificadas (TABELA 5), as

demais – acentuada declividade topográfica e em faixas de domínio de ferrovias e linhas de

transmissão elétrica - aparecem ocupando áreas bem menores do que as duas anteriormente

comentadas. Isso ocorre principalmente porque esses locais se apresentam como aqueles que a

população mais tem receio de ocupar (principalmente para uso residencial), em virtude dos

riscos oferecidos serem mais “visíveis” do que nas margens de arroios, e ainda, no caso das

faixas de domínio, pelo medo de serem expulsos do local a qualquer momento, em virtude da

fiscalização periódica empreendida pelas empresas responsáveis pelo transporte ferroviário e

pela distribuição de energia elétrica – muito mais intensa, diga-se de passagem, do que aquela

(in)exercida pelo poder público municipal sobre os cursos d’água.

6.1.2 Quanto às classes de uso e ocupação da terra

As áreas irregulares apresentam uma variedade de tipos de uso e de ocupação da terra,

podendo ser verificados desde usos voltados para fins habitacionais, relativos à produção e

venda de mercadorias e à prestação de serviços, até usos com características eminentemente

rurais, como áreas de cultivo, hortas e algumas chácaras. A tabela 7, exibida adiante,

apresenta as classes de uso e ocupação irregular da terra identificadas no espaço urbano

ponta-grossense e a área total de cada uma.

Como se pode ver na referida tabela, 46,28% da área em condições de irregularidade

dizem respeito a usos residenciais. Este é um número expressivo, indicativo de que 20,4% de

toda a área ocupada por esse uso em Ponta Grossa no ano de 2004169, se encontravam em

condições inadequadas de ocupação, seja pelas más condições do local, seja pela carência da

regularização jurídica da terra que, como vimos, é condição essencial para a regularização da

construção. 169 Lembramos que o total de áreas com uso residencial unifamiliar na área urbanizada de Ponta Grossa era, em 2004, de 2.985,70 hectares.

102

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Tabela 7 - Classes de uso e ocupação da terra em condições de irregularidade

Classe de uso/ocupação Área (em hectares) Participação percentual Residencial unifamiliar

609,59

46,28

Desocupado 210,63 15,99 Cultivo 185,30 14,07 Chácara* 141,63 10,75 Industrial 80,17 6,09 Equipamento coletivo privado(1) 25,32 1,92 Outros(2) 18,70 1,42 Equipamento coletivo público(3) 17,98 1,36 Misto(4) 9,73 0,74 Serviço Privado 8,48 0,64 Comercial 5,12 0,39 Horta 2,37 0,18 Residencial plurifamiliar 1,73 0,13 Serviço Público 0,48 0,04 Total

1.317,23 100,00

Notas: (1) Equipamento de uso coletivo pela comunidade mas de propriedade particular; (2) Usos diferentes daqueles da classificação estabelecida; (3) Equipamento de uso coletivo pela população e pertencente ao poder público, seja municipal, estadual ou federal; (4) Mais de um tipo de uso ocupando o mesmo lote.

* Considerou-se os usos inadequados praticados no interior das chácaras (edificações e construções diversas, usos agrícolas e remoção da vegetação).

Organização: NASCIMENTO, E. (2005)

Todavia, a participação das residências unifamiliares, embora ampla, é menor do que

comumente se costuma imaginar. Um quarto da superfície total irregular se encontrava

ocupada por estabelecimentos com características rurais: 185,30 hectares de áreas agrícolas,

141,63 hectares de chácaras, além de uma pequena extensão (0,48 hectares) ocupada por

hortas. Além disso, há outros 67,11 hectares (5,09%) ocupados por tipos de uso que ocorrem,

em sua maioria, associados aos locais das residências, que são os equipamentos de uso

coletivo, os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, além dos usos mistos. Os

usos industriais também possuem uma participação significativa dentre as irregularidades,

respondendo por 6,09% delas (80,17 hectares). Sobre este uso, cabe frisar que a maioria

absoluta dessa área irregular – aproximadamente 80% - é produzida pelas grandes

companhias do complexo industrial do sul e sudeste da cidade, cabendo apenas cerca de um

103

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quinto daquelas irregularidades aos pequenos estabelecimentos localizados nas áreas

residenciais.

Finalmente, uma classe de uso – poderíamos dizer, de “desuso” – da terra muito

importante e de participação significativa dentre as irregularidades é a de áreas desocupadas,

fato indicativo da especulação que vigora mesmo dentro das áreas irregulares da cidade. Esta

é a segunda maior classe de uso irregular, totalizando nada menos do que 210,63 hectares, o

equivalente a 16% da área irregular total.

As classes de uso também se distribuem entre as diferentes categorias de

irregularidade de uso e ocupação da terra, como pode ser visto na tabela 8.

Tabela 8 - Participação percentual das diversas classes de uso da terra em cada categoria de irregularidade

Classe de uso/ocupação

Categoria de irregularidade

Faixas de drenagem

Propriedade da

terra

Domínio de

ferrovias

Declividade igual ou

superior a 30%

Domínio de linhas de

transmissão elétrica

Residencial unifamiliar

41,32

90,69

35,44

56,49

99,25

Desocupado 16,58 6,95 4,85 31,05 - Cultivo 15,97 - 5,49 - X Chácara* 12,19 - 1,90 - - Industrial 6,79 - 19,62 4,87 0,75 Equipamento coletivo privado

2,13 0,10 1,69 1,20 -

Equipamento coletivo público

1,54 - - 0,92 -

Outros(2) 1,28 0,74 28,48 1,47 - Misto 0,77 1,07 0,21 0,83 - Serviço Privado 0,65 0,32 1,48 1,24 - Comercial 0,41 0,06 0,42 1,33 - Horta 0,20 0,05 - 0,09 X Residencial plurifamiliar 0,14 0,02 0,42 0,14 - Serviço Público 0,03 - - 0,37 - Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

X – Não considerado como irregular * Considerou-se os usos inadequados praticados no interior das chácaras (edificações e construções diversas,

usos agrícolas e remoção da vegetação).

Organização.: NASCIMENTO, E. (2005)

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Verificou-se que as residências unifamiliares predominam em todos os critérios de

irregularidade adotados, em especial nas faixas de domínio das redes de alta tensão elétrica e,

o mais importante (que predomina, evidentemente, nas ocupações residenciais dentro das

faixas de domínio): com relação à propriedade jurídica da terra. Isso exprime a dificuldade

das classes sociais - em especial daquelas mais carentes, pelo que se pôde observar - em

satisfazer a necessidade da moradia dentro do circuito imobiliário, que leva os indivíduos às

ocupações de terras “livres”, na maioria dos casos em condições impróprias para a habitação.

O item seguinte traz mais informações sobre a natureza dessa ocupação.

Os dados da tabela 8 mostram ainda que a maior variação de usos ocorre nas faixas de

drenagem – não por acaso, a categoria que abrange a maior extensão de irregularidades -,

onde há, desde o parcelamento da terra, como usos residenciais, industrial e lotes vazios,

dentre outros, até áreas com chácaras e uso agrícola.

6.2 LOCALIZAÇÃO, NATUREZA OCUPACIONAL E ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DAS

IRREGULARIDADES

Nesta seção realizar-se-á uma discussão sobre as participações de cada uma dessas

classes de uso da terra dentre as irregularidades, avaliar-se-á as suas principais causas e a sua

evolução, e ainda serão tecidas algumas considerações sobre a organização espacial existente.

A análise foi organizada em duas partes, enfocando duas realidades diferentes: a primeira

engloba as áreas predominantemente residenciais, ao passo que a segunda enfoca as grandes

áreas de uso industrial e de características rurais.

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6.2.1 Áreas irregulares residenciais: favelas, loteamentos irregulares e ocupações em

desacordo com a legislação urbana

Pode-se dizer que a análise dos fragmentos do espaço urbano voltados para a habitação

é de fundamental importância, pois são nesses locais onde se concentra a maior parcela da

população urbana e onde se dá o desenrolar da vida social e a reprodução dos grupos e classes

sociais. E nas localidades com irregularidade de uso e ocupação da terra, isso não é diferente.

Nas áreas irregulares residenciais de Ponta Grossa, além dos usos residenciais

propriamente ditos (uni e plurifamiliar), normalmente ocorrem também outros usos que têm a

função de servir a população residente nessas áreas, como os locais de serviços e

equipamentos de uso coletivo, terras em pousio social (lotes desocupados), e mesmo, em

algumas áreas, pequenos lotes com chácaras e usos industriais (ver APÊNDICE E).

Estes tipos de uso ocorrem diferenciados com relação à propriedade da terra e a sua

organização espacial, constituindo a maior parcela das áreas regularizadas em desacordo com

leis específicas, em especial a lei federal n° 6.766/1979 e a lei municipal de proteção de

fundos de vale (lei n° 4.842/1992), dos loteamentos irregulares e das favelas. As primeiras

ocorrem em vários locais onde existem áreas em situação fundiária legal, mas em dissonância

com as determinações das referidas leis. Pode-se observar no mapa 9, que esses usos

aparecem, em sua maioria, dentro das faixas de drenagem, mas também ocorrem, em número

bem menor, em alguns locais com acentuada declividade topográfica e ao lado de ferrovias.

Conforme já adiantado, a origem dessas áreas remonta, sobretudo, à elaboração de

loteamentos e conjuntos residenciais em épocas anteriores à consolidação da legislação que

disciplina o uso e ocupação da terra na cidade. Em geral, nesses locais a população dispõe de

melhores condições sócio-econômicas do que aquelas encontradas nos loteamentos irregulares

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e nas favelas. As entrevistas realizadas com os moradores e as observações feitas in loco

indicam que naqueles locais, as edificações são constituídas de material de melhor qualidade

(alvenaria ou de madeira resistente), e melhor construídas, fato decorrente, em grande parte,

pela melhor situação sócio-econômica das famílias - se comparada àquela dos moradores dos

loteamentos e das favelas – e também por fatores derivados da condição regular da

propriedade fundiária, que tem garantido a permanência dos habitantes no local, motivando-os

a empreender melhorias junto ao mesmo. Anima alguns habitantes, inclusive, a investir

capital no imóvel para modificar o seu uso, transformando-o, entre outros estabelecimentos,

num local de prestação de serviços ou em um ponto de comércio, usos estes praticados, em

muitas ocasiões, conjuntamente ao uso residencial. Veja, por exemplo, o estabelecimento

exibido adiante pelas figuras 8a e 8b, um uso misto – com função residencial e comercial

(foto a) -, localizado nas proximidades de um curso d’água, cuja depressão pode ser

visualizada na porção central da foto b.

Vale dizer ainda que nas áreas irregulares com propriedade fundiária legalizada, a

população moradora normalmente dispõe de uma melhor infra-estrutura básica, sobretudo

com relação à rede interna de esgoto e pavimentação viária (como é o caso da ocupação

irregular da figura 8), além de uma maior disponibilidade de serviços e equipamentos de uso

coletivo.

Já os loteamentos irregulares têm como característica marcante a irregularidade no que

tange à propriedade jurídica da terra. Foram identificados oito loteamentos nessa condição de

ocupação: seis assentamentos realizados pelo poder público (Estrela da Colina, Estrela

Atlântica, Estrela Augusta, Jardim Bela Vista do Paraíso, Jardim Esperança e Ouro Verde) e

dois loteamentos irregulares stricto sensu (Jardim Jundiaí e Vila Romana). Em entrevista, a

assistente social do DEPAC nos informou que todas estas áreas foram loteadas recentemente,

108

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(a)

(b)

Figura 8 – Vistas de uso misto (residencial e comercial), localizado às margens. de um curso d’água, na vila Baronesa.

Fotos: NASCIMENTO, E. (2005)

109

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sendo a maioria delas construída entre os anos de 2001 e 2004. Ainda de acordo com a

entrevistada, o processo de produção se deu, em linhas gerais, em quatro processos diferentes:

− no caso dos loteamentos Ouro Verde e “Estrelas” Augusta, Atlântica e da Colina, o

poder público, pressionado por grupos populacionais organizados e incentivados pela

organização não-governamental “União por Moradia Popular”, adquiriu as terras

atualmente ocupadas e as transformou em assentamentos;

− as vilas Jardim Esperança e Jardim Bela Vista do Paraíso consistem em loteamentos

produzidos pelo próprio poder público, onde foram assentadas algumas famílias

removidas de antigas favelas localizadas em áreas de risco (proximidades de arroios e

estradas de ferro);

− as terras correspondentes a atual Vila Romana foram loteadas e vendidas sem que o

loteador realizasse toda a infra-estrutura exigida pela lei municipal de elaboração de

loteamentos (lei n° 6.326/1999)170, e;

− o loteamento Jardim Jundiaí, que foi invadido antes de ser concluído todo o processo

de loteamento.171

De um modo geral estes loteamentos se localizam em áreas periféricas da cidade (vide

MAPA 9) e estão assentados predominantemente em terras que oferecem condições para

edificação, embora existam parcelas de algumas dessas áreas inseridas em faixas de

drenagem, como ocorre, por exemplo, no loteamento Jardim Jundiaí, (exibido adiante na

figura 14), situado na porção noroeste da área urbanizada (APÊNDICE E). A disponibilidade

de meios de consumo e equipamentos coletivos dentro do próprio loteamento é praticamente

nula. A análise dos dados sobre o uso da terra aponta a existência de alguns poucos

170 Para conhecer tais parâmetros, consultar PONTA GROSSA. Lei n° 6.326, de 15 de dezembro de 1999. Consolida e atualiza a legislação que fixa as normas para a aprovação de arruamentos, loteamentos e desmembramentos de terrenos no município de Ponta Grossa. Disponível em: <www.pontagrossa.pr.gov.br>. Acesso em 07 set. 2004. 171 LEITE, op. cit.

110

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estabelecimentos de uso misto nesses loteamentos. Não havia nenhum estabelecimento de

prestação de serviços e tampouco equipamentos coletivos, de maneira que torna-se impossível

freqüentar a escola ou ir a um posto de saúde, sem se deslocar a grandes distâncias.172 Outros

serviços como de transporte coletivo e de infra-estrutura, sobretudo de pavimentação e rede

de esgoto, também são praticamente inexistentes.

As favelas, finalmente, constituem um caso à parte dentre as irregularidades em áreas

residenciais, por estarem apresentando, sobretudo nos últimos 15 anos, um crescimento

significativo no espaço urbano local. A tabela 9 exibe alguns dados existentes e estimados

sobre o total de população habitante da área urbana de Ponta Grossa, bem como dos

percentuais de habitantes em favelas nos respectivos anos. Pode-se ver que em 1960, época

anterior ao grande afluxo de migrantes rurais para a cidade, a população favelada era inferior

a 1% do total da população urbana. Vinte anos mais tarde, após o auge do processo migratório

do campo para a área urbana local, esse percentual já era de 11%. Apesar da redução do fluxo

migratório, a população favelada continuou crescendo a taxas superiores do que a população

urbana em geral, de maneira que em 1996, os favelados já respondiam em mais de 16% do

total. Mas foi a partir de 1997 que a cidade teve o maior incremento de população habitante

em favelas. Considerando as médias de 30 domicílios por hectare e de 7,3 habitantes por

domicílio nas áreas faveladas173, pôde-se fazer uma estimativa em 2004 aproximadamente

58.730 pessoas viviam nesse tipo de moradia na cidade, o que equivale à cerca de 20,4% de

toda a população citadina.

172 Isso pôde ser constatado nos trabalhos de campo. Aliás, o “isolamento” provocado pela escassez de serviços básicos foi a principal queixa apresentada pelos entrevistados. 173 Médias relativas ao ano de 1996, provenientes de informações demográficas e de extensão territorial obtidas em levantamento de campo, realizado nas favelas de Ponta Grossa entre os anos de 1995 e 1996, pelo Departamento de Assuntos Comunitários da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. Ver PONTA GROSSA. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Assistência Social. Departamento de Assuntos Comunitários. Levantamento sócio-econômico de ocupações irregulares. Ponta Grossa, 1996. O dado referente à área das favelas em 1996 foi por nós obtido, através de digitalização de mapas analógicos pertencentes ao trabalho supramencionado, e posterior cálculo automático via software de geoprocessamento.

111

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Tabela 9 - Evolução da população favelada em Ponta Grossa no período de 1960 a 2004*

Ano População urbana (A) População favelada (B) % de (B) em relação a (A)

1960 78.557 628 0,80 1980 172.946 19.024 11,00 1991 221.671 30.709 13,85 1996 244.248(1) 39.461(2) 16,16(2) 2004 287.757(3) 58.730(4) 20,40(4)

(1) Valor estimado pelo IBGE. (2) Estimativas realizadas a partir da média de habitantes/domicílio e de domicílios/hectare nas áreas faveladas. (3) Estimativa nossa, realizada aplicando-se a proporção de população urbana de 2000 à estimativa populacional do IBGE para o município, em 2004. (4) Estimativas realizadas a partir da aplicação das médias de habitantes/domicílio e de domicilio/hectare, obtidas para o ano de 1996 * As definições de favela utilizadas no decorrer dos anos não são necessariamente as mesmas.

Fontes: IBGE (censos demográficos 1960, 1980, 1991; Contagem da População 1996; Estimativa populacional 2004); LÖWEN (1990); LÖWEN SAHR (2001); DEPAC/PMPG (1996, 2004); PMPG (2004). Organização: NASCIMENTO, E. (2005)

Embora as causas do crescimento das favelas na cidade de Ponta Grossa sejam

complexas, como já foi lembrado no item 4.2, a assistente social do DEPAC174 nos revelou

que dois fatores têm sido de fundamental importância para a expansão desse tipo de ocupação

da terra urbana a partir de 1997. O primeiro deles – que também vale para os loteamentos

irregulares – se refere à origem de novas ocupações irregulares, que têm ocorrido, nos últimos

oito anos, impulsionadas por políticos da cidade interessados, sobretudo, na formação de

novos eleitorados. Nesse processo, tais políticos “concediam” a permissão para a população

ocupar determinados terrenos vazios. Só que no caso das favelas, as áreas ocupadas quase

sempre eram impróprias para serem habitadas, que oferecem risco à saúde e à vida dos

próprios ocupantes, como fundos de vale e faixas de domínio. O segundo fator, por sua vez,

que atua na consolidação das áreas ocupadas, se refere às relações de parentesco e de amizade

que geralmente existem entre os ocupantes. Normalmente os indivíduos migram para essas

174 LEITE, op. cit.

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novas áreas porque lá já mora um parente ou conhecido seu, que o ajudará na adaptação ao

novo ambiente.175

A organização espacial das favelas ponta-grossenses não foge aos padrões comumente

consagrados:

− traçado urbanístico “aleatório”, apenas com alguns caminhos estreitos para

deslocamento de pedestres, contrastando com os loteamentos vizinhos (veja-se, por

exemplo, a favela da vila Flávio Carvalho Guimarães, mostrada a seguir pela figura 9);

− alta densidade de ocupação, raramente com divisão de lotes (a favela exibida pela

figura 9 – delimitada em vermelho - se apresenta como um bom exemplo);

− habitações em condições precárias, bastante vulneráveis às intempéries, fato que

aumenta o risco de acidentes em alguns fundos de vale com encostas íngremes, como

é o caso, por exemplo, de algumas ocupações da vila Nossa Senhora das Graças

(FIGURA 10).

A maior parte das favelas também está concentrada dentro das faixas de drenagem, ocupando

sobretudo as porções mais próximas dos cursos d’água. Mas há áreas faveladas em várias

outras localidades do espaço urbano. As favelas ocupam também a maior parte das

irregularidades existentes em terrenos declivosos e nas faixas de domínio de ferrovias e linhas

de transmissão de energia elétrica (FIGURA 11). Estes locais apresentam fortes restrições de

uso e de ocupação devido aos sérios riscos que oferecem, razão pela qual, quase sempre, são

mantidos vazios. Mesmo assim, não obstante essa periculosidade, tais locais aparecem como

mais uma possibilidade de acesso à terra urbana para algumas classes sociais, em geral as de

menor poder aquisitivo. Finalmente, há também áreas faveladas que são fruto de “invasões”

175 Singer nos ajuda a melhor esclarecer tal processo: “A adaptação do migrante recém-chegado ao meio social se dá freqüentemente mediante mecanismos de ajuda mútua e de solidariedade de migrantes mais antigos. Isto significa que o lugar que o novo migrante irá ocupar na estrutura social já é, em boa medida, predeterminado pelo seu relacionamento social, isto é, por sua situação de classe anterior.” SINGER, P. Economia política... op. cit., p. 55.

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Figura 9 – Imagem da favela da vila Senador Flávio Carvalho Guimarães. Fonte: PMPG (2004)

Organização: NASCIMENTO, E. (2005)

Figura 10 – Favela em encosta com acentuada declividade, localizada na vila Nossa Senhora das Graças. Foto: NASCIMENTO, E. (2005)

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Figura 11 – Ocupações irregulares na faixa de domínio de uma rede de alta tensão elétrica, na vila Santa Mônica. Foto: NASCIMENTO, E. (2005)

de algumas áreas plenamente edificáveis, como alguns terrenos abandonados, ou ainda certas

glebas mantidas em pousio por seus proprietários.

No que concerne aos usos da terra, as áreas faveladas, principalmente aquelas onde a

ocupação já se encontra “consolidada”, apresentam uma heterogeneidade interna bem maior

do que a mostrada pelos loteamentos irregulares, contando com uma maior disponibilidade de

pequenos serviços e estabelecimentos comerciais. Notadamente são atividades de pequeno

porte, como mercearias, pequenos estabelecimentos de prestação de serviço privado, como

salões de corte de cabelo e oficinas mecânicas. Tais estabelecimentos abastecem as

comunidades de mercadorias e prestam-lhes certos serviços que geralmente requerem pouca

especialização. Apesar de boa parte das mercadorias vendidas naqueles estabelecimentos

comerciais ter maiores preços do que nas grandes lojas, os diálogos com os moradores nos

115

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esclareceram que em tais estabelecimentos a população local se aproveita de algumas

vantagens, como a compra com pagamento a posteriori (o popular “fiado”), além de permitir,

para certas ocupações distantes de áreas comerciais, a economia de tempo e de dinheiro com

deslocamento para consumir em estabelecimentos de maior porte, longe de casa.

Além desses estabelecimentos gerais de caráter privado, verifica-se também - em raros

casos, mesmo nos loteamentos – a presença de certos equipamentos estatais de uso coletivo,

como escolas e postos de saúde, resultado das reivindicações populares junto ao Estado ao

longo do tempo. Um exemplo no mínimo curioso é o posto de saúde da Vila Princesa dos

Campos, exibido pela figura 12, o qual foi construído recentemente sobre a área de várzea do

arroio da Olaria (que pode ser observada ao fundo e ao lado do posto), a poucos metros do

curso d’água, que corre do outro lado (FIGURA 12). Embora necessária, a disponibilidade de

serviços e equipamentos públicos nas favelas, assim como nas áreas irregulares em geral, a

sua existência não deixa de ser mais uma das várias contradições através das quais o espaço

urbano é (re)produzido, afinal, em tal situação, o próprio Estado, instância responsável pela

legislação (perante vários interesses, evidentemente), viola (novamente com vários interesses)

a mesma legislação por ele criada, ao fomentar determinadas irregularidades.

De um modo geral, as ocupações de locais destinados à preservação permanente por

áreas residenciais tem ocasionado sensíveis danos ao ambiente, principalmente nos fundos de

vale. Nestes locais freqüentemente observam-se impactos negativos como a remoção da

vegetação ciliar (cedendo lugar, predominantemente, para áreas faveladas), a erosão de

encostas e o assoreamento do leito dos cursos d’água. Estes, aliás, são os que sofrem os

maiores impactos, recebendo, além de sedimentos transportados das encostas, praticamente

todo o esgotamento sanitário das ocupações circundantes (inclusive, em vários casos, de

ocupações em áreas regularizadas, mais afastadas do fundo do vale, em alguns casos), em

decorrência, sobretudo, da inexistência das instalações sanitárias em tais ocupações – em sua

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Figura 12 – Posto de saúde em área de várzea, localizado na vila Princesa dos Campos. Fonte: NASCIMENTO, E. (2005)

maioria improvisadas, que levam os resíduos diretamente dos domicílios para a rede de

drenagem. É comum ainda encontrar-se grandes quantidades de lixo doméstico, lançado

diretamente nos talvegues e nas encostas dos cursos d’água mais densamente ocupados. A

figura 13, exibida a seguir, mostra a poluição do arroio Lajeadinho, na favela da vila Flávio

Carvalho Guimarães. Além da evidente concentração de lixo doméstico, esse arroio tem

também uma grande quantidade de efluentes, fato denunciado pela cor escura da água.

Para finalizar a análise sobre as áreas residenciais, cabe tecer uma nota sobre os lotes

desocupados, que ocorrem em larga proporção nesses locais, exceção feita às favelas. Tal fato

é reflexo da própria dinâmica especulativa inerente ao processo de reprodução do espaço

urbano de Ponta Grossa, no qual várias áreas são deixadas vazias à espera de valorização.

Esse tipo de uso da terra ocorre nos loteamentos informais (ver, a título de exemplo, a figura

14) e principalmente nos locais com propriedade legal da terra - locais estes que são mais

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Figura 13 – Detalhe da poluição do arroio Lajeadinho. Foto: NASCIMENTO, E. (2005)

Figura 14 – Vista do Jardim Jundiaí, loteamento irregular com vários lotes desocupados. Foto: NASCIMENTO, E. (2005)

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valorizados dentro do conjunto do espaço urbano. A existência de lotes desocupados em áreas

irregulares, além de denunciar a especulação que vigora inclusive nessas áreas, pode ser um

indicativo de um possível aumento da população habitante de áreas irregulares num futuro

próximo, assim como, em certos casos, ser expressão de um aumento da apropriação indevida

de certas áreas non aedificandi.

6.2.2 Os terrenos amplos: áreas de uso industrial, agrícola e chácaras

Nesta seção examinar-se-á um outro lado da dinâmica da irregularidade de uso e

ocupação da terra em Ponta Grossa, que é aquele constituído pelas extensas áreas industriais e

de uso caracteristicamente rural.

Iniciemos a análise pelo mais extenso desses usos, as áreas de cultivo, as quais, como

já visto anteriormente, respondem por pouco mais de 14% do total de irregularidades, mesmo

inseridas na área urbanizada do município. A ampla maioria desses usos se localiza no sudeste

da área urbanizada, ao longo do eixo de expansão da cidade no entorno da BR 376, e também,

em menor número, nas porções sul e noroeste (MAPA 10), além dos inúmeros focos

distribuídos por todo o espaço urbano, internamente às áreas residenciais, como mostra a

figura 15.

A expressiva participação dessa classe de uso pode ser explicada por dois fatores. De

acordo com o técnico da Secretaria Municipal da Agricultura, Abastecimento e Meio

ambiente, o primeiro – e principal deles – é a grande ocorrência de terras com esse uso,

sobretudo em zonas periféricas da área urbana, que, para o profissional entrevistado, atendem

notadamente a interesses político-econômicos de determinados proprietários fundiários

interessados na conversão do uso da terra de rural para urbano e, para isso, estende-se o

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Figura 15 – Área de cultivo em faixa de drenagem, localizada nas proximidades da vila 31 de Março. Foto: MATIAS, L. F. (2004)

perímetro urbano até essas áreas. Mas enquanto a incorporação à malha urbana contínua não

ocorre, utiliza-se as terras para determinados usos agrícolas, inclusive aquelas localizadas nas

faixas de drenagem.176

Ainda conforme o mesmo entrevistado, um outro fator que contribui – em menor

proporção - para a existência de áreas irregulares de uso agrícola na área urbanizada é o

mecanismo de gestão urbana denominado cessão de uso da terra, adotado pelo poder público

municipal, com o objetivo de resguardar áreas públicas – em especial, de preservação

permanente – contra determinados usos e ocupações considerados “mais impactantes”, como

é o caso, por exemplo, da ocupação para a construção de favelas. O profissional acima citado

afirma que é comum o Departamento de Meio Ambiente da prefeitura municipal, ceder o uso

176 GONÇALVES, op. cit. Sobre essas práticas, o entrevistado nos fornece um exemplo concreto. Ele revela que o proprietário de uma das áreas com uso agrícola irregular, localizada no sudeste da área urbanizada, está providenciando o parcelamento da área para fins urbanos e inclusive já solicitou informações à Divisão de Controle Ambiental da prefeitura municipal, para realizar o loteamento.

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de determinadas áreas de faixas de drenagem para uso agrícola “doméstico” (sem o emprego

de insumos químicos), em troca de o beneficiado proteger o local contra futuras “invasões”.177

Dependendo do tipo de cultivo utilizado (com ou sem uso de insumos químicos), do

tipo de terreno (declividade, composição do solo etc.) e também da proximidade em relação à

drenagem, a ocupação de faixas de drenagem para uso agrícola pode acarretar sensíveis danos

ao ambiente, tais como a poluição de águas fluviais, comprometendo o abastecimento hídrico,

o transporte de sedimentos para dentro do curso d’água e conseqüente assoreamento do canal

fluvial, entre outros.

Por sua vez, as chácaras, com exceção das terras ao longo do grande “eixo-sudeste” da

área urbanizada, ocorrem em praticamente toda a cidade, em especial nos bairros Olaria e

Cará-Cará e no extremo oeste, no bairro Shangrilá (MAPA 10). A natureza irregular de sua

ocupação é semelhante a das áreas de cultivo: em geral se dá a ocupação de terras lindeiras à

rede de drenagem e a remoção da vegetação, para dar lugar principalmente a usos

agropecuários e de lazer. A diferença para com as áreas agrícolas é que geralmente os

proprietários das chácaras estão mais interessados no valor de uso dessas terras do que os

daquelas áreas, e assim, não concentram os seus esforços para loteá-las. A título de exemplo,

a figura 16 exibe, em imagem IKONOS, uma chácara em condição irregular de ocupação da

terra numa faixa de drenagem, onde notadamente a porção da chácara inserida na área de

preservação permanente (delimitada em vermelho) apresenta claras alterações de uso,

contrastando com o prolongamento da faixa de drenagem, em verde. Pode-se claramente

observar que houve a substituição da vegetação existente no local, para a construção de

galpões (FIGURA 16).

Finalmente, a significativa participação percentual das atividades industriais dentre as

irregularidades de uso e ocupação da terra (6,09%), também se deve quase integralmente a

localizações internas a faixas de drenagem, sobretudo de terrenos situados no sul da área 177 Id.

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urbana e no grande eixo industrial da cidade existente na porção sudeste da mesma, ao longo

da BR-376 (MAPA 10). Dependendo da atividade desenvolvida e principalmente da infra-

estrutura que ela comporta para a disposição dos resíduos, a grande proximidade a cursos

d’água pode favorecer a contaminação da drenagem.

Figura 16 – Detalhe em imagem de satélite, de uma chácara em condição irregular de ocupação, localizada ao lado de um curso d’água na vila Pinheiro.

Organização: NASCIMENTO, E. (2005)

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou contribuir com o conhecimento acerca do processo de

(re)produção e organização desigual do espaço urbano de Ponta Grossa, realizando um

diagnóstico geral da irregularidade de uso e de ocupação da terra em seu sentido mais amplo,

procurando abranger não somente as favelas e os loteamentos informais, mais abarcando

também outras formas de uso fundiário inadequado e ilegal existentes na área urbanizada do

município. Objetivou-se, com isso, ultrapassar a visão tradicional e equivocada que atribui

somente aos grupos sociais mais pobres a responsabilidade pelo modo caótico através do qual

a cidade cresce e se organiza.

Os resultados da pesquisa mostraram que, no espaço urbano de Ponta Grossa, a

propriedade jurídica fundiária e irregularidades de uso e ocupação da terra não mantém uma

relação estreita entre si. A ampla maioria das irregularidades diz respeito a terras

juridicamente regulamentadas, as quais são utilizadas por grupos sociais de renda mais

elevada do que os ocupantes de áreas não regularizadas.

Este estudo deixou clara também a grande variedade existente com relação à ocupação

e o uso da terra nas áreas em situação irregular, ocorrendo em tais áreas desde habitações

diversas, até estabelecimentos vinculados a atividades econômicas diferenciadas, tais como

estabelecimentos industriais (de pequeno e de grande porte), pontos de comércio, usos

voltados para a produção agrícola e/ou especulação imobiliária, chácaras com funções

diversas, entre outros. Por outro lado, não obstante tal heterogeneidade, é significativa nas

áreas irregulares a participação dos usos residenciais (em sua ampla maioria unifamiliares),

com destaque para as favelas, tipo de ocupação fundiária que vem apresentando, nos últimos

anos, um processo de crescimento em contínua aceleração. Considerando que são nos locais

de moradia que as populações efetivamente vivem o seu dia-a-dia e se reproduzem enquanto

sociedade, a ampla ocorrência de áreas habitacionais em situação fundiária irregular revela

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uma precarização das condições de vida de parcela significativa da população ponta-

grossense, ocorrida no âmbito da expansão urbana, pois se mora-se mal, normalmente vive-se

mal.

Certos tipos de irregularidades de ocupação e uso fundiário ainda desencadeiam e/ou

aprofundam danos ao ambiente, como remoção da cobertura vegetal de áreas de preservação

permanente, desestabilização de encostas e poluição de cursos d’água, impactos estes que

trazem conseqüências sobretudo às próprias populações moradoras dessas áreas irregulares,

pois aprofundam ainda mais os riscos à saúde e à integridade física que a ocupação de tal

local oferecem, comprometendo a qualidade de vida dessa população.

Embora as irregularidades existentes no espaço urbano ponta-grossense, como se

procurou demonstrar, sejam bastante distintas entre si e propiciem benefícios e malefícios

para os grupos sociais igualmente distintos, o que igual para todas elas é o fato de que fazem

parte de um mesmo processo contraditório de (re)produção do espaço urbano. Antes de

qualquer coisa, tais irregularidades são o resultado histórico das lutas e estratégias de distintos

grupos e classes sociais – notadamente determinados proprietários de fundiários, grupos

sociais com baixos níveis aquisitivos e desprovidos de propriedade de terras, agentes políticos

e do próprio Estado – para ter acesso à terra, com vistas a fazer dela o uso mais satisfatório

e/ou rentável possível.

Cabe destacar que as reflexões apresentadas pela pesquisa são de caráter geral,

havendo ainda muito que ser investigado acerca do tema abordado. No caso das diferentes

irregularidades residenciais, entre outros fatores, podem ser melhor examinados o perfil dos

moradores das áreas juridicamente regulamentadas, das favelas e dos loteamentos irregulares

(procedência, estrutura familiar, escolaridade, renda etc), visando apreender possíveis

diferenças, bem como, no caso das favelas, os fatores específicos que levam à ocupação de

novas áreas e os diferentes atores políticos que atuam juntamente aos grupos ocupantes. Pode-

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se também aprofundar a análise sobre a organização espacial dos terrenos amplos,

verificando, por exemplo, os tipos de cultivo efetuados e de insumos realizados em áreas

agrícolas irregulares, as características das atividades industriais desenvolvidas nos locais de

irregularidade, etc. É válido ainda investigar em maiores detalhes a participação do poder

público tanto no desencadeamento e ratificação de irregularidades, bem como no sentido de

procurar minimizá-las ou equacioná-las.

Conforme foi exposto neste trabalho, o fenômeno do uso e da ocupação irregular da

terra manifesta-se com grande intensidade no espaço urbano de Ponta Grossa. O pleno

conhecimento de tais formas ilegais e informais de produção da cidade pode fornecer

subsídios para a elaboração de medidas que visem uma gestão mais adequada do espaço

urbano, possibilitando compatibilizar a seletividade no acesso à terra urbana e a proteção de

determinadas áreas não edificáveis, e melhorando, por essa via, a qualidade de vida de

significativa parcela da população.

E nessa tarefa de identificação das irregularidades, a aplicação de tecnologias de

geoprocessamento, em especial, dos Sistemas de Informações Geográficas, se revelou ser de

bastante eficaz. Nesta pesquisa, esse instrumental permitiu a realização de tarefas complexas

com relativa facilidade e confiabilidade, além da verificação de certos parâmetros da

legislação que se apresentam grandes dificuldades para serem apreciados em campo –

sobretudo os cálculos da declividade do terreno e da extensão lateral das faixas de drenagem.

Desse modo, reafirma-se que as geotecnologias assumem uma posição de relevância no que

concerne à produção do conhecimento e à elaboração de estratégias sobre a organização do

espaço urbano.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE A - Formulário de observação

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FORMULAÇÃO DE OBSERVAÇÃO

Local: Data: Coordenadas (x, y): 1 - Informações gerais: a) categoria(s) de irregularidade(s) existente(s): ( ) propriedade fundiária ( ) faixa de domínio de ferrovia ( ) faixa de drenagem ( ) faixa de domínio de linhas de transmissão ( ) declividade acentuada b) tipo predominante de uso da terra: ( ) áreas habitacionais regularizadas ( ) residencial ( ) loteamentos irregulares ( ) favelas ( ) terras desocupadas ( ) industrial ( ) chácaras ( ) cultivo 2 – Sobre possíveis riscos a que estão expostas as populações: a) há riscos de deslizamento de encostas? b) há riscos de enchentes? c) há riscos evidentes da ocorrência de acidentes relacionados à ferrovias ou linhas de transmissão de energia elétrica? Quais? Porque? 3 – Sobre possíveis danos ambientais em faixas de drenagem: a) o curso d’água aparenta estar poluído? Por que? b) há lixo jogado em curso d’água? De que tipo? c) ocorre o despejo de esgoto no curso d’água? De onde vêm os efluentes? d) há vegetação nas encostas e na margem do curso d’água? e) o curso d’água se mostra assoreado? f) há algum processo erosivo nas encostas? Qual? 4 – Sobre aspectos físicos das moradias e urbanísticos das vilas: a) existe arruamento? Como está organizado? b) há divisões de lotes? Como é o ordenamento das casas? c) de um modo geral, as casas são constituídas de que material?

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d) aparentam serem seguras quanto a chuvas e possíveis movimentos de massa? Por que? 5 - Sobre a disponibilidade de infra-estrutura e serviços: a) infra-estrutura disponível: ( ) luz elétrica regularizada Observações: ( ) pavimentação Observações: ( ) rede de esgoto pluvial Observações: ( ) rede de esgoto doméstico Observações: b) há disponibilidade, em locais vizinhos ou na própria área irregular, de serviços e acesso a áreas comerciais? 6 - Sobre áreas industriais, de cultivo e de chácaras: a) para que fim as terras em situação irregular estão sendo utilizadas? b) há danos ambientais aparentes em decorrência de tais ocupações? Quais? 7 - Outras observações importantes:

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APÊNDICE B - Formulário utilizado nas entrevistas com moradores de áreas

irregulares

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FORMULÁRIO DE ENTREVISTA

Local: Data: Tipo de irregularidade: 1 - Nome do entrevistado: Idade: Escolaridade: Profissão: Ocupação atual: Onde trabalha? Onde fica o local de trabalho? Com que transporte vai ao trabalho? ( ) a pé/de bicicleta ( ) de ônibus da empresa ( ) de transporte coletivo ( ) Outro Renda Pessoal: Desempregado: Há quanto tempo: Como está sobrevivendo? ( ) Renda própria ( ) Ajuda de amigos/parentes ( ) Ajuda de programas governamentais ( ) Outro. Qual?

2 – Cônjuge: Idade: Escolaridade: Profissão: Ocupação atual: Onde trabalha? Onde fica o local de trabalho? Com que transporte vai ao trabalho? ( ) a pé/de bicicleta ( ) de ônibus da empresa ( ) de transporte coletivo ( ) Outro Renda Pessoal: Desempregado: Há quanto tempo: Como está sobrevivendo? ( ) Renda própria ( ) Ajuda de amigos/parentes ( ) Ajuda de programas governamentais ( ) Outro. Qual? 3 – Filhos: Total: Menores: Maiores: Quantos estudam: 4 – Agregados: Total: Menores: Maiores: Quantos estudam: 5 - Renda familiar mensal: 6 – O(A) sr(a) sempre morou em Ponta Grossa? ( ) Sim ( ) Não 7 – Há quanto tempo o(a) sr(a) mora nesta vila? 8 – Onde o(a) sr(a) morava antes de se mudar para esta vila? Outra Vila de Ponta Grossa: Município: UF: ( ) Área urbana ( ) Área rural 9 – Qual foi o principal fator que fez com que o(a) sr(a) se mudasse?

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10 – Qual a condição do lote? ( ) Próprio ( ) Invadido ( ) Cedido – Por quem? 11 – O (A) Sr(a) tem documentos do terreno? ( ) Sim ( ) Não 12 – Como você ficou sabendo do lote? ( ) Familiares ( ) Amigos ( ) Políticos ( ) Associações populares ( ) Propaganda ( ) Investigação própria ( ) Outra forma – Qual? 13 – Por que veio morar neste local? ( ) Proximidade de familiares/amigos ( ) Proximidade do emprego ( ) Baixo preço da área ( ) Menor chance de ter que deixar a área ( ) Outro motivo – Qual? 14 – Como ocorreu a ocupação da área? ( ) Individualmente pela família ( ) Coletivamente ( ) Foi outra família que fez a ocupação ( ) Área não “invadida” 15 – Gostaria de se mudar do local? ( ) Sim ( ) Não – Por que? 16 – Condição da moradia: ( ) Própria ( ) Alugada ( ) Cedida – Por quem? 17 – Material da residência: ( ) Alvenaria ( ) Madeira ( ) Mista ( ) Outro – Qual? 18 – Infra-estrutura disponível: Água encanada: ( ) Sim ( ) Não – De onde é coletada a água? Rede de esgoto ( ) Sim ( ) Não – Como é feito o esgotamento? Coleta de lixo ( ) Sim ( ) Não – Onde é despejado o lixo? ( ) Energia elétrica ( ) Telefone ( ) Pavimentação 19 – Há vantagens em morar nesta vila? Quais? 20 – Há problemas em morar neste local? 21 – Quais as principais melhorias que devem ser implementadas na vila? 22 – É comum a ocorrência de doenças nos integrantes da família? Quais? 23 – Algum integrante da família participa de alguma entidade comunitária? Qual? Assinatura/Rubrica do entrevistado:______________________________________________

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APÊNDICE C – Formulário utilizado na entrevista com o técnico da Divisão de

Controle Ambiental, da prefeitura municipal

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FORMULÁRIO DE ENTREVISTA

1. A lei municipal de fundos de vale, da forma que está enunciada, pode confrontar o

Código Florestal. Com quais objetivos principais foi realizada aquela lei? 2. Até 1999, no processo de delimitação das faixas de drenagem, utilizava-se unicamente a

legislação municipal de proteção de fundos de vale, que era menos restritiva que a legislação federal. Como ficam as ocupações que antes não eram irregulares e depois passaram a sê-lo?

3. Como é feito, pela secretaria municipal, o processo de verificação das condições

adequadas para a realização de um loteamento? 4. Com quais parâmetros é feita a delimitação das bacias hidrográficas e a quantificação de

sua área? 5. Há várias ocupações dentro das faixas de drenagem que não são favelas (estão em

situação regular). Porque isso ocorre? 6. Como é feito o controle do uso em faixas de drenagem de áreas com uso rural,

localizadas dentro do perímetro urbano. Quais são as providências tomadas com relação aos usos em situação irregular?

7. Quais são as medidas a serem tomadas com relação às favelas e loteamentos clandestinos

existentes nas faixas de drenagem? 8. Quais são as medidas tomadas em relação a ocupações irregulares com grande

declividade topográfica?

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APÊNDICE D – Formulário utilizado na entrevista com a assistente social do

Departamento de Assuntos Comunitários, da prefeitura municipal

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ROTEIRO DE ENTREVISTA

1. Dentre as ocupações irregulares de Ponta Grossa, algumas são loteamentos. Quais desses loteamentos são irregulares strictu sensu e quais são clandestinos? 2. Como se deu o processo de loteamento e de ocupação dessas áreas? Os lotes foram invadidos ou pagos pela população? 3. Quais são atualmente as ações do poder público perante esses loteamentos? E para com os loteadores? 4. Há várias áreas loteadas e ocupadas em locais que pela lei são não edificáveis. Por que isso ocorre? 5. As ocupações irregulares restantes são favelas. Como se dá a sua ocupação? É espontânea pela população ou motivada por interesses (políticos, econômicos etc)? Citar exemplos. 6. É (ou foi) comum a “concessão” irregular de terras por agentes políticos ou econômicos (seja ela não-edificável ou não) para fins de ocupação irregular? 7. Encontra-se muitas áreas irregulares que não são utilizadas (ou não somente) para fins de moradia – como estabelecimentos comerciais, mistos, igrejas. Como é o tratamento dessas áreas pelo poder público? 8. Quais são atualmente as ações do poder público para com as favelas?

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APÊNDICE E – Mapa final de áreas de uso e ocupação irregular da terra

na cidade de Ponta Grossa