Geração Cabeça Baixa_ Do Avatar à Prótese Digital _ Valeria Brandini

2
20/2/2014 Geração Cabeça Baixa: do avatar à prótese digital | Valeria Brandini http://www.brasilpost.com.br/valeria-brandini/geracao-cabeca-baixa_b_4809264.html 1/2 Geração Cabeça Baixa: do avatar à prótese digital Receba nossas newsletters: Digite o e-mail Inscreva-se A relação com a tecnologia na vida atual, diferentemente das gerações passadas, quando podia-se optar por assistir ou não a TV, não nos deixa a escolha de "não integrar-se à vida digital" (desde o sistema bancário de emite holerites, até a escolha do medico no seu plano de saúde, é agora feito exclusivamente pela internet, o que significa que quem não está na rede se encontra excluído de dimensões sociais essenciais na vida de qualquer um). As formas de se relacionar com esta tecnologia e com as pessoas, que são em última instância a rede, são inúmeras, tal qual as relações na vida real. Mas uma delas é comum a praticamente todos os jovens, que, mesmo quando resistem, a estão vivendo, pois se posicionam: a vivência da realidade interseccional pela Geração Cabeça Baixa. Num bar, numa reunião de negócios, nas aulas da faculdade, ou mesmo na intimidade do casal, o smartphone parece uma extensão do corpo do usuário ao qual ele precisa recorrer em intervalos controlados de tempo. É uma prótese digital, um elemento externo que se acopla e se torna parte do ser, um corpo estranho que passa a integrar sua constituição física, emocional, psíquica e rearticula organicamente sua relação consigo, com o outro, com a realidade, e interfere na forma como seus neurônios se comportam, determinando novas formas de socialização e comportamento offline. "Blade Runner" está na mesa ao lado, mas não o incomode porque ele está postando no Instagram. A profecia do ciborgue não é tão sexy quanto no filme, mas é mais barata e cada vez mais acessível a todos. A sensação de "perda" do momento presente quando a pessoa não se conecta à rede para "saber o que está acontecendo" -- seja checando emails, entrando no Facebook para ver quem comentou seu post. ou quem está online no Twitter para saber quem está onde fazendo o que, no Instagram para ver quem está no lugar mais legal, com quem, fotografando o que, entre muitas outras possibilidades que diferem de acordo com o interesse e valores do usuário -- é a sensação de exclusão, seqüestro da realidade e falta de controle sobre ela. Falo da geração cabeça baixa me referindo aos jovens da atualidade, mas entendendo que o conceito de juventude, fluido e desprendido das determinantes demográficas: faixa etária, classe social ou CEP abrange gente dos 12 aos 50 que se enquadram em termos comportamentais, culturais e de valores neste cluster. Os cabeça baixa vão desde pubertários de 12 anos a executivos de 40, passando pelas donas de casa de meia idade que fazem bolo assistindo TV. Um cabeça baixa pode passar a semana planejando ir a uma festa descolada onde vai encontrar sua paquera e curtir com seus amigos, mas tão logo ele chega na festa, você o encontra, em diversos momentos -- e entre alguns jovens, na maior parte dos momentos -- de cabeça baixa, olhando para um artefato tecnológico na palma de sua mão que o poupa da sensação de falta de controle e vivência totalizadora, real, do momento presente. Ele está no lugar que queria, com as pessoas que queria, curtindo a realidade palpável que queria, mas a noção de vivência da realidade, de experienciar o momento presente, apenas se torna fato para ele, quando o real offline e o "real online" estão ao seu alcance, constituindo a realidade interseccional, uma pára-realidade, constituída a partir das necessidades e percepções geradas pela era da internet, que constitui o "real de fato" para as gerações atuais e influenciam gerações anteriores. Ela compreende uma nova forma de estar e vivenciar o mundo, a vida, as pessoas. Ela não é uma escolha, é um sistema que se engendra por um processo, se torna parte da vida das pessoas sem que elas percebam, é criticada pela maior parte das pessoas, que não as abandonam; no máximo, tentam controlar seus impulsos de buscar a totalidade da vivência interseccional acessando a internet para amenizar a sensação de obsolescência -- algo está acontecendo "na rede" e eu não estou sabendo, logo eu não sou parte disso, me sinto excluído, preciso me integrar para que a sensação de falta de controle acabe. Jean Baudrillard falava da TV como uma atividade de conluio entre os telespectadores que, ao assistir ao jornal no horário nobre, se sentiam parte de um todo e vivendo um processo de integração e experiência do social. A internet, em especial as redes, são este conluio exponencial que se torna vivência essencial na sociedade contemporânea. Consumimos a rede como consumimos a cultura, a arte, a música, o ar, a comida, entendendo o consumo como um processo de fruição por meio do qual nos relacionamos com as pessoas, nos identificamos, nos diferenciamos e nos integramos por meio de nossas escolhas de bens tangíveis e intangíveis. Mas, acima de tudo, na rede consumimos aquilo que nos é mais precioso: nós mesmos e a pessoas. Tornamo-nos o mais notável produto exposto em perfis a ser percebido, analisado, escolhido ou não e assim também nos relacionamos com outrem. Note-se que, como uma cientista do consumo, não concebo o tema consumo como um acordo frio e mecanicista que torna pessoas coisas sem humanidade, mas um processo onde coisas são instrumentos de relações humanas entre pessoas e representam o mais humano e relacional, constituído a partir de emoções, imaginário, valores permeiam estas relações. 20 fevereiro 2014 Publicado: 20/02/2014 13:37 103 pessoas curtiram isso. Seja o primeiro entre seus amigos. Curtir

description

artigo

Transcript of Geração Cabeça Baixa_ Do Avatar à Prótese Digital _ Valeria Brandini

  • 20/2/2014 Gerao Cabea Baixa: do avatar prtese digital | Valeria Brandini

    http://www.brasilpost.com.br/valeria-brandini/geracao-cabeca-baixa_b_4809264.html 1/2

    Gerao Cabea Baixa: do avatar prtese digital

    Receba nossas newsletters:Digite o e-mail Inscreva-se

    A relao com a tecnologia na vida atual, diferentemente das geraes passadas, quando podia-se optar por assistir ou no aTV, no nos deixa a escolha de "no integrar-se vida digital" (desde o sistema bancrio de emite holerites, at a escolha domedico no seu plano de sade, agora feito exclusivamente pela internet, o que significa que quem no est na rede se encontraexcludo de dimenses sociais essenciais na vida de qualquer um). As formas de se relacionar com esta tecnologia e com aspessoas, que so em ltima instncia a rede, so inmeras, tal qual as relaes na vida real. Mas uma delas comum apraticamente todos os jovens, que, mesmo quando resistem, a esto vivendo, pois se posicionam: a vivncia da realidadeinterseccional pela Gerao Cabea Baixa.

    Num bar, numa reunio de negcios, nas aulas da faculdade, ou mesmo na intimidade do casal, o smartphone parece umaextenso do corpo do usurio ao qual ele precisa recorrer em intervalos controlados de tempo. uma prtese digital, umelemento externo que se acopla e se torna parte do ser, um corpo estranho que passa a integrar sua constituio fsica,emocional, psquica e rearticula organicamente sua relao consigo, com o outro, com a realidade, e interfere na forma comoseus neurnios se comportam, determinando novas formas de socializao e comportamento offline. "Blade Runner" est namesa ao lado, mas no o incomode porque ele est postando no Instagram. A profecia do ciborgue no to sexy quanto nofilme, mas mais barata e cada vez mais acessvel a todos.

    A sensao de "perda" do momento presente quando a pessoa no se conecta rede para "saber o que est acontecendo" --seja checando emails, entrando no Facebook para ver quem comentou seu post. ou quem est online no Twitter para saber quemest onde fazendo o que, no Instagram para ver quem est no lugar mais legal, com quem, fotografando o que, entre muitas outraspossibilidades que diferem de acordo com o interesse e valores do usurio -- a sensao de excluso, seqestro da realidadee falta de controle sobre ela. Falo da gerao cabea baixa me referindo aos jovens da atualidade, mas entendendo que oconceito de juventude, fluido e desprendido das determinantes demogrficas: faixa etria, classe social ou CEP abrange gentedos 12 aos 50 que se enquadram em termos comportamentais, culturais e de valores neste cluster. Os cabea baixa vo desdepubertrios de 12 anos a executivos de 40, passando pelas donas de casa de meia idade que fazem bolo assistindo TV.

    Um cabea baixa pode passar a semana planejando ir a uma festa descolada onde vai encontrar sua paquera e curtir com seusamigos, mas to logo ele chega na festa, voc o encontra, em diversos momentos -- e entre alguns jovens, na maior parte dosmomentos -- de cabea baixa, olhando para um artefato tecnolgico na palma de sua mo que o poupa da sensao de falta decontrole e vivncia totalizadora, real, do momento presente. Ele est no lugar que queria, com as pessoas que queria, curtindo a

    realidade palpvel que queria, mas a noo de vivncia da realidade, de experienciar o momento presente, apenas se torna fatopara ele, quando o real offline e o "real online" esto ao seu alcance, constituindo a realidade interseccional, uma pra-realidade,constituda a partir das necessidades e percepes geradas pela era da internet, que constitui o "real de fato" para as geraesatuais e influenciam geraes anteriores.

    Ela compreende uma nova forma de estar e vivenciar o mundo, a vida, as pessoas. Ela no uma escolha, um sistema que seengendra por um processo, se torna parte da vida das pessoas sem que elas percebam, criticada pela maior parte daspessoas, que no as abandonam; no mximo, tentam controlar seus impulsos de buscar a totalidade da vivncia interseccionalacessando a internet para amenizar a sensao de obsolescncia -- algo est acontecendo "na rede" e eu no estou sabendo,logo eu no sou parte disso, me sinto excludo, preciso me integrar para que a sensao de falta de controle acabe.

    Jean Baudrillard falava da TV como uma atividade de conluio entre os telespectadores que, ao assistir ao jornal no horrio nobre,se sentiam parte de um todo e vivendo um processo de integrao e experincia do social. A internet, em especial as redes, soeste conluio exponencial que se torna vivncia essencial na sociedade contempornea. Consumimos a rede como consumimos acultura, a arte, a msica, o ar, a comida, entendendo o consumo como um processo de fruio por meio do qual nos relacionamoscom as pessoas, nos identificamos, nos diferenciamos e nos integramos por meio de nossas escolhas de bens tangveis eintangveis.

    Mas, acima de tudo, na rede consumimos aquilo que nos mais precioso: ns mesmos e a pessoas. Tornamo-nos o maisnotvel produto exposto em perfis a ser percebido, analisado, escolhido ou no e assim tambm nos relacionamos com outrem.Note-se que, como uma cientista do consumo, no concebo o tema consumo como um acordo frio e mecanicista que tornapessoas coisas sem humanidade, mas um processo onde coisas so instrumentos de relaes humanas entre pessoas erepresentam o mais humano e relacional, constitudo a partir de emoes, imaginrio, valores permeiam estas relaes.

    20 fev ereiro 201 4

    Publicado: 20/02/2014 13:37

    103 pessoas curtiram isso. Seja o primeiro entre seus amigos.Curtir

    javascript:void(0);http://www.brasilpost.com.br/

  • 20/2/2014 Gerao Cabea Baixa: do avatar prtese digital | Valeria Brandini

    http://www.brasilpost.com.br/valeria-brandini/geracao-cabeca-baixa_b_4809264.html 2/2

    Compartilhar250

    palavras

    Consumimos na redes avatares que se constituem como totens dos valores mais profundos que constituem a viso de mundo, aperspectiva sobre a realidade e orientam o comportamento na vida social. A rede so as pessoas s quais nos conectamos numsistema de trocas simblicas, tal qual entre os povos primitivos, num sistema de signos, significados, mitos, ritos ecomportamentos que representam ordens sociais, cultura e engendram formas de ser e agir no real offline.

    1 pessoa est discutindo este artigo com 1 comentrios

    Comear uma conversa...

    Visualizar Enviar

    Destacados Mais recentes Mais antigos Mais favoritados Minhas conversas

    Advaldo (Advaldo)

    0 Fs

    Penso que o Grande Irmo est mais presente do que nunca!! Demorou muito at,

    pois Aldous Huxley, em 1949, ja falava de sucedaneos de paixo repentina e outras

    "cositas mais". Dilogos, toques , brincadeiras de correr ou degustar em familia

    acabou....eu ainda prefiro massagem!20 FEB 17:58

    RESPONDER FAVORITAR COMPARTILHAR MAIS

    javascript:void(0)javascript:void(0)javascript:void(0)javascript:void(0)javascript:void(0)http://www.brasilpost.com.br/social/Advaldo?action=commentsjavascript:void(0)http://www.brasilpost.com.br/social/Advaldo/geracao-cabeca-baixa_b_4809264_307569586.htmljavascript:void(0)javascript:void(0)javascript:void(0)javascript:void(0)