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GERENCIAMENTO DO VINHOTO GERADO EM ALAMBIQUES DE PRODUÇÃO DE CACHAÇA ARTESANAL Iatahanderson de Souza Barcelos e Marcos Roberto T. Halasz Departamento de Engenharia Química Faculdade de Aracruz Uniaracruz [email protected], [email protected] RESUMO Visando a conhecer a viabilidade de um pré-tratamento do vinhoto para posterior utilização, um estudo foi realizado baseado na teoria da floculação, usando sulfato manganoso e azida sódica, seguido de sedimentação. Caracterizou-se o efluente original, sendo realizados testes de proveta para verificação da sedimentabilidade do produto. O sobrenadante deverá ser diluído para o descarte na irrigação de plantações e o material decantado deve ser misturado ao bagaço da cana, podendo ter ou não esterco animal para poder ser utilizado como um adubo orgânico. Palavras-chave: Efluente. Sedimentação. Vinhoto. Floculação. ABSTRACT Aiming at knowing the viability of a pre-treatment of vinhoto (by-product of the distilleries) for a later use, a study was made based in the theory of the flocculation, using sodic manganese sulphate and azida, followed of sedimentation. The original effluent was characterized, being carried through test tube for verification of the sedimentability of the product. The liquid phase will have to be diluted for the discarding in the irrigation of plantations and the decanted material will need to be mixed to the bagasse of the sugar cane, that can have or not animal garbage to be used as a organic seasoning. Keywords: Effluent. Sedimentation. Vinhoto (by-product of the distilleries). Flocculation.

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GERENCIAMENTO DO VINHOTO GERADO EM ALAMBIQUES DE PRODUÇÃO DE CACHAÇA ARTESANAL

Iatahanderson de Souza Barcelos e Marcos Roberto T. Halasz

Departamento de Engenharia Química Faculdade de Aracruz – Uniaracruz

[email protected], [email protected]

RESUMO

Visando a conhecer a viabilidade de um pré-tratamento do vinhoto para posterior utilização, um estudo foi realizado baseado na teoria da floculação, usando sulfato manganoso e azida sódica, seguido de sedimentação. Caracterizou-se o efluente original, sendo realizados testes de proveta para verificação da sedimentabilidade do produto. O sobrenadante deverá ser diluído para o descarte na irrigação de plantações e o material decantado deve ser misturado ao bagaço da cana, podendo ter ou não esterco animal para poder ser utilizado como um adubo orgânico.

Palavras-chave: Efluente. Sedimentação. Vinhoto. Floculação.

ABSTRACT

Aiming at knowing the viability of a pre-treatment of vinhoto (by-product of the distilleries) for a later use, a study was made based in the theory of the flocculation, using sodic manganese sulphate and azida, followed of sedimentation. The original effluent was characterized, being carried through test tube for verification of the sedimentability of the product. The liquid phase will have to be diluted for the discarding in the irrigation of plantations and the decanted material will need to be mixed to the bagasse of the sugar cane, that can have or not animal garbage to be used as a organic seasoning.

Keywords: Effluent. Sedimentation. Vinhoto (by-product of the distilleries). Flocculation.

Revista Educação e Tecnologia – Ano 2 – Número 1 – Abr/Set – 2006 – Faculdade de Aracruz – ES

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INTRODUÇÃO

O descarte de rejeitos de toda empresa deve estar de acordo com a legislação

ambiental vigente, mas o vinhoto possui uma alta carga orgânica aliada a uma

temperatura de 120ºC no descarte, tornando-se extremamente agressivo ao meio

ambiente e de difícil estocagem. Hoje muitos empresários, que até então não se

preocupavam com aspectos ambientais e com as cobranças dos órgãos

reguladores, devem realizar as modificações exigidas para se enquadrarem às leis

vigentes. Como não há um tratamento específico para esse tipo de rejeito, a

empresa parceira (Frigini Agroindustrial) deposita o rejeito em um tanque até

diminuir a temperatura. Após esse tempo, o rejeito é transferido para outro tanque,

podendo atingir um lençol freático. O desenvolvimento de um sistema de tratamento

e reaproveitamento desse resíduo poderia ser uma alternativa viável, pela qual a

empresa poderia vender esse rejeito como subproduto do processo (adubo, ração

animal, entre outros). Por meio de pesquisas científicas, poderíamos determinar

outras aplicações para esse rejeito, bem como otimizar o processo atualmente

empregado pela empresa, o que iria valorizar o seu produto.

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é estudar a viabilidade da realização de um pré-tratamento

do vinhoto, ou seja, propiciar uma forma de descarte desse resíduo orgânico gerado

no processo de fabricação de cachaça (vinhoto); outro objetivo é propiciar o

beneficiamento desse rejeito, transformando-o, por exemplo, em adubo orgânico.

METODOLOGIA

De início, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre o processo de produção de

aguardente. Também foram pesquisados processos de tratamento de efluentes

semelhantes ao proposto, com a finalidade de lidar com os rejeitos das indústrias de

álcool e cachaça, compará-las e possivelmente verificar a viabilidade de seu

emprego no processo em questão (ANAIS INT, 1976).

O resultado de ensaios laboratoriais norteará a escolha do processo ideal para o

tratamento do rejeito. Uma análise do processo será realizada de modo a reduzir a

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quantidade de rejeito e, ao final do trabalho, será apresentado, de forma escrita, um

relatório para a empresa, que optará por implementar ou não as modificações, seja

transformando o rejeito em adubo orgânico que gere recursos para a empresa, seja

utilizando um processo de descarte que não agrida o meio ambiente.

DESENVOLVIMENTO

A empresa FRIGINI AGROINDUSTRIAL LTDA ME fica na cidade de Aracruz,

localizada no norte do Estado do Espírito Santo, cerca de 70km da capital, Vitória. O

setor da empresa é industrial na área de produção alimentícia e possui dez

empregados.

A empresa foi escolhida por não ter uma forma adequada para poder estocar e

posteriormente dar um destino final ao resíduo gerado. O desejo de pôr em prática

os conhecimentos adquiridos em sala de aula, no curso de Engenharia Química,

como também a chance de poder desenvolver uma metodologia para ajudar na

proteção do meio ambiente são os elementos motivadores do aluno.

Inicialmente, buscaram-se informações por meio de pesquisas bibliográficas,

procurando qualificar e quantificar o processo a ser estudado. De posse dessas

informações (BAILEY, 1996; SCHMIDELL, 2001; LIMA, 2001) e das visitas

realizadas, traçou-se um perfil do processo para que fosse possível alcançar o

objetivo, que é dar finalidade ao rejeito.

Nas visitas à empresa, foi possível analisar o processo em pleno funcionamento e

observar os equipamentos e o produto em fase final nos tanques de estocagem. As

fotos a seguir mostram os equipamentos, estocagem e condições da destilaria.

O processo pode ser explicado da seguinte forma: o proprietário utiliza cana de

açúcar de lavoura própria, e toda sua água de processo é captada em uma nascente

próxima à empresa (Figura 1). A fermentação é natural ou, em alguns casos, utiliza-

se levedura industrial acrescida de pó de milho (Figura 2). O caldo é direcionado ao

destilador (Figura 3) onde é produzida a cachaça e gerado o vinhoto (objeto deste

estudo). A cachaça produzida é armazenada em tanques (Figura 4) e parte dela

acondicionada em barris de carvalho e cerejeira para agregar valor ao produto

(Figura 5).

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Figura 1. Captação de água

Figura 2. Tanques de fermentação

Figura 3. Sistema de destilação

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Figura 4. Tanque de armazenamento

Figura 5. Produto final – cachaça envelhecida

Não há sistema de tratamento de efluentes, sendo possível observar que atualmente

o efluente final é acondicionado em um tanque de estabilização (Figuras 6 e 7), onde

o vinhoto perde temperatura (120ºC � 30ºC) para depois ser bombeado para um

outro reservatório onde parte percola pelo solo e outra parte evapora. Foi constatado

que a empresa produz uma média diária de cerca de 20 a 25 mil litros de vinhoto e

não há fonte de água por perto, mas pode ser que esse rejeito atinja o lençol

freático.

Como é possível observar, é indispensável que haja um planejamento e uma

proposta para um sistema de tratamento de efluentes para a microempresa em

questão. Outro ponto de interesse do proprietário é a implementação de um

processo de utilização do rejeito. Para isso, foram realizadas reuniões com

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representantes do Incaper para discutir sobre o reaproveitamento do vinhoto e do

bagaço da cana.

Figura 6. Tanque de acondicionamento

Figura 7. Tanque de acondicionamento

Foram encontrados vários trabalhos, alguns bem simples. O resíduo sofria uma

mera diluição, para depois ser usado como adubo orgânico "O uso do vinhoto como

fertilizante é uma saída bastante vantajosa, desde que não seja aplicado em

excesso, o que pode poluir recursos hídricos e expor os solos a riscos de

salinização” (SZMRECSÁNYI, 1994; TÁBLAS, 1998). Vale ressaltar que o uso como

adubo requer um estudo sobre o solo onde seria aplicado. Outros estudos se

mostraram bastante complexos, com custo elevado e, para o caso da empresa

estudada, de difícil aplicação devido à localização da empresa.

Em relação à disposição inadequada do vinhoto, a legislação já avançou muito,

coibindo grande parte dos derramamentos nos leitos dos rios.

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Como adubo, há os riscos já mencionados, mas também existem os benefícios,

quando aplicado adequadamente, pois “[...] cerca de 150 metros cúbicos por

hectare, o vinhoto equivale a uma adubação de 61 kg/ha de nitrogênio, 40 kg/ha de

fósforo, 343 kg/ha de potássio, 108 kg/ha de cálcio e 80 kg/ha de enxofre”

(SZMRECSÁNYI, 1994; TÁBLAS, 1998, p. 37-38).

Outra forma de destinação pesquisada seria a de concentrar o vinhoto e usá-lo como

combustível para o alambique, diminuindo o impacto ambiental causado pela

empresa. Segundo Szmrecsányi (1994, p. 73-81),

[...] pode-se promover a evaporação do líquido até que a concentração de sólido passe de 10 para 60%, tornando possível utilizá-lo como combustível. É certo que se dispende energia na evaporação do vinhoto, ainda assim essa alternativa tem se mostrada vantajosa do ponto de vista econômico. Os custos dos equipamentos necessários à evaporação podem ser rapidamente recuperados, e ainda as cinzas resultantes desse processo podem ser utilizadas como fertilizantes sem danos ambientais.

Foi realizada a caracterização do efluente quanto à vazão, temperatura de descarte,

análise e quantificação da Demanda Química de Oxigênio (DQO) como também a

quantificação da Demanda Biológica de Oxigênio (DBO). Análises de pH, após o

descarte e após o teste de flotação, foram realizadas, tendo em vista verificar a

possibilidade de utilizar a técnica de flotação para tratamento do vinhoto e a

probabilidade da utilização do vinhoto juntamente como adubo orgânico.

Foi adicionada, num primeiro teste, uma solução de barrilha a 10% (carbonato de

sódio) em 150ml de efluente.

A primeira tentativa foi neutralizar o pH do vinhoto, ou seja, elevar o pH de 3,4 para

7,0. A expectativa era que houvesse uma floculação do material em suspensão, o

que não ocorreu.

Num segundo teste, foram adicionados 15ml de barrilha 10% em 150ml de vinhoto, o

que elevou o pH para 10,0. Após esse ajuste, foram adicionados 1ml de sulfato

manganoso e 1ml de azida sódica. A floculação foi imediata e o sobrenadante

apresentou uma coloração bem mais clara que o efluente original.

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Como ocorreu floculação do efluente, foram também testadas outras dosagens dos

reagentes como também a inversão da ordem de dosagem, adicionando

primeiramente a azida sódica e depois o sulfato manganoso. No caso da inversão da

ordem da dosagem, observou-se que a floculação ocorreu, mas o sobrenadante,

quando comparado com o outro da primeira floculação, mostrou-se bem mais

escuro.

Também foi testada a adição dos reagentes no efluente com o pH original, pH 3,4, e

observou-se que o sobrenadante apresentou uma coloração semelhante ao da

primeira floculação. Outra observação foi que, ao adicionar a azida sódica, o pH

elevou-se para 11,5.

Para confirmar a eficiência do processo, analisou-se a Demanda Química de

Oxigênio da amostra, com melhor coloração de sobrenadante (CLESCERI, 1989).

O teste de DQO mostrou uma redução considerável desse parâmetro, o que indica

também uma redução acentuada da Demanda Bioquímica de Oxigênio, uma vez

que esses dois parâmetros são diretamente proporcionais.

A avaliação da sedimentação do material foi realizada com 3 e 5 horas de operação

em teste de proveta (Figuras 8 e 9).

Figura 8. Amostra de efluente após três horas de decantação

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Figura 9. Amostra com efluente com cinco horas de decantação

CONCLUSÃO / RECOMENDAÇÕES

Dentro do cronograma de execução proposto, foi possível realizar o estudo

chegando a um fertilizante líquido para a aplicação foliar ou mesmo no solo, bem

como à redução do efluente que inicialmente era acondicionado em lagoas. Como

adubo, há os riscos de contaminação, por exemplo, a salinização do solo; mas,

aplicado adequadamente, há muitos benefícios. Analisaremos uma forma de tratá-lo,

tornando-o menos agressivo ao ambiente. Portanto, mais estudos devem ser

realizados no sentido de otimizar o processo de produção, bem como melhorar a

qualidade do fertilizante. Quanto à empresa, o processo pode ou não ser aplicado

ficando a critério do empresário.

REFERÊNCIAS

1 BAILEY, J. E; OLLIS, D. F. Biochemical engineering fundamentals. Singapoure: Ed. McGraw Hill, 1996.

2 CLESCERI, L. S.; GREENBERG, A. E.; TRUSSELL, R. R. Standard methods for the examination of water and wastewater. 17. ed. American Public Health Association, 1989.

3 LIMA, U. A. et al. Biotecnologia industrial: processos fermentativos enzimáticos. São Paulo: Ed. Edgard Blucher LTDA., 2001. v. III.

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4 SCHMIDELL, W. et al. Biotecnologia industrial: engenharia ambiental. São Paulo: Ed. Edgard Blucher LTDA., 2001. v. II.

5 SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE TRATAMENTO DE VINHOTO, 1976, Rio de Janeiro, Anais... Rio de Janeiro:INT, 1976. p. 1-2.

6 SZMRECÁNYI, T. Tecnologia e degradação ambiental: o caso da agroindústria canavieira no Estado de São Paulo. Informações Econômicas, São Paulo, v.24, n.10, p. 73-81, 1994.

7 TÁBLAS, M.C. Minhocultura e cana-de-açúcar, STAB, Açúcar, Álcool e subprodutos. Revista, São Paulo, v.16, n. 4, p. 37-38, 1998.