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  • 7/25/2019 Gesto Do Cuidado: Allan Henrique

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    GESTO DO CUIDADO E A EMERGN-CIA DE UMA PERSPECTIVA COMUNIT-

    RIA DE ASSISTNCIA HUMANA

    Allan Henrique Gomes1

    RESUMO

    Por que ler este texto? Quem sabe para pensar um pouco sobre as relaesde cuidado em um pas que em breve ser formado por uma grande faixa

    de pessoas idosas em sua populao, e com demandas que poucos saberoatender. Mas tambm, ao ler este artigo voc poder pensar sobre como exercer a profisso de cuidador, especialmente, de crianas acolhidas eminstituies. Acompanhe este texto, tambm para pensar sobre o lugar es-tratgico que as comunidades religiosas podem ocupar pedagogicamentenas relaes de cuidado, em nos aproximar de experincias onde o cuida-do pode acontecer. Entretanto, meu principal desejo que voc, ao ler este

    texto, pense nas suas relaes de cuidado e ainda, encontre estratgiaspotencializadoras de cuidado.

    Palavras chave: Gesto do cuidado; relaes familiares e comunitrias;tornar-se cuidador; comunidades religiosas.

    1 Allan Henrique Gomes psiclogo, mestre em Psicologia pela UFSC, professor daAssociao Catarinense de Ensino (ACE) e do Centro Evanglico de Educao e Cultu-ra (CEEDUC).

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    1 MEU COMEO...

    As reflexes que perpassam este texto so possveis depois de al-

    gum tempo pesquisando, trabalhando e experimentando relaes de cui-dado. Estas relaes acontecem quando as pessoas se mobilizam e se

    comprometem em assistir a outra(s) pessoa(s) que por alguma razo de-

    pende da ateno de outros. Situaes de desastres, acidentes e

    adoecimentos podem ser desencadeadores de relaes de cuidado.

    Pessoalmente, experimentei o cuidado com amigos e familiares

    hospitalizados. Foram momentos de tristezas clareados pela participaode outras pessoas que compartilhavam tarefas no cuidar. Algumas situa-

    es levaram semanas, meses e ainda anos. Neste processo, muitas pesso-

    as participaram no comeo, outras permaneceram mais algum tempo e

    poucas ficaram at o ltimo momento.

    As relaes de cuidado so possveis, ou pelo menos so mais co-

    muns, quando existem arranjos comunitrios de convivncia. Estima-se

    que mais de 80% das situaes de perda e/ou crise pessoal possa ser supe-

    rada em contextos de relaes sociais onde h suporte emocional signifi-

    cativo (LAZN, 1988). Por esta e outras razes afirmamos que as rela-

    es de cuidado so promovidas no cotidiano, por familiares e pessoas

    comuns e que, em situaes mais especficas, demandam assistncia pro-fissional.

    Na perspectiva do cuidado todos os sujeitos que participam esto

    afetados pela situao que experimentam. Sendo assim, oportuno falar

    em Gesto do Cuidado e conceitu-la, inicialmente, como um arranjo

    de estratgias que visam potencializar as relaes sociais para a perspecti-

    va das relaes de cuidado. A questo que transversa esse texto que aexperincia do cuidado, inevitavelmente, far parte de algum momento de

    nossas vidas.

    Allan Henrique Gomes

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    Escolho o termo gesto porque remete a um arranjo tcnico de

    possibilidades de produo do cuidado. Remete a estudos, criao de es-

    tratgias, desenvolvimento de projetos e avaliao de experincias. Sendo

    assim, o cuidado no est arrolado aqui como uma prtica voluntria evirtuosa que acontece espontaneamente por atos isolados.

    Apesar de ter um potencial tcnico, a questo do cuidado es-

    sencialmente uma prtica comum, cotidiana, familiar, comunitria (e ain-

    da, religiosa). Apesar de ter um substrato cultural, o saber cuidar est dei-

    xando de ser transmitido, justamente, em uma poca que precisamos de

    cuidadores. Adiante vamos discutir a formao e profissionalizao docuidador, mas nesta introduo a nfase (ainda) reside na fermentao dos

    resqucios sociais transmitidos sobre como cuidar para a fomentao de

    uma virtual (e futura) cincia do cuidado.

    Neste sentido, a imagem da gesto do cuidado aquela que

    combina (costura, sutura) o que restou dos (velhos) saberes domsti-

    cos, das prticas assistenciais, das experincias de vida, da sabedoria e

    dos discursos religiosos com uma (nova) cultura onde o cuidado faz-se

    tema na educao, sade, desenvolvimento social, entre outros cam-

    pos possveis.

    No campo cientfico as cincias da sade, especialmente a enfer-

    magem, lideram as pesquisas sobre as prticas de cuidado. Apesar destarelevante informao, compreendo que a dimenso do cuidado ultrapassa

    os limites disciplinares da organizao da cincia e por isto no faz senti-

    do falar em psicologia do cuidado, teologia do cuidado, etc. mais pru-

    dente falar do cuidado onde ele acontece, ou seja, na vida. Por isto prefiro

    relaes de cuidado. E ainda, gesto do cuidado como uma perspectiva

    que articula cincia e vida.No obstante as palavras soarem sensveis, a experincia do cuida-

    do conta com alguns impedimentos que ainda destacarei nesse artigo. Antes

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    disto, considero importante ressaltar que, atualmente, as prticas do cui-

    dado comeam a adquirir outros sentidos e imagens na sociedade.

    Em outro tempo, apesar da relevncia e da diversidade em que

    ocorrem, as atividades de cuidado no eram prestigiadas. Um dos motivostalvez seja, pela questo do cuidar no expressar, a priori, os atributos da

    razo ou o uso de tecnologias, antes, ser uma prtica de cunho familiar e

    mbito domstico (sem expresso na vida pblica)

    Atualmente, observamos uma valorizao (ainda tmida) de pro-

    fissionais que atuam nas relaes de cuidado. Em parte, este reconheci-

    mento se iniciou no campo da sade pblica, quando constatado que cui-dados permeados de intencionalidade so indispensveis na recuperao

    de pacientes, no humor de pessoas adoecidas ou idosas que dependem de

    um assistente, no desenvolvimento das crianas bem-cuidadas tanto na

    famlia quanto nas unidades de educao (BGUS E COLS, 2007).

    Ainda falando sobre sade, mais especialmente, sade mental, atu-

    almente pacientes psiquitricos esto sendo atendidos, prioritariamente2,

    na convivncia de suas famlias. Uma das fortes razes para isto que os

    cuidados familiares no podem ser supridos pelas instituies. Assim, a

    poltica de sade mental tem tido a preocupao com os familiares

    (cuidadores) destes pacientes, e j so comuns alguns grupos de ajuda

    profissional s famlias de pacientes.Uma regra fundamental nos processos de cuidado que as deman-

    das integrais no podem ser atendidas somente por uma nica pessoa.

    Profissionais de sade (mdicos/as, psiclogos/as, enfermeiros/as) que

    acompanham famlias com pessoas gravemente adoecidas estimulam a

    Allan Henrique Gomes

    2 Prioritariamenteno significa exclusivamente. Como veremos em pargrafos pos-teriores, o acolhimento institucional ainda uma possibilidade para pessoas em riscosocial (sejam pacientes psiquitricos, crianas e mulheres em situaes de violnciadomstica, etc.).

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    formao de um grupo de colaboradores com parentes, amigos e vizinhos

    para compartilhar as tarefas domsticas, o acompanhamento de sade e a

    convivncia diria visando tanto a motivao e a recuperao do paciente,

    como a preveno para que no adoea gratuitamente aquele que sozinhoabsorve as demandas pelo cuidado da pessoa adoecida.

    Respeitando os princpios da preveno em sade, compreende-se

    que aqueles que se dedicam ao cuidado, sejam familiares ou profissionais,

    precisam manter relaes de cuidado e participarem de outros projetos de

    vida para alm do cuidado integral pessoa assistida. A tarefa de cuidar

    (sobretudo quando demasiada) expe o cuidador ao risco. Fazem partedeste grupo os educadores, os tcnicos de sade, os trabalhadores sociais,

    os pastores, os terapeutas, os conselheiros, etc.

    2 GESTO DO CUIDADO NAS COMUNIDADES RELIGIOSAS

    Considerando que escrevo para uma revista teolgica e que possi-

    velmente meu leitor seja algum engajado e comprometido com o cuida-

    do com os outros, aponto nos prximos pargrafos algumas reflexes que

    me parecem prudentes.

    J destaquei que as relaes de cuidado so mais facilmente fo-

    mentadas por arranjos comunitrios. Tambm, lembro que onde h apoioemocional significativo haver respostas mais positivas de recuperao

    emocional. Por conta desta potncia que existe na convivncia comunit-

    ria podemos acreditar que as comunidades religiosas podem contribuir

    significativamente no propsito de difundir uma cultura do cuidado.

    Volto a afirmar que o cuidado no brota sem cuidados. Penso

    que a comunidade religiosa que pretende vir a ser uma agncia de cuida-do dever empreender aes e estratgias na perspectiva da gesto do

    cuidado.

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    Quando falamos em suporte emocional no mbito da igreja, as pes-

    soas facilmente pensam no aconselhamento pastoral. O gabinete pastoral

    um espao valioso de dilogo, orientao e ajuda em tempos de crise

    pessoal ou familiar. Entretanto, a perspectiva de cuidado que abordamosno pode ficar restrita ao escritrio pastoral.

    No ser demais dizer que o gabinete um modelo de cuidado

    pastoral com inspirao mdica e de cunho curativo. O que estamos pro-

    pondo como perspectiva de cuidado pastoral no deixar de contar com a

    mobilizao e com o trabalho dos lderes das igrejas e comunidades e,

    nem deixar de oferecer um espao de escuta e compreenso para as pes-soas que se sentem doentes da alma.

    A gesto do cuidado no trabalho comunitrio, na minha pers-

    pectiva, pode ter trs eixos: Assessoria; aconselhamento e acompa-

    nhamento. Antes, contudo, de abordar mais especificamente cada um

    destes eixos, considero que os lderes religiosos precisam assumir uma

    condio mais pedaggica neste processo. Muitos lderes centralizam

    e assumem todas as tarefas de cuidado e assistncia pastoral, porque

    suas comunidades no conseguem mais ter uma atitude propositiva para

    estimular e mobilizar as relaes comunitrias para a perspectiva do

    cuidado.

    humanamente impossvel que os lderes religiosos abracem [co-nheam e intervenham] em todas as situaes que circulam no cotidiano

    das igrejas e organizao que presidem. Contemporaneamente, a necessi-

    dade de relaes mais significativas diante do individualismo que todos

    vivemos, demanda s comunidades religiosas o desejo que a maioria de

    ns nutre por encontros e por sentidos que no se limitam esfera do

    sagrado e do religioso.Ou seja, estamos afirmando que o cuidado pastoral no se destina

    unicamente aqueles que apresentam crises e conflitos pessoais. Neste sen-

    Allan Henrique Gomes

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    tido, preferimos falar em relaes de cuidado porque nos permite pensar

    que em uma comunidade (igreja ou organizao) as pessoas por meio das

    relaes vivenciadas combinam lgicas de cuidado. Isto implica dizer que

    as relaes sociais so recprocas, inclusive aquelas de ajuda, pois, o su-jeito que oferece ajuda alimenta no somente o pobre, mas ele tambm se

    alimenta da satisfaode ter ajudado algum.

    O exemplo que usamos para evidenciar o quanto dependemos

    das relaes sociais e para tentar expressar que so nestas mesmas re-

    laes que reside potncia do cuidado. Se por um lado uma pessoa

    cuidar integralmente de outra (adoecida, hospitalizada, por exemplo)corre srios riscos de esgotamento emocional, por outro, quando o cui-

    dado compartilhado os sentimentos tambm o so. Apesar das resis-

    tncias que pode ter a pessoa adoecida por querer muitas vezes o apoio

    de um nico familiar, so nestas oportunidades que as relaes tendem

    a ser mais prximas e significativas. Contribuindo, inclusive, para o

    processo de luto quando o adoecimento levar a morte e perda do fami-

    liar ou amigo.

    O pargrafo anterior, apesar de no ter anunciado a perspectiva da

    Assessoria nas relaes de cuidado, expressa muito bem como podem ser

    assessoradas e potencializadas a convivncia familiar, comunitria e/ou

    religiosa.Assim tambm, assessorar no uma atividade passiva de quem

    espera pelos problemas baterem porta clamando por ajuda. Assessorar

    pensar estratgias de interveno na dimenso macro das relaes sociais.

    Aqui, volta a fazer sentido falar em Gesto do Cuidado como uma forma

    de perceber, observar, planejar e implantar aes que potencializem as

    relaes de cuidado em suas formas mais diversas.A comear, permitindo as pessoas terem alguma experincia com

    o cuidado. Faz sentido a perspectiva da gesto porque nem todos sabem as

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    mesmas coisas, alm de terem habilidades e condies diferenciadas, as-

    sim como, so mltiplas as tarefas que se relacionam as necessidades de

    cuidado. Sendo assim, trata-se de um verdadeiro diagnstico de possibili-

    dades. Logo, assessorar ligar, fazer colar, costurar as possibilidades quevo configurar relaes de cuidado.

    A segunda forma de gestar o cuidado nas comunidades uma pr-

    tica um tanto hbrida, justamente, porque compe o cenrio religioso, mas

    tambm o tcnico-profissional. Estamos falando do aconselhamento.

    A cultura do aconselhamento uma prtica muito mais difun-

    dida em nossa sociedade do que imaginamos. Na rea da sade pode-mos citar os Centros de Testagem e Aconselhamento. O CTA um

    rgo presente em muitos municpios e vinculado ao Ministrio da

    Sade. O propsito destes servios reduzir a transmisso do HIV,

    das doenas sexualmente transmissveis e das hepatites virais e, me-

    lhorar a qualidade de vida, por meio de atendimento e acompanha-

    mento das pessoas com DST, HIV e hepatites virais. Ou seja, so

    frentes de trabalho que atuam tanto na preveno como na assistn-

    cia das pessoas portadoras de tais diagnsticos. Esta dupla perspecti-

    va de alguma forma a base que deve sustentar os programas de

    aconselhamento.

    Perceba que a poltica de combate a proliferao do HIV tevea ateno de criar estratgias de educao coletiva em sade e ao

    mesmo tempo, criar espaos de cuidado as pessoas que no foram

    alcanadas na preveno e sofrem com o HIV bem como outras do-

    enas sexualmente transmissveis. Apesar de ainda estar em constru-

    o e constante aperfeioamento, o Brasil referncia mundial no

    combate AIDS e, para um pas com dimenses continentais e comgrande parte da populao ainda excluda socialmente, alcanou re-

    sultados significativos.

    Allan Henrique Gomes

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    Aconselhar, diferente do que as pessoas pensam, no sugerir so-

    lues para as pessoas. No precisamos desenhar com palavras um qua-

    dro catico de nosso tempo para expressar que a realidade de encontros

    pessoais significativos se torna cada vez mais escasso, justamente, quan-do mais necessitamos de relaes de cuidado. O aconselhamento como

    estilo de vida vai contramo desta cultura individualista, ele prope en-

    contros, experincias, tempos para ouvir e para aprender com aquele que

    est passando por dilemas.3

    Quando o desafio de cuidar bate a nossa porta e identificamos que

    no estamos nem prontos e nem sabemos (ou ainda, nem temos tempo)como compartilhar uma relao de cuidado, descobrimos que podemos

    ser sujeitos do aconselhamento. So nestes momentos que passamos a

    conhecer os grupos de apoio s pessoas adoecidas e seus familiares ou

    mesmo, de pessoas ou familiares de dependentes qumicos.

    Escrevendo isto, espero que meu leitor considere que se alguma

    situao apresentar indcios que necessitem encaminhamento para um pro-

    fissional de ajuda (mdico, psiclogo, assistente social, etc.) faa isto sem

    receios. Muitas vezes o aconselhamento cumpre sua funo ao oferecer o

    suporte e encorajamento necessrio para a pessoa buscar apoio especi-

    alizado.

    Considere tambm que aquele que est apto para ajudar algumque pode em qualquer momento da sua vida precisar de ajuda emocional.

    O melhor conselheiro aquele que sabe a diferena que faz um vnculo de

    apoio e cuidado emocional. Conselheiros e conselheiras tambm correm

    riscos porque acabam muitas vezes atraindo situaes difceis para suas

    prprias vidas. Neste sentido, at mesmo porque o cuidado um trabalho

    3 Sugiro a leitura do texto de Jorge Larrosa: Notas sobre a experincia e o saber deexperincia. In: Revista brasileira de educao. 1 quadrimestre de 2002. N 19 (online).

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    intenso e que pode adoecer as pessoas que cuidam, considere a possibili-

    dade de estar sob a orientao e a ateno de algum profissional.

    Mais uma vez podemos defender a expresso cuidando de quem

    cuida, uma palavra de ordem e uma perspectiva comprometida com asade mental e familiar daqueles que atendem as comunidades religiosas

    nas suas mais diversas demandas. Lembro que esta prtica de orientao

    conhecida dos psicoterapeutas que contam com a superviso de profissio-

    nais mais experientes e atenciosos a fim de no trazerem prejuzos para si

    e para seus pacientes/clientes.

    Finalmente, vale dizer que o acompanhamento (teraputico ou so-cial) a atividade que expressa maior presena de uma pessoa na vida da

    outra, motivada, especialmente, pelo cuidado. Idosos, pessoas com com-

    prometimento emocional, pessoas em tratamento para dependncia qu-

    mica, entre outros, so pblicos que demandam acompanhamento.

    O cuidado exige uma continuidade, algo mais ou menos sistemti-

    co. Alm disto, necessrio que apliquemos outro tempo ao cuidado. Acom-

    panhar envolve tanto assessoria como aconselhamento focado em uma

    nica pessoa ou situao.

    3 TORNAR-SE CUIDADOR(A)

    No mundo do trabalho a cada dia se expandem as possibilidades de

    profissionalizao do cuidado. A demanda por cuidadores de idosos j

    crescente e logo ser uma profisso legalmente reconhecida no pas, e,

    ainda, com reconhecimento social na medida em que acontece o envelhe-

    cimento da sociedade.

    A demanda por cuidadores tambm presente nos servios pbli-cos, especialmente nas entidades de abrigo. A lgica da no

    institucionalizao humana que permeou a luta anti-manicomial, bem como

    Allan Henrique Gomes

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    o debate sobre a convivncia familiar de crianas abrigadas, no necessa-

    riamente encerrou a poltica de acolhimento institucional. Na verdade, a

    possibilidade de acolher institucionalmente pessoas est previsto em to-

    das as legislaes contemporneas de proteo humana.4

    Citamos comoexemplo a Lei Maria da Penha e as casas de proteo para mulheres em

    risco de vida; o Estatuto da Criana e do Adolescente ECA e as casas-

    lares de crianas e adolescentes; o Sistema nico de Sade SUS e as

    residncias teraputicas para sujeitos com graves transtornos psiquitri-

    cos (GOMES, 2009)

    No tempo em que escrevo esse texto um dos meus principais inte-resses de pesquisa e interveno a constituio do sujeito cuidador. A

    questo que tenho feito como nos tornamos cuidadores?

    Tenho realizado intervenes especialmente com sujeitos traba-

    lhadores das polticas pblicas de proteo especial, com destaque para

    as experincias de educadores sociais (cuidadores) na modalidade de

    acolhimento institucional de crianas. As informaes, sentidos e expe-

    rincias que identifiquei foram possveis por meio de intervenes com

    um grupo de doze cuidadores em um projeto de assessoria psicossocial

    a uma casa-lar.

    Os cuidadores que trabalham no acolhimento institucional de cri-

    anas experimentam cotidianamente os dilemas das relaes de cuidado.Suas atividades demandam constante sensibilidade, ateno, afetos. O lu-

    gar dos cuidadores na vida das crianas, alm de ser marcado por tantas

    outras questes, pode ser considerado fundamental pelo simples fato de

    4 Estas polticas normalmente possuem uma base de atendimento para todos os cida-dos. Elas so planejadas em nveis diferenciados, iniciando com a promoo e a pre-veno social, contudo, as suas principais foras (recursos financeiros e humanos) estoconcentradas no mbito da proteo, isto , quando os sujeitos se encontram com assuas vidas e direitos afetados e violados.

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    que as intencionalidades nas prticas de cuidado so essenciais ao desen-

    volvimento psicolgico do ser humano.

    Neste sentido, o cuidado humano uma atividade que se desenvol-

    ve na fronteira da Sade e da Educao. Maranho (2000) define a prticado cuidado como a capacidade que temos, pela interao com outros

    humanos, de observar, de perceber e interpretar as suas necessidades e a

    forma como as atendemos (2000: 120). Por esta via, o cuidado deixa de

    ser algo menos importante (sem reconhecimento social) e passa a receber

    valor essencial no processo educativo das crianas.

    Cuidar uma atividade perpassada pelas singularidades do cuidador.As singularidades evidenciam a pluralidade, isto , as vrias formas e

    maneiras do cuidado, que se diferenciam pelo significado cultural que

    recebem. As singularidades esto mais ligadas aos aspectos pessoais do

    cuidador, revelam intencionalidade. Logo, cuidar uma tarefa especfica

    e genrica ao mesmo tempo. neste sentido que entendemos o cuidado

    como atividade fundamental das relaes humanas.

    De acordo com Maranho (2000:118), o cuidado, embora seja

    muitas vezes efetivado por procedimentos com o corpo e com o ambiente

    fsico, expressam intenes, sentimentos, significados, de acordo com o

    contexto sociocultural. O cuidar inclui todas as atividades ligadas ao co-

    tidiano da criana no contexto institucional (por exemplo, centros de edu-cao infantil): alimentar, lavar, trocar, proteger, todas as atividades que

    so integrantes ao educar. (CAMPOS IN MARANHO, 2000: 118). A

    referida autora tem como foco de seus estudos o cuidado com as crianas,

    no obstante, suas ponderaes podem ser ampliadas para outros setores

    de cuidado, como por exemplo, hospitais e at mesmo famlias e seu cui-

    dado com pessoas idosas e adoecidas.Nas entidades de abrigo confluem-se histrias de vidas marcadas

    pelo sofrimento, pela falta e por fatos que no precisam ser ilustrados para

    Allan Henrique Gomes

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    evidenciar que os cuidadores precisam estar emocionalmente preparados

    para conviver e para possibilitar segurana fsica e psicolgica, acolhi-

    mento, integrao, e quando possvel, tempos de alegria e esperana.

    Na tarefa de suprir as mais diversas necessidades que se apresen-tam, os cuidadores fazem uso de todos os recursos e habilidades pesso-

    ais imaginveis (fora, agilidade fsica, sentimentos, criatividade, lide-

    rana, intuio, persuaso, etc.). Por isto que se afirma que uma forma-

    o tcnica ou acadmica, apesar de relevante, no suficiente para qua-

    lificar estes profissionais para as relaes de cuidado no cotidiano dos

    abrigos.Sendo assim, percebo que a constituio destes trabalhadores

    perpassada por uma emblemtica condio que combina lgicas familia-

    res e institucionais na dimenso do cuidado. Esta afirmativa corrobora

    com o pensamento de que tornar-se cuidador um processo de vida e

    remete a uma verdadeira montagempessoal.

    Podemos pensar que o cuidado inerente a condio humana. Co-

    locar as relaes de cuidado em cena e as implicaes que demandam

    estas relaes tambm faz parte desta perspectiva que gesta o cuidado

    como condio do viver. Mesmo assim, saber cuidar compe a experin-

    cia de vida e no se resume a uma aprendizagem ligeira.

    Os sujeitos cuidadores com quem tenho trabalhado compreen-dem o comprometimento afetivo de suas atividades de trabalho, signifi-

    cando seus lugares como imprescindveise, ao mesmo tempo,provisrios

    na vida das crianas. Nas relaes de cuidado fazem uso de muitos recur-

    sos pessoais que colocam suas prprias vidas em risco emocional, razo

    pela qual se justifica encontros de convivncia e assessoria psicossocial

    para estes sujeitos.No tenho como aprofundar aqui a questo, mas pertinente anotar

    que em uma equipe de cuidadores precisam ser implantadas aes que

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    positivem as relaes de trabalho, justamente porque as relaes de cuidado

    no dizem respeito somente ao cuidador e a pessoa atendida. Antes, estas

    relaes se estendem por uma rede de afetos onde participam todos os sujei-

    tos que, de alguma maneira, esto implicados na tarefa do cuidado.

    CONSIDERAES FINAIS

    Neste acabamento reflexivo bom destacar que o processo que

    fomentou a gesto do cuidado se iniciou com atividades que visavam

    promover o cuidado ao cuidador.Identificamos a emergente profissionalizao do cuidado que, ape-

    sar dos seus aspectos tcnicos, tornar-se cuidador/a demanda saberes da

    vida e de ordem pessoal. Esta discusso pertinente, justo no tempo em

    que o cuidado pblico est em foco. Refiro-me alm dos abrigos que aco-

    lhem crianas e adolescentes separados da famlia por medida de proteo

    judicial, tambm as entidades que acolhem mulheres e seus filhos em si-

    tuao de ameaa vida na relao com seus companheiros, de albergues

    que atendem pessoas em situao de rua, bem como de unidades psiqui-

    tricas que atendem pessoas com comprometimento na sade mental.

    Mas o cuidado no acontece somente no mbito institucional,

    antes, fala-se de gesto do cuidado porque temos a emergncia de que aexperincia de cuidar seja renovada nesta cultura. E por isto, cuidadores

    tanto podem serprofissionaiscomo tambmfamiliares que se relacionam

    com pessoas que demandam ateno e assistncia, variando as necessida-

    des, os contextos e a intensidade dos cuidados.

    E assim, quando se fala em relaes / gesto do cuidado, est

    se ampliando a noo restrita do atendimento direto, isto , cuidador epessoa atendida. As relaes de cuidado preveem um conjunto de aes

    que vo desde o reconhecimento das limitaes e das intencionalidades

    Allan Henrique Gomes

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    presentes na rotina do cuidado, passando pela indispensvel presena de

    outros sujeitos que colaboram pontualmente com as relaes de cuidado,

    e finalmente pelas macro-aes de planejamento, formao e promoo

    de sade que esto sendo conceituadas como Gesto do Cuidado.

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    REFERNCIAS

    BGUS, C.M; E COLS. Cuidados oferecidos pelas creches:percepes de

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