Gestao Dos Sistemas e Servicos de Saude GS LIVRO Miolo Grafica 11-08-10-1

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Ministrio da Educao MEC Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES Diretoria de Educao a Distncia DED Universidade Aberta do Brasil UAB Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica PNAP Especializao em Gesto em Sade

GESTO DOS SISTEMAS E SERVIOS DE SADE

Rosana Chigres Kuschnir Adolfo Horcio Chorny Anilska Medeiros Lima e Lira

2010

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2010. Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Todos os direitos reservados. A responsabilidade pelo contedo e imagens desta obra do (s) respectivo (s) autor (es). O contedo desta obra foi licenciado temporria e gratuitamente para utilizao no mbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, atravs da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o contedo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reproduo e distribuio ficaro limitadas ao mbito interno dos cursos. A citao desta obra em trabalhos acadmicos e/ou profissionais poder ser feita com indicao da fonte. A cpia desta obra sem autorizao expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanes previstas no Cdigo Penal, artigo 184, Pargrafos 1 ao 3, sem prejuzo das sanes cveis cabveis espcie.

K97g

Kuschnir, Rosana Chigres Gesto dos sistemas e servios de sade / Rosana Chigres Kuschnir, Adolfo Horcio Chorny, Anilska Medeiros Lima e Lira. Florianpolis : Departamento de Cincias da Administrao / UFSC; [Braslia] : CAPES : UAB, 2010. 180p. Inclui bibliografia Especializao em Gesto em Sade ISBN: 978-85-7988-056-8 1. Sistemas e Servios de Sade Administrao. 2. Sade Pblica Financiamento. 3. Sistemas e servios de sade Planejamento estratgico. 4. Educao a distncia. I. Chorny, Adolfo Horcio. II. Lira, Anilska Medeiros Lima e. III. Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Brasil). IV. Universidade Aberta do Brasil. V. Ttulo. CDU: 614:35

Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071

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PRESIDENTE DA REPBLICA Luiz Incio Lula da Silva MINISTRO DA EDUCAO Fernando Haddad PRESIDENTE DA CAPES Jorge Almeida Guimares UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA REITOR Alvaro Toubes Prata VICE-REITOR Carlos Alberto Justo da Silva CENTRO SCIO-ECONMICO DIRETOR Ricardo Jos de Arajo Oliveira VICE-DIRETOR Alexandre Marino Costa DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA ADMINISTRAO CHEFE DO DEPARTAMENTO Gilberto de Oliveira Moritz SUBCHEFE DO DEPARTAMENTO Marcos Baptista Lopez Dalmau SECRETARIA DE EDUCAO A DISTNCIA SECRETRIO DE EDUCAO A DISTNCIA Carlos Eduardo Bielschowsky DIRETORIA DE EDUCAO A DISTNCIA DIRETOR DE EDUCAO A DISTNCIA Celso Jos da Costa COORDENAO GERAL DE ARTICULAO ACADMICA Nara Maria Pimentel COORDENAO GERAL DE SUPERVISO E FOMENTO Grace Tavares Vieira COORDENAO GERAL DE INFRAESTRUTURA DE POLOS Francisco das Chagas Miranda Silva COORDENAO GERAL DE POLTICAS DE INFORMAO Adi Balbinot Junior

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COMISSO DE AVALIAO E ACOMPANHAMENTO PNAP Alexandre Marino Costa Claudin Jordo de Carvalho Eliane Moreira S de Souza Marcos Tanure Sanabio Maria Aparecida da Silva Marina Isabel de Almeida Oreste Preti Tatiane Michelon Teresa Cristina Janes Carneiro METODOLOGIA PARA EDUCAO A DISTNCIA Universidade Federal de Mato Grosso COORDENAO TCNICA DED Soraya Matos de Vasconcelos Tatiane Michelon Tatiane Pacanaro Trinca AUTORES DO CONTEDO Rosana Chigres Kuschnir Adolfo Horcio Chorny Anilska Medeiros Lima e Lira EQUIPE DE DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDTICOS CAD/UFSC Coordena,o do Projeto Alexandre Marino Costa Coordenao de Produo de Recursos Didticos Denise Aparecida Bunn Superviso de Produo de Recursos Didticos rika Alessandra Salmeron Silva Designer Instrucional Andreza Regina Lopes da Silva Denise Aparecida Bunn Auxiliar Administrativo Stephany Kaori Yoshida Capa Alexandre Noronha Ilustrao Igor Baranenko Projeto Grfico e Finalizao Annye Cristiny Tessaro Editorao Rita Castelan Reviso Textual Barbara da Silveira Vieira Claudia Leal Estevo Brites Ramos

Crditos da imagem da capa: extrada do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.

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PREFCIOOs dois principais desafios da atualidade na rea educacional do Pas so a qualificao dos professores que atuam nas escolas de educao bsica e a qualificao do quadro funcional atuante na gesto do Estado brasileiro, nas vrias instncias administrativas. O Ministrio da Educao (MEC) est enfrentando o primeiro desafio com o Plano Nacional de Formao de Professores, que tem como objetivo qualificar mais de 300.000 professores em exerccio nas escolas de ensino fundamental e mdio, sendo metade desse esforo realizado pelo Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Em relao ao segundo desafio, o MEC, por meio da UAB/CAPES, lana o Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica (PNAP). Esse programa engloba um curso de bacharelado e trs especializaes (Gesto Pblica, Gesto Pblica Municipal e Gesto em Sade) e visa colaborar com o esforo de qualificao dos gestores pblicos brasileiros, com especial ateno no atendimento ao interior do Pas, atravs dos Polos da UAB. O PNAP um programa com caractersticas especiais. Em primeiro lugar, tal programa surgiu do esforo e da reflexo de uma rede composta pela Escola Nacional de Administrao Pblica (ENAP), pelo Ministrio do Planejamento, pelo Ministrio da Sade, pelo Conselho Federal de Administrao, pela Secretaria de Educao a Distncia (SEED) e por mais de 20 instituies pblicas de ensino superior (IPES), vinculadas UAB, que colaboraram na elaborao do Projeto Poltico Pedaggico dos cursos. Em segundo lugar, este projeto ser aplicado por todas as IPES e pretende manter um padro de qualidade em todo o Pas, mas abrindo margem para

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que cada Instituio, que ofertar os cursos, possa incluir assuntos em atendimento s diversidades econmicas e culturais de sua regio. Outro elemento importante a construo coletiva do material didtico. A UAB colocar disposio das IPES um material didtico mnimo de referncia para todas as disciplinas obrigatrias e para algumas optativas. Esse material est sendo elaborado por profissionais experientes da rea da Administrao Pblica de mais de 30 diferentes instituies, com apoio de equipe multidisciplinar. Por ltimo, a produo coletiva antecipada dos materiais didticos libera o corpo docente das IPES para uma dedicao maior ao processo de gesto acadmica dos cursos; uniformiza um elevado patamar de qualidade para o material didtico; e garante o desenvolvimento ininterrupto dos cursos, sem paralisaes que sempre comprometem o entusiasmo dos alunos. Por tudo isso, estamos seguros de que mais um importante passo em direo democratizao do ensino superior pblico e de qualidade est sendo dado, desta vez contribuindo tambm para a melhoria da gesto pblica brasileira, compromisso deste governo.

Celso Jos da Costa Diretor de Educao a Distncia Coordenador Nacional da UAB CAPES-MEC

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SUMRIOApresentao.................................................................................................... 11 Unidade 1 Sistemas de sade e organizao de serviosIntroduo............................................................................................... 15 Sistemas de sade e sistemas de proteo social: a gnese dos sistemas de sade . 17 Tipologia de sistemas de sade............................................................... 26 Sistema pblico de acesso universal.................................................... 27 Sistemas de seguro social................................................................... 28 Sistemas privados................................................................................ 29 Sistemas de sade e organizao de servios........................................ 30 Origem do conceito de redes..................................................... 32 Novas formas de organizao: as mudanas introduzidas pelas reformas dos anos 1990............................................................................................ 36

Unidade 2 A organizao de redes de ateno sadeIntroduo..................................................................................................... 47 Organizao de redes de ateno: conceitos fundamentais........................... 50 Construindo a rede de ateno: funes e perfis assistenciais.............................. 55 O primeiro nvel de ateno................................................................ 55 O cuidado ambulatorial de especialidades............................................... 57 Os servios de diagnstico e de terapia........................................ 58

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Os servios de emergncia.............................................................. 61 Hospitais........................................................................................ 64 Ar ticulao entre os nveis da rede, definio de per fis, regulao...... 67 Organizao das linhas de cuidado.................................................... 70 Refletindo sobre investimentos em redes de servios...................... 74 Constituio de mecanismos de gesto............................................................... 78

Unidade 3 Planejamento e programao em sadeIntroduo..................................................................................................... 89 Introduo ao desenvolvimento do planejamento na Amrica Latina....... 93 O mtodo CENDES-OPAS.................................................................... 94 O planejamento estratgico............................................................................ 97 Os processos de planejamento e programao........................................ 100 O processo de planejamento..................................................... 100 Os momentos do planejamento............................................................... 103 O processo diagnstico.................................................................................. 106 Desenhando o plano................................................................................. 109 Avaliao e planejamento.......................................................................... 112

Unidade 4 O diagnstico de situao em sistemas locaisIntroduo..................................................................................................... 121 O diagnstico de situao: precaues iniciais................................................ 123 Diagnstico de situao como identificao de problemas.................................. 125 Iniciando o diagnstico de situao em sistemas locais........................... 127 Diagnstico da estrutura de sistema de servios........................................ 131 Diagnstico de recursos: estrutura, processo e resultado............................... 132 Operacionalizando o diagnstico de recursos................................................ 134 Um recurso-chave: recursos humanos......................................................... 136

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Apresentao

Financiamento...................................................................................... 138 Diagnstico da funo de conduo/gesto............................................... 138 Diagnstico de desempenho....................................................................... 140 Diagnstico dos arranjos organizacionais objetivando integrao de servios.... 143

Unidade 5 Identificao de problemas e definio de estratgias de intervenoIntroduo..................................................................................................... 151 Identificao de problemas e eleio de prioridades....................................... 154 Aprofundando o diagnstico: formulando hipteses e identificando as causas... 158 Elaborando estratgias de interveno........................................................ 164 Traduzindo as estratgias de interveno em planos de ao............................. 166

Consideraes finais.......................................................................................... 173 Referncias.................................................................................................... 174 Minicurrculo.................................................................................................... 179

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Apresentao

APRESENTAOCaro estudante, Seja bem-vindo! A partir de agora iniciamos a disciplina Gesto dos Sistemas e Servios de Sade do curso de Especializao em Gesto em Sade, na modalidade a distncia, que tem por objetivo proporcionar o desenvolvimento de suas capacidades para desenhar e organizar redes de aes e servios de sade que possam responder s necessidades sanitrias que se apresentam em diferentes escalas geogrficas, assim como a de identificar as ferramentas de planejamento e programao regional e local correspondentes. Nesta disciplina, estudaremos, de forma sequencial e articulada, a trajetria histrica e os fundamentos do planejamento em sade, o desenvolvimento dos sistemas de sade como parte da formao dos sistemas de proteo social, a relao entre o formato de cada sistema e a sua forma de organizao dos servios de sade, os componentes da organizao de redes de ateno sade e as estratgias de coordenao correspondentes. Veremos tambm como analisar a configurao atual do sistema de sade brasileiro em suas diversas dimenses, os fundamentos do diagnstico da estrutura de servios e sua dinmica de gesto, o desempenho dos arranjos de coordenao e integrao dos servios e, finalmente, como caminhar para o modelo de sistema de sade desejado por meio da definio de estratgias e planos de ao. Para atender a esses objetivos, desenvolvemos uma abordagem de gesto fundamentada em conhecimento de planejamento para que voc possa analisar a situao atual do espao de gesto em que atua e projetar e implementar modelos

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futuros mais equitativos e eficientes. importante que voc acompanhe todas as Unidades do livro, uma vez que todas foram elaboradas de maneira encadeada, ou seja, cada nova Unidade emprega os fundamentos apresentados na Unidade anterior. importante tambm que voc busque aprofundar seus conhecimentos lendo a bibliografia sugerida na seo Complementando. E, em caso de dvidas, no hesite em conversar com o seu tutor, que estar sua disposio para debat-las e respond-las. Desejamos a voc uma tima leitura. Professores Adolfo Chorny, Anilska Medeiros e Rosana Kuschnir.

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Apresentao

UNIDADE 1SISTEMASDE SADE E ORGANIZAO DE SERVIOS

OBJETIVOS

ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de: Identificar as principais caractersticas dos sistemas de proteo social; Examinar a relao entre os sistemas de sade e os sistemas de proteo social; Listar as principais caractersticas dos sistemas-tipo de sade; Relacionar os modelos de organizao de servios e os princpios norteadores de cada sistema-tipo; e Debater os conceitos apresentados interpretao do caso brasileiro e realidade local.

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Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

INTRODUOCaro estudante, Veremos, nesta Unidade, que os sistemas de sade so construes ainda muito recentes na histria da humanidade, que surgiram como parte de instituies maiores chamadas de sistemas de proteo social e que cada pas desenvolve, de forma singular, seu prprio sistema de sade a partir de alguns modelos historicamente consagrados. importante percebermos que h uma estreita relao entre o formato de organizao de cada tipologia de sistema e a sua forma de organizao dos servios de sade, o que produz variaes de modelos entre os pases em termos de uma srie de atributos, como a forma de acesso e a natureza de financiamento. Esteja atento ao fato de que a organizao de servios de sade em rede, modelo constitucionalmente estabelecido para o Sistema nico de Sade (SUS), est relacionada a um modelo especfico de organizao de sistema de sade que o sistema universal. Bons estudos e conte sempre conosco!

A definio de objetivos referentes situao ideal a que queremos chegar norteia todo o processo de planejamento e orienta a eleio de prioridades e a definio das estratgias de interveno. No caso da discusso acerca da organizao de servios de sade e de redes assistenciais que trataremos nesta Unidade, o nosso objetivo o de analisar a organizao de servios em redes, uma das diretrizes do SUS, e a estratgia que foi seguida por todos os sistemas de sade que tm por princpios a universalidade, a equidade e a integralidade.

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Conhecer um pouco da histria de como foram desenvolvidos os sistemas de sade nos auxilia na compreenso do nosso prprio sistema e de sua perspectiva. No entanto, ainda que seja possvel classificarmos os sistemas em tipologias de acordo com algumas dimenses e caractersticas centrais, precisamos lembrar que cada sistema de sade nico e representa uma resposta muito especfica de cada pas ou sociedade ao problema de como garantir ou no que seus cidados tenham acesso a cuidados e a servios de sade. Sendo assim, perceba que imprescindvel considerarmos os sistemas de sade em sua dimenso poltica, poltica-pblica e poltica-social, j que os sistemas de sade fazem parte de sistemas mais amplos de proteo social que englobam tambm os sistemas de assistncia social, aposentadoria, penso e seguro-desemprego.

A maneira como esses sistemas de proteo se organizam, que parcelas da populao eles incluem e como as incluem, representam as diferentes respostas que cada sociedade, em um dado momento, d s perguntas centrais: a quem proteger? Como proteger?

Como cada uma dessas respostas ter por expresso diferentes formas de financiamento, gesto e organizao dos servios e do cuidado em sade, para melhor compreenso desses conceitos, utilizaremos como referncias ao longo do livro alguns exemplos clssicos de cada tipo de sistema pblico de sade, como o do Reino Unido mais especificamente o da Inglaterra e o da Alemanha. Nesta Unidade, apresentaremos as distintas concepes dos sistemas de sade e de proteo social; uma pequena introduo tipologia de sistemas de sade e uma discusso sobre a correlao entre o modelo de sistema de sade e a forma de organizao de servios e de processos de cuidado em sade.

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SISTEMAS DE SADE E SISTEMAS DE PROTEO SOCIAL: A GNESE DOSSISTEMAS DE SADE

O cuidado com a sade vem de tempos remotos, desde que as pessoas passaram deliberadamente a se proteger e a se tratar contra as doenas. Em todo o mundo, as prticas tradicionais existem h milhares de anos e convivem at hoje com a prtica da medicina moderna. No entanto, sistemas de sade destinados a beneficiar a populao como um todo ou a parcelas dessa, por meio de arranjos coletivos, existem h pouco mais de um sculo, mesmo em pases avanados.

Voc pode estar se perguntando: mas os hospitais j existiam antes do sculo XIX?

Sim, os hospitais tm uma histria muito mais longa, mas at o sculo XIX eram em sua maior parte geridos por organizaes de caridade e, muitas vezes, pouco mais do que um refgio para os rfos, para os deficientes fsicos, ou simplesmente para os pobres. Existem vrias definies para sistemas de sade, assim como existem diferentes classificaes que consideram distintas dimenses de anlise. De acordo com a Organizao Mundial de

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Sade (OMS), os sistemas de sade so definidos como o conjunto de atividades no qual o principal propsito promover, restaurar e manter a sade da populao (WHO, 2000).

Os servios de sade so um componente central, mas os sistemas de sade no se limitam a eles.

Os sistemas de sade fazem parte de sistemas mais amplos de proteo social que englobam tambm os sistemas de assistncia social, aposentadoria, penso e seguro-desemprego. J a proteo social est relacionada s polticas pblicas que tm por objetivo proteger os indivduos contra os riscos inerentes vida e/ou assistilos em necessidades relacionadas situao de dependncia. Essa dependncia pode ser gerada por fases da vida infncia, maternidade, velhice , por doena, por carncia de alimentos, por calamidades, ou ainda, pela desigualdade social. Os primeiros sistemas de proteo social foram a famlia, a comunidade e as associaes filantrpicas e religiosas. Esses mecanismos de proteo permaneceram at as intervenes das categorias profissionais e do Estado. No caso das associaes de trabalhadores com a mesma ocupao, esses passaram a organizar esquemas em pequenas escalas de contribuies, de modo a criarem um fundo de proteo contra o risco financeiro. No caso do Estado, ele passa a intervir por meio da criao de leis que institucionalizam a solidariedade seja para grupos especficos ou para toda a populao de um pas. So essas formas de interveno do Estado que discutiremos a seguir. A primeira forma de interveno do Estado ocorreu a partir da consolidao dos Estados nacionais incio no sculo XV e consolidao no sculo XVI na Europa por meio da institucionalizao das formas de proteo tradicional e voluntria, tornando-as compulsrias por meio de lei e da coleta de impostos especficos.

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A primeira lei nacional instituda Lei dos Pobres Saiba mais foi a Lei do Pobres, que formalizou algumas das prticas j existentes desde Essa lei tambm conhecida por Poor Law Act foi editada em 1601 na Inglaterra e institua a cono fim da epidemia de peste e criou um tribuio obrigatria dos sditos para um prosistema nacional, pago por taxas grama de assistncia social, gerido pela igreja e coletadas localmente sob a voltado principalmente s crianas, aos idosos, administrao das municipalidades. Por aos invlidos e aos desempregados, com o oblei, o Estado deveria ainda prover jetivo de combater a misria. Fonte: Viana (2007). trabalho ou aprendizado para crianas rfs, ou crianas cujos pais no podiam mant-las; materiais para botar os pobres para trabalhar; e auxlio aos incapazes de trabalhar como os aleijados, os doentes, os idosos e os cegos. A Lei dos Pobres, por tanto, institucionalizou a solidariedade e definiu quem poderia receber auxlio do Estado. Posteriormente, a lei foi adotada em toda a Europa. No mbito dessa forma de proteo social, foram criadas as workhouses* para combinar moradia, cuidado, trabalho e casa de correo. Em 1776, havia cerca de 1900 workhouses na Inglaterra alojando 100.000 pobres, a maioria deles doentes, idosos e crianas, todos incapazes de trabalhar. As workhouses funcionavam tambm como creche, abrigo, enfermaria geritrica e orfanato. No fim do sculo XVIII foi introduzido um sistema de auxlio monetrio, suplementando salrios com base no nmero de filhos e no preo do po. No entanto, no sculo XIX, em plena Revoluo Industrial, comearam a aparecer com mais intensidade as crticas ao sistema, como a de ser considerado muito caro, a de levar mais pessoas pobreza e a de promover o aumento de filhos ilegtimos. Ademais, a suplementao de salrio tornava-se incompatvel com a autorregulao do mercado, competindo pela mo de obra com as nascentes fbricas (e suas terrveis condies de trabalho). Diante desse cenrio, foi proposto, ento, mudar a funo da workhouse para um modelo de desencorajamento da proteo, por meio de uma nova Lei dos Pobres de 1834, que objetivava acabar com a mendigao. Ou seja, a posio de pobre deveria ser menos escolhida, o auxlio somente poderia ser dado nas

*Workhouses termo ingls que significa casa de trabalho. Considerando que a Lei dos Pobres visava ajudar os indivduos oferecendo alojamento em casas de trabalhosob regime prisional,no qual o trabalho era improdutivo, montono e extenuante, o povo passou a denominar essas casas de bastilhas para os pobres. Fonte: . Acesso em: 29 jun. 2010

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workhouses e as suas condies deveriam ser to ruins que qualquer pessoa que pudesse ficar fora delas ficaria, o que em pouco tempo gerou o sentimento de vergonha aos que se associavam Lei dos Pobres. A Lei dos Pobres foi a primeira e por muito tempo a nica funo de gesto local. Constituiu a primeira forma de interveno do Estado, uma vertente de interveno caracterizada como Assistncia Social, em que o Estado protegia apenas aqueles que no eram capazes de prover a si prprios no mercado. Na Inglaterra, o fim da Lei dos Pobres acorreu apenas nas primeiras dcadas do sculo XX, com as reformas de 1906-1914 que instituram as penses e o seguro nacional. No sculo XIX, a Revoluo Industrial modificou profundamente as formas de produo e as estruturas sociais no continente europeu. A partir da chamada Primeira Revoluo Industrial, entre 1760 e 1840, foram introduzidas a mquina a vapor, a mecanizao da produo e as novas tcnicas de metalurgia. A Revoluo Industrial promoveu ainda a substituio da economia baseada no trabalho manual pela economia baseada na indstria, por exemplo: com a mecanizao da produo txtil, criou a fbrica e promoveu intensa urbanizao. A industrializao e a urbanizao levaram deteriorao das condies de vida e quebra de laos familiares e comunitrios. As condies de trabalho nas fbricas eram terrveis, incluindo o trabalho de crianas de trs a cinco anos. Em 1833, por exemplo, foi promulgada a primeira lei contra o trabalho infantil na Inglaterra, instituindo que crianas menores de nove anos no poderiam trabalhar; que entre nove e 18 anos elas no poderiam trabalhar noite; e que menores de 18 anos deveriam ter jornada de trabalho limitada em 12 horas. As workhouses foram abolidas oficialmente em 1929, mas algumas persistiram at 1940. medida que comeava a crescer o movimento dos trabalhadores, passava a existir o risco para a produo de que os trabalhadores se recusassem a trabalhar. Para esses, os riscos passaram a ser os impostos pelo novo modo de produo o acidente de trabalho e a doena , que comprometiam sua capacidade de trabalho, nica alternativa de sobrevivncia.

No comeo do sculo XIX, nas terras que futuramente

constituiriam a

Alemanha, existiam cerca de 300 mil

v

operrios em fbricas, em 1867 eram 2 milhes e em 1900, 12 milhes de operrios.

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Diante desse cenrio, ocorreram Otto von Bismarck (1815-1898) Saiba mais mudanas significativas na poltica de importncia dos riscos do novo modelo de Mais importante estadista da Alemanha do sculo XIX. Lanou as bases do Segundo Imprio, ou 2 produo, ou seja, a sade dos Reich (1871-1918), que levou os pases germnicos trabalhadores passou a ser uma questo a conhecer a existncia de um Estado nacional poltica importante, tanto pelo nico. Para formar a unidade alem, Bismarck desfortalecimento do movimento operrio prezou os recursos do liberalismo poltico, prefeorganizado na Europa quanto pela prpria rindo a poltica da fora. Fonte: . Acesso em: 30 jun. 2010. unificada em 1871 foi criado por Bismarck o primeiro sistema de seguro social (incluindo sade) em 1883. Esse sistema institua o seguro compulsrio para todos os trabalhadores de fbricas (entre 3 e 4 milhes), sem incluso de dependentes. O primeiro sistema de proteo social alem englobou aposentadoria, seguro-desemprego e assistncia sade, mas incluiu apenas uma parcela da populao. Inicialmente destinado somente aos trabalhadores das fbricas, gradualmente foi ampliando sua cobertura e outras categorias foram sendo incorporadas ao esquema. O seguro era financiado por meio das contribuies de empregados e empregadores e cobria os riscos decorrentes de acidente de trabalho, doena e perda da capacidade de trabalho devido idade. A popularidade dessa lei entre os trabalhadores alemes fez com que ela fosse seguida pela Blgica em 1894, pela Noruega em 1909 e pelo Reino Unido em 1911. Depois da Primeira Guerra Mundial, outros pases introduziram sistemas-tipo seguro social e incorporaram diferentes categorias de trabalhadores. Essa nova forma de interveno do Estado, o Seguro Social, estabeleceu um contrato entre as partes e a retirada do carter assistencialista e do estigmada de proteo social, ou seja, era um sistema meritocrtico so protegidos os que merecem, os que contribuem, os que fazem parte da produo, so direitos sociais aos que participam da produo.

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Ainda na dcada de 1920, comearam a ser institudos os primeiros sistemas desse tipo na Amrica Latina, por necessidade de manuteno das condies bsicas de sade dos trabalhadores e como resposta aos movimentos sindicais que se fortaleciam influenciados pela Revoluo Russa. Nesse panorama, surgiu em 1923 no Brasil a Lei Eli Chaves, que criou as primeiras caixas por empresas; a primeira destinada aos ferrovirios e a segunda aos martimos, duas categorias mais mobilizadas e de maior peso na economia agrrio-exportadora poca. A partir do perodo entre guerras, com a crise da economia de 1929, com a depresso dos anos 30 e com a vitria do socialismo na Unio Sovitica e o consequente fortalecimento do papel do planejamento passou a ser gestado o pano de fundo do qual emergiu a terceira forma de interveno estatal. Do ponto de vista dos sistemas de sade, ao final da dcada de 1920 a Unio Sovitica havia institudo seu sistema de sade, o primeiro dirigido a toda a populao e no apenas aos trabalhadores, e que no representava a contrapartida e a contribuio a fundos ou caixas. Esse foi o primeiro exemplo de sistema centralizado e controlado pelo Estado a partir do estabelecimento da rede de centros e hospitais que j existia desde o sculo XIX. Ao mesmo tempo, em ambas as guerras houve a necessidade de organizar servios mdicos em larga escala, demonstrando as vantagens dos sistemas de servios integrados e coordenados. E foi aps a Segunda Guerra Mundial que um conjunto de condies econmicas, sociais e polticas levaram instituio do Estado de Bem-Estar Social: o crescimento da produo, a industrializao em massa, o pleno emprego, a maior homogeneidade social, as ideias keynesianas de interveno pblica, a ampliao e o aprofundamento das instituies democrticas e a influncia das ideias socialistas.

Saiba mais John Maynard Keynes (1883-1946)Economista britnico, defendia uma poltica econmica de Estado intervencionista atravs da qual os governos usassem medidas fiscais e monetrias para mitigar os efeitos adversos dos ciclos econmicos, tais como os perodos de recesso, depresso ou boons. Suas ideias influenciaram enormemente a macroeconomia moderna. Fonte: Elaborado pelos autores.

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A concepo de Seguro Social foi substituda pela de Seguridade Social, cujo alvo era a cidadania. O marco dessa nova fase foi o relatrio Beveridge apresentado ao parlamento ingls em 1942 e aprovado em 1946, norteado por dois princpios bsicos:

a unidade unificao de todas as instncias de gestoda proteo social, homogeneizando os benefcios e a universalidade; e

a cobertura para todos os indivduos.Foi nesse novo cenrio que o direito sade foi incorporado noo dos direitos de cidadania sobre os quais se reconstruiriam as sociedades europeias no bojo de polticas econmicas e sociais com forte interveno do Estado como provedor e financiador de servios. No contexto desse novo padro de interveno estatal, nasceram os sistemas nacionais de sade universais e gratuitos ocidentais. O primeiro sistema a ser criado foi obritnico National Health Service (NHS), em 1948, no mbito do Plano Beveridge. Outros pases europeus seguiram esse caminho, como os pases nrdicos. Ao longo dos anos que seguiram Segunda Guerra Mundial, praticamente todos os pases desenvolvidos realizaram reforma em seus sistemas de proteo social, inclusive os que mantiveram o seguro social, caminhando para sistemas pblicos estatais ou regulados pelo Estado para a garantia de amplos direitos sociais a todos os cidados (Estado de Bem-Estar Social), ainda que os benefcios variassem de pas para pas. Desde ento, os sistemas de seguro social dos pases europeus vm ampliando a cobertura de modo a garanti-la praticamente a toda a sua populao, ampliando a incorporao e aproximando a universalidade. Outros pases europeus, como a Espanha e a Itlia, fizeram mais recentemente a transio de sistemas de seguro social para sistemas nacionais de sade de forma semelhante ao ocorrido no caso brasileiro. A maior parte dos pases desenvolvidos garante acesso s aes e aos servios de sade a todos ou a praticamente todos os seus cidados, seja por meio de sistemas nacionais de sade ou de

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seguro social. A exceo notria a dos Estados Unidos, que no adotaram um sistema pblico de sade e mantiveram seu sistema de sade privado, cujo acesso determinado pela possibilidade de pagamento de seguro privado, em geral pela empresa empregadora, ao lado de programas pblicos dirigidos a alguns grupos os idosos e os muito pobres e de alguns servios pblicos de acesso universal. No caso americano, desde o incio sculo XX, indstrias e empresas maiores comearam a contratar servios mdicos para seus trabalhadores, enquanto o Estado passara a se responsabilizar pelas aes de sade coletiva, inicialmente o controle de epidemias e, posteriormente, o tratamento dos portadores de doenas transmissveis. As associaes de mdicos e hospitais passaram ento a oferecer planos de ateno mdica ou hospitalar, sendo contratados por empresas, sindicatos e associaes de consumidores. Embora at a dcada de 1930 essas aes no tenham se desenvolvido significativamente, com a grande depresso dos anos de 1930 houve a reduo de doaes e do poder aquisitivo do trabalhador, dando impulso ao crescimento dos planos de pagamento de taxa fixa anual, per capita, inicialmente no setor hospitalar e posteriormente no ambulatorial.

Voc sabe como eram esses planos nos anos 1930? Quem os oferecia? Quem tinha direito a eles?

Os primeiros planos foram desenvolvidos por associaes de hospitais e de mdicos que, ao serem rapidamente copiados e adaptados, contriburam para a expanso e a consolidao das instituies mdicas, requerendo arranjos financeiros mais sofisticados. Foi somente ao final da Segunda Guerra Mundial que as instituies financeiras seguradoras passaram a oferecer planos de reembolso dos gastos em ateno mdica e hospitalar diferenciados pelo valor do prmio. No incio da dcada de 1950 as empresas seguradoras j ultrapassavam as empresas mdicas em nmero de segurados, configurando poca cerca de dois teros da populao

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americana j coberta por algum tipo de seguro, em especial categorias com maior poder de presso. A intensificao dessa discusso ocorreu nos anos 1960, no governo de Kennedy, chegando a acenar com uma reforma baseada em seguro-sade obrigatrio e embora a proposta de um sistema pblico de sade nunca tenha sido vitoriosa nos Estados Unidos, em 1965 foram aprovados dois programas pblicos, resultantes de um mix de propostas:

Medicaid : programa de responsabilidade efinanciamento estadual, com repasses federais de acordo com o nvel de pobreza do Estado e destinado populao de baixa renda (comprovada).

Medicare: programa de responsabilidade do governofederal e de definio nacional, com cobertura mdicohospitalar para aposentados acima de 65 anos e seus dependentes, e de pacientes renais crnicos terminais. Desse modo, aqueles que no se qualificavam aos programas pblicos por no serem suficientemente idosos ou suficientemente pobres e por no disporem de seguro, seja por desemprego ou por trabalharem em empresas menores, ficavam sem acesso a uma ampla gama de servios de sade, o que totalizou, na poca, mais de 40 milhes de pessoas.

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TIPOLOGIA DE SISTEMAS DE SADEComo vimos, as trs formas de interveno do Estado na rea social assistncia social, seguro social e seguridade social correspondem a diferentes respostas dadas em cada sociedade s questes: a quem proteger? Como proteger? A concepo de proteo social adotada implicou, portanto, uma resposta muito especfica: cada pas ou sociedade determina como garantir ou no que seus cidados tenham acesso a cuidados e servios de sade. Em alguns casos, so pblicos e gratuitos para toda a populao; em outros casos, depende de um seguro social, organizado por categorias de trabalhadores ou em fundo nico para toda a populao trabalhadora, podendo existir grupos cobertos atendidos de forma diferente. Ou ainda, o acesso pode depender da disposio ou disponibilidade do cidado em pagar diretamente mdicos, hospitais ou um plano de sade. Com relao organizao da oferta de servios, existem tambm diferentes combinaes: desde servios exclusivamente pblicos a combinaes pblico-privadas, em diferentes medidas e com diferentes graus de articulao institucional e/ou funcional. Como mencionamos, ainda que seja possvel classificarmos os sistemas de sade em tipologias de acordo com algumas dimenses e caractersticas centrais, cada sistema de sade nico, fruto da histria, das lutas, dos pactos estabelecidos em cada sociedade e fundamentalmente o reflexo e a representao de seus valores de como uma determinada sociedade considera a vida e os direitos de seus membros. Para a classificao dos diferentes sistemas de sade em sistemas-tipo, vrias dimenses so selecionadas e consideradas

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em seu conjunto. A tipologia clssica identifica trs tipos de sistemas de sade:

sistema pblico de acesso universal; sistema pblico de seguro social; e sistema privado.E fundamentalmente necessrio considerarmos nessa classificao o reflexo e a representao de valores de acordo com a forma com que uma determinada sociedade considera a vida e os direitos de seus membros.

A seguir, vamos conhecer em detalhes cada sistema-tipo de sade.

SISTEMA PBLICO DE ACESSO UNIVERSAL O financiamento pblico, realizado por meio detributos pagos pela populao e coletados pelo Estado, que podem ser diretos ou indiretos, nacionais ou locais, com destinao previamente definida ou no.

A organizao/administrao do sistema pblica, realizada diretamente pelo Estado, em nvel central ou provincial.

O acesso a cidadania/moradia, portanto possibilitaa cobertura universal.

A proviso de servios exclusivamente pblicaou por meio de um mix pblico-privado gerenciado pelo Estado. Quando a proviso exclusivamente pblica, a forma mais comum de pagamento aos servios a alocao de oramentos globais. Em

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pases que adotaram a separao das funes de financiamento e de proviso introduzindo esquemas de contratualizao, a alocao de recursos passou a ser relacionada a metas de produo.

Exemplos de pases que adotaram o sistema deproviso exclusivamente ou quase exclusivamente pblico: Inglaterra, Sucia, Noruega, Finlndia. Exemplos de pases que adotaram o sistema de proviso por meio de um mix pblico-privado: Espanha, Itlia, Portugal.

SISTEMAS

DE SEGURO SOCIAL

O financiamento compulsrio, realizado por meiode contribuio sobre as folhas de pagamento das empresas e vinculado ao salrio dos empregados.

A organizao do sistema pblica ou semipblica,realizada por meio de fundo nico ou mltiplo e fundo de escolha livre ou no.

O acesso o benefcio como contrapartida aopagamento da contribuio. Nos pases de renda alta de seguro social, a cobertura foi ampliada at aproximar-se da cobertura universal.

A proviso de servios pode ser pblica ou um mixpblico-privado. O componente pblico pode ser pago por oramentos globais ou por produo e o componente privado contratado e, em geral, pago por produo.

Exemplos de pases que adotaram esse sistema:Alemanha, Blgica, Frana, Holanda, ustria.

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SISTEMAS

PRIVADOS

O financiamento privado, realizado por meio depagamento direto ao provedor ou por meio de seguro privado voluntrio. Em geral, nesses sistemas h programas de financiamento pblico dirigidos a grupos de pessoas especficos (pobres ou idosos).

O acesso definido pela capacidade de pagamento epor programas pblicos especficos, de acordo com critrios especficos.

A organizao do sistema possui coberturarealizada por diferentes tipos/arranjos de seguros privados, com setor pblico fragmentado e recortado por programas.

A prestao de servios realizada principalmentepelo setor privado; nos programas com componente mdico-assistencial, o Estado contrata o setor privado, principalmente. Embora seja possvel identificarmos os trs sistemas-tipo, na prtica a maior parte dos pases apresenta um tipo dominante e algum componente dos outros tipos, de forma minoritria ou residual. Uma quarta classificao a de sistemas segmentados, em que convivem diferentes tipos de organizao de servios destinados a diferentes clientelas, como era o caso do Brasil antes da instituio do SUS, e da maior parte dos sistemas Latino-Americanos. Ao longo da dcada de 1990, tanto os sistemas nacionais de sade quanto os sistemas de seguro social iniciaram processos de reformas que introduziram medidas que os levaram a algum grau de aproximao entre si.

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Para conhecer como cada pas desenvolveu e sade, voc pode organizou seu sistema de consultar o site do

Observatrio Europeu de Sistemas e Polticas de Sade, disponvel em: .

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SISTEMAS DE SADE EORGANIZAO DE SERVIOS

As diferenas encontradas entre os sistemas-tipo de sade no que diz respeito sua concepo bsica e ao seu financiamento refletem-se tambm nos arranjos para a organizao da proviso da ateno. Nas formas iniciais do seguro social, do mesmo modo como j acontecia nos esquemas organizados autonomamente por trabalhadores, eram realizados contratos entre os fundos/caixas e os provedores de servios de sade, fossem eles provedores individuais como os mdicos ou institucionais, como os hospitais, as clnicas ou os laboratrios. Em sua primeira fase, o componente sade dos seguros sociais no era muito importante. Porm, com o desenvolvimento tecnolgico ocorrido a partir da Segunda Guerra Mundial; e especialmente a partir da dcada de 1970, a oferta, a utilizao e o gasto em aes e servios de sade cresceram de forma exponencial, colocando-se no centro da discusso acerca da reforma desses sistemas. medida que a oferta de servios de sade ganhou relevncia, os sistemas de seguro social passaram a dispor de seus prprios servios ambulatoriais e hospitalares. E, alm desses servios, em maior ou menor medida, dependendo do caso, continuaram mantendo contratos com provedores filantrpicos e privados ou com hospitais pblicos, como na Alemanha. Nos sistemas de seguro social, a proviso de servios feita por um mix de servios pblicos e de servios privados contratados pelo(s) fundos(s), em geral, pagos por produo. No caso alemo, o cuidado ambulatorial realizado em consultrios de todas as especialidades, e os generalistas ou clnicos gerais no exercem a

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funo de controle do acesso aos outros nveis do sistema por meio de mecanismos de referncia.

O acesso a esses servios, em geral, se d por livre escolha do segurado, inclusive para nveis de maior densidade (complexidade) tecnolgica.

Sendo assim, podemos afirmar que os sistemas de seguro social tm menor controle do acesso aos nveis de maior complexidade, correspondendo a um grau de escolha do usurio muito maior do que o realizado nas redes hierarquizadas tradicionais. Por outro lado, eles incorporam mais tecnologia e apresentam maiores gastos em sade, resultando, ao mesmo tempo, em um sistema muito mais fragmentado do que o das redes dos sistemas nacionais de sade, o que dificulta a continuidade do cuidado. No caso americano, o grau de fragmentao encontrado na oferta de servios e na prestao do cuidado ainda muito maior. A proviso realizada por diferentes tipos/arranjos de seguros privados e por um setor pblico fragmentado e recortado por programas. Os Estados contam com grande autonomia para o desenvolvimento de seus programas, como o caso do Medicaid, assim como os decounties (municipalidades), de economia mais slida. Todo esse cenrio contribui para ressaltar as grandes disparidades que encontramos entre Estados e municpios na oferta e no acesso a aes e servios pblicos de sade. No entanto, considerando que o setor privado o principal prestador de servios e contratado pelo Estado para o cumprimento do componente mdico-assistencial dos programas pblicos, a relao entre o usurio e o prestador de servio acaba sendo mediada por um terceiro pagador, seja ele o Estado ou um plano de sade, o que possibilitou a expanso lucrativa do segmento privado. Esse segmento privado composto de instituies de natureza diversa, organizadas e inter-relacionadas por uma gama de arranjos administrativos e financeiros. O segmento no lucrativo, composto

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pelas instituies mais antigas das antigas instituies de caridade, vm passando por um processo recente de transformao para instituies lucrativas (como as do segmento privado), que vm se transformando em cadeias prestadoras de servios, organizadas por meio de processos de integrao horizontal e vertical. No caso dos sistemas universais, como discutiremos a seguir, a organizao de servios baseada em redes relacionadas a populaes de abrangncia que ocupam um dado territrio.

ORIGEM

DO CONCEITO DE REDES

O conceito de redes de servios no novo. Quando das discusses iniciais acerca da constituio de um sistema que cobrisse toda a populao Lord Dawson Saiba mais britnica, o primeiro-ministro da Sade daquele Dr. Bertrand Dawson foi mdico da pas nomeou uma comisso com a incumbncia Famlia Real Britnica e membro do de definir esquemas para a cobertura Conselho Consultivo do Ministrio sistematizada de servios mdico-hospitalares da Sade do Reino Unido. Fonte: Elapara a populao de uma dada rea borado pelos autores. (WEBSTER, 2002). Essa comisso, coordenada por Lord Dawson, elaborou a primeira proposta para um modelo de redes de servios de sade, apresentada no Relatrio Dawson em 1920. Pela primeira vez, foi proposta a definio de bases territoriais e de populaes-alvo, ou seja, de regies de sade. Essas populaes seriam atendidas por unidades de diferentes perfis assistenciais, organizadas de forma hierrquica. Diante dessa realidade, foi proposto que a porta de entrada no sistema se daria por meio de um centro de sade, que empregaria os general practitioners (GP)*. Esses centros de sade, localizados em vilas, estariam ligados a um centro de sade mais complexo, j denominado secundrio, e os casos que no pudessem ser resolvidos nesses centros seriam direcionados aos hospitais no modelo proposto, aos hospitais de ensino.

*General practitioners mdicos generalistas ingleses que j clinicavam de forma autnoma. Sua funo era a de definir a forma como o paciente caminharia pelo sistema, o que lhes rendeu o nome de gate-keeper literalmente o porteiro, aquele que toma conta da porta. Fonte: Elaborado pelos autores.

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Esses conceitos porta de entrada, regies, nveis de complexidade , que acabamos de utilizar e discutir, j estavam delimitados e claramente definidos no relatrio de 1920. A Figura 1, a seguir, marcadamente semelhante aos modelos que so utilizados at hoje para ilustrar os conceitos de redes de servios de sade.

CIDADE

VILA

VILA

= Centros de sade = Servios complementares = Centros de sade secundrios = Hospital de ensino = Servio domiciliar

Figura 1: Diagrama de Dawson Fonte:

A proposta do Relatrio Dawson, embora solicitada pelo governo, no foi implementada na poca, sendo o sistema de sade britnico criado apenas 28 anos depois, em 1948, aps o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas antes da criao do sistema britnico, a Unio Sovitica j havia institudo o primeiro sistema pblico universal a partir de fins da dcada de 1920. O sistema-tipo sovitico foi tambm implantado nos demais pases do bloco socialista, como Cuba; e nos pases europeus que

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passaram a compor esse bloco aps a Segunda Guerra Mundial, como a Polnia e a Hungria, ficando conhecido como sistema de tipo Semashko denominao derivada de NA Semashko (primeiro comissrio do povo para a sade da Unio Sovitica). Caracterizado como um sistema pblico financiado diretamente pelo Estado, centralizado e com alto grau de normatizao, como todos os sistemas universais, foi estruturado em redes hierarquizadas e regionalizadas de servios e gerido pelos diferentes nveis da administrao estatal central, regional e local a partir de uma estrutura vertical e com responsabilidades bem delimitadas. Um exemplo de sistema desse tipo, extremamente bem sucedido, o sistema cubano.

Todos os mdicos seriam contratados pelo Estado e trabalhariam em hospitais. centros de sade e

Ao final de um longo processo de negociao, o sistema foi criado sob responsabilidade e gesto do governo central e os mdicos generalistas foram incorporados como Ateno Saiba mais mdicos independentes, contratados pelo Estado, Aqui temos os responsveis pela atencom dedicao exclusiva no lhes era permitida o integral, compreendida como cuidaa prtica privada sendo responsveis pelo do preventivo, ateno a episdios aguprimeiro nvel de ateno e pela porta de entrada.dos e acompanhamento de casos crnicos. o Em alguns nvel sistemas de sade de primeiro constitudo

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Em 1942, quando o Relatrio Beveridge foi encaminhado discusso do parlamento britnico, a proposta inicial seguia um modelo semelhante ao proposto por Dawson, incluindo a construo de centros de sade nos quais os generalistas (GPs) trabalhariam sob gesto do governo local. No entanto, houve grande oposio dos mdicos, tanto por especialistas como por generalistas cada grupo com sua representao , que temiam a perda da autonomia profissional e no aceitavam a gesto local. Em plebiscito, os mdicos se recusaram a participar do novo sistema.

generalistas contratados, a exemplo do modelo ingls; em outros, de generalistas ou clnicos, pediatras e ginecologistas trabalhando em centros de sade. Fonte: Elaborado pelos autores.

Esse modelo, que nasceu das condies especficas de implantao do sistema britnico, acabou sendo um modelo seguido por diversos pases em outros contextos, inclusive sendo adotado pelos planos de sade privados inicialmente nos Estados Unidos nas formas de ateno conhecidas pelo nome geral de cuidado gerenciado (managedcare).

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Os especialistas foram incorporados ao sistema como mdicos assalariados, trabalhando em hospitais onde se localizava toda a ateno secundria, inclusive ambulatrio de especialidades , mas com grande controle sobre suas condies de trabalho, podendo tambm manter a prtica privada.

Voc pode estar se perguntando: mas o que aconteceu com os hospitais que existiam na poca?

Tanto os grandes hospitais universitrios quanto os pequenos hospitais comunitrios foram todos passados propriedade e gesto do governo central, pois a organizao funcional da rede era a mesma proposta por Dawson e j adotada pelo modelo sovitico. A partir do cuidado realizado pelo generalista no primeiro nvel de ateno, caso esse considerasse necessrio e apenas nesses casos , o paciente seria encaminhado ao atendimento especializado ambulatorial e desse para o atendimento hospitalar em geral, para o hospital distrital e desse para o hospital regional, quando necessrio. A ampliao da cobertura do primeiro nvel de ateno ocorreu a partir dos generalistas, que garantem at hoje literalmente 100% de cobertura da populao. No caso ingls, os generalistas so pagos por capitao*, ou seja, no pela produo de consultas, mas pela responsabilidade pelo cuidado. de fundamental importncia, na concepo de uma rede, que todos os casos de responsabilidade pelo paciente sejam do primeiro nvel de ateno. No bem o que conhecemos como referncia e contrarreferncia. mais! Significa que nesse nvel que se estabelece o vnculo entre o cidado e o servio de sade. O paciente encaminhado a exames ou referenciado a outros nveis do sistema, mas continua vinculado ao generalista, que pode ser acionado a qualquer momento pelo paciente. Ademais, o primeiro nvel responsvel pela ateno integral, compreendida como o cuidado preventivo, a ateno a episdios agudos e o acompanhamento de casos crnicos.

*Capitao forma de remunerao bastante utilizada para a ateno de primeiro nvel, paga ao mdico pelo paciente inscrito em sua lista, independentemente do nmero de consultas realizadas. Fonte: Elaborado pelos autores.

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Essa , portanto, a origem dos conceitos de rede que discutimos como base para a construo de sistemas universais. Essa origem caracterstica, em sua concepo bsica, dos sistemas nacionais de sade e das sociedades que tm por base o entendimento de que as polticas e os servios sociais so direitos do cidado, portanto para todos e sem diferenciao um sistema universal e equitativo. Na maior parte dos casos, a proviso dos servios feita quase que exclusivamente por servios pblicos. Esse modelo, o mais clssico dos modelos de redes de servios de sade, foi seguido, em sua concepo bsica de organizao funcional, por todos os pases que construram sistemas nicos de sade e at hoje o preconizado pela OMS. O fato desses pases mantido a concepo bsica no significa que a definio das caractersticas escopo das atividades e das escalas dos servios em cada nvel da rede seja a mesma em todos os casos, apesar de em todos os casos, no entanto, a lgica de acesso aos demais nveis do sistema apenas acorra com referncia ao primeiro nvel. Logo, no por acaso que nos sistemas de sade do tipo universal os servios sejam organizados em redes regionalizadas e hierarquizadas pela importncia de haver relao intrnseca entre a proposta de universalizao e equidade e a constituio de redes.

NOVAS

FORMAS DE ORGANIZAO: AS MUDANAS

INTRODUZIDAS PELAS REFORMAS DOS ANOS

1990

A partir do final dos anos de 1980 e principalmente na dcada de 1990, os sistemas de sade passaram por processos de reforma em vrios pases. Iniciada nos pases centrais, a agenda de reformas foi impulsionada, por um lado, pela crise econmica e pela necessidade de controlar o gasto em sade, que vinha crescendo exponencialmente com o envelhecimento das populaes

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e o desenvolvimento tecnolgico. Por outro lado, pelo questionamento aos sistemas pblicos de sade, o que contribuiu para sua insero em um movimento mais amplo de reforma do prprio Estado, que questionou no apenas o papel da interveno estatal na proviso de servios como a prpria noo de sade como direito de cidadania. Ao mesmo tempo, os sistemas nacionais de sade efetivamente apresentavam problemas de eficincia, qualidade, restrio de escolha, financiamento, envelhecimento populacional, alm de dilemas relativos incorporao de novas tecnologias. O grande mecanismo de regulao de acesso aos servios ao longo da rede, a partir do primeiro Lista de espera Saiba mais nvel, era a lista de espera, tanto para consultas Essa lista objetivava organizar, por meio ambulatoriais especializadas como para as de critrios pr-definidos, a transparninternaes cirrgicas eletivas. Era poca e cia no atendimento do cidado. No NHS ainda comum hoje que o cidado espere por ingls, as listas de esperas sempre focirurgias para hrnias, veias varicosas, ram um problema particularmente imporhisterectomia, catarata, amigdalectomia, tante. Fonte: Elaborado pelos autores. adenoidectomia, principalmente.

Mas se a sade um direito de todos, por que o cidado precisa esperar? Por que temos, no caso brasileiro, grandes listas de espera?

Dentre as principais causas do estrangulamento de acesso ao sistema de sade, podemos apontar: a falta de financiamento, a m distribuio de leitos, a ineficincia na utilizao dos recursos, o dficit de recursos humanos (mdicos e enfermeiras) e o duplo vnculo dos especialistas. Em 1979, quando Margaret Thatcher foi eleita PrimeiraMinistra no Reino Unido com um programa de reforma econmica e social radical, baseado na diminuio do gasto pblico e do envolvimento estatal na economia, foi dado incio a um amplo programa de privatizaes. No caso do NHS, a poltica inicial ficou restrita contratao de servios gerais

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(lavanderia, nutrio e limpeza) e pouco foi substancialmente mudado durante a primeira dcada. As propostas de mudana n o s m e c a n i s m o s d e f i n a n c i a m e n t o, e m d i re o m a i o r p a r t i c i p a o d o f i n a n c i a m e n t o p r i v a d o, t i v e r a m de s e r abandonadas diante da desaprovao popular. Mas as propostas no pararam por a. Em 1989 foram apresentadas as propostas de reformas que seriam adotadas em 1991 e que configuraram a mais profunda reforma do NHS na histria do Reino Unido, sendo discutidas em todo o mundo e adotadas em outros pases. A estratgia fundamental foi a de tentar instituir mecanismos de mercado, como a competio entre os diversos servios, com intuito de fomentar a eficincia, a melhoria da qualidade e proporcionar maior escolha aos cidados. Nesse cenrio, por meio da separao das funes de financiamento e de proviso, foi criado o mercado interno que instituiu certo grau de flexibilizao administrativa em unidades pblicas com a transformao de hospitais em trusts* autnomos. Esses trusts no seriam mais financiados por oramentao direta, mas competiriam pelos contratos de prestao de servios com os gestores regionais, com pagamento por produo. Ao mesmo tempo, foi institudo um esquema que envolveu parte dos GPs no recebimento de oramento para compra de servios para seus pacientes. A partir das primeiras avaliaes de resultados da estratgia de criao do mercado interno, foi observado que efetivamente a partir dessa ao houve a melhora da eficincia na produo hospitalar, aumentando o nmero de internaes e diminuindo a ociosidade testemunhada em muitos servios. No entanto, assim como surgiram resultados positivos tambm surgiram alguns problemas, como a introduo de mltiplos compradores que levou fragmentao do sistema; e embora os hospitais tenham se tornado mais produtivos, eles tiveram de se reorganizar para realizar os procedimentos mais lucrativos de acordo com as novas formas de pagamento, em detrimento do tratamento de problemas mais complexos e/ou pacientes mais doentes. Os hospitais mais complexos e de ensino passaram a ter enormes dficits, j que no poderiam mais ser mantidos apenas

*Trusts fundaes autnomas e independentes do NHS. Fonte: Elaborado pelos autores.

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com os contratos que costumavam obter, desse modo, para que no quebrassem, foi necessria uma suplementao oramentria que garantisse sua sobrevivncia. Um problema adicional foi o gerado pelo esquema dos GPs que compravam servios. Seus pacientes efetivamente passaram a ter mais acesso a servios de nvel secundrio, quando comparados aos pacientes dos GPs que no integravam o esquema. Isso estabeleceu duas classes de pacientes, ferindo o princpio de equidade, o que resultou em algo inaceitvel para a populao inglesa. Por fim, foi observado tambm que os ganhos de eficincia estavam sendo parcialmente contrabalanados pelo aumento dos custos administrativos do novo modelo, que se tornavam cada vez mais altos. Diante desse cenrio, o Partido Trabalhista brasileiro, poca de oposio ao governo vigente, combateu o mercado interno durante toda aquela dcada, corroborando para tal o fato de a proposta do NHS ter sido uma das principais questes em discusso na eleio brasileira de 1997, quando a oposio venceu. Embora tenha sido mantida a separao entre financiamento e proviso, o objetivo deixou de ser a competio e passou a ser a parceria e a colaborao, com nfase no planejamento, para a definio de prioridades segundo as necessidades de sade e o aperfeioamento da elaborao de contratos. Foi ento instituda nova nfase ao monitoramento da performance dos servios, desenvolvendo indicadores para cada rea de atuao, estabelecendo metas e tornando pblicos os resultados de todos os servios. Foi tambm criado o Instituto Nacional de Excelncia Clnica (NICE), com o objetivo de coletar evidncias acerca da melhor prtica clnica e dissemin-la pelo NHS.

At agora falamos sobre a evoluo dos sistemas nacionais de sade e dos sistemas de seguro social. Mas quais eram seus objetivos?

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Nos sistemas de seguro social, inclusive na Alemanha, os objetivos centrais da reforma foram o de conter o gasto em sade e o de tentar minorar a fragmentao e a descontinuidade do cuidado. O caso alemo, detentor do maior gasto em sade entre os pases europeus, desde 1977 vem introduzindo vrias mudanas no sistema de sade objetivando a conteno de custos. Foram estabelecidos tetos e controles oramentrios para servios ambulatoriais e medicamentos, e foi modificada a forma de pagamento dos servios de internaes hospitalares que limitava o pagamento por dirias, introduzindo ento o pagamento por Diagnosis Related Groupss* (DRGs).*Diagnosis Related Groupss tipo de pagamento por casos, composto por grupos de doenas. Fonte: Elaborado pelos autores.

H algum tempo vem sendo tentada tambm, ainda que com grande dificuldade, a instituio do papel de gate-keeper, com o objetivo de regular o fluxo dos pacientes ao longo do sistema. Mas somente a partir de 2000 que algumas medidas nessa direo puderam ser introduzidas, por exemplo, a obrigatoriedade de oferta pelos fundos/caixas de modelos com gate-keepers, a instituio de avaliao tecnolgica para incluso/excluso de tecnologia no pacote de benefcios dos fundos e a introduo de alguns copagamentos (taxa de 10 euros pelo primeiro contato com o mdico a cada trs meses e de toda consulta no referenciada, e 10 euros por dia de internao). Assim, podemos afirmar que at hoje os NHS buscam novas estratgias de fortalecimento da articulao entre os vrios nveis do sistema, aproximando-se das formas organizacionais tradicionalmente adotadas. Contudo, somente a partir dos anos de 2000 que algumas novas formas de articulao entre os servios comearam a ser testadas a partir de rearranjos institucionais, tanto nos sistemas nacionais como nos de seguro social. No Reino Unido, o desenvolvimento das redes clnicas para o tratamento de pacientes crnicos comeou na Esccia, sendo inicialmente dirigida ao tratamento de cncer e mais recentemente proposta para o tratamento da doena renal crnica. Em suas propostas para o desenvolvimento da poltica nacional de ateno aos pacientes crnicos, o NHS prope que futuramente a contratualizao de servios para o tratamento seja

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feita com networks*, configurando na prtica um novo ente que se responsabilizaria pelo cuidado integral. No caso americano, recentemente o Governo Obama, diante do paradoxo representado pelo expressivo crescimento concomitante de seus gastos (US$2.2 trilhes ou 16,2% do PIB) e de uma expressiva populao descoberta (45 milhes de pessoas abaixo de 65 anos estavam descobertas de servios de sade em 2007), props uma reforma fundamentada em uma proposta de universalizao da cobertura de servios de sade. A esse quadro de caractersticas indesejveis, provocado em boa parte pelo grau de concentrao do mercado de asseguradoras, soma-se ainda a ampliao da carga sobre os programas pblicos (US$ 410 bilhes MEDICARE e US$ 319 bilhes em 2007), o crescimento desproporcional dos prmios (bem acima da inflao e do rendimento do trabalhador), a reduo da capacidade de asseguramento empresarial, a elevada desigualdade na distribuio dos gastos entre as parcelas da populao, a crescente vulnerabilidade principalmente de grupos especiais da populao (negros, latinos, imigrantes etc.), entre outros. Considerando esse contexto, outro fator que merece nosso destaque o American Health Security Act de 2009, que teve como objetivos prover ateno para todos os americanos, controlar os custos e ampliar a qualidade do sistema de sade. Entre outros pontos, props a edio de um seguro pblico opcional como estratgia para reduzir o preo dos prmios dos seguros; a formao de um fundo constitudo de contribuies empresariais e dos trabalhadores, de impostos gerais e de outros recursos pblicos; a obrigatoriedade das empresas proverem asseguramento para todos os seus trabalhadores; e a iseno de pagamento de prmios e copagamentos para pessoas na faixa de 100% a 200% da linha federal da pobreza. O projeto, que se encontra em debate no Congresso, j passou por diversas rodadas de emendas e tem provocado divergncias entre diversos atores da sociedade americana, sendo considerada a proposta mais significativa de reforma do sistema de sade americano.

*Network profissionais que trabalham nos diversos nveis de ateno do sistema, por organizaes representativas de pacientes e suas famlias e por sociedades de especialistas, que passam a trabalhar articuladamente, desenvolvendo protocolos clnicos e mecanismos prprios de articulao das prticas, que perpassam todos os servios envolvidos. Fonte: Elaborado pelos autores.

A proposta tem provocado a resistncia do partido conservador, das grandes seguradoras, de parte da mdia e dos sociedade americana, de consumidores e da Associao Mdica Americana. setores conservadores da porm h receptividade

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Complementando......Para aprofundar seus conhecimentos sobre proteo social, faa a leitura do texto:

Em torno do conceito de poltica social: notas introdutrias de MariaLucia Teixeira Werneck Vianna.

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ResumindoNesta primeira Unidade, trouxemos para voc um breve histrico da gnese dos sistemas de sade, com especial referncia aos casos alemo, britnico e norte-americano e sua insero nas diferentes modalidades de proteo social. Buscamos ainda ampliar o seu conhecimento acerca da tipologia de sistemas de sade; dos modelos de organizao de servios nos sistemas-tipo, com nfase na organizao em redes; e as principais modificaes introduzidas no sistema de sade britnico, por meio das reformas realizadas a partir do incio de 1990. Por fim, fizemos algumas consideraes acerca dos sistemas de seguro social, enfatizando seu objetivo principal que est concentrado na diminuio de gastos em sade e na minimizao da fragmentao e da descontinuidade do cuidado.

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Atividades de aprendizagemPara verificar como foi sua aprendizagem nesta Unidade procure responder as atividades a seguir. Em caso de dvida, faa uma releitura atenciosa e, se necessrio, consulte o seu tutor. 1. Leia atentamente o texto Anos 20 A Questo Social. A era Vargas que faz parte de um dos mdulos da seo Navegando na Histria, elaborados pelo Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea (CPDOC) da Fundao Getlio Vargas, disponvel no site , e correlacione-o com a discusso apresentada no item Sistemas de sade e sistemas de proteo social, desta Unidade. 2. Leia o texto Denuncia o sistema mdico americano em SOS sade de Michael Moore, disponvel no Ambiente Virtual de EnsinoAprendizagem (AVEA), publicado no Jornal O Globo que traz um relato acerca do filme realizado pelo cineasta americano Michael Moore sobre o sistema de sade americano. Observe os exemplos utilizados no filme para a comparao de sistemas Estados Unidos, Frana e Inglaterra e relacione as concepes de proteo social e a tipologia de sistemas de sade que esses pases utilizam. 3. Leia com ateno o texto Reforma(s) e Estruturao do Sistema de Sade Britnico: lies para o SUS, disponvel no AVEA, que apresenta em detalhe as reformas do sistema britnico e traa paralelos com o SUS. Aps a leitura, destaque os principais paralelos entre esses dois sistemas. 4. Leia atentamente o texto Antecedentes do SUS, elaborado pelo Conass, disponvel no AVEA, e destaque quais so os grandes desafios consolidao do SUS, de acordo com os princpios e estratgias definidos pela Constituio de 1988.

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UNIDADE 2A ORGANIZAODE REDES DE ATENO SADE

OBJETIVOS

ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de: Discutir os conceitos de regies/territrios e nveis de complexidade/densidade tecnolgica; Apontar os passos necessrios organizao de linhas de cuidado; Identificar a necessidade de mecanismos especficos de articulao entre os nveis de complexidade/densidade tecnolgica; e Compreender a correlao entre o planejamento e os mecanismos de gesto de redes.

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INTRODUOCaro estudante, Nesta Unidade, veremos cada um dos componentes da organizao de redes, tambm chamados de perfis ou funes, e compreenderemos como devem ser articulados para compor um todo funcional de forma a garantir princpios como a universalidade, a equidade e a integralidade. Voc ver tambm que para que esse funcionamento ocorra de maneira satisfatria fundamental que haja a presena de algumas estratgias de coordenao e que os investimentos em unidades, equipamentos e contratao de pessoas sejam realizados a partir de uma perspectiva de racionalidade sistmica regional. Faa a leitura atenciosa desta Unidade e busque compreender a lgica de organizao dos servios de sade em rede como um todo funcionalmente articulado. Vamos l, inicie logo a leitura! Se tiver dvidas, faa contato com seu tutor.

Atualmente, o maior desafio do SUS a sua consolidao, ou seja, como garantir o direito sade e o acesso aos servios de sade conforme definidos na Constituio? Dentre as diretrizes do SUS, est a constituio de redes hierarquizadas e regionalizadas de servios, que, como voc aprendeu na Unidade 1, foi a estratgia seguida por todos os pases que criaram seus sistemas de sade com base nos princpios de universalidade, equidade e integralidade. A regionalizao e a hierarquizao sempre estiveram na base das propostas de reorganizao do sistema de sade brasileiro, ainda nos primrdios da luta pela reforma sanitria, e foram

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Saiba mais

Conferncia Nacional de Sade

definidas como estratgia central na 8 Conferncia Nacional de Sade.

No entanto, ao longo da dcada de 1990, em razo dos prprios rumos meira vez que a populao participou de discusdo processo de descentralizao, a ses da conferncia. Suas propostas contemplainstituio de redes deixou de ser o eixo ram o marco da luta pela unificao do sistema e em torno do qual se organizava o SUS conformaram a agenda que seria incorporada mesmo que a proposta pudesse Constituio de 1988 que criou o SUS. Fonte: . Acesso em: 5 jul. 2010. publicao da Norma Operacional da Assistncia Sade (NOAS), publicada em 2001, que a regionalizao voltou ao centro da discusso.Essa conferncia foi o grande marco na histria das conferncias de sade no Brasil. Foi a pri-

Recentemente, o documento Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gesto definiu a regionalizao como eixo estruturante de sua dimenso de gesto, ou seja, ela deve orientar o processo de descentralizao das aes e servios de sade e os processos de negociao e pactuao entre os gestores (BRASIL, 2006).

A construo de redes de servios um desafio de enorme complexidade que envolve uma gama muito ampla de dimenses, que vai desde a definio do desenho da rede, compreendendo vrias unidades, seus diferentes perfis assistenciais e a articulao funcional entre elas, at os mecanismos de gesto, financiamento e avaliao de resultados.

Na Unidade 1, estudamos a origem do conceito de organizao em redes e discutimos a maneira como o modelo foi adotado pelos sistemas de sade universais. Nesta Unidade, apresentaremos os conceitos bsicos acerca da regionalizao e da hierarquizao de servios. Como voc ir observar em muitas situaes ao longo do texto, os conceitos apresentados so os

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princpios bsicos sobre os quais se organizam as redes de servios. Mas isso no quer dizer que a forma especfica como os servios e as aes so organizados deva ser a mesma em todos os casos. Pelo contrrio, embora sigam os mesmos princpios, a conformao especfica da rede em cada caso pode e deve ser diferente, levando em conta as especificidades locais.

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ORGANIZAO DE REDES DE ATENO:CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Como observado pela experincia internacional, os pases que construram sistemas de sade de base universal e que conseguiram garantir efetivamente a cobertura e o acesso, o fizeram por meio do modelo de redes hierarquizadas e regionalizadas. Isso se deu porque existe uma relao intrnseca entre a organizao da ateno em redes e os objetivos de universalidade, equidade e integralidade. A construo de redes baseia-se no fato de que, na maioria das populaes, so mais frequentes os casos que necessitam de ateno realizada em servios de menor complexidade ou de menor densidade tecnolgica do que aqueles de maior complexidade. Para utilizarmos exemplos extremos, felizmente so mais frequentes os casos de gripes, de diarreias, de crises hipertensivas do que de tumores cerebrais. Desse modo, para que o sitema possa atender s necessidades de sade, so necessrios mais servios capazes de atender gripes e diarreias do que capazes de realizar neurocirurgias eletivas. Portanto, os primeiros servios devem necessariamente estar mais perto da populao do que os segundos servios. De outro modo, a instituio de servios de neurocirurgia pressupe equipamentos sofisticados e caros e recursos humanos altamente treinados e escassos. Para que seja justificado seu investimento, do ponto de vista econmico e social (quando se trata de servio pblico, financiado com recursos pblicos), necessrio um nmero suficiente de casos para que esse servio no se torne ocioso. E, alm de evitar a ociosidade dos servios, duas outras

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questes embasam a necessidade de concentrao nos processos de produo de cuidados de maior densidade tecnolgica em servios maiores. A primeira questo diz respeito eficincia melhor uso dos recursos e se refere s economias de escala, por exemplo, quando consideramos um servio cirrgico, precisamos considerar toda a infraestrutura necessria para mant-lo em funcionamento: o servio de esterilizao, o laboratrio, a anatomia patolgica, os servios e contratos de manuteno de equipamentos etc. Boa parte desses gastos, inclusive os de pessoal, so fixos, ou seja, no variam com a produo. Por isso, manter uma sala cirrgica para a realizao de processos complexos relativamente mais caro do que manter duas, ou seja, manter uma UTI com dois leitos relativamente mais caro do que manter uma UTI com cinco leitos. Consideradas sob as mesmas condies e mantidas todas as outras variveis, o custo mdio dos procedimentos na primeira situao ser mais caro do que na segunda. A segunda questo diz respeito qualidade. Para os servios de maior complexidade, o maior volume da produo est relacionado sua melhor qualidade. Dessa forma, em um servio de cirurgia cardaca, que realiza um procedimento por semana, as dificuldades para manter a expertise do staff* so maiores do que em um centro que realiza cinco cirurgias por dia. Logo, para que um servio possa se tornar um centro formador de recursos humanos necessria uma produo mnima que permita o seu treinamento. Considerando o mesmo exemplo, podemos observar que um nmero suficiente de casos de neurocirurgia eletiva somente pode ser gerado por uma populao muito maior do que a necessria para gerar casos de gripes, de diarreias e de crises hipertensivas. Portanto, para que seja possvel rede oferecer servios mais complexos sem o risco de ociosidade, com o benefcio da economia de escala* e mantendo a qualidade, necessrio que os servios sejam direcionados a populaes mais amplas do que aquelas nas quais os servios se limitam ateno de patologias mais comuns. Por isso, na medida em que a equidade da qual a igualdade de acesso uma das dimenses um dos princpios do sistema,

*Expertise do staff competncia da mo de obra. Fonte: Elaborado pelos autores.

*Economia de escala implica reduo de custos unitrios da decorrentes Fonte: de aumento no volume produo. Lacombe (2004).

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centralizar os servios mais complexos a nica forma de garantir o acesso a todos que deles necessitem. Esse, portanto, o pilar da proposta de bases populacionais diferentes para diferentes servios, e de uma rede de servios hierarquizada, no sentido de regulao das referncias de um nvel para outro. A rede constitui-se num conjunto de unidades de diferentes perfis e funes, organizadas de forma articulada e responsveis pela proviso integral de servios de sade populao de sua regio. Dessa forma, para que efetivamente seja constituda uma rede, duas questes so centrais: a responsabilizao pela ateno ao paciente e a articulao efetiva entre as unidades para garantir populao no apenas o acesso nominal, mas a continuidade do cuidado. A regio, por sua vez, a base territorial e populacional com autossuficincia em servios at o nvel de complexidade definida. A definio da rea geogrfica e populacional da regio depende da rea total; do tamanho da populao; das formas de distribuio e ocupao da rea; alm das caractersticas sociais e culturais.

Nesse mundo, a espao de uma

populao ocupa o

determinada maneira e estabelece fluxos e estratgias de acesso aos servios de sade.

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A regio no criada pelo sistema de sade. , na verdade, o reconhecimento, pelo sistema, de uma regio, de um territrio que existe no mundo real que tem base no apenas territorial e populacional, mas tambm social e cultural. A regio pode abranger vrias cidades, englobar apenas uma cidade e sua periferia, ser parte de uma cidade e pode (ou no) coincidir com a diviso administrativa e poltica do pas ou Estado. Pela sua diversidade, no possvel pensarmos em um nico tamanho/tipo de regio para todo o pas. Um exemplo seria o clssico caso ingls de sistema organizado em redes: ainda que o distrito ingls tenha sido pensado como territrios, com algo em torno de 150/200 mil pessoas por territrio, na prtica os distritos tm em mdia 250 mil habitantes, mas podem variar entre 80 e 900 mil. Essa ltima observao demonstra uma das mais importantes questes acerca da rede de servios: embora existam princpios gerais que definem as funes dos diferentes tipos de unidades em uma rede, essas no so construdas por meio de modelos rgidos, tais como regies devem ter x habitantes ou

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um hospital de nvel secundrio deve ser referncia para y pessoas. Esses parmetros so, na realidade, orientaes gerais a serem adaptadas a cada situao. Assim, um dos maiores desafios ao planejamento e programao a questo de como traduzir o conceito de rede de servios para uma determinada realidade. Se as regies (e os distritos) so diferentes, tambm so diferentes seu perfil epidemiolgico, suas demandas e suas necessidades. Ademais, para uma mesma necessidade ou problema de sade, existem diferentes composies de recursos que derivam de resultados comparveis, em termos de indicadores de sade e de satisfao do paciente. White et al. (1977) em estudo clssico, promovido pela OMS que analisou a utilizao de servios de sade em 12 regies de sete pases, constataram que para tratar as mesmas patologias, a composio de recursos muitas vezes era diferente e os resultados mostraram a possibilidade de substituio entre elas. Observaram, ainda, que de acordo com a oferta, os mesmos tipos de casos eram tratados em ambulatrio ou internao e os resultados ou a aceitao por parte do pacientes no mostraram grandes diferenas. Ou seja, o estudo mostrou que no h uma maneira ideal de prover os servios de sade; em vez disso, existem escolhas que o planejador e o formulador de polticas devem fazer para a alocao de recursos no atendimento s necessidades.

Outra questo central apontada pelo estudo que para que seja estabelecida uma rede necessrio que cada nvel resolva os problemas que lhe foram atribudos. Mas como garantir a capacidade de resoluo em cada nvel?

Costumeiramente, encontramos a afirmao de que a rede bsica (ou o primeiro nvel, ou a ateno primria) capaz de resolver 80, 85 ou 90% dos casos. No entanto, embora largamente repetida, essa afirmativa est longe de constituir verdade absoluta, pois a rede bsica pode variar de acordo com o nvel de ateno.

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No primeiro nvel do sistema, por exemplo, a rede somente ser capaz de atender (e resolver) 80% dos casos se esses estiverem claramente explicitados, ou seja, se informarem qual a composio desses 80%, quais os recursos necessrios para trat-los, alm de garantir que os servios estejam organizados e equipados adequadamente. Lembremos de que na medida em que as condies de vida e sade so especficas, tambm o o perfil epidemiolgico. Dessa forma, o que constitui 80% dos casos na Sucia, por exemplo, absolutamente distinto do que constitui os 80% dos casos no interior do Nordeste. Logo, a nica forma de garantir que determinado servio ou nvel de ateno seja resolutivo a partir da definio prvia de quais funes cabem a cada servio/ nvel da rede e o tipo de aes e atividades que devem ser realizadas, de modo que os servios possam ser organizados e equipados para cumpri-las.

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CONSTRUINDO A REDE DE ATENO:FUNES E PERFIS ASSISTENCIAIS

Agora que sabemos da relevncia das redes no servio de sade, vamos estudar as funes e os perfis assistenciais de cada um dos nveis de ateno sade.

O PRIMEIRO NVEL DE ATENOAs funes do primeiro nvel de ateno podem ser definidas em trs linhas bsicas, a saber:

so aquelas ligadas a valores, ateno, ao acolhimento,ao pertencimento, confiana, responsabilizao;

a produo de aes e servios, tanto de promoo epreveno como de tratamento e acompanhamento; e

o ordenamento do sistema (porta de entrada).Para cumprir essas funes, ou parte delas, diferentes pases optam por composies distintas de recursos: generalistas autnomos, generalistas em centros de sade, equipes em centros de sade, policlnicas etc., que expressam diferentes formas de articular os recursos e as aes de sade. Outra questo importante que precisamos atentar com relao ao primeiro nvel de ateno que para cumprir essas funes ele deve ser dotado de complexidade que no se expressa

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necessariamente em equipamentos, mas na qualidade dos recursos humanos e de articulaes funcionais que garantam acesso aos demais nveis do sistema. Em todo nvel de ateno temos algumas questes que influenciam diretamente a resolubilidade da situao, seja ela positiva ou nem tanto. Aqui