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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAO DO PARAN UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL CADERNO TEMTICO: GESTO ESCOLAR

O GESTOR ESCOLAR

Prof do PDE: Rosmeiri Trombini Antunes Prof Orientadora: Dr Elma Jlia Gonalves de Carvalho rea: Gesto Escolar

Maring 2008

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Introduo

O final dos anos 80 e o incio dos 90 foram marcados pela reformulao da organizao e gesto da educao no Brasil. As reformas privilegiaram a descentralizao, a autonomia e a democratizao dos processos administrativos. A democratizao no mbito administrativo escolar associada participao dos professores e pais nas decises a respeito do processo educativo, o que abrange composio de instncias colegiadas (conselhos escolares, grmios estudantis), eleies para cargos administrativos, introduo de mecanismos que favoream a eliminao da burocracia e flexibilizao normativa e organizacional do sistema. Nesse novo cenrio, especialmente quando se trata da gesto de escolas pblicas, inegvel a importncia da ao do gestor da escola para garantir a efetivao das conquistas legais e a democratizao das relaes e do ensino. No entanto, embora a maioria das escolas pblicas contem com um diretor, muitas vezes escolhido pela comunidade, ainda se mantm um distanciamento entre as exigncias ou garantias legais e a prtica da gesto democrtica na escola, um distanciamento entre os discursos e as aes. Compreender por que isso ocorre implica investigar a origem histrica da funo do diretor, entender as especificidades atuais dessa atuao profissional, analisar suas principais formas de provimento e suas principais atribuies. Buscaremos, neste texto, analisar o papel do diretor nas polticas nacionais de educao, desde o perodo da colonizao do Brasil at a atualidade, relacionando-o a forma como essas polticas tm sido implantadas no Estado do Paran. Com base nisso, procuraremos situar o papel do gestor escolar em face das possibilidades de se realizar uma gesto democrtica que articule proposta e ao. O objetivo contribuir para que ele assuma um papel efetivo na elaborao, discusso, planejamento e encaminhamento de propostas no mbito educacional, de forma a priorizar uma formao que possibilite aos sujeitos entenderem a realidade social, nela intervindo de modo mais consciente.

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1. O papel do diretor nas polticas nacionais de educao

O primeiro destaque a ser feito a respeito do diretor da escola que ele tem uma importncia fundamental na organizao e funcionamento da instituio escolar, em todos os seus aspectos: fsico, scio-poltico, relacional, material, financeiro e pedaggico. Discutir seu papel nas polticas nacionais de educao implica ter em conta que os sistemas de ensino no so meros refletores da poltica educacional, mas constituem e so constitudos na relao entre o contexto social e ao das pessoas que atuam nos ambientes escolares, quais sejam: diretores, professores, auxiliares, pedagogos, pais, alunos e comunidade em geral. Nesta perspectiva, ateno especial deve ser dada aos aspectos relevantes que caracterizam o papel do diretor. necessrio conhecer historicamente a origem e o desenvolvimento dessa atividade e, atentos s novas realidades socais, redimensionarmos sua funo e, assim, contribuirmos para a melhoria da qualidade do ensino. . A primeira organizao da educao no Brasil, tanto para as questes administrativas como para as questes pedaggicas, baseou-se no Ratio Studiorum ou Plano de Estudos da Companhia de Jesus, documento publicado oficialmente em 1599 (SECO et al, 2006). Foi esse documento que direcionou as formas de organizao e administrao, currculos e mtodos para os estabelecimentos de ensino em que os jesutas atuavam, inclusive no Brasil. Nele encontramos a figura do Reitor, autoridade mais alta do Colgio, cuja atribuio se reduzia a observar o bom funcionamento do estabelecimento, tendo em vista o fortalecimento da f crist. Porm, devido s dificuldades que a colonizao do Brasil acarretava para os jesutas, esse Plano de Estudos sofreu alteraes, embora no tenha se desviado dos objetivos primordiais de converter os ndios doutrina crist. Em 1759, a Companhia de Jesus foi expulsa de Portugal e de suas Colnias, pelas aes desencadeadas por Sebastio Jos de Carvalho e Melo, o Marqus de Pombal, nomeado primeiro ministro pelo ento Rei de Portugal, D. Jos I. O objetivo dessa ao era colocar Portugal em condies de competir com as naes estrangeiras. De acordo com CARVALHO, (s/d, p. 12),As reformas pombalinas e a expulso dos jesutas tanto do Reino como dos domnios portugueses decorrem, sobretudo, da oposio entre a ordem feudal e a ordem burguesa nos pases da Europa. Neste contexto, a emergncia, na ordem mundial, das novas relaes sociais relacionadas

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ao comrcio manufatureiro e sua ausncia em Portugal so a causa principal das reformas, particularmente no campo da educao.

Se, de um lado, as escolas da Companhia de Jesus tinham como objetivo servir aos interesses da f, o Marqus de Pombal, por outro, pensou e organizou a escola para servir aos interesses do Estado. Houve, desta forma, uma mudana radical nos propsitos para a educao, quando, em 1759, instituiu-se o Alvar Rgio, o documento que passou a organizar a educao, criando, dentre outras medidas, o cargo de Diretor Geral de Estudos. Suas atribuies eram amplas: iam desde a aplicao de licena para o magistrio pblico e privado at a designao de comissionrios para o levantamento das condies das escolas e professores, a fim de controlar e fiscalizar o ensino ministrado. No entanto, o caos instalado com a poltica de destruio da organizao escolar baseada no Ratio Studiorum, aliada demora para implantar a proposta do Alvar Rgio, deixou a educao sistemtica sem uma estrutura organizacional por aproximadamente 30 anos. Nesse perodo, aps o fechamento dos colgios jesuticos e a apreenso de seus bens, foi desmontada toda a organizao escolar construda pelos padres. O sistema unificado, baseado na seriao dos estudos, foi substitudo por um ensino disperso e fragmentado, calcado em aulas isoladas, denominadas Aulas Rgias, que eram ministradas por professores leigos e despreparados para atuar com base na nova concepo de ensino. No que diz respeito ao aspecto administrativo, o ensino era fiscalizado e controlado pelo Diretor Geral dos Estudos, cujos amplos poderes incluam fiscalizar e, se fosse o caso, advertir e punir o professor, realizar exames para todos os professores e autorizar o ensino pblico ou particular (ALMEIDA, 1989). Com a vinda da Famlia Real para o Brasil, no ano de 1807, vrias instituies foram fundadas. Dentre elas, a Imprensa Rgia, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional, as primeiras escolas de ensino superior, a Academia Real de Marinha e a Academia Real Militar, os cursos superiores de cirurgia, anatomia e medicina e os cursos para a formao de tcnicos em reas como economia, desenho tcnico, qumica, agricultura e indstria. Nesse perodo surgiu o que viria a ser a estrutura do ensino imperial, composta dos trs nveis: primrio, secundrio e superior. Quanto administrao escolar, poucas mudanas ocorreram em relao ao perodo anterior, uma vez que as aulas avulsas, nos nveis primrio e secundrio continuavam sendo organizadas, fiscalizadas e controladas pelo poder central, representado pelo Diretor Geral dos Estudos. No nvel superior, os

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diretores eram os prprios professores que se submetiam diretamente s ordens do governo, o Imperador. A Proclamao da Independncia em 1822 deu incio a uma fase importante para a compreenso das relaes entre Estado e educao no Brasil, j que as mudanas polticas que a caracterizaram interfeririam na modificao da instruo pblica, em especial a primria. Quando o Brasil declarou sua independncia poltica de Portugal, trouxe tona discusses sobre a educao. A necessidade de ento era formar quadros administrativos, constituir uma nova elite burocrtica que substitusse a administrao lusitana, bem como constituir uma estrutura mnima que garantisse instruo primria populao branca e livre. Iniciou-se, assim, com a elaborao da primeira constituinte, o debate sobre a construo de um sistema nacional de instruo pblica que viesse ao encontro das idias da poca, quando a instruo era vista como um meio de trazer a modernidade sociedade. Cabe dizer, no entanto, que os resultados no foram muito profcuos, ou seja, a emancipao poltica no criou o sistema nacional de educao e nem trouxe mudanas significativas nas concepes e prticas da administrao. Em 1847, pela Lei n 29, de 16 de maro, criaram-se os regulamentos dos Liceus em So Paulo. Segundo eles, o governo nomearia um cidado de inteligncia e reconhecida probidade e patriotismo para directhor do liceu. A necessidade de indicao de um diretor para um estabelecimento de ensino secundrio correspondia organizao do currculo escolar, com oferta de vrias turmas, as quais chamavam de cadeiras, e vrias disciplinas diferentes, com a finalidade de ministrar a educao popular, fundamental e profissionalizante. O ensino profissionalizante era chamado de artes e ofcios e destinava-se a formar artesos e trabalhadores para as oficinas, o comrcio e a lavoura. Assim, haveria a necessidade de um responsvel por todas as atividades realizadas nesse espao, dentre elas: organizao de horrios; controle da freqncia de alunos; presidncia das bancas de exames; declarao de aprovao e reprovao de alunos; concesso de licena a professores e funcionrios, alm da intermediao das correspondncias entre os professores e o presidente da provncia (SECO, 2006). Em 1889, com a Proclamao da Repblica no Brasil, novamente o debate sobre a educao foi retomado. Em decorrncia do novo momento poltico, um ano aps a Proclamao da Repblica, em 1890, foi decretada em So Paulo a reforma da Escola Normal, cujo corolrio foi a criao da Escola-Modelo, escola de prtica de ensino dos alunos normalistas, anexada Escola Normal. Nesse momento, surgem as primeiras

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indicaes oficiais do cargo de diretor de escola pblica secundria. O responsvel pela administrao da Escola-Modelo era denominado professor-diretor, cujas atribuies abrangiam a realizao de as funes administrativas e pedaggicas da Escola, desde a fiscalizao dos alunos e professores at o pagamento das contas da Escola, bem como a demisso e contratao de funcionrios. Por meio do Decreto Estadual n 248, de 26 de setembro de 1894 (SO PAULO Estado, 2000), criou-se o Grupo Escolar como uma instituio que condensava a modernidade pedaggica1. Nele se valorizava o ensino seriado, com classes homogneas e reunidas em um mesmo prdio, sob uma nica direo, bem como o uso de mtodos pedaggicos modernos. Havia um professor para cada classe e professores adjuntos e auxiliares, em correspondncia s novas condies urbanas de concentrao da populao. Com o Grupo Escolar passou a existir uma organizao, uma graduao, uma ampliao da escolarizao, uma padronizao de mtodos de ensino, cuja administrao e superviso eram controladas pelo Estado. A administrao cabia a um diretor, que era escolhido pelo Presidente do Estado entre os professores diplomados por Escola Normal, ou, na falta desses, por complementaristas2. Assim, a criao do Cargo de Diretor relacionava-se necessidade de existncia, na escola, de algum para organizar, coordenar e fiscalizar o ensino, nos termos da reforma educacional realizada pelos republicanos. A organizao e a concepo pedaggica dessa proposta exigiam a instaurao de novos papis dentro da escola, estabelecendo-se, assim, uma diviso do trabalho em seu interior (SECO, 2006, p. 92). O diretor seria o responsvel pelo governo da escola e, ao mesmo tempo, o representante do poder do Estado e do governo. Ao longo dos anos, a organizao escolar foi se modificando e a funo do diretor, que nas primeiras escolas institudas inclua desde os aspectos administrativos at os pedaggicos, tambm sofreu alterao. Dessa forma, ao final da Repblica Velha, o poder, antes atribudo ao Diretor do Grupo Escolar, foi transmitido aos Delegados Regionais e aos Inspetores de Distritos, vistos como imprescindveis para a eficcia da Reforma da Educao proposta em 1920.

No final de sculo XIX, a educao brasileira passava a receber as influncias tanto do pensamento francs, especialmente do positivismo comteano, o qual considerava que a base da formao humana deveria ser cientfica (matemtica, astronomia, fsica, qumica, biologia, sociologia e moral), e do pensamento norte americano, o qual oferecia uma nova inspirao didtico-pedaggica de carter prtico, utilitrio e cientfico, em oposio educao clssica, enciclopdica, literria e erudita (CARVALHO, s/d, p. 8). 2 A Lei n 88, de 8 de setembro de 1892, dividiu o ensino pblico em primrio, secundrio e superior. Quanto ao primeiro, foi subdividido em preliminar e complementar. Os que conclussem o complementar poderiam lecionar, mesmo sem ter feito o Curso Normal, para os alunos do curso preliminar, da o surgimento do termo professores complementaristas.1

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Nos anos 30, enfatizou-se a necessidade de formao do administrador escolar em bases mais cientficas, ao mesmo tempo em que o enfoque administrativo foi mais valorizado do que o pedaggico (SECO, 2006). A administrao escolar, apoiada nos princpios da administrao empresarial, cientfica e burocrtica de Taylor, Fayol e Weber, deu nfase racionalizao dos procedimentos organizacionais e administrativos escolares. Ou seja, privilegiou-se a diviso do trabalho entre planejamento e execuo, planejamento e sistematizao minuciosa das atividades, a fim de obter economia de tempo, produtividade e eficincia na realizao das tarefas (AZEVEDO, 1958, p. 90). Neste perodo, a luta dos educadores pela construo de um Plano Nacional de Educao resultou na apresentao de um Plano de Reconstruo Educacional, que ficou conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educao3. O documento defendia os princpios de laicidade, obrigatoriedade, gratuidade, universalizao e nacionalizao do ensino fundamental4, alm de conter reflexes relacionadas Administrao Escolar. No que diz respeito formao do diretor, propunha-se que fosse pautada no conhecimento filosfico e cientfico. J com relao sua funo, defendia-se a necessidade de autonomia para romper com a centralizao das decises educacionais. No perodo de 1937 a 1945, denominado de Estado Novo, a estrutura do sistema de ensino foi marcada pela tecnocracia5 e pela falta de unidade nacional, ou seja, pela falta de uma poltica educacional mais abrangente, unitria e democrtica. As Leis Orgnicas do Ensino cumpriram, de certa forma, com a funo norteadora da educao e garantiram o controle da administrao das escolas com oferta da educao bsica, formada pelos cursos denominados, ento, de primrio, ginasial e secundrio. As funes do diretor pouco diferiam das que vigoravam no sculo anterior. Em 1961, foi aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, a LDB n 4.024/61. Ela manteve a estrutura tradicional do ensino, no fixando um currculo nacional, de forma que respeitava as especificidades regionais e evidenciava seu carter descentralizador. Quanto funo do diretor de escola, em seu Artigo 42, consta que o diretor de escola dever ser educador qualificado, mas os termos dessa

Documento lanado, em 1932, no Rio de Janeiro e So Paulo, redigido por Fernando de Azevedo a pedido do grupo de renovadores da educao que, na IV Conferncia Nacional da Educao, da Associao Brasileira de Educao (ABE), se contrapuseram ao grupo dos catlicos liderados por Fernando de Magalhes. 4 O Plano nacional de Educao tornou-se obrigatrio pela constituio Federal de 1934, artigos 150 a 153. 5 Com o avano do processo de industrializao, modelos tecnocrticos da administrao empresarial passaram a ser implementados no mbito da poltica e da economia, abrangendo o setor social, no qual se insere a educao. Segundo Bueno (1996, p.632) tecnocracia o sistema de organizao poltica e social fundado no predomnio dos tcnicos.3

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qualificao so amplos, ficando por conta dos Estados uma regulamentao mais especfica. Para normatizar o que se deveria entender por educador qualificado, o antigo Conselho Federal de Educao (CFE) definiu, no Parecer n 93/62, que educador qualificado seria aquele que reunisse qualidades pessoais e profissionais que o tornassem capaz de infundir escola a eficcia do instrumento educativo por excelncia e de transmitir a professores, alunos e comunidade sentimentos, idias e aspiraes de vigoroso teor cristo, cvico, democrtico e cultural. A partir de ento, segundo SANTOS (2002, p.70), em ateno a essa definio do Conselho Federal de Educao e ao esprito descentralizador da LDB, os Estados passaram a criar regulamentos para o preenchimento do cargo de Diretor de Escola. Com a reformulao da Lei 4024/61 pela Lei n 5.692/71, os cursos primrio e ginasial passaram a constituir um s curso, denominando-se ensino de primeiro grau, com durao de 8 anos e de carter obrigatrio. Assim, extinguiu-se o cargo de Diretor de Grupo Escolar e criou-se o cargo de Diretor de Escola. A partir de ento, o cargo de diretor de escola vai se firmando, com exigncias de qualificao cada vez mais especficas. A concepo de diretor, antes relacionada quele que tem uma experincia de muitos anos de docncia, foi substituda pela imagem do administrador de uma equipe escolar. A concepo de administrao escolar que predominou durante todo este perodo apoiou-se no modelo clssico da administrao empresarial. Ou seja, a administrao era concebida como um processo tcnico, cientificamente determinado e burocrtico, cujo fim era obter unidade, economia de tempo e de recursos e maior produtividade. Esse processo envolvia normas rgidas, autoridade centralizada, hierarquia, planejamento, organizao detalhada e avaliao de resultados. Em fins dos anos 70 e incio dos anos 80, as lutas pela democratizao da sociedade se fortaleceram, criando um contexto favorvel ampliao e reorganizao dos movimentos sociais. Nos primeiros anos da dcada de 80, presenciou-se uma ampla mobilizao da sociedade em favor das eleies diretas para os cargos executivos, sobretudo para a presidncia da Repblica, um aumento do controle pblico sobre o Estado, ressaltando-se aqui a gesto democrtica da educao, tanto na definio da poltica educacional quanto na gesto das unidades de ensino nos diversos nveis. Surgem, assim, as manifestaes para eleies diretas dos dirigentes de instituies de ensino, como tambm para a criao de colegiados escolares, eleitos pela comunidade, com o intuito de democratizar a gesto na escola. As propostas e bandeiras de

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luta dos movimentos em defesa da educao foram contempladas na nova Constituio Federal, promulgada em 1988. A partir dos anos 90, o termo administrao foi substitudo pelo termo gesto. Essa substituio no significa uma mera mudana terminolgica, mas uma alterao conceitual ou mesmo paradigmtica6, que tem sido alvo de muitas controvrsias. Para alguns, esse processo se relaciona com a transposio do conceito do campo empresarial para o campo educacional, a fim de submeter a administrao da educao lgica de mercado. Para outros, o novo conceito de gesto ultrapassa o de administrao, uma vez que envolve a participao da comunidade nas decises que so tomadas na escola (LUCK, 2000). Outros, ainda, entendem que o conceito de administrao mais amplo, j que utilizado num sentido genrico e global que abrange a poltica educativa, ao passo que o termo gesto escolar refere-se a uma funo executiva destinada a pr em prtica as polticas previamente definidas (BARROSO, 2001, p. 10). Importa, contudo, assinalar que, mais do que saber qual a melhor designao, o que est em causa que essa alterao sinaliza para o surgimento de uma concepo de gesto, na qual o papel do gestor redefinido. A gesto passa a ser sinnimo de ambiente autnomo e participativo, o que implica trabalho coletivo e compartilhado por vrias pessoas para atingir objetivos comuns. No que diz respeito ao papel do diretor, este deixa de ser algum que tem a funo de fiscalizar e controlar, que centraliza em si as decises, para ser[...] um gestor da dinmica social, um mobilizador, um orquestrador de atores, um articulador da diversidade para dar unidade e consistncia, na construo do ambiente educacional e promoo segura da formao de seus alunos (LUCK, 2000, p. 16).

Ou ainda....[...] o diretor coordena, mobiliza, motiva, lidera, delega aos membros da equipe escolar, conforme suas atribuies especficas, as responsabilidades decorrentes das decises, acompanha o desenvolvimento das aes, presta contas e submete avaliao da equipe o desenvolvimento das decises tomadas coletivamente (LIBNIO, OLIVEIRA e TOSCHI, 2003, p. 335)..

Com a nova concepo de gesto e do papel do diretor, intensificaram-se os debates sobre a necessidade da profissionalizao das pessoas envolvidas na administraoPara Luck, esta alterao corresponde a uma mudana paradigmtica, isto , de uma viso de mundo e ptica com que se percebe e reage em relao realidade (LUCK, 2000, p. 34).6

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escolar como condio para a melhoria da qualidade da educao bsica. Estes debates resultaram em propostas de capacitao de dirigentes, pautadas especialmente nas competncias gerenciais. Abordaremos esta questo mais adiante. Apesar do amplo debate sobre o papel do gestor, do nosso ponto de vista, a LDB 9394/96 pouco inovou em relao ao cargo de diretor escolar e contemplou apenas a formao dos profissionais com o curso de pedagogia e a forma de escolha dos dirigentes. Em seu Art. 67, determinou a exclusividade de ingresso no cargo por meio do concurso pblico de provas e ttulos (sem definir os seus critrios) e o pr-requisito da experincia docente para o exerccio do cargo.

2 O papel do diretor no Paran Para a reconstituio da funo do diretor no Paran, recorremos s Coletneas da Legislao Estadual de Ensino do Estado do Paran, publicadas pelo Governo do Estado, a partir de 19687 e aos regimentos de escolas e algumas regulamentaes estaduais. Isto porque a funo do diretor de escolas primrias e mdias passou a ser definida nos regimentos escolares seguindo as regulamentaes propostas pelo sistema de educao. No Estado do Paran, o rgo responsvel pela regulamentao do regimento escolar foi o Conselho Estadual de Educao. Nas Coletneas da Legislao Estadual de Ensino do Estado do Paran elaboradas a partir de 1968, encontramos apenas critrios para a indicao ou eleio do diretor e normas de qualificao de seu registro8. Existem vrias menes ao tema diretor, porm referem-se apenas a critrios de ocupao do cargo e no abrangem as competncias e obrigaes no exerccio dessa funo. No Pargrafo nico do Artigo 2, da LDB n 5.692/71, encontramos:A organizao administrativa, didtica e disciplinar de cada estabelecimento do ensino ser regulada no respectivo regimento, a ser aprovado pelo rgo prprio do sistema, com observncia de normas fixadas pelo respectivo Conselho de Educao.

7 De 1968 at 1990, com publicao de dois ou mais volumes anuais, esse acervo de legislao era denominado Criterias. A partir de 1991, passou a ser denominado de coletneas, cuja publicao, at a presente data, eventual e destinada atualizao da legislao educacional. 8 Vide Resoluo 45, do CEE Paran, publicado no D.O.E. 207 de 10 de nov. de 1967.

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Entretanto, o Conselho Estadual de Educao do Paran adotou o regimento nico para as escolas pblicas estaduais. Ao mesmo tempo, sugere um poder diludo e descentralizado, uma vez que prope instituio a criao de uma Congregao de Professores, que, conforme Deliberao 027/72 CEE configura-se como um rgo consultivo e deliberativo em assuntos didticos e pedaggicos e consultivo em assuntos administrativos. De acordo com essa Deliberao, a direo da escola vista como o rgo que presidir ao funcionamento dos servios escolares, aos trabalhos dos professores, s atividades dos alunos e s relaes da comunidade escolar com a vida exterior. (Deliberao 027/72 CEE). A dcada de 80 foi marcada pela adoo da escolha do diretor pelo voto e pela criao dos Ncleos Regionais de Educao9. Quanto escolha do diretor pelo voto, a primeira indicao ocorreu em meados de 1983, sob as determinaes do Decreto/lei n 455/83, de 13/04/83, que garantia que a comunidade escolar, alunos do 2 grau, professores, funcionrios (mesmo analfabetos) participassem do processo. A segunda indicao, com caractersticas eletivas, ocorreu no final de 1985, quando o diretor eleito era nomeado pelo governador, conforme o Decreto-lei n 7.961/84. Como caracterstica fundamental do programa educacional paranaense desse perodo, houve a participao popular assentada na democratizao do poder pela participao das comunidades organizadas, nas decises relacionadas com a educao. A partir do final dos anos 8010, as polticas educacionais no Paran foram marcadas pela desconcentrao11, pelo processo de municipalizao, pela democratizao da escola em todas as suas dimenses e pela melhoria de seu nvel de competncia. Para tanto, as propostas buscaram romper com o privilgio que se dava ao administrativo em detrimento do pedaggico; passaram a dar s escolas maior autonomia possvel em relao gesto de seu cotidiano, concentrando recursos financeiros na prpria escola para que a administrao do dia-a-dia fosse desburocratizada e simplificada; aproximaram a escola de sua comunidade; implantaram o Ciclo Bsico de Alfabetizao e enfatizaram a necessidade de formao e aperfeioamento de docentes (LOPES, 2002, p.70). O incio dos anos 199012 foi marcado por um discurso favorvel luta contra a intolerncia e o autoritarismo em favor das garantias constitucionais e, ainda, pela defesa da democratizao das relaes buscando a participao, o desejo de falar, denunciar eEntre 1983 a 1986, o Paran teve Jos Richa (PMDB) como Governador. Entre 1987 a 1990, o governador do Estado foi lvaro Dias (PMDB). 11 Essa desconcentrao administrativa, entendida como uma delegao na execuo de tarefas, mas no como possibilidades de redistribuio de poder e de autonomia administrativa (Fvero, 1999, p. 110). 12 Entre 1990 a 1994, o Paran teve Roberto Requio como Governador de Estado.9 10

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construir novas formas de se fazer ouvir. O slogan da gesto escolar no Paran nesse perodo foi participao e autonomia para elaborarem e executarem autonomamente seus projetos pedaggicos13 A partir de meados da dcada de 9014, o enfoque dado direo escolar, em acordo com as polticas que vinham sendo implementadas, aproximou-se muito mais de uma estratgia de modernizao conservadora15 do que de uma perspectiva democrtica de emancipao humana. Abandonou-se o uso de algumas expresses como eficincia e eficcia em favor de excelncia, mas manteve-se o mesmo significado para a caracterizao da funo do diretor de escola, a qual continua sendo a busca da satisfao dos envolvidos e efetividade dos resultados, de forma a cumprir o papel de legitimador das polticas educacionais16. Assim, o conceito de excelncia, transferido das polticas de recursos humanos das empresas para a educao, preserva, em certa medida, a premissa de diminuir custos e aumentar a produtividade, ou seja, a excelncia na escola a eficincia de resultados com diminuio de custos. A empresa, para atingir esse objetivo, estimula os empregados a se envolverem ao mximo com os objetivos da instituio, e, para motiv-los, utiliza a meta da excelncia, o que significa buscar a superao constante das realizaes do outro e de si mesmo. Na educao, o incentivo excelncia vem, por exemplo, com o Prmio de Gesto. 17 A administrao passa a ser direcionada pelos princpios da gesto empresarial como produtividade, controle, eficcia e sucesso. Essa mudana no se d por acaso, prpria do movimento do capital, que transforma todos os aspectos da vida humana em mercadoria destinada troca e, por conseqncia, transforma as relaes humanas.Esta citao, no referenciada, refere-se s polticas educacionais apresentadas no documento Paran: Construindo a Escola Cidad, produzido em 1992, sob consultoria do Professor Moacir Gadotti e pautado na experincia da UNIJUI/RS, atravs da professora Eronita Silva Barcelos. 14 De 1995 a 2002, o Paran teve Jaime Lerner no Governo do Estado.. 15.Modernizao conservadora um termo quem vem sendo empregado por diversos autores para denunciar as estratgias polticas de submeter o domnio pblico lgica do mercado (competio, eficincia, eficcia, satisfao dos consumidores). Essas estratgias articulam certos traos do velho modelo burocrtico e centralista com novas tcnicas de gesto, envolvendo autonomia e participao. O discurso da democratizao seria, assim, reconvertido e subordinado ideologia da modernizao ou racionalidade econmica. Para maiores detalhes, ver LIMA 2002. 16 Lopes (2002), ao situar as polticas de gesto da escola pblica no Paran desse perodo no quadro da Teoria Geral da Administrao, observa que elas no conseguem se distanciar da concepo conservadora da gesto da escola, representada pela escola clssica de administrao, ou seja, tendo como principais aes o planejar, organizar, comandar, coordenar e controlar. 17 O Prmio de Gesto foi criado em 1993, para estimular o desenvolvimento da gesto democrtica comprometida com o sucesso escolar. Foi uma iniciativa conjunta do CONSED, UNDIME, UNESCO e Fundao Roberto Marinho e contou tambm com o apoio da Embaixada Americana, Unicef, Movimento Brasil Competitivo, Gerdau, Petrobrs e Compromisso Todos pela Educao ( vide http://www.consed.org.br/).13

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Em 2001, conforme o Decreto n 4313 e a Resoluo n 1597 de 29/06/00, modificou-se a forma de escolha de diretores da rede estadual de educao bsica no Paran. O processo passou a ser realizado em duas fases: na primeira delas, o candidato deveria realizar uma prova escrita de conhecimentos gerais, a qual contemplava temas sobre gesto democrtica e administrativa, de carter eliminatrio; na segunda previa-se a votao direta e secreta pela comunidade escolar, s podendo participar os candidatos considerados aptos na primeira fase. Este processo de escolha foi marcado por muitos conflitos. Candidatos foram reprovados na 1 fase, sendo impedidos de realizar a fase seguinte e, em muitas escolas, a escolha nem ocorreu. O resultado foi um grande retrocesso, uma vez que muitos dos diretores foram transformados em interventores e indicados pelos comandos polticos das diversas regies do estado. No ano de 200318, com a mudana do governo do Estado, foi implantado outro modelo de gesto democrtica. Sua caracterstica principal passou a ser a eleio de diretores e a valorizao das instncias de participao no interior das escolas. Para implementar essa poltica, o Decreto n 450/03 destituiu da funo de diretor e de diretor auxiliar todos os professores e especialistas "interventores"19, delegando aos Ncleos Regionais de Educao a organizao de um processo de consulta comunidade escolar para a escolha do diretor e diretor auxiliar. Durante o ano de 2003, os professores, bem como os rgos constitudos da comunidade escolar, APP Sindicato, a APAD, Secretaria do Estado da Educao promoveram um amplo debate, com intuito de aprimoramento do processo de escolha de diretores e de diretores auxiliares, tornando-o mais democrtico e atendendo aos interesses da comunidade escolar. A Lei n 665/03, de 17 de novembro de 2003, disciplinou a designao de diretores e diretores auxiliares mediante consulta comunidade escolar. Embora as eleies apresentem uma perspectiva legtima de democratizao da escola, no podemos perder de vista suas limitaes de carter representativo. A eleio no pode ser um fim em si mesmo, mas faz parte de um processo de democratizao das relaes internas e externas da escola, alm de possibilitar a participao dos eleitores na gesto da escola. No se pode delegar ao eleito o poder de conduzir os destinos da escola, mas isto deve ser feito por toda a comunidade que o elegeu. Esse o princpio da eleio direta que, segundo DOURADO (2003, p.30), contribui para uma educao poltica, umA partir de 2003, novamente Roberto Requio (PMDB) assumiu o governo do Paran. Os diretores interventores foram indicados pelo Governo anterior para assumirem escolas, cujo pleito de eleio para direo no havia ocorrido por motivos diversos ( a ausncia de candidatos era uma delas).18 19

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aprendizado de participao do jogo democrtico resultando, dentre outros, em conscientizao e responsabilidade dos diversos segmentos da comunidade escolar.

3 - O Gestor e a Gesto Democrtica: possibilidades e desafios.

Nos ltimos anos, o termo gesto vem sendo utilizado para designar atividades administrativas. Na sua origem etimolgica, o termo vem do latim gero, gestum, gerere e significa chamar para si, executar, gerar. Segundo CURY (1997, p.201), vem de gestio, que, por sua vez, vem de gerere, que significa trazer em si, produzir. Assim, compreende-se claramente que a gesto no s o ato de administrar um bem fora-de-si, mas algo que se traz para si, porque nele est contido (Ibid, p. 201). Neste sentido, o contedo deste bem a prpria capacidade de participao, sinal maior da democracia (Ibid, p. 201). A gesto, assim pensada, pode adquirir uma dimenso muito diferente daquela associada idia de comando. Isto significa que se pode administrar por meio do dilogo e do envolvimento do coletivo. A partir do final dos anos 80, a gesto democrtica foi instituda por alguns municpios e Estados da Federao, especialmente no Paran, por meio da criao dos conselhos deliberativos, eleio para diretores e da possibilidade de construo do projeto poltico-pedaggico. Em decorrncia disso, houve uma grande valorizao da figura do gestor escolar e, ao mesmo tempo, a preocupao com sua capacitao profissional. A finalidade que ele correspondesse forma de gerir o bem pblico numa perspectiva de descentralizao, autonomia e democratizao. A dcada de 90 foi marcada pela construo de uma nova racionalidade no campo da gesto da educao, oriunda dos compromissos assumidos pelo Brasil na Conferncia Mundial de Educao Para Todos (1990)20 e na Declarao de Nova Delhi (1993) com vistas universalizao do ensino bsico. Estes compromissos convergiram para a adoo de novos modelos de gesto do ensino pblico: mais flexveis, participativos, descentralizados, desvinculados das formas de administrao taylorista/fordista e, portanto, supostamente democrticos.

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Conferncia realizada em maro de 1990, em Jontiem, na Tailndia.

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Temos observado que, no fazer cotidiano, a gesto do ensino pblico ainda est associada ao controle das aes de outros, predominando os modelos tradicionais em que a administrao, consolidada a partir de uma estrutura hierarquizada e burocrtica de Estado, tem um carter centralizador e autoritrio. Desta forma, administrar, na maioria das vezes, ainda confundido com mandar, determinar, impor, ordenar. Porm, segundo PARO (2006), o carter essencial da administrao o de mediao na busca de objetivos, ou seja, a administrao a utilizao racional de recursos para a realizao de determinados fins (Ibid, p.18). Esta concepo de administrao induz-nos a identificar como no-administrativas todas aquelas medidas ou atividades que, perdendo de vista o fim para o qual foram pensadas, constroem-se como fins em si mesmos, perdendo-se em prticas burocratizadas. E, ainda, que a administrao, no sendo um fim em si, pode se articular com uma variedade infinita de objetivos, o que permite que ela no esteja necessariamente relacionada com autoritarismo e centralizao/controle das aes e sim com a democratizao da gesto do sistema escolar. A palavra democracia tem sua origem na Grcia Antiga (demo = povo e kracia = governo). Num sentido genrico ou global, ela significa governo do povo, pelo povo e para o povo". Na sociedade atual, especialmente a partir dos anos 80, sua importncia se ampliou em razo, por um lado, do processo de redemocratizao poltica do pas, com o fim da ditadura militar, e, por outro, da origem de novas abordagens21 administrativas com enfoques mais descentralizados e participativos, que surgem em resposta nova crise do capital. Estes aspectos, por sua vez, no deixaram de influenciar os debates educacionais. No entanto, cabe ressaltar que a democracia, em nossa sociedade, no possui um sentido nico, mas se reveste de diferentes conotaes. Importa destacar duas concepes consideradas principais, devido ao seu teor e sua influncia na formulao das polticas educativas atuais, mesmo que geradoras de concepes opostas. Para COUTINHO (2000, p.20), democracia o regime que assegura a igualdade, a participao coletiva de todos na apropriao dos bens coletivamente criados. Na perspectiva deste autor, democracia implica no apenas igualdade poltica, mas tambm igualdade de condies de vida para todos. Nestes termos, a participao e o exerccio da cidadania no campo educacional, e mais especificamente na gesto da escola, esto ligados a um processo mais amplo de extenso da cidadania social cidadania educacional, e, portanto, ligado sua funo social (FONSECA, 1994, p. 84).

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Como exemplo das novas abordagens, podemos citar o toyotismo e a teoria da Qualidade Total.

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Por outro lado, a democracia, numa perspectiva neoliberal, vem sendo associada liberdade de fazer escolhas e responsabilidade individual por esta escolha. Sob esta tica, a democracia submete-se lgica do consumo, ou seja, liberdade de os sujeitos satisfazerem seus interesses particulares e imediatos, perdendo sua dimenso coletiva (CARVALHO, 2005). Assim, a democratizao da escola no uma via de mo nica. Existem vrias alternativas para sua implementao, resultantes dos embates e das vrias possibilidades polticas desencadeadas coletivamente pelos diferentes atores em cada unidade escolar, em especial pelo gestor escolar. Pensar a democratizao da gesto educacional implica compreender a cultura escolar e os seus processos, bem como articul-los s suas determinaes histricas, polticas e sociais. Significa especialmente entender as diferentes concepes de gesto democrtica. Estas diferentes concepes, de um lado, esto associadas ao rompimento do modelo autoritrio, burocratizado e centralizador e possibilidade de maior participao de todos, desde que todas as aes estejam intimamente articuladas ao compromisso sciopoltico com os interesses coletivos. Expressam e favorecem as ampliaes da compreenso do mundo, de si mesmo, dos outros e das relaes sociais, essenciais para a construo coletiva de um projeto de escola. De outro lado, encontramos uma posio manifestada nas polticas oficiais e que tambm se intitula democrtica, cujas bases se encontram nas mudanas ocorridas no mundo do trabalho, especialmente a partir dos anos 90. Nesse momento, configuram-se novos modelos de organizao e gesto dos processos produtivos, de bases mais flexveis correspondentes ao novo modelo de acumulao do capital, denominado ps-fordismo. Nesta perspectiva, a escola vem sendo gerenciada como empresa, correspondendo s novas exigncias do mercado. O gestor escolar, em especial o da escola pblica, se v incumbido, em sua funo, de atividades que retratam claramente os princpios da reengenharia do modo de produo, ou seja, o da multifuncionalidade, autonomia, criatividade, autocontrole e flexibilizao. Nestes termos, segundo CARVALHO (2005, p. 163),As polticas pblicas, acompanhando as mudanas ocorridas na gesto empresarial, passam a implementar as reformas administrativas do setor educacional com base nos novos paradigmas e conferem ao administrador escolar uma importncia estratgica. A descentralizao operacional aumentou as responsabilidades da escola, levando seu gestor a se defrontar com novos desafios e a assumir o novo papel de coordenar a ao dos diferentes componentes do sistema educacional na

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tomada de decises conjuntas, a estimular o trabalho em equipe e as dinmicas de trabalho identificadas por cada escola e resolver seus problemas de forma autnoma, para melhorar as condies da escola, especialmente materiais. Ele torna-se o elemento central e fundamental22 para o encaminhamento do processo participativo no interior da escola e para sua integrao com a comunidade.

No atual modelo de gesto, tende-se a atribuir uma maior importncia figura do gestor, visto como liderana empreendedora. Este passa a ser valorizado por sua capacidade de influenciar, motivar, identificar e resolver problemas, partilhar informaes, desenvolver e manter um sentido de comunidade na escola, estimular o trabalho em equipe, compartilhar responsabilidades e poder, tomar decises conjuntas (CARVALHO, 2005). Porm, necessrio que o gestor tenha entendimento e compreenso da dicotomia entre o discurso e a ao que tem permeado a gesto democrtica das escolas pblicas estaduais do Paran. Mais o que isso, precisa entender que[...] democracia s se efetiva por aes e relaes que se do na realidade concreta, em que a coerncia democrtica entre o discurso e a prtica um aspecto fundamental. A participao no depende de algum que d abertura ou permite sua manifestao. Democracia no se concede, conquista-se, realiza-se (HORA, 2006, p. 133).

Se considerarmos a definio de Paro de que a administrao a utilizao racional de recursos para a realizao de determinados fins (PARO, 2006, p.18), cabe perguntar a que fins deve servir a gesto democrtica. A resposta a esta questo incluiria aspectos muito mais amplos do que os escolares, ou seja, implica interrogar qual o tipo de sociedade que desejamos. Neste sentido, considerando que a gesto da escola, por se configurar como um ato poltico, requer sempre uma tomada de posio poltica23 (DOURADO, 2006),

A Revista Gesto em Rede do CONSED Conselho Nacional de Secretrios de Educao, veculo de comunicao do Projeto Renageste, evidencia bem essa importncia. O diretor - cidado, educador e poltico a pessoa de maior importncia e de maior influncia individual numa escola. Ele responsvel por todas as atividades na escola e pelas atividades que ocorrem ao seu redor e afetam diretamente o trabalho escolar. sua liderana que d o tom das atividades escolares, que cria um clima para a aprendizagem, o nvel de profissionalismo e a atitude dos professores e dos alunos. O diretor , ainda, o principal elo entre a escola e a comunidade [...] A experincia demonstra que se a escola vibrante, inovadora, centrada no aluno, se tem boa reputao na sociedade, se os alunos tm melhor desempenho que suas potencialidades permitem, se o pessoal trabalha com garra, quase certo que a chave do sucesso est na liderana do seu diretor (CONSED, 1999, p. 13-14). 23 A prtica administrativa no neutra; todas as aes desenvolvidas na escola envolvem atores e tomadas de decises. Nesse sentido, desde aes simples, como a limpeza e a conservao do prdio escolar, at aes mais complexas, como as definies pedaggicas, o trato com situaes de violncia, entre outras, indicam

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entendemos que o gestor escolar no pode se esquivar deste desafio, j que suas aes resultaro do posicionamento que ele assume. . 4 - Consideraes finais

Buscar a superao das situaes que distanciam discurso de ao implica entender os espaos possveis de democracia participava no interior da escola. Para tanto, premente entender a relao entre a gesto democrtica da educao pblica determinada pela Constituio Federal/88 e os dispositivos da LDB/96. Com a democratizao da gesto, a escola deve deixar de ser uma instituio meramente burocrtica para se tornar um instrumento de efetivao da intencionalidade poltica e pedaggica norteada por princpios que se fundamentem nos objetivos educacionais pensados pela comunidade escolar. Neste sentido, a preocupao central da gesto escolar deve ser a de contemplar os interesses e as necessidades da maioria da populao, uma vez que democratizar a gesto deve significar promover participao efetiva da comunidade na escola para poder pens-la para alm de seus muros. Assim, a escola reveste-se de uma dimenso poltica que lhe especfica: o compromisso com a democratizao efetiva do saber socialmente elaborado, capaz de compreender e captar as contradies presentes nas relaes sociais. Construir uma gesto da escola pautada em relaes democrticas passa, necessariamente, pela ao do gestor da escola, tanto para manter como para construir um caminho de rompimento com a forma como vem se construindo ou processando essas relaes. Um processo de gesto que seja democrtico e que objetive a construo da cidadania no um processo mecnico e sem compromisso. Ele s existir na medida em que for desenvolvida a articulao entre o discurso e a ao e, ao mesmo tempo, a defesa dos interesses coletivos, tendo por referncia os compromissos pblicos e a construo de uma sociedade mais justa. Para finalizar, cabe declarar que a gesto democrtica no um fim em si, ela produto da ao concreta e objetiva de homens, ou seja, expresso de suas relaes sociais estabelecidas no processo de produo de sua existncia. Neste sentido, a discussouma determinada lgica e horizonte de gesto. Estas aes expressam interesses, princpios e compromissos que permeiam as escolhas e os rumos tomados pela escola.

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sobre democratizao da educao escolar no pode centrar-se apenas nos aspectos pedaggicos e/ou administrativos. A discusso sobre democracia, conforme CARVALHO (2005, p. 104), incluiria questes muito mais amplas, ou seja, no se pode perder de vista as relaes entre as classes, os conflitos, contradies e a perspectiva de superao das atuais relaes.

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Questes para debate:

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