Getulio Vargas

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Transcript of Getulio Vargas

  • Biblioteca Digital da Cmara dos Deputados

    Centro de Documentao e Informao

    Coordenao de Biblioteca

    http://bd.camara.gov.br

    "Dissemina os documentos digitais de interesse da atividade legislativa e da sociedade.

  • getliovargas

    62PerFisParlaMeNtares

    getliovargas

    Braslia 2011

    a experincia democrtica dos ltimos anos levou crescente presena popular nas ins-tituies pblicas, tendncia que j se pronunciava desde a elaborao da Constituio Federal de 1988, que contou com expressiva participao social. Politicamente atuante, o cidado brasileiro est a cada dia mais interessado em conhecer os fatos e personagens que se destacaram na formao da nossa histria poltica. a Cmara dos Deputados, que foi e continua a ser ao lado do povo protagonista dessas mudanas, no poderia dei-xar de corresponder a essa louvvel manifestao de exerccio da cidadania.

    Criada em 1977 com o objetivo de enaltecer grandes nomes do legislativo, a srie Perfis Parlamentares resgata a atuao marcante de representantes de toda a histria de nosso Parlamento, do perodo imperial e dos anos de repblica. Nos ltimos anos, a srie pas-sou por profundas mudanas, na forma e no contedo, a fim de dotar os volumes oficiais de uma feio mais atual e tornar a leitura mais atraente. a Cmara dos Deputados bus-ca, assim, homenagear a figura de eminentes tribunos por suas contribuies histricas democracia e ao mesmo tempo atender os anseios do crescente pblico leitor, que vem demonstrando interesse indito pela histria parlamentar brasileira.

    Getlio Vargas no teve uma longa carreira no Congresso Nacional, mas, com todas as con-trovrsias que seu nome envolve, foi o mais importante poltico bra-sileiro do sculo XX. Foi a par-tir desse ponto de vista que Maria Celina DAraujo preparou este Perfil Parlamentar, com notas bio-grficas que ajudam o leitor a con-textualizar os mais representativos discursos proferidos por Vargas ao longo de sua vida. No se trata de uma biografia completa. A autora buscou produzir um roteiro para revelar a fora desse personagem, que com capacidade e frieza supe-rou adversidades e manteve coern-cia na poltica econmica naciona-lista e estatalmente dirigida.

    Os discursos selecionados mos-tram as vrias fases da vida de Getlio Vargas, desde os tempos de poltico regional gacho, fiel a seu chefe, Borges de Medeiros, at a poca de ditador que se prestava ao culto da personalidade. Mos-tram ainda o poltico de massas num sistema representativo que procurava articular apoio insti-tucional com mobilizao direta dos trabalhadores. Por meio desta obra, pode-se percorrer meio s-culo de histria do Brasil.

    62PerFisParlaMeNtaresCmara dos Deputados

    Conhea outros ttulos da Edies Cmara no portal da Cmara dos Deputados:

    www2.camara.gov.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/edicoes

    Maria Celina DAraujo dou tora em cincia poltica e profes sora do Departamento de Sociologia e Poltica da Pontifcia Universi-dade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Foi professora da Univer sidade Federal Fluminense e da Fundao Getulio Vargas, alm de pesquisadora visitante em vrias universidades do Brasil e do exterior. Atua em diversas linhas de pesquisa, tais como partidos polticos, sindicatos, era Vargas, elites dirigentes, Foras Armadas e novas democracias na Amrica do Sul. Entre seus trabalhos relacionados a Getlio Vargas e sua era esto O segundo governo Vargas: democracia, partidos e crise poltica; A iluso trabalhista: o PTB de 1945 a 1964; e A era Vargas.

  • Getlio Vargas no teve uma longa carreira no Congresso Nacional, mas, com todas as con-trovrsias que seu nome envolve, foi o mais importante poltico bra-sileiro do sculo XX. Foi a par-tir desse ponto de vista que Maria Celina DAraujo preparou este Perfil Parlamentar, com notas bio-grficas que ajudam o leitor a con-textualizar os mais representativos discursos proferidos por Vargas ao longo de sua vida. No se trata de uma biografia completa. A autora buscou produzir um roteiro para revelar a fora desse personagem, que com capacidade e frieza supe-rou adversidades e manteve coern-cia na poltica econmica naciona-lista e estatalmente dirigida.

    Os discursos selecionados mos-tram as vrias fases da vida de Getlio Vargas, desde os tempos de poltico regional gacho, fiel a seu chefe, Borges de Medeiros, at a poca de ditador que se prestava ao culto da personalidade. Mos-tram ainda o poltico de massas num sistema representativo que procurava articular apoio insti-tucional com mobilizao direta dos trabalhadores. Por meio desta obra, pode-se percorrer meio s-culo de histria do Brasil.

    Maria Celina DAraujo dou tora em cincia poltica e profes sora do Departamento de Sociologia e Poltica da Pontifcia Universi-dade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Foi professora da Univer sidade Federal Fluminense e da Fundao Getulio Vargas, alm de pesquisadora visitante em vrias universidades do Brasil e do exterior. Atua em diversas linhas de pesquisa, tais como partidos polticos, sindicatos, era Vargas, elites dirigentes, Foras Armadas e novas democracias na Amrica do Sul. Entre seus trabalhos relacionados a Getlio Vargas e sua era esto O segundo governo Vargas: democracia, partidos e crise poltica; A iluso trabalhista: o PTB de 1945 a 1964; e A era Vargas.

  • 62PERFISPARLAMENTARES

    GETLIoVARGAS

    Braslia 2011

  • Mesa da CMara dos deputados 54 LegisLatura 1 sesso LegisLativa 2011-2015

    presidente MarCo Maia1 vice-presidente rose de Freitas2o vice-presidente eduardo da Fonte1o secretrio eduardo goMes2o secretrio Jorge tadeu MudaLen3o secretrio inoCnCio oLiveira4o secretrio JLio deLgado1o suplente de secretrio geraLdo resende2o suplente de secretrio Manato3o suplente de secretrio CarLos eduardo CadoCa4o suplente de secretrio srgio Moraes

    diretor-geral rogrio ventura teixeirasecretrio-geral da Mesa srgio saMpaio Contreiras de aLMeida

  • 62PERFISPARLAMENTARESCmara dos Deputados

    GETLIoVARGAS

    Centro de Documentao e Informao Edies Cmara Braslia | 2011

    OrganizaO Maria Celina DaraujO

  • CMara dos deputados

    diretor Legislativo aFrsio vieira LiMa FiLho

    Centro de doCuMentao e inForMao Cedidiretor adoLFo C. a. r. Furtado

    Coordenao edies CMara Coedidiretora Maria CLara biCudo Cesar

    projeto grfico suzana Curiadaptao e atualizao de projeto grfico pabLo brazdiagramao e capa aLessandra C. konigtratamento de imagens raCsowreviso e indexao seo de reviso e indexaoFotos Cpdo | Fgv

    Cmara dos deputadosCentro de doCumentao e Informao CedICoordenao edIes Cmara CoedIanexo II praa dos trs poderesBraslIa df Cep 70160-900telefone: (61) 3216-5809 fax: (61) [email protected]

    SRIEPerfis Parlamentares

    n. 62Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)

    Coordenao de Biblioteca. Seo de Catalogao.

    Vargas, Getlio, 1883-1954.Getlio Vargas / organizao, Maria Celina DAraujo. Braslia : Cmara dos

    Deputados, Edies Cmara, 2011.793 p. (Srie perfis parlamentares ; n. 62)

    ISBN 978-85-736-5860-6

    1. Vargas, Getlio, 1883-1954, atuao parlamentar, Brasil. 2. Poltico, biografia, Brasil. 3. Poltico, discursos etc, Brasil. I. DAraujo Maria Celina. II. Ttulo. III. Srie.

    CDU 328(81)(042)

    ISBN 978-85-736-5859-0 (brochura) ISBN 978-85-736-5860-6 (e-book)

  • SumrioApresentao 11

    Prefcio 13

    1 PArteensaio

    Getlio Vargas: notas biogrficas e roteiro de leituraA formao castilhista 19

    O poltico regional (1909-1930) 21

    A Aliana Liberal e a Revoluo de 30 26

    O governo provisrio (1930-1934) 28

    O governo constitucional (1934-1937) 31

    O Estado Novo (1937-1945) 32

    O senador 36

    A campanha de 1950 37

    Segundo governo (1951-1954) 38

    2 PArteDiscursos

    1. Deputado federal: 1923-1926Cmara dos Deputados, 12 de julho de 1923 45

    Cmara dos Deputados, 28 de agosto de 1923 61

    Cmara dos Deputados, 27 de setembro de 1923 86

    Cmara dos Deputados, 29 de julho de 1924 115

  • Sumrio

    Cmara dos Deputados, 29 de outubro de 1924 118

    Cmara dos Deputados, 18 de novembro de 1924 157

    Cmara dos Deputados, 24 de novembro de 1924 188

    Cmara dos Deputados, 27 de dezembro de 1924 206

    Cmara dos Deputados, 16 de outubro de 1925 208

    Cmara dos Deputados, 20 de outubro de 1925 218

    Cmara dos Deputados, 8 de junho de 1926 268

    Rio de Janeiro, novembro de 1926 270

    2. Aliana Liberal, revoluo de 30, governo provisrio e governo constitucional: 1930-1937

    Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1930 280

    Porto Alegre, 4 de outubro de 1930 304

    Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1930 308

    Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1931 312

    Rio de Janeiro, 4 de maio de 1931 318

    Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1932 331

    Rio de Janeiro, julho de 1934 339

    Rio de Janeiro, 1o de janeiro de 1936 347

    Rio de Janeiro, 7 de setembro de 1936 352

  • Sumrio

    3. estado Novo: 1937-1945Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1937 358

    Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1937 368

    Rio de Janeiro, 1o de maio de 1938 373

    Rio de Janeiro, 13 de maio de 1938 375

    Resende, 29 de junho de 1938 377

    Ribeiro Preto, 22 de julho de 1938 380

    Rio de Janeiro, 7 de setembro de 1938 384

    Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1938 387

    Rio de Janeiro, 8 de maio de 1939 389

    So Paulo, 5 de janeiro de 1940 390

    Rio de Janeiro, 1o de maio de 1940 393

    Rio de Janeiro, 11 de junho de 1940 397

    Manaus, 9 de outubro de 1940 400

    Porto Velho, 14 de outubro de 1940 404

    Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1940 406

    Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1940 411

    Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1940 428

    Rio de Janeiro, 1o de maio de 1941 434

    Entrevista ao jornal argentino La Nacionem junho de 1941 438

  • Sumrio

    Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 1942 442

    Rio de Janeiro, 1o de maio de 1942 445

    Rio de Janeiro, 7 de setembro de 1942 449

    Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1942 453

    Volta Redonda, 7 de maio de 1943 458

    Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1943 464

    Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 1943 468

    So Paulo, 1o de maio de 1944 480

    Rio de Janeiro, 24 de maio de 1944 485

    Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1944 487

    Petrpolis, 2 de maro de 1945 490

    Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1945 498

    Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1945 501

    So Borja, 28 de novembro de 1945 501

    4. Senador: 1946-1947Porto Alegre, 31 de maio de 1946 503

    Assembleia Nacional Constituinte, 31 de agosto de 1946 511

    Porto Alegre, 2 de setembro de 1946 512

    Porto Alegre, 29 de novembro de 1946 514

    Senado Federal, 4 de dezembro de 1946 519

  • Sumrio

    Senado Federal, 13 de dezembro de 1946 521

    So Paulo, 16 de janeiro de 1947 554

    Rio de Janeiro, 10 de maro de 1947 559

    Rio de Janeiro, 1o de maio de 1947 566

    Senado Federal, 9 de maio de 1947 567

    Senado Federal, 30 de maio de 1947 579

    Senado Federal, 3 de julho de 1947 601

    5. Campanha presidencial: 1950So Borja, 16 de junho de 1950 643

    Manaus, 20 de agosto de 1950 654

    Recife, 27 de agosto de 1950 657

    Curitiba, 18 de setembro de 1950 662

    So Borja, 30 de setembro de 1950 668

    6. Segundo governo: 1951-1954Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1951 672

    Rio de Janeiro, 1o de maio de 1951 675

    Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1951 684

    Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1952 694

    Rio de Janeiro, 15 de maro de 1952 700

    Rio de Janeiro, 1o de maio de 1952 711

  • Sumrio

    Belo Horizonte, 31 de maio de 1952 719

    Santos, 12 de junho de 1952 724

    Paulo Afonso, 22 de junho de 1952 728

    Candeias, 23 de junho de 1952 735

    Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1953 742

    Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1953 749

    Petrpolis, 1o de maio de 1954 757

    Rio de Janeiro, 19 de junho de 1954 763

    Belo Horizonte, 11 de agosto de 1954 766

    Rio de Janeiro, agosto de 1954 772

    Rio de Janeiro, agosto de 1954 773

    referNCiA 775

    fotoS 781

  • 11PerfiS ParlamentareS Getlio VarGas

    ApresentaoGetlio Vargas, um dos mais conhecidos e marcantes polticos bra-

    sileiros do sculo XX, pouco lembrado e estudado no que diz respeito a sua atuao parlamentar. Muitos trabalhos destacam aspectos da tra-jetria de Vargas como presidente da Repblica que assumiu o governo, primeiro, em decorrncia de um processo insurrecional e, mais tarde, por meio de eleio direta. Mas sua rica e contraditria biografia fica incompleta se no se considerar tambm a atividade parlamentar que antecedeu e sucedeu a seu primeiro mandato presidencial.

    A Cmara dos Deputados, ao publicar, de forma indita, os discur-sos de Getlio Vargas como deputado e senador, em meio a outros pro-nunciamentos de sua longa carreira poltica, pretende contribuir para um maior entendimento da prpria histria poltica nacional.

    A apresentao cronolgica dos discursos de Vargas, desde o primei-ro mandato de deputado federal at a carta-testamento de 1954, mostra que o mesmo homem pblico que dissolveu o Congresso Nacional em 1930 e o fechou entre 1937 e 1945 fez da tribuna parlamentar um local privilegiado de interveno para expor suas ideias e falar com a socieda-de e o governo. Recordar essa interveno destacar o nem sempre de-vidamente lembrado papel do Parlamento como espao de visibilidade e exposio pblica de ideias e interesses, como espao de debate sobre o pas e como local de articulao poltica entre diferentes grupos sociais.

    Getlio Vargas foi deputado estadual (1909-1913 e 1917-1922), deputado federal (1923-1926) e senador (1946-1947). Na Cmara dos Deputados, a partir de 1923, passou de poltico regional a personagem nacionalmente articulado, que assumiu o cargo de ministro de Estado da Fazenda em 1927 e, em 1930, liderou o processo revolucionrio que derrubou a chamada Repblica Velha e marcou a histria brasileira.

    Aps chefiar o Poder Executivo por 15 anos, boa parte desse tem-po como ditador, e ser deposto em 1945, Vargas retornou poltica eleitoral. Como a legislao permitia a candidatura simultnea para vrios cargos eletivos, foi eleito senador por So Paulo e pelo Rio Grande do Sul, cargo que afinal assumiu, e deputado pelo Distrito Federal e por seis estados (Rio Grande do Sul, So Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Paran). A imensa votao obtida e a

  • aPreSentao12

    conquista do cargo parlamentar lhe conferiram legitimidade para a disputa poltica no mbito do novo regime. Essa eleio tambm ga-rantiu ao ex-presidente uma tribuna que ocupou para defender seu governo e se preparar para a disputa eleitoral de 1950.

    Com a publicao deste Perfil Parlamentar, a Cmara dos Deputados disponibiliza todos os discursos de Getlio Vargas no Congresso Nacional, ao lado de uma seleo de outros pronunciamentos, con-tribuindo assim para ampliar o conhecimento sobre to importante homem pblico brasileiro, ao mesmo tempo que destaca o papel do Legislativo como protagonista na histria do Brasil.

    Deputado Marco MaiaPresidente da Cmara dos Deputados

  • 13PerfiS ParlamentareS Getlio VarGas

    PrefcioA oportunidade de fazer este trabalho veio da indicao que o

    depu tado Chico Alencar, do Rio de Janeiro, fez de meu nome Mesa da Cmara dos Deputados ainda no decorrer de 2004, quando se reme-moravam os 50 anos da morte de Getlio. Sou agradecida a ele pela indicao, e Presidncia da Cmara por me ter confiado esta misso.

    Ser responsvel pela organizao deste livro foi um privilgio. Getlio Vargas no teve uma longa carreira no Congresso Nacional, mas, com todas as controvrsias que seu nome envolve, foi o mais im-portante poltico brasileiro do sculo XX. Com algumas interrupes, exerceu os mandatos de deputado federal de 1923 a 1926 e de senador de 1946 a 1947, permanecendo ao todo seis anos no Parlamento nacio-nal. Em contrapartida, foi o presidente da Repblica que mais tempo esteve frente do cargo: de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Este Perfil Parlamentar no poderia ignorar esse fato, e por isso mesmo parte dos discursos aqui includos diz respeito sua trajetria no Poder Executivo nacional. No compilei os discursos pronunciados durante sua experi-ncia na poltica regional gacha, quer como deputado estadual (1909-1913; 1917-1922), quer como governador (1928-1930), pois esses textos foram objeto de publicao recente na coleo Parlamentares Gachos1.

    Os discursos aqui reunidos foram extrados de vrias fontes, desde edies em livros, anais do Congresso e jornais at o arquivo pessoal de Vargas depositado no Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil da Fundao Getulio Vargas (CPDOC/FGV), onde eu ento trabalhava.

    Inicialmente foi feita uma listagem de seus pronunciamentos a par-tir das mais importantes publicaes de seus discursos, feitas pela Livraria Jos Olympio Editora: A nova poltica do Brasil (1938-1947. 11 v.), A pol-tica trabalhista no Brasil (1950. 1 v.), A campanha presidencial (1951. 1 v.) e O governo trabalhista do Brasil (1952-1969. 4 v.). Para o perodo ante-rior a 1930 utilizamos basicamente dois caminhos: os Anais da Cmara dos Deputados, em formato digital, e algumas publicaes, em especial

    1 Getlio Vargas: discursos (1903-1929). Org. por Carmen Aita e Gunter Axt. Porto Alegre:

    Assem bleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 1997.

  • Prefcio14

    o exemplar citado da coleo Parlamentares Gachos. A leitura desses discursos nos obrigou a fazer um cotejo com outros pronunciamentos e com determinados debates pblicos, o que nos levou a consultas fre-quentes a peridicos e a livros de histria e de poltica que abordam o personagem e seu tempo. O Dirio de Getlio2 foi tambm fonte obri-gatria para os primeiros anos de seu governo. Esta bibliografia bsica est mencionada no final do volume.

    Espero que o leitor interessado na histria do Brasil fique to satis-feito com a leitura deste trabalho como fiquei ao termin-lo. O esforo foi o de traar a trajetria de Getlio Vargas e ilustr-la com os discursos que considerei mais expressivos. Todos os pronunciamentos na Cmara dos Deputados e no Senado foram transcritos. Em relao aos discur-sos como presidente da Repblica, foi feita uma seleo que ilustra fei-tos, problemas, preocupaes, propostas, explicaes. Cada momento decisivo da poltica nacional est retratado no conjunto selecionado, bem como os vrios aspectos da economia nacional, em suas verten-tes industrial e agrria. Esto retratadas ainda as questes polticas que mobilizaram Getlio Vargas tanto na poltica local quanto na poltica nacional, desde disputas tipicamente oligrquicas a confrontos ideol-gicos. Como no poderia deixar de ser, h vrios pronunciamentos que ilustram as polticas pblicas destinadas a regular o conflito industrial, a estrutura sindical e a questo social de uma forma mais geral. A defesa da industrializao, da planificao estatal e do nacionalismo econ-mico est presente ao longo dos vrios discursos. Da mesma forma, a crtica ao liberalismo poltico e democracia parlamentar.

    Os discursos de Vargas aqui reproduzidos esto organizados em seis conjuntos: 1. Deputado federal: 1923-1926; 2. Aliana Liberal, Revoluo de 30, governo provisrio e governo constitucional: 1930-1937; 3. Estado Novo: 1937-1945; 4. Senador: 1946-1947; 5. Campanha presidencial: 1950; e 6. Segundo governo: 1951-1954. As escolhas feitas, textuais e iconogrficas, so de minha inteira responsabilidade. Tive, contudo, a felicidade de poder contar com interlocutores interessados. Sou grata a amigos e amigas, colegas e alunas que gentilmente, e de dife-

    2 Getlio Vargas: dirio. Apresentao de Celina Vargas do Amaral Peixoto; edio de Leda

    Soares (pesquisadoras: Maria Celina DAraujo, Regina da Luz Moreira e Angela de Castro Go-

    mes). So Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Editora FGV, 1995.

  • 15PerfiS ParlamentareS Getlio VarGas

    rentes maneiras, me ajudaram a ver a seriedade deste mergulho em tan-tos discursos e tantas dcadas de poltica brasileira. Ajudaram-me con-versando sobre minhas escolhas, sobre a seleo que realizei, apresen-tando crticas e sugestes. Entre eles menciono Dora Rocha, pelas valio-sas sugestes na edio dos textos, Manuela Martins, Juliana Belisrio, Mayara Lobato, Renan Marinho de Castro, Luana DAraujo, Filipe Leal e Marlia Krassius do Amparo. Agradeo ainda, no CPDOC, a Alzira Alves de Abreu e Letcia Borges Nedel e, na Cmara dos Deputados, a Edson Carlos da Silva, Claudio Dumas, Jorge Luiz Rodrigues de Barros, Clebson Gean da Silva Santos e Alice Maria Costa Botelho Garcia.

    Maria Celina DAraujoDepartamento de Sociologia e Poltica da PUC-Rio

  • 1a partE

    ensaiobiogrfico

  • 19PerfiS ParlamentareS Getlio VarGas

    Getlio Vargas: notas biogrficas e roteiro de leitura

    A formao castilhista

    Getlio Vargas nasceu em 19 de abril de 1882 em So Borja, cidade do Rio Grande do Sul situada na fronteira com a Argentina. Quando adolescente, provavelmente por algum interesse escolar, declarou ter nascido em 1883, e durante um sculo acreditou-se ser esse o ano de seu nascimento. Seus pais, Cndida Dornelles Vargas e Manoel do Nascimento Vargas, pertenciam a famlias de estancieiros com prestgio na poltica local. Getlio teve quatro irmos: dois mais velhos, Viriato e Protsio, e dois mais novos, Spartacus e Benjamim.

    A histria e as caractersticas do Rio Grande do Sul deixaram mar-cas na formao de Getlio Dornelles Vargas. Colonizada de incio por jesutas e a seguir por portugueses oriundos do arquiplago dos Aores, a regio, a partir do sculo XVII, foi palco de lutas frequentes entre por-tugueses e espanhis. Nos sculos seguintes, outras guerras importantes varreram o solo gacho: a Guerra dos Farrapos (1835-1845), a Guerra do Paraguai (1864-1870) na qual o pai de Getlio foi heri militar , a Revoluo Federalista de 1893 e a guerra civil de 1923.

    No incio da Repblica, foram comuns os conflitos pela primazia na poltica estadual. De um lado estavam os republicanos, reunidos desde 1882 no Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Essa corrente acom-panhava a doutrina positivista de Augusto Comte, atribuindo grande po-der iniciativa do Estado, reconhecendo a autonomia do chefe poltico e a liderana dos homens superiores. Aos republicanos, ou chimangos, opunham-se os federalistas, ou maragatos, de tendncia mais descentra-lizadora, reunidos a partir de 1892 no Partido Federalista Brasileiro. De incio, os mais importantes lderes republicanos foram Jlio de Castilhos e Joaquim Francisco de Assis Brasil, que j em 1891 se tornaram adver-srios. O sucessor de Castilhos na liderana do PRR foi Antnio Augusto Borges de Medeiros, que governaria o estado por muitos anos.

    Na adolescncia, Getlio pretendeu seguir a carreira militar. Aos 16 anos alistou-se no batalho de So Borja e aos 18 foi admitido na Escola

  • 1 Parte enSaio Biogrfico20

    Ttica e de Tiro de Rio Pardo. Dois anos depois, contudo, foi desligado, por se ter solidarizado com colegas que haviam sido expulsos por um incidente disciplinar. De volta tropa no batalho de Porto Alegre, preparava-se para deixar o Exrcito quando, no incio de 1903, surgiu uma ameaa de confli-to armado entre o Brasil e a Bolvia, que disputavam o territrio do Acre. Apresentou-se ao comandante e partiu para Corumb, no estado do Mato Grosso, mas no chegou a entrar em combate, pois a questo foi resolvida pela diplomacia do Baro do Rio Branco. Afinal, em dezembro, aps dar baixa do Exrcito, entrou para a Faculdade de Direito de Porto Alegre.

    Na faculdade, Getlio estreitou laos com o castilhismo e com a juventude republicana. Acompanhando o debate intelectual de seu tempo, interessou-se tambm pela doutrina evolucionista de Charles Darwin e Herbert Spencer. A influncia do evolucionismo fica bastante clara em uma referncia que faz em seu dirio pessoal, escrito entre os anos de 1930 e 1942. Ao narrar uma conversa com o filho mais velho, Lutero, em 13 de maro de 1936, escreve:

    noite, conversava com meu filho Lutero sobre a preocupao filosfica nos ltimos anos de minha vida de estudante, a nsia de encontrar na cincia ou na filosofia uma frmula explicativa da vida e do mundo. Falou-me dos vestgios que ele encontrava dessa preo-cupao nos livros da minha biblioteca, que ele estava percorrendo, e nas anotaes encontradas. No conceito que eu lhe repetia, e que ele encontrara nessas anotaes ou referncias, estava, como aplicao da teoria darwiniana, que vencer no esmagar ou abater pela fora todos os obstculos que encontramos vencer adaptar-se. Como ti-vesse dvidas sobre a significao da frmula, expliquei-lhe: adaptar-se no o conformismo, o servilismo ou a humilhao; adaptar-se quer dizer tomar a colorao do ambiente para melhor lutar.3

    A liderana de Getlio comeou a despontar ao ser escolhido, em 1906, para saudar em nome dos estudantes o presidente da Repblica Afonso Pena, em visita a Porto Alegre. No ano seguinte, haveria elei-o para presidente do estado. Borges de Medeiros, que exercia o cargo desde 1898, terminava seu segundo mandato e decidiu indicar como

    3 Getlio Vargas: dirio. Apresentao de Celina Vargas do Amaral Peixoto; edio de Leda

    Soares (pesquisadoras: Maria Celina DAraujo, Regina da Luz Moreira e Angela de Castro

    Gomes). So Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Editora FGV, 1995.

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    sucessor Carlos Barbosa Gonalves. Para enfrentar o domnio do PRR, os federalistas lanaram a candidatura de Fernando Abbott. Com seus colegas de faculdade, Getlio fundou o Bloco Acadmico Castilhista e fez a campanha do candidato republicano, que saiu vitorioso. No fim do ano, colou grau e mais uma vez foi escolhido orador da turma.

    Tambm em 1907, indicado pelo PRR, seu pai, Manoel Vargas, tor-nou-se intendente, ou seja, prefeito de So Borja. A origem familiar, aliada participao na campanha do PRR, certamente pesou na nomeao do jovem bacharel, em fevereiro de 1908, para o cargo de segundo promotor pblico do Tribunal de Porto Alegre. Alguns meses mais tarde, seu nome foi includo na lista de candidatos do PRR Assembleia dos Representantes, como era chamada a assembleia legislativa do estado. Getlio passou ento o lugar de promotor a Joo Neves da Fontoura, seu colega de faculdade, e voltou para So Borja, onde constituiu banca de advogado e fez contatos com correligionrios de seu pai, que garantiram apoio sua candidatura.

    o poltico regional (1909-1930)

    Em maro de 1909, pouco antes de completar 27 anos, Getlio Vargas foi eleito deputado estadual. Durante os trs meses por ano em que a assembleia se reunia para votar o oramento, permanecia em Porto Alegre. No resto do tempo, dedicava-se advocacia em So Borja. A se casou, em maro de 1911, com Darcy Lima Sarmanho, filha do es-tancieiro e comerciante Antnio Sarmanho. Nos anos seguintes, o casal teria cinco filhos: Lutero, Jandira, Alzira, Manoel e Getlio.

    Em 1913, ano em que Borges de Medeiros voltou ao governo do Rio Grande, Getlio foi novamente eleito deputado estadual. Logo depois, porm, renunciou ao mandato, em protesto contra a interveno de Borges nas elei-es de Cachoeira, obrigando candidatos eleitos a renunciar para beneficiar outros de seu agrado. Nos anos seguintes as relaes entre os Vargas e Borges ficaram estremecidas, mas afinal o presidente do estado buscou a reconcilia-o, mantendo Manoel Vargas na chefia do PRR em So Borja e oferecendo a Getlio a chefia de polcia em Porto Alegre. Getlio recusou o convite, mas aceitou, em 1917, ser mais uma vez includo na lista de candidatos do PRR assembleia estadual. Foi eleito ento, e reeleito em 1921.

    Nesse ano, a situao poltica nacional tornou-se tensa com a pro-ximidade da sucesso de Epitcio Pessoa na Presidncia da Repblica.

  • 1 Parte enSaio Biogrfico22

    Enquanto Minas Gerais e So Paulo lanaram a candidatura oficial do mineiro Artur Bernardes, Borges de Medeiros uniu-se aos governos da Bahia, Pernambuco e estado do Rio de Janeiro no movimento dissidente denominado Reao Republicana, que deu apoio candidatura do flu-minense Nilo Peanha. A campanha da Reao Republicana provocou grande mobilizao popular em todo o pas, mas no conseguiu levar seu candidato vitria. Artur Bernardes venceu a eleio realizada em maro de 1922. Houve contestaes, e a tenso culminou no dia 5 de ju-lho seguinte com a ecloso de levantes militares, dos quais o mais famo-so foi o do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro. Era o incio do ciclo de revoltas tenentistas, que marcaria a dcada. No Rio Grande do Sul, os federalistas, unidos aos republicanos dissidentes liderados por Assis Brasil, haviam apoiado Artur Bernardes. Por sua vez, o PRR, diante dos levantes, divulgou o manifesto Pela ordem, reconhecendo a autoridade de Epitcio Pessoa e do presidente eleito.

    Em outubro de 1922, Getlio Vargas foi eleito deputado federal, para completar o mandato de um representante gacho que falecera. Como as eleies para presidente do estado estavam marcadas para o ms seguinte, resolveu adiar a partida para o Rio de Janeiro, ento capi-tal federal. Borges de Medeiros concorria pelo PRR a seu quinto manda-to (terceiro consecutivo) na presidncia do estado e enfrentava a hostili-dade da oposio, que se unira em torno da candidatura de Assis Brasil. Em 15 de novembro Artur Bernardes tomou posse na Presidncia da Repblica. Dez dias depois, realizaram-se as eleies no Rio Grande. Getlio foi nomeado presidente da Comisso de Verificao de Poderes da assembleia estadual e, em meio a rumores de fraude de ambos os lados, proclamou, em 17 de janeiro de 1923, a vitria de Borges de Medeiros. No dia 25 comeou a guerra civil.

    Logo no incio do conflito, Getlio foi enviado por Borges para So Borja com o ttulo de tenente-coronel e a misso de organizar um des-tacamento provisrio e marchar para Itaqui. nesse ponto que come-am as lembranas de sua filha Alzira, que assim inicia seu livro, Getlio Vargas, meu pai:4

    4 O livro de Alzira Vargas do Amaral Peixoto foi publicado pela primeira vez em 1960 e ree-

    ditado em 2005 pelo Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul, com notas de Celina

    Vargas do Amaral Peixoto e Francisco Reynaldo de Barros..

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    Tomei conhecimento da existncia de meu pai em comeos de 1923, quando o perdi pela primeira vez. At ento ele pouco repre-sentava para mim. Nossa vida girava em torno de mame. [...] Ele estava sempre lendo, estudando processos, recebendo constituintes e eleitores ou ento viajando pelos municpios vizinhos para defender uma causa. Ns o admirvamos e o respeitvamos distncia, e seu gabinete era tabu para ns.

    Por isso, naquele entardecer do ano de 1923, estremeci ao olhar aquele homem diferente que nos esperava para se despe-dir. Trajava farda de mescla azul, com talim e botas pretas, ga-les de coronel. Um revlver negro cintura, um chapu de abas largas e uma capa enorme sobre os ombros tornavam-no ainda mais estranho.

    Tambm dessa vez Getlio no chegou a entrar em combate, pois logo recebeu ordem de voltar. Sua misso mudara: sob pena de perder sua cadeira na Cmara dos Deputados, deveria apresentar-se imediata-mente no Rio de Janeiro. ainda Alzira Vargas quem descreve a nova etapa da vida de seu pai:

    No Rio de Janeiro, hospedou-se em um pequeno hotel, no centro da cidade. Logo no primeiro dia, ignorando tudo da gran-de metrpole, to diferente e complicada, pediu um txi para se dirigir Cmara dos Deputados. O chofer olhou-o desconfia-do, deu uma volta e parou honestamente no quarteiro seguinte. O Hotel Monroe, onde estava hospedado, era quase ao lado da Cmara. Riu sozinho de sua ignorncia e aceitou a primeira li-o: para entender os intrincados problemas do Rio de Janeiro preciso saber perguntar. Quando aprendeu um pouco mais, mandou buscar-nos. Havia conseguido um pequeno aparta-mento Praia do Flamengo no 2, composto de dois quartos, um minsculo gabinete e uma varanda ainda menor. Chamava-se Penso Wilson, ento; hoje um grande prdio de apartamen-tos. Quando passo por l, lembro nossa viagem, a chegada e nos-sa vida pacata.

  • 1 Parte enSaio Biogrfico24

    Se a vida domstica da famlia Vargas no Rio de Janeiro era pacata, o ambiente na Cmara dos Deputados era mais delicado:

    Papai fora enviado Cmara Federal com a misso precpua de promover o restabelecimento das boas relaes polticas entre o go-verno do Rio Grande do Sul e a Presidncia da Repblica, estreme-cidas pela ltima campanha sucessria: Nilo Peanha versus Artur Bernardes. A bancada gacha, ainda engasgada com o famoso Pela ordem, editorial de A Federao, rgo oficial do governo do esta-do, estava desarvorada e desprestigiada. Precisava agir com cautela. Comeou por fazer amizade com Herculano de Freitas, lder da ban-cada paulista. Homem de grande inteligncia, foi o iniciador de meu pai nos segredos do Congresso e da poltica nacional.

    Enquanto isso, a guerra civil prosseguia no Rio Grande de Sul, e ha-via o perigo de uma interveno federal. Foi para afirmar a capacidade do governo gacho de resolver seus problemas sozinho que o deputado Getlio Vargas pronunciou seus primeiros discursos na Cmara (ver discursos de 12 de julho, 28 de agosto e 27 de setembro de 1923). A luta s cessaria em dezembro de 1923, quando o Pacto de Pedras Altas garantiu o mandato de Borges de Medeiros, mas proibiu nova reeleio. De toda forma, as oposies continuaram unidas e, sob a liderana de Assis Brasil, em janeiro de 1924 formaram a Aliana Libertadora. Nesse mesmo ano, Getlio seria reeleito deputado federal.

    A poltica nacional tambm continuava agitada. Em 5 de julho de 1924 novas revoltas tenentistas eclodiram em Sergipe, no Amazonas e em So Paulo. Nos dois primeiros estados foram dominadas rapida-mente, mas em So Paulo, chefiados pelo general Isidoro Dias Lopes, os rebeldes ocuparam a capital por trs semanas at que, pressionados por foras paulistas, mineiras e gachas, foram rechaados. Para comemo-rar a vitria legalista e ressaltar a fidelidade do governo gacho ao presi-dente da Repblica, Getlio Vargas subiu tribuna no final do ms (ver discurso de 29 de julho de 1924). Os rebeldes, contudo, ainda no ha-viam sido derrotados. Retiraram-se para Mato Grosso e depois Paran, enquanto novos levantes eram deflagrados no Rio Grande do Sul, envol-vendo jovens militares como Lus Carlos Prestes, Siqueira Campos, Joo Alberto Lins de Barros, Juarez Tvora, e velhos caudilhos como Honrio

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    Lemes, Zeca Neto e Leonel Rocha. Quase ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro, sublevaram-se o encouraado So Paulo e o torpedeiro Gois. Os revolucionrios paulistas e gachos reuniram-se afinal em 1925, no Paran, para formar a Coluna Prestes e iniciar uma marcha de dois anos pelo interior do pas pregando a revoluo.

    Os esforos de Getlio para garantir a conciliao do governo de Borges de Medeiros com o governo Bernardes prosseguiram, seja ao de-bater com os representantes da oposio gacha as motivaes da guerra civil de 1923, apontando sua inconsistncia poltica (ver discurso de 29 de outubro de 1924), seja ao condenar o apoio por eles oferecido revoluo em curso em 1924 (ver discursos de 18 e 24 de novembro de 1924), seja ao discordar da verso apresentada sobre a priso, pelas foras borgistas, do caudilho Honrio Lemes em setembro de 1925 (ver discurso de 16 de outubro de 1925). Novamente seu apoio e o de Borges de Medeiros ao governo federal se evidenciou quando, j como lder da bancada gacha, participou da comisso encarregada de estudar a reforma da Constituio de 1891, proposta pelo presidente Artur Bernardes (ver discurso de 20 de outubro de 1925). Em 1926, quando do falecimento do ministro da Marinha do governo Bernardes, almirante Alexandrino de Alencar, foi encarregado por seu partido de homenage-lo (ver discurso de 8 de junho de 1926). Designado membro da Comisso de Finanas da Cmara, nela permaneceria at o fim do mandato, em novembro.

    Apesar da tenso causada pelo movimento tenentista, a eleio pre-sidencial de maro de 1926 transcorreu pacificamente, j que a oposio no apresentou candidatos. Foram eleitos presidente e vice-presidente da Repblica Washington Lus e Fernando Melo Viana, at ento pre-sidentes, respectivamente, de So Paulo e Minas Gerais. Em 15 de no-vembro, ao tomar posse, Washington Lus nomeou Getlio ministro da Fazenda, indicando que a reconciliao do governo federal com o Rio Grande do Sul estava consumada. Getlio de incio hesitou diante da indicao, alegando em carta a Borges de Medeiros no ter qualificao suficiente em finanas, mas acabou por aceitar o cargo (ver discurso de novembro de 1926). Nessa primeira experincia com a rea econmica e financeira, agiria em conformidade com o pacto poltico da Primeira Repblica, que privilegiava os interesses dos cafeicultores. O caf, na poca, respondia sozinho por cerca de 70% das exportaes e era por-tanto um produto de interesse estratgico na economia do pas.

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    Em agosto de 1927, Borges de Medeiros, que continuava na chefia do PRR, decidiu que Getlio seria seu sucessor no governo do Rio Grande do Sul. A Aliana Libertadora no apresentou candidato, e em novembro Getlio Vargas foi eleito, tendo como vice Joo Neves da Fontoura. Em dezembro exonerou-se do Ministrio da Fazenda e em 25 de janeiro de 1928, aos 46 anos de idade, assumiu a presidncia do Rio Grande do Sul.

    No governo do estado, Getlio procurou assegurar sua independn-cia diante de seu chefe Borges de Medeiros. Assim, colocou no secreta-riado pessoas de sua confiana, entre as quais Osvaldo Aranha (Interior e Justia) e Firmino Paim Filho (Fazenda). No plano econmico, procu-rou amparar a lavoura e a pecuria e incentivar a criao de sindicatos de produtores. Mas foi no plano poltico que introduziu a inovao mais importante, concedendo garantias oposio, que em maro de 1928 se congregou no Partido Libertador, sucessor da Aliana Libertadora. A pacificao da conturbada poltica local iria revelar-se fundamental para o desenvolvimento de sua carreira no plano nacional. Isso ficou claro quando comeou a ser articulada a sucesso de Washington Lus, ainda no final de 1928, tendo em vista as eleies presidenciais marca-das para 1o de maro de 1930.

    A Aliana Liberal e a revoluo de 30

    Washington Lus assumira a Presidncia da Repblica em 1926 como representante de So Paulo, estado que governara nos quatro anos ante-riores. Quando de sua eleio para presidente, estabeleceu-se um acordo tcito pelo qual seu sucessor seria indicado por Minas Gerais. O candida-to natural era Antnio Carlos Ribeiro de Andrada, presidente desse esta-do, mas Washington Lus preferiu indicar o presidente de So Paulo, Jlio Prestes. O lanamento da candidatura paulista rompeu o pacto oligrqui-co ento em vigor. Antnio Carlos buscou uma aliana com o Rio Grande do Sul e em troca ofereceu seu apoio a uma candidatura gacha. Vargas em princpio hesitou, em razo de seus vnculos com o governo federal, mas afinal, em julho de 1929, escreveu a Washington Lus comunicando sua candidatura, a menos que este desistisse de Jlio Prestes, o que no ocorreu. Diante da perspectiva de participar do jogo sucessrio nacio-nal, as foras polticas do Rio Grande do Sul uniram-se na Frente nica Gacha (FUG). Em agosto, formou-se a Aliana Liberal, composta por

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    Minas, Rio Grande do Sul e Paraba, alm das foras dissidentes de So Paulo e do Distrito Federal, em apoio s candidaturas de Getlio Vargas a presidente e Joo Pessoa a vice. Em 20 de setembro, em conveno re-alizada no Rio de Janeiro, a Aliana Liberal aprovou a chapa Vargas-Joo Pessoa, assim como sua plataforma eleitoral.

    Em fins de 1929, a corrente mais radical e mais jovem da Aliana Liberal, que inclua nomes como Joo Neves da Fontoura, Osvaldo Aranha e Virglio de Melo Franco, passou a admitir a ideia de um mo-vimento armado em caso de derrota nas urnas, e para isso buscou se aproximar dos tenentes revolucionrios, exilados ou no. Contrrio ideia de uma revoluo, Vargas comprometeu-se com Washington Lus a no fazer propaganda fora de seu estado e a apoiar o governo federal no caso da vitria de Jlio Prestes. Da mesma forma, Washington Lus prometeu reconhecer Vargas caso este fosse eleito, bem como os candi-datos do PRR ao Congresso, e ainda, no caso da vitria de Jlio Prestes, restabelecer relaes com o Rio Grande do Sul. Nenhuma dessas pro-messas seria cumprida risca.

    No final de dezembro Vargas viajou para o Rio, e no incio de janeiro de 1930 leu a plataforma da Aliana Liberal diante de uma multido concentrada na Esplanada do Castelo (ver discurso de 2 de janeiro de 1930). Depois disso seguiu viagem, fazendo propaganda eleitoral em So Paulo e Santos. Realizadas as eleies, em meio a acusaes de fraude, Vargas foi derrotado, com 737 mil votos contra 1,1 milho dados a Jlio Prestes. Sua primeira reao foi se acomodar aos resultados, mas seus aliados, entre os quais se destacava Osvaldo Aranha, no se conformaram e intensificaram a conspirao. Em maio, quando o Congresso se reuniu, a Comisso de Verificao de Poderes reconheceu a eleio dos candidatos do PRR Cmara dos Deputados, mas no fez o mesmo com os aliancistas de Minas e da Paraba. Um fato veio precipitar os acontecimentos: em 26 de julho, Joo Pessoa foi assassinado em Recife. O crime teve motivao pas-sional, mas os aliancistas lhe atriburam motivaes polticas, e o movimento revolucionrio ganhou novo flego.

    Em 3 de outubro, com a concordncia de Vargas, a revoluo foi desencadeada simultaneamente em Porto Alegre, Minas Gerais e Nordeste. No dia seguinte, todas as unidades militares da capital ga-cha j estavam sob o controle dos revolucionrios, o que levou Vargas

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    a fazer um pronunciamento inflamado ao povo gacho (ver discurso de 4 de outubro de 1930). Em poucos dias o movimento estava vitorio-so em quase todo o pas, com a adeso de grande parte da populao, dos militares e das polcias estaduais. Constatada a derrota, em 24 de outubro Washington Lus renunciou, e uma junta militar composta pelos generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e pelo almirante Isaas de Noronha assumiu o poder. Em 3 de novembro, Vargas foi reconhecido pela junta governativa chefe do governo provisrio da Repblica.

    At ento, a atuao de Vargas na poltica pautara-se pela defesa dos princpios federativos, da autonomia dos governadores e do Congresso Nacional. Mas com seu ingresso na poltica nacional, esse padro alte-rou-se drasticamente.

    o governo provisrio (1930-1934)

    A Revoluo de 1930 foi objeto de vrias interpretaes. Alguns a classificaram como uma revoluo burguesa, outros como uma re-voluo das classes mdias, e outros apenas como um golpe militar. Independentemente do carter que se lhe queira atribuir, foi certamente um ponto de inflexo na poltica brasileira. Seu efeito disruptivo ficaria evidente logo no incio do novo governo. Em contraposio ao mode-lo descentralizador e federalista da Primeira Repblica, foi introduzido um modelo centralizador e intervencionista. O apoio popular permitia ao governo ousar em suas iniciativas contrrias aos interesses polticos das oligarquias derrotadas. Mas Getlio Vargas tambm soube acomodar interesses, em especial os econmicos. Praticou uma poltica de compro-misso, a qual lhe permitiu levar a cabo importantes mudanas no pas. Moveu-se articulando interesses da burguesia industrial, das oligarquias rurais, dos militares e dos trabalhadores. Outra importante mudana se deu na esfera da administrao pblica. A centralizao administrativa obrigou construo de novas instituies do Estado, fundamentais para planejar e dar vida s mudanas que o pas viria a experimentar.

    O programa de reconstruo nacional que Vargas se propunha re-alizar foi exposto resumidamente j em seu discurso de posse, perante a junta governativa (ver discurso de 3 de novembro de 1930). Para p-lo em prtica, em 11 de novembro assinou o Decreto 19.398, dando con-figurao legal ao governo provisrio que chefiava. Amparado por esse

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    instrumento, assumiu plenos poderes, dissolveu o Congresso Nacional e demais rgos legislativos at a eleio de uma Assembleia Constituinte e nomeou interventores para os estados. Nos dias seguintes, de acordo com o programa da Aliana Liberal, e em conformidade com o prometido no discurso de posse, criou o Ministrio da Educao e Sade Pblica (14 de novembro) e o Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio (28 de no-vembro). Em discurso pronunciado dois meses aps o incio do governo revolucionrio, em banquete que lhe foi oferecido pelas classes armadas, agradeceu o apoio militar e voltou a expor resumidamente o programa que seu governo pretendia levar a efeito: aumento da produo nacional, organizao do trabalho, representao por classe, saneamento e educa-o (ver discurso de 2 de janeiro de 1931).

    Ao lado da defesa do caf, explicitada com a criao do Conselho Nacional do Caf em maio de 1931, o controle e amparo dos trabalha-dores e a modernizao do ensino seriam preocupaes imediatas de Vargas. Assim, em 19 de maro de 1931, pelo Decreto 19.770, conhe-cido como Lei de Sindicalizao, foi regulamentada a sindicalizao das classes patronais e operrias; os sindicatos sempre um para cada ramo de atividade foram definidos como rgos consultivos e de co-laborao do poder pblico, devendo por isso mesmo ser reconhecidos pelo Ministrio do Trabalho. Em 12 de agosto, pelo Decreto 20.291, co-nhecido como Lei dos 2/3, foi garantida a presena mnima de 2/3 de empregados nacionais em quaisquer estabelecimentos industriais e co-merciais. No campo da educao, decretos assinados tambm em 1931 estabeleceram o estatuto das universidades brasileiras, a organizao da Universidade do Rio de Janeiro (11 de abril) e ainda a reforma do ensino secundrio (18 de abril). Ao longo do ano de 1932 o governo procurou fazer cumprir a legislao social anterior a 1930 e sancionou novas leis, concedendo novos benefcios aos trabalhadores vinculados s caixas de aposentadoria e penses, fixando o limite de oito horas para a jornada de trabalho, introduzindo novas regulamentaes para o trabalho de mulheres e de menores e instituindo a carteira profissional.

    A atuao de Vargas no governo no transcorreu, porm, livre de tenses. A revoluo unira foras polticas com perspectivas diferentes: de um lado, oligarquias dissidentes; de outro, tenentes revolucionrios. Os choques entre os jovens radicais, defensores de reformas a serem feitas sob um regime de exceo, e os lderes tradicionais tornaram-se

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    frequentes, especialmente em So Paulo. Em fevereiro de 1931 Vargas formou uma comisso encarregada de rever as leis eleitorais e em maio inaugurou seus trabalhos, lembrando, curiosamente, que o momento era propcio, j que os juristas poderiam agir sem os obstculos pro-telatrios dos perodos constitucionais, sem as longas altercaes dos Congressos, sem as exigncias da poltica e o facciosismo dos partidos (ver discurso de 4 de maio de 1931). O novo Cdigo Eleitoral foi afinal promulgado em fevereiro de 1932 (Decreto 21.076). Em maio seguinte, uma comisso foi encarregada de elaborar o anteprojeto de Constituio e foi marcada a data das eleies para a Assembleia Constituinte: 3 de maio de 1933. O conflito com as foras paulistas, porm, j no tinha retorno: em 9 de julho de 1932 So Paulo levantou-se em armas, iniciando uma guerra civil que se estenderia por quase trs meses (ver manifesto ao povo de So Paulo, 20 de setembro de 1932).

    Terminada a luta em So Paulo, iniciaram-se os preparativos para a reconstitucionalizao: a comisso encarregada de elaborar o anteproje-to constitucional foi convocada e organizaram-se partidos polticos. Na data prevista realizaram-se as eleies, e em 15 de novembro de 1933 instalou-se enfim a Assembleia Nacional Constituinte, que, aps sete meses de trabalho, promulgou a nova Constituio, em 16 de julho de 1934. Segundo as anotaes do dirio de Vargas nos dias 14 e 16 de ju-lho de 1934, sua reao diante da nova Constituio foi de insatisfao:

    Estes dias foram de intenso trabalho. Dos ministrios, jorravam quase diariamente dezenas de decretos para assinar antes da pro-mulgao da Constituinte.

    Afinal, chegou esse dia. Entre festas e demonstrao de regozijo, foi promulgada a nova Constituio. Parece-me que ela ser mais um entrave do que uma frmula de ao. Amanh ser a eleio de presidente. O candidato da oposio ser o Dr. Borges de Medeiros, apoiado inclusive pela representao de So Paulo, que espontane-amente se comprometera a no servir de apoio, de centro de agluti-nao a nenhum candidato de oposio.

    Ora, quem examinar atentamente a matria da nova Constituio verificar, desde logo, que ela fragmenta e dilui a autoridade, ins-taura a indisciplina e confunde, a cada passo, as atribuies dos

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    Poderes da Repblica. Na sntese, que submeto ao vosso apreo, ob-servareis facilmente a ilustrao daquele asserto.

    o governo constitucional (1934-1937)

    Em 17 de julho de 1934, um dia depois da promulgao da nova Carta, Vargas foi eleito indiretamente presidente constitucional da Repblica, en-quanto a assembleia se transformava em Congresso ordinrio. Ainda no mesmo ms, em manifesto nao, avaliou o governo provisrio referido como ditadura que chefiara nos ltimos quatro anos, afirmando que se preocupara em garantir a unidade nacional, mantendo-se equidistante entre as paixes extremistas, e procurara articular o aparelho da adminis-trao pblica. Declarou ter cumprido seus compromissos externos sem recorrer a novos endividamentos, ter realizado obras voltadas para a irriga-o e os transportes, ter produzido uma legislao social modernssima e renovado as foras armadas. O pas, segundo ele, estava pronto para o reerguimento econmico (ver manifesto de julho de 1934).

    De fato, a interveno direta do governo na rea econmica se fazia sentir de maneira cada vez mais ntida: em 10 de fevereiro de 1933 o Conselho Nacional do Caf dera lugar ao Departamento Nacional do Caf, e em 1o de junho seguinte fora criado o Instituto do Acar e do lcool, ambos os rgos destinados a regular e proteger suas reas de produo. A centralizao progressiva das decises de poltica econ-mica prosseguiu com a criao (junho) e a instalao (agosto de 1934) do Conselho Federal do Comrcio Exterior, considerado por muitos o primeiro rgo de planejamento governamental do pas.

    Tambm na rea social e trabalhista se observavam mudanas. Foram criados institutos de aposentadoria e penses, como o dos martimos (ju-nho de 1933), o dos comercirios (maio de 1934) e o dos bancrios (junho de 1934). Em 12 de julho de 1934, o Decreto no 24.694 procurou adequar a organizao sindical Constituio que seria promulgada, concedendo maior grau de autonomia aos sindicatos.

    Para que a reconstitucionalizao se completasse, em outubro de 1934 deveriam ser eleitos deputados federais e estaduais, estes ltimos encarregados de elaborar as Constituies dos estados e de eleger os governadores e senadores. Mais uma vez o dirio de Vargas, nos dias 12 e 14 de outubro, revela seu estado de esprito diante do quadro poltico:

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    Estes dias, a administrao pblica esteve atenta para as eleies de deputados federais e constituintes estaduais a realizar-se em todo o pas, e tambm para os movimentos extremistas. A poltica, o in-teresse poltico, as manobras polticas deturpam ou sacrificam quase tudo para vencer.

    Durante o perodo em que Vargas governou constitucionalmente o pas, tornou-se mais visvel a atuao de movimentos de massa de mbito nacional, com conotaes ideolgicas radicais. De um lado, si-tuava-se a Ao Integralista Brasileira (AIB), organizao de inspirao fascista criada em 1932 por Plnio Salgado; de outro, surgiu a Aliana Nacional Libertadora (ANL), apoiada pelo Partido Comunista (PCB). O fechamento da ANL, determinado pelo governo com base na Lei de Segurana Nacional, de abril de 1935, bem como a priso de alguns de seus partidrios, precipitou as conspiraes que levaram Revolta Comunista deflagrada em novembro seguinte em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Os levantes foram rapidamente dominados, e a represso que se seguiu foi ri-gorosa, resultando em milhares de prises. O medo do comunismo aglu-tinou foras em torno de Vargas, que, por seu lado, apontava a doutrina como extica e desintegradora, contrria aos interesses do trabalhador brasileiro (ver discursos de 1o de janeiro e 7 de setembro de 1936).

    No final de 1936, as foras polticas comearam a se preparar para as eleies presidenciais previstas para janeiro de 1938. Lanaram-se can-didatos, mas a recuperao econmica do pas e o medo do comunismo fortaleceram a posio do prprio Vargas. Impedido pela Constituio de se reeleger, em 10 de novembro de 1937 o presidente, com apoio militar, deu um golpe de Estado: fechou o Congresso, outorgou nova Constituio, cancelou as eleies e manteve-se no poder.

    o estado Novo (1937-1945)

    Na prpria noite de 10 de novembro de 1937, quando acabara de ser instaurado no pas o regime ditatorial que foi chamado de Estado Novo nome do regime institudo por Antnio de Oliveira Salazar em Portugal em 1933 , Vargas explicou suas razes e seus projetos popu-lao atravs do rdio: diante da inoperncia do Legislativo, era preciso, segundo ele, reajustar o organismo poltico s necessidades econmicas

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    do pas (ver discurso de 10 de novembro de 1937). Esse reajuste signifi-cou a total centralizao do poder: em 27 de novembro, com a concor-dncia dos governadores, transformados em interventores, as bandeiras estaduais foram queimadas em cerimnia pblica, e em 2 de dezembro todos os partidos polticos foram extintos (ver discurso de 31 de dezem-bro de 1937). Entre as organizaes dissolvidas estava a AIB, o que pro-vocou o levante integralista de maio de 1938. A derrota dos rebelados significou a eliminao dos ltimos conspiradores dispostos a pegar em armas. No havia mais espao para outras foras a no ser aquelas dire-tamente controladas pelo governo (ver discurso de 13 de maio de 1938).

    A partir de 1938, sempre empenhado em cultivar o vnculo com as foras armadas, principal sustentculo do governo, Vargas deu in-cio a um programa de propaganda poltica e de festas cvicas de modo a engrandecer seu nome e fortalecer o esprito de nacionalidade (ver discursos de 1938). Tal tarefa, assim como a censura imprensa escri-ta e falada, cabia ao Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que em dezembro de 1939 daria lugar ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). No plano externo, a despeito de alguns poucos desentendimentos, eram evidentes as simpatias dentro do governo em relao aos governos da Alemanha e Itlia.

    Ao longo dos oito anos de Estado Novo, Vargas deu continuidade reestruturao do Estado brasileiro, orientando-se cada vez mais para a interveno estatal na vida nacional e para o nacionalismo econmico. Manteve-se igualmente atento s classes trabalhadoras, anunciando no-vas leis, de preferncia nas comemoraes do 1o de Maio.

    Na rea administrativa, em julho de 1938 foi criado o Departamento Administrativo do Servio Pblico (Dasp), que recebeu poderes para racionalizar a administrao federal. Na rea econmica, entre as ins-tituies e conselhos criados no perodo, podem-se citar, em 1938, o Instituto Nacional do Mate (13 de abril), o Conselho Nacional do Petrleo (29 de abril) e o Conselho Nacional de Imigrao e Colonizao (4 de maio). Em 1939, ano em que o Conselho Federal de Comrcio Exterior foi reorganizado, assumindo as funes de rgo central de coordenao econmica (ver discurso de 8 de maio de 1939), foram criados o Instituto de Resseguros do Brasil (3 de abril), o Conselho de guas e Energia Eltrica (18 de maro) e a Comisso da Defesa da Economia Nacional (29 de setembro); em 1940, a Comisso Executiva

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    do Plano Siderrgico Nacional (4 de maro) e o Conselho Nacional de Minas e Metalurgia (3 de outubro); em 1941, o Instituto Nacional do Pinho (19 de maro). Finalmente, tendo em vista a implantao de uma indstria de base no pas, o governo passou a constituir direta-mente grandes empresas estatais: a Companhia Siderrgica Nacional (abril de 1941) (ver discurso de 7 de maio de 1943), a Companhia Vale do Rio Doce (1o de junho de 1942), a Companhia Hidreltrica do So Francisco (3 de outubro de 1945).

    Na rea trabalhista, em 1939 foi sancionada nova Lei de Sindicalizao, que restringiu a autonomia sindical concedida em 1934. Em 1o de maio de 1940, foram anunciadas a Lei do Salrio Mnimo e a regulamentao da Justia do Trabalho. Finalmente, em 1o de maio de 1943 foi editada a Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), sistematizando o grande vo-lume de decretos e regulamentos sobre a organizao sindical e de leis sociais at ento promulgadas (ver discursos de 1o de maio).

    Em vrias ocasies Vargas fez balanos das realizaes de seu go-verno, no s perante trabalhadores, como para militares, empresrios e jornalistas. Em seus pronunciamentos sempre reiterou a legitimidade da Carta de 1937 e do regime do Estado Novo, que teria substitudo a demo-cracia poltica pela democracia econmica (ver discursos de 5 de janeiro, 9 de outubro, 10 e 11 de novembro e 31 de dezembro de 1940, de 1o de maio de 1941, e entrevistas de 14 de outubro de 1940 e junho de 1941).

    Outro captulo importante da histria do perodo esteve ligado Segunda Guerra Mundial. Diante da ecloso do conflito, em 1939, Vargas de incio manteve um posicionamento neutro. O discurso que pronunciou em junho de 1940 a bordo do encouraado Minas Gerais, criticando o liberalismo e mencionando a necessidade de compreender a nossa poca e remover o entulho das ideias mortas e dos ideais est-reis (ver discurso de 11 de junho de 1940), foi interpretado por alguns como uma declarao de que o Brasil estaria se aproximando dos pases do Eixo; para outros, teria sido uma forma de pressionar os Estados Unidos a conceder o financiamento necessrio para a implantao da indstria siderrgica, objetivo de fato alcanado.

    O ataque japons a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, precipitou a en-trada dos Estados Unidos na guerra ao lado dos Aliados. E a III Conferncia dos Chanceleres das Repblicas Americanas, realizada no Rio de Janeiro em janeiro seguinte, levou o Brasil a definir sua posio, passando, da so-

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    lidariedade aos Estados Unidos (ver discurso de 15 de janeiro de 1942), ao rompimento das relaes diplomticas com os pases do Eixo. Diante dos torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos alemes (ver discurso de 1o de maio de 1942), em 31 de agosto foi declarado o estado de guerra Alemanha, Itlia e Japo (ver discursos de 7 de setembro e 10 de novembro de 1942). Em agosto do ano seguinte, Vargas criou a Fora Expedicionria Brasileira (FEB), cujo primeiro escalo foi enviado para combater na Itlia em junho de 1944 (ver discurso de 24 de maio de 1944).

    Em 1943, ao mesmo tempo em que o Brasil definia sua participao na guerra ao lado das naes democrticas, o Estado Novo entrava em declnio. Em outubro, comeou a circular o Manifesto dos Mineiros, assinado por 76 personalidades pedindo a redemocratizao do pas. O documento, segundo Vargas, expressaria apenas os pruridos de-maggicos de alguns leguleios [advogados ardilosos] em frias (ver discurso de 10 de novembro de 1943). O importante, a seu ver, era a emancipao econmica do pas e do trabalhador garantida pela im-plantao de indstrias de base, fabricantes de mquinas produtoras de mquinas (ver discursos de 29 de dezembro de 1943, 1o de maio e 3 de outubro de 1944).

    No incio de 1945, a ditadura entrou em sua fase final, com o pr-prio Vargas reconhecendo que a proximidade do fim da guerra tornava o momento propcio e indicado para convocarmos a nao a fim de pronunciar-se e escolher os seus dirigentes (ver discurso de 2 de mar-o de 1945). Lanaram-se candidaturas Presidncia e, em abril, or-ganizaram-se partidos polticos para apoi-las o brigadeiro Eduardo Gomes era o candidato da Unio Democrtica Nacional (UDN), de oposio, enquanto o general Eurico Dutra era o candidato do Partido Social Democrtico (PSD), governista. Em maio, um terceiro partido foi criado, diretamente ligado a Vargas o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) , e foi decretada nova lei eleitoral, marcando-se as eleies pre-sidenciais e legislativas para 2 de dezembro seguinte. A atuao do cha-mado Movimento Queremista termo derivado do slogan Queremos Getlio , que defendia a Constituinte com Getlio, e as suspeitas de que Vargas tivesse intenes continustas (ver discurso de 3 de outubro de 1945) levaram afinal sua deposio, em 29 de outubro.

    Afastado do poder (ver discurso de 30 de outubro de 1945), o ex-pre-sidente retirou-se para sua estncia em So Borja e, mesmo no exlio,

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    manteve-se como uma referncia para a poltica nacional. Tanto assim que seu apoio declarado candidatura do general Eurico Dutra (ver dis-curso de 28 de novembro de 1945) foi fundamental para que este fosse eleito presidente da Repblica.

    o senador

    Nas eleies de 2 de dezembro de 1945, alm do novo presiden-te da Repblica, foram eleitos os membros da Assembleia Nacional Constituinte. Lanado candidato em diferentes pontos do pas, Vargas obteve resultados espetaculares: foi eleito senador por dois estados, o Rio Grande do Sul, na legenda do PSD, e So Paulo, na legenda do PTB, e deputado por sete unidades da Federao Rio Grande do Sul, So Paulo, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Paran , sempre na legenda do PTB.

    A Constituinte iniciou seus trabalhos em 2 de fevereiro de 1946, mas Vargas s assumiu seu mandato por deciso da prpria Constituinte, o de senador pelo Rio Grande do Sul em junho. Antes de faz-lo, relem-brou em Porto Alegre as realizaes de seu governo e afirmou: Aceitei este mandato pela maneira especial com que me foi imposto pelo povo, uma reparao e um desagravo, e vou exerc-lo com o propsito de apoiar o governo da Repblica na realizao de um programa constru-tivo (ver discurso de 31 de maio de 1946).

    Foram poucos os discursos de Vargas em sua segunda experincia parlamentar. Desde fevereiro, enquanto a comisso constitucional se dedicava ao anteprojeto de Constituio, o plenrio da assembleia fazia crticas acerbas ao Estado Novo e assim continuou a agir aps sua posse (ver discurso de 31 de agosto de 1946). Quando a Constituio foi pro-mulgada, em 18 de setembro de 1946, Vargas no a assinou, pois pouco antes retornara ao Rio Grande do Sul. Num cenrio de aproximao entre o PSD de Dutra e a oposicionista UDN, manteve contato perma-nente com o PTB, cujos candidatos iria defender nas eleies para go-vernador e para deputado estadual, marcadas para janeiro de 1947 (ver discursos de 2 de setembro e 29 de novembro de 1946).

    Em dezembro de 1946 Vargas assumiu sua cadeira de senador na primeira legislatura ordinria do Congresso Nacional, iniciada logo aps a promulgao da Constituio, quando a Assembleia Constituinte

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    deu lugar ao Senado e Cmara dos Deputados. Respondendo s cr-ticas, anunciou e pronunciou um longo discurso em que procurou ex-plicar o regime da Constituio de 1937 e enumerou as realizaes de seu governo (ver discursos de 4 e 13 de dezembro de 1946). Aps en-cerrar em So Paulo, s vsperas das eleies, a campanha do PTB (ver discurso de 16 de janeiro de 1947), procurou enfatizar a importncia do programa petebista, e no 1o de Maio dirigiu-se diretamente aos tra-balhadores, destacando a importncia do prprio partido como arma poltica (ver discursos de 10 de maro e de 1o de maio de 1947). Ainda em maio voltou tribuna, onde pronunciou discurso em solidarieda-de ao empresariado paulista e apontou erros na poltica econmica de Dutra (ver discursos de 9 e 30 de maio e de 3 de julho de 1947). Em seguida licenciou-se do Senado, deixando em seu lugar o suplente Camilo Mrcio, e mais uma vez retirou-se para So Borja. Graas correspondncia mantida com a filha Alzira, e aos frequentes contatos com jornalistas e polticos, manteve-se permanentemente informado e assim pde definir os passos futuros.

    A campanha de 1950

    As articulaes para a sucesso de Dutra em 1950 comearam cedo. Um passo importante foi dado com a assinatura do Acordo Interpartidrio, em 22 de janeiro de 1948, pelos presidentes do PSD, da UDN e do Partido Republicano (PR). Tal pacto, ao formalizar a poltica de unio nacio-nal, visava garantir a Dutra a possibilidade de governar sem oposio no Congresso e, alm disso, abria caminho para a indicao de um candidato comum sucesso presidencial. A no participao de Vargas e do PTB no acordo indicava por si s a ruptura com o governo.

    A ideia de um candidato nico no foi, porm, bem-sucedida. Em junho de 1949, o governador gacho Valter Jobim, do PSD, apresentou a chamada frmula Jobim, que recomendava a consulta a todos os pre-sidentes de partidos, inclusive Vargas, pelo PTB, e o governador de So Paulo Ademar de Barros, pelo Partido Social Progressista (PSP). Dutra concordou com a proposta, contanto que o candidato comum sasse das fileiras do PSD. Em novembro, porm, a frmula Jobim foi substituda pela frmula mineira, que previa um candidato no apenas pessedista, mas mineiro. A UDN discordou e em maio de 1950 homologou mais

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    uma vez a candidatura de Eduardo Gomes. O PSD, por sua vez, lanou em junho o deputado mineiro Cristiano Machado.

    Enquanto todos se perguntavam a quem Vargas daria apoio, este selou um acordo com Ademar de Barros, que resultou no lanamen-to, tambm em junho, de sua prpria candidatura a presidente pelo PTB (ver discurso de 16 de junho de 1950) e da de Joo Caf Filho, em agosto-setembro, pelo PSP. A campanha de Vargas, que teve incio em 9 de agosto em Porto Alegre, levou-o a So Paulo, Santos e Rio de Janeiro, e da aos estados do Par, Amazonas (ver discurso de 20 de agosto de 1950), Maranho, Piau, Cear, Rio Grande do Norte, Paraba, Pernambuco (ver discurso de 27 de agosto de 1950), Alagoas, Sergipe, Bahia, Esprito Santo, Rio de Janeiro, Minas, Gois, Mato Grosso, So Paulo, Paran (ver discurso de 18 de setembro de 1950), Santa Catarina e Rio Grande do Sul (ver discurso de 30 de setembro de 1950).

    No dia 3 de outubro, Vargas venceu a eleio com 48,7% dos votos, conquistando o direito de voltar a ocupar o Palcio do Catete.

    Segundo governo (1951-1954)

    O segundo governo Vargas, iniciado em 31 de janeiro de 1951 (ver discurso de 31 de janeiro de 1951), foi marcado pela retomada da orien-tao nacionalista, cuja expresso maior seria o projeto de criao da Petrobras. Outra marca importante do perodo foi a progressiva radica-lizao poltica. Do incio ao fim do governo, Vargas enfrentou cerrada oposio da UDN e em especial do jornalista Carlos Lacerda, propriet-rio do jornal carioca Tribuna da Imprensa. De modo geral os rgos da grande imprensa o caracterizavam como demagogo, e a falta de confian-a da oposio era permanente. Frequentemente levantava-se a hiptese de que pudesse vir a rasgar mais uma Constituio.

    No apenas a lembrana do Estado Novo, mas tambm o clima ideolgico da Guerra Fria contaminava o debate poltico. As recor-rentes proclamaes de Vargas em defesa do nacionalismo e da sindi-calizao dos trabalhadores o colocavam sob suspeio. A meno necessidade de estender os direitos sociais ao trabalhador do campo o indispunha com a burguesia agrria (ver discurso de 1o de maio de 1951). No tocante aos militares, embora procurasse assegurar o apoio de toda a corporao (ver discurso de 5 de janeiro de 1952), era difcil

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    conciliar as alas autodenominadas nacionalista de apoio ao go-verno e democrtica de oposio.

    Na poltica econmica, desde o incio Vargas deixou clara sua preo-cupao com o desenvolvimento nacional, com a industrializao e com a necessidade da interveno do Estado na economia. No primeiro ano de governo, props a criao do Banco do Nordeste do Brasil e da so-ciedade por aes Petrleo Brasileiro S. A. (Petrobras), alm de denun-ciar fraudes contra a lei que regulamentava a remessa de juros e lucros para o exterior (ver discursos de 31 de dezembro de 1951 e 15 de maro de 1952). Seu Plano Nacional de Reaparelhamento Econmico era um plano quinquenal de investimento em indstrias de base, transportes, energia, frigorficos e modernizao da agricultura, com forte orienta-o estatal e nacionalista (ver discursos de 31 de maio, 22 e 23 de junho de 1952). Exemplo de preocupao com o desenvolvimento regional foi o projeto da Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia (SPVEA). No plano nacional, foi criado em 1952 o Banco Nacional do Desenvolvimento Econmico (BNDE), encarregado, por sugesto da Comisso Mista Brasil-Estados Unidos, de gerir o Fundo de Reaparelhamento Econmico.

    Ainda em 1952 Vargas anunciou (ver discurso de 1o de maio de 1952) e concedeu o primeiro aumento do salrio mnimo desde sua criao em 1942. Tambm nesse ano um decreto do Ministrio do Trabalho eliminou o atestado de ideologia que at ento era exigido do candidato a dirigente sindical (ver discurso de 12 de junho de 1952). A preocupao em apresentar balanos das realizaes do governo foi uma constante (ver discursos de 31 de janeiro e 3 de outubro de 1953), mas no teve efeito sobre a oposio.

    Em junho de 1953 comeou o caso da ltima Hora, jornal governis-ta fundado em 1951 por Samuel Wainer. O deputado Aliomar Baleeiro, da UDN, pediu o cancelamento do registro do jornal afirmando que Wainer conseguira um emprstimo do Banco do Brasil para cri-lo porque era ntimo do presidente e de sua famlia. Nessa mesma ocasio, contudo, a UDN aderiu causa nacionalista do petrleo e props o monoplio estatal para a pesquisa, lavra, refinao e transporte do produto, bem como a constituio de uma empresa estatal para executar tal programa. A Petrobras foi assim criada como uma empresa estatal, e no como em-presa de economia mista, como havia sido proposto pelo governo.

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    Em meio aos ataques ao governo, em meados de 1953 Vargas faz uma reforma em seu ministrio, levando Joo Goulart para a pasta do Trabalho, o que aumentou as desconfianas em relao sua poltica trabalhista. Em vrias ocasies a imprensa mencionou estar em marcha um projeto de Repblica Sindicalista nos moldes do peronismo. No fi-nal do ano de 1953 o governo submeteu ao Congresso um projeto de Lei de Lucros Extraordinrios.

    O Manifesto dos Coronis, de fevereiro de 1954, foi um marco da oposio militar e poltica ao governo. Assinado por 82 oficiais, o do-cumento continha crticas ao aumento de 100% do salrio mnimo pro-posto por Goulart. Aberta a crise, Goulart foi substitudo no Ministrio do Trabalho por um ministro interino, Hugo Faria. Em abril, Joo Neves da Fontoura, ex-aliado de Vargas, deu entrevista imprensa acusando-o de negociar secretamente com Pern a assinatura de um pacto entre Argentina, Brasil e Chile (Pacto do ABC), a fim de formar um bloco contra os EUA.

    Conforme fora anunciado, em maio Vargas aprovou o aumento de 100% no salrio mnimo, declarando aos trabalhadores: E pelo voto podeis no s defender os vossos interesses, como influir nos prprios destinos da nao. Como cidados, a vossa vontade pesar nas urnas. Como classe, podeis imprimir ao vosso sufrgio a fora decisria do nmero. Hoje estais com o governo. Amanh sereis o governo (ver dis-curso de 1o de maio de 1954). No mesmo ms foi instalada a Petrobras. Paralelamente, a oposio, reunida no Clube da Lanterna e na Aliana Popular contra o Roubo e o Golpe, mantinha viva a insinuao de que Vargas daria novo golpe com o apoio dos sindicatos e de que seu gover-no era conivente com prticas corruptas.

    Em junho, o jornalista Nestor Nogueira, de A Noite, morreu no Hospital Miguel Couto, aps ter sido espancado no 2o Distrito Policial. Foi organizada uma passeata, saindo do edifcio do jornal, para levar o corpo at a capela do Cemitrio So Joo Batista. Na Cmara, Afonso Arinos, lder da UDN, afirmava que o jornalista morto era um smbolo da cumplicidade do governo com a violncia da polcia.

    O ms de agosto de 1954 comeou com Vargas sendo vaiado no Grande Prmio Brasil no Jquei Clube do Rio de Janeiro, e com o atentado contra Carlos Lacerda na Rua Tonelero, em Copacabana, em que morreu o major aviador Rubens Florentino Vaz. Tancredo Neves,

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    ministro da Justia, afirmou que todas as providncias haviam sido tomadas para a apurao dos fatos e a indicao dos responsveis. Rapidamente as investigaes demonstraram o envolvimento da guarda pessoal de Vargas com o crime. Vargas dissolveu a guarda, e seu chefe, Gregrio Fortunato, foi preso no dia 17 de agosto. Para a investigao do que ficou conhecido como Atentado da Tonelero, foi instaurado pelo Ministrio da Aeronutica um inqurito policial-militar.

    Em meio aos protestos da oposio, Vargas foi a Minas inaugurar a Mannesman, sendo recebido pelo governador Juscelino Kubitschek. Ali afirmou, como j havia feito perante a oficialidade do Exrcito (ver discurso de 19 de junho de 1954), que iria respeitar o princpio da legali-dade constitucional (ver discurso de 11 de agosto de 1954). Na Cmara, Afonso Arinos reiterou o apelo para que o presidente renunciasse. O Clube da Lanterna reuniu-se e dirigiu um apelo ao ministro da Guerra para que as foras armadas promovessem a renncia. Um grupo de ofi-ciais, em reunio no Clube da Aeronutica liderada por Eduardo Gomes, decidiu exigir a renncia em documento que foi entregue a Vargas pelo marechal Mascarenhas de Morais, chefe do Estado-Maior das Foras Armadas. Em manifesto nao, fizeram o mesmo 27 generais de v-rias tendncias, entre eles Canrobert Pereira da Costa, Juarez Tvora, Machado Lopes, Peri Bevilaqua, Henrique Lott e Castelo Branco.

    No dia 23 o vice-presidente Caf Filho discursou no Congresso pro-pondo a renncia conjunta do presidente e do vice. Nessa noite Vargas convocou a ltima reunio ministerial de seu governo, realizada no Palcio do Catete. Concordou em tirar uma licena de 90 dias, caso as foras armadas mantivessem a ordem, mas negou-se a uma renncia definitiva, recebendo solidariedade do ministrio. Pouco depois das 8 horas da manh do dia 24, porm, foi informado de que o ministro da Guerra, Zenbio da Costa, concordara com seu afastamento definitivo. Recolheu-se a seus aposentos e suicidou-se com um tiro no corao. Deixou, na mesa de cabeceira, uma Carta-Testamento que rapidamente foi transmitida pelo rdio a todo o pas. Nela acusava os inimigos da nao de serem responsveis por sua morte.

    No dia seguinte, o corpo de Vargas foi transportado do Catete at o Aeroporto Santos Dumont. A multido que seguiu o cortejo foi uma das maiores at ento vistas no Rio de Janeiro. Populares atacaram e incen-diaram a sede dos jornais que faziam oposio ao governo. Ao chegar a

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    So Borja, o corpo foi carregado a p pelo povo at a prefeitura. Vargas foi sepultado no tmulo de sua famlia.

    O suicdio reverteu o quadro poltico de hostilidades ao petebismo e ao getulismo.Vargas foi celebrado como heri e mrtir dos inimigos do povo e deu margem a que o novo presidente da Repblica fosse es-colhido entre um de seus aliados: Juscelino Kubitschek.

  • 2 partE

    Discursos

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    1. Deputado federal: 1923-1926Cmara dos Deputados, 12 de julho de 1923

    Discurso de justificao do voto dado ao projeto da Comisso de Justia da Cmara, que permitiu a interveno federal no esta-do do Rio de Janeiro. Vargas concorda com a interveno, j que nas eleies fluminenses de 1922 os dois candidatos que disputa-vam a presidncia do estado, Raul Fernandes e Feliciano Sodr, se haviam declarado eleitos, e duas assembleias se tinham formado, estabelecendo-se assim a dualidade de governo. Afirma, tambm, que a situao inteiramente diferente da do Rio Grande do Sul, onde h um nico governo constitudo, o de Borges de Medeiros, que, embora enfrentando uma guerra civil, tem fora material para esmagar os revoltosos. O aspecto mais importante de seu discur-so est na defesa da autonomia estadual, ao contestar o direito do Congresso Nacional de anular leis estaduais.

    O SR. GETLIO VARGAS Sr. Presidente, tendo usado da palavra somente para fazer um requerimento sobre assunto referente ao meu estado, no era meu intuito to cedo voltar tribuna nesta Casa. Neste recinto, onde se rene a elite intelectual do pas, consagrado pelo verbo de tantos oradores ilustres, acostumados ressonncia do argumento sutil, da palavra elegante e da frase escorreita, eu desejaria ficar silen-cioso, observando e aprendendo. O retraimento natural do meu espri-to, a minha timidez e o reconhecimento da prpria incapacidade eram outras tantas foras inibitrias a qualquer manifestao pblica. , pois, quase me escusando de uma ousadia, que compareo neste plenrio. Assim, porm, quiseram as circunstncias.

    Se o projeto da ilustrada Comisso de Justia tivesse sido votado des-tacadamente, votado por partes, era dispensvel a justificao do meu voto, porque eu teria simplesmente votado sim ao art. 1o e teria negado a minha aprovao aos demais pargrafos do projeto. Uma vez, porm, que a votao foi [feita] englobadamente, torna-se indispensvel que faa esta justificao, porque me assaltou o esprito a expectativa ansiosa de que a

  • 2 Parte DiScurSoS46

    simples manifestao silenciosa do meu voto pudesse acarretar a respon-sabilidade tcita por outras opinies e outras medidas tomadas pela ilustre Comisso de Justia, e com as quais eu no poderia estar de acordo. Assim, julgo-me obrigado a justificar neste momento o meu voto.

    Pelo estudo que fiz dos documentos publicados no Dirio Oficial, pela apreciao das circunstncias do fato, robusteceu-se no meu esp-rito a convico de que, efetivamente, no caso do Rio de Janeiro, havia uma dualidade de assembleias e de governadores. Foi, pois, diante desta circunstncia que eu proferi meu voto. inegvel, Sr. Presidente, que as circunstncias de fato, quais fossem a reunio de duas assembleias legis-lativas e a posse de dois governadores, tomando esses medidas como se efetivamente estivessem governando, baixando decretos, tomando reso-lues, nomeando auxiliares, criaram a dualidade, estabeleceram a con-fuso e a balbrdia no esprito pblico de tal forma que 17 comarcas, at ento obedientes jurisdio do presidente que transmitiu o governo ao Sr. Raul Fernandes, foram depostas pelos partidrios do Sr. Feliciano Sodr e passaram a obedecer ao governo deste.

    O Sr. Raul Alves Com essa lgica admite a hiptese de que, se o Sr. Assis Brasil quisesse, haveria uma duplicata no Rio Grande do Sul.

    O SR. GETLIO VARGAS No haveria, porque o governo do Rio Grande do Sul tem a fora material para esmagar os revoltosos.

    O Sr. Raul Alves No esmagou at agora! Os revolucionrios esto em armas.

    O SR. GETLIO VARGAS Esto fazendo correrias pela campa-nha, mas no ocupam nenhuma comarca do Rio Grande do Sul.

    O Sr. Raul Alves assim que se discute Direito Constitucional? Assim faz-se a dualidade em toda parte. Assim poderia haver dualidade no Rio Grande do Sul. Entretanto no me coloco neste terreno. Eu enten-do que o governador do Rio Grande do Sul o Sr. Borges de Medeiros, mas no posso admitir a lgica do nobre deputado, porque est facilitan-do da tal maneira as duplicatas que se torna impossvel evit-las.

    O SR. GETLIO VARGAS Eu no estou justificando, estou decla-rando o que li nos documentos oficiais.

    O Sr. Raul Alves Assim, se eu declarar que sou governador do Rio Grande do Sul, sou? Tenha pacincia.

  • 47PerfiS ParlamentareS Getlio VarGas

    O SR. GETLIO VARGAS inegvel que 17 comarcas do esta-do do Rio de Janeiro passaram a ser governadas por autoridades do Sr. Feliciano Sodr, que outras tantas...

    O Sr. Galdino do Vale V.Exa. est empregando o termo comarca; no estado do Rio de Janeiro a diviso municipal, so 48 municpios. Asseguro ao honrado colega e Cmara que, apesar de empossado [o Sr. Raul Fernandes] no Palcio do Ing, em virtude do habeas corpus, as autoridades que foram empossadas nos 48 municpios obedeciam ao Sr. Feliciano Sodr; e foram as autoridades nomeadas pelo Sr. Feliciano Sodr que exerceram o policiamento do estado neste perodo de 10 dias.

    O Sr. Metelo Jnior Interessante era saber que autoridade tinha o Sr. Sodr para nomear essas autoridades.

    O SR. GETLIO VARGAS V.Exa. interrompeu a concluso a que eu ia chegar.

    O Sr. Ramiro Braga Eu no me admiro mais da coragem com que nesta Cmara se fazem certas afirmaes; no me admiro mais de coisa alguma, mas o que posso garantir, e com toda a veracidade, a V.Exa., Cmara e ao pas que as poucas cmaras depostas do meu estado o foram por interveno de agentes da polcia do Rio de Janeiro.

    O Sr. Norival de Freitas No apoiado. Foi feita pela populao lo-cal. Os agentes da fora federal foram justamente repor.

    O Sr. Ramiro Braga Comprometo-me, apesar do estado precrio da minha sade, e espero trazer Cmara documentos oficiais compro-batrios da minha afirmativa.

    O Sr. Galdino do Vale Documentos oficiais em contrrio tambm sero apresentados.

    O Sr. Ramiro Braga No sei onde vo buscar esses documentos oficiais.

    O SR. GETLIO VARGAS Mas, como ia dizendo, fato incon-testvel que em 17 municpios do estado fluminense as autoridades fo-ram depostas e substitudas por outras do Sr. Feliciano Sodr. Caberia ao governo que tivesse o poder de fato, ao governo que tivesse a fora material para impor a sua vontade, repor as suas prprias autoridades destitudas, e ento estaria restabelecida a ordem e existiria pelo menos, no Rio de Janeiro, seno um governo de direito, ao menos um governo de fato que pudesse impor a sua vontade.

  • 2 Parte DiScurSoS48

    O Sr. Joo Guimares Toda vez que o governo do estado queria expedir foras para o interior do estado, foras para garantir as autori-dades legitimamente constitudas, era nessa medida embargado pelas autoridades federais, que agiam, ento, por conta do estado de stio.

    O Sr. Sales Filho Este que o fato. Essa dualidade de assembleias e governadores que se no impunham aos seus jurisdicionados estabe-lecia verdadeira acefalia governamental, porque esses rgos, agindo simultaneamente e se destruindo reciprocamente, paralisavam o exer-ccio da mesma funo.

    O Sr. Ramiro Braga Esse que o fato. a pura verdade. Se esta-mos interrompendo V.Exa. com tanta frequncia nas consideraes que est produzindo, para levar ao esprito de V.Exa. a convico de que tudo que se fez no estado do Rio de Janeiro foi obra artificial da fora, nica e exclusivamente.

    O SR. GETLIO VARGAS Respeito muito a opinio do nobre colega, cujo talento admiro, mas desejaria fazer a observao de que, no momento em que o presidente Raul Fernandes determinou fora po-licial do estado que agisse, essa fora se negou a obedecer sua ordem.

    O Sr. Ramiro Braga Foi impedida de o fazer pela fora do Exrcito.O Sr. Galdino do Vale Aquele governo no teve fora para se fazer

    obedecer.O SR. GETLIO VARGAS O que se sabe que a polcia do estado

    procurou a fora federal, qual entregou as suas armas, declarando que, diante da dualidade de governo, no sabia a qual devia obedecer.

    Um Sr. Deputado O fato de abandonar seu quartel para ir apresen-tar-se fora federal conhecido de todos.

    O Sr. Buarque Nazareth A fora de polcia era comandada por ofi-ciais do Exrcito.

    O Sr. Ramiro Braga Ento o habeas corpus no foi cumprido.O Sr. Lindolfo Collor Nem compete ao orador entrar nesta questo:

    se foi ou no cumprido.O SR. GETLIO VARGAS A concluso a que quero chegar

    que, em virtude dessas circunstncias, no havendo um governo que conseguisse impor-se de fato, se estabelecendo a balbrdia, a confuso, a desordem nos servios pblicos, legitimava-se a interveno do Sr. Presidente da Repblica no caso.

  • 49PerfiS ParlamentareS Getlio VarGas

    O Sr. Metelo Jnior Agora, calcule V.Exa. se aplica-se isso ao Rio Grande do Sul.

    O Sr. Sales Filho Sim, ento j se devia ter intervindo ali.O Sr. Lindolfo Collor No sei por qu.O SR. GETLIO VARGAS Havendo o presidente de uma dessas

    assembleias pedido providncias ao presidente da Repblica, e como S.Exa. no pudesse tomar essas providncias sem intervir, por isso pen-so eu que se legitimava a sua interveno.

    O Sr. Ramiro Braga Mas j tinha intervindo, dando posse ao Sr. Raul Fernandes, de acordo com a clusula 4 do art. 6o.

    O Sr. Galdino do Vale V.Exa. aceita a interveno?O Sr. Ramiro Braga Ela foi legtima, no dia 31 de dezembro, de

    acordo, como disse, com a clusula 4a do art. 6o da Constituio; e no dia 10 no houve interveno; houve deposio.

    O SR. GETLIO VARGAS Quero citar aos ilustrados colegas uma opinio do notvel jurisconsulto Sr. Afrnio de Melo Franco sobre a questo da interveno no Cear.

    A ordem, com efeito, cuja manuteno pode ser requisitada e se realiza por via de interveno poltica, no somente a ordem material, mas tambm, e talvez principalmente, a ordem consti-tucional. Sob a ordem material a mais perfeita e completa pode campear desabaladamente a mais afrontosa desordem jurdica e constitucional, como por exemplo quando um dos poderes, exorbitando da sua esfera de ao, suprime os outros; ou quando vcios de origem eivam de ilegitimidade a investidura do deposi-trio do Poder Executivo e dos que se atribuem a posse dos man-datos legislativos; ou, finalmente, quando em um estado se d a duplicata de assembleias, ou de presidentes, ou governadores.

    Em qualquer desses casos pode ser requisitada a interveno fe-deral para manter a ordem constitucional, sendo competente para faz-lo qualquer dos agentes ou assembleias em conflito, visto que se no pode, a prima facie, saber qual o rgo legtimo. Requisitada a interveno, compete, em tais casos, privativamente ao Congresso Nacional apreciar os fatos alegados e, por via de uma lei, declarar o direito existente no estado, ou prover de remdio adequado os casos que no encontrarem soluo na legislao do dito estado. Essa lei,

  • 2 Parte DiScurSoS50

    de carter essencialmente poltico, pe termo questo, escapa ao exame do Poder Judicirio e tem a execuo assegurada pelo n 4 do art. 6 da Constituio Federal, que autoriza o governo federal (no caso Poder Executivo) a intervir de motu proprio para obrigar o estado ao seu cumprimento. (Afrnio de Melo Franco. Voto no caso do Cear. Interveno, v. 9, p. 72.)

    Bem andou, pois, o Sr. Presidente da Repblica. A sua interveno foi legtima. Agora diro V.Exas.: mas havia o habeas corpus que ga-rantia a posse e o exerccio do Sr. Raul Fernandes. Neste ponto devo ponderar a V.Exas.: penso que o habeas corpus no resolveu o caso, por isso que no poderia dar soluo a um caso poltico de dualidade de assembleia e presidente.

    O Sr. Galdino do Vale Muito bem.O SR. GETLIO VARGAS Para reforar minha opinio sobre o

    assunto...O Sr. Ramiro Braga Ento, por que o Sr. Presidente da Repblica

    o cumpriu?O SR. GETLIO VARGAS ...vou citar a V.Exas. a opinio do Sr.

    Ministro Pires e Albuquerque em sesso do Supremo Tribunal Federal posterior concesso dessa ordem de habeas corpus. Em se referindo ao caso, diz S.Exa.:

    A concesso de habeas corpus ao governador do estado do Rio pre-cedeu a interveno decretada pelo Poder Executivo e j foi comunicada ao Tribunal e consta de publicao oficial.

    Dar-se- que a concesso de um habeas corpus a governador do es-tado, para que, livre de constrangimento, assuma e exera o cargo, cons-titua um impedimento interveno prevista e autorizada pelo art. 6o da Constituio? Esta que seria a dvida, a objeo.

    A interveno , como o habeas corpus, um remdio indicado pela Constituio para acudir a uma certa classe de males. O habeas corpus, no constrangimento da liberdade individual, pelo excesso ou abuso de poder. A interveno, na invaso do estado, na alterao da forma de governo, na perturbao da ordem e na inobservncia das leis e sentenas federais. Eis o que diz a Constituio, art. 72, 22: Dar-se- o habeas corpus sempre que o indivduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violncia ou coao por ilegalidade ou abuso de poder.

  • 51PerfiS ParlamentareS Getlio VarGas

    O art. 6o [dispe que] o governo federal no poder intervir nos estados, salvo 1o para repelir invaso estrangeira, etc. Para saber se o habeas corpus exclui a interveno, havemos de inquirir: o habe-as corpus, garantia individual concedida ao governador, preserva o estado dos males para os quais o legislador constituinte preservou a garantia social da interveno? Ningum o dir. To sujeitos esto interveno, [pela] alterao da forma republicana, a perturbao da ordem e as desobedincias s leis e sentenas, os estados cujos governadores tenham a sua autoridade incontestada como aqueles em que esta autoridade teve de se arrimar em uma ordem de habeas corpus. E se tanto naqueles como nestes ocorrncias se podem dar, e se em se verificando qualquer delas a lei suprema autoriza a in-terveno, claro