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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE CINCIA DA INFORMAO CURSO DE PS-GRADUAO EM CINCIA DA INFORMAO

GEYSA FLVIA CMARA DE LIMA NASCIMENTO

FOLKSONOMIA COMO ESTRATGIA DE INDEXAO DOS BIBLIOTECRIOS NO DEL.ICIO.US.

JOO PESSOA 2008

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GEYSA FLVIA CMARA DE LIMA NASCIMENTO

FOLKSONOMIA COMO ESTRATGIA DE INDEXAO DOS BIBLIOTECRIOS NO DEL.ICIO.US.

Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Cincia da Informao do Centro de Cincias Sociais Aplicadas da Universidade Federal da Paraba como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Cincia da Informao.

Orientadora: Prof. Dra. Dulce Amlia de Brito Neves

JOO PESSOA 2008

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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

N244c

Nascimento, Geysa Flvia Cmara de Lima Folksonomia como estratgia de indexao dos bibliotecrios no Del.icio.us. / Geysa Flvia Cmara de Lima Nascimento. _ Joo Pessoa: PPGCI, 2008. 104 f. Orientadora: Dra. Dulce Amlia de Brito Neves Dissertao (Mestrado em Cincia da Informao) Universidade Federal da Paraba Centro de Cincias Sociais Aplicadas, 2008. Bibliografia. 1.Folksonomia 2. Indexao Social 3.Netnografia 4.Del.icio.us I. Ttulo. CDU: 025.4(043)

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GEYSA FLVIA CMARA DE LIMA NASCIMENTO

FOLKSONOMIA COMO ESTRATGIA DE INDEXAO DOS BIBLIOTECRIOS NO DEL.ICIO.US.

Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Cincia da Informao do Centro de Cincias Sociais Aplicadas da Universidade Federal da Paraba como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Cincia da Informao.

Aprovada em:____/____/____

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dra. Dulce Amlia de Brito Neves Orientadora DCI/UFPB

Prof. Dr. Guilherme de Atade Dias Membro DCI/UFPB

Prof. Dr. Fbio Mascarenhas Membro DCI/UFPE

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Aos meus pais, Flvio e Giselda, que sempre me fizeram acreditar que eu conseguiria. Gustavo Henn, que casou comigo o maior golpe de sorte da minha vida. Aos meus filhos, Germana Flvia e Antnio Flvio que so o maior empreendimento da minha vida.

DEDICO!

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AGRADECIMENTOSSempre achei a coisa mais cafona do mundo aquela imensa lista de agradecimentos que artistas abrem ao ganhar um Oscar. E eis que aqui estou eu, sem Oscar, mas com uma pgina em branco, toda minha, e sem uma musiquinha irritante que diga a hora de eu parar. E da a cafonice? Sendo assim, vamos l: Agradecer atravs de palavras pouco. Nem sei se possvel. Apenas sei que no poderia omitir a ajuda e o apoio recebidos de tantas pessoas que acompanharam o inicio e o fim desta histria, histria que eu nem sei se de fato terminou ou se apenas um novo comeo. A Deus, fonte infinita de energia, paz, e alegria. Presena constante nos momentos de dor e delcia, na produo solitria dessa dissertao. Inspirao e luz nos momentos de sombra e escurido. Aos meus pais Flvio e Giselda, que tanto me orgulho de ser filha e por terem sido meus primeiros educadores. A Gustavo Henn, meu companheiro, amor e amigo, por ter sido meu porto seguro que pacientemente permaneceu ao meu lado durante este perodo e, tambm, pela sua valiosa contribuio como pesquisador e tradutor dos textos. A minha filha Germana Flvia, por ajudar mame a prosseguir, mesmo parando de escrever por muitas vezes para brincar de Barbie. Ao meu filho Antonio Flvio, que chegou junto com esta dissertao e, mesmo pequenino, soube esperar algumas vezes pela sua mame. A minha Orientadora e amiga Dulce Amlia, pela competncia, cuidado, tranqilidade e segurana com que conduziu a construo desse estudo. As minhas irms Karina e Flaviana, amigas incansveis, e que por muitas vezes ficaram com meus filhos, para que eu pudesse estudar. Ao meu Cunhado Rubinho, por ter disponibilizado do seu precioso tempo de estudo para rabiscar as paredes de sua casa com Germana. Aos meus sogros, Antonio e Maria Jos, pelo incentivo e amor. A Lu, por ter cuidado de mim e dos meus filhos. Aos professores Dr. Guilherme Atade e Dr. Fbio Mascarenhas, pelas idias e sugestes na minha qualificao e por terem acreditado em meu projeto. Ao Prof. Dr. Lcio Flvio diretor do CCHLA, por permitir minha ausncia dos trabalhos na Biblioteca Setorial, e por ser um grande incentivador na minha formao acadmica.

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Aos colegas da Biblioteca Setorial Vanildo Brito/CCHLA, em especial a Graa, por terem compreendido a minha ausncia. A amiga virtual Deise, pela companhia nas madrugadas, e efetiva presena mesmo que fosse virtualmente. Aos amigos do mestrado, Marcos, Ilza e Meriane, pelo carinho e amizade durante as aulas. A Antnio, a quem serei eternamente grata, pela ajuda sempre que precisei durante o mestrado. Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao pelas contribuies e ensinamentos. Em destaque ao Prof. Dr. Carlos Xavier por ter me apresentado a Etnografia de Geertz. E por fim a todos aqueles que um dia acreditaram no meu potencial.

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Quem somos ns, quem cada um de ns seno uma combinatria de experincias, de informaes, de leituras, de imaginao? Cada vida uma enciclopdia, uma biblioteca, um inventrio de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possveis. talo Calvino

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RESUMO

O estudo teve como objetivo principal analisar as estratgias de indexao dos bibliotecrios brasileiros dentro do contexto colaborativo da web 2.0, verificando diferenas e semelhanas de seus contedos na web durante a indexao. Optouse por trabalhar com o Del.icio.us, em razo de seu pioneirismo em usar a folksonomia, atravs do qual o usurio pode associar qualquer palavra a determinado registro e depois recuperar a informao atravs das tags (etiqueta) que ele mesmo criou. Para tal, foi desenvolvida uma pesquisa de carter qualitativo, com o uso do mtodo da netnografia, que por meio de observao participante e entrevistas online, foram encontrados cerca de 30 bibliotecrios atravs do cadastro no Del.icio.us. Optamos por trabalhar com 10 bibliotecrios que no perodo de agosto de 2007 a agosto de 2008 mantiveram seus bookmarks atualizados. Essa opo foi justificada pelo fato de nossa pesquisa ser realizada em um ambiente dinmico. Os resultados mostram que atravs da netnografia, enquanto nova abordagem da etnografia no ciberespao, possvel conhecer os hbitos dos bibliotecrios no Del.icio.us, uma vez que tais sujeitos podem navegar com maior liberdade e atribuir sentidos aos seus documentos na web. Percebe-se que devido liberdade de adaptao permitida no Del.icio.us, os bibliotecrios se apropriam da folksonomia para criar tags que descrevam melhor seus bookmarks e a relao emocional fica representada nas tags, que so influenciadas pelo contexto emocional no momento da indexao. E que mesmo fazendo uso de instrumentos da biblioteconomia, os problemas de indexao como: polissemia, sinnimos, plural e profundidade tm um alto ndice de representatividade nas tags dos bibliotecrios, destacando-se o uso das Tags Egostas e Tags Amiguistas. Conclui-se que o estudo de folksonomia no s uma estratgia de indexao de informaes; tambm uma estratgia de identidade cultural. Palavras-Chave: Folksonomia. Indexao Social. Netnografia. Del.icio.us

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ABSTRACT

The study had as main objective to analyze the indexing strategies of Brazilian librarians inside the web 2,0 context, verifying differences and similarities of its contents in web during indexing. It was opted working with Del.icio.us, in reason of it to be a pioneer in using folksonomy, through which the user can associate any word to a definitive register and later retrieving the information through tags (label) that himself created. For such, a research of qualitative character was developed, using the netnography method that by means of participant observation and interviews online, had been found about 30 librarians through register in Del.icio.us. It was opt working with 10 librarians who in the period of August 2007 to August 2008 had kept its bookmarks brought up to date. This option was justified by the fact of our research be carried through in a dynamic environment. The results show that through netnography, while new boarding of etnography in ciberspace, is possible to know the librarians habits in Del.icio.us, a time that such actors can browse with bigger freedom and make sensing to its documents in web. One perceives that due to freedom adaptation allowed in Del.icio.us, librarians appropriate themselves the folksonomy to create tags that describe their better bookmarks and the emotional relation is represented in tags, that are influenced by the emotional context at the moment of indexing. And even making use of librianships instruments, the indexing problems as: polysemy, synonymous, plural and depth have one high index of representation in librarians tags, being distinguished the use of Selfish Tags and Friendly Tags. One concludes that the folksonomy study is not only an indexing strategy of information; it is also a strategy of cultural identity. Keywords: Folksonomy. Social Indexing. Netnography. Del.icio.us

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura 11 Figura 12 Figura 13 Figura 14 Figura 15 Figura 16 Figura 17 Figura 18 Figura 19 Figura 20 Figura 21 Figura 22 Figura 23 Figura 24 Figura 25 Figura 26 Figura 27

Servios de ferramenta colaborativa Compartilhamento das tags entre usurios Esquema de funcionamento da folksonomia Tag Cloud Contexto social do Del.icio.us Bookmark do Del.icio.us Pgina do Del.icio.us Modelo de aplicao da netnografia Nuvem de tags B1 Nuvem de tags B5 Nuvem de tags B6 Dez tags mais utilizadas B1 Dez tags mais utilizadas B2 Dez tags mais utilizadas B3 Dez tags mais utilizadas B5 Dez tags mais utilizadas B6 Dez tags mais utilizadas B7 Tags sentimentais B1 Tags sentimentais B2 Tags sentimentais B5 Tags sentimentais B6 Tags sentimentais B7 Tags sentimentais B8 Tags que geram confuso B1 Tags que podem gerar confuso B2 Tags que podem gerar confuso B5 Tags que podem gerar confuso B6

16 32 35 36 53 54 55 59 64 65 66 68 69 69 70 71 72 73 74 74 75 75 76 77 79 79 80

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1

Caractersticas da linguagem natural e dos vocabulrios controlados 28 Sites que adotam a Folksonomia Agenda de entrevistas por e-mail Indexao dos bookmarks 41 61 84

Quadro 2 Quadro 3 Quadro 4

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SUMRIO

1 INTRODUO

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2 SITUANDO O FENMENO 2.1 OBJETIVO GERAL 2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

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3 INDEXAO: onde tudo comea... 3.1 LINGUAGENS DOCUMENTRIAS

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4 FOLKSONOMIA: percorrendo caminhos 4.1 VANTAGENS DA FOLKSONOMIA 4.2 CRTICAS A FOLKSONOMIA 4.3 QUEM UTILIZA FOLKSONOMIA

30 32 37 40

5 SOFTWARE SOCIAL

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6 ABORDAGEM METODOLGICA: um olhar etnogrfico 6.1 NETNOGRAFIA: definio e possibilidades prticas de aplicao 6.2 DEL.ICIO.US: o ambiente da pesquisa 6.3 INSTRUMENTOS DA COLETA DE DADOS 6.4 CONFIGURAO DA PESQUISA

46 49 52 56 58

7 O DESENHO NETNOGRFICO NO DEL.ICIO.US: anlise da pesquisa 7.1 O BIBLIOTECRIO REAL NO MEIO VIRTUAL 7.1.1 Analisando os Bookmarks 7.1.2 Top das tags 7.1.3 Tags sentimentais 7.1.4 Tags que podem gerar confuso 7.1.5 Os mesmos bookmarks indexado por vrios bibliotecrios

62 62 63 67 72 77 82

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8 GUISA DE (IN)CONCLUSO 8.1 O BIBLIOTECRIO NO DEL.ICIO.US REFERNCIAS

89 89 94

APNDICE

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1 INTRODUO

A cincia busca, essencialmente, desvendar e compreender a natureza e seus fenmenos, atravs de mtodos sistemticos e seguros. No entanto, face sua dinamicidade intrnseca sua prpria natureza, seus resultados so sempre provisrios. Isto , esses sistemas explicativos no tm carter permanente. Inserem-se num processo constante de investigao, o que faz da cincia uma instituio social, dinmica, contnua e cumulativa. A relao da cincia com a sociedade, determinar mutaes sociais e, ao mesmo tempo, recebe da sociedade impactos que a (re)orienta em busca de novos caminhos, que lhe possibilitam responder novas demandas e assumir novas prioridades. Surgindo ento, um novo paradigma que traz consigo uma nova viso cientfica, incorporando novos temas prioritrios, novas tcnicas e mtodos, novas teorias num ciclo contnuo e permanente, e mais do que isto, inesgotvel. Assim posto, nossa pesquisa esta dividida em oito sees. A segunda introduz o tema, justificando a relevncia da discusso e definindo com maior clareza a questo da pesquisa, apresentando os objetivos geral e especficos. A terceira, a quarta e a quinta seo apresentam a reviso de literatura, que aborda o papel da representao no processo de indexao e as linguagens documentrias como instrumentos desse processo; Introduz o tema Folksonomia explanando sobre seus conceitos, caractersticas, crticas e utilizao, haja vista constituir o tema escolhido para esta pesquisa; e por fim, explica-se o conceito e evoluo do software social como sendo uma ferramenta importante do processo da folksonomia. A sexta seo expe os procedimentos metodolgicos utilizados, definindo o tipo da pesquisa, o ambiente da pesquisa, a configurao da pesquisa e os instrumentos eleitos para realizar a coleta de dados. A stima seo composta pela anlise e discusso dos dados, apresentando os dados obtidos atravs do caminho metodolgico percorrido; e a oitava seo trata das consideraes finais acerca do tema.

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2 SITUANDO O FENMENO

Com o desenvolvimento das ferramentas tecnolgicas, principalmente aquelas promovidas pelo advento da Internet, emergem em nossa sociedade novas formas de relao, comunicao e organizao das atividades humanas. O crescimento do uso da Internet popularizou a linguagem hipertextual, cuja estrutura encaminha o leitor para outros textos atravs de associao de idias, virtualizando a relao escrita-leitura. Lvy (1999, p.113) argumenta que a chegada do digital [...] sistematizante e universalizante no apenas em si mesmo, mas tambm, em segundo plano, a servio de outros fenmenos tecno-sociais que tendem integrao mundial: finanas, comrcio, pesquisa cientfica, mdias, transportes, produo industrial etc.

Alm desses aspectos, as pesquisas e buscas de informao nas unidades de documentao, antes territorializadas, tambm foram tocadas profundamente pelas invenes tecnolgicas, que trouxeram outros modos de construo investigatria na Web, e, mais uma vez, originaram novos conceitos ou ressignificaram os antigos. Entre esses conceitos, destaca-se o de Folksonomia, introduzido por Thomas Vander Wal que criou a expresso acima para definir a forma como as pessoas identificam o mundo ao seu redor, atravs da indexao por tags (etiquetas). Esta oportunidade vem no bojo da Web 2.0, a Web Social que se diferencia de sua verso anterior (Web 1.0) medida que ela se distancia dos sites estticos, do uso de engenhos de busca e da navegao de um site para outro, em direo a uma web mais dinmica e interativa. OReilly (2005) diz que a Web 2.0 no tem limites rgidos, mas sim um ncleo gravitacional, j que encarada como uma plataforma, na qual os prprios usurios controlam seus dados. O que caracteriza essa nova fase da Web e a existncia de servios e no de pacotes fechados de software, sua arquitetura edificada sob a cooperao, os dados possuem origem remixvel e podem ser transformados. A caracterstica de cooperao da Web 2.0 no se manifesta somente com a criao do termo. Em 1999, bem antes de ouvirmos falar em Web 2.0, foram criadas

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as primeiras ferramentas de construo de blogs, o Blogger e o Groksoup, lanados pela Pyra. Em 2001, foi lanada a Wikipdia, enciclopdia online construda pelos prprios usurios da Web que tem plena liberdade de criar e editar os artigos. Logo, o impedimento que os usurios sofriam para publicar contedo na web foi sendo derrubado antes de se falar em Web 2.0, no entanto, inegvel que a Web 2.0 traz novas prticas para a Web, como por exemplo, a folksonomia, que altera os padres de representao e de recuperao da informao na Web. Na figura 1, h apenas alguns dos muitos cones que estamos habituados a encontrar quando navegamos na web. Servios de ferramentas colaborativas, geralmente gratuitos, que so utilizadas para comunicar, criar, editar, compartilhar, filtrar ou difundir contedos atravs da Internet.

Figura 1 Servios de ferramenta colaborativa Fonte: Pesquisa, 2008.

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A idia tambm pode ser verificada com a proliferao de sistemas capazes de gerenciar contedos digitais com o intuito de compartilhar informao que, neste contexto, pode ser entendida tanto como um recurso lgico (texto, imagem, udio e vdeo), viabilizado por aplicaes consagradas (Google Docs1, Flickr2, You Tube3, etc.), quanto como os dados que formam um perfil pessoal. Nesse caso, as aplicaes mais populares so o MySpace4, Facebook5 e Orkut6. Outras ferramentas que seguem esta mesma linha tornam possveis as prticas de novos conceitos, tais como a comunicao colaborativa (viabilizada pela aplicao Digg7) indicao social de stios favoritos ou (Del.icio.us8)

compartilhamento de arquivos de indexao (tagging), processo conhecido pelo nome de folksonomia, cuja caracterstica principal a criao de tags (etiquetas) a partir do vocabulrio comum utilizado pelas pessoas. Em outras palavras, uma maneira de classificar livremente as informaes disponveis na Web. Temos hoje um cenrio de configurao informacional online que permite ao usurio da informao ser ao mesmo tempo o seu autor, editor e indexador. Essa possibilidade de construo dinmica de contedos na Web desmembrou alguns pontos de partida de investigao da Cincia da Informao e de algumas reas afins. Conceitos como autoridade, instituio e comunidade usuria ficaram abstratos no contexto Web de produo e uso da informao. Percebemos nesse panorama que teramos ento, enquanto pesquisadores destas reas, que voltar nossas atenes aos sujeitos que agem na Web interferindo e produzindo os contedos. Acreditamos que, antes de pensarmos quaisquer metodologias de descrio, organizao ou representao de informao, teramos que entender o sujeito que a demanda e a produz. Somente compreendendo suas aes que pensamos poder

1 http://www.google.com/doc 2 http://www.flickr.com 3 http://www.youtube.com 4 http://www.myspace.com 5 http://www.facebook.com 6 http://www.orkut.com 7 http://www.digg.com 8 http://delicious.com

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entender as configuraes atuais da dinmica de construo, organizao e uso de contedos na Web. Diante do exposto, percebemos a importncia de estudar as estratgias de indexao utilizadas pelos bibliotecrios brasileiros dentro do contexto colaborativo que a Web 2.0 proporciona, analisando como tais sujeitos esto indexando seus contedos na web. Optamos por trabalhar com o software social Del.icio.us, em razo de seu pioneirismo na web em usar a folksonomia, atravs do qual o usurio pode associar qualquer palavra a determinado registro e depois recuperar a informao atravs das tags (etiqueta) que ele mesmo criou. Dessa forma, justifica-se a escolha do tema no s pela originalidade e pela atualidade, mas tambm pela possibilidade de fornecer valiosas informaes sobre como os bibliotecrios esto indexando seus contedos na web, pois os bibliotecrios, entre outros profissionais, tm em seu dia-a-dia a atividade de indexar e para isso, utilizam-se dos vrios instrumentos e linguagens documentrias desenvolvidas ao longo do tempo para agilizar seu trabalho, como as classificaes bibliogrficas - Classificao Decimal Universal -, os cabealhos de assunto, e os, mais modernos, tesauros. Portanto, desta observao origina-se a questo da pesquisa: Qual ser o comportamento de um bibliotecrio ao indexar um documento na web? Logo, acreditamos que esse estudo ir contribuir sobremaneira para as pesquisas emergentes em folksonomia. Alm disso, o resultado nos mostrar o bibliotecrio, sempre estudado em seu ambiente de trabalho, como um indivduo, ser social em interao com outros indivduos, um bibliotecrio em rede. Assim, dentro deste contexto foram delineados os seguintes objetivos para a elaborao da pesquisa:

2.1 OBJETIVO GERAL

Analisar diferenas e semelhanas nas estratgias de indexao dos bibliotecrios brasileiros no contexto colaborativo da Web 2.0.

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2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

Identificar as estratgias de indexao dos bibliotecrios no Del.icio.us; Identificar os principais instrumentos para indexao social utilizados pelos bibliotecrios; Identificar documentos eletrnicos que tenham sido indexados no Del.icio.us por no mnimo dois dos sujeitos da pesquisa; Comparar a indexao feita atravs de tags pelos diferentes sujeitos para o mesmo documento.

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3 INDEXAO: onde tudo comea...

Um dos grandes paradigmas da Cincia da Informao o paradigma da representao da informao e do conhecimento. Tal paradigma diz que a informao, para ser repassada, ou seja, recuperada, precisa ser representada. De acordo com Capurro (1991):(...) os seres humanos so conhecedores ou observadores de uma realidade alheia. O processo do conhecimento consiste de uma assimilao das coisas atravs das suas representaes na mente/crebro do objeto conhecido. Essas representaes, uma vez transformadas ou codificadas em nosso crebro, podem ento ser comunicadas a outras mentes e/ou armazenadas e processadas em mquinas (computadores). Os seres humanos so processadores da informao biolgica. Informao a dupla codificao da realidade. Os seres humanos podem usar as informaes para fins racionais especficos, mas nada fala contra a hiptese de que tambm mquinas podem alcanar este nvel de processamento de informao e utilizao.

Ingwersen (1992) coloca que, basicamente, h trs problemas para a recuperao da informao, trs paradigmas inter-relacionados e que tm base na representao. So eles: aboutness (sobre), representation (representao), relevance e evaluation (relevncia e avaliao). So paradigmas presentes desde o incio da Cincia da Informao. Aboutness diz respeito ao contedo do texto gerado por um autor. uma das principais atribuies da indexao. Um exemplo simples desse paradigma a indexao por extrao (LANCASTER, 2004), em que os termos de indexao so derivados do texto escrito pelo autor. Este um mtodo comum de indexao por linguagem natural. J o paradigma da representao, para Ingwersen (1992) pode ser tomado de duas formas: 1) um tipo formal chamado de dado bibliogrfico; 2) um tipo tpico relativo quilo do que o documento trata. Continua Ingwersen (1992):

O primeiro tipo contm fatos em relao gerao do texto (...). Por exemplo, nomes dos autores, dados de publicao, nmero de pginas, editor, ttulo, tipo do documento, etc. (...) so caracterizados por ter uma relao vaga, ou mesmo nenhuma relao, com aquilo que o texto trata. Tais atributos esto relacionados o que os objetos so ou tem de valores fsicos ou outros valores [externos]. O tipo de representao tpico ou

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conceitual e seus problemas (...) so a rea principal de estudos em recuperao da informao.

J a relevncia explicada por Ingwersen nas palavras de Rijsbergen (RIJSBERGEN apud INGWERSEN, 1992) [...] a medida ou grau de correspondncia ou utilidade existente entre um texto ou documento e uma consulta ou busca por informao feita por uma pessoa. a pessoa quem vai recuperar a informao. A partir do momento que essa consulta iniciada por uma pessoa, passa a haver uma srie de incertezas e formas, incluindo o fato, at comum, de que um documento indexado sob o termo X pode no conter em si este termo por causa de alguma falha de representao. Em Cincia da Informao e, de forma prtica, em Biblioteconomia, a Indexao se constitui em uma das formas mais importantes de representar informao. Indexar consiste no ato de identificar e descrever um documento de acordo com o seu assunto, e seu objetivo principal consiste em orientar o usurio sobre esse contedo intelectual, permitindo, dessa forma, a sua recuperao. Robredo e Cunha (1986 apud ARAJO JUNIOR, 2007), afirma que[...] a indexao o processo pelo qual se identificam os conceitos de que trata o documento, expressando-os na terminologia usada pelo autor (linguagem natural) ou com o apoio de vocbulos ou termos de significao unvoca ou, ainda, por meio de cdigos (linguagens documentrias, descritores, sistemas de classificao, etc.).

Para Arajo Junior (2007) A indexao como um processo de representao do contedo dos documentos um elemento fundamental para o processo de busca e recuperao da informao. Para Lancaster (2004, p.5) a indexao consiste em identificar o assunto de que trata um documento, ou seja,os termos atribudos por um indexador servem como pontos de acesso mediante os quais um item bibliogrfico localizado e recuperado, durante uma busca por assunto num ndice publicado ou numa base de dados legvel por computador.

Segundo Silva e Fujita (2004)A literatura da rea registra que a histria da indexao tem seu incio com a histria da bibliografia e que a indexao teve maior ateno a partir do

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surgimento das publicaes peridicas. Esse fato fez com que surgisse a necessidade de elaborao de uma tcnica para organizao por assunto do contedo desse tipo de publicao.

O ser humano, para se desenvolver, precisou aprender a indexar. A princpio, as listas davam conta no apenas dos pergaminhos de uma biblioteca, mas tambm do nmero de escravos, de cavalos, de pedras, de espadas e armaduras. Porm, no momento em que a indexao deixa de servir para fins de organizao de listas que ela passa a ter uma preocupao ainda maior, desta vez, com o contedo dos livros e, posteriormente, com o contedo dos documentos, ou, na viso de Le Coadic (2004), da informao registrada. Isso provocou, sem dvida, um avano na relao do ser humano com a informao. A indexao tambm conhecida como o processo de gerar ndices, e para Silva e Fujita (2004)No histrico da indexao, Collinson (1971) indica que o primeiro tipo de indexao existente era baseado na memria. Textos clebres, como as grandes epopias, por exemplo, eram transmitidos oralmente. Depois disso, os primeiros ndices de que se tm notcia eram arranjados pela primeira sentena de cada pargrafo.

Conforme nos mostra Fujita (2003):A indexao como ato de construir ndices prtica bastante antiga no tratamento de documentos. Basta sabermos que em "bibliotecas" da Antigidade j existiam listas dos documentos ali armazenados. Entretanto, a partir do momento que a ordenao dessas listas necessitou de uma organizao por assunto foram estabelecidas profundas mudanas na abordagem do ato mecnico de construir ndices, ou seja, introduziu-se um processo de anlise do contedo dos documentos.

A indexao pode ser realizada de forma manual e automatizada. Com relao ao processo manual de indexao, Lancaster (2004) argumenta que ele constitudo de duas etapas: Anlise Conceitual e Traduo. A anlise conceitual a etapa onde se decide o que trata o documento, isto , a identificao do(s) seu(s) assunto(s). Para essa anlise, preciso considerar o domnio no qual o documento est inserido, identificando as caractersticas especficas do campo de

conhecimento, sejam elas de ordem cultural, terminolgica, histricas e lingsticas (HJORLAND, 1992). O indexador raramente poder fazer uma leitura completa e estudo detalhado do item, devendo focar sua anlise em partes do documento que

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apresentem maior probabilidade de dizer o mximo acerca do contedo no menor tempo: o ttulo, o resumo, o resumo do autor e as concluses (LANCASTER, 2004, p.20). Com relao a esse procedimento, deve-se considerar: A abrangncia da indexao: exaustiva ou seletiva Segundo Lancaster (2004) quanto mais assuntos forem includos para cobrir o mbito de abrangncia do documento, mais exaustiva ser a indexao, e por outro lado, quanto menos assuntos forem includos para representar o mesmo contedo, mais seletiva ela ser. o que podemos chamar de revocao e preciso. Revocao a relao entre o nmero de documentos relevantes recuperados pelo sistema de informao e nmero total de documento relevantes contidos no sistema. Preciso a relao entre o nmero de documentos relevantes recuperados pelo sistema de informao e o nmero total de documentos recuperados. A profundidade da indexao: genrica ou especfica Segundo Piedade (1983) o nvel de profundidade da indexao determinado pela exatido com que os descritores ou smbolos de classificao utilizados permitem representar o assunto dos documentos. A etapa seguinte, a da Traduo, consiste na converso da anlise conceitual de um documento num determinado conjunto de termos de indexao, e essa transferncia tambm feita por extrao ou atribuio. Lancaster (2004, p.18) dizNa indexao por extrao, palavras ou expresses que realmente ocorrem no documento so selecionadas para representar seu contedo temtico. A indexao por atribuio envolve a atribuio de termos ao documento a partir de uma fonte que no o prprio documento. Os termos podem ser extrados da cabea do indexador.

Portanto, na etapa de Traduo, a indexao por extrao utiliza a linguagem natural, enquanto a indexao por atribuio utiliza uma linguagem artificial que controlada e codificada, ou tambm denominada de vocabulrio controlado. Tambm conhecida como linguagem documentria ou de indexao.

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Entretanto, a indexao manual vem se revelando inadequada para minimizar a subjetividade inerente indexao, alm de ser caracterizada como um processo relativamente moroso e caro. Vrios fatores podem ser apontados como causa deste problema, entre os quais destacamos: O conhecimento que o indexador tem sobre o assunto indexado determina o grau de consistncia atingido; Tem-se ainda, a dinamicidade do conhecimento, que exige do indexador permanente atualizao; Outro aspecto a considerar refere-se inconsistncia (diferentes indexadores atribuindo diferentes termos-ndice a um mesmo conceito/documento e o mesmo indexador atribuindo diferentes termosndice a um mesmo conceito/documento, em diferentes momentos); A possibilidade do indexador no dominar o idioma do documento tambm um fator que prejudica a qualidade da indexao. Todos os problemas enumerados impulsionaram as pesquisas no campo da indexao automtica, tornando-o bastante abordado pelos pesquisadores da Cincia da Informao. A indexao automtica segundo Robredo (2003, p.96) qualquer procedimento que permita identificar e selecionar os termos que representem o contedo dos documentos, sem a interveno direta do indexador. Para Vieira (1988) a indexao automtica de documentos aquela realizada diretamente por sistemas de computador que analisa o texto, reconhece e constri ndices para a recuperao do mesmo em pesquisas. A indexao automtica um conjunto de operaes, basicamente matemticas, lingsticas, de programao, destinadas somente a selecionar certos elementos de um documento sem modificar seu contedo. Na indexao automtica, a anlise de contedo no permeada pela interpretao de terceiros, pois os termos significativos so extrados do texto e ordenados pela sua freqncia de ocorrncia. Guimares (2000) apresenta o processo de indexao que envolve o uso do computador em trs conceitos: o uso de programas informticos que so suporte ao armazenamento dos termos de indexao obtidos pela anlise conceitual; o uso de sistemas que analisam documentos de forma automtica validando os termos com ajuda de um profissional; e a indexao automtica propriamente dita, aquela realizada pelos programas de computador sem nenhum tipo de validao por

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profissionais (SILVA; FUJITA, 2004). Para Silva e Fujita (2004) a indexao automtica tambm apresenta desvantagens, pois:Os problemas dos ndices automticos so que no representam os assuntos dos documentos da mesma forma que a indexao humana o faz. Isso se justifica pelo fato de que ainda se desconhece o processo mental de anlise de assunto envolvido durante o processo de indexao.

Como vimos, o processo de indexao implica na preparao de uma representao do contedo dos documentos, ela quem condiciona o valor de um sistema documentrio.

3.1 LINGUAGENS DOCUMENTRIAS

O desenvolvimento da indexao, especialmente aps a Segunda Guerra, obrigou a padronizao da indexao. No era, possvel que todos expressem seus conceitos em um idioma universal. Mas era necessrio que, ao menos, os mtodos utilizados para a obteno desses conceitos fossem utilizados da mesma maneira. Surgiram as linguagens documentrias. O que hoje conhecemos por Linguagem Documentria recebeu diversas denominaes no decorrer do tempo, de acordo com entendimento do conceito e de suas caractersticas. Dodebei (2002, p.40) esclarece:Segundo Wanderley (1973, p.176), as linguagens documentrias recebem denominaes diversas, tais como linguagens de indexao (melton, J.); linguagens descritoras (Vickery, B.); codificaes documentrias (Grolier, E.); linguagens de informao (Soergel); vocabulrios controlados (lancaster, F. W.); lista de assuntos autorizados (Montgomery, C.); e ainda, linguagens de recuperao da informao, linguagens de descrio da informao.

Conforme Silva e Fujita (2004):O conceito de indexao surgiu a partir da elaborao de ndices e atualmente est mais vinculada ao conceito de anlise de assunto. Com a evoluo da prtica, em decorrncia da necessidade de recuperao cada vez mais rpida, precisa e especializada por parte de instituies

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informacionais, a construo de ndices passou a contar com um aparato metodolgico e instrumental mais diversificado e muito mais voltado para o contexto de cada documento.

nesse momento que nasce as Linguagens Documentrias. Para Guimares (1990, p.89) as linguagens documentrias visam ao controle o vocabulrio e padronizao da linguagem no processo de busca. Os termos dessas linguagens no teriam em primeiro plano, o compromisso de serem fiis ao vocabulrio do usurio [...] mas uma fidelidade com o vocabulrio especializado. Tlamo et al (1992, p.197) afirma queAs linguagens documentrias so tradicionalmente consideradas instrumentos de controle terminolgico que atuam em dois nveis: a) na representao da informao obtida pela anlise e sntese de textos; b) na formulao de equaes de busca de informao.

Boccato e Fujita (2006, p.28) afirmam que A linguagem documentria enquanto veculo de comunicao deve representar os campos conceituais respeitando a cultura da comunidade qual a linguagem serve. Conforme Cintra et al (2002):Todas as LDs, entretanto, so utilizadas para representar o contedo dos textos, mas no os textos eles mesmos. A funo de representao deve ser entendida, neste contexto, como sendo de natureza eminentemente referencial: as unidades de uma LD devem ser utilizadas como ndices relativos a assuntos tratados nos textos, no tendo, portanto, a funo de substitu-los.

As linguagens documentrias so, pela sua prpria artificialidade, extremamente redutoras de significado e s podem cobrir conceitos de um domnio especfico do conhecimento humano, no havendo, portanto, linguagens

documentrias gerais. Elas fazem parte intrnseca dos sistemas de informao, afetando e sendo por eles afetada. Para Sales (2007)Linguagens documentrias so constitudas de elementos delimitados por um determinado contexto ou por uma determinada rea do conhecimento, melhor dizendo, so constitudas por termos. Com efeito, so subordinadas a uma terminologia, contextualizadas por um contedo documental ou por um domnio especfico do conhecimento. Porm, a sintaxe e a semntica (objetos da Lingstica) so fatores relevantes na construo das linguagens documentrias. Outra noo lingstica que pode ser utilizada

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para melhor pensar a essncia das linguagens documentrias (LD como sistema relacional de signos), a noo semiolgica de signos, significados e significantes, postulada por Ferdinand de Saussure e revisitada por Roland Barthes. A utilizao da Lingstica para o processo de anlise documentria data do incio da dcada de 1970, apesar de j ter sido esboado no final da dcada de 1950.

Uma vez que as linguagens documentrias podem ser definidas como controladas, normalizadas, utilizadas com fins classificatrios, Currs (1998) apresenta como exemplo de Linguagens Documentrias, os sistemas de classificao bibliogrfica, as listas de cabealhos de assuntos e os tesauros. Lancaster (2004, p. 19), explica[...] todas procuram apresentar os termos tanto alfabtica quanto sistematicamente. Nas classificaes, o arranjo alfabtico secundrio, na forma de um ndice que remete para o arranjo principal, que hierrquico. No tesauro, o arranjo explcito dos termos alfabtico, mas existe uma estrutura hierrquica implcita, incorporada lista alfabtica por meio de remissivas. A tradicional lista de cabealhos de assuntos similar ao tesauro por ser de base alfabtica, mas difere dele porque incorpora uma estrutura hierrquica imperfeita e por no distinguir claramente as relaes hierrquicas das associativas.

As Linguagens Documentrias so compostas por dois nveis de linguagem: a Linguagem Natural (LN) e a Linguagem Artificial (LA). Lopes (2002) ajuda a diferenciar linguagem natural de linguagem controlada:A linguagem natural (LN) pode ser definida como a linguagem do discurso tcnico-cientfico, e, no contexto da recuperao da informao, Lancaster (2004, p. 200) afirma que "a expresso normalmente se refere s palavras que ocorrem em textos impressos, considerando-se como seu sinnimo a expresso "texto livre". Nas bases de dados, os campos de ttulo e resumo registram os termos da LN, enquanto os campos de descritores, termos de indexao ou identificadores registram os termos da linguagem controlada (LC). Esta, denominada tambm vocabulrio controlado, pode ser definida como um conjunto limitado de termos autorizados para uso na indexao e busca de documentos.

Conforme Sayo (1996) as linguagens documentriasSo linguagens artificiais geralmente derivadas da linguagem natural. Essas linguagens so chamadas artificiais no sentido em que no resultam de processo evolutivo e necessitam de regras explcitas para seu uso. Normalmente as linguagens documentrias estabelecem uma relao unvoca entre o termo e o conceito, isto , entre o significante e o significado. Cada termo corresponde a um conceito do sistema de conceitos da rea especfica com que se est trabalhando. A construo dessas linguagens um processo complexo e longo.

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Uma das questes mais delicadas que dizem respeito s Linguagens Documentrias a compatibilizao entre estas e a linguagem natural dos documentos, uma vez que o sucesso da recuperao da informao depende da eficcia dessa relao. O quadro 1 mostra as caractersticas gerais da linguagem natural e dos vocabulrios controlados, aqui entendido como exemplo de Linguagem

Documentria. importante ressaltar que os atributos listados como caractersticas dos vocabulrios controlados no descrevem todos os vocabulrios controlados de igual maneira. Estes atributos so generalizaes (HARTER, 1986).

Linguagem NaturalMuito difcil executar buscas genricas

Vocabulrios Controlados

Relativamente fcil executar buscas genricas Permite uma variedade de pontos de Permite apenas alguns pontos de acesso acesso Problema com sinnimos Controle de sinnimos Problema com homgrafo Controle de homgrafos Altamente flexvel Altamente inflexvel Altamente representativa da realidade No muito representativo da realidade Representa (quaisquer) muitos pontos de Representa um nico ponto de vista vista

Linguagem NaturalRequer nenhum treinamento para ser utilizada Fcil de representar novos conceitos

Vocabulrios ControladosRequer treinamento

Difcil ou impossvel representar novos conceitos Fcil de representar conceitos complexos Difcil ou impossvel conceitos complexos Ambgua, fuzzy e brada Sem ambigidade, precisa e dura Sem padronizao Padroniza Liberdade de expresso Altamente restritiva liberdade de expresso No muito compacta Altamente compacta Indexao no necessria Problemas de inconsistncia na indexao Usurio precisa pensar seus prprios Termos adicionais sugeridos pela estrutura termos de busca de referncias cruzadas Alto grau de exaustividade Baixo grau de exaustividadeQuadro 1 Caractersticas da linguagem natural e dos vocabulrios controlados Fonte: Adaptado de Harter (1986, p.54)

As Linguagens Documentrias fazem o caminho inverso das linguagens naturais no que diz respeito informao e ao conhecimento. Enquanto na linguagem natural busca-se a informao para que seja possvel transform-la em

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conhecimento, nas Linguagens Documentrias busca-se transformar conhecimento em informao. Isso acontece porque os contedos dos documentos, para serem recuperados pelo usurio, necessitam ter os seus conceitos analisados e, ato contnuo, transformados em informao (cdigos, descritores etc.). Ancorando-nos em Cintra et al (2002) que afirmaTal como a LN (Linguagem Natural), as LDs (Linguagens Documentrias) so sistemas simblicos institudos que visam facilitar a comunicao. Sua funo comunicativa, entretanto, restrita a contextos documentrios, ou seja, as LDs devem tornar possvel a comunicao usurio-sistema.

Nos ltimos anos, com o crescimento do tratamento automatizado da informao e a diversidade de informaes em suportes variados a serem indexadas, tornou-se necessria a reflexo acerca da construo dos instrumentos de indexao que levem em considerao a dinmica expressa em outras linguagens. No entanto, se avanamos durante dcadas em busca do controle da indexao, estamos lidando nos ltimos anos com uma forma de indexao que, a princpio, contraria alguns dos princpios das linguagens documentrias. Esta oportunidade vem no bojo da Web 2.0, a Web Social, onde surge uma nova forma de representao, organizao e recuperao de informaes, e est quebrando um paradigma importante da Biblioteconomia: o do bibliotecrio como filtro da informao (ORTEGA Y GASSET, 2006). No so mais apenas os bibliotecrios que descrevem, rotulam, categorizam os documentos. Agora, qualquer usurio pode fazer isso. Estas ferramentas baseiam-se na folksonomia. Trata-se de um sistema de indexao social de informaes que permite a adio de tags (etiquetas) que descrevem o contedo dos documentos armazenados. Baseada na livre organizao, as tags so criadas pelos prprios usurios da web, que assim, de forma coletiva representam, organizam e recuperam os dados na Rede.

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4 FOLKSONOMIA: percorrendo caminhos

O surgimento da World Wide Web (ou simplesmente Web) tem causado uma revoluo, no s na rea da Cincia da Computao mas tambm em toda a sociedade contempornea. Hoje em dia, milhes de usurios publicam e tm acesso informao livremente na Internet atravs da Web, fazendo uso da rede com os mais diversos objetivos. Com o surgimento da Web 2.0, novos tipos de aplicaes que suportam publicao de materiais, do espao a trocas qualitativas realizadas entre pessoas. Primo (2006) aponta que nesta nova fase da Web os ambientes so criados com tecnologias que priorizam novas formas de publicao, compartilhamento e organizao de informaes. Para o autor, os aplicativos Web 2.0 [...] potencializam processos de trabalho coletivo, de troca afetiva, de produo e circulao de informaes, de construo social de conhecimento apoiada pela informtica (PRIMO, 2006, p. 2). Anterior a web 2.0, a[...] web era dominada pelos servios de diretrio. O exemplo mais bemsucedido foi o Yahoo!, que apesar de hoje ser um conjunto de servios em constante evoluo, iniciou suas operaes como um imenso catlogo de links, divididos de acordo com uma taxonomia prpria. Ao usurio comum ou outro produtor de informao cabia apenas solicitar ao servio a incluso de uma URL para seu site, porm seguindo a taxonomia do Yahoo!, que enquadrava o link em uma seo j definida. No era possvel, por exemplo, criar uma nova subseo dentro do sistema. Se o usurio criasse um site sobre um novo conceito inventado por ele, digamos, Sistemas colaborativos, era impossvel dizer ao Yahoo! algo como: Esta uma rea totalmente nova de pesquisas, portanto crie uma nova seo para ela e inclua meu link dentro desta categoria. O Yahoo! foi, nos seus primeiros anos, exclusivamente um sistema top-down. No Brasil, o site Cad? um exemplo semelhante. Alm das regras taxonmicas serem previamente definidas por seus mantenedores, outras caractersticas tpicas de um sistema que se estrutura de cima para baixo eram (e ainda so) observadas. Por exemplo: em uma determinada seo (servios de hospedagem), a ordem alfabtica dos links uma regra que pouco tem a ver com a relevncia para o usurio (LACERDA; VALENTE, 2007).

Em 1998, com o surgimento do mecanismo de busca Google, a emergncia na classificao das informaes obtm um avano. O Google, criado por Sergey Brin e Larry Page, na poca estudantes de Ph.D. da Universidade de Stanford, Califrnia (USA), adota um algoritmo denominado PageRank para dar relevncia

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aos resultados de uma busca, tendo como base a quantidade de links que apontam para cada pgina. Dessa forma, so os elementos do sistema que determinam a hierarquia dos links, e a popularizao do Google contribui para gerar uma estrutura do tipo bottom-up, ainda que restrita ao domnio do prprio servio. Em um perodo de menos de um ano, surgiram na Internet sistemas onde a participao do usurio bem maior do que simplesmente a produo do contedo. Nestes casos, o usurio tambm participa efetivamente na classificao das informaes, tendo o poder de influenciar no que apresentado como o mais importante, tanto para ele como para outros usurios com interesses em comum. A disseminao dessa forma colaborativa de classificao de informaes tal que alguns autores j sugerem numa nova revoluo dentro da prpria revoluo que a Internet representa. Fraser (2005), por exemplo, imagina que esses ambientes colaborativos baseados em folksonomias, esto ajudando a criar um novo idioma local para a web. Etnoclassificao, classificao cooperativa, indexao social, folksonomia, dentre tantas outras denominaes, por sua vez uma tcnica nova que vem causando grande agitao nas comunidades cientficas. Derivada do termo folk que significa pessoa, povo e taxonomia que siginifica o estudo da classificao das coisas, palavra folksonomia quer dizer classificao feita por pessoas. Acreditando que cada indivduo possui uma lgica ao classificar algo, Thomas Vander Wal criou a expresso acima para definir a forma como as pessoas identificam o mundo ao seu redor. Vander Wal (2007) conta que a idia no era nova:Eu sou f de sistemas de rotulagem e etiquetagem desde o fim dos anos 80 depois de ver um colega de trabalho fazer mgica com o Lotus Magellan (...) Nos anos 90, as pessoas podiam adicionar palavras-chave em documentos e objetos que eles enviavam para as bibliotecas de fruns da Compuserve e o operador do sistema tentava manter as palavras enquanto adicionava termos relevantes de um vocabulrio controlado. Entre 1999 e 2000 servios de etiquetagem, como o Bitzi vieram para a web e deram a oportunidade dos usurios contriburem com etiquetas e descries.

Embora o sistema de etiquetagem no seja algo novo, observa-se que na web social esta forma colaborativa de organizar contedos eletronicamente, est ganhando cada vez mais popularidade.

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4.1 VANTAGENS DA FOLKSONOMIA

Folksonomia tem como base a navegao social onde so exploradas as prprias preferncias do usurio para definir a relevncia dos contedos. Se por um lado, buscadores como Google utilizam algoritmos complexos para creditar relevncia a um determinado site, a navegao social utiliza um critrio humano simples e interessante: os prprios usurios escolhem ou votam em um contedo, segundo suas opinies pessoais. O conjunto de opinies ir refletir, naquele momento, a avaliao do contedo, sem, no entanto, encerrar as possibilidades de novas alteraes. Conforme nos mostra a figura 2:

Figura 2 Compartilhamento das tags entre usurios Fonte: Adaptado de Vanderlei, 2006

A idia por trs dessa nova forma de organizar as informaes do site bem simples: utiliza o sistema democrtico de tagging (etiquetagem/marcao) que reflete a opinio do pblico em geral sobre determinado objeto associado identificao das pessoas que fazem essa classificao, introduzindo uma abordagem distribuda, inovadora, baseada em uma classificao social (STURTZ, 2008).

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Ao invs de utilizar uma forma hierrquica e centralizada de categorizao de alguma coisa, o usurio escolhe palavras-chaves (conhecidas como tags) para classificar a informao ou partes de informao. Tag em ingls significa etiqueta, identificao. Taggear identificar, etiquetar alguma coisa. Para Vanderlei (2006, p.30)Essa abordagem produz resultados que refletem com mais exatido o modelo conceitual da populao sobre a informao, tornando a prpria comunidade responsvel pela classificao dos dados algo que seria impossvel at para um exrcito de bibliotecrios experientes, impreciso, se deixado a cargo de sistemas automatizados.

Em uma biblioteca tradicional, por exemplo, o tesauro (Linguagem Controlada) que vai determinar o uso deste ou daquele descritor, a fim de que seu entendimento seja favorvel ao contexto dos usurios da biblioteca. J em ambiente Web, o recurso informacional ao ser indexado, ser usado uma indexao livre, ou seja, em linguagem natural, no so adotadas regras e/ou polticas de indexao e nem o controle de vocabulrios. Os contedos so indexados livremente pelos usurios. Para Hassan (2006) a folksonomia representaria um novo modelo de indexao, no qual so os prprios usurios ou consumidores dos recursos que fazem sua descrio. A descrio de cada recurso se obteria por agregao, ou seja, um mesmo recurso seria indexado por numerosos usurios, dando como resultado uma descrio intersubjetiva e, portanto mais confivel que a realizada pelo autor do recurso e que includa por um profissional. A indexao social possvel por meio de tagging (etiquetao). Para Maness (2006)Tagging essencialmente habilita os usurios a criar cabealhos de assunto para o objeto que tiverem em mos[...] pois ela permite aos usurios adicionar e modificar no somente contedo(dados), mas o contedo que descreve o contedo (metadados).

acrescentando tags aos recursos que a comunidade constri a indexao social. Hassan (2006) adianta queOutra diferena da indexao social para a indexao individual que os recursos so indexados independentemente por vrias pessoas, e o resultado do processo ser mais exaustivo, quer dizer, sero colocados um

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maior nmero de termos de indexao diferentes para cada recurso. Ao ser mais exaustiva a indexao, mais consistente, minimizando o tradicional problema da inconsistncia na indexao profissional. Sem embargo, esta exaustividade no ser proporcional: haver recursos com muitas tags, e recursos com muito poucas tags.

O nome Indexao Social vem ganhando fora como equivalente a folksonomia. Grosso modo, enquanto a indexao propriamente dita a indexao feita por profissionais treinados que se utilizam de instrumentos prprios, como Tesauros e Vocabulrios Controlados, a indexao social uma indexao feita por pessoas comuns, que compartilham sua forma de olhar o mundo sempre que atribuem uma ou mais palavras-chave a um recurso web, e compartilham em algum ambiente. Esta indexao social, feita por indivduos, provoca questionamentos e reflexes sobre ser a folksonomia o ressurgimento da indexao manual, mas, desta vez, uma indexao manual com capacidade para superar a indexao controlada. Conforme Voz (2007)A popularidade da etiquetagem colaborativa na Web fez ressurgir o interesse na indexao manual. Os sistemas de tags tm incentivado os usurios a anotar os objetos digitais com palavras-chave livre a partilhar as suas anotaes. As tags so diretamente afetadas por qualquer pessoa que goste de participar (da indexao social). A visibilidade instantnea motivao e ajuda a instalar o mecanismo de feedback. Atravs do feedback os inconvenientes de indexao descontrolada so menos dramticos do que em sistemas anteriores e, assim, a fronteira entre indexao controlada e livre comea a borrar.

Segundo Vander Wal (2006) em folksonomia, deve-se ter trs elementos de dados distintos: a tag, pedaos de informao separados de um objeto, mas relacionados com ele; um claro entendimento do objeto que est sendo rotulado; e uma identidade da pessoa que est rotulando esse objeto. A figura 3 ilustra o funcionamento dessa abordagem, com indivduos indexando objetos, buscando por objetos rotulados no repositrio e por objetos indexados por determinado autor.

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Figura 3 Esquema de funcionamento da folksonomia Fonte: Adaptado de Vanderlei, 2006

Outra importante funcionalidade associada folksonomia o tag cloud (nuvem de etiquetas), que uma representao visual das tags mais usadas em um conjunto de informaes rotuladas. Normalmente, as tags mais usadas so representadas em fontes largas ou enfatizadas, enquanto a ordem geralmente alfabtica. Selecionando uma tag nica em uma tag cloud ir levar o indivduo a uma coleo de itens que esto associados com aquela tag.

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Figura 4 Tag Cloud Fonte: Pesquisa, 2008

Conforme nos assegura Catarino e Baptista (2007)Folksonomia o resultado da etiquetagem dos recursos da Web num ambiente social (compartilhado e aberto a outros) pelos prprios usurios da informao visando a sua recuperao. Destacam-se portanto trs fatores essenciais: 1) resultado de uma indexao livre do prprio usurio do recurso; 2) objetiva a recuperao a posteriori da informao e 3) desenvolvida num ambiente aberto que possibilita o compartilhamento e, at, em alguns casos, a sua construo conjunta.

Embora seja um fenmeno popular, ainda no so totalmente aparentes os benefcios que essa abordagem oferece. Porm, medida que parece ser efetiva em sistemas de busca como uma alternativa para organizar e recuperar informao, e que um grupo grande de pessoas est utilizando esses sistemas, postulado ser devido a alguns fatores importantes. Para Mathes (2004) so eles: - O custo total para usurios do sistema em termos de tempo e esforo so bem mais baixos do que em sistemas com esquema de categorizao e classificao hierrquica; - O uso nesses sistemas no apenas o de uma organizao pessoal, mas de comunicao e compartilhamento da informao; - Diminui as barreiras para a cooperao. Grupos de usurios no precisam concordar com uma hierarquia de tags; - Existe a tendncia do compartilhamento de objetos que foram rotulados pelos usurios com dos demais do sistema.

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Catarino e Baptista (2007)

Outra vantagem a possibilidade de formar, automaticamente, comunidades em torno de assuntos de interesse na medida em que, ao utilizar servios de folksonomia, o usurio tem acesso aos outros usurios que tm os mesmos interesses identificados atravs das etiquetas. Uma outra caracterstica que se destaca a de que no h uma regra preestabelecida de controle dos vocabulrios. Esta caracterstica pode ser vista como uma vantagem na medida em que os usurios dos recursos expressam, ao etiquetar estes contedos, a sua estrutura mental em relao quela informao: h uma liberdade de expresso que possibilita abarcar todas as formas de ver um mesmo contedo, respeitando as diferenas culturais, interpretativas, etc.

Talvez a mais importante fora de uma folksonomia que ela reflete diretamente o vocabulrio dos usurios e h, ainda, a vantagem de todos os recursos etiquetados estarem disponveis na Web e, portanto, acessveis de qualquer computador que esteja ligado Internet.

4.2 CRTICAS A FOLKSONOMIA

Alguns problemas, no entanto, iro surgir dessa indexao social. Pois cada usurio coloca uma tag com alguma motivao pessoal. De acordo com Caada (2006), existem 4 motivaes existentes ao se criar uma tag:

1. Tags egostas: so termos usados para que o prprio usurio que o criou possa encontrar o recurso novamente. Ela tem uma alta motivao para uso, pois para proveito prprio. 2. Tags amiguistas: so termos usados para um pequeno grupo de amigos ou grupo social. O usurio etiqueta um recurso para que seus amigos e companheiros de grupo possam encontrar os recursos. Tem uma motivao muito alta para uso, pois favorece grupos. Porm, no serve para grupos extensos ou heterogneos. 3. Tags altrustas: so termos usados para que os outros encontrem o recurso. o que feito na biblioteca, quando o bibliotecrio utiliza os termos mais comuns aos

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seus usurios. Ela tem motivao baixa de uso na web, pois no h um benefcio direto associado. 4. Tags populistas: so termos de apelo popular utilizados quando se quer que muitos usurios encontrem o recurso. Tem motivao alta, pois o retorno de acessos um benefcio.

Noruzi (2007) aponta alguns problemas da folksonomia, que so tambm problemas apontados na indexao. Plurais: partes do discurso e ortografia podem minar um sistema de codificao. Por exemplo, se as tags Gato e Gatos so distintas, ento uma consulta para um no vai recuperar ambos, a menos que o sistema inteligente tenha a capacidade de realizar tal substituio na busca. Polissemia: refere-se a uma palavra que tem dois ou mais significados semelhantes. "Poli" significa "muitos", e "semy" significa "sentidos". Essas ambigidades entre as tags podem surgir quando usurios usam a mesma tag em diferentes circunstncias. Exemplo: Ele um bom rapaz. (bom = generoso) Conseguimos um bom resultado. (bom = valioso) Sinonmia: diferentes palavras com significados semelhantes ou idnticos apresentam um maior problema para sistemas de codificao, porque inconsistncia entre os termos utilizados na codificao pode tornar muito difcil para um pesquisador ter certeza de que todos os itens relevantes foram encontrados. Exemplo: bonito/ lindo; fiel/ leal Profundidade (especificidade) da marcao: Especificidade significa o quanto o usurio pode ser especfico ao traduzir um conceito em tag. Recursos Web podem ser indexados com nveis variados de especificidade, a partir de temas muito amplos tomados apenas a partir do ttulo e resumo. A profundidade de "tags" referese a quantas etiquetas h em relao a um recurso da Web no sistema. Mas um grande problema da folksonomia que normalmente passa despercebido o seu individualismo. Pois, quando o usurio atribui uma tag a um contedo geralmente ele est pensando apenas em si prprio ou no grupo de pessoas prximo a eles. Por isso so comuns tags que apenas o prprio usurio e o

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grupo de pessoas com que se relaciona conseguem entender, o que denominamos de tags egostas. Prova disso que to read (para ler) uma das tags mais utilizadas no Del.icio.us. Nesses casos no existe por parte do usurio uma preocupao de que outras pessoas entendam suas tags. Aquino (2008):

Poderamos dizer que a folksonomia uma espcie de vocabulrio descontrolado. Isso no quer dizer que o esquema seja uma desordem total [...]. Na verdade, trata-se de um mecanismo de representao, organizao e recuperao de informaes que no feito por especialistas annimos, o que muitas vezes pode limitar a busca por no trazer determinadas palavras-chave, mas sim um modo onde os prprios indivduos que buscam informao na rede ficam livres para represent-la, organiz-la e recuperla, realizando estas aes com base no senso comum e tendo assim um novo leque de opes ao efetuar uma pesquisa para encontrar algum dado.

Para Aquino (2007) os sistemas criados por especialistas podem limitar a busca de informaes considerando que o indivduo deve utilizar, nestes casos, palavras-chave especficas. J a folksonomia, segundo a autora, permite que os prprios sujeitos que buscam informaes na Web possam registr-la, organiz-la e recuper-la, e realizam este processo baseando-se no senso comum. Diante do exposto Morville (2006, p. 139) afirma:Esquea tudo sobre ontologias e taxonomias. As folksonomias so o futuro. [...] Elas so uma forma fantstica para identificar tendncias e para revelar linhas de desejos. E como ferramentas de bookmarks pessoais, elas no so ruins para manter encontrveis as coisas que encontramos. Mas em se tratando de encontrabilidade, sua inabilidade para lidar com equivalncia, hierarquia e outras relaes semnticas fazem-nas falhar miseravelmente em qualquer escala significante. Se forado a escolher entre o novo e o velho, eu ficaria com a antiga rvore do conhecimento ao invs das folhas fugazes da popularidade de um dia qualquer.

Apesar das limitaes apresentadas, a folksonomia tem a capacidade de adaptar-se rapidamente a mudanas e necessidades do vocabulrio do usurio. No existe nenhum custo significativo para o usurio ou sistema adicionar novos termos folksonomia. O problema maior reside na grande multiplicidade de vocabulrios e termos, gerando volumes de dados irrelevantes para o usurio (MATHES, 2004). Portanto, para entender o fenmeno da folksonomia, preciso, em primeiro lugar, considerar que as pessoas so capazes de classificar e organizar informaes, ou seja, a tarefa de arquitetura da informao no privilgio de

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categorizadores profissionais; em segundo lugar, preciso aceitar que vocabulrios controlados no so aplicveis a qualquer domnio, como o caso das redes sociais, nas quais um nico vocabulrio controlado seria insuficiente e inadequado; terceiro, preciso perceber que a ordem pode emergir de baixo para cima, se propagando pelos lados, de grupo em grupo.

4.3 QUEM UTILIZA FOLKSONOMIA

A diferena entre folksonomia e outros esquemas de indexao fica aparente quando aplicada a uma coleo atual de informaes. Dois dos melhores exemplos conhecidos de folksonomia em ao so provavelmente Del.icio.us e o Flickr. Eles so classificados como software social, voltados para diferentes necessidades e perfis do usurio, mas a idia bsica simples: fazer pessoas compartilharem itens com tags associadas. Para Amstel (2007)

[...] preciso esclarecer que o Flickr se prope, primariamente, ao compartilhamento de fotos, enquanto o Del.icio.us, ao armazenamento de links. Embora ambos sirvam s duas atividades armazenamento e compartilhamento, uma delas preponderante sobre a estrutura de uso dos websites. No Del.icio.us, [...] as pessoas percebem o valor das etiquetas quando precisam recuperar links; j no Flickr, o valor aparece quando elas percebem que as etiquetas que elas atribuem afetam a encontrabilidade de suas fotos por outras pessoas.

Rosenfeld (2005) diz que os criadores do Flickr e do Del.icio.us conseguiram algo que os bibliotecrios nunca haviam feito: fazer com que os metadados funcionassem em colees de contedo dispersas e desconectadas. Entretanto, o resultado no se compararia ao obtido por um vocabulrio controlado administrado por profissionais. H tambm muitos servios em funcionamento que utilizam esses sistemas. Veja alguns exemplos mais representativos:

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Sites Amazon CiteULike

Recursos Loja virtual Links acadmicos: artigos, teses etc. Clipmarks Clips/notcias Connotea Informaes bibliogrficas Del.icio.us Coleo de links favoritos ESP Game Imagens Fiat 30 Anos Depoimentos sobre o produto e servios Flickr Fotos Frassle Blogs Furl Coleo de links favoritos Last.fm Msica LiveJournal Weblogs Odeo Msica Overmundo Produo cultural brasileira RawSugar Websites e blogs Simpy Websites e blogs Spurl.net Coleo de links favoritos Technorati Weblog Unalog Links favoritos Upcoming Eventos YahooPodcast Msica Yahoos My Links favoritos / bookmarks web 2.0 YouTube Vdeos Zoomcloud Formao de nuvem de tags e a insero em blogs ou sitesQuadro 2 Sites que adotam a Folksonomia Fonte: Adaptado de Catarino; Baptista (2007)

URL http://www.amazon.com/ http://citeulike.org http://clipmarks.com http://www.cnnotea.org http://del.icio.us http://www.espgame.org http://www.fiat30anos.com.br/ http://www.flickr.com http://www.frassle.org http://www.furl.net http://www.last.fm http://www.livejournal.com http://www.odeo.com http://www.overmundo.com.br http://www.rawsugar.com http://www.simpy.com http://www.spurl.com http://www.technorati.com http://unalog.com http://upcoming.org http://podcasts.yahoo.com http://myweb2.search.yahoo.com http://www.yaotube.com http://zoomclouds.egrupos.net

Todos esses sistemas citados provem um ambiente social e colaborativo, mas os sistemas de tags, tambm podem ser usados em ambientes organizacionais, em ferramentas de pesquisa acadmica, entre outras finalidades. Como vimos, a folksonomia traz uma nova forma de interagir com os artefatos digitais, com o sistema e com os usurios envolvidos. A folksonomia emergiu no cenrio do software social, permitindo que as pessoas compartilhassem entre si no apenas os objetos digitais, mas tambm seus pensamentos, reflexes, crticas, e suas formas individuais de indexar esses objetos.

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5 SOFTWARE SOCIAL

Com o desenvolvimento das ferramentas tecnolgicas, principalmente aquelas promovidas pelo advento da Internet, emergem em nossa sociedade novas formas de relao, comunicao e organizao das atividades humanas, entre elas, merecem destaque o estudo de software sociais. Dentre as diversas TICs existentes que configuram este cenrio, evidenciamse as ferramentas chamadas software de colaborao, ou ainda, software social, definido por Primo (2003, p.12) como sendo as tecnologias empregadas para a comunicao entre pessoas e grupos na Internet, visando comunicao e organizao da informao com suporte coordenao e cooperao. Dentre os diversos tipos de software social, citam-se os blogs, as listas de discusso, os fruns, os sites de relacionamento, os chats e outros dispositivos de interao sncrona ou assncrona diferenciados pela estrutura do grupo e autonomia do internauta que os utiliza. O software social tem desempenhado um papel importante na maneira como as pessoas interagem virtualmente, onde os usurios so os consumidores e os produtores de contedo online. O suporte dado interao estimula que pessoas com interesses semelhantes compartilhem diferentes idias. O software social pode contribuir tambm para o debate e negociao de diferenas. Alm disso, as possibilidades de publicao na Internet, acessveis a qualquer internauta, vm a ser o diferencial mais visvel do software social (PRIMO, 2006). Ao examinar os muitos termos utilizados para descrever 'social software' tambm podemos explorar as origens sociais do software em si, e ver como que existe um verdadeiro ciclo de vida relativo utilizao desta terminologia tcnica. Iniciamos nossa retrospectiva histrica em 1945, final da II Guerra Mundial, com a inveno do dispositivo MEMEX criao de Vannevar Bush, onde escreveu um artigo seminal sobre o futuro da computao relatando a forma de como poderamos pensar, o que hoje poderamos chamar o computador pessoal.

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O Memex foi projetado para organizar informao da maneira mais intuitiva possvel, com base no em gabinetes de arquivos ou auto-estradas, mas nos nossos hbitos usuais de pensamento seguindo pistas, fazendo conexes, abrindo trilhas de pensamento. Bush queria que o Memex correspondesse viso de mundo do usurio: as trilhas serpenteariam atravs de documentos de maneiras variadas, idiossincrticas, percorrendo o espao-informao como o usurio bem entendesse. No haveria duas trilhas exatamente iguais. A Web tornou grande parte da viso de Bush realidade, mas sua intuio central a necessidade de um instrumento para a abertura de trilhas continua irrealizada, pelo menos na Internet [grifo nosso] (JOHNSON, 2001, p. 91-92).

No sistema idealizado por Bush (1945), as trilhas abertas permaneceriam gravadas. Vale tambm lembrar que ele considerava a possibilidade do dono de um Memex oferecer a outro as trilhas registradas pelo primeiro. bem verdade, lembra Johnson (2001), que um internauta pode criar bookmarks em seu browser e at mesmo oferecer o arquivo dessa lista para outros amigos (um dos primeiros rituais da cultura da Web), mas estes no passam de extratos momentneos de uma cadeia de pensamento mais longa, como instantneos ou cartes-postais enviados para casa durante umas frias no exterior (p. 91). Em vista disso, as bookmarks no teriam maior conexo entre si. Continuamos nossa retrospectiva em 1962, com a criao do ARPA Advanced Research Projects Agency idealizado por J.C.R. Licklider que tinha uma viso bastante ampla de como a tecnologia poderia ser utilizada para facilitar pessoas a trabalharem mais prximas de outras pessoas. Ele vai alm da simples comunicao, procurando descrever mtodos de colaborao e mostrar como as pessoas funcionam trabalhando em grupos. No seu texto The Computer as a Communication Device, LickLider (1968 apud ALLEN, 2008) escreveu:Para apreciar a importncia que a nova comunicao apoiada em computador pode ter, pode-se considerar a dinmica da massa crtica, conforme ela se aplica cooperao em um esforo criativo. Pegue qualquer problema digno desse nome, e voc ir encontrar apenas umas poucas pessoas que podem contribuir efetivamente para sua soluo. Essas pessoas devem ser colocadas prximas, em uma parceria intelectual, ento suas idias podero entrar em contato umas com as outras. Mas coloque essas pessoas juntas fisicamente em um lugar para que formem uma equipe e voc ter um problema, a maioria das pessoas criativas nem sempre est nos melhores times, e no h posies top suficientes para agradar a todos. Deixe que eles faam suas partes separados, e cada um criar seu prprio imprio, grande ou pequeno, e devotaro mais tempo para a funo de imperador do que para o papel de solucionador de problemas. O principal ainda se juntar em encontros. Eles ainda visitam uns aos outros. Mas a escala de tempo de suas comunicaes aumentou, e

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as correlaes entre modelos mentais degeneraram entre encontros ento pode levar um ano para fazer o que se faria em uma semana. Tem que haver algum meio de facilitar a comunicao entre pessoas sem coloc-las juntas em um mesmo lugar.

Mas a ARPA ainda tinha Engelbart, que inspirado em Vannevar Bush, criou um elaborado sistema de hipermdia chamado NLS (oNLine System). Foi a primeira experincia bem sucedida com hipertexto, e foi aqui onde o mouse foi inventado. Para Engelbart, as tecnologias tem uma funo primordial: elas ampliam o intelecto humano (JOHNSON, 2001). Engelbart (1962 apud ALLEN, 2008), demonstra algumas de suas idias bsicas sobre essa ampliao:'Ampliar o intelecto humano' significa aumentar a capacidade de um homem na abordagem de uma situao de problema complexo, compreender [o problema] para se adequar a suas necessidades particulares, e para elaborar solues para os problemas. Aumento da capacidade, neste sentido, uma mistura do seguinte: mais-rpida compreenso, uma melhor compreenso, a possibilidade de ter um bom grau de compreenso, em uma situao que j era demasiado complexa, solues mais cleres, a melhor soluo, bem como a possibilidade de encontrar solues para problemas que antes pareciam insolveis. E por "situaes complexas", inclumos os problemas de diplomatas profissionais, executivos, cientistas sociais, bilogos, fsicos, advogados, designers - seja o problema uma situao de vinte minutos ou vinte anos. Ns no falamos dos truques isolados que ajudam na situaes particulares. Referimo-nos a um estilo de vida de um domnio integrado onde meras impresses, corte-e-tente, o intangiveis, e o humano "para se sentir uma situao utilmente co-existem com poderosos conceitos, terminologias e racionalizada notao, mtodos sofisticados, e de ajudas eletrnicas de alta potncia.

Nesse contexto, surge na dcada de 70 a Electronic Information Exchange System (EIES) Sistema Eletrnico de Intercmbio de Informao que foi fundado com capital de empresas como a IBM e a AT&T e Agncias Governamentais como a New Jersey Commission of Science and Technology. EIES foi a primeira implementao de software colaborativo. Em 1978, surge o termo Groupware, definido como processos intencionais de um grupo + software para suport-los. Este termo foi utilizado muito, especialmente por trazer os processos do grupo, que envolve o relacionamento entre pessoas, antes do software. Outras definies para Groupware so de Engelbart, Um sistema de co-envolvimento da ferramenta-humana e de David Coleman, Colaborao mediada por computador que aumenta a produtividade ou funcionalidade dos processos de pessoa-a-pessoa (ALLEN, 2008).

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Na dcada de 80 surge o termo Computer-Supported Collaborative Work (CSCW) - Trabalho colaborativo apoiado por computador -, para tentar abarcar melhor todas as ferramentas que eram usadas para o trabalho cooperativo. No incio da dcada de 90 o termo Groupware ainda tinha fora, devido ao sucesso do livro Groupware: Computer Support for Business Teams, de Roberta Johansen, em 1988. No entanto, a Internet tambm se iniciava e o termo no era muito agradvel, pois no representava a revoluo que estava por vir. A primeira meno ao termo social software encontrada data de 1990. Depois disso, o termo s foi usado em 1992, por Ted Nelson e Phil Salin (Xanadu e AMIX, respectivamente), usado para expor o que o hipertexto representava (ALLEN, 2008) A partir do ano 2000, o termo Social software passou a ser usado com mais freqncia e ganhou definies melhores e mais adequadas aos tempos atuais. Segundo Allen (2008) o pesquisador Clay Shirkyuisador, definiu

primeiramente social software como: 1. Software social trata trades de pessoas diferentemente de pares. 2. Software social trata grupos como objetos de primeira-classe no sistema. Porm, recentemente ele preferiu simplificar, e ento definiu da forma com a qual melhor concordamos, software social um software que d suporte interao do grupo (ALLEN, 2008). A palavra interao, em nossa viso, vai alm da idia de um software que permite o trabalho de grupo, em que vrias pessoas fazem vrias atividades ao mesmo tempo. Num software social as pessoas alm dessas atividades, interagem entre si, trocam textos, arquivos, conversam por udio e vdeo, acrescentam informaes e metadados aos arquivos dos outros. , realmente, um ambiente social.

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6 ABORDAGEM METODOLGICA: um olhar etnogrfico

A etimologia da palavra etnografia remete ao grego thnos que refere raa, a povo e nao, j a palavra grafia entendida como o uso da linguagem enquanto comunicao escrita, ou seja, a etnografia seria a descrio de todas as manifestaes de um povo, como crenas, organizao social, lngua, cultura e outras (HOUAISS, 2001). A etnografia uma metodologia de pesquisa originria da antropologia e est intimamente relacionada com o conceito de cultura. Sua origem remonta-se a fins de sculo XIX e comeo do sculo XX, e embora os trabalhos iniciais, fossem em alguns aspectos divergentes do que hoje se considera um estudo etnogrfico, sua essncia permanece: o estudo cultural atravs de uma imerso profunda no grupo sendo estudado. A Etnografia pode ser entendida de duas maneiras: como um conjunto de tcnicas de coleta de dados sobre os valores, os hbitos, as crenas, as prticas e os comportamentos de um determinado grupo social e como um relato escrito resultante do emprego dessas tcnicas (ANDR; LUDKE, 1995). Neste sentido, a Etnografia a prtica da abordagem antropolgica. O que implica dizer, como afirma Geertz, que a Antropologia (o estudo do homem) construda atravs da Pesquisa Etnogrfica. Esta pesquisa se volta para redescobrir e revelar no cotidiano social, certas racionalidades que no so percebidas facilmente, mas que esto relacionadas ao contexto scio-cultural onde so produzidas. Esta redescoberta exige um contato direto entre pesquisador e pesquisado no espao ou contexto que se quer conhecer, analisar e interpretar (AQUINO, 2001). Geertz (1989) afirma que a etnografia uma cincia interpretativa, pois que o homem enquanto criador da cultura constri e reconstri os significados e estes esto sujeitos interpretao. Etnografia , portanto uma viso da cultura, que para Geertz (1989) no uma Cincia experimental em busca de leis, mas uma Cincia Interpretativa procura do significado. Para o autor a Cultura fornece o vnculo entre o que os homens so intrinsecamente capazes de se tornar e o que cada um efetivamente se torna.

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O conceito de cultura tem seu impacto no conceito de homem. Quando vista como um conjunto de mecanismos simblicos para controle do comportamento, fontes de informao extra-somticas, a cultura fornece o vnculo entre o que os homens so intrinsecamente capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam, um por um. Tornar-se humano tornar-se individual, e ns nos tornarmos individuais sob a direo dos padres culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direo s nossas vidas (GEERTZ,1989, p. 64).

no percurso do homem que se pode conhecer, embora difusamente, sua natureza. A cultura um dos elementos que estabelece esse caminho. Dessa forma, a cultura nos moldou como espcie nica e continua nos moldando, ela tambm nos modela como indivduos separados. Como assevera Geertz (1989), necessrio conhecer as particularidades tanto das diversas culturas quanto dos diferentes tipos de sujeitos em seu contexto. Nesse contexto direto, o trabalho da Etnografia procura revelar a cultura do Outro, ou seja, interpretar as representaes e as prticas sociais dos diferentes grupos humanos. Aqueles que, por distncia geogrfica ou diversidade de experincias sociais e individuais, agem segundo uma racionalidade prpria, envolvendo um processo de internao especfico, de relaes que refletem valores, smbolos e significados oriundos das diferentes instncias socializadoras. Assim, o principal objetivo do estudo Etnogrfico a construo de uma verso possvel sobre determinada cultura atravs da compreenso da (...) dinmica, da lgica de produo de sentido, representao e ao (OUCHI, 2000, p.79). A pesquisa etnogrfica um mtodo antigo que vem atravessando sculos e sendo aplicado nas mais diversas reas do conhecimento. Inicialmente, possua carter histrico, restringindo-se investigao da cultura de civilizaes exticas por meio da anlise dos instrumentos que elas produziam, os quais eram obtidos por viajantes e analisado pelos at ento denominados etngrafos. Realizar uma pesquisa etnogrfica consiste, em suma, em observar, estabelecer relaes, selecionar informantes, manter um dirio, dentre outras atividades. A etnografia exige que o pesquisador saiba ver realmente tudo que est sua volta. Ver, no sentido etnogrfico, vai alm da viso propriamente dita, alcana o mbito de perceber o ambiente e as interaes com todos os sentidos e apreendlo nas diversas dimenses possveis. Segundo Geertz (1989, p.20)

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[...] fazer etnografia como tentar ler um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerncias, emendas suspeitas e comentrios tendenciosos, escrito no com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitrios de comportamento modelado.

O poder da etnografia descansa tambm em cima do conceito da cultura e do uso dessa idia como um princpio organizador que propicia uma melhor compreenso do comportamento humano. A tarefa principal da etnografia prestar ateno no somente na experincia humana, mas tambm em como decodific-la, para descobrir os sentidos subjacentes atrs do comportamento e compreender sentimentos e intenes a fim de deduzir implicaes lgicas para as decises estratgicas (MARIAMPOLSKI, 1999). Ouchi (2000) define a etnografia como um mtodo de pesquisa que busca captar valores culturais de um determinado grupo, atravs do ponto de vista do prprio grupo. Desta forma o estudo de uma sociedade a partir das suas especificidades, analisando principalmente as suas regras informais, aquilo que a transforma num conjunto de grupos com caractersticas distintas. Atkinson et al (2001) consideram, no entanto, que o campo da etnografia vasto e difuso, portanto no possvel defini-la de forma clara e nica. Os autores consideram que gerar uma lista definitiva das principais caractersticas da etnografia como mtodo de pesquisa social violentar as complexidades da pesquisa e de seu desenvolvimento histrico. De acordo com S Marques (2007), para a etnografia do pensamento:O obstculo maior a dificuldade em fazer com que pessoas que vivem em mundos diferentes possam influenciar-se reciprocamente de uma forma genuna. Se verdade que existe uma conscincia coletiva, e que esta consiste numa interao de uma multiplicidade desordenada de perspectivas nem sempre comensurveis, a vitalidade dessa conscincia coletiva depender, ento, de que sejam criadas condies para que essa interao possa ocorrer.

Geertz parte de Max Weber e de sua concepo de cultura no codificvel mas interpenetrvel, para dizer que o homem um animal suspenso em teias de significados que ele mesmo tece ao longo de sua existncia social e histrica. So essas teias que definem a cultura e sua anlise no deve se constituir numa cincia experimental em busca de leis, mas numa cincia interpretativa em busca de significados para os sujeitos da ao.

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[...] no como complexo de padres concretos de comportamentos costumes, usos, tradies, feixes de hbitos -, mas como um conjunto de mecanismos de controle - planos, receitas, regras, instrues, programas e pr-programas - para governar o comportamento. O homem precisamente o animal mais dependente de tais mecanismos de controle, extragenticos, fora da pele, de tais programas culturais, para ordenar seu comportamento. (GEERTZ, 1997)

A web, teia em ingls, traz tambm essa mesma concepo, na qual vrias culturas se fundem em um mesmo espao, criando uma cultura deste espao, em que interesses comuns renem indivduos de diferentes raas, credos, naes. Ainda quando os interesses comuns esto envoltos em raas, credos e naes, a virtualidade permite que indivduos faam parte dessa cultura sem a ela pertencerem. Logo, tornou-se premente o uso e aplicao de metodologias de pesquisa que permitam capturar a essncia dos fenmenos presentes no mesmo. Porm, a aplicao de metodologias de pesquisa j existentes, principalmente de carter qualitativo como a etnografia, no pode ser realizada de forma automtica sem adaptaes e anlise das possibilidades e os limites de tal adaptao para a pesquisa efetuada na web.

6.1 NETNOGRAFIA: definio e possibilidades prticas de aplicao

O termo netnografia ou etnografia virtual foi cunhado por Robert V. Kozinets (2002). Trata-se de uma descrio escrita resultante do trabalho de campo que estuda as culturas e comunidades on-line emergentes, mediadas por computador, ou comunicaes baseadas na Internet, onde tanto o trabalho de campo como a descrio textual so metodologicamente conduzidas pelas tradies e tcnicas da antropologia cultural. De acordo com Hine (2005, p.8)[...]nosso conhecimento da Internet como um contexto cultural est intrinsecamente ligado com a aplicao da etnografia. O mtodo e o fenmeno definem o outro em um relacionamento de mtua dependncia. O contexto on-line definido como um contexto cultural pela demonstrao de que a etnografia pode ser aplicada a ele. Se ns podemos estar confiantes de que a etnografia pode ser aplicada com sucesso em contexto on-line

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ento ns podemos ficar seguros de que estes so, realmente, contextos culturais, uma vez que a etnografia um mtodo para atender a cultura.

Quanto s questes metodolgicas Schneider e Foot (2005) interpretam que h uma natureza de co-produo da web nas aes on-line, que podem ser exploradas examinando-se objetos da web, como textos, matrias, sites e links para outros sites, ainda que a pesquisa deva combinar esses dados com dados offline (entrevistas pessoais, entrevistas de grupo, telefonemas, etc.). Com a emergncia de novos gneros textuais a partir da tecnologia digital, principalmente a Internet, vrios pesquisadores em diversas reas iniciaram, na dcada de 90, investigaes neste contexto, analisando as caractersticas da atividade comunicativa que emergem atravs o meio eletrnico, seja de forma sncrona ou assncrona. Segundo Cunha (2007)

No Brasil destacam-se, entre outros, Braga (1999), com o carter hbrido da escrita na internet; Hilgert (2000) com as marcas da fala na escrita das salas de bate-papo; Paiva (2001) com a aprendizagem da segunda lngua no ambiente virtual; Xavier (2002) com a anlise do hipertexto; Arajo (2003) com chat e Marcuschi (2005) no estudo dos gneros emergentes da tecnologia digital.

Para Marcuschi e Xavier (2004) o estudo de uma etnografia virtual de grande relevncia para entender os hbitos sociais e lingsticos das novas tribos da imensa rede mundial, que vm se avolumando e diversificando a cada dia. Para Sherry e Kozinets (2000) a netnografia diz respeito a fuso de tcnicas etnogrficas estabelecidas e inovadoras, adaptadas ao estudo naturalista de comunidades virtuais, e a sua reapresentao da pesquisa, procurando obter experincias profundas da sociabilidade digital. Para Kozinets (2002) a maior vantagem da Netnografia se baseia no fato de que, comparada com a etnografia tradicional, ela de longe a que consome menos tempo e elaborao. Um outro contraste com a etnografia tradicional que a Netnografia capaz de ser conduzida de uma maneira que seja inteiramente no invasiva (ou pelo menos no necessita ser). Comparado com os grupos de foco e as entrevistas pessoais, a Netnografia menos importuna e tambm pode fornecer a informao de uma maneira mais acessvel e oportuna do que grupos de foco e

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entrevistas pessoais. Entre as limitaes da Netnografia encontra-se a necessidade de uma habilidade mais interpretativa do investigador e a falta dos identificadores das informaes atuais no contexto on-line, o que dificulta a generalizao dos resultados encontrados em um determinado grupo fora da amostra on-line da comunidade. J para Braga (2006) a etnografia virtual um mtodo que foge das implicaes da cultura-centrismo que surge por meio da aplicao de modelos normativos no estudo de comunidades. A etnografia virtual , assim, um estudo das interaes on-line, pois permite que o tema que est sendo estudado seja respondido no momento em que os processos e interaes estejam ocorrendo. Para Kozinets (2002) a netnografia realizada atravs da combinao entre a participao e observao das comunidades pesquisadas e que as notas de campo das experincias no ciberespao devem ser agregadas aos artefatos da cultura ou comunidade, tais como downloads, e-mails, imagens e arquivos de udio e vdeo. O autor prope que a netnografia pode ser empregada em trs momentos: como ferramenta metodolgica para estudar comunidades virtuais puras; comunidades virtuais derivadas e como ferramenta exploratria para diversos assuntos. medida que a netnografia utiliza os discursos textuais como base, necessrio manter o foco no na anlise da pessoa, mas sim no comportamento ou ato. Neste aspecto, a netnografia apresenta elementos que utilizados na pesquisa do ciberespao analisar o comportamento dos usurios nas ferramentas que so livres, criadas a partir do conceito e dos padres individuais como forma de expresso nica. De fato, observar o comportamento do internauta, suas preferncias de navegao, caminhos escolhidos para realizar pesquisas, sites favoritos e formas de interao, nos dar importantes pistas para a construo de ferramentas eficazes no desenvolvimento de tcnicas para aplicar a folksonomia de maneira eficaz. Kozinets (2002) estabelece algumas vantagens que a netnografia oferece frente etnografia, so: 1) a primeira pode ser conduzida de forma mais rpida que a segunda; 2) menos dispendiosa, na medida em que resume a material textual e escrito;

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3) menos subjetiva, na medida em que possvel ter registros de vrios tipos de materiais. Como desvantagem, destaca sua concentrao na linguagem textual pelo fato de estar sendo rapidamente superada devido s novas ferramentas de comunicao sncronas e assncronas disponveis no ciberespao. Observamos que o termo etnografia no ciberespao cunhado em vrios estudos e pesquisas e que, o termo mais recorrente o de etnografia virtual, principalmente pelos tericos da rea da comunicao. J os pesquisadores da rea de marketing digital preferem trabalhar com o conceito de netnografia, conceito que tambm adotamos para este estudo. Neste sentido, percebemos que os textos sobre netnografia so orientados para estudos da web de forma ampla. A tcnica de netnografia neste caso ser aplicada no software social Delicious ou Del.icio.us.

6.2 DEL.ICIO.US: o ambiente da pesquisa

um sistema de tagging colaborativo para organizar pginas web o qual seu criador, Joshua Schachter, chama de Social Bookmarks Manager Weinberger (2007) conta queJoshua Schachter, o criador do Del.icio.us tinha uma coleo de 20.000 links guardados num arquivo de texto cuidadosamente acrescidos de etiquetas, a partir das quais Schachter buscava no arquivo e recuperava os links. Para compartilhar estes links com os amigos, Schachter construiu um website chamado Muxway. Ao perceber que seus amigos tambm tinham encontrado links interessantes, Schachter abriu o Muxway para as contribuies dos amigos. Em 2003, Schachter aproveitou sua experincia com o Muxway e lanou o Del.icio.us. Schachter descreve seu sistema como um amplificador da memria, que permite ao usurio guardar as urls relevantes que encontra navegando pela Web, compartilhar com os amigos e descobrir outros links interessantes que pessoas desconhecidas classificaram com as mesmas etiquetas.

Del.icio.us considerado social por que, no apenas uma pessoa pode ver seu prprio bookmark, mas tambm ver todos os demais do sistema (GOLDER; HUBERMAN, 2007). O principal uso do Del.icio.us armazenar seus bookmarks online o que

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permite voc acessar os mesmos bookmarks de qualquer computador e adicionar bookmarks de qualquer lugar, tambm. No Del.icio.us, voc pode usar tags para organizar e lembrar seus bookmarks, o que um sistema muito mais flexvel do que pastas. Voc tambm pode usar o Del.icio.us para ver links interessantes que seus amigos e outras pessoas tenham como bookmarks, e dividi-los como retorno. A interao dos usurios com o sistema pode ser resumida de acordo com a figura 5

Figura 5: Contexto social do Del.icio.us Fonte: Adaptao de Amstel, 2007.

Conforme nos assegura Aquino (2008) o usurio do del.icio.us que insere o bookmark e cria ou usa uma tag para etiquet-lo, mas o sistema auxilia o usurio ao intercon