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Revista Campus, Paripiranga, v.2, n.3, julho, 2009. ISSN: 1984-4476 - SEÇÃO: ARTIGOS SILVA, G. O. S.. Habitus e ação reflexiva: aproximações e divergências em Bourdieu e Giddens. Revista Campus, Paripiranga, v.2, n.3, p.61-21, 2009. 61 Recebido em 20/06/2009; Aprovado em 29/07/2009. HABITUS E AÇÃO REFLEXIVA: APROXIMAÇÕES E DIVERGÊNCIAS EM BOURDIEU E GIDDENS Grasiela Oliveira Santana da Silva 1 RESUMO O artigo apresenta uma reflexão acerca das semelhanças e diferenças existentes entre as teorias de dois grandes sociólogos, Pierre Bourdieu e Anthony Giddens. Para concretizar tal finalidade, nos dedicamos à compreensão de dois conceitos por eles construídos, habitus (Bourdieu) e ação reflexiva (Giddens). Essas teorias assemelham-se quando cada um desses autores, partindo de suas compreensões sociológicas, elaboram pressupostos que buscam romper com a dicotomia subjetivismo-objetivismo que durante um longo tempo embasaram a compreensão e o estudo da Sociologia. Tanto Bourdieu quanto Giddens atribuem uma grande importância à ação dos agentes na continuidade ou transformação das estruturas, porém eles estabelecem uma compreensão diferenciada quanto às condições de concretização dessas ações dentro da estrutura social. O que pudemos apreender é que Giddens dá mais importância às ações dos agentes e suas influências sobre a estrutura; Bourdieu, por sua vez, dá mais ênfase em como a estrutura é internalizada em forma de habitus por esses agentes. PALAVRAS-CHAVE: Habitus; Campo; Estruturação; Ação reflexiva. HABITUS AND REFLEXIVE ACTION: DIFFERENCES IN APPROACHES AND BOURDIEU AND GIDDENS ABSTRACT The article presents a discussion about the similarities and differences between the two great theories of sociologists, Pierre Bourdieu and Anthony Giddens. To achieve this purpose, dedicate ourselves to understanding the two concepts they constructed, habitus (Bourdieu) and reflexive action (Giddens). These theories are similar when each of these authors, from their sociological understandings, develop assumptions that seek to break the subjectivism-objectivism dichotomy which for a long time based understanding and study of sociology. Both Bourdieu as Giddens attach great importance to the action of agents in the continuity or transformation of structures, but they provide a different understanding as to the conditions of implementation of these actions within the social structure. What we learn is that He gives more weight to the actions of agents and their influence on the structure, Bourdieu, in turn, gives more emphasis on how the structure is internalized in the form of habitus by these agents. KEYWORDS: Habitus; Field; Structure; Reflexive action. 1 Lattes: http://lattes.cnpq.br/3634942982458597 . E-mail: [email protected]

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Revista Campus, Paripiranga, v.2, n.3, julho, 2009. ISSN: 1984-4476 - SEÇÃO: ARTIGOS SILVA, G. O. S.. Habitus e ação reflexiva: aproximações e divergências em Bourdieu e Giddens. Revista Campus, Paripiranga, v.2, n.3, p.61-21, 2009.

61 Recebido em 20/06/2009; Aprovado em 29/07/2009.

HABITUS E AÇÃO REFLEXIVA: APROXIMAÇÕES E DIVERGÊNCIAS EM BOURDIEU E GIDDENS

Grasiela Oliveira Santana da Silva1

RESUMO O artigo apresenta uma reflexão acerca das semelhanças e diferenças existentes entre as teorias de dois grandes sociólogos, Pierre Bourdieu e Anthony Giddens. Para concretizar tal finalidade, nos dedicamos à compreensão de dois conceitos por eles construídos, habitus (Bourdieu) e ação reflexiva (Giddens). Essas teorias assemelham-se quando cada um desses autores, partindo de suas compreensões sociológicas, elaboram pressupostos que buscam romper com a dicotomia subjetivismo-objetivismo que durante um longo tempo embasaram a compreensão e o estudo da Sociologia. Tanto Bourdieu quanto Giddens atribuem uma grande importância à ação dos agentes na continuidade ou transformação das estruturas, porém eles estabelecem uma compreensão diferenciada quanto às condições de concretização dessas ações dentro da estrutura social. O que pudemos apreender é que Giddens dá mais importância às ações dos agentes e suas influências sobre a estrutura; Bourdieu, por sua vez, dá mais ênfase em como a estrutura é internalizada em forma de habitus por esses agentes. PALAVRAS-CHAVE: Habitus; Campo; Estruturação; Ação reflexiva.

HABITUS AND REFLEXIVE ACTION: DIFFERENCES IN APPROACHES AND BOURDIEU AND GIDDENS

ABSTRACT The article presents a discussion about the similarities and differences between the two great theories of sociologists, Pierre Bourdieu and Anthony Giddens. To achieve this purpose, dedicate ourselves to understanding the two concepts they constructed, habitus (Bourdieu) and reflexive action (Giddens). These theories are similar when each of these authors, from their sociological understandings, develop assumptions that seek to break the subjectivism-objectivism dichotomy which for a long time based understanding and study of sociology. Both Bourdieu as Giddens attach great importance to the action of agents in the continuity or transformation of structures, but they provide a different understanding as to the conditions of implementation of these actions within the social structure. What we learn is that He gives more weight to the actions of agents and their influence on the structure, Bourdieu, in turn, gives more emphasis on how the structure is internalized in the form of habitus by these agents. KEYWORDS: Habitus; Field; Structure; Reflexive action.

1 Lattes: http://lattes.cnpq.br/3634942982458597. E-mail: [email protected]

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SILVA, G. O. S.

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INTRODUÇÃO

A história da sociologia é fruto de transformações econômicas, políticas e culturais

que ocorreram a partir do século XIX e que acabou conferindo novas formas de se pensar

a vida em sociedade. Estudos realizados por autores renomados buscam analisar as

relações entre indivíduos e sociedade. Nesse artigo, faremos uma análise das teorias de

Giddens e Bourdieu, onde inicialmente apresentaremos as ideias de cada um, para em

seguida estabelecermos um diálogo entre eles, buscando analisar em quais pontos eles

convergem e divergem ao construir as noções sobre indivíduo, sociedade e estrutura.

Este artigo torna-se de grande relevância à medida que propõe apresentar uma

exegese da vida social estabelecida por Bourdieu e Giddens, voltando o olhar para a

forma como cada um deles analisa a relação entre indivíduos e sociedade. A ruptura da

dicotomia subjetivismo/objetivismo fundamentada nas suas teorias busca mostrar a ação

social em constante processo de estruturação e reestruturação. O indivíduo existe e não é

apenas reflexo das estruturas, ele também as reproduz a partir das suas experiências.

Percorrer tal caminho nos situará na discussão proposta em suas obras de superar as

distorções e reducionismos associados ao subjetivismo e objetivismo.

REVISÃO TEÓRICA

A teoria de Pierre Bourdieu Sociólogo contemporâneo bastante lido e comentado no âmbito das ciências

humanas, o francês Pierre Bourdieu construiu o seu trabalho englobando uma variedade

de temas e objetos de estudos. Através de suas obras ele focou a sua análise nos

fenômenos sociais tanto na perspectiva estrutural quanto na relação entre os agentes

dominantes e dominados.

Posto isto, evidencia-se que Bourdieu buscava romper com a dicotomia entre o

subjetivismo (compreensão da ordem social a partir da ação humana) e o objetivismo (a

ordem social é vista como uma realidade externa e independente da ação humana); já

que a edificação de um em detrimento do outro estaria conduzindo para uma

interpretação equivocada da realidade social.

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Ele distancia-se, portanto, do imperialismo de um subjetivismo ou de um

objetivismo através de uma teoria que ele denominou de habitus, [...] sistema das disposições socialmente construídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agente (BOURDIEU, 1992, p. 191).

Vale ressaltar que o conceito de habitus não é novo, ele já havia sido utilizado

anteriormente por muitos outros pensadores como Hegel, Husserl, Weber, Durkheim e

Mauss. Entretanto, Bourdieu afirma que todos eles refletiram sobre tal conceito de forma

semelhante ao estabelecerem uma mesma intenção teórica: [...] quer se trate de romper como em Hegel, que emprega também, com a mesma função, noções como hexis, ethos, etc., com o dualismo kantiano e reintroduzir as disposições permanentes que são constitutivas da moral realizada(Sittlichkeit) [...] ou que, como em Husserl, a noção de habitus e diversos conceitos vizinhos, como Habitualität, marquem a tentativa de sair da filosofia da consciência, ou ainda que, como em Mauss, se trate de explicar o funcionamento sistemático do corpo socializado (BOURDIEU, 2004, p. 25).

Aproveitando as contribuições de Panofsky (BOURDIEU, 2004) acerca da sua

reflexão sobre o pensamento escolástico, Bourdieu posiciona-se contra a orientação

mecanicista de Saussure e do estruturalismo. O seu conceito de habitus foi construído

como uma teoria capaz de romper com o paradigma estruturalista, uma maneira de

escapar da alternativa do estruturalismo sem sujeito e da filosofia do sujeito; seria uma

maneira de reintroduzir os agentes na estrutura social que tanto essas teorias tendiam a

abolir e a transformá-los em meros fenômenos da estrutura. A teoria de Bourdieu

(habitus) procura evitar que a sociologia veja as ações e percepções dos sujeitos como

independentes ou como uma execução mecânica a partir dos determinismos estruturais.

Em O Poder Simbólico (1989) Bourdieu posiciona-se contrário a três tradições

filosóficas e sociológicas que refletem sobre as produções simbólicas. A primeira tradição

considera os sistemas simbólicos como estruturas estruturantes, “nesta tradição idealista,

a objetividade do sentido do mundo define-se pela concordância das subjetividades

estruturantes” (BOURDIEU, 1989, p. 8). A segunda vê os sistemas simbólicos como

estruturas estruturadas, os símbolos são instrumentos de integração social que permitem

a obtenção de conhecimento e comunicação, e dessa forma, possibilitam a aquisição de

um consenso sobre o sentido do mundo social e contribuí para a reprodução da ordem

social. A terceira tradição concebe os sistemas simbólicos como formas de dominação,

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isto é, como um instrumento capaz de legitimar o poder de dominação de uma

determinada classe.

Considerando a compreensão de Bourdieu acerca dessas tradições, apreende-se

que os sistemas simbólicos são estruturas estruturantes porque são estruturadas; e que

essas estruturas também estão presentes nas ações dos indivíduos e exercem grande

influência nas distinções e hierarquias de poder existentes na sociedade.

O habitus seria, portanto, uma forma de estabelecer uma mediação entre a

estrutura e a prática, ou seja, as práticas sociais estariam associadas à forma como os

indivíduos percebem o mundo, elas são construídas a partir da posição em que ocupam

na estrutura social. O sujeito ao assumir uma determinada posição nessa estrutura

vivencia experiências que contribuirão para a construção da sua subjetividade e

orientarão suas ações ulteriores. Bourdieu diz que o espaço social é construído de tal modo que os agentes ou os grupos são aí distribuídos em função de sua posição nas distribuições estatísticas de acordo com os dois princípios de diferenciação [...] o capital econômico e o capital cultural (BOURDIEU, 1997, p. 19).

Ele compreende que o espaço social organiza-se de acordo com três dimensões:

os agentes se distribuem no espaço social de acordo com o seu volume global de capital

possuído; de acordo com o peso que o capital econômico e cultural adquire no conjunto

do seu patrimônio; e por fim, de acordo com a evolução no tempo, do volume e da

estrutura de seu capital (BOURDIEU, 1997).

Outro conceito edificado por Bourdieu e que estabelece uma relação de

interdependência com o habitus, é o de campo; esses dois conceitos encontram-se

intercalados, o campo estrutura o habitus e este por sua vez, constitui o campo.

Esse campo seria espaços sociais onde as atividades humanas acontecem tendo

como fator determinante o seu capital acumulado, onde estão incluídos os capitais

simbólico, cultural, econômico e social. Cada campo pode ser caracterizado como um

local de disputa onde estão presentes a classificação e a hierarquização dos indivíduos,

oriundos de uma divisão desigual de poder.

As diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses e imporem o campo das tomadas de posição ideológicas

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reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições sociais (BOURDIEU, 1989, p. 11).

Segundo Bourdieu (1997), é possível representar a estrutura social através do

modo como os agentes se distribuem em relação a dois eixos transversais: o eixo vertical

que representa o volume global do capital e o eixo horizontal, que corresponde ao peso

que cada capital possui no capital global. Os capitais que mais exercem influência sobre

essa distribuição dos agentes no espaço social são o econômico e o cultural. Bourdieu

(1997) ao dar o exemplo do matrimônio afirma que as pessoas situadas no espaço mais

alto têm pouca probabilidade de casar-se com pessoas situadas embaixo; e isso se deve

à dificuldade de um dia se encontrarem fisicamente e complementa dizendo que, se isso

chegar a acontecer dificilmente elas se entenderão, pelo simples fato de não estarem

próximas no espaço social.

No campo a distribuição de capital se dá de forma desigual e isso tende a aflorar

um conflito entre os grupos dominantes na tentativa, cada vez mais, de defender os seus

privilégios e interesses diante dos demais indivíduos e grupos. O que determina esses

interesses e privilégios é o capital, que seria todo tipo de recurso e de poder do qual os

agentes se apropriam para manifestar em um espaço social. Além do capital econômico

(riqueza, patrimônio) e do capital cultural (os saberes e conhecimentos adquiridos ao

longo da sua trajetória de vida), existem também o capital social (as relações sociais) e o

capital simbólico (o reconhecimento social através do prestígio e da honra), sendo este

último uma fusão dos demais.

Apreende-se, portanto, que os agentes ocupariam posições diferenciadas na

estrutura social em função do volume e da natureza dos recursos que os mesmos

adquiriram ao longo da trajetória de sua vida.

A cada classe de posições corresponde uma classe de habitus (ou de gostos) produzidos pelos condicionamentos sociais associados à condição correspondente e, pela intermediação desses habitus e de suas capacidades geradoras, um conjunto sistemáticos de bens e de propriedades vinculadas entre si por uma afinidade de estilo (BOURDIEU, 1997, p. 21).

Os agentes dominantes, portanto, estão estruturados no poder do capital

econômico e através dele procuram impor a sua superioridade e dominação sobre os

demais indivíduos, esses agentes apropriam-se de uma ideologia do discurso que impõe

uma ordem estabelecida como natural; essa é uma imposição mascarada que faz com

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que as camadas menos favorecidas (os agentes dominados) introduzam em suas mentes

estruturas sociais objetivamente (BOURDIEU, 1997)

O poder cultural também é uma forma de reproduzir e legitimar as hierarquias

sociais, é uma ferramenta de divisão entre grupos, entre dominantes e dominados. Esse

poder estabelece uma distinção dos indivíduos de acordo com o bem cultural que eles

produzem. Assim, nota-se que o termo capital cultural é utilizado como uma analogia ao

capital econômico.

Através do habitus o sujeito incorpora valores que o faz pertencer a uma específica

classe social e ocupar uma determinada posição dentro da estrutura social, ou seja, os

indivíduos agem como integrantes de uma classe muitas vezes sem ter consciência que a

sua atitude traz traços da sua posição social. Todavia, esse espaço social é dinâmico à

medida que os agentes sociais estariam em constante disputa, buscando manter ou

elevar a sua posição na hierarquia social.

O interior de cada campo é marcado pela movimentação e pelas lutas que os

agentes estabelecem tendo como intuito a manutenção ou modificação das relações de

forças e da distribuição dos diversos capitais; assim, as disposições que orientam essas

ações têm uma capacidade geradora, ou seja, o sujeito tanto está inserido na estrutura

quanto desempenha o papel estruturante de um campo. Percebemos, portanto, que a

ação humana está fundamentada na relação entre um habitus e um campo, isto é, a

conduta da sua ação é impulsionada por uma subjetividade socialmente construída.

A teoria De Anthony Giddens

Sociólogo de grande influência no estudo da sociologia e da teoria social, Giddens

foi um dos primeiros autores que se propôs a buscar compreender o desenvolvimento da

modernidade e as conseqüências que tal evento trouxe para a sociedade como um todo.

Portanto, torna-se de crucial relevância discutir duas noções centrais das suas obras: a

noção de modernidade e de reflexividade.

Segundo Giddens, uma sociedade tradicional é aquela que se encontra encaixada

no tempo e no espaço, ou seja, o cálculo do tempo e a coordenação do espaço

constituíam a base da vida cotidiana. Nessas sociedades o homem estabelecia relação

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direta com a natureza através da agricultura, o seu tempo era cíclico porque se baseava

nas estações do ano e a idéia de espaço era fixa. Logo, fica evidente que o homem

tradicional encontrava-se encaixado em comunidades locais.

A transição da sociedade tradicional para o que ele chama de sociedade pós-

tradicional foi marcada por um acontecimento importante, a inversão do relógio. Tal

inversão fez com que o tempo perdesse a sua característica cíclica e adquirisse outras,

tornando-se social e artificial. O tempo passa agora a ser linear e universal e as distâncias

passaram a diminuir. Tal evento acabou “desencaixando” o indivíduo de sua identidade

fixa no tempo e no espaço, ou seja, essa idéia fixa de tempo e espaço vão sendo

gradualmente destruídas em prol de um “tempo universal”.

Para que seja possível o entendimento do que é uma ordem pós-tradicional é

necessário levar em consideração duas questões: o que é tradição e quais as

características de uma sociedade tradicional. Giddens diz que tradição unifica as ordens

sociais pré-modernas, [...] é uma orientação para o passado, de tal forma que o passado tem uma pesada influência ou, mais precisamente, é constituído para ter uma pesada influência sobre o presente [...] também diz respeito ao futuro, pois as práticas estabelecidas são utilizadas como uma maneira de se organizar o tempo futuro (GIDDENS, 1997, p.80).

Assim, percebemos que o passado e as práticas simbólicas são capazes de

propagar experiências entre as gerações e que, portanto também está vinculada ao

futuro. O ritual é um mecanismo através do qual a memória coletiva vai sendo preservada

e perpetuada, caracterizando-se como possuidora de uma “verdade formular”. Essa

verdade é uma particularidade marcante dos guardiães da tradição, possuidores de uma

linguagem ritual “[...] da qual não faz sentido discordar nem contradizer – e por isso

contém um meio poderoso de redução de possibilidade de dissenção” (GIDDENS, 1997,

p. 83). É notório que esses guardiães são tidos como os detentores do saber e como

capazes de garantir a propagação das tradições.

A tradição era considerada como fonte de autoridade nas sociedades, pois

perpassava muitos aspectos da vida social e seus guardiães ocupavam um lugar

privilegiado na ordem tradicional por terem acesso a uma verdade formular, ou seja, por

serem vistos como pessoas detentoras de um saber repositório da tradição.

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Vale ressaltar que a religião também dispunha de certa autoridade nas sociedades

tradicionais. Embora nelas também existissem os céticos, os magos e os feiticeiros que

divergiam da ordem ortodoxa, a autoridade do sistema religioso prevalecia dentre os

demais. As autoridades religiosas cultivavam nos homens a sensação de estarem

cercados de ameaça e perigo e de serem vistas como as únicas capazes de controlar

essas ameaças. “A força das formas pré-modernas de autoridade quase poderia ser

entendida como uma reação à imprevisibilidade da vida diária e ao número de influências

percebidas como fora do controle dos homens” (GIDDENS, 2002, p.180).

A separação tempo-espaço influenciou na construção da modernidade ao trazer

consigo mecanismos de uma forma de organização racionalizada; retirou dos indivíduos a

noção estreita de tempo e espaço. À medida que esse distanciamento vai se instaurando,

edifica-se o mecanismo de desencaixe e a reflexividade.

Com o mecanismo de desencaixe o indivíduo deixa de ter uma compreensão de

tempo-espaço fixo, as relações sociais não se encontram mais delimitadas a um contexto

local, elas adquirem expansões indefinidas. Giddens (2002) diz que essas mudanças não

extinguiram a vida em comunidade local, pelo contrário, ela ainda existe; mas a

modernidade gera mudanças na forma de se viver no mundo à medida que a vida local

passa a ser influenciada pelos fenômenos globais.

Entretanto, esse novo mundo que se apresenta alimenta no indivíduo um

sentimento de impotência e insegurança com relação ao universo amplo e alheio, já que

nas sociedades tradicionais ele tinha pleno controle sobre as influências que davam forma

à sua vida.

O surgimento da modernidade está associado intrinsecamente aos processos de

globalização. As transformações intensas da globalização afetam cada vez mais a vida

individual e a constituição do "eu”. De acordo com Giddens (1992) a globalização é

primordialmente a transformação do tempo, do espaço, das experiências locais, enfim, um

conjunto de fatores que influenciam nas transformações das condições básicas da vida

social. Assim, percebe-se que essa globalização não se resume a um sistema que é

capaz de abarcar o todo, mas é também o aqui e agora, ou seja, um fenômeno que afeta

as experiências pessoais de cada um.

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A globalização, portanto, permite estabelecer uma relação entre envolvimentos

locais (caracterizados pela co-presença) e através da distância (conexões de presença e

ausência). “Poucas pessoas, em qualquer lugar do mundo, podem continuar sem

consciência do fato de que atividades locais são influenciadas, e às vezes até

determinadas, por acontecimentos ou organismos distantes” (GIDDENS, 1997, p. 74).

Assim, as ações cotidianas de um indivíduo são capazes de influenciar nas

conseqüências globais, assim como as ordens globais exercem influência sobre a vida

individual.

Partindo dessa influência dialética entre agentes sociais e estrutura, que

compreende que os agentes sociais tanto são condicionados pelo meio, como também,

através de suas ações têm a capacidade de transformá-lo, iremos nos dedicar à análise

do que ele denominou de estruturação.

Através da edificação da sua estruturação, Giddens chama a atenção para duas

dimensões: estrutura e ação. Através dessa teoria ele propõe um equilíbrio entre a

subjetividade e a objetividade, e dessa forma procura romper com a dualidade de que a

estrutura sobressai sobre a ação do indivíduo, ou que a ação deste se sobressai sobre as

estruturas; se for dado ênfase a um ou a outro estaremos conduzindo ao objetivismo ou

ao subjetivismo.

A teoria da estruturação de Giddens propõe uma ruptura com essa polaridade,

reverenciando tanto a ação dos indivíduos quanto os elementos dos sistemas sociais.

Giddens (2003) critica tanto o estruturalismo quanto o funcionalismo por compartilharem

de um ponto de vista naturalístico e se apropriarem de uma visão objetivista; bem como, a

hermenêutica e a sociologia interpretativa que ao contrário, concede primazia à ação, à

conduta humana e, portanto à subjetividade. “Se as sociologias interpretativas se

assentam, por assim dizer, num imperialismo do sujeito, o funcionalismo e o

estruturalismo, por outro lado, propõem um imperialismo do objeto social” (GIDDENS,

2003, p. 2). O objetivo de Giddens com a edificação da sua teoria da estruturação é,

portanto, romper com esses imperialismos.

A modernidade traz consigo as conseqüências do processo de globalização e os

riscos que acabam influenciando nos aspectos mais pessoais, mas por outro lado também

possibilita o desenvolvimento da reflexividade. Vale ressaltar que esses riscos que

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passam a fazer parte do cenário das sociedades contemporâneas são produtos da ação

do homem sobre a natureza e os modos sociais, assim, os riscos são criados pela

própria intervenção humana no mundo em que vive.

Giddens (1997) diz que quando a natureza é invadida e destruída pela

sociabilização e quando a tradição é dissolvida, adentramos numa situação de riscos. Nas

sociedades tradicionais a natureza permanecia como externa ao homem e exercia

domínio sobre ele, hoje a natureza é produto da ação humana, da sua tomada de

decisão. As armas nucleares, a degradação do meio ambiente, por exemplo, colocam

toda a sociedade numa situação de risco e instaura uma ordem mais humana que natural.

A natureza está assim, suscetível às influencias da modernidade e traz conseqüências

desestabilizadoras [...] ela alimenta um clima geral de incerteza que o indivíduo acha perturbador por mais que trate de removê-lo da linha de frente de suas preocupações; e inevitavelmente expõe todos a uma diversidade de situações de crise de maior ou menor importância, situações essas que podem algumas vezes ameaçar o próprio centro de auto-identidade (GIDDENS, 2002, p.171).

Não foi somente a natureza que sofreu a influência da ação dos homens, o corpo e

os processos fisiológicos também. Um exemplo citado por Giddens (1997) são as

mudanças no processo reprodutivo, já que com a modernidade vieram os métodos de

contracepção, a fertilização in vitro e o transplante de embriões; todas essas modificações

possibilitam uma mistura dos efeitos de destradicionalização (reorganização da cultura) e

da tecnologia.

Ele concebe a modernidade como uma grande experiência, cujos acontecimentos

vão surgindo à medida que o indivíduo, enquanto agente humano pratica as suas ações

(GIDDENS, 1997). Não podemos evitar os seus resultados e não podemos fugir desses

experimentos. Assim, percebe-se que a experiência da modernidade traz consigo vários

perigos globais; o mundo social passou a ser organizado de maneira consciente, mas

trazem incertezas com relação aos seus impactos.

A modernidade produz no indivíduo uma sensação de insegurança e ansiedade,

mas também traz consigo a reflexividade, possibilitando-o pensar e repensar nas suas

ações e nas dos outros; ela “[...] deve ser entendida não meramente como ‘auto-

consciência’, mas como o caráter monitorado do fluxo contínuo da vida social” (GIDDENS,

2003, p.3). A reflexividade é dessa forma, caracterizada pelo uso constante do

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conhecimento sobre as contingências da vida social, sendo capaz de promover sua

organização e a transformação.

Percebe-se que a modernização reflexiva emergiu com as mudanças sociais e que,

portanto, está associada à capacidade que o indivíduo tem agir e enfrentar os inúmeros

riscos aos quais está exposto e construir oportunidades de desenvolver formas

autônomas de vida humana. No mundo moderno o indivíduo se depara com uma

diversidade de contextos que possibilita formas diferentes de comportamento e interação

apropriados, é uma forma de ajustamento da apresentação do eu a uma determinada

demanda da situação. Schutz afirma que “[...] os atores empregam esquemas

simbolizados (fórmulas) no decorrer de suas atividades diárias para resolver

rotineiramente as situações da vida social” (GIDDENS, 2003, p. 26).

A modernidade reflexiva gera uma segurança ontológica, ou seja, em meio a toda

essa sensação de insegurança, ela faz emergir um novo ambiente de confiança. Nas

sociedades pré-modernas a confiança era estabelecida através de laços pessoais, nas

sociedades pós-tradicionais novas possibilidades se apresentam, e com elas novas

formas de comportamento e de inserção no mundo. Os indivíduos começam a sentir a

necessidade de desenvolver ações que sejam capazes de trazer novamente a sensação

de segurança, a confiança passa a ser restaurada através do que ele denomina de

sistemas abstratos (as fichas simbólicas e os sistemas de peritos).

[...] em circunstâncias normais, o indivíduo está relativamente protegido de questões que de outra maneira se colocariam como questões perturbadoras. De outro, quando acontecem momentos decisivos ou outros tipos de crises pessoais, a sensação de segurança ontológica provavelmente sofre tensão imediata (GIDDENS, 2002, p.171).

Assim, cabe aos sistemas abstratos nutrir essa segurança cotidiana, uma

segurança no sentido da existência, de previsibilidade, de confiança no sentido de

reciprocidade e de garantia das relações sociais.

A relação pura é uma ambiente-chave para construir o projeto reflexivo do eu, pois tanto permite quanto requer a auto-compreensão organizada e contínua – o meio de assegurar um laço duradouro com o outro (GIDDENS, 2002, p. 172).

As ações do sujeito, estruturadas no diálogo e no respeito, constituem uma

verdadeira democracia da vida privada, que por sua vez abrirá espaço para uma

democracia da vida pública. Para Giddens (2002), em uma sociedade reflexiva, as

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identidades são preservadas e as pessoas tornam-se solidárias e abertas para um

relacionamento puro, baseado na confiança e no respeito, e assim, a construção de um

espaço privado mais democrático auxilia numa democratização pública.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Convergências e divergências entre o conceito de habitus de Bourdieu e a ação reflexiva de Giddens

Após realizada essa síntese acerca dos conceitos-chave que encontram-se

presentes na teoria de Giddens e Bourdieu, iremos agora apresentar alguns pontos onde

essas teorias convergem e divergem, analisando especificamente o conceito de habitus

(Bourdieu) e a ação reflexiva (Giddens). Para que a concretização desse diálogo seja

possível, torna-se necessário estarmos sempre nos reportando às análises que foram

desenvolvidas na construção desse trabalho.

Tanto a teoria de Giddens quanto a de Bourdieu foram construídas com o propósito

de superar a exclusão recíproca objetivismo-subjetivismo e por analisarem a ação social

como um processo que se encontra em constante estruturação e reestruturação. São

autores que compartilham de idéias semelhantes acerca da relação entre indivíduo,

sociedade e estrutura; entretanto, cada um segue caminhos distintos na compreensão de

tal relação.

Giddens propõe uma integração entre ação e estrutura através do que ele

denominou de estruturação, no sentido de que nenhum deles adquire primazia sobre o

outro; a estrutura deve ser pensada em termos de recursividade social, ou seja, ela está

vinculada à ação dos indivíduos. Para ele, “[...] o momento da produção da ação é

também um momento de reprodução nos contextos do desempenho cotidiano da vida

social [...]” (GIDDENS, 2003, p. 31). Sendo assim, percebe-se que ação e estrutura

mutuamente se influenciam, pois é na conduta cotidiana dos indivíduos que a sociedade é

moldada e transformada.

Bourdieu desenvolveu o conceito de habitus, e através deste procurou mostrar que

a incorporação do indivíduo por uma determinada estrutura influencia no seu modo de

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agir e pensar, e, inconscientemente, ele acaba reproduzindo-a. O habitus funciona,

portanto, como um fator estruturante que influencia nas percepções, apreciações e ações

dos indivíduos.

O habitus é, como pudemos constatar no decorrer do trabalho, estrutura mental

que influenciam na interiorização de percepções, ações e concepções de mundo de

membros de um mesmo grupo. Através desse habitus os indivíduos acabam

incorporando, inconscientemente, as estruturas imanentes de um mundo, ou seja, de um

campo; e que influenciam na sua percepção do mundo e na ação que poderá desenvolver

nesse mundo. A lógica do campo no qual estamos inseridos faz com que

inconscientemente interiorizemos visões de mundo, e assumamos condutas regulares

que nos permitam prever práticas futuras em conformidade com a experiência presente,

“[...] é o que permite gerar uma infinidade de ‘lances’ adaptados à infinidade de situações

possíveis [...]” (BOURDIEU, 2004, p. 21).

Portanto, o que se apreende é que as estruturas não devem ser vistas como algo

exterior ao sujeito, mas sim como subjacente a ele. Giddens e Bourdieu ao analisar a

relação entre indivíduo e sociedade atribuem uma grande importância à ação dos agentes

na continuidade ou transformação das estruturas; compreendendo a sua capacidade

reflexiva na busca pela aquisição da liberdade, mesmo tendo a sua vida inteiramente

influenciada pela existência de normas.

Entretanto, podemos perceber que existe uma diferença significativa entre

Bourdieu e Giddens quanto à aquisição da liberdade por parte do indivíduo, já que a sua

capacidade reflexiva desenvolve-se em meio à existência de normas e valores

socialmente construídos. Os indivíduos têm a capacidade de desenvolver os seus

potencias no decorrer da sua vida, mas a ação da sua autonomia obedece, e é limitada,

pela regularidade da conduta; contudo, o procedimento dessa ação não é extremamente

rígida já que existem possibilidades de adquirir uma atuação “autônoma”.

Em Giddens notamos que o indivíduo apresenta uma capacidade maior de

manobrar as normas que regem a sociedade, ou seja, de manejar os limites que são

impostos pelas estruturas e dessa forma influenciar nas mudanças do mundo social.

A ação é um processo contínuo, um fluxo, em que a monitoração reflexiva que o indivíduo mantém é fundamental para o controle do corpo que os atores

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SILVA, G. O. S.

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ordinariamente sustentam até o fim de suas vidas no dia-a-dia (GIDDENS, 2003, p.11).

Percebe-se que o agente é conhecedor de todas as condições que tornam possível

a sua ação e conseqüentemente a reprodução da sociedade à qual está inserido.

Assim, fica evidente que em Giddens o indivíduo é visto como um agente capaz de

desenvolver uma atividade de forma intencional, isto é, sua ação é praticada de forma

compreensiva, ele sabe o que faz e as razões por que a faz. Os indivíduos ao nascerem

encontram-se inseridos num contexto de estruturas, mas através da sua capacidade

compreensiva, ou seja, da aquisição de sua ação reflexiva, eles desenvolvem a

capacidade de transformar essas estruturas e à medida que essa modificação vai

ocorrendo eles também se modificam.

A reflexividade possibilita que a vida social seja constantemente pensada,

examinada e reformulada; através do ato reflexivo o indivíduo desenvolve a capacidade

de serem construídos e construtores da própria vida. Essa reflexividade foi, segundo

Giddens (2002), oriunda das transformações da implementação da sociedade moderna

que gerou tanto oportunidades quanto incertezas e riscos, processo que levou à

edificação da chamada sociedade de riscos. Esses riscos, como já foi exposto

anteriormente, são oriundos da própria ação dos homens, da sua ação direta, por

exemplo, na natureza. Giddens diz que viver numa sociedade de risco traz em si uma

constante sensação de ansiedade “[...] geradas pelos próprios cálculos do risco, mais o

problema de excluir contingências ‘improváveis’, reduzindo assim o planejamento da vida

a proporções manejáveis” (GIDDENS, 2002, p.168).

Em Bourdieu a ação do indivíduo encontra-se estruturada internamente pelo

habitus e externamente pelo campo. Os agentes sociais estão vinculados a campos

específicos que influenciam na sua percepção do mundo em que vive e, portanto, na ação

que desempenha dentro desse mundo. O habitus é, segundo Bourdieu (1997), o princípio

gerador e unificador que reduz um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, bens e

práticas.

Cada grupo, de acordo com a posição que ocupa na estrutura social oriunda do

seu capital acumulado, é capaz de elaborar estratégias de ação que considere mais

rentáveis e seguras. Essa consciência acerca das melhores estratégias seria herdada do

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habitus, que influenciaria na forma de lidar com as oportunidades vinculadas à sua

posição social.

Portanto pode-se subtender da teoria de Bourdieu que as possibilidades de ações

do agente são limitadas e determinadas de acordo com a posição social que ocupa no

espaço social; eles agiriam de acordo com as oportunidades existentes no campo ao qual

foi socializado e dessa forma teria a sua autonomia reduzida. O espaço social é o

responsável pela organização das práticas e representações dos agentes, ele constitui [...] um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer (BOURDIEU, 1997, p.27).

O habitus, portanto, possibilita que os indivíduos interiorizem e reconheçam os

limites e as distâncias sociais que devem ser respeitadas, uma interiorização que é

resultante da sua trajetória de vida dentro de um determinado campo. As práticas

reflexivas dos agentes sociais podem conservar ou subverter as regras, porém as

estratégias de suas ações encontram-se sempre vinculadas à posição que esses agentes

ocupam dentro do campo, ou seja, do capital e do poder que lhe são confiados. Assim, a

capacidade de ação dos agentes sociais está relacionada às condições possíveis que o

campo no qual está inserido oferece, ou seja, de acordo com os esquemas incorporados

e adquiridos no espaço social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se as estruturas não estão alheias à atividade dos indivíduos e se também não

existe uma ação subjetiva desvinculada da estrutura, então, os atores sociais

transformam e reproduzem as estruturas através da sua práxis, da sua ação reflexiva. O

que pudemos apreender é que Giddens dá mais importância às ações dos agentes e suas

influências sobre a estrutura; Bourdieu, por sua vez, dá mais ênfase em como a estrutura

é internalizada em forma de habitus por esses agentes. Porém, ambos compartilham da

idéia de que não se pode separar agentes e estruturas, já que cada um existe na medida

em que o outro existe; não pode existir indivíduo sem sociedade e nem sociedade sem

indivíduo.

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SILVA, G. O. S.

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Pensar as sociedades como configurações sociais que estão em constante

transformação devido à ação dos indivíduos é uma temática bastante abordada pelos

sociólogos, e isso foi desenvolvido ao longo do nosso trabalho através da compreensão

da ação reflexiva de Giddens e do conceito de habitus de Boudieu. Se analisarmos

somente o subjetivismo ou o objetivismo estaremos fazendo uma análise parcial; ou

daremos prioridade às estruturas sociais como algo existente externamente e

independente da ação dos seus agentes, ou enfatizaremos apenas o sentido vivido. A

essência das teorias de Giddens e Bourdieu é a compreensão de que a vida social não se

compõe exclusivamente das experiências subjetivas dos seus indivíduos, mas sim, das

práticas sociais que se desenvolvem ao longo dos processos sócio-históricos; práticas

essas fundamentais à unificação entre as dimensões objetivas e subjetivas presentes na

sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, P.. Estrutura, habitus e prática. In: _______. A economia das trocas simbólicas. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. p.183-202. BOURDIEU, P.. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil/Lisboa: Difel. 1989. BOURDIEU, P.. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004. BOURDIEU, P.. Espaço social e espaço simbólico. In: _______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus. 1997. GIDDENS, A.. Estruturalismo, pós-estruturalismo e a produção da cultura. In: _______; TURNER, J.. Teoria social hoje. São Paulo, UNESP, 1999. GIDDENS, A.. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003. GIDDENS, A.. A vida em sociedade pós-industrial. In: BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH, S.. A modernidade reflexiva. Sao Paulo: UNESP, 1997. p.73-133. GIDDENS, A.. As tribulações do eu. In: _______. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p.168-192.