Gigantomaquia história de mei

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Esta é uma obra de ficção, semnenhuma relação com pessoas,entidades e/ou eventos reais.

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INTRODUÇÃO

ORESTES

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Contam as lendas gregas que foi na famosa Acrópole queaconteceu a disputa entre a deusa Atena e Poseidon, o

deus dos mares, pelas terras da Ática.Atena teria sido escolhida pelo povo como sua protetora

depois de fazer nascer uma oliveira na pedra nua. Em suahomenagem, os atenienses construíram um enorme santuáriode mármore, originalmente pintado em cores vibrantes emuma rocha de 800 metros de diâmetro. A Acrópole, ou “cidadealta”, ergue-se a uma altura de 70 metros da capital grega.

Mesmo desbotadas pelo tempo e castigadas por séculosde história, as construções da Acrópole continuam a seradmiradas e reconhecidas até os dias de hoje como um dosmaiores feitos da humanidade.

É noite.- Está fazendo menos calor agora, não é? - os cabelos

cor de linho de Shun balançam com o vento no teatro a céuaberto. Ele faz o comentário bem baixinho, virando-se paratrás, desviando seu olhar do palco para avistar a Acrópole.

É verão. O Sol custa a se pôr em Atenas.Nessa época do ano, só começa a escurecer depois das

oito da noite, quando um tom de azul profundo se espalhalentamente pela cidade. Intensas luzes douradas se acendemna Acrópole, iluminando as colunas do Partenon, os baixos-relevos e cada detalhe desfigurado pelo tempo.

- Senhor Nikol, obrigado por me acompanhar. - Não por isso - diz Nikol, sorrindo. - É sempre bom vir

ao teatro.Nikol está sentado ao lado de Shun na platéia. É um

homem elegante e simpático, apesar de sua roupa toda preta

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parecer um pouco pesada demais para o verão do Mar Egeu.Com cabelos castanhos e um olhar tranqüilo, é o que podemoschamar de um verdadeiro “intelectual”.

- Na verdade eu convidei o Seiya... Mas ele disse que iamorrer de tédio.

- Ora, trazer um moleque como ele a uma peça deteatro clássico seria jogar o ingresso fora.

Shun sorri e seu rosto adolescente brilha na luz refletidapela pedra. Apesar de muito jovem, ele não tem o ar infantilda maioria dos garotos de sua idade.

Os dois estão sentados lado a lado no ponto mais altodo auditório.

- O que você sabe sobre o Odeon? - pergunta Nikol.- Não muito.Construído em 161a.C., o enorme teatro tem

capacidade para 6 mil espectadores e uma acústicaimpressionante.

- Dá até pra escutar o som de uma moeda caindo nopalco - explica Nikol. - Também é chamado de Odeon deHerodes Atticus, em homenagem ao político romano que doouos recursos para sua construção.

Foi reformado depois da Segunda Guerra Mundial e hojerecebe artistas do mundo inteiro.

- Parece que o gosto dos gregos pelo teatro é o mesmodesde a Antigüidade até os dias de hoje... -comenta Shun.

- Aqui nós vamos ao teatro como se vai a um jogo defutebol.

Peças clássicas, como a de hoje, são geralmenteapresentadas em teatros a céu aberto, sem correr muito riscode cancelamento por causa de chuva: na Grécia cerca detrezentos dias por ano são ensolarados.

- Mas elas só podem começar quando as luzes seacendem, depois do pôr-do-sol, e por isso acabam bem tarde.

- Este espetáculo tem cinco horas de duração... - Anoite vai longe! - diz Nikol, sorrindo. - Todos os gregos, atémesmo as crianças, dormem muito, muito tarde.

Este é o intervalo entre a primeira e a segunda parteda Trilogia Orestéia, de Ésquilo. Nikol quer saber o que Shun,um garoto japonês, acha do teatro clássico grego.

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- Muito interessante - diz Shun.- Acha mesmo? As obras de Ésquilo são grandiosas, sem

dúvida, mas também podem ser bastante cansativas...Ésquilo viveu no século 5a.C. e foi um dos três grandes

autores de tragédias. Suas peças continuam a ser encenadas,não apenas na forma clássica, mas também nas mais diversasinterpretações contemporâneas.

A Orestéia se passa um pouco depois da Guerra de Tróia,aquela de Ulisses, Heitor e Helena. O conflito é desencadeadopor uma maçã de ouro dedicada “à mais bela”, atirada entreas divindades por Éris, a deusa da discórdia - e acaba de fatoenvolvendo a mulher mais bela do mundo, Helena de Tróia.

A primeira parte da trilogia se chama “Agamenon”.Nela, o personagem-título, comandante-chefe dos gregos erei de Micenas, oferece sua filha Ifigênia em sacrifício. A rainhaClitenestra fica indignada e arma um plano para assassinarAgamenon, com a ajuda de seu amante, Egisto.

- O Seiya teria dormido só de ouvir essa explicação -diz Shun.

- Da próxima vez tente levá-Io a uma comédia, daquelasbem vulgares. É o tipo de coisa que as crianças da idade delegostam – Nikol já tinha ouvido falar muito de Seiya, e se referiaao garoto de um jeito inocente e brincalhão.

Depois do intervalo, começa a segunda parte da peça:“Coéforas”.

Nove anos se passaram desde a morte de Agamenon.Seu filho Orestes, que havia sido enviado secretamente a umpaís vizinho, jura ao Oráculo de Delfos que irá vingar a mortedo pai.

O estilo da apresentação é fiel ao teatro clássico, comatores mascarados e os mesmos efeitos de palco daAntigüidade.

Orestes retorna ao seu país às escondidas para eliminarEgisto, com ajuda da irmã Electra, e acaba encontrando averdadeira assassina de seu pai: sua mãe, Clitenestra.

Clitenestra suplica pela própria vida. Orestes ficadividido por alguns momentos, mas não abandona a convicçãode vingar a morte do pai, conforme ordenado pelo Oráculo.

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- Dei à luz uma serpente - diz a desesperada Clitenestra.- Você matou quem nunca poderia ter matado. Por isso

será condenada a um sofrimento que não deveria existir -Orestes golpeia Clitenestra com a espada, dizendo que elanão está sendo assassinada por seu filho, e sim por si mesma.

A rainha Clitenestra cai morta, espalhando o vermelhodo sangue pelo palco. Matricídio. Todos os olhares da platéiase voltam para o Orestes mascarado, ainda segurando a espadacom a qual matou a mãe. A notícia de seu ato hediondo chegaráaos ouvidos das três Erínias, as deusas da vingança, que olevarão à loucura na terceira parte da Orestéia.

Mas tem algo de muito errado na apresentação de hoje.Nikol se levanta abruptamente, perplexo.

No teatro clássico grego, um assassinato nunca podeser encenado abertamente diante do público. É um tabu. Acena deve ficar implícita na narrativa ou acontecer fora docampo de visão da platéia. Pode se ouvir o grito da vítima,por exemplo, mas é terminantemente proibido encenar amorte, os detalhes do crime. Nikol sabe que trair essa regranuma peça clássica seria algo inconcebível para umacompanhia teatral grega, ainda mais numa apresentação noOdeon. E as coisas ficam cada vez mais estranhas.

- São dois? - sussurra Nikol, incrédulo.No palco agora estão dois Orestes, usando a mesma

máscara. Desde quando o outro estava lá? De onde ele surgiu?O ator que interpretava Orestes até agora parece

congelado pelo assassinato que acaba de presenciar. Malconsegue gritar quando seu outro “eu” vira a espada em suadireção e arranca sua cabeça, com máscara e tudo, num golpepreciso.

O teatro vem abaixo. Não é mais uma peça, a tragédiahoje é pra valer. O público desperta da comoção causada pelaapresentação, passando da ilusão para a realidade emsegundos.

O falso Orestes pula do palco e corre pela platéiaagitando a espada suja de sangue. Shun sente que aquelaenergia mortífera é dirigida a ele. De fato, o homem por trás

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da máscara se aproxima rapidamente do ponto mais alto doanfiteatro.

A espada do assassino solta faíscas diante dos olhos deShun, que se defende do golpe mortal com uma corrente queninguém parece saber de onde surgiu. Ninguém entende,também, como um garoto franzino consegue conter todo opeso e a força do agressor.

- Quem é você? - pergunta o falso Orestes, com seusbraços musculosos e poderosíssimos saltando do traje de palco.

O odor sutil que chega às narinas de Shun é o de umafera faminta. Ele estica um pouco mais a fina corrente, que,neste momento, contrariando toda a lógica e surpreendendoa todos, acaba reduzindo a pó a pesada espada de bronze.

O assassino não parece se intimidar, e passa a lutarcom as próprias mãos. Shun é o único que consegueacompanhar seus movimentos ultra-rápidos. Apenas Shunpercebe quando ele se vira para Nikol e suspende o corpo dogrego no ar, atirando-o com uma força sobre-humana contrauma parede de pedra. Mas nem mesmo Shun sabe onde está oagressor alguns segundos depois, em meio à confusão e aocaos generalizado do anfiteatro.

- Para onde ele foi?O garoto, alerta, mantém a posição de luta com suas

correntes enquanto protege Nikol. Nem sinal do Orestesmascarado, que já sumiu na escuridão da noite de verão emAtenas.

As Vontades dos Deuses, liberadas pelo Universo nomomento de seu nascimento, chocaram-se contra as fagulhasde vida espalhadas por toda a tarde, e se abrigaram nasEstrelas.

Em Uranus - o Céu - refugiaram-se as estrelas.Em Pontus - o Oceano - teve início a vida.Ao som e ao ritmo suave do Tempo, o Mundo se

desenvolveu - e nele todas as pessoas nasciam, morriam etinham seu destino determinado pelas Estrelas.

E seguiram as estrelas o seu fluxo pela vida, e a vida,pelo fluxo das estrelas.

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Antes que as próprias pessoas se dessem conta, foramsurgindo aqueles que traziam em seus corpos as Vontades dosDeuses. Eram receptáculos de suas Almas Imortais, seusProfetas, ou os próprios Deuses adquirindo existência terrena.

Quando surgiam essas encarnações dos Deuses, elasprocuravam guiar o “Mundo” de acordo com suas vontades,confrontando-se e lutando entre si. Apareceram entãoguerreiros para proteger os Deuses, também escolhidos pelasconstelações.

Havia também Atena, e os Sagrados Guerreiros deAtena.

O embate mortal entre os Deuses pela supremacia noMundo se estendeu por espaços temporais inconcebíveis paraa mente humana.

Nos campos de batalha, Atena estava sempre cercadade jovens guerreiros que vinham de todos os cantos da Terrapara protegê-la. Eram jovens verdadeiramente dotados deCoragem e Força. Seus golpes cortavam o ar, seus chutesrachavam o solo. Esses Guerreiros da Esperança surgiamsempre que o Mal ameaçava se espalhar pelo Mundo.

Mas seus nomes se perderam no Tempo e são ignoradosaté mesmo pela Mitologia Grega. Esses jovens lendários e es-quecidos... Os Sagrados Cavaleiros de Atena.

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OS SANTOSDE ATENA

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A “Mitologia” é a própria sistematização da cultura ede suas ramificações desde o surgimento da

humanidade. É, por definição, algo tão vasto quenem o mais dedicado poeta épico poderia narrarcada uma de suas histórias, e com certeza seria

impossível reunir todos os relatos em um mesmolivro. Por estar em evolução constante, nela

coexistem teorias díspares e até contraditórias, equalquer esforço em discutir ou alinhar as diferentes

versões não seria mais do que um divertidopassatempo.

Na Antigüidade, os gregos eram chamados de “helenos”,ou “povo de Hellas”, forma como se referiam à sua terra

natal. Até os dias de hoje, a Grécia se intitula “RepúblicaHelênica” cada vez que sua delegação de atletas lidera o desfilede abertura dos Jogos olímpicos.O nome que usamos tem origem latina e foi adotadoinicialmente por estrangeiros. Na verdade. a palavra “Grécia”só existe na língua portuguesa, sendo “traduzida” de diferentesformas em outros idiomas, como Greece, em inglês. Essaconfusão é mais comum do que se pode imaginar. Osjaponeses, por exemplo, chamam sua terra de Nippon, ouNihon, e não de Japão (e suas variações, dependendo dalíngua, como o país é conhecido no resto do planeta.

Conta a Mitologia que o mundo como nós o conhecemosteve início quando Zeus provocou um dilúvio para destruir ahumanidade. Ele era o mais poderoso dos deuses gregos, econsiderava a espécie humana cruel e medíocre.

Apenas um casal conseguiu escapar dessa catástrofe:Deucalião, filho do sábio titã Prometeu - aquele que dera aos

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homens o fogo, até então um dom exclusivo dos seres imortais- e Pirra, filha de Pandora - a primeira mulher, que receberados deuses inúmeros presentes. O primogênito dessessobreviventes recebeu o nome Heleno, e se tornou o lendáriopai do povo grego.

O Santuário.A morada da deusa Atena não fica muito longe de

Atenas, a maior cidade da Grécia, mas não aparece emnenhum mapa conhecido dos homens. É uma montanhasagrada, completamente isolada do resto do universo,separada do nosso mundo por estrelas e grossas camadas denuvens.

Nem mesmo os mais avançados e precisos satélites deespionagem seriam capazes de encontrar esse lugar,inteiramente coberto pela Vontade Superior dos Deuses eprotegido por barreiras divinas que repelem qualquer tipo deinterferência externa.

Esse é o Santuário, cuja existência está além da lógicae da compreensão humanas. Procurar por ele é o mesmo quebuscar a Deus, e duvidar de sua existência algo tão perigosoquanto questionar o criador.

Anoitece.- Por que as estrelas estão tão agitadas? - sussurra Yuuri,

balançando levemente seus cabelos prateados.Sua pergunta fica sem resposta: ela está sozinha no

observatório astronômico, um espaço circular ao ar livrelocalizado no cume da montanha. O céu noturno lembra umplanetário, límpido e povoado de estrelas, como se a terrívelpoluição urbana de Atenas não existisse. No piso sob seus pés,há o mosaico delicadíssimo de um mapa duo decimal indicandoos quatro pontos cardeais.

Áries, Touro, Gêmeos, Câncer...- É como se as estrelas estivessem caindo da Via

Láctea...Yuuri está em pé no posto de observadora estelar. Seu

traje lembra os usados pelos antigos gregos: um quitão branco

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sobre o qual descansa uma túnica escarlate, presa por umbroche na altura do ombro direito. Sobre seu rosto há umamáscara, mas muito diferente daquelas que vemos em festivaisou no teatro. É uma máscara de silêncio, feita unicamentepara esconder qualquer expressão de sentimento humano.

-... De novo! - outra estrela “cai” rumo ao oeste.Todos os seres humanos nascem, morrem e reencarnam

de acordo com os desígnios das estrelas.Observá-las é uma forma de enxergar melhor o nosso

mundo. Em nenhum momento Yuuri desvia seu olhar atentodo céu.

- O mestre Nikol bem que poderia estar aqui, mas foiao teatro com aquele garoto bonitinho...

No alto do firmamento está o triângulo de pontosbrilhantes formado por Deneb, Vega e Altair, estrelas dasconstelações de Cisne, Lira, e Águia, respectivamente. Háum espaço opaco no mapa estelar, logo abaixo da constelaçãode Virgem, que está perto de se esconder no horizonte. Énesse pedaço de céu esvaziado que Yuuri vê estrelas caindoem frangalhos, formando uma calda em chamas.

- Preciso avisar Atena - ela é oficiante auxiliar doSantuário, e essa é sua missão. Yuuri chama a deusa dizendoseu nome em voz alta.

Atena existe em carne e osso, assim como seuscavaleiros. É a deusa protetora do Amor e da Paz na Terra, ese faz presente nesta região sagrada.

Num sobressalto, Yuuri sente a chegada de um instintoassassino. Um arrepio percorre sua espinha, uma sensaçãoreal como a lâmina de uma faca contra sua nuca. Um inimigo:e ela está bem na mira dele.

“Mas como? Eu nem percebi...”, pensa transtornada.- Você é uma amazona - diz o invasor.- Sim. Sou Yuuri do Sextante - paralisada, ela não tem

alternativa senão falar com o estranho às suas costas. - Vocêtem consciência de que invadiu o Santuário de Atena?

O invasor não responde. Yuuri se sente ainda maisacuada, sabendo que fez uma pergunta idiota. Ninguém

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penetraria a região sagrada “por acaso”. Seriaimpossível ultrapassar suas redomas espirituais “sem querer”.

- Quem enviou você...?- Toda mulher deve usar a máscara para poder se juntar

aos Cavaleiros, abandonando completamente suafeminilidade. Essa é a regra...

Yuuri está cada vez mais confusa. Um ruído abafado esua máscara de silêncio cai no chão, partindo-se ao meio.

-... E esse é o seu rosto.Ela levanta as mãos para cobrir o próprio rosto, num

movimento instintivo. Seu oponente aproveita a oportunidadee atinge com um soco seu abdome desprotegido, erguendoseu corpo e atirando-o com tanta força no chão que Yuuriperde os sentidos.

O invasor olha para o mosaico no chão com desdém,soltando um riso de deboche.

- Ha! - o grito produz uma onda de energia que lembrao impacto de um meteorito, destruindo o piso do observatório,até o mapa zodiacal desaparecer numa nuvem de pó.

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O homem acorda de sua soneca com um chute que olança mais de dez degraus escada abaixo:

- Levanta, cara!- Nossa, essa doeu! E eu estava dormindo tão bem... -

uma pausa. Seu tom de voz muda completamente ao perceberquem o acordou. - Ai, ai, ai...!

- Quantas vezes eu tenho que acordar vocês? Parecemmacacos! - diz, sem cerimônia, o garoto japonês de corpodelgado.

- B-boa noite, senhor Seiya. - responde o homem naescada, enquanto sacode rapidamente seus dois colegas, quetambém cochilavam. Os três vestem armaduras de couro, ouniforme dos soldados defensores do Santuário de Atena.

Se freqüentasse a escola, Seiya estaria cursando oginásio. O aspecto franzino e seus menos de 1,70m de alturanão lembram em nada os imponentes e musculosos lutadoresprofissionais. Seus cabelos formam ondas que dão impressãode intenso dinamismo e seu olhar penetrante transbordaaquela energia típica dos jovens. Com seu traje e protetoresde couro, parece pronto para uma festa à fantasia.

- Ô moçada! Vocês são a guarda noturna, têm que vigiaro Santuário sem dormir.

- C-claro, senhor. A gente sabe.- Então por que ficam cochilando? - continua o garoto.

- Vocês andam muito moles! Não é porque ultimamente estátudo em paz que nunca mais vai aparecer um inimigo!

Seiya fala com autoridade, como se fosse um sargentocomandando sua tropa.

- É por essas e outras que vocês nunca deixam de sersoldados rasos - completa ao se afastar do grupo, deixando

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para trás os soldados, assustados até o último fio dos cabelos.- Se bem que esta noite de verão está mesmo perfeita parauma soneca

Seiya também está em serviço, mas sua vigilância ésolitária. Foi muito azar ter sido escalado para a patrulhanoturna neste calor. Talvez tivesse sido melhor aceitar oconvite de Shun, com certeza seria divertido passear emAtenas. “Mas assistir uma peça de teatro fedendo de tão velha?Que graça o Shun vê nisso?”

Parecendo se esquecer da bronca que deu nos soldadosainda há pouco, Seiya solta um bocejo sossegado e tranqüilo.No céu, uma imensidão de estrelas.

Este sempre foi o Santuário de Atena.Os doze templos da abóbada celeste compõem uma

trilha íngreme ao redor da montanha rochosa. São as chamadasCasas Zodiacais: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem,Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. Essecaminho tortuoso leva à Sala do Mestre e ao Templo de Atena,o mais sagrado de todos.

O Odeon fica ao pé da montanha, ao lado de outrasconstruções comuns, como casas e a torre do relógio. Assimcomo acontece em Delfos, famosa por seu oráculo, a cidadeparece se erguer em torno do monumento sagrado. Nestemesmo espaço convivem diferentes estilos arquitetônicos,alguns de períodos separados por milênios. As ruínas deedificações antigas são testemunhas do uso contínuo destaregião ao longo de muitas e muitas eras. Esta é a Sé doscavaleiros que defendem a Terra.

Desde os mais antigos mitos e fábulas, Atena saiusempre vencedora dos combates entre deuses em fúria. Todosos relatos dão conta de que a deusa guerreira nunca falhouem sua luta pela defesa da paz. E em nenhuma ocasião oSantuário caiu diante de forças maléficas.

Seiya interrompe abruptamente sua caminhadavigilante.

. “Que sensação é essa?” Um pressentimentodesagradável. O jovem volta seu olhar na direção doobservatório celeste, no cume da montanha.

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- Aaaaahhhhh!Os gritos pegam Seiya de surpresa.- Mas o que... - alarmado, ele sobe a escadaria o mais

rápido que pode, pulando quatro ou cinco degraus a cadapasso. Um odor penetrante e espesso de sangue faz com queprenda a respiração por um instante. O cheiro é tão forte queparece vir de sua própria boca.

- Mais um rato - diz uma voz vindo das sombras,enquanto são atirados na direção de Seiya os pobres coitadosresponsáveis pelos berros horripilantes.

- Esses caras são os...O primeiro tem todos os ossos em pedaços,

aparentemente esmagados por uma força devastadora. Osegundo está todo perfurado, cada centímetro de seu corpoatravessado por agulhas. O terceiro é um cadáver desfigurado,com a pele arrancada como a casca de uma romã.

São os três guardas que há pouco cochilavam. Mortos.Soldados de Atena, derrotados em seu santuário!

- Quem está aí?! - grita Seiya na direção dos inimigos,até agora ocultos nas sombras. Só então consegue enxergardois dos invasores que ousaram sujar de sangue a regiãosagrada.

- Ágrios, a força brutal - apresenta-se com uma vozgrossa o gigante de dois metros e meio, tão grande que chegaa encobrir as estrelas.

- Toas, o relâmpago célere - diz o outro, também alto,mas não como o primeiro.

- Quirri! Eu sou Pallas, o parvo - a terceira voz éesganiçada, e a mais aterrorizante de todas. Seiya engoleseco diante da última criatura a ser revelada pela luz dasestrelas. Trata se de um demônio.

Pallas tem braços desproporcionalmente compridos ecostas curvadas como as dos corcundas em fábulas européias.O torso distorcido está tão dobrado para frente que o rostominúsculo e esquelético fica na altura da cintura de Seiya,fazendo com que a criatura lance seu olhar doentio de baixopara cima. O monstro parece exercer uma atração terrível,

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talvez pela paixão que os seres humanos têm por tudo o queé bizarro, a mesma fascinação que nos atraiu à Quimera.

- Essa armadura? - balbucia Seiya.- Eis o traje de Adamas! Quirri! A Armadura da Grã-

Terra que protege os Gigas! - responde Pallas, abrindoameaçadoramente os braços compridos como os de umaaranha.

É a armadura de diamante, que também poderia serchamada de “armadura de cristal”. Um traje composto depolígonos de cristal com um brilho hipnotizante. Seiya percebeque os outros dois invasores vestem a mesma armadura.

- Os Gigas? - pergunta o garoto, perplexo. - O que sãoos Gigas?

A ignorância de Seiya a respeito dos Gigas provoca emÁgrios uma reação encolerizada.

- Atena! E os cavaleiros! Como ousam esquecer o nomedos Gigas?!

- Contenha-se, Ágrios.- Mas, Toas...!- Parece-me de certa forma inevitável - continua o

segundo gigante. - Nós, os Gigas, fomos aprisionados por Atenana Gigantomaquia de tempos longínquos. Imagine quantas eraspercorreu o mundo enquanto vagávamos por nosso cativeiromortal, no vão entre Gaia e o Tártaro. Basta olhar para océu. Até mesmo a Estrela Polar mudou de lugar desde quepartimos. Inúmeros astros já extinguiram sua chama e seperderam no firmamento...

- Quirri! Chega de bancar o poeta, Toas - interrompePalIas, ao mesmo tempo em que aponta suas garras afiadasna direção de Seiya.

Os dedos do monstro são absurdamente longos, muitomaiores que os de uma pessoa, e cada movimento produz umagudo som metálico gerado pelo atrito de uns com os outros.A armadura de diamante brilha num aterrorizante tomvermelho-escuro, fazendo com que a mão da criatura seassemelhe a uma aranha venenosa.

- Você usou essas garras contra eles! - protesta omenino.

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- Sabe, pele de moleque é fácil de arrancar! -respondea criatura, soltando então um grito maníaco. - Quirri! Garrasmarionetes!

Seiya escapa por um triz da primeira investida de PalIas,que chega a arranhar seu nariz e cortar alguns fios de seucabelo. Sem a menor chance de se recompor, o garoto é quaseimediatamente atingido por Ágrios, que se atira contra elecomo uma fera gigantesca, lançando-o ao ar.

- Ohhhhhhhhh! - o corpo de Seiya cai no chão com força.- Que força incrível tem esse Ágrios! E pensar que ele só mepegou de raspão...

- Vejo que suportou bem o ataque! Você parece ser umpouco menos molenga que esses mortos aí no chão.

- Pode calar a boca, grandalhão - responde Seiya,enquanto se levanta com um olhar de deboche. - Você nãoestá me comparando com soldados rasos, não é?

- Seu macaquinho!- Seiya! - o bate-boca é interrompido por uma nova voz

surgindo na noite.- Kiki? É você?Um garoto de cabelos curtos e eriçados olha os invasores

com uma expressão assustada. Deve ser uns cinco anos maisnovo que Seiya. Suas sobrancelhas foram raspadas, talvez poralgum significado cerimonial, e em seu lugar há um desenhocurioso e peculiar.

- Vim porque senti presenças suspeitas... Quem sãoesses caras? - seu rosto parece combinar a originalidade dediversos povos, podendo ser considerado tanto oriental quantoocidental. Em japonês, o nome Kiki quer dizer “demôniohonrado”.

Incrivelmente, o menino paira no ar sem qualquerapoio, depois de ter surgido do nada no céu.

- Teletransporte? Quirri! Esse tampinha é pára normal?- Nem precisa dizer, Seiya. Usa a minha telecinese! -

grita Kiki, antes que o amigo possa falar qualquer coisa.Nesse instante, uma espécie de baú rompe o espaço,

surgindo numa esfera de luz sobre a cabeça de Seiya. A

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claridade faz com que os Gigas cubram seus olhos ofuscados.É uma caixa feita de bronze, decorada com imagens de umcavalo alado em baixo relevo. De sua tampa entreabertaescapa um brilho ainda mais forte.

Os invasores assistem, estupefatos, à aparição no céude uma enorme estátua na forma de um cavalo alado, cobertapor uma aura flamejante de raios azuis e brancos. Umverdadeiro legado da era dos mitos... a prova da existênciados Cavaleiros. A mais poderosa fonte de energia do mundo.

- Pégaso!Com isso a estátua ganha vida e relincha, atendendo

ao chamado de Seiya, para então se dividir em várias partesque aderem ao corpo do rapaz.

Cabeça. Ombros. Peito. Braços. Cinturão. Pernas. - Rá!- o gigantesco corpo de Ágrios é atirado contra a montanha,num impacto tão poderoso que por pouco não abre uma fendana rocha. Ele tosse e comprime o abdome com força entre osbraços, tentando impedir que o conteúdo de seu estômagoseja regurgitado.

- Não é possível! Um soco invisível?- Eu não disse, grandalhão?Nem o melhor praticante de luta ou arte marcial, seja

caratê, boxe ou muay thai, é capaz de derrotar numa únicainvestida um oponente que tenha o triplo do seu peso.

Mas Sejya é diferente: ele domina a luta de Atena.Quando seu punho cortou o vazio, passando bem perto dacabeça de Ágrios, o movimento enviou uma onda de choque -sinal de que o soco fora desferido a uma velocidade superiorà do som.

O golpe prova que ele é um guerreiro escolhido pelasconstelações espalhadas pela abóbada celeste.

- Ah, é assim? É assim, moleque? - Ágrios se levantafurioso, expulsando com força o ar dos pulmões. Apesar daqueda ele está inteiro. Na verdade, seus músculos parecemter se expandido e seu corpo, crescido ainda mais.

- Você é um cavaleiro.- Seiya! Meu nome é Seiya, da Constelação de Pégaso.Esse é um jovem de poder lendário. Sua força vem da

estátua de Pégaso, que sai de sua caixa dourada e se rompe

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em pedaços para formar uma impenetrável armaduraprotetora.

As asas do cavalo se dobram magistralmente como umleque, encaixando-se em suas costas. Sua cabeça toma a formade um elmo e seu corpo se transforma num escudo peitoral:O que era o pescoço do animal agora cobre o braço direito deSeiya, enquanto a cauda adere ao braço esquerdo e o peito éum cinturão. As patas dianteiras e traseiras se mesclam deforma complexa, protegendo as pernas do jovem das unhasdos pés até os quadris. A poeira estelar se espalha, cintilandono ar.

O traje celestial de Seiya está completo. É sua aarmadura sagrada permitida apenas aos cavaleiros escolhidosde Atena.

- É bom que vocês saibam - grita o garoto. - Eu estouMUITO bravo!

O traje branco-azulado de Pégaso provoca em Seiyauma explosão de energia.

- Meteoro de Pégaso! .- Como?! Os punhos se multiplicaram? - pergunta-se a

besta enquanto fachos de luz se espalham por todos os lados.De repente um ruído abafado interrompe o golpe

supersônico do punho de Seiya. O movimento é contido pelaarmadura de Toas, “o relâmpago célere”, que até então selimitava a assistir à luta.

- Esfrie a cabeça, Ágrios. - diz o segundo gigante,colocando-se diante de Seiya. - Você nem percebe como esseataque é limitado! Punhos multiplicados que nada! A mimpareceu que cada soco se arrastava como uma lesma.

- Como esse cara pode ser tão veloz...? - Seiya estásurpreso e confuso. Toas fora capaz de repelir todo o fluxo degolpes e ainda segurar seu punho.

- É verdade que não se deve subestimar o poder de umcavaleiro em seu traje sagrado - continua Toas, apertandocom mais força ainda o punho do garoto. - Você vai ver umacoisa, moleque!

- Quirri! Analise bem a situação... - provoca Pallas. -Você acha que um cavaleiro tem chance contra três de nós?

- Droga! - Seiya está cercado.

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Os três Gigas começam a exercer uma pressão invisívelque faz com que Kiki perca a concentração e caia com tudono chão.

- Ai! O que foi essa telepatia?! - antes de conseguir serecompor, o menino assiste, perplexo, à chegada de mais uminvasor, que aparece trazendo nos ombros Yuuri do Sextante,desmaiada.

- Senhorita Yuuri?! - reconhece a garota por seu cabeloprateado e a túnica escarlate dos oficiantes do Santuário,mas ela está inconsciente e não reage à menção de seu nome.

Seiya não entende por que não detectou de antemão apresença deste quarto inimigo. É realmente difícil deacreditar. Somente se tivesse uma força avassaladora alguémconseguiria se aproximar de um cavaleiro sem ser percebido.

O novo invasor desaparece logo em seguida, rápida esilenciosamente, levando Yuuri consigo.

- Sumiu! Como? - Seiya não sabe o que pensar.- Bom, agora Ágrios, Pallas, a nossa brincadeira fica

por aqui - diz Toas a seus companheiros. -Esqueceram-se donosso objetivo original?

- Saco!- Quirrirri... Tem razão.Os gigantes recolhem seus punhos, para grande surpresa

de Seiya.- Moleque... Vai ter volta...- Quirrirri! Você escapou desta vez, mas por pouco

tempo.Ágrios e Pallas se cobrem novamente de sombras e

desaparecem na noite.Toas se detém por mais alguns segundos.- Seiya de Pégaso. Vamos deixar que você viva para

que leve o nosso nome a Atena. - diz. - Diga a ela que vá àSicília se quiser a menina de volta. Nós, os Gigas, estaremoslá. Nós, a descendência dos Deuses Antigos, nascidos da Grã-Terra, aprisionados nas profundezas do vazio fantasma.

Com isso a imagem do último invasor penetra aescuridão, para sumir completamente.

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- Mas que droga! O que vocês...? - a voz de Seiya ecoaem vão. Não há mais sinal algum dos inimigos. O garoto parecedespertar de um pesadelo. Não fosse pelos cadáveres dossoldados rasos e pelo odor hostil deixado pelas criaturas,poderia jurar que nada daquilo tinha acontecido.

- Gigas... Das profundezas do navio fantasma...

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3

A Sala do Mestre fica logo na entrada do Templo deAtena, além das Doze Casas Zodiacais. O Mestre é o

líder supremo dos Cavaleiros, o servo mais importante deAtena.

- A senhora Yuuri foi seqüestrada? - Shun voltou aoSantuário logo após a confusão no teatro da Acrópole,apresentando-se imediatamente com sua armadura deAndrômeda. O traje tem um brilho cor-de-rosa que lembramais um vestido de donzela do que a armadura de umguerreiro.

- Droga! Eu estava lá e não pude fazer nada! -Seiyacerra os punhos, inconformado por ter deixado os inimigosescaparem. Ele também está vestido com seu traje celestial,que é essencialmente um uniforme de combate. O fato de osCavaleiros estarem usando suas armaduras significa que estaé uma reunião de guerra. - O senhor não está ferido, Sr. Nikol?

- Está tudo bem comigo. Foi mais um susto, o ataqueme pegou de surpresa.

Assim como Shun e Seiya, Nikol é um Cavaleiro de Atena.A Sala do Mestre é cercada por colunas dóricas e

adornada com cortinas. No centro do recinto existe umpatamar mais alto, coberto por um tapete, onde fica o assentodo Mestre. Mas não tem ninguém sentado ali.

O cargo de Mestre está vago. Nikol, chefe dos oficiantes,é quem tem cuidado da administração do Santuário.

Você, leitor; saberia dizer quantas constelações existemno céu? Segundo os astrônomos, são 88.

Mas esse não é um fator absoluto, cientificamentefalando, assim como não existe uma opinião predominante

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sobre a descrição de cada constelação. Na verdade, o número“88” foi uma padronização adotada pela União AstronômicaInternacional em sua Assembléia Geral de 1930, e se baseiano modelo do astrônomo clássico Ptolomeu. Essa contagem“oficial” mantém aquilo que já era conhecido das civilizaçõesantigas, ao mesmo tempo em que acrescenta descobertas maisrecentes, especialmente no que diz respeito às constelaçõesmeridionais.

De qualquer forma, não faz muito sentido usar essedado para contar a história das Armaduras, uma tradiçãoque remonta à Era dos Deuses.

Uma pessoa se torna um Cavaleiro ao ser escolhidacomo representante de uma constelação específica. O tempotodo esses guerreiros enfrentam batalhas mortais paraproteger nosso mundo do Mal. Quando sua própria força nãoé suficiente, eles recorrem à Graça Divina, através de suasarmaduras sagradas - por isso cada Cavaleiro tem sua própriaconstelação padroeira, seja ela Boreal, Austral ou Zodiacal(teoricamente seriam 24, 48 e 12 de cada tipo,respectivamente).

Existem três gradações entre os Cavaleiros: Ouro, Pratae Bronze.

Os Cavaleiros de Ouro estão acima de todos os outros esão representados pelas doze casas zodiacais as constelaçõesda astrologia, que também representam os signos, como Áries,Touro e Gêmeos. Os Cavaleiros de Prata são os próximos naordem hierárquica, seguidos dos Cavaleiros de Bronze. Aindamais abaixo estão os soldados rasos.

O Mestre é responsável pelo comando de todos essesníveis - portanto é sempre um Cavaleiro de Ouro, geralmenteescolhido por seu antecessor no cargo. Já os Oficiantes podemser Cavaleiros de Prata ou de Bronze. Suas responsabilidadesincluem prever a trajetória das estrelas, monitorar sinais deatividade maligna, registrar a história e transmitir o legadodos segredos místicos do Santuário para gerações futuras.

Alguns acreditam que existem 24 Cavaleiros de Bronzee 48 Cavaleiros de Prata, mas, com exceção dos dozeCavaleiros de Ouro, não se sabe exatamente quantos são os

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guerreiros de cada estirpe. Aparentemente nem mesmos osMestres conhecem o número total de trajes sagradosexistentes.

O Histórico do Santuário, cujos dados são relativamentenovos, também não oferecem uma resposta exata. Segundoum relato recente, a quantidade máxima possível deGuerreiros Sagrados seria 78. Em outro registro, esse númeropula para 88. Há quem diga que os astrônomos se basearamde alguma forma indireta nessa anotação para estabelecer acontagem “oficial” de constelações, mas não existem provas.Além disso, essas teorias se contradizem: por exemplo, sabe-se que existiu até muito pouco tempo atrás um Cavaleiro deCérbero, embora essa constelação não esteja na lista “oficial”dos astrônomos. O único ponto em comum entre as diferentesversões é a crença de que em nenhum momento todas asarmaduras foram utilizadas simultaneamente.

Também não podemos nos esquecer de que o universonão é algo estático. O mapa celeste está em constantetransformação: muitas estrelas se incendeiam e se perdemcomo Novas, e nem mesmo a Estrela Polar permanece imóvelnum período de milhões, ou mesmo milhares, de anos.

Todas as pessoas nascem e morrem sob o destino dasestrelas. O firmamento e o mundo em que vivemos refletemum ao outro. Se o mundo muda, mudam as estrelas e seudesenho no céu, ou seja, mudam as constelações quedeterminam os trajes sagrados. Com isso, a própria naturezadas armaduras dos Cavaleiros é mutante. e os GuerreirosSagrados sabem disso.

Apesar de tudo isso, o número “88” se tornou a respostapadrão para a quantidade de constelações e Cavaleirosexistentes. Mas, nos dias de hoje, período em que se passa anossa história, não existe nem mesmo a metade dessesguerreiros com Atena na Terra.

- Pelo que o Seiya está dizendo, pode haver uma relaçãoentre a pessoa que me atacou no teatro e os invasores queseqüestraram Yuuri - diz Nikol, que ainda sente alguma dor epor isso vez por outra comprime os músculos do rosto.

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- Mas você é um Cavaleiro de Prata, como ficou emdesvantagem?

- Seiya, nem sei o que dizer - Nikol ainda está confusoe envergonhado. - Sinto muito... Por Yuuri também.

Yuuri é uma Amazona de Bronze, equiparando-se a Shunem hierarquia e poder de combate, mesmo sendo mulher.Como demonstrado no golpe que Seiya acertou em Ágrios, aessência divina das técnicas de luta dos Guerreiros Sagradosnão tem relação alguma com força bruta ou capacidademuscular.

- o que está acontecendo? Qual é o objetivo dessesinimigos?

- Pelo menos nada aconteceu a nossa Atena. Felizmente.- Como você pode dizer a palavra “felizmente” numa

hora dessas, Nikol? - a voz suave inunda a sala com uma cargade afeto e bondade.

As cortinas se abrem, revelando a figura de umamenina-moça. É a deusa da guerra e da sabedoria. A eternavirgem.

Zeus, deus dos céus; Poseidon, senhor dos mares; Hades,mestre do inferno. Atena, protetora da Terra - com poderequiparado ao dessas três entidades supremas.

- Atena - Nikol dobra o joelho na reverência que seacostumou há muito a fazer.

- Não se pode falar em algo “feliz” quando a vida deum dos meus amados Cavaleiros está em perigo. - continuaAtena, mantendo uma postura altiva.

A figura feminina da deusa é de uma beleza singular.Aparenta mais ou menos a mesma idade de Seiya e Shun, temlongos cabelos castanhos na altura da cintura e veste umgracioso vestido branco. Não é nada diferente de uma garotacomum, mesmo considerando sua extraordinária beleza.

- Foram palavras impensadas. Perdoe-me, Atena -desculpa-se Nikol, curvando-se ainda mais.

- Não se culpe. Por favor, levante a cabeça.A deusa transmite sua autoridade no modo como

estende a mão a Nikol, um homem aparentemente muito maisvelho que ela (o que não poderia estar mais distante darealidade, como se sabe).

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- Os Gigas...- Sim, eu já sei. - Sua voz envolvente também transmite

uma característica divina, manifestando sua vontade de deusaa cada palavra pronunciada. Afinal, a jovem é a própria Atena,a encarnação dessa divindade nos dias de hoje.

- Quem são esses tais Gigas?- São os gigantes das fábulas gregas, Seiya - responde

Nikol.- Ah... Fábulas...- Qualquer dia você vem comigo até a biblioteca para

aprender a história da criação do céu e da terra.- Ããã... Acho que não vai dar - responde Seiya, tocando

o próprio rosto num gesto meio constrangido.- Os Gigas são a própria origem etimológica da palavra

“gigante” - explica Nikol com sua paciência inabalável.- Gigantes como os das histórias para crianças? Tudo

bem, os caras que vieram aqui são grandes, mas dizer quesão gigantes é exagero.

- Deixe-me contar a história dos Gigas - continua Nikol,como se fosse um professor. - Ela começa na longínqua Erados Deuses, algum tempo depois do surgimento dos Cavaleirose de sua primeira luta, a batalha contra o exército de Poseidon,travada nas terras da Ática.

Na sala agora se ouve apenas a voz de Nikol, enquantoos outros escutam com atenção.

- Foi nessa época que os Gigas declararam guerra contraos Cavaleiros, com o objetivo de dominar o mundo. Essesantigos deuses malignos eram diferentes das entidadesolímpicas como Poseidon e Hades. Chamavam a si mesmos de“Filhos da Grã-Terra” e se protegiam com armaduras deAdamas, material ainda mais resistente que o Oricalco. Eramseres dotados de uma força avassaladora, e a batalha entreeles e os Cavaleiros teve proporções épicas. Nossa vitória foiconquistada com muito custo, e apenas graças à presença daprópria Atena nos campos de batalha. Quase nenhum Cavaleirosobreviveu.

- Nem consigo imaginar uma guerra tão difícil.- Mesmo tendo saído vencedora, Atena não pôde destruir

os seres malignos, que eram deuses, portanto, imortais. Ela

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não teve escolha senão exilá-los nas profundezas além doTártaro, para que sua vontade diabólica jamais invadisse Gaianovamente. Essa é a história da Gigantomaquia.

- Gigantomaquia?- É o nome da guerra contra os Gigas na mitologia -

responde Nikol, solenemente. - Segundo o historiador gregoApolodoro, durante a Gigantomaquia, Atena atirou sobre osGigas o Monte Etna, que fica na Sicília, para aprisioná-Ios.

- Peraí, você disse Sicília? - pergunta Seiya. -Atena...Os invasores do Santuário, esses Gigas de que vocês estãofalando, eles disseram que estavam levando a Yuuri para aSicília.

- Mas eu não entendo - neste momento, a voz da deusacarrega o peso de sua dor pelo que pode estar acontecendo aYuuri. - Por que não me atacaram diretamente?

- Estamos todos preocupados com a segurança de Yuuri,mas, antes de qualquer coisa, precisamos descobrir por queos Gigas estão de volta justo agora, eles que estavamaprisionados desde tempos imemoriais.

- Vamos até a Sicília - diz Atena em um tom subitamenteconfiante.

- Você quer ir pessoalmente, deusa?! Nuncapermitiríamos uma coisa dessas.

- Nikol... - a voz da jovem transborda compaixão. -Fico feliz que você se preocupe comigo, mas não possoabandonar meus Cavaleiros. Que espécie de mãe deixaria seusfilhos para trás?

A imagem da garota se referindo aos Guerreiros Sagradoscomo seus filhos é muito poética, e demonstra sua inabaláveldeterminação em protegê-los. Uma deusa disposta a lutarpor aqueles que ama.

- É o seguinte...! - o tom mais alto de Seiya interrompeo momento solene. - Ainda não saquei qual é a desses Gigasaí, mas não dá pra ficar sentado aqui sabendo exatamenteonde os caras estão. Eu vou até lá!

- Eu também - concorda Shun.Ainda temendo pela segurança de Atena, Nikol decide

tomar as rédeas da situação, usando sua autoridade comoMestre interino.

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- Então vão os dois - e com isso a missão é oficialmentetransferida a Seiya e Shun, que a aceitam com vigor. - Oprimeiro passo é investigar as forças inimigas - acrescentaNikol. - Só então submeteremos a decisão ao juízo de Atena.

-Mas...-Já está tudo decidido e providenciado, senhora. -

completa, ignorando a tentativa de protesto da deusa.- Chegueeeei! - uma voz estridente do lado de fora. Kiki

se junta aos outros na Sala do Mestre.- Bom trabalho, Kiki.- Nossa, senhor Nikol, você gosta de abusar da gente,

hein? - diz o menino em seu tom infantil e animado. - Tudobem que a Sicília fica a meros 800 quilômetros daqui, masdeu um trabalho danado atravessar duas vezes o Mar Iônico ea Península Italiana!

- Você já foi e voltou da Sicília, Kiki?- Pois é! - Kiki lança uma piscadela para Seiya. - Você

parece estar muito bem - diz Nikol, sorrindo. - Tem energiade sobra para reclamar...

O teletransporte provoca um enorme cansaço espiritual,especialmente em uma jornada de ida e volta sem descansocomo essa.

- Eu pedi a Kiki que trouxesse um guia de lá. - explicaNikol.

- E eu vou falar uma coisa, teletransportar alguém cansaduas vezes mais! - Kiki não pára de tagarelar, sentando-se nochão. - Não, cansa quatro vezes mais!

- Um guia? - Seiya ainda está bastante confuso.- Vocês vão precisar de alguém para mostrar o caminho.

- a resposta é dada por uma nova voz. - A Sicília é a maior ilhado Mediterrâneo. Você não quer ficar perdido por lá, né Seiya?

O garoto recém-chegado fala com ironia e dá um tapinhano ombro de Seiya, demonstrando intimidade. Mas o Cavaleirode Pégaso parece não ter a menor idéia de quem se trata. O“estranho” é uns 10 centímetros mais alto que ele e aparentaser dois ou três anos mais velho. Tem uma tatuagem no braçoe usa roupas esfarrapadas que poderiam pertencer a um

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menino de rua. Seu cabelo comprido e tingido de prateadoestá penteado para trás, fazendo com que sua expressãolembre a de um lobo.

- Quem é você?- Ha! Ha! Não faz essa cara feia! Você continua igualzinho

a quando era moleque, já vem querendo arrumar briga logode cara. - O jovem caçoa de Seiya num tom amigável enitidamente saudoso.

- Quando eu era moleque...? Ei, você é o Mei! Aconstatação faz com que Seiya, Shun e até mesmo Atenavoltem no tempo por alguns instantes. A presença do amigode infância traz lembranças antigas que iluminam etransformam o rosto de todos. A encarnação da deusa, tãoimponente até há pouco, parece se tornar a garotinha depoucos anos atrás.

- É você mesmo, Mei?- Você continua o mesmo, Seiya. E você, Shun, nossa,

como você era chorão! E... - o jovem de cabelos prateadosfica mais sério ao se virar na direção de Atena. - É um enormeprazer reencontrá-la, Senhorita Saori.

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II

SICÍLIA

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1

- Nem acredito que você está vivo, Mei! - diz, retornando seu lugar no avião depois de ter ido buscar algo para

beber.Estamos em pleno vôo. Este avião não tem janelas,

nem poltronas. Os assentos são lonas esticadas, suspensas portubos fixos nos dois lados da cabine. O espaço é apertado: seSeiya estivesse sentado de frente para os amigos, estariapraticamente batendo seus joelhos nos deles. Pela decoração,parece mais uma aeronave militar do que um avião depassageiros.

- Não tem nada que ficar surpreso não, cara. Você e oShun não estão vivos? O mais normal era mesmo eu sobreviver.

- Normal, você? Aaiii! - grita Seiya quando Mei apertacom alguma força o punho contra sua bochecha.

- Pensa bem, Seiya! Alguma vez você já ganhou de mimnuma briga?

- Isso foi quando eu tinha 7 anos! Você é dois anos maisvelho, e naquela idade isso faz muita diferença!

- Ha! Mas você continua sendo um pirralho.Shun não resiste e dá uma risadinha ao ver a cara

emburrada de Seiya. Os dois Cavaleiros estão usando seustrajes sagrados, e levam as caixas de Pégaso e Andrômeda nocompartimento de carga, na traseira da aeronave. Trata-sede um Tiltrotor, com capacidade para cerca de dezpassageiros. Suas asas possuem rotores móveis, e do lado defora lê-se a inscrição “Fundação Graad”. Falta menos de meiahora para o pouso na Sicília.

- Só que se eu chamasse vocês pra briga hoje em dia iaperder com certeza. Mesmo do Shun, que vivia chorando...Vocês agora são Cavaleiros. Eu não consegui.

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- Não conseguiu?- Eu sobrevivi, mas não recebi a armadura - continua

Mei, num tom ligeiramente sarcástico. - Não passo de umsoldado raso. Uma estrela anã - e então, olhando de relancepara Shun, de um jeito surpreendentemente sério: -Quantos...? - pergunta, cabisbaixo - Quantos sobreviveram?

- Dez.- Com você, onze. - diz Shun, bem baixinho.- Nossa, só dez...

Neste ponto se faz necessário interromper a nossahistória e fazer uma pequena jornada ao passado.

As lutas travadas entre Atena e outros deuses pela posseda Terra são as chamadas “Guerras Santas”. A última dessetipo aconteceu pouco mais de dez anos atrás, quando a novareencarnação de Atena desceu sobre o Santuário. A deusa eraapenas um bebê, e de cara teve que enfrentar um ataque.

A sombra do Mal dominou a Região Sagrada quandoSaga de Gêmeos, um dos Cavaleiros de Ouro, foi tomado porsentimentos perversos, querendo se tornar o senhor da Terra.Possuído pela ambição, Saga assassinou secretamente oMestre daquela época, voltando-se depois contra a indefesaAtena.

Felizmente, o Cavaleiro de Ouro Aiolos de Sagitárioconseguiu salvar a deusa antes que ela se tornasse vítima dalâmina afiada de Saga. Atena foi confiada a um senhorchamado Mitsumasa Kido, que a levou para o distante Japão,batizou-a de Saori Kido e a criou como sua neta.

Mitsumasa Kido, criador da Fundação Graad, era umdos homens mais ricos e poderosos do mundo. Depois decolocar Atena sob sua proteção, Kido ofereceu os cem filhosque tivera com amantes em sacrifício, pedindo em troca quefossem consagrados como Cavaleiros da deusa e retornassemcom as Armaduras Sagradas. O velho jamais reconheceu apaternidade desses meninos, tratando-os como órfãos elançando-os à própria sorte pelos quatro cantos da Terra.

As táticas de treinamento nas artes de combate de Atenasuperam o absurdo. Fraquejar é sinônimo de morte na busca

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de se juntar aos mais poderosos guerreiros da Terra. Osaspirantes foram submetidos a florestas povoadas de animaisselvagens, desertos impiedosos, montanhas onde respirar éum suplício, planícies gélidas onde o frio leva uma pessoa àmorte em menos de cinco minutos, ilhas vulcânicas com calorinfernal e gases tóxicos.

Praticamente todos os filhos de Mitsumasa Kidomorreram nesse processo, enviados ao inferno pelo própriopai. Apenas dez deles conseguiram completar esse treinamentoextremo e, eleitos pelas Constelaçôes, retornarammilagrosamente com os trajes sagrados. Entre esses poucosestão Seiya e Shun.

Não há espaço aqui para descrever em detalhes oconflito que aconteceu no Santuário e ficou conhecido como“a Revolta de Saga”. O leitor interessado pode procurar seinformar numa biblioteca, onde certamente encontraráregistros dessa série de batalhas. Foram treze anos, desde oencontro do herói Aiolos com o velho Kido, passando peloDespertar de Atena (Saori Kido) e culminando na derrota deSaga, quando finalmente a deusa conseguiu retornar à RegiãoSagrada.

Entre os aspectos mais dramáticos desse período estáa descoberta, por parte dos dez órfãos sobreviventes, de quea neta do velho Kido, a quem alguns chegaram a odiar, era naverdade a deusa Atena. Ou a consciência de que seu pai osoferecera em sacrifício para criar os Santos Guerreiros queviriam a defendê-la.

Ao reconhecerem Saori como a verdadeira Atena, Seiyae seus companheiros conseguiram superar a própria infânciainfeliz e, o mais importante, derrotaram o maligno Saga,tirando o Santuário de seu poder.

Não podemos esquecer que é a custo de inúmerossacrifícios e incontáveis perdas, e graças ao grandioso amorde Atena, que a paz na Terra vem sendo preservada.

- Seiya, você foi mandado para a Grécia, certo?E Shun. você foi para... a ilha de Andrômeda, é isso?- E você foi parar na Sicilia.

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- Isso. Mas eu não fui chamado de volta pela FundaçãoGraad depois do treinamento. O que eles disseram que tinhaacontecido comigo?

- Acho que fizeram um atestado de óbito em seu nome.Quem quer ser Cavaleiro tem que conquistar a Armadura dequalquer jeito. As outras alternativas são fugir, morrer, ouviver totalmente isolado, como um soldado anônimo.

- Sei, entendi - os olhos de Mei parecem perder-se novazio. - Meu mestre foi morto na Revolta de Saga e eu nãotinha ninguém para me treinar. - O jovem faz uma breve pausapara respirar. - Acabei ficando na Sicília, servindo como umaespécie de espião do Santuário. O que hoje eles chamam de“agente operacional de campo”, eu acho.

- O mais importante é que você está vivo, Mei. Cara,eu estou muito feliz com isso, de verdade.

- Valeu.A empatia que os três meninos sentem um pelo outro

tem raízes ainda mais profundas que a camaradagemconquistada por terem sobrevivido ao treinamento para setornarem Cavaleiros. Apesar de terem mães diferentes, sãotodos irmãos.

- Você sabia sobre o nosso pai? - pergunta Shun,cuidadosamente.

- Eu sempre soube. Desde quando estava num dosorfanatos da Fundação Graad. - Mei continua, agora abrindoum sorriso. - Mas que a senhorita Saori era a reencarnaçãoviva da Atena, isso eu não sabia! - completa, soltando umarisada insolente.

- Nossa, essa aí pegou todo mundo de surpresa!- Olha o respeito, Seiya - diz Shun, num tom bastante

sério.- Até parece, Shun! Fala sério, você lembra muito bem

que ela era uma menina mimada, arrogante e cheia dasvontades!

De fato, a Saori Kido de hoje é a imagem perfeita dagrande deusa Atena, símbolo de amor e confiança absolutos,mas ela não foi sempre assim. Quando criança, chamava aatenção apenas pela beleza física, causando impressão de

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grande soberba. O Despertar da Vontade de Atena só aconteceudepois de seu desenvolvimento físico. Antes disso, para órfãoscomo Seiya e os outros, Saori - que recebia amor e mimo deMitsumasa Kido - não passava de alvo de ciúme e de rancor.

- Não foi com você, Seiya, aquela história do “seja omeu cavalo”?

- Se liga, foi o Jabu! Nem se ela me chicoteasse eufingiria que era um cavalo!

- Jabu... É, eu lembro de um cara com esse nome... -Mei está cabisbaixo, os olhos virados na direção dos braços,dobrados sobre os joelhos. Só depois de fazer uma pequenapausa, cria coragem para fazer a pergunta mais difícil: - Quemsão os outros oito que sobreviveram?

- Você não sabe?- Eu nunca saí da Sicília, não sei quase nada sobre os

Cavaleiros do Santuário. Eu nem sabia que vocês estavambem até nos encontrarmos agora há pouco.

De fato, nem todos têm acesso ao nome dos Cavaleiros.É uma espécie de segredo militar, como muitas dasinformações sobre a Região Sagrada. Soldados de hierarquiainferior, como Mei, em geral conhecem um número mínimode Cavaleiros.

Shun diz os nomes dos seus irmãos sobreviventes, umpor um:

- Shiryu, Hyoga, Ikki.- O seu irmão? - pergunta Mei, lembrando que Ikki é

irmão de pai e de mãe de Shun - e também que os dois nãosão nada parecidos em termos de temperamento, muito pelocontrário: enquanto Shun tem maneiras delicadas, chegandoa lembrar uma menina, Ikki é o seu oposto perfeito, um rapazbruto e durão, grande apreciador de artes marciais.

Mei se emociona com a lista de Cavaleirossobreviventes. Consegue se lembrar direitinho do rosto decada um deles.

- ... e o Jabu. Dez no total - é Seiya quem conclui acontagem.

- Qual é a estrela dele?- Unicórnio.

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- Haha! - Mei não consegue conter o riso. - Não éperfeito? - concorda Seiya.

- Com certeza! Unicórnio é o bicho que só aceita sercavalgado por donzelas, né? E aquele cara sempre ficavaabanando o rabo para a Saori, até corria pra brincar decavalinho com ela.

- E continua o mesmo até hoje. Não mudou nadinha.- Nem vocês - completa Mei - Conseguiram virar

Cavaleiros, mas não mudaram nem um pouco!- Nem você, Mei - confirma Shun.- O Jabu está na Argélia - conta Seiya. - O Shiryu está

nos Cinco Picos Antigos de Rozan, na China, e o Hyoga, naSibéria Oriental. A maioria dos outros também continuacumprindo seu papel de Cavaleiro nos lugares onde foramtreinados.

- Só não conseguimos descobrir onde está o meu irmãoIkki.

- Bom, desde moleque ele gosta de bancar o lobosolitário...

Neste momento, o alto-falante anuncia que já estãosobrevoando espaço aéreo siciliano. O vôo da Grécia até alifoi curto demais para matar saudades.

Seiya e Shun correm em direção a suas armaduras,enquanto Nikol, que não participou da conversa por estarpilotando o avião, anuncia secamente:

- Vamos abrir a porta traseira e diminuir a altitude.Vocês três vão pular.

- É brincadeira, né? - Seiya faz uma careta. Mas a coisaé séria:

- Este bichinho bebe muito combustível a cadaaterrissagem e decolagem - explica Nikol. - Temos medo deque não tenhamos o suficiente para voltar ao Santuário.

- Mas você só pensa em si mesmo, Nikol? Quem vaigarantir a nossa segurança? - resmunga Seiya.

Talvez o leitor esteja surpreso como que um Cavaleirocomo Nikol, da Constelação de Altar, seja capaz de pilotaruma aeronave de tecnologia avançada como este Tiltrotor.Mas, embora os Guerreiros de Atena sejam entidades

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completamente isoladas do cotidiano mundano, isso nãosignifica que não se relacionem com ele. Sua missão não éproteger um universo fantasioso de conto de fadas, e sim oplaneta onde vivemos. Os Cavaleiros também são mutantes,assim como o céu e a Terra, e evoluem com eles.

Mais conformado com a idéia de mergulhar no vazio,Seiya avança com Shun para a porta traseira, que está abertae deixa entrar na cabine intensas correntes de ar. Estão a dezmetros do chão, por isso não adiantaria tentar usar pára-quedas.

- Prontos? - pergunta Mei, sua voz abafada pelo som dovento cortante, e então: - Fui! - e salta do avião.

- Que Atena os proteja. - diz Nikol, enquanto Seiya eShun se atiram atrás de Mei no escuro mar da Sicília.

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2

Se pensarmos na Península Italiana com seu formato debota, a ilha de Sicília fica a poucos quilômetros do bico do

sapato, separada do continente pelo Estreito de Messina. Éuma localização privilegiada no Mar Mediterrâneo: do seuextremo oeste, é possível enxergar o continente africano.

Essa é a maior ilha da região, com mais ou menos amesma área do estado de Sergipe, no Brasil. Seu formatotriangular lhe valeu a alcunha Trinacria (“ilha de trêspontas”). A Sicília tem clima ameno e solo fértil, o que,juntamente com sua posição estratégica no mapa europeu,fez com que fosse objeto de inúmeras disputas e guerras aolongo da história.

Na Antigüidade, prosperavam aqui colônias gregas.Anos mais tarde, a região ficou conhecida como “Celeiro deRoma”, Depois houve as invasões bárbaras e a dominação peloImpério Bizantino. Na Idade Média, a ilha foi conquistada porárabes vindos da África, e, no século XI, os normandos,descendentes de vikings nórdicos, aliaram-se às forçasislâmicas para estabelecer o Reino da Sicília, que em certoponto chegou até mesmo a dominar o sul da Itália.

O trono siciliano passou por várias famílias e tradiçõesmonárquicas: o Sacro Império Romano Germânico; a casade Anjou, francesa; os de Arasão, espanhóis; e a de Habsburgo.No século XIX fundiu-se à região Nápoles, tendo origem o queficou conhecido como “O Reino das Duas Sicílias”. Finalmente,em 1861, a Sicília foi anexada à Itália, país do qual ainda fazparte nos dias de hoje, apesar de sua cultura e trajetóriahistórica completamente independentes.

Habitada por povos de múltiplas origens e línguas, aSicília é diversificada, colorida, e freqüentemente complexa

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como um mosaico. Seu próprio nome já teve inúmerasvariações, como Siquéria, adotado quando era uma colôniagrega, ou Siquília, na época da dominação romana. Da mesmaforma, a cidade de Siracusa, ao sudeste da ilha e famosa porser a terra de Arquimedes, recebeu diferentes denominaçõesao longo de sua história, como surakusai, Siragosa, Siracuza.

A arquitetura siciliana é um de seus grandes destaques,uma combinação harmoniosa das culturas mediterrâneasmedievais - bizantina, islâmica e gótica - e do casario barroco,adotado a partir da Idade Moderna. Ao mesmo tempo, poucoslugares conservam tantos traços da Grécia Antiga. Espalham-se pela ilha ruínas de monumentos erguidos em honra aosdeuses do Olimpo, como os templos encontrados no vale deAgrigento, além de inúmeros e grandiosos teatros e arenas.

Vários episódios da mitologia grega têm a Sicília comocenário, como a já mencionada Gigantomaquia. Por exemplo,diz a lenda que Odisseu, um dos maiores heróis dos poemasépicos gregos, travou uma batalha dificílima com o monstromarinho Scylla bem aqui no estreito de Messina.

- O que vem à sua mente quando ouve falar na Sicília?- pergunta Mei. Os amigos se refugiaram em uma ilhotapequena e escura, de onde Mei observa o antigo teatro deTaormina. Chegaram ali nadando depois do arriscado salto: oque seria suicídio para as pessoas comuns não era nada secomparado ao treinamento a que os três tinham se submetidopara se tornarem Cavaleiros.

Seiya pensa um pouco e diz:- Máfia.- Por causa de O Poderoso Chefão, né? - brinca Mei. -

Na verdade esse assunto é tabu por aqui! Mas a Sicilia é muitomais segura do que o continente, sabia?

Taormina fica na costa leste da ilha, com população decerca de 10 mil habitantes. Incrustada em um declive no MonteTauro, a 400 metros de altitude, a cidade tem uma magníficavista para o mar. Sua beleza natural já lhe valeu inclusãocomo cenário de muitos filmes, e fez da região um centroturístico mundialmente famoso.

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A área urbana de Taormina é antiga e, como acontececom muitas cidades européias, predominam calçadas e ruasestreitas. O calçamento é todo feito de pedra e cheio dedegraus, completamente inadequado para os automóveis dehoje em dia, e praticamente não existem estacionamentosali. Da estrada número 114, à beira-mar, partem gôndolaslevando turistas que visitam a cidade.

- Tem uma frase legal sobre a Sicília - conta Mei -, “Nasterras ocupadas pelas oliveiras e pelos deuses do Olimpo,podem nascer estúpidos e gênios, mas jamais verdadeiroscriminosos”. É algo que o meu falecido mestre dizia.

- Olha... Mei. Nós não viemos aqui fazer turismo -suspira Shun.

- Eu sei, cara.Os Cavaleiros foram mandados para a Sicília depois do

ataque ao Santuário, mas não têm idéia do paradeiro dosinvasores.

- Você sabe onde podemos encontrar esses Gigas?- Shun, se eu não soubesse, não teria sido chamado à

Região Sagrada. Não um mero soldado raso como eu - Meiaponta na direção da fachada do teatro. Através da paredede arcos é possível ver o Mar Iônico à esquerda e Taormina àdireita, separados pela faixa litorânea que se estende nadireção sudoeste. Ainda mais adiante nesta espetacularpaisagem está uma montanha que passa impressão de intensapersonalidade.

- O Monte Etna - sussurra Shun.Trata-se do maior vulcão ativo de toda a Europa, com

3.340 metros de altura. Por suas muitas erupções e grandequantidade de lava derramada, o monte tem um aclive muitosuave e não exageradamente inclinado. Do seu cume brotauma intensa fumaça cinzenta.

- Segundo as lendas gregas - explica Mei - os Gigassoterrados por Atena sob o Etna sofrem tanto que cospemchamas e fumaça.

- Nossa, como está escuro - interrompe Seiya. - Já erapara ter amanhecido, ou não?

O Sol é pouco mais do que um círculo apagado no céu,

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e toda a ilha está coberta por uma espécie de meia-luz. Apesarde estarmos no auge do verão, não tem quase ninguém emTaormina, e o lugar parece mais uma cidade fantasma.

- O Etna está numa fase de intensa atividade, eu vi naTV - explica Mei. - A terra treme a toda hora, o aeroportoestá fechado por causa das cinzas vulcânicas e a corrente delava já chegou à beira da cidade, que declarou estado deemergência. Isso explica por que Taormina está tão desertaneste verão, sendo que normalmente é um agitadíssimo centroturístico.

- A população foi evacuada da área?- Exatamente. Normalmente poderíamos subir uma

parte do Etna de carro, mas hoje as estradas estão bloqueadaspelo Exército.

- Droga - reclama Seiya, coçando a cabeça.- Então a gente vai ter que ir a pé.- Primeiro, um banho de mar. Agora, caminhada pela

montanha. Suas férias de verão estão ficando completas,Seiya! - brinca Mei.

- É até melhor... Podemos agir sem termos que nospreocupar com os moradores ou turistas.

- Se os Gigas realmente estão de volta, a primeira coisaé verificar se os laços de Atena estão atados.

- Como, aliás, o senhor Nikol ordenou.- Segundo o meu mestre - diz Mei, com o olhar na

direção da cratera - os laços de Atena estão nas profundezasdo Etna.

- Falou! Então vamos? - mas, antes que Shun e Meipossam responder...

- Bem-vindos, cachorros de Atena!Com o susto, os garotos se levantam em posição de

alerta. Sombras saltam de diferentes pontos do teatro a céuaberto.

- Preciso parabenizá-lo por ter vindo tão rápido aoencontro da morte, Pégaso!

- Ágrios! - Seiya reconhece o gigante com quem lutouno Santuário. E ele não está sozinho.

- Só mandaram três pessoas? Os Cavaleiros devem estar

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com falta de pessoal.- E esses menininhos ainda! Mamãe mandou fazer

compras, foi? Quirrirri...No palco estão Ágrios, “a força brutal”; Toas, “o

relâmpago célere”, e Pallas, “o parvo”, armado com as “garrasmarionetes”. Seus trajes de Adamas refletem um brilho turvosob o céu escurecido.

- Shun, são Gigas que invadiram o Santuário ontem! -mais uma vez Seiya é interrompido, agora por uma novapresença que surge do poço no centro do palco.

- O quê? Argh, que cheiro horrível! - Seiya cobre suaboca instintivamente, sentindo uma terrível ânsia de vômito.É como se estivessem empurrando seu rosto para dentro deum saco de carniça e excrementos.

- Espera aí...! - diz Shun - Minha corrente está reagindoa esta presença...

A corrente amarrada ao traje sagrado de Andrômedatreme como se tivesse sido atingida por um relâmpago.

- É ele! É o cara que me atacou no teatro!A sombra do quarto Giga aparece de repente em meio

a um redemoinho de fumaça negra. Seu vozeirão poderosíssimoreverbera na arena e faz com que todo o lugar trema com avibração:

- Meu nome é Encélado, o “brado de combate”.

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Sou Encélado! o sumo sacerdote dos Gigas!- com isso,ondas vibratórias percorreram o ar, chocando-se contra as

ruínas e causando várias explosões concêntricas.A força inacreditável dessa voz arremessa Seiya, Shun

e Mei até o último degrau da arquibancada.- Que raio de voz é essa? Meu corpo está formigando...- Ele é o chefe dos Gigas?Neste momento, Mei é arremessado novamente, agora

contra a parede, e seu corpo cai pesadamente no chão.- De onde está vindo essa pressão...? - pergunta o jovem,

cuspindo uma mistura de saliva e sangue.Mei está particularmente vulnerável por não ter um

traje sagrado para protegê-lo, como Shun e Seiya, que vestemas armaduras mais poderosas da Terra, feitas de uma liga desupermetais hoje desconhecidos da humanidade, comoOricalco, Gamanion e Poeira Estelar.

- Onde está a vadia da Atena? - Encélado carrega umabengala esculpida com imagens de monstros de terrasdesconhecidas. Seu rosto se esconde atrás de uma máscaracom as feições de Orga, o demônio devorador de pessoas. Suaarmadura de Adamas, ricamente adornada, tem coramarelada, como um topázio eclipsado, e é comprida comouma batina de padre. - Aquela burra mandou Bronze para nosatacar! A hierarquia mais baixa! Pelo jeito, ela ainda nãoacredita que nós, os Gigas, retornamos!

- Ei, pode xingar a gente, mas deixa a Atena fora disso!- Seiya sente o sangue subir à cabeça.

- Há! Uma meretriz ordinária posando de protetora daTerra. E vocês são piores ainda, meros cachorrinhos dela! ODeus primordial que honramos nem sequer reconhece a sua

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laia! - Encéfalo está claramente tentando irritar os Cavaleiroscom essas ofensas. - Atena nos trancafiou nas profundezas doVazio... Imperdoável! Agora queremos vingança! - o monstrocontinua seu jogo de provocações: - Arrancaremos as vestesde Atena e a humilharemos como uma filha comum de homensmortais!

- Como pode... - mesmo o olhar de Shun, normalmentecalmo e sereno, arma-se de uma forte animosidade.

- Então os Gigas estão mesmo de volta... - diz Mei,levantando-se e limpando o sangue do rosto. - Isso significaque o Selo de Atena foi rompido!

- Como conseguiram quebrar o selo da antigaGigantomaquia?

- O que vocês fizeram com a senhorita Yuuri? - Seiyafaz a pergunta olhando fixamente para o sumo sacerdote dosGigas.

- Aquela criança...?- Quirrirri! Medíocre, medíocre, medíocre, medíocre,

medíocre! Os pretensos protetores da Terra são meros covardesque se apavoram com uma refém? Faça-me rir - intromete-sePallas, “o parvo”.

- Não a matamos. Aquela criança está numa cavernasubterrânea - Encélado aponta com a bengala para o MonteEtna. - Se querem salvá-Ia, é melhor que sejam rápidos. Mesmosendo uma Amazona, logo morrerá se continuar aspirando aosgases venenosos do vulcão. Isso se as cavernas não forem paraos ares em uma erupção.

Mei percebe que não podem continuar ali, precisam irem busca de Yuuri imediatamente:

- Seiya, Shun! Sigam-me!É difícil dar as costas a Encélado depois de todas as

provocações, mas esta luta tem que ficar para depois. Osmeninos correm em direção ao Monte Etna, evitando a zonaurbana de Taormina, numa velocidade tão incrível que nãodeixam nem sombras no chão. Mesmo sem poderes extra-sensoriais como o teletransporte, a agilidade e os saltos deum Cavaleiro são imensamente superiores aos de um serhumano comum.

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A cidade fica para trás rapidamente, dando lugar acolinas com plantações cercadas de muros de pedra e arbustos.Tudo ali está coberto por cinzas do vulcão.

- Não tenham tanta pressa, garotos. - Para surpresados três, os Gigas os seguem de perto.

- Mas como?! - pergunta-se Shun, enquanto Toas, “orelâmpago célere”, vem atrás dele, como uma sombra. Pallas,por sua vez, está na cola de Mei.

- Ainda não terminamos a explicação... Se quiseremsalvar aquela garota...

- Nem precisa dizer. Precisamos derrotar vocês, nãoé?!

- Você sabe conversar, garoto! - Ágrios, “a força brutal”,arranca em um só golpe uma enorme quantidade de terra,cavando assim uma vasta cratera.

- Agora, o seu adversário, obviamente, serei eu, Pégaso!Seiya não está a fim de conversa e salta na direção dos

Gigas. Se quiserem lutar agora, que sejam breves, para quepossam finalmente salvar a senhorita Yuuri.

O brilho dos trajes de Adamas é de um azul tenebroso.A pesada armadura, com cravos expostos por toda a suasuperfície, sinaliza claramente a natureza agressiva dascriaturas. Sob o elmo ornado com chifres, Ágrios encara Seiyacom um sorriso malicioso.

- Pois venha.- Meteoro de Pégaso! - o grito do Cavaleiro faz com

que surja um ofuscante facho de luz. É o seu golpe maispoderoso. Nenhum oponente resiste em pé aos mais de cemsocos por segundo, cada um com a força de Pégaso, caindosobre seu corpo como uma chuva de estrelas cadentes...

- É só isso? - Ágrios pergunta, sem se mostrarminimamente abalado pelo Meteoro de Pégaso. Cada vez maisfica claro que os Gigas despertaram para um poder equivalenteao dos Cavaleiros.

O Adamas da armadura de Ágrios não tem sequer umarranhão. Seiya engole seco diante da dor aguda que atravessaseu punho. Por mais poderoso que seja, nenhum corpoconsegue resistir ao soco de um Guerreiro sagrado - a essência

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da destruição, capaz de romper átomos. A única forma debarrar um ataque como esse é com uma força igual ou superiorà dos Cavaleiros. Estamos falando da força interior, o chamadoCosmo.

- Eu senti na Região Sagrada - balbucia Seiya, erguendoos braços numa posição defensiva -, mas o Cosmo dele é aindamaior e mais agressivo do que eu imaginava.

Neste momento, Ágrios se inclina para baixo, expirandovigorosamente. Coloca uma das mãos na terra, agachando-se. Seiya assiste horrorizado enquanto explosões internas deforça fazem os músculos de aço do Giga se expandir aindamais.

- Sinta a diferença de forças entre os Cavaleiros... e osGigas - Ágrios diz, antes de gritar: - Pressão de Penhascos!

O Giga salta na direção de Seiya, chutando o chão paraimpulsionar seu impetuoso avanço. Seu golpe acerta em cheioo Cavaleiro, que só consegue soltar uma espécie de espasmoabafado.

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De volta ao Santuário, na Sala do Mestre. Ao retornar daSicília, Nikol de Altar encontra Saori Kido - ou seja, Atena

- em pé, na mesma posição em que estava quando ele partiu.- Obrigada pelo seu empenho - diz a deusa. - Como

estão Seiya e os outros?- Levei-os a salvo até a ilha - responde Nikol. - Estão

verificando a integridade do Selo de Atena no Monte Etna.- Parece que o monte está em erupção, com muitos

danos.- É verdade, deusa.- Será que não é muito perigoso? Fiquei sabendo que a

população foi evacuada por causa da lava e dos gasesvulcânicos.

- Os Cavaleiros de Atena não temem nenhum perigo oudificuldade. Além disso, a Fundação Graad já está trabalhandoem conjunto com o Exército italiano. A região está isoladanum raio de dez quilômetros, certamente não teremosdistúrbios desnecessários.

- Muito obrigada, Nikol. O senhor foi muito rápido eprestimoso.

- É o papel do Mestre Substituto - agradece, curvando-se diante da garota. - Pediremos que Kiki nos traga notíciasdos acontecimentos na Sicília.

- Sinto muito - diz Atena, ligeiramente cabisbaixa. -Dei outras ordens a Kiki - e continua, depois de uma pausa: -Se os Gigas realmente retornaram, são inimigos terríveis. Pormais que Seiya e Shun sejam Guerreiros Sagrados de inúmerasbatalhas, enfrentá-los sozinhos seria...

- Compreendo - interrompe Nikol - Apenas gostaria quetivesse me consultado a respeito antes.

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- Acho que sou sentimental demais. - diz a deusa - Nãoquero que ninguém se machuque... e com isso se derramasempre o sangue de um grande número de Cavaleiros...

Saori Kido pode parecer emotiva demais para ser umadivindade, mas é exatamente essa a “vontade” de Atena.

- Justamente por serdes assim, Atena, é que nós,Cavaleiros, vos seguimos e vos protegemos - responde Nikol,com a mais absoluta sinceridade e lealdade.

- Que as estrelas os protejam - Atena faz uma prececom seu grandioso Cosmo, desejando aos seus amadosCavaleiros um retorno rápido e seguro.

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Não é fácil explicar em palavras a natureza do Cosmo, uma

vez que se trata do Sétimo Sentido. Palavras são a própriaexpressão da sabedoria humana, e estamos lidando com algocompletamente alheio à humanidade nos dias de hoje.

O ser humano comum possui basicamente cincosentidos: visão, audição, paladar, olfato e tato. Existe um sextosentido, que costuma ser chamado de intuição ou capacidadede premonição, mas apenas aqueles consideradosparanormais têm essa dimensão mais desenvolvida.

Em um passado longínquo, todas as pessoas eramdotadas do Sétimo Sentido - estávamos na era dos mitos,quando ainda não havia fronteiras nítidas entre os deuses eos seres humanos. Embora esteja presente ainda hoje, de formasutil, na própria fonte da vida na Terra, o desenvolvimentoda civilização fez com que os homens acabassem perdendo essamaravilhosa capacidade.

O Sétimo Sentido é a origem dos poderes sobre-humanos dos Cavaleiros de Atena.

Através dele, os Guerreiros sagrados dominam atécnica de despedaçar átomos, sendo capazes de manipular,queimar e explodir a energia da origem da vida - e por issosão tão poderosos. É dessa incrível habilidade que nasce oCosmo, uma força grandiosa e ímpar.

No Monte Etna, as plantas da paisagem se tornam cadavez mais esparsas à medida que avançamos em direção aocume do vulcão. Aqui terremotos ocorrem com freqüência.

As encostas negras estão cobertas de cinzas, cascalhos,pedregulhos e pedaços de lava endurecidos.

- Chega de brincar de pega-pega, garoto de Bronze -

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Toas, “o relâmpago célere”, coloca-se à frente de Shun,bloqueando seu caminho.

O Adamas de sua armadura é de malaquita escura, compedras incrustadas que lembravam olhos esverdeados. O trajeé estranhamente belo e elegante, contrastando com as formasagressivas dotadas de garras e cravos que adornam asarmaduras dos demais Gigas.

A expressão de Toas também é diferente da dos outrosGigas. Com longos cabelos pretos e pele extremamentebranca, seu semblante se mantém geralmente sereno. Seuolhar, emoldurado por sobrancelhas marcantes e escuras, podeaté mesmo ser considerado tranqüilo. Com certeza - e issovale para todos os Gigas - sua aparência não lembra em nadaa dos gigantes de pinturas inspiradas na mitologia grega,comumente retratados como assustadores demônios decabelos brancos.

- Este ser possui um Cosmo impressionante - pensa Shun,assustado. Os Cavaleiros se valem mais do Sétimo Sentido doque dos olhos, ouvidos, nariz, pele ou intuição. É através doCosmo que sua sensibilidade alcança o ponto máximo.

- Será que o Seiya e o Mei estão bem?- Preocupado com seus companheiros? - Toas lê os

pensamentos de Shun com facilidade, usando principalmenteo Sétimo Sentido. - Que tranqüilidade a sua, ficar pensandonos outros... - continua o gigante. - É melhor se preocuparprimeiro com a própria vida.

- Por que vocês estão provocando este conflito? Sãoresponsáveis também pela erupção do Monte Etna?

- E se formos?- Muitas pessoas vivem aqui! As vítimas das batalhas

são sempre pessoas que não têm como se defender. Por quequerem destruir tantos inocentes? Querem conquistar a Terra?

Toas responde com outra pergunta:- Rapaz, você está falando da Guerra Santa?- Sim, estou.- O esquecimento é o pior dos crimes, Santo Guerreiro

de Atena. Você parece disposto a nos enfrentar sem mesmosaber o motivo. - Giga solta um riso maldoso e começa sua

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explicação tortuosa. - Antes da Gigantomaquia, antes desermos exilados nas profundezas do além-Tártaro, já haviaAtena na terra, Poseidon no mar e Hades no reino dos mortos.Mais poderoso que eles havia apenas Zeus, nos céus, e osdeuses do Olimpo reinavam sobre os três mundos. Poseidon eHades declararam guerra a Atena inúmeras vezes, comoobjetivo de dominar a terra... Vocês, Cavaleiros, expulsaramos inimigos e chamaram esses conflitos de Guerras Santas.

- Os Cavaleiros sempre lutaram contra “vontades”malignas e viciadas para proteger o amor e a paz na Terra -Shun não entende aonde Toas quer chegar com tudo isso.

- Sem dúvida, Atena é a guerreira protetora da terra,isso todos admitem. Agora me diga... quem Atena e osCavaleiros defendem?

- Os seres humanos. - responde Shun.- Tem razão. Os seres humanos, as pessoas da Terra. -

faz uma pausa breve. - Rapaz, lute e me mate.- Como?- E eu lutarei, e o matarei. Arrancaremos a carne dos

ossos um do outro. Basta sobreviver sugando o sangue doinimigo. Não precisa de pretextos edificantes e de linguagemdifícil para se justificar.

- O quê...?- Porém, lembre-se que seremos nós, os Gigas, os

vencedores desta batalha. - depois disso, Toas atira o corpode Shun pelo ar. O Cavaleiro cai no chão escorregadio decascalho e cinza vulcânica, deslizando pela encosta.

- O que aconteceu? - Shun está cada vez mais confuso.Simplesmente não percebeu o movimento do ataque de Toas.

- Vou matá-Io. - Toas golpeia o Cavaleiro no pescoçoantes que ele possa se levantar. Neste momento, um somestridente de metal reverbera enquanto faíscas saltam peloar. Toas recua, protegendo o pulso ferido na corrente de Shun,que agora rodeia o cavaleiro em uma espiral frenética quelembra um ciclone. - Essa corrente é uma excelente defesa,garoto.

O leitor que conhece o mapa das constelações celestesdeve saber que Andrômeda, que por sinal compartilha uma

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estrela com a constelação de Pégaso, é representada por umadonzela com as mãos acorrentadas.

Contam as lendas gregas que a rainha Cassiopéia daEtiópia provocara a ira de Poseidon, que passou a devastar oseu país com maremotos e inundações. O rei Cefeus consultouentão um oráculo procurando uma forma de apaziguar opoderoso deus dos mares, e o oráculo lhe respondeu que deviaoferecer ao grande Poseidon a princesa Andrômeda emsacrifício. Com isso, Cefeus ordenou que a princesa fosseacorrentada a um rochedo, na beira do mar. Andrômeda foisalva pelo herói Perseu, que a resgatou montado em seu cavaloPégaso. Todos os personagens citados nessa história foramalçados ao céu e transformados em constelações.

- Meu nome é Shun... Shun de Andrômeda. Não é“garoto”.

- Ah, isso explica a corrente. Mesmo as flores maisfrágeis se vestem de espinhos para se defender. Sua armaduraacabou de salvar sua vida.

- Lamento informar que a corrente de Andrômeda nãoé apenas para defesa. - o Cosmo interior de Shun aumenta acada palavra. - Ela pode atravessar qualquer espaço paraatacar um inimigo, não importa a quantos anos-luz esteja.

Foi essa mesma corrente que suportou a pesada espadado Orestes mascarado na Acrópole. Ela atende à elevação doCosmo daquele que a possui, rompendo o espaço por si sópara protegê-lo. Os trajes sagrados dos Cavaleiros são maisdo que armaduras feitas de supermetais. Eles possuem mistériodivino, vida e vontade próprias.

- Corrente de Andrômeda! - lançada ao chão, a correntese arrasta pelo solo vulcânico, levantando as cinzas e formandoum redemoinho brilhante. - Esta é a minha Nebulosa deAndrômeda - explica Shun.

A imagem da galáxia formada na penumbra damontanha amplia infinitamente seu alcance, com poderproveniente de uma dimensão desconhecida.

- De fato, não podemos menosprezar Cavaleiros com otraje sagrado - apesar de toda a demonstração de força de

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Shun, Toas mantém um tom misteriosamente calmo e emnenhum momento assume qualquer posição de combate. -Melhor assim. É preciso que seja assim! Do contrário, nãohaveria razão para trazê-los até o Etna... Jovem e beloAndrômeda, mostre seu Cosmo para Toas, o “relâmpagocélere”.

- Nós realmente precisamos lutar? - como sempre, Shunresiste ao combate.

- Ou você me mata, ou eu mato você.Forças internas estalam. Os Cosmos de Shun e Toas se

chocam com violência na luta, envolvendo a corrente deAndrômeda.

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Ao recuperar os sentidos, Yuuri de Sextante não tem idéia de onde esteja. Sente-se tonta, com uma dor aguda na

cabeça, e tem uma tremenda dificuldade de respirar. É comose seus pulmões estivessem queimando.

-... É gás? - pergunta-se, baixinho.De fato, o interior da caverna está repleto de gases

vulcânicos com um acentuado odor de enxofre. Ao tentar levaras mãos ao rosto para cobrir a boca, Yuuri percebe que seusbraços estão acorrentados a uma rocha.

Normalmente ela não teria dificuldade alguma emromper essas correntes de ferro, mas seu corpo estáentorpecido, talvez por efeito dos gases. Yuuri olha ao seuredor, voltando a si gradativamente. Não sabe onde está, maspercebe que é uma espécie de gruta. Apesar de não encontrarem seu campo de visão nenhuma tocha ou fonte de luz,consegue enxergar claramente dentro da caverna. “Por quenão está escuro aqui?”, pensa a garota.

- Porque esta é a Terra Santa dos Gigas - a voz faz comque Yuuri estremeça de pavor, como se fosse uma mulhercomum. Volta seu olhar na direção dela: um demônio. Não,uma máscara. Um homem vestindo uma máscara diabólicacomo um Ouga.

É Encélado, “o brado de combate”, em sua longaarmadura, que tem o brilho dourado do topázio, e ele observaatentamente sua prisioneira.

- Quem é você? Onde estamos? - Yuuri se esforça paraaparentar tranqüilidade e firmeza, mas está seriamentetranstornada. Sendo uma Amazona, não se assustaria com afachada rasteira de uma máscra: consegue reconhecer eidentificar com precisão o incrível poder do inimigo.

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- Da mesma forma que Atena tem o seu Santuário, nóstemos esta terra, protegida pela vontade do Deus dos Gigas.

- Gigas...? - Yuuri mal consegue falar e nem sequertem certeza de que sua pronúncia é inteligível. Até seus lábiosestão entorpecidos. Vasculhando seus conhecimentos deOficiante auxiliar, lembra-se de que os Gigas são seres malignosde morada desconhecida, exilados por Atena na longínquaGigantomaquia. É a história de uma guerra distante, da qualpraticamente não restam registros, nem mesmo no próprioSantuário.

Mais uma vez Yuuri olha ao seu redor, sem entender deonde vem a sutil luminosidade do ambiente. Seria a própriarocha brilhando como uma parede luminosa, ou estaria o arsaturado de partículas de luz? De qualquer forma, não é umaluz compreensível pela lógica humana. Certamente está emuma região sagrada, mas a vontade que a preenche é denatureza completamente diferente da de Atena.

- O que você pretende me raptando? - pergunta,tossindo.

Também não entende como o gigante à sua frente podeestar imune ao efeito dos gases. Lembra-se de que as máscarasdas Amazonas têm efeito neutralizador de tóxicos, talvez amáscara de Orga tenha a mesma função. Só então Yuuri selembra de que sua máscara foi quebrada na luta noObservatório. Seu rosto está exposto, desprotegido. Para umaAmazona, estar sem máscara é como estar nua.

- Os Cavaleiros têm uns dogmas esquisitos - dizEncélado, demonstrando que pode ler os pensamentos deYuuri. - As Amazonas usam máscaras para abandonar suafeminilidade - continua, erguendo com sua bengala o queixoda jovem, forçando-a a olhar para a frente, o que faz comque o espírito dela seja invadido por humilhação econstrangimento. - Você é uma presa, uma isca, um chamariz.Este será o túmulo dos Cavaleiros.

Mesmo estando enfraquecida, Yuuri não consegueconter o riso.

- Eu sou sua refém? O que o faz pensar que uma relesAmazona de Bronze como eu teria tanto valor?

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- Não acho que tenha valor algum. Mas Atena não pensaassim. Dizem que seu espírito se contorce de dor cada vezque há uma chance dos seus protetores se ferirem. A prova éque ela enviou Cavaleiros aqui ao Etna para salvá-Ia.

- O quê? - Yuuri não entende por que o Oficiante-morNikol colocou outros defensores de Atena em perigo. Emcontraste com sua atitude pacata no dia-a-dia, quando setrata de zelar pela proteção da deusa, Nikol é severo etotalmente insensível às necessidades individuais dosCavaleiros e Amazonas. “Isso quer dizer duas coisas”, conclui,em pensamento. “Que esta situação é muito séria, e que,mais uma vez, Atena agiu de acordo com seu enorme coração.”

- Sim, com seu enorme coração a sua deusa mandou osCavaleiros para a morte nas mãos dos Guerreiros Gigas.Hahaha! - Encélado solta uma gargalhada terrível.

- Você não pode ser um Giga, um daqueles monstrosque cultuavam deuses viciados do passado... - antes queconseguisse terminar, Yuuri é atingida no rosto pela bengalado gigante, cortando o interior de sua boca.

- Como ousa chamar meu deus de viciado? - diz, puxandoa Amazona pelos cabelos prateados. - Comporte-se, cadelade Atena! Estamos diante da presença divina.

Um palpitar. Yuuri consegue sentir o ritmo de umcoração batendo. Seu Sétimo Sentido lhe diz que, muito alémdesta caverna, nos confins perdidos do vão entre Gaita eTártaro, um Cosmo de escalas nunca antes imaginadas estáem gestação. Em algum templo subterrâneo está sendo nutridoum mal de dimensões desconhecidas.

- Quando ele ressurgir sobre a Terra, não teremosmotivos para ter medo de Atena! - Encélado parece satisfeitopelo fato de a Amazona perceber o poder divino.

- Um deus maligno do passado...? - são as últimaspalavras de Yuuri. O golpe da bengala diabólica a atinge comum som surdo. A Amazona desmaia, com os cabelos e o quitammanchados de sangue.

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III

RESSURREIÇÃO

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1

Terremotos fazem a ilha tremer de forma assustadora, comose estivessem expressando o ódio acumulado dos Gigas

sob o Etna. Seiya está soterrado sob cinzas recentes quecobrem a encosta do vulcão. Foi arremessado contra a lateralda montanha pelo impacto do corpo de Ágrios, “a forçabrutal”. O sangue que escorre de sua testa é absorvidorapidamente pelo solo esponjoso.

- Como é incrível o poder dos Gigas - pensa o Cavaleiro,percebendo uma fissura em sua armadura de Pégaso, na alturado peito. - Pelo jeito a história de que quase todos osCavaleiros foram derrotados não é balela, não...

Seiya sabe que só alguém capaz de exteriorizar o seuCosmo, alguém que domine uma técnica de luta capaz dequebrar átomos, seria capaz de afetar seu traje sagrado, maisresistente que qualquer metal do universo.

- Olha só aonde você veio parar, Pégaso. - Ágrios seaproxima do garoto em sua Adamas azul, pisando nas cinzas,lentamente. - Se não tivesse batido na montanha, você teriacruzado o Mediterrâneo até a África.

- Mas que exagero - diz Seiya, erguendo-se. Seu rostoestá cheio de fuligem.

- Ainda consegue falar asneiras depois de receber aPressão de Penhascos? Estou impressionado.

Seiya e Ágrios se encaram sobre o declive escorregadio,a dez metros um do outro. Enquanto nenhum ataque de lutaou artes marciais poderia ser travado a essa distância, paraos Cavaleiros, que lutam a velocidades supersônicas, esse éum espaço mínimo.

- Meteoro!

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- É inútil! - sorri Ágrios, enquanto os dois se cruzam noar, envoltos em ondas de impacto. - Para mim, isso é comouma picada de pernilongo.

De fato, mesmo atingido por centenas de meteoros, oGiga não esboça qualquer reação, permanecendopraticamente imóvel o tempo todo.

- Como é que pode?! - pensa Seiya, perplexo. - Pormais que o Adamas seja resistente, não existe nada que nãopossa ser destruído por...

- Você não tem como me vencer - diz o gigante,interrompendo os pensamentos do Cavaleiro. - Conforme-secom a derrota, Pégaso. É o fim!

Mais uma vez, Ágrios toca o chão com uma de suasmãos, curvando-se para ganhar impulso. Para esse temívelgigante, artimanhas técnicas são desnecessárias. Basta-lhelançar sobre o oponente sua duríssima armadura e o pesosobre-humano de seu corpo.

- Pressão de Penhascos!O chão parece explodir com o avanço de Ágrios,

erguendo uma enorme coluna de cinzas. Seiya não conseguese desviar e o gigante agarra seus pés como num jogo defutebol americano, jogando o Cavaleiro no chão com todo opeso de seu corpo e uma velocidade avassaladora.

- Ah! - Seiya cospe involuntariamente um jato desangue, formando uma espécie de neblina avermelhada noar. Sua nuca atinge o solo com um baque surdo.

Ágrios contempla por alguns segundos a eficácia de seugolpe, soltando então lentamente o corpo imóvel de Seiya,com uma expressão satisfeita de trabalho cumprido.

- Será que quebrei todos os ossos? - pergunta-se,olhando com desprezo para Seiya, que está praticamentesoterrado nas cinzas, muito mais machucado do que quandofoi arremessado pelo gigante agora há pouco. O corpo dogaroto absorveu toda a energia destrutiva da armadura e daimpressionante massa corpórea de Ágrios.

- Poderia matá-lo se quisesse - continua, erguendo comuma só mão o corpo de Seiya, já envolto nas cinzas que seacumulam incansavelmente. - Mas aí não haveria sentido em

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atrair os Cavaleiros para o Etna. Sem falar que, se eu omatasse, teria que escutar os maçantes sermões de Toas e doMestre Encélado. Então, me faz um favor? - sua voz se enchede um sarcasmo maldoso. - Fica vivo só mais um pouco. Depoisque o nosso assunto acabar, eu termino de matar você, certo?

Um facho de luz se espalha pelo ar repentinamente.Ágrios é pego de surpresa pelo chute meteoro de Seiya, queaté agora parecia moribundo. Os inimigos voltam a abrirdistância entre si, enquanto um vento forte arrasta as cinzasno chão.

- Se liga! Fica falando coisa sem nexo aí... - provoca oCavaleiro.

- Moleque! - Ágrios treme de raiva, ainda cambaleandoum pouco por causa do golpe. - Você está pedindo isso! - seuelmo de Adamas foi arrancado, revelando um rosto de traçosaltivos e marcantes, que contrasta com suas maneirasgrosseiras.

- Perdeu a cabeça junto com a máscara, é? - continuaSeiya. - Acontece que eu também perdi a paciência com você.

- É este o Cosmo de Pégaso? - o gigante parece se darconta pela primeira vez do enorme poder do Cavaleiro.

- Não vou morrer num lugar destes - diz Seiya. - Melevanto toda vez que cair! E no final vou derrotar você.

- Já disse para não empinar demais o nariz! - umaterceira vez Ágrios encosta a mão no chão, gritando, enquantoseus olhos transbordando de ódio encaram Seiya fixamente: -Queime meu Cosmo... Queime! Pressão de Penhascos!

E novamente o solo parece explodir. Os dois colidemem pleno ar com um som pesado, que põe fim ao movimento.Uma quantidade tremenda de sangue tinge o chão cobertode cinzas. Ágrios tem um enorme corte na testa e geme dedor com sua voz gutural.

- Um Cavaleiro nunca recebe o mesmo golpe duas vezes- diz Seiya, interceptando com o joelho mais uma tentativade ataque do gigante.

- Agora você enxergou o Pressão de Penhascos?- O meu Cosmo me mostrou.Seiya suspende pelas costas o corpo cambaleante de

Ágrios. Seu Cosmo provoca uma explosão avassaladora,

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projetando o garoto em um salto, quase um vôo no céu,levando consigo o Giga num fluxo ardente de sangue.

- Não é possível... O meu corpo enorme? Um relesCavaleiro...!

De posse da aura alada de Pégaso, Seiya mergulha nadireção da terra, fazendo com que o inimigo caia de cabeçano chão.

- Turbilhão de Pégaso! - com isso uma estrela colossalcai dos céus. O impacto estremece a terra com forçacomparável à do choque de um asteróide, abrindo uma enormecratera na montanha. A figura de Seiya emerge da nuvem decinzas gigantesca.

O Cavaleiro cambaleia ligeiramente e dobra o joelho.“Essa foi por pouco”, diz para si mesmo. Seiya está em umestado de excitação tamanho que não sabe se ri ou cai paratrás de susto. Ele tem consciência de que não teria vencido aluta se não tivesse arriscado a própria vida. Ter a habilidadede dominar a essência da destruição significa que cada batalhade um Cavaleiro contra um oponente à sua altura é uma visitaao domínio da morte.

Seiya não sente mais o Cosmo de Ágrios, até poucotempo atrás tão agressivo e brutal.

- Cadê o Shun? E o Mei...? - Ainda se movendo comdificuldade, parte em busca do Cosmo de seus companheiros.

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A corrente estelar treme na penumbra, formando uma galáxia espiralada.

- Esta é a minha Nebulosa de Andrômeda - repete Shun,envolto pela barreira intransponível. - Agora você não temmais como se aproximar sequer um passo de mim diz,encarando Toas, o “relâmpago célere”. A arma se movimentacom vida própria, levantando vigorosamente as cinzas do chão.

- Não me diga... - a confiança do gigante permaneceinabalável.

- Se pretende atravessar esta corrente, lembre-se deque correrá risco de vida - avisa Shun. No entanto, Toas aindalança um golpe rápido como uma lança elétrica. - Proteja-me, corrente circular!

O metal gira no ar como vagalhões agitados, repelindocom sucesso o relâmpago. Toas recua depois de duas investidasbloqueadas pela corrente.

- Nesse caso, então... - o gigante se movimenta ao redorde Shun em uma velocidade várias vezes superior à do som,cercando o Cavaleiro de inúmeras imagens residuais de simesmo. É impossível acompanhar com os olhos essedeslocamento supersônico, e Shun não consegue em momentoalgum identificar a verdadeira localização de Toas.

Mas a corrente de Andrômeda é imune a ilusões dessetipo. Quando o gigante tenta lançar um golpe na direção doCavaleiro, ela localiza precisamente sua posição e o atingenuma explosão que faz com que a cinza vulcânica acumuladase erga no ar. Com o choque, a máscara de Adamas de Toascai no chão.

- Eu disse que não poderia se aproximar de mim - Shunde Andrômeda permanece intocado no campo de batalha

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enevoado pelas cinzas. Sua “tropa” - a corrente - mantém-seem formação, formando uma nuvem de estrelas.

- Pois bem - Toas leva as mãos ao rosto recém revelado.- Você tem motivos para ser tão confiante. Sua corrente temuma capacidade impressionante - continua, alinhando oslongos cabelos negros. - Realmente não oferece nenhumabrecha, serve como olhos, ouvidos... mais do que isso, vaialém dos cinco ou seis sentidos, deve perceber o inimigoatravés daquilo que vocês, Guerreiros Sagrados, chamam deCosmo.

- Ilusões não funcionam contra ela - completa Shun. -À medida que o meu Cosmo aumenta, a corrente se tornamais e mais capaz de reagir a qualquer golpe, por mais rápidoque seja.

Entendo - a voz de Toas mantém uma calma misteriosa.- A Nebulosa de Andrômeda é um meio integrado de defesa eataque.

- Vamos acabar com esta batalha sem sentido - diz Shun,como sempre ouvindo seu instinto pacifista. - Não queromachucar ninguém, mesmo que seja meu inimigo.

O gigante mal acredita no que está ouvindo: - Você nãopode estar falando sério. Se está tirando sarro de mim, temuma personalidade bem maldosa por trás desse rosto dedonzela.

Mas Shun reforça sua posição:- Brigar e matar sem motivo nenhum... Eu não consigo

fazer isso! - suas palavras são quase uma declaração defraqueza, algo impensável para um Cavaleiro que tem a guerracomo ofício.

- Sem motivo? Humm - Toas pensa por um instante. -Ou seja, caso tenha motivos, você mataria o inimigo. Entãonão consegue lutar sem o estímulo de alguém? Precisa de umempurrãozinho, é isso? Sua auto-afirmação tem que serembasada por palavras alheias?

-... Bem...- Você é omisso e medíocre. Tenho nojo disso - seu tom

de voz se torna repentinamente duro e seco. - Eu já disse:Cavaleiros e Gigas não precisam de questões de honra ou

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grandes missões para se enfrentarem até a morte. Não épreciso dizer nada, a luta é travada em nome da justiça.

- Então devemos lutar por lutar, sem razão alguma?Como os demônios ou como Rakshasa?

- Você procura desculpas demais para os seus atos,Andrômeda. Não estou interessado nas suas lamúrias, seubebezão. Sua ladainha cheia de compaixão machuca o meuespírito.

Shun sente que o espírito de Toas se fortalece. Comouma espada japonesa que ganha brilho e leveza nas mãos doartesão, o Cosmo do gigante se toma cada vez mais afiado elímpido. O artesão que fabrica a espada não tem medo deproduzir instrumentos de morte, nem tampouco nutreintenções homicidas enquanto aprimora a katana. As guerras,por sua vez, não passam de embates entre armas e escudos -desapaixonadas, completamente desprovidas de sentimentos.

- Isto é fruto da humilhação a que me expôs - diz Toas,sobre o próprio Cosmo crescente, inesperadamente investindocontra Shun.

Uma ferida, então duas. No início o sangue brota apenasdos braços do Cavaleiro, mas a hemorragia vai ficando séria àmedida que novos cortes aparecem por todo o seu corpo.

- C-como é possível? Por que a barreira intransponívelda corrente não reage?!

- Não fique tão surpreso, garoto - Toas aponta o dedona direção de Shun, fazendo surgir um brilho agudo e maisum sangramento.

O Cavaleiro está sendo atacado por ondas de impacto,finas como agulhas, lançadas pela mão de Toas como projéteis.O gigante é sua própria arma poderosíssima, e suas investidasatravessam o corpo de Shun sem que ele precise tocá-lo.

- Você disse que a corrente de Andrômeda o defendede ataques de inimigos conforme o seu Cosmo se eleva... -explica o monstro, com satisfação. - Basta, então, valer-mede um Cosmo superior ao seu, lançando um ataque a umavelocidade superior ao instinto de defesa da corrente.

Shun percebe que o sangue não estanca, jorrandocontinuamente das feridas. Mesmo o menor corte, minúsculo

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como o buraco de uma agulha, sangra de uma formaassustadora.

- É o “Estigma” - continua o Giga, acompanhando ospensamentos do Cavaleiro. - Não é uma ferida comum. Umcorte provocado por mim jamais se fecha.

- Mas como...?!- Não é difícil para alguém que domina completamente

os fluxos de sangue e energia vital do ser humano. Essa técnicafoi desenvolvida originalmente para que possamos oferecer anosso deus cada gota de sangue dos sacrifícios feitos em seunome.

Um dos soldados rasos assassinados no Santuário nanoite anterior havia sido morto por esse ataque, fatal mesmopara os Cavaleiros, que são de carne e osso e morrem aoperderem um terço do sangue no corpo.

- Rapaz, em poucos minutos você estará morto em meioa dores “suaves e plácidas”. - Uma pausa, e o Giga fala, então,para si mesmo - Nossa, eu não gosto mesmo dessas palavras.

Shun cai de joelhos, perdendo as esperanças. Toas seaproxima dele e diz, numa voz aparentemente carinhosa:

- Vamos acabar com esta batalha sem sentido. - Ogigante é puro deboche. Seu próximo passo é interrompidopor uma tênue reação da corrente.

- Você é um mau perdedor. Sua corrente perdeu toda aforça.

- Não gosto de lutar. Na verdade, detesto - Shun ergueo rosto, encarando Toas enquanto suas mãos agarram as cinzasno chão. - E, como você disse, eu vivo me remoendo, vivo emdúvida sobre o que eu faço.

O Giga percebe o Cosmo de Andrômeda, crescendoteimosamente mesmo estando o garoto quase morto, compouco sangue nas veias.

- Mas eu aprendi a lutar - Shun continua, tentandomanter a firmeza na voz apesar da fraqueza que domina seucorpo. - Tenho que lutar, ignorando o sofrimento que isso mecausa. Eu luto. Não sou mais um bebê chorão - o Cavaleirousa todas suas energias para assumir uma posição de luta,colocando a corrente à sua frente.

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- Então, mesmo condenado à morte pelo Estigma, vocênão admite a derrota. Pelo menos não enquanto a correnteexistir.

- Vão, correntes angulares!A arma avança sobre o oponente deixando um rastro

em ziguezague, revestida de impulsos elétricos. Toas reagegritando:

- Ondas relâmpago!Faíscas se projetam no ar. O gigante segura a corrente

com as duas mãos, ignorando completamente a eletricidadeemanada por ela.

- N-não acredito! Você imobilizou a corrente? - Shunnâo consegue acreditar no que vê.

- Então este é o poder de ataque da corrente... capazde atingir o inimigo rompendo espaços? - novamente Toas sedirige ao Cavaleiro de Andrômeda com uma serenidadeinabalável. - Mas, mesmo que ela seja capaz de alcançarinimigos a anos-luz de distância, jamais atingiria o “relâmpagocélere” a esta velocidade. Com este ataque, meu rapaz, vocêabreviou ainda mais o pouco tempo que lhe restava.

Toas puxa a corrente, fazendo com que Shun cambaleie,apesar de a pressão aplicada ser mínima. A pressão sanguíneado garoto cai progressivamente, fazendo com que o fluxo dahemorragia causada pelos estigmas comece a diminuir aospoucos. As extremidades de seus dedos estão esbranquiçadase formigando, sem forças.

- Eu gostaria mesmo de saber... - o Giga parece sedivertir com o sofrimento de Shun. - Afinal você é forte ou éfraco, Andrômeda? Em alguns momentos demonstra afragilidade de uma donzela, em outros, a bravura digna deum Cavaleiro. Seu espírito é instável demais, um emaranhadodesajeitado e, francamente, incompreensível para mim. - Fazuma pausa como se esperasse uma resposta. - Nem tem maisforças para falar... Vou matá-lo então, esmagando suacorrente, destruindo assim sua última esperança.

Toas cruza os braços, assumindo pela primeira vez umaposição de combate.

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- Receba então o golpe mais poderoso de Toas...Shun ainda tem forças para gritar:- Proteja-me, corrente circular!- Golpe Vingador! - um facho de luz rasga a nuvem de

estrelas. O impacto do punho de Toas, cem vezes maispoderoso que o ataque de seus dedos, destroça a Nebulosa.Para desespero de Shun, a corrente de Andrômeda está caídano chão, sem reação.

- Agora você é um passarinho sem as asas - zomba ogigante, posicionando-se então para um último golpe,certamente fatal, já que Shun não tem mais a corrente paradefendê-lo.

Segundos antes de Toas lançar o ataque final, o gigantepercebe algo estranho em seus pés. Sem que ele tenhapercebido, a superfície enegrecida da montanha adquiriu umatênue cobertura branca. Uma sensação gelada.

- O que é isso, neve em pleno verão siciliano? - pergunta-se, estupefato.

A geada vai cobrindo a montanha. Ar frio sobe do solo.Cristais de gelo cada vez maiores e mais numerosos seacumulam em toda parte.

- Isto não é ilusão - uma voz se antecipa ao surgimentoda figura imponente de um jovem loiro vestindo uma armadurabranca. Sua presença emana um brilho gélido sobre amontanha de fogo, agora em plena tempestade de neve.

- Quem é você?- Hyoga! - é Shun quem responde a pergunta do gigante.- Você está bem, Shun? - pergunta, sem fazer menção

de olhar para o companheiro caído, enquanto encara Toasfixamente. O Giga percebe pelo traje sagrado do garoto quese trata de outro Cavaleiro de Atena.

Apesar do nome japonês, Hyoga tem olhos azuis, porser fIlho de uma russa, Natássia, e de um japonês, MitsumasaKido. É mais um dos filhos não reconhecidos pelo velho, umdos cem meio-irmãos enviados aos mais diversos cantos domundo para se tornarem Cavaleiros. Um dos dez sobreviventesdaquele treinamento mortal.

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- Sou Hyoga da Constelação do Cisne.Seu traje sagrado é uma armadura de gelo, originária

das eternas geleiras árticas. Tem asas esculpidas em baixorelevo na região peitoral, e uma máscara com adornos emforma de penas. O conjunto sinuoso transmite uma impressãode leveza, refletindo o ar nobre do Cavaleiro. Hyoga parecesaído de um velho romance europeu. Já não é mais umacriança, mas ainda não é um adolescente. Possui um brilhopeculiar, raramente encontrado em jovens de sua idade, quelhe confere um ar de nobreza. Seu olhar de um azul límpido éo grande destaque de seu rosto, que parece recusar aintimidade alheia, ao mesmo tempo em que expressa solidãoe saudade.

- Então a cavalaria chegou atrasada... Pelo jeito vocêdomina a Energia do Frio, Cisne. Interessante.

- Tenho mesmo que conversar com você? - Hyoga nãotem interesse em dar qualquer explicação ao gigante.

- Que garoto antipático... Melhor assim! - Toas resolvepartir diretamente para o ataque. - Morra juntamente comAndrômeda: Golpe Vingador!

O mais poderoso golpe de Toas parece avançar sobreHyoga rompendo a cortina de neve, mas passa longe doCavaleiro e corta apenas o ar.

- Cristais de gelo...? - o “relâmpago célere” titubeia.- É o meu Kalitso, o círculo de gelo de Cisne. Não notou

que suas pernas estão congeladas?O gigante não entende como isso pode ter acontecido

tão rapidamente. Os círculos de cristais de gelo aumentamem quantidade gradativamente, esfriando cada vez mais aspernas de Toas sob o Adamas. Cristais de gelo dos mais variadostamanhos pairam como ilusões no campo nevado, em plenoverão da Sicília.

- Adeus, Giga.

O que é a energia... O “Ki” do frio? A temperatura é umaunidade de medida da agitação molecular. Quanto maisintensa a agitação das moléculas em uma substância, maiorsua temperatura, e quanto menos intensa, menor a

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temperatura. A relação entre calor e frio é de dinâmica eestática. Se a técnica de luta que destrói átomos é dinâmica,acontecendo através do calor, aquela que interrompe seumovimento é a técnica da imobilização, que age pelo frio.

- Pó de Diamante!Hyoga de Cisne é um dos poucos Cavaleiros que

dominam a técnica do gelo. Seu golpe poderoso faz com queo Cosmo de Toas, o “relâmpago célere”, permaneça pregadoao campo de neve e cinzas vulcânicas, dominado por um sonoperpétuo.

O cavaleiro se volta para Shun.- Não se mexa - diz, lançando um golpe na direção do

Cavaleiro de Andrômeda. Seu dedo indicador toca a armadurade Shun na altura do coração, fazendo com que as hemorragiasdos estigmas estanquem imediatamente.

- Toquei no ponto vital do Shin’outen - explica Hyoga.- Ele estanca hemorragias.

- Como você veio parar aqui? Não tinha voltado para aSibéria Oriental?

- Foi o Kiki. Atena o enviou para me chamar. Ela quisque eu os ajudasse.

- Atena... A senhorita Saori fez isso por nós.- O Kiki está descansando no pé do vulcão, exausto

depois de tantos teletransportes.Sem dúvida, ir até a Sibéria e de lá para a Sicília num

tempo tão curto deve ter esgotado o garoto.- Espero que não tenhamos feito o Kiki exceder seus

limites - mesmo estando ele próprio enfraquecido, Shunmantém sua generosidade e preocupação com os outros.

- Onde estão o Seiya e o Mei? - pergunta o Cavaleiro deCisne, já sabendo do reaparecimento de Mei e do apavoranteretorno dos Gigas, informado por alto da situação por Kiki.

- Nós nos separamos enquanto lutávamos contra osGigas... - Shun se levanta cambaleante, segurando a correntepara avaliar seu estado. Enquanto a própria armadura deAndrômeda não for destruída, a corrente se mantém atravésde energias transdimensionais, se recompondo completamentemesmo que algum elo tenha sido rompido em uma batalha.

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- Estou sentindo o Cosmo de Seiya, mas está muito fraco.- Vamos nos reunir de uma vez. Estou preocupado com

o Mei. É impossível que alguém sem armadura consiga derrotarum desses Gigas.

- É verdade... - concorda Shun, levando as mãos à testaao ser dominado por uma forte tontura.

- Você perdeu muito sangue. Não deve se movimentarmuito nesse estado. É melhor que fique descansando.

- Não, está tudo bem comigo.- Está certo - Hyoga esboça um sorriso. - Apesar do fato

de você dizer que está tudo bem não significar muita coisa...Shun abre um leve sorriso e os dois Cavaleiros retomam

a subida do Etna, na direção do Cosmo de Seiya.

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3

-Estou sentindo um pouco de Cosmo lá embaixo - Seiya olha para o interior de uma antiga cratera, atualmente

inativa, mas que por séculos, talvez milênios, cuspiu fogo efumaça. O Cavaleiro de Pégaso não consegue afirmar se aenergia que sente é da senhorita Yuuri ou dos Gigas.

- Opa! - Seiya cambaleia. Está suando muito, um suorfrio e desagradável. - Não entendo. Meu corpo parece maispesado.

O ar nesta altitude é muito rarefeito, mas não osuficiente para afetar um Cavaleiro.

- Droga! Estou sem força - o garoto sente-se como seseu corpo estivesse cheio de buracos por onde seu Cosmovaza a cada passo dado. Seiya não consegue encontrarexplicação para seu estado. Embora a luta contra Ágrios tenhasido dura, ele não acredita que tenha causado conseqüênciastão graves.

Um passo em falso e a superfície da montanha parecedesmoronar. Seiya escorrega e quase cai dentro da cratera,mas é salvo por uma inesperada mão amiga.

- ... Mei!O jovem ergue o corpo de Seiya pelo braço.- Você está bem? - pergunta o Cavaleiro, verda-

deiramente preocupado.- Eu é que pergunto! Olha só o seu estado - diz Mei,

completando com uma risada.- Você está rindo do quê, cara? - mas Seiya perdeu a

vontade de se zangar com o amigo, limitando-se a ficaraborrecido por alguns segundos. - Cadê aquele que usa asgarras, o tal de Pallas? - pergunta, retomando o diálogo.

- Fugi dele. Pensa bem, você que é Cavaleiro teve amaior dificuldade para bater nesse cara. Acha que um soldado

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raso como eu teria alguma chance? - Mei conseguiu escapardo Giga por conhecer cada centímetro da região. Além disso,como espião do Santuário, aprendeu a apagar os rastros deseu Cosmo, despistando seu perseguidor.

Neste ponto Shun e Hyoga aparecem não muito longe,subindo a montanha na direção de Seiya e Mei. Os quatrofinalmente se reúnem, à beira da antiga cratera.

- Não sabia que você estava aqui, Hyoga... - a expressãode Seiya é de verdadeira surpresa.

- Fui enviado por Atena para ajudá-los.- Esse traje de Cisne cai bem em você.- Mei - Hyoga olha apenas de relance para o irmão que

reencontra depois de tantos anos.- Veio correndo da Sibéria? Tomara que não tenha se

cansado - brinca Mei, sem obter resposta. - Haha! Vocêcontinua antipático, cara. Ninguém aqui mudou nadinha.

O jovem dá de ombros fazendo uma careta que fazcom que Seiya e Shun soltem uma risada rápida.

- Vocês dois estavam aqui porque sentiram o Cosmovindo desta cratera? - pergunta Shun.

- Então vocês também sentiram.Hyoga se vira, calado, na direção do buraco, apontando

uma fissura entre duas enormes rochas, que parecem lábiosentreabertos. O quarteto se dirige à abertura na pedra,descendo cuidadosamente pela frágil e quebradiça superfíciedo interior da cratera.

Shun espia pela fenda:- É bem fundo. Parece ir até o centro da Terra.- O Cosmo vem do fundo desta caverna.Diante das palavras de Seiya, os amigos descem pela

abertura na rocha, usando a corrente de Andrômeda comouma corda. Ao alcançarem a base da caverna, percebem quenão estão cercados de escuridão, como seria de se esperar,uma vez que haviam deixado a luz do dia completamentepara trás.

- O que é isso? As paredes da caverna estão brilhando?Seiya e Shun andam na frente, seguidos por Hyoga e,

no final da fila, Mei. A gruta é larga o suficiente para abrirem

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os braços, e eles conseguem enxergar alguns metros à frentegraças a essa luz fantástica e inexplicável. Tons que vão dodourado claro ao vermelho profundo se projetam nas paredesde pedra, variando de intensidade ciclicamente.

- Está pulsando...- Credo, Shun! - protesta Seiya com uma expressão de

pavor, como se a observação do amigo fosse atrair algumfantasma.

- A impressão que eu tenho é de que estamos no interiorde um ser vivo - continua Shun. - A corrente está tensa otempo todo.

Uma sensação cada vez mais desagradável invade osjovens à medida que avançam na direção do fundo da caverna,de onde vem o Cosmo.

- Estou com frio na barriga, pôxa - reclama Seiya, aomesmo tempo em que a temperatura se torna mais e maisalta.

- Que calor. Acho que a gente já andou uns bonsquilômetros.

A esta altura estão todos suando muito.- E o cheiro de gás está ficando mais forte.Será esta fenda um caminho para o útero da Terra? Os

Cavaleiros estão sendo atraídos à fronteira do inferno? Apesardos pensamentos assustadores, o quarteto prossegue,inabalado, seu caminho rumo ao fundo.

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O altar emana um mal de origem desconhecida. Um somgrave, talvez o vento, domina o ambiente.

- Ágrios. E Toas também. - sussurra Encélado, o “bradode combate”, no templo subterrâneo, enquanto olha comdesdém para a jovem acorrentada. - Os santos de Atena...Depois da antiga Gigantomaquia, será eles vão se colocar nocaminho dos Gigas outra vez...?

Yuuri está desacordada, com o rosto caído para frentee os cabelos prateados manchados de sangue.

- Não há nada a temer em relação aos Cavaleiros -balbucia o Giga, como se quisesse convencer a si mesmo,enquanto cutuca insistentemente com sua bengala a refém,que permanece imóvel. - Porém, Atena não deve sermenosprezada. Enquanto a deusa guerreira protetora da Terraexistir, os desagradáveis Cavaleiros continuarão a proliferare nos importunar como moscas no verão. Vamos ressuscitá-Io, então! Nosso querido Irmão Infante, detentor de umavontade superior à de Atena, superior a todos os deuses doOlimpo... Vamos resgatá-lo das profundezas perdidas do Além.

- Senhorita Yuuri! - Seiya não consegue conter o gritoao encontrar a Amazona amarrada na pedra.

- Finalmente, cansei de esperá-los, cães de Atena - dizEncélado, com sua voz poderosa, enquanto surgem, atrás deSeiya, Shun, Hyoga e Mei.

- Que lugar é este...? - perguntam-se os Cavaleiros,abismados.

O túnel por onde vieram se abre repentinamente emuma imensa caverna, grande o bastante para abrigar umanfiteatro. Um estrondo pesado. O vulcão parece tremer comfreqüência cada vez maior. Lascas se desprendem e caem do

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teto. O vão parece poder ruir a qualquer momento. O calor éintenso e abafado, calor de magma. Um som constante earrepiante paira no ar. Será o vento...? Parece um grito agudoprovocado pelo vendaval.

- Um espaço livre tão grande sob o Monte Etna! E aquelealtar... Isto parece ser um templo. - a corrente de Andrômedase enrijece. No centro da grande abertura há um enorme altarde pedra. A superfície enrugada mantém a mesma luztremulante do corredor por onde chegaram os garotos,dominados por uma impressão perturbadora de estarem nointerior de uma víscera gigantesca.

- A senhorita Yuuri... Está bem? - perguntou-se Seiya,com grande preocupação. Acorrentada pelos dois braços àrocha, cabeça curvada para frente, é impossível dizer se estáviva ou morta.

- Se ela ficou esse tempo todo aqui, em meio a todaessa concentração de gases, o risco é grande - o rosto deShun demonstra alguma ansiedade. - E ele? - pergunta Hyoga,apontando para o Giga mascarado que segura sua bengalamaligna diante do altar.

- É Encélado, o “brado de combate”. Disse que era osumo sacerdote.

Hyoga fixa seu olhar no inimigo. Em um movimentoinesperado, o Cavaleiro de Cisne dá uma arrancada na direçãodo gigante. Seu corpo se cobre de cristais de neve.

- Pó de Diamante! - o ataque de gelo pega Encélado desurpresa, mas ainda assim o poderoso Giga consegue repelir aenergia gelada, lançando-a de volta na direção de Hyoga. Aonda de choque o levanta no ar e afeta Mei e os outrosCavaleiros, que estavam a dezenas de metros de distância,atirando-os contra as paredes da caverna.

O ataque de Encélado é o mesmo que haviam visto emTaormina. O impacto causado pelo golpe, parecido com umaexplosão, é ainda maior dentro deste ambiente fechado.

- Hahaha! - o Giga solta sua risada macabra. - Podemvir tantos Cavaleiros de Bronze quantos quiserem que nemsequer conseguirão chegar perto deste sumo sacerdote dosGigas!

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- Tem algo estranho.- Que foi? - Seiya se vira para Hyoga.- Sinto o corpo pesado...- Você também?- Acho que todos sentimos isso - diz Shun, em um tom

de grande preocupação.- Eu achava que eram resquícios da luta com o

Ágrios, mas...- Poderia até ser, se apenas eu e você, que travamos

intensas batalhas com os Gigas, estivéssemos sentindo isso.Mas afetar até o Hyoga, que quase não foi atacado, não faz omenor sentido.

- Isso começou no momento em que cheguei ao Etna -revela Hyoga. - E piorou depois que entramos nesta caverna.A energia do Pó de Diamante não teve nem metade da suapotência, e ainda não consegui me recuperar.

- Eu achava que estava me sentindo assim por causados sangramentos ou do gás... Mas não é isso. Parece que anossa própria força está escapando do corpo.

- Não são danos das lutas - diz Mei, balançando a cabeça.- Não é o cansaço, nem o veneno no ar. É o Cosmo que estásendo sugado. A força dos Cavaleiros, a origem de todas asformas de vida... Nem adianta lutarmos. Não temos a menorchance.

- Sugado? Você fala como se algo estivesse absorvendoo nosso Cosmo...

- Exatamente - a voz de Encélado confirma a teoria deMei. - Desde o momento em que puseram os pés no Etna, seuCosmo vem sendo sugado, aos poucos. Esta terra está dentrodo campo protetor de Flegra, as chamas terrenas queprotegem a nós, os Gigas, da mesma forma que o Santuário éprotegido pelas redomas de Atena - a criatura tem plenaconsciência do impacto de suas revelações nos Cavaleiros. -Neste lugar, aqueles que não trajam o Adamas jamais serecuperam dos danos sofridos. Cada vez que queimam seuCosmo, a energia é sugada pelo campo de força. Isso significaque, enquanto existir a redoma protetora de Flegra, nuncaserei derrotado, nem mesmo pelos 88 Cavaleiros reunidos!

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- Não é possível... Quer dizer que nosso Cosmo estavasendo sugado a cada ataque que lançamos? - os Cavaleiros deAtena estão perplexos.

- A luz que ilumina estas cavernas também deve virdessas tais chamas terrenas - conclui Seiya.

- Nós, recém-despertos, não estávamos em númerosuficiente para atacarmos à força o Santuário protegido porAtena... - continua Encélado. - Mas bastou raptar umagarotinha para conseguirmos roubar toda a sua energia... Coma garota são quatro apenas, e da hierarquia mais baixa... SóBronze não será suficiente para saciar a fome do deus, mas...Por ora, morram! - grita o Giga, erguendo a bengala malignae se concentrando para liberar seu poder de destruição.

- Aí vem outra onda de impacto! - a tensão da correntede Andrômeda aumenta ainda mais.

- Temos que atacar antes que a coisa fique ainda pior -diz Seiya. - É a nossa única chance de vitória. Vamos atacarusando velocidade.

A aura das constelações protetoras - Pégaso, Andrômedae Cisne - resplandece nos três jovens. Estrelas pairam no ar equeimam dentro da grande caverna, nas profundezas da Terra.

- Queime, Cosmo! - Seiya se posiciona para o combate,liberando uma espécie de Big Bang. Quando o Cosmo é elevadoao máximo, no despertar do Sétimo Sentido, ele emana urnaforça milagrosa, comparável apenas à energia primordial douniverso.

- Segura essa, Encélado!O Pégaso galopa. A corrente de Andrômeda se

transforma em eletricidade luminosa e o Cisne alça vôo.- É inútil.Shun e Hyoga assistem, perplexos, ao ataque a Seiya. A

armadura de Pégaso se rompe e o sangue começa a jorrar dascostas do Cavaleiro. Um punho enfia com força a faca querompe a tênue camada de gordura.

- Mei...? - Seiya desmorona no chão ao pronunciar onome de seu meio-irmão.

- É inútil - repete a voz das trevas.

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- O quê você fez?! O que você fez, Mei?! - grita Shun,desesperado.

Mesmo Hyoga, que nunca perde a calma, estáboquiaberto com a cena. Mei estava chacinando Seiya, com amão afundada no corpo de Seiya até a raiz dos dedos. O jovemretira a faca em um movimento brusco, fazendo com que osangue passe ajorrar com uma intensidade ainda maior.

- Esse Cosmo... - Shun treme de pavor.Uma pressão formidável. Os Cavaleiros percebem que

aquele não pode ser, em hipótese alguma, um soldado rasoque não conseguiu chegar a Cavaleiro.

Mei passa os dedos pelo rosto. Maquiagem de sangue.- Poucas vezes senti um Cosmo tão gigantesco... Essa

vontade é praticamente a de...!Shun e Hyoga se afastam de Mei em um estalo, abrindo

distância, incapazes de ficar tão perto daquela energiainacreditável.

- Esse... Isso não é o Mei!Hyoga se posiciona para o combate, tomando o meio-

irmão como inimigo.- Precisávamos de poder para a ressurreição do grande

deus! - urra Encélado, o “brado de combate”. - Como suaforça é colossal, precisávamos de uma energia equivalenteàquela presente na concepção do Universo. Só com o sacrifíciode um Cavaleiro conseguimos romper o lacre forjado porAtena! Só com o sangue de um Cavaleiro! A pulsação da vidapresente no sangue quente! O Cosmo! - Encélado ergue asmãos em reverência, com o rosto encharcado de lágrimasemocionadas sob a máscara demoníaca.

- Ressurreição? De quem ele tanto fala?- Ele está falando de deus, belo e jovem Andrômeda -

Toas, o “relâmpago célere”, surge do nada no templosubterrâneo. E ele não chega sozinho. Ágrios, a “força brutal”,também está agora diante do altar e o rosto magérrimo dePallas, o “parvo”, surge na entrada da grande caverna. Osquatro Gigas cercam os Cavaleiros.

- Os Cavaleiros de Atena ousaram até mesmo esquecero nome do deus!

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- Quirri! Vamos fazê-Ios se lembrar.- Não é possível! - exclama Hyoga. - Nós derrotamos

esses dois!- Haha! Acharam que a gente morreria só por causa

daquilo? Ora, vão se danar! - Ágrios franze as sobrancelhas.- Então foram ilusões? Como fomos levados a acreditar

numa falsa vitória? - Shun está estupefato.- Acharam que tinham vencido sem ao menos verificar

os cadáveres? Os Cavaleiros precisam aprender a ser maisincisivos... - a voz de Toas transborda sarcasmo. - Todo o Etnaestá sob a redoma de Flegra. Nós, vestidos com o Adamas,somos protegidos, enquanto os seus ataques estavam todos,sem exceção, enfraquecidos em potência.

- A proteção daquele que reverenciamos! - o sumosacerdote dos Gigas se vira e começa a orar no altar. - Vindea nós! - seu grito de combate faz tremer todo o templosubterrâneo. - Vos invocamos, último filho dos Gigas, rebentodo enlace de Gaia com Tártaro! Senhor dos ventos impetuosos,pai de todos os encantos malignos. Irmão querido. Cemcabeças de serpente, línguas negras, olhos flamejantes...Declarai vosso verdadeiro nome! - o sacerdote está em umaespécie de transe extasiado, agitando constantemente suaterrível bengala. Ele repete os epítetos, faz dedicatórias,pronuncia orações: está conduzindo uma cerimônia.

- Oooooaaah! - Mei começa a gemer repentinamente.Sob o olhar de espanto dos Cavaleiros, o jovem arranca suaprópria pele, numa atitude sinistra, desprovida de toda equalquer razão, que congela Shun e Hyoga da ponta dos pésaté a raiz dos cabelos. Um demônio comedor de gente emergede dentro de Mei, gemendo e grunhindo. O Orga lambe maisalgumas gotas do sangue de Seiya, que ainda pingam dos dedose, roubando a garganta e a língua de Mei, declara o seuverdadeiro nome.

- Meu nome é Tífon.

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A voz das trevas ressoa nas profundezas de um abismo perdido. Olhos flamejantes, línguas negras, cem cabeças

de serpente, pai de todos os encantos malignos, senhor detodos os ventos coléricos: “Meu nome é Tífon”.

Os Cavaleiros estão diante do último Giga, nascido doenlace da Terra com o Mundo dos Mortos.

- O gigante inigualável que oculta estrelas e as maisespessas nuvens - o sumo sacerdote prossegue com sualadainha. - Dominador da terra, aquele que matará osCavaleiros Sagrados, aquele que destruirá Atena... Nossoamado e derradeiro irmão.

- Quem sou eu? - pergunta o demônio em um tomritualístico.

- A vontade que guia os Gigas - respondem os outros emuníssono.

- Quem sou eu?- Vós sois Deus.Os quatro Gigas estão prostrados diante de Mei, ou

daquele que deveria ser Mei. A luz intensa se projeta de formacaótica pelo grande espaço vazio. Somente com enormedificuldade, Shun e Hyoga conseguem assistir à cena.

- Meus olhos estão doendo... Estou com medo...- Não se deixe levar, Shun! Não tenha medo desse deus

viciado e maligno. Você não pode vê-lo com olhos de temor!- Hyoga fala com desespero e firmeza. - Lembre-se que somosprotegidos por Atena e pelas estrelas. Mantenha o seu Cosmo.Se você se render ao medo, se deixar que ele domine você,sua personalidade será devorada.

O “temor” é a essência dos deuses. Em seus primórdios,os deuses nasceram do temor. Eram pessoas tementes que os

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cultivavam, oferecendo-lhes sacrifícios em uma tentativa deatenuar o medo que sentiam.

Uma vontade divina em seu formato mais arcaico, nuaem sua origem, está encarnada no corpo de Mei:

- Sou Tífon.- Sim - responde Encélado.- Mas que carne frágil e feia! O que foi feito do meu

resplandecente corpo carnal? - a indignação do deus lançaum baque invisível, instalando ondas de terror. Por pouco Shune Hyoga não têm seu coração esmagado. Neste momento, atéos próprios Gigas, extremamente tensos, estão claramenteapavorados.

- I-irmão amado - diz Encélado, tremendo. - Com todoo respeito, lembrai-vos da antiga Gigantomaquia. Vossoresplandecente corpo carnal foi dilacerado em cinco partespor Atena, e vossa vontade exilada sob os rochedos rígidosdesta ilha - em momento algum o sumo sacerdote pronunciao nome do deus.

Assim eram adorados os deuses nos primórdios domundo. Da mesma forma que encarar diretamente averdadeira forma de deus esmagaria seus olhos, o ato depronunciar seu nome arrancaria sua língua e o faria perder afala.

- Foi isso, entendi - Tífon aplaca sua ira por ummomento. - Mas onde está o meu resplandecente corpo carnal?- repete. - Irmãos queridos. Onde ocultaram o resplandecentecorpo carnal deste seu irmão mais novo?

Glan! Uma nova onda de choque, poderosa a ponto deser audível, parte em pedaços a bengala de Encélado.Incoerência pura. As palavras de Tífon não têm lógica alguma.Ao contrário, o deus apenas e tão somente despeja sua raiva,em puro egoísmo, feito um tufão sem rumo. Mesmo assim, osGigas, antes tão opressores, tão senhores de si, procuramnão questionar Tífon. Para eles, deus é puro temor. Algo a seraplacado.

Encélado responde, com as mãos trêmulas segurando aponta da bengala destroçada:

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- Respeitosamente... Primeiro foi a vossa vontade quenos salvou das profundezas do Tártaro, valendo-vos dessehumano como receptáculo transitório e marionete. Creio, semdúvida, que essa carne frágil vos seja insatisfatória.

- Sim. Entendi. - Mei, ou Tífon, observa atentamenteseu corpo nu. - Sumo sacerdote? - o deus também não chamaos Gigas por seus nomes. Aquele que tiver o nome pronunciadopor ele sangrará pelos ouvidos e enlouquecerá.

-Sim.- O que é este corpo frágil e feio? - Tífon continua o

discurso incoerente. - Sinto falta de poder. Falta, falta, falta.Falta... Falta... Falta, falta - repete, em um tom insistente eenlouquecido. - Ordenei que me oferecessem em sacrifício osangue de Cavaleiros para romper os selos de Atena e sair dasprofundezas do abismo fantasma.

- De fato, Senhor. E aqui está - Encélado aponta nadireção dos Cavaleiros.

- Sim. Entendi. - Olhos malignos com veias emredemoinho encaram os jovens - São estes os sacrifícios amim dedicados.

O olhar de Tífon quase mata Shun. Colocada em situaçãoextrema pelo medo, a corrente de Andrômeda solta um somagudo como o grito da corda de um instrumento musicalesticada até o limite, pronta para se romper.

- Já tinha percebido que era uma armadilha... Mas umsacrifício...? - as palavras de Shun são abafadas pelo barulhoda corrente.

Hyoga comprime os lábios, prevendo o que está paraacontecer.

- Sangue de Cavaleiros! Por isso seqüestraram a Yuuri!Por isso nos atraíram até o Etna. Mas... por que o Mei?

O Cosmo percorre o corpo dos Cavaleiros através dacorrente sangüínea. Portanto, o sangue de um Cavaleiro estárepleto dessa energia, a fonte de todas as formas de vida.Prova disso é a conhecida história de que é necessário umvolume imenso de sangue de Cavaleiros para trazer de voltaà vida uma armadura destroçada em combate. Essa tambémé uma cerimônia, um ritual para inserir no traje uma novaenergia vital, o Cosmo, através do sangue do Cavaleiro.

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- Que seja entregue a oferenda - olhos malignos emchamas encaram os Cavaleiros. Tífon, outrora Mei, vaiacossando Shun e Hyoga aos poucos.

- Essa pressão equivale à de Atena. É o Cosmo de umdeus?! - pergunta Shun.

- Sim - responde Hyoga - Mas de uma naturezatotalmente diferente.

- Hyoga... - a voz de Shun está trêmula.- Eu sei. Acho que vamos morrer aqui - Hyoga balbucia

num tom de voz seco, cerrando o punho, ainda assim dispostoa lutar.

- Que seja entregue a oferenda - Tífon repete, comose tivesse esquecido o que acabou de dizer, violando comfacilidade a corrente de Andrômeda e as paredes de energiagelada, todas as defesas dos dois Cavaleiros. Em um movimentobrusco, o deus ergue as duas mãos, buscando as gargantasdos jovens.

- Parem! - uma jovem segurando o bastão dourado àimagem de Nike, a deusa da vitória, manifesta-se rompendoas paredes do grande vão subterrâneo das profundezas doEtna. Tífon olha de canto de olho para a menina que desce doar.

- Ó último dos Gigas, senhor de todos os ventosmalignos. Não permitirei que machuque mais os meusCavaleiros.

- Você, mulher cinza - Tífon está frente a frente com adeusa que tanto odeia.

- Tífon.- Atena.No instante em que dois deuses pronunciam os nomes

um do outro, explodem os espíritos presentes no verbo. Tífone Atena se tornam halos e começaram a cintilar. Uma energiaequivalente a um choque entre galáxias cobre todos os cantosnuma massa ofuscante. As vontades dos deuses colidem nointerior da gruta. Os seis sentidos, quando expostos aos deuses,são negados e inutilizados. Só resta o Cosmo, a única serespresentes.

- Senhorita Saori...!

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- Shun, Hyoga, vocês estão bem?Saori Kido, a deusa Atena, mantém-se serena em meio

ao halo. Depois se ajoelha, silenciosamente, deitando suamão reconfortante sobre Seiya. A hemorragia é estancadamilagrosamente.

- Que bom - Atena suspira aliviada ao se certificar deque o Cavaleiro está vivo.

- Absurdo! - a voz de Encélado, o “brado de combate”,sai tremida e tênue. - Como Atena se teletransportou doSantuário para cá? Isso nunca poderia acontecer! O MonteEtna está protegido pela redoma das chamas terrenas!

- Ele tem razão - concorda Ágrios- Quem quer que seja, se não estivesse vestido com o

Adamas, jamais poderia cruzar o espaço e vir a este TemploSubterráneo - completa Toas.

- Sim, mas apenas se fossem Cavaleiros - Encélado seirrita com o pensamento limitado dos outros gigantes. - Estamulherzinha, Atena, é uma divindade, como o nosso senhor!

Neste momento os poderosos Gigas estão dominadospela pressão de Atena, que aos olhos de qualquer um pareceriauma humana qualquer.

- Esse temor... Somos totalmente tementes a esta moça,apesar de ser algo completamente diferente do que sentimospelo nosso deus!

- Entendi - diz Tífon. O deus dos Gigas, na forma deMei, está totalmente nu. Sob os cabelos, agora de um negroprofundo, a criatura lança o fogo de seu olhar maligno. - Umafenda se abrira na redoma de chamas terrenas sob minhaproteção. Agora entendi. Foi a força de Atena.

- Tífon... - Atena aponta-lhe o bastão de Nike. - Asondas do seu Cosmo fazem o chão tremer e, montadas emventos viciados, cruzaram os mares, viajando da Sicília até oSantuário na Grécia.

- Entendi. Foi assim na antiga Gigantomaquia. Vem porsi mesma encontrar seu destino nos campos da morte.

- Afaste-se desse corpo... - ordena a deusa. - Afaste-sede Mei.

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- Entendi. Atena está presente em sua plenitude nestaera. E o que é de mim? Isto não passa de uma marionete.Estarei em desvantagem neste frágil corpo humano. Alémdisso, é um corpo terrivelmente feio...

Não existe possibilidade de diálogo. Tífon se limita adizer o que lhe vem à mente, não admitindo qualquernegociação. Ignorando o pedido de Atena, o deus dos Gigassobe tranqüilamente os degraus do altar.

- Sumo sacerdote.- S-sim, meu Senhor. - Encélado se ajoelha.- Onde está o meu fulgurante corpo carnal?Onde está a oferenda?- Bem, está aqui, à vossa frente - o gigante aponta na

direção de Yuuri, ainda acorrentada e desacordada.- Entendi - mais uma vez Tífon coloca suas mãos em

posição de ataque.- Pare! - e mais uma vez Atena grita para impedir a

investida.- Pretende me atacar com esse bastão de ouro? -

pergunta Tífon, sem olhar para trás.O deus dos Gigas sabe que Atena não o faria. Sua

vontade não lhe permite ferir um de seus protetores. E essecorpo frágil pertence a Mei.

- O que tem a sua frente é o corpo de um de seusqueridos Cavaleiros - o rosto de Tífon se contorce num sorrisofúnebre. Não fossem os cabelos, que passaram de prateadospara negros, seria a própria face de Mei. - Se me atacar como bastão, o corpo de Mei morrerá. Se ficar indecisa, estamenina posta em sacrifício morrerá. Qualquer que seja adecisão que tome... Como é patética a vontade de Atena! -os braços de Mei, que agora são os de Tífon, brandem no ar.

Então: sangue.- Ofereçam-me sangue!- Mas o quê?! - Shun, Hyoga e até mesmo Atena não

acreditam no que vêem.Armaduras de Adamas em frangalhos. O corpo nu de

Mei, que agora é Tífon, está úmido de sangue.- Sinto falta.

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Ágrios e Toas convulsionam, em pé, depois de suas armaduras de Adamas terem sido violadas. Mei, que agora

é Tífon, perfurou com os punhos enrijecidos o abdome dosdois Gigas, arrancando suas vísceras com vigor. Seus órgãosesbranquiçados estão expostos, e são expelidos logo emseguida pela pressão interna do organismo para, finalmente,esparramarem-se pelo chão. Os dois caem e o sangue de suasferidas vai sendo sugado pelo piso do templo subterrâneo.

Um estrondo estremece a enorme caverna. A redomade Flegra pulsa com o novo fluxo colossal de Cosmos.

- Sinto falta - protesta ainda assim Tífon, dasprofundezas do abismo infernal.

Encélado se curva diante das palavras do deus. Mesmose afogando na poça formada por suas próprias vísceras, comrosto totalmente desfigurado pela dor, Ágrios e Toas fazemuma prece a Tífon.

- Que o sacrifício seja feito. O pouco de força que tenhoagora não é suficiente para derrotar Atena. Ofereçam-me tudoque puderem. Tirem-me das profundezas do vazio. Ofereçam-me - Tífon impõe-se pelo temor.

Os dois Gigas, já condenados, dão a última mostra delealdade, queimando o Cosmo do momento final de suas vidasem oferenda ao deus. Os Cosmos de Ágrios, a “força brutal”,e Toas, o “relâmpago célere” são devorados por Mei, agoraTífon.

- Sumo sacerdote... - continua o impetuoso deus. -Ofereça-me seu corpo carnal de meu irmão mais velho. OCosmo flamejante dos meus irmãos poderá destroçar pordentro este corpo frágil de ser humano.

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- Como o senhor quiser - Encélado não titubeia,completamente dominado pelo “temor”.

- Ofereça-me! - Tífon lança um raio na direção do sumosacerdote dos Gigas. Encélado, o “brado de combate”,entrega-se totalmente à alma contida nas palavras do deus,tornando-se literalmente um boneco com uma máscarademoníaca: olhar turvado, postura indecisa.

Um vento repleto de maus presságios causa arrepiosnos Cavaleiros. O halo vai deixando o corpo frágil de Mei,formando uma aura flamejante que se separa da figurahumana. Tífon: origem semântica de “tufão”: senhor de todosos ventos malignos.

- Tífon - diz uma voz.A vontade divina dos Gigas estanca no meio do caminho,

antes de ser transferida para o corpo de Encélado. .

- Quem pronuncia o meu nome?

- Sou eu.- Mei! - grita Atena.Até agora um fantoche de Tífon, Mei passa por uma

evidente transformação. Seus cabelos recuperam a corprateada, o brilho turvo e flamejante deixa seu olhar e oslábios transmitem as palavras da vontade que lá deveria estar.

- Saori...- Mei? - Atena age como uma humana, entre o desespero

e a vontade de se certificar de que é mesmo ele que estáaqui.

- Manda ver. Arrebenta o meu corpo com esse bastão eleva junto esse deus maldito - pede Mei, lutando para mantero controle sobre suas palavras.

-Mas...- Não pense duas vezes! Este é o único momento em

que você pode fazer isso... Rápido, antes que o Tífon deixeeste corpo de vez. Você... É a Atena viva, não é? - é o Cosmode Mei que suplica à guerreira protetora da Terra, uma vozapagada pela dor, um fio de vida que pode se perder a qualquermomento.

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- Entendi. Quando comecei o processo de transferênciapara o corpo do meu irmão, a alma humana deste corpo serevelou, costurando os rasgos da dominação imposta pelaminha vontade.

- Eu não sou uma marionete, Tífon! Eu sou Mei, umCavaleiro de Atena...

- Ora, foi graças à sua presença frívola diante de mimquando eu ainda estava selado, ó frágil humano, que um ínfimopedaço de mim pôde surgir nos dias de hoje.

- Cala a boca! - Mei segura os próprios ombros com asmãos manchadas de sangue, tentando impedir que a vontadede Tífon escape completamente. O deus, tremulando nointerior do halo, parcialmente libertado, volta-se para Atena.

- Vai me atacar com esse bastão de ouro?- Tudo que faz é espalhar temor como um vendaval

enlouquecido - a voz de Atena volta a soar altiva como a deuma deusa. - Não passa de uma fera demoníaca faminta. Oque poderia querer ressurgindo nos dias de hoje? Uma vontadepervertida como a sua só ficaria satisfeita destruindo toda aTerra e depois, por fim, a si próprio!

- Onde fica a morada dos Gigas, que me cultuam e meprotegem? - pergunta Tífon. - Onde nós, Gigas, poderemosnos estabelecer em paz? Quer dizer que só temos a prisão novão entre Gaia e Tártaro, de onde nem mesmo a luz podeescapar? Ora, sua meretriz ordinária! Posando de protetorada Terra! - a vontade de Tífon se confunde com as dos Gigassacrificados, criando um caos em seu Cosmo.

Uma sombra passa voando. Garras cortam a carne.- Quirri! - PalIas, o “parvo”, que permanecera oculto

até agora, corta com ímpeto as costas de Mei. O sangue brotacomo uma bolha de lama, escorrendo para o chão. O corpodo jovem se inclina pesadamente.

No mesmo instante, a vontade de Tífon tremula,radiante, transferindo-se para o corpo de Encélado. O deustoma para si as energias dos Gigas, unindo a elas todos osfragmentos de Cosmo acumulados na redoma de Flegra,criando assim um redemoinho de luz. A máscara demoníacade Encélado cai de seu rosto, despedaçando-se no chão. Seu

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traje sacerdotal se reduz a pó, perdendo-se no ar. Em seulugar, rompendo a pele de dentro para fora, surge uma novaarmadura de Adamas, dotada de um brilho ônix nunca visto.

O deus está agora em um corpo poderoso. O senhor dosGigas, devorador de sacrifícios e mestre dos ventos de mauspresságios, finalmente se revela. A nova imagem de Tífon étotalmente assimétrica. O lado direito cospe chamas infinitas.No lado esquerdo, um vento vaga sem rumo. As cores dosolhos, dos cabelos, da pele, o próprio formato do Adamas,tudo é diametralmente oposto a partir de uma linha imagináriavertical no centro de seu corpo.

O novo Tífon é certamente belo. Sua figura física e suavoz são belas, assim como as chamas que brotam do arco-írisdo olho direto. Relâmpagos branco-azulados são lançados decada um dos poros de sua pele no lado esquerdo.

- Atena. Você sempre justifica suas lutas com a auto-afirmação de que seus combates são em prol da “justiça” eescondendo seus massacres sob a justificativa de “guerrassantas”. - O deus dos Gigas sabe que Atena e seus Cavaleirostravam perpetuamente um conflito moral diante dacontradição de guerrear com violência a fim de proteger oamor e a paz da Terra.

- Cale-se - Atena está incomodada, mas mantém umapostura firme. - E por acaso os Gigas têm alguma “justiça” àaltura da minha vontade?

- Você está errada. Não é nesse ponto que devemosnos confrontar. O pior crime que existe é relegar os fatos aoesquecimento. Atena, será que você esqueceu até mesmo omotivo pelo qual lutamos? A batalha entre os Gigas e osHumanos. Caso tenha se esquecido, vou refrescar suamemória. Esta não é uma Guerra Santa: é uma Gigantomaquia,uma luta contra gigantes. - As palavras de Tífon atingem Atenacomo um raio, despertando sua memória. - Esta é uma batalhaprimitiva, a mais primordial das disputas. É a Luta pelaSobrevivência. Ninguém pode impedi-la - proclama o Deusdos Gigas. - E, você, Mei, frágil marionete, já é meu.

Tífon abre largamente os dois braços. Mei não conseguese mover, seriamente ferido pelas garras de Pallas.

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- Vou devorá-lo aqui mesmo - a voz de Tífon ecoa,ameaçadora. Mas, no momento em que seus punhos de fogo ede vento agourento se erguem, Atena arremessa o bastão deouro. Sobre a cabeça de Mei, os Cosmos dos dois deuses sechocam. Os ataques são anulados, um reduzindo o poder dooutro a um nível mínimo.

Do espaço vazio surge uma caixa adornada com estrelasdo firmamento. Não é de ouro, nem de prata, nem de bronze,e sim negra como a noite.

Tífon é tomado por uma memória antiga.- Qual das 88 constelações está simbolizada nestes

relevos? - pergunta-se em pensamento.- Eu disse pra você, Tífon. - Mei recupera a voz

milagrosamente. - Não sou uma marionete. Sou um Cavaleirode Atena!

Com isso, a caixa se abre em pleno ar, revelando umaarmadura brilhante, que suga para dentro de si toda a luz aoredor. A estátua da constelação de Mei começa a tomar forma:uma mulher, de costas. Seus longos cabelos se ondulam comuma breve cintilação que lembra a imagem de uma lâminabrilhando. A figura toda negra se desmembra então, aderindoao corpo nu de Mei.

Tífon consegue finalmente trazer à tona a lembrançado nome da constelação, que permanecera lacradajuntamente com sua vontade desde tempos imemoriais:

- É você, Cavaleiro de Coma Berenices.Mei lança um ataque que projeta o queixo desprotegido

de Tífon no ar, atirando o deus dos Gigas com força para trás.Tífon cospe sangue. Sua mandíbula poderosa é rachada aomeio.

- Eu... Cavaleiro de Atena...? - percebe Mei, usando opouco que resta do seu Cosmo. É um breve momento defelicidade, antes que ele tombe para frente, exaurido,perdendo os sentidos.

- De fato, admito que não recuperei a plenitude dasminhas forças - resmunga Tífon, alisando o queixo com um arpreocupado. Lança então sua mão direita contra o solo, seerguem com estrondo, formando uma coluna de fogo.

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Um som ensurdecedor reverbera por toda a grandegruta. Rochas se desprendem das paredes, caindo como umachuva de meteoros. A coluna de fogo de Tífon atinge o tetoda caverna e atravessa a barreira de pedra, chegando até asuperfície.

- Não haverá sentido em registrar esta batalha nahistória. - Tífon, envolto na coluna de fogo, afasta-se lenta esoberanamente.

O magma ardente começa a vazar das fendas deixadasna terra.

- Você tem a obrigação de lutar e me matar... E eutenho a obrigação de lutar e matar você.

O Monte Etna, a pedra angular do selo que prendia osGigas, desaparece em meio às labaredas da destruição.

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INTERMISSÃO

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-Vou contar a história do Mei. No Santuário, Nikol relata os fatos para Shun, Hyoga,

Seiya e Kiki.- Foi um pouco antes da “Revolta de Saga”. - começa.

- Mei estava em treinamento na Sicília, quando, pelo menosaté onde eu sei, seu mestre ordenou uma provação final paraque ele conquistasse a qualificação de Cavaleiro.

- Ei! - interrompe Seiya. - Isso quer dizer que, na épocaque a gente se tornou Cavaleiro, o Mei também tava no estágiofinal do treinamento? - O Cavaleiro de Pégaso ainda não estácompletamente recuperado do ferimento nas costas.

- O Mei disse que tinha perdido o direito de se tornarCavaleiro quando seu mestre foi morto na Revolta de Saga...- diz Shun.

- Creio que estava mentindo - responde Nikol, comtristeza. - Mei já era um marionete de Tífon no primeiromomento em que apareceu diante de nós. Aparentemente,ele começou a trabalhar como informante do Santuário depoisda Revolta de Saga. Na época, era um entre muitos soldadosrasos, e eu não o conhecia pessoalmente. Só muitorecentemente, já como coordenador dos agentes secretos, éque fiquei sabendo que ele estava na Sicília.

- Mas o que era a tal provação?- Conseguir, com as próprias forças, uma prova de que

ele era um Cavaleiro.- Quer dizer, a armadura?- Havia um traje sagrado lacrado juntamente com os

Gigas naquele templo subterrâneo do Monte Etna.- Nossa, desde a época da antiga Gigantomaquia?- Provavelmente.

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- Então a armadura da constelação coma-sei-lá-o-quêestava sem portador?

- É o que se diz nos livros históricos do Santuário. Comovocês sabem, pouquíssimas pessoas têm qualificação pararedigir e consultar esses livros. Além de Atena e o Mestre,apenas alguns Oficiantes. Atualmente seríamos eu e a Yuuri.

A oficiante auxiliar Yuuri, resgatada juntamente comSeiya por Atena, está na UTI de um hospital da FundaçãoGraad, viva, apesar de uma fratura craniana - talvez graças àproteção de sua constelação padroeira.

- Eu não sabia que esse traje existia... Como o mestredo Mei sabia? - pergunta Seiya.

- Bom, o mestre do Mei... - Nikol pára por um instante,com medo de continuar - ... era um dos Cavaleiros viciososque se aliaram a Saga de Gêmeos com a intenção de executarAtena. É provável, porém, que ele quisesse que seu discípulose tornasse um Cavaleiro apenas para ajudá-lo na luta contraAtena.

- Então faz sentido - compreende Seiya. - Naquela épocaSaga ocupava o cargo de Mestre do Santuário, o que explicacomo ele ficou sabendo dessa armadura selada.

- Saga precisava de força para enfrentar Atena -prossegue Nikol. - Como era refém de vontades malignas, eletinha uma sede incontida de poder. Por isso, violou um dossegredos mais profundos do Santuário, traiu proibições etentou romper o lacre da armadura protegida no Templo.

- O Mei sabia disso? - pergunta Shun.- Mei não tinha a menor idéia das intenções do seu

mestre ou do seu relacionamento com Saga. Ele certamenteacreditava piamente se tratar de seu desafio final para setornar um Cavaleiro. Mas, ao conseguir penetrar o templosubterrâneo, Mei foi dominado pela vontade de Tífon,passando por uma espécie de lavagem cerebral parcial... -Nikol faz uma nova pausa. - O que aconteceu depois ésuposição minha. Acredito que Tífon tenha trazido osGuerreiros Giga de volta à vida através de Mei. Na verdade, oOrestes mascarado que atacou a mim e ao Shun no teatro daAcrópole era Mei, que deve ter invadido o Santuário logo emseguida para seqüestrar a Yuuri.

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- Então aquele era o Mei...Seiya e Shun se lembram com clareza da figura do

“inimigo” e do seu cheiro de animal selvagem.- Ninguém poderia imaginar que Tífon tentaria usar o

sangue de Cavaleiros em sacrifício - explica Nikol. - Ou queestaria acumulando Cosmo através de uma redoma de força,a fim de reunir força suficiente para romper o selo de Atena.

- O que era aquele traje sagrado que o Mei usou? -pergunta Hyoga, que tinha permanecido calado até agora. E,percebendo que Nikol hesita em responder: - Oficiante-mor.Pelo que você disse, aquele traje negro parece ser muitoespecial.

- Sobre esse assunto... Atena irá falar, mais cedo oumais tarde - declara Nikol em um tom misterioso.

- Ah, larga de frescura! - grita Seiya. - Já faz dez diasque o Tífon sumiu naquela erupção. A coisa foi tão feia que opróprio Etna foi pelos ares. Só conseguimos fugir de lá porqueAtena salvou a gente, e...

- Feridos não devem se exaltar, Seiya.Felizmente a enorme explosão não fez muitas vítimas,

uma vez que a população já havia sido evacuada da área,atingindo somente as equipes do Exército que patrulhavam aregião. A nuvem de cinzas vulcânicas atingiu a estratosfera eainda cobre o céu da Grécia.

- A vida de milhões de pessoas está ameaçada -argumenta Shun. - Se essa tragédia é fruto do poder de Tífon,ninguém sabe o que ele poderá fazer no futuro.

- Prestem atenção - Nikol assume uma expressão maisséria do que nunca. - A batalha contra os Gigas que está paracomeçar tem um significado totalmente diferente de todasas outras que vocês já travaram. Antes de mais nada, o quesão os Gigas? Nesses dias que se passaram, procurei pesquisara resposta nos livros históricos. Descobri que, antes dos Gigasserem exilados nas profundezas do vão entre a Terra e o Mundodos Mortos, já havia Atena sobre a Terra, Poseidon sobre osmares e Hades sobre o inferno. Sob a liderança de Zeus noscéus, os deuses dominavam os três mundos. Poseidon e Hadesse envolveram em inúmeras guerras contra Atena, para

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conquistar a Terra. Nós, os Cavaleiros, lutamos em muitas emuitas Guerras Santas para defender o amor e a paz na Terra,afastando dela as vontades malignas e viciadas.

- Senhor... - intromete-se Shun. - Um dos Gigas medisse exatamente a mesma coisa. E ele questionou o que osCavaleiros de Atena defendiam.

- Qual foi a sua resposta, Shun?- As pessoas inocentes.- Exatamente. Os seres humanos.- Mas os Gigas... não são humanos? - Shun, Hyoga e

Seiya ficam sem palavras.- No passado, existiu na Terra uma espécie poderosa

que, como os homens, conquistou o fogo e comeu o fruto dasabedoria. Era uma civilização poderosa, assim como os deusesque cultuavam.

- Esses eram os Gigas?- Os humanos e os Gigas são raças hostis entre si que

jamais poderão coexistir. A prova disso é que nós, humanos,sempre retratamos os gigantes em nossos mitos como figurasmonstruosas e diabólicas.

- Por isso a batalha primitiva...- É a luta pela existência, a batalha de cada espécie

por sua permanência - enfatiza Nikol. - Esta não será umaGuerra Santa. Ninguém poderá impedi-la. O que está paracomeçar é uma luta quem nem merecerá constar da história.O combate mais baixo e rasteiro que pode existir, uma relesluta de morte pela vida.

Na Sala do Mestre, os Cavaleiros são envolvidos por umpesado silêncio.

- Como está o Mei? - pergunta Hyoga, bem baixinho.Nikol se vira para o fundo da Sala do Mestre, erguendo

os olhos na direção do Templo sagrado, que fica além dacortina vermelha e da parede de pedra.

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