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Gilberto Kassab Prefeito de São Paulo

Alexandre Alves Schneider Secretário Municipal de Educação

Célia Regina Guidon Falótico Secretária Adjunta Municipal de Educação

Lilian Dal Molin Chefe de Gabinete

Regina Célia Lico Suzuki Diretoria de Orientação Técnica

Margareth A. Tamburu Assessora Especial

Organização – Setor Xadrez Movimento Educativo Égnon Viana Sandra Regina Roberto

Núcleo de Artes Gráficas - Centro de Multimeios – SME Capa – Katia Marinho Hembik

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GFKVQTCÑ’Q1"FKCITCOCÑ’QGráfi ca Sonora Ltda.

Caros Educadores da Rede Municipal de Ensino de São Paulo

O I Seminário de Xadrez da Rede Municipal de Ensino de São Paulo entrará para a histó-ria da Secretaria Municipal de Educação. Esse evento reuniu praticamente todos os professores envolvidos no ensino de xadrez das escolas municipais para ampliarem ainda mais seus conhe-cimentos sobre os tabuleiros, além de alunos, e contou com a presença de um dos maiores cam-peões do xadrez da história, Garry Kasparov.

Kasparov enfrentou 20 de nossos alunos em uma partida simultânea. Um momento que nenhum de nós esquecerá. Ficará na memória dos que puderam jogar com uma das lendas do xadrez e dos professores que prepararam seus alunos para este momento tão importante.

O xadrez chegou à Rede Municipal de Ensino na década de 90, por meio de educadores de algumas escolas que viam nessa modalidade uma fonte inesgotável de avanços no ensino. Esse trabalho espetacular precisava ser potencializado e assim criamos, em 2009, o Programa Xadrez Movimento Educativo. Por meio de uma parceria com a equipe pedagógica da Secretaria foi possível estruturar o trabalho que está sendo feito na ponta, com capacitação de professores, compra de materiais e idealização de novos projetos.

Desde o início do Programa, a Secretaria já formou 800 educadores que todos os dias montam os tabuleiros em 300 escolas e nos Clubes de Xadrez dos CEUs da cidade. Estamosvendo surgir uma geração de jovens enxadristas apaixonados. Hoje são mais de 36 mil, masserão mais e juntos veremos o xadrez das escolas municipais alcançar ainda melhores resultados.

Cngzcpftg"Cnxgu"UejpgkfgtSecretário Municipal de Educação

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PARTE 1

.. 1.1 Abertura do I Seminário de Xadrez Escolar da Rede Municipal de Ensino ..... 6

..1.2 Alexandre Alves Schneider - Secretário municipal de educação ................... 7

..1.3 Garry Kasparov - Campeão Mundial de Xadrez ............................................. 7

.. 1.4 Gilberto Kassab - Prefeito de São Paulo......................................................... 9

..1.5 “O Xadrez nas escolas – Aspectos pedagógicos e relações com

...... outras disciplinas” Doutor Antônio Villar Marques de Sá ................................ 10

.......... 1.5.1 Perguntas dos Participantes ............................................................. 21

..1.6 “Benefícios do ensino de Xadrez para a formação intelectual e

...... neurológica da criança” Doutor Ítalo Denelle Venturelli. ................................. 27

.......... 1.6.1 Perguntas dos Participantes .............................................................. 32

PARTE 2

.. 2.1 “Evolução do ensino de Xadrez nas escolas do Brasil e problemáticas

...... enfrentadas por professores e gestores” Jaime Sunyê Neto ......................... 42

.......... 2.1.1 Perguntas dos Participantes .............................................................. 49

..2.2 “Experiências do ensino de Xadrez escolar em outros países e a visão

...... da Federação Internacional de Xadrez, FIDE” Doutor Uvêncio Blanco. ........ 59

.......... 2.2.1 Perguntas dos Participantes .............................................................. 68

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PARTE 1

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[Mestre de Cerimônia:]

Bom dia! É um prazer recebê-los aqui, no Auditório Elis Regina para o primeiro Seminário de Xadrez Escolar, evento da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. E para abrir esse evento tão importante, nós teremos uma apresentação muito especial com os nossos alunos, que é a apresentação do Instituto Baccarelli, com o Coral da Gente. O Instituto Baccarelli, hoje, tem como maestrina a Silmara Drezzo e o pianista Otávio Piola. O Instituto tem o seu foco em crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social e tem por missão oferecer formação musical e artística de ex-celência. Proporcionando desenvolvimento pessoal e criando oportunidade de profi ssionalização. O Instituto Baccarelli tem uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação e atende mil crianças. Essa entidade gerencia o programa Coral da Gente, que nós teremos apresentação hoje, de iniciação tanto de coral como entrada, para que essas crianças entrem no instituto com conhecimento pleno de música. As aulas de técnica vocal, postura, respiração e percepção musical são ministradas por profi ssionais conceituados e preparados pedagogicamente para trabalharem o aprendizado e o desenvolvimento dos alunos. O trabalho de expressão cênica complementa o método de ensino, tornando o aprendizado mais lúdico, envolvente, estimulando a manifestação de emoções por meio do movimento e geran-do consciência do corpo no espaço. Com repertório diversifi cado de qualidade, o Coral da Gente realiza constantes apresentações em importantes espaços culturais de São Paulo, cantando em diversos idiomas: inglês, francês, espanhol, hebraico, e dialetos africanos. No repertório de hoje teremos: Sementes do Amanhã, Como Uma Onda, Tutira Mai, Al Shlosha D'Varin, Xote das Meni-nas, Xodó, Maragandaia e Menino Gigante. Senhoras e Senhores, eu tenho o prazer de convidar ao palco o Coral da Gente, do Instituto Baccarelli.

[Apresentação do Coral]

[Mestre de Cerimônia:]

Senhoras e Senhores sejam todos bem-vindos à Cerimônia de abertura do I Seminário de Xa-drez Escolar. Convidamos ao palco o Excelentíssimo senhor Gilberto Kassab, Prefeito de São Paulo. Senhor Alexandre Schneider, Secretário Municipal de Educação. O senhor Garry Kasparov, enxadrista russo. Giovanni Portilho Vescovi, enxadrista brasileiro melhor colocado na lista mundial. Convidamos a todos para de pé, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro.

[Execução do Hino Nacional Brasileiro]

[Mestre de Cerimônia:]

Nós gostaríamos de registrar e agradecer a presença do senhor Luiz Alberto Fratini, Secre-tário Municipal de Esportes de Taboão da Serra, doutor Carneiro, chefe de Gabinete da São PauloTurismo. Senhoras e Senhores, professores, convidados e autoridades, muito bomdia. Estamos dando início ao I Seminário de Xadrez Escolar. A rede municipalde ensino, hoje, é formada por mais de trinta e cinco mil e quinhentos alunosenxadristas, que participam de campeonatos escolares municipais, estaduais e brasileiros.A prática do xadrez foi iniciada nas escolas paulistanas em 1994, mas se tornou oprograma Xadrez Movimento Educativo em 2009. Desde então, todos os anos novosprofessores fazem formação na área para implantar a prática do xadrez emsuas escolas. Pela primeira vez, esses educadores terão a oportunidade de participarde um seminário na área, organizado pela Secretaria Municipal de Educação.

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Estamos aqui iniciando e dando as boas-vindas a todos. Eu queria cumprimentar o nosso que-rido prefeito, Gilberto Kassab, prefeito e enxadrista. Garry Kasparov, que muito nos honra com sua presença. O Giovanni, que muito nos honra aqui também com sua presença. Queria cumprimentar os nossos diretores regionais. E a todos os educadores aqui presentes na fi gura do Professor Égnon, que é um grande lutador para que o nosso programa de xadrez educativo caminhe, e merece o nosso res-peito. E merece também as nossas palmas. Porque junto com os nossos educadores, o responsável não só por esse seminário, mas por esse trabalho espetacular, que a Prefeitura vem fazendo com os nossos profi ssionais. Então essas palmas são para o Égnon e para os nossos professores, que tra-balham com os nossos alunos. É um orgulho muito grande estar aqui, nesse evento e ver o resultado desse programa. Um programa que começou em 1994 com 300 alunos, não é Égnon? E que virou um programa ofi cial da Secretaria em 2009. Inicialmente por sugestão de um querido médico, que me foi apresentado pelo Prefeito, e pelo trabalho do Égnon e da Diretoria de Orientação Pedagógica da Secretaria. E hoje conta com quase 40 mil alunos, que jogam ao menos duas vezes por semana, com um grupo de cerca de 800 professores, que trabalham com os nossos alunos. E que tem que ser reve-renciados, porque estão ali fazendo um trabalho a mais daquilo para o qual eles prestaram o concurso e foram contratados. Então é uma alegria muito grande a gente ver a dedicação dos professores de São Paulo na formação dos nossos alunos. Dizer que muito em breve a gente deve estabelecer uma parceria com a Fundação do Kasparov, para que a gente possa trabalhar com uma metodologia na educação, no xadrez, de formação dos nossos professores na área do xadrez educativo. E dizer que, como Secretário, eu só posso estar feliz de estar aqui com o Pelé do xadrez e com os professores, que estão formando os nossos Ronaldinhos do xadrez. Muito obrigado aos professores. Muito obrigado a todos. Um grande dia para todos nós.

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[Mestre de Cerimônia:]

Agora, ouviremos o enxadrista russo Garry Kasparov.

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Good afternoon.Boa tarde.First of all I'd like to thank Mr. Mayor and Secretary of Education for inviting me here.Antes de qualquer coisa, eu gostaria de agradecer o Senhor Prefeito e o Senhor Secretário da Edu-cação por me convidar.I have to admit I'm truly impressed to see so many people in one place who are teaching chess.Eu tenho que admitir que eu estou realmente impressionado ao ver tantas pessoas que ensinam xa-drez em um único lugar.It's really hard to believe that in the city of São Paulo the Chess Program in last years grew from just 300 people to tens of thousands.É difícil de acreditar que na cidade de São Paulo o programa de xadrez, nos últimos anos, tenha cres-cido de 300 pessoas para dezenas de milhares. And it makes me feel very happy.E isso me deixa muito contente.

Durante este evento acontecerão palestras sobre os benefícios do ensino do xadrez para a formação intelectual e neurológica da criança, a evolução da prática nas escolas brasilei-ras e as experiências internacionais do enxadrismo, com foco na visão da Federação Interna-cional de Xadrez. O I Seminário de Xadrez Escolar reunirá especialistas da área para discutir os aspectos lúdicos, pedagógicos e científi cos do enxadrismo, com projeção para acontecer bie-nalmente na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Ouviremos, para as boas-vindas atodos os senhores, o Secretário Municipal de Educação Alexandre Schneider.

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And I'm more than ever convinced that there is a huge chess potential in São Paulo and in the whole country, Brazil.E eu estou, mais do que nunca, convencido de que São Paulo e o Brasil tem um potencial enorme para o xadrez.And I feel that with my knowledge and reputation and methodology that has been worked out by Kas-parov Chess Foundation together we can acomplish even better results.E eu sinto que com o meu conhecimento, reputação e metodologia, que tem sido utilizado pela Fun-dação Kasparov de Xadrez, podemos, juntos, conseguir resultados melhores ainda.I’m planning to start Kasparov Chess Foundation for South America with headquarter here in São Pau-lo and I hope that working together with the City Hall with the government of the province of São Paulo and with the Federal Authorities we could create educational standards.Eu estou planejando inaugurar a Fundação Kasparov de Xadrez para a América do Sul, com sede aqui em São Paulo, e eu espero que trabalhando juntos com a Prefeitura, com o Governo do Estado de São Paulo e com as autoridades federais, nós possamos criar padrões educacionais.Not only for Brazil but for the whole South America.Não somente para o Brasil, mas para toda a América do Sul.And I, after emphasize again, that never before I’ve seen so many people in one audience dedicated for the game of chess and helping kids to improve their chess skills.E eu enfatizando novamente, que nunca, antes, tinha visto uma platéia com tantas pessoas dedicadas ao jogo de xadrez, e ajudando jovens a desenvolver suas habilidades enxadristas.Undoubtedly I don’t have to convince you about the value of chess in education.Sem dúvida, eu não tenho que convencê-los sobre o valor do xadrez na educação.But I would still like say a few words about it.Mas ainda assim eu gostaria de dizer algumas palavras a respeito.When people ask me about chess in education I always emphasize that while we are looking for great talents which are spread around the world our fi rst priority is to help kids to improve the vision of the future and to improve the looming skills.Quando as pessoas me perguntam a respeito de xadrez na educação, eu sempre enfatizo que en-quanto nós estamos procurando por grandes talentos, que estão espalhados pelo mundo, nossa pri-meira prioridade é ajudar os jovens a desenvolver a visão para o futuro e a desenvolver suas compe-tências.And to strengthen the discipline. And to organize the way of thinking. And that’s why the work you are doing It’s more valuable.E a fortalecer a disciplina. E a organizar o modo de pensar. E é por isso que o trabalho que vocês estão fazendo é mais valioso.Because at the time of this new educational standards and modern communications chess may be the unique link that will connect the old style education with computerized world.Porque nestes tempos de novos padrões educacionais e comunicações modernas, o xadrez pode ser a única ligação que conectará antigo estilo de educação com o mundo computadorizado.And I wish that I could do more to advance the work and I’ve no doubt that working together we can achieve even more than you’ve already done.E eu desejo que eu possa avançar mais o trabalho, e eu não tenho dúvida de que, juntos, nós possa-mos conseguir muito mais do que vocês já fi zeram.So I’m planning to come back in few months to launch Kasparov Chess Foundation.Então estou planejando voltar em poucos meses para iniciar a Fundação Kasparov de Xadrez.Probably in february and I wish I can meet you again to inaugurate the program and to send a message to the whole country of Brazil and to the entire continent of South America.Provavelmente em fevereiro, e eu espero poder encontrá-los novamente para inaugurar o programa, e para enviar uma mensagem para o Brasil todo e para toda a América do Sul.So, thanks again for your outstanding work and I’m very happy to be here with you today.Então, grato novamente pelo impressionante trabalho, e eu estou muito feliz por estar aqui com vocês hoje.Thank you.Obrigado.

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[Mestre de Cerimônia:]

Nós registramos e agradecemos a presença do Senhor Nelson Hervey Costa, Secretário de Governo Municipal. Senhoras e senhores ouviremos o Prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

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Meu bom dia a todas e a todos. Eu quero, inicialmente, saudar o nosso querido e compe-tente Secretário da Educação, Alexandre Schneider, na sua pessoa, todos os colegas e amigos da Secretaria de Educação aqui presentes. Uma saudação especial ao Égnon cumprimentá-lo peloentusiasmo, pelo trabalho. Você que é o grande responsável por termos a oportunidade de res-pirar o xadrez na nossa rede. Saudar, aqui, o nosso enxadrista brasileiro, melhor colocado na lista mundial, Giovanni Portilho Vescovi. Cumprimentá-lo pela brilhante carreira, uma alegria muito gran-de em tê-lo conosco. Saudar aqui e registrar, que para o xadrez no país, mais em especial, na rede pública paulistana, a presença do querido Kasparov é aqui um marco. Agradecê-lo pela presen-ça. Cumprimentar sua esposa Daria Kasparova, que o acompanha. E evidentemente, esse evento, que a Secretaria de Educação, a Prefeitura promovem, ele tem justamente o objetivo de despertar a atenção para toda a nossa rede do quão é importante retomarmos com muita intensidade a con-quista de novos jogadores de xadrez. A nossa rede é uma rede com aproximadamente um milhão de alunos. Ela tem um potencial extraordinário para que possamos difundir esse que é um jogo de extrema importância em especial para as crianças, para os adolescentes, para os jovens. Porque através do xadrez as pessoas aprendem a raciocinar. Através do xadrez as pessoas aprendem a meditar, através do xadrez as pessoas aprendem a ter autocontrole. E o xadrez é um esporte queintegra. O xadrez é um esporte que agrega. E essa tem sido a nossa disposição desde o início, quandoassumimos a Prefeitura. Aliás, no mesmo dia eu e o Schneider, o Alexandre na Secretaria, eu na Pre-feitura, e algumas prioridades foram dadas para a nossa rede. Algumas prioridades foram dadas em relação às nossas ações através da Secretaria de Educação, no campo da infraestrutura, no campo da capacitação, no campo das melhores condições de trabalho, mas também no campo das ativida-des esportivas, no campo das atividades de lazer e nós perseguimos Kasparov, esse dia com bas-tante entusiasmo. A sua presença, na verdade, é um alerta, é um chamamento. É a oportunidadeque temos de fazer esse alerta para os nossos professores, os nossos diretores, os nossos pais e alunos para que todos procurem dar uma oportunidade à criança, ao jovem adolescente, para que ele possa identifi car se tem ou não a vocação para o jogo de xadrez. Porque infelizmente, às vezes, a criança, e o jovem passa por toda a rede, pública ou privada, sem ter a oportunidade, sem que seja oferecida a ele a alternativa de experimentar, de tentar, a participação no jogo de xadrez. Eu, portantocom a minha presença aqui, o Alexandre com os professores, quero exteriorizar essa nossa preo-cupação, essa nossa vontade. E que possamos contar com a sua fundação para aqui estabelecer-mos parcerias. Você há alguns minutos atrás dizia a mim e ao Secretário da sua fundação, em umprimeiro momento com atuação em toda a Europa, e agora chegando à América Latina, e procurando identifi car a oportunidade de se enraizar aqui no Brasil também. Conte conosco, conte com a nos-sa disposição, com o nosso apoio, porque dessa maneira nós vamos estar contribuindo para formar melhor os jovens. E é esse o nosso objetivo. Então a todos vocês, que tem ao longo do dia a oportu-nidade de conviver com Kasparov, boa sorte. Àqueles que vão disputar com ele a partida, boa sorte.Eu estou avaliando se vou estar entre eles, porque eu tenho colecionado vitórias. Eu sou pé quente e eu não quero constranger o nosso convidado. Eu não vou nem falar, eu sou muitohumilde. Mas eu tenho certeza absoluta, que vocês vão aproveitar muito esse dia. Um abraço muitofraterno a todos vocês.

[Mestre de Cerimônia:]

Senhoras e senhores, em nome da Prefeitura de São Paulo, nós gostaríamos de agradecer a todos nesta solenidade de abertura do Primeiro Seminário de Xadrez Escolar. Agradecemos as au-toridades presentes. Senhoras e senhores, eu gostaria de informar que dentro de cinco minutos nós teremos a nossa primeira palestra no I Seminário de Xadrez Escolar. Nossa primeira palestra é com o Doutor Antônio Villar Marques de Sá.

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Eu que agradeço. Quando o Giovanni Vescovi me convidou em fevereiro para falar com vocês, eu imaginei que seria uma sala com 50 professores. Estou impressionado também, que nem o Kaspa-rov, um auditório com 500, talvez até mais. 700. Que beleza. Realmente vocês estão fazendo história aqui. E eu tenho satisfação de participar com vocês, e também mais tarde vou escutar os outros pales-trantes, Doutor Ítalo, o grande mestre Sunyé e o Uvêncio Blanco, que veio pela FIDE, Commission for Chess in the Schools. Esses seminários são um momento importante para nós, porque a gente tenta sintetizar o conhecimento e também tenta avançar um pouco na forma de apresentá-lo. Esta foto é de uma cidade da Itália, que é um dos meus sonhos.

[Mestre de Cerimônia:]

Existem alguns mitos, ou realidades, que dizem que o xadrez tem cinco motivos importantes para a gente jogar xadrez. Primeiro, ele é uma atividade nas escolas de suma relevância. E que seu desenvolvimento intelectual é aprimorado com a prática desse esporte. Também, nas escolas as crian-ças têm um aumento de concentração, que ajudam a ser mais disciplinadas nas outras atividades. Melhora a capacidade de julgamento e tomada de decisões, autoconfi ança. A memória é exercitada a todo momento, o que permite também melhorar nas matérias escolares, principalmente matemática. O aspecto competitivo pode também ser trabalhado pelo professor. Saber ganhar, saber perder. Esse esporte pode estabelecer condutas éticas adequadas às crianças. É por esse e outros motivos, que a Secretaria Municipal de Educação está, hoje, iniciando o I Seminário de Xadrez Escolar. Depois des-sa nossa abertura, da apresentação das nossas crianças, da presença do grande mestre Kasparov, nós teremos então a palestra “O Xadrez nas Escolas - Aspectos pedagógicos e relações com outras disciplinas”. Que tem o objetivo de abordar os aspectos pedagógicos, que envolvem o ensino de xa-drez nas escolas. Apresentando aos participantes conhecimentos de ordem prática a serem adotadas em sala de aula para o enriquecimento do aprendizado. Para tanto, o palestrante de hoje é o Doutor Antônio Villar Marques de Sá. O professor Villar é uma das maiores autoridades brasileiras no que se refere ao ensino de xadrez nas escolas e as suas aplicações como ferramenta pedagógica. Acadêmico, pesquisador e professor. Obteve seu Doutorado em Ciência da Educação pela Universidade de Paris, e Pós-Doutorado em Edição Científi ca na UNESCO-Paris. É professor associado da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Atua na área da educação, com ênfase em edição científi ca, aprendizagem lúdica, educação matemática, formação de professores, xadrez escolar e pedagogia do enxadrismo. Senhoras e senhores, eu tenho o prazer de convidar ao nosso palco o Doutor Antônio Villar Marques de Sá. Que pelo currículo, já sabemos que será uma palestra muito importante. Também gostaria de convidar a professora Sandra Regina Roberto, que é da Secretaria Mu-nicipal de Educação, também do projeto Xadrez Movimento Educativo. Por favor, acompanhe o pro-fessor Villar. Ela vai fi car aqui no palco nos dando suporte. Já que ela é da equipe de xadrez. Muito obrigada professora pela sua presença pelo seu apoio. Doutor Antônio Villar Marques de Sá, por favor, inicie a sua palestra, que eu acho que eles querem muito ouvi-lo do que me ouvir. Muito obrigada pela sua presença.

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Espero, quando eu me aposentar, ter dinheiro e saúde para visitar essa cidade, chama Ma-rostica, e eles fazem uma vez por ano um festival de xadrez. Vocês vejam, que beleza. Se eu não me engano, é na segunda semana de setembro. Portanto, provavelmente, na próxima sexta, sábado e domingo. E a cidade toda gira em torno do xadrez. É no norte da Itália, chama a Marostica. Na-turalmente, nós estamos todos, aqui, falando de xadrez é porque existe uma crença, que o xadrez desenvolve habilidades cognitivas, emocionais, intelectuais, sociais. E é importante que haja apoio do Estado. Eu selecionaria três momentos, além desse, de hoje. Anteriores, que foram importantes para esse movimento, que nós estamos participando. O primeiro: 1993, o Ministério da Educação impri-me 17 mil exemplares de uma cartilha e distribui gratuitamente para vários municípios brasileiros.O segundo: Tanto o Ministério da Educação quanto o Ministério do Esporte fazem um projeto muito interessante, que vocês vão com certeza ouvir falar amanhã de manhã, que o Jaime vai detalhar me-lhor esse projeto. E o terceiro: O Ministério do Esporte, quando faz uma distribuição maciça de jogos de xadrez gratuitamente, com o tabuleiro de napa e as peças de plástico duro. Em um projeto bem interessante, que provavelmente o Jaime vai comentar amanhã. E foi impresso também 430 mil exem-plares de uma brochura de xadrez distribuída gratuitamente também, provavelmente em centenas de municípios brasileiros. Isso mostra que nós estamos em um movimento crescente. Eu queria rapidamente apresentar o meu primeiro contato com o xadrez, que eu aprendi com nove anos, com minha mãe, e logo em seguida eu recebi de presente um livro muito velho, que ela tinha que era do meu avô, que era de 1948. O livro se chamava “Manual de Xadrez”, o autor se cha-mava Luiz Cabrerizo, se não me falha a memória era um doutor como o Doutor Ítalo, médico. Ele ainda tinha notação descritiva, que é uma notação problemática, porque existem dois referenciais. Se você joga o Peão, por exemplo, branco em e4 chama-se Peão 4 do Rei, se você joga o Peão preto em e4, chama-se Peão 5 do Rei. Então como são dois referenciais isso é um problema, que foi solucionado a partir do momento em que a gente aderiu à notação algébrica. E aqui, o meu primeiro contato com o ensino de xadrez, foi em 1978, eu já tinha tido acesso ao livro do Idel Becker, também chama “Ma-nual de Xadrez”. E ao livro do Orfeu D’Agostini, o “Xadrez Básico”. Eu comecei a construir o material para distribuir para os alunos. Eu pegava um tabuleiro vazio fotocopiava, depois enchia o tabuleiro com peças. Por exemplo, um Rei Branco na casa branca, um Rei Preto na casa preta. Porque assim, depois, quando eu ia montar o tabuleiro, eu recortava as pecinhas, colava e montava. Com isso dava um trabalhão, não tinha computador nessa época. Eu fui montando. Dez anos depois eu usei na mi-nha tese de doutorado, na França, também com essa mesma proposta. Como eu fazia um diagrama por semana, depois de alguns anos eu tinha mais de cem diagramas, eu podia montar. Aqui está um exemplo, que eu gostaria de comentar com vocês, da questão. Porque o xadrez permite, que cada aluno se desenvolva no seu ritmo próprio. Como é que eu tentava otimizar essa idéia? Eu distribuía,

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Resposta: Dama h1, mate. Ok! Aí eu distribuía. Eu sempre trabalhei com a resolução de pro-blemas. Eu acho isso um aspecto importante. Mas tinha um problema, tem gente que é muito rápido e com certeza alguns ainda estão procurando a Dama, e ele já deu o mate. Então a gente fica naquela, o professor fica pensando... Então eu já levava logo seis diagramas. Enquanto os rápidos faziam, os mais lentos também tinham o seu trabalho. Quando o primeiro terminava os seis, aí eu passava para outro tema. Ou então eu pedia: “Você já terminou tudo?” “Já”. “Então vamos fazer o seguinte. Começa tudo de novo, agora as brancas jogam e dão o mate em dois”. Vamos tentar? No mesmo diagrama, as brancas jogam e dão mate em dois: [Resposta: Dama d8 xeque, Torre captura Dama em d8. Torre captura Torre em d8 e mate]. Então com isso conseguia fazer com que toda a classe trabalhasse o tempo todo. Quando o primeiro terminava os seis, a gente encerrava a atividade, e eu convidava os que não tivessem terminado para fazer em casa, ou não. Às vezes eu invertia, falando: “Já fez as seis de preto, agora vamos fazer as seis de branco”. Então com isso eu tinha mais tempo, toda a classe trabalhava sem parar. Porque aquele aluno que termina rápido, vocês conhecem, às vezes ele vai ficar fazendo bagunça, atrapalhando a aula. E assim eles tinham constante atividade. Um aspecto que eu vou voltar a falar aqui, que eu adoro, é o aspecto histórico. Então nesse caso, eu estava na França, eu fui ensinar notação para eles. Eu peguei uma partida, que eu li em um li-vro, que foi jogada por Napoleão Bonaparte de brancas, contra Wellington de pretas e apresentei para eles. Eu ensinei a notação com essa partida. Só que ao final eu reparei que o 22º lance do Napoleão, ele perde a Torre... Mas no final o adversário abandona. Eu percebi que tinha um lance melhor. Então eu fiz um diagrama com o final dessa partida, e pedi para os alunos resolverem. Aí já é um pouco mais difícil. Mas é interessante, porque o aluno começa:

“Bom, se até o Napoleão errava. Eu também posso errar”. O desafio e: Jogue melhor que Na-poleão. As brancas jogam e dão mate em três lances:

por exemplo, seis fichas e dava a orientação. Como para montar essas fichas eu tinha muito trabalho, eu comecei a montar fichas que também davam para se jogar de brancas e de pretas. No caso aqui, eu vou dar dez segundos para vocês. As pretas jogam e dão mate em um lance:

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“Resposta: Torre e6 xeque, sacrifi cando a torre”, foi o que o Napoleão jogou, e ganha. Mas tem um lance, que é melhor. Que você não sacrifi ca nada e dá mate em três lances. “Resposta: Dama g5 xeque. O Rei é obrigado a voltar para f7. E aí Torre e7 xeque. O Rei é obrigado a ir para f8 ou g8. E aí Dama captura o peão em g7 e mate”. É, tem gente boa aqui. Aí quando eu voltei para o Brasil, eu tive a satisfação de estar um movimento crescente de xadrez no nosso país, sobretudo no Paraná. E fui convidado para escrever um artigo na revista Preto e Branco. Talvez alguns de vocês tenham visto. Eu não sei nem qual a tiragem dela. Eu suponho que sejam mil exemplares. E comecei um, e acabei fazendo dezesseis artigos sobre o xadrez e a educação, dos quais vocês têm acesso hoje no clubexa-drezonline.com. Os nove primeiros. Então eu fi z a distinção entre o xadrez como disciplina escolar, e o xadrez como suporte pedagógico para outras disciplinas. Não sei bem como funciona aqui em São Paulo, mas eu suponho que vocês trabalhem mais com o xadrez como disciplina escolar. Só para eu ter uma ideia de vocês, aquelas pessoas, que são professores de xadrez, quer dizer, que o xadrez é uma disciplina, levante a mão. Bom, 20%. E aquelas pessoas, que são professores de outra disciplina, que utilizam o xadrez como suporte pedagógico levante a mão. 80%. Então eu já me enganei pessoal. Mas mesmo assim eu trouxe material, que eu espero, seja útil para vocês também. É interessante, que o xadrez pode ser utilizado por todas as disciplinas. Eu fi z também uma análise naquela época sobre a União Soviética. Porque o Kasparov estava aqui, e os torneios escolares, que eles faziam lá, naquela época, e que tudo me leva a crer que hoje eles continuam fazendo, tinham um milhão de inscritos. En-tão eles abriam lá: “Torneio Escolar Torre Branca”, um milhão de pessoas inscritas. Então eu fui estudar um pouquinho tudo o que acontecia lá. E publiquei nesse artigo. A França também me interessou. Pri-meiro, porque eu estava lá estudando, segundo, porque eu percebi que eles tinham algumas escolas de jardim da infância, que com seis anos, a criançada estava jogando xadrez. Em todos os níveis. Até, inclusive, na universidade. Algumas universidades, como a Universidade de Strasbourg, por exemplo, tinha a disciplina de xadrez no seu currículo, ganhando crédito e tudo. Depois eu apresentei mais uns quinze países, que tinham experiências institucionalizadas, como por exemplo, o Canadá, Cuba, Hungria, Holanda, e outros. E fi nalmente o Brasil. Nesse momento, eu disse que a Taya Efremoff, foi a primeira mestre brasileira de xadrez, tinha sido a primeira professora de xadrez escolar no Brasil. Mais tarde, pesquisando em revistas antigas eu me dei conta, que tinha uma outra experiência anterior. A Taya era de Araraquara, e teve uma outra experiência em Jaboticabal, em 1935, isso do-cumentado, no único colégio estadual da cidade foi introduzido o xadrez. Então, veja que há muitos e muitos anos, que se tenta esse caminho. E ao fi nal, eu também faço uma distinção entre metodologia do ensino para treinadores e metodologia de ensino para professores. Eu estou até curioso para ver qual vai ser das duas linhas, o Kasparov. Eu tenho impressão, que ele trabalha com metodologia de ensino para treinadores. Há uma diferença básica entre as duas propostas. A primeira você utiliza o jogo de xadrez como um elemento que vai desenvolver várias capacidades dos alunos, mas não necessariamente valoriza a questão competitiva. E a outra, você formar campeões. Então eu faço também essa distinção. Essa foi à cartilha, que o Ministério lançou em 1993. O que eu gostaria de co-mentar sobre ela, é que nós tentamos fazer em poucas páginas o máximo que deu. Tem mais de cem

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diagramas, dos quais quase todos com essa proposta. Onde jogam as brancas, que tem a fi nalidade. E ao fi nal da cartilha o aluno pensa que acabou, e aí vem a frase: “Agora resolva de preto todos os problemas nos quais há mate em dois lances”. Então nós tentamos otimizar o trabalho, fazendo dois livros em um. Se é que a gente pode dizer uma coisa dessas. Em seguida veio a Secretaria de Educa-ção de Goiás, que também nos pediu um trabalho. Foi feito. Esse já uma tiragem menor. E nesse livro trabalhamos aspectos históricos do jogo, que como eu falei, e vou falar ainda, é um aspecto que me interessa bastante. Nesse ínterim, aí surge uma Legislação Brasileira com a Lei de Diretrizes e Bases, que nos auxilia na introdução do xadrez na escola. O artigo 26 fala de parte diversifi cada. O artigo 27 fala de desporto educacional. E o artigo 32 de aquisição de habilidades. Então aí nós temos a possi-bilidade de introduzir o jogo de xadrez como um projeto da escola inteira. Eu já vi experiências como essa na França e no Brasil. É algo absolutamente extraordinário. Então provavelmente vocês tenham experiências, alguns de vocês devem ter experiências de usar o xadrez como um projeto na escola, que unifi ca todas as disciplinas. É muito interessante. E no ano seguinte, a LDB é melhor explicada com os parâmetros curriculares nacionais. Sempre com aquela mesma idéia de desenvolvimento, de atenção, concentração, investigação, paciência, prudência, perseverança, sublimação da agressivida-de, integração social, autocrítica, pensamento lógico e ritmo próprio. Em 2004, o MEC implantou um projeto, que vocês vão ter maiores detalhes amanhã de manhã, que começou em quatro cidades: Belo Horizonte, Campo Grande, Recife e Teresina. Depois, ele foi avaliado no fi nal do ano, e houve um avanço em criatividade, raciocínio lógico, resolução de proble-mas, memorização e socialização. O MEC avaliou esse projeto com uma visão bastante otimista com relação à ampliação para os demais estados brasileiros, fomentando expectativas de melhoria na qualidade social da educação. E a partir daí foi dado o sinal verde para que os outros estados também tivessem a implantação do xadrez. Essa é a brochura que foi distribuída em 430 mil exemplares. E que vocês têm a oportunidade de ainda hoje baixar gratuitamente pelo Ministério. Ela está disponível lá no portal do Ministério do Esporte. Todos esses trabalhos que eu participei, eu gosto de dizer que eu não recebi um centavo por eles. Nós cedemos os direitos autorais aos Ministérios, mas tivemos grande satisfação de ver o xadrez sendo pouco a pouco implantado no país. E agora, a partir de 2008, eu comecei uma nova fase, que eu gostaria de falar alguns minutos com vocês, que é a orientação de dissertação de mestrado com o tema Xadrez Escolar. A primeira foi de uma professora da Universidade Estadual de Montes Claros, no norte de Minas Gerais, que traba-lhou sobre as práticas pedagógicas no aprendizado do jogo de xadrez. A segunda, no ano seguinte, foi o professor Léo Magon Silva, que é do Distrito Federal, professor da rede pública, fez já uma pesquisa sobre o xadrez e matemática. A terceira, a professora Marlucia Almeida, no mesmo ano de 2010, ela trabalhou a questão do xadrez nas escolas de tempo integral. Que é um movimento, que está vindo, que provavelmente alguns de vocês já devem estar participando. Então mais do que nunca a atividade enxadrística pode ser colocada em uma escola de tempo integral. E ela faz uma análise sobre isso em Tocantins. Ela é da Universidade Federal do Tocantins. E agora, na semana passada, foi deposi-tado, ainda não tem nem o endereço, mas vocês podem ir pelo endereço http://repositorio.bce.unb.br, que é uma pesquisa-ação, que foi feita no Distrito Federal, pelo professor Melchizedek. Ele utiliza o xadrez e passa conteúdos de várias disciplinas. É uma experiência muito interessante, que para quem tem ambições de eventualmente fazer uma especialização, um mestrado, um doutorado, um pós-doutorado um dia, eu recomendo. Fiz uma síntese rápida para vocês. A Rosângela faz uma crítica feroz a algumas escolas, que utilizam o xadrez sem nenhuma base. Mal o professor tem meia dúzia de jogos, ou dez jogos, e sem nenhuma formação, sem nenhuma sala, sem nenhuma condição. Espero que não seja o caso de vocês aqui. Mas é fundamental, por exemplo, que haja formação, que haja publicações para auxiliar o professor, e que haja um local apropriado para o ensino de xadrez. Ago-ra, ela também identifi cou escolas com processo dinâmico e ativo, capazes de provocar mudanças com o estabelecimento de estratégias cooperativas, dialógicas, interativas e transformadoras. Então, apoiando a utilização da educação através do xadrez e pelo xadrez. O Léo Magon, ele analisa certas dissertações que investigaram o jogo de xadrez em diferentes aspectos. Eu selecionei, caso alguns de vocês tenham interesse, ele faz uma síntese das dissertações anteriores que falaram sobre xadrez escolar. E a conclusão apresenta os benefícios do xadrez para o ensino e aprendizagem de matemática, e também uma análise dos resultados da investigação, com alguns trabalhos sintetizados pelo pesquisador. Já existe um projeto no Tocantins, interessante. E,

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sobretudo, também eles estão implantando a escola de tempo integral. Então ela faz uma pesquisa nessa área, levantando alguns aspectos de aprendizagem, formação do caráter, autocontrole, von-tade, disciplina, autoconfi ança, concentração, entre outros. E o Melquisedek, ele partiu de quatro princípios e foi fazer a pesquisa dele. A formação docente para o uso do xadrez em sala de aula impulsiona uma aprendizagem ensino lúdico e dialógico. O problema de comunicação no ínterim da comunidade escolar inviabilizava a inclusão do xadrez no currículo. Quer dizer, a gente sabe até que a legislação do Ministério, ela é favorável a isso. Mas ainda tem uma série de difi culdades para essa implantação. A intencionalidade pedagógica do xadrez impulsiona um ambiente de aprendizagem ensino dialógico, interativo e disciplinar. E a dimensão relacional do ensino do xadrez potencializa es-tratégias pedagógicas lúdicas, e propicia uma aprendizagem colaborativa e socialmente responsável. Como eu comentei, ele tem um anexo com umas sessenta páginas muito interessantes. Lembro-me agora, só para dar um exemplo, ele passou aquele fi lme “O Xadrez das Cores”. Só para ver e assim tentar conhecer vocês um pouquinho mais, quem já assistiu ao fi lme “O Xadrez das Cores”, levanta a mão. Uma, duas, três, quatro, cinco. Pouca gente. Então eu recomendo. Ele passou o fi lme, fez uma discussão entre os alunos, foi extremamente interessante. Mas nós vamos voltar a falar sobre essa questão de vídeos, fi lmes e tudo. Agora, para vir para cá, semana passada, eu entrei no site do Ministério da Educação onde tem o banco de teses da CAPES, que é a Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Professores do Ensino Superior. Eu imaginei que ia achar lá umas dez, doze dissertações sobre o xadrez. E quando eu joguei a palavra-chave xadrez e dei Enter, eu cai para trás, vieram 113 títulos. Claro, que alguns não tinham nada a ver. Como por exemplo, uma dissertação, que era as-sim “Lacan jogava xadrez?”, e aí ele vai fazer análise sobre a cura psicanalítica. Tem abertura, tem o meio jogo, tem o fi nal. Tem alguma coisa de jogo de xadrez, mas não é sobre o jogo de xadrez. E outras que também não eram sobre o xadrez. Mas dessas 113, eu selecionei dois doutorados, que talvez alguns de vocês se interessem. Um foi de 2005, os dois são da Unicamp. Francismara Neves de Oliveira, um estudo das interdependências cognitivas e sociais e escolares em diferentes idades por meio do xadrez simplifi cado. O xadrez simplifi cado é um jogo, que o Piaget inventou se não me engano, de cinco por cinco. Um tabuleiro pequeno, mas com o movimento das peças do nosso jogo de xadrez. E ela obteve resultados apontando que havia uma interdependência entre as condutas dos participantes no jogo, desenvolvimento espacial, e os níveis de tomada de pers-pectiva social em relação construtiva e integrativa. Ela fez uma síntese do trabalho e publicou três anos depois nessa revista: “Ciências e Cognição”. O endereço está aí, www.cienciasecognicao.org.Para quem tiver interesse. E a outra é do Wilson da Silva, terminou no ano passado, eu tive a satisfa-ção de estar na banca. Foi na Unicamp também. Raciocínio Lógico e o Jogo de Xadrez - Em Busca de Relações. Trabalho, assim, monumental. Eu recomendo para vocês. Quem tiver fôlego, 428 páginas. Ele conclui que existe uma correlação positiva entre a habilidade no jogo de xadrez e o desempenho em provas que envolvam o raciocínio lógico e a resolução de problemas. Aqui, é o velho problemas que nós temos: “Será que o xadrez torna as pessoas mais espertas? Ou será que as crianças mais espertas é que vão jogar xadrez?” Fica aí o enigma para vocês. É uma questão, que vai ser discutida provavelmente com os outros palestrantes também. E quem sabe vocês tenham algumas idéias para nos brindar. Acabei selecionando uma especialização e treze mestrados. Vou passar rápido. Um deles é a “Geometria do Cavalo - Um Micromundo de Investigações”. Esse na área de matemática. O outro: “Geometria Estética - Experiências com o Xadrez”. Esse também é de matemática. “Édipo e Símbo-lo - Considerações sobre os Sentidos de um Jogo Edipiano”. Esse eu participei da banca, é na área da psicanálise. Interessantíssimo também e bastante polêmico. O quarto: “A Máquina e Seus Limites - Uma Investigação sobre o Xadrez Computacional”. Esse é fi losofi a da ciência, mais teórico, mas também com algo de ensino de ciências. Esse é mais teórico. Um estudo teórico. O quinto: “O Xadrez no Contexto do Lazer, Escola e Profi ssional - Aspectos Psicológicos e Didáticos”. É de uma professora de educação física. O outro: “O Tabuleiro de Xadrez de Uma Perspectiva Pré-Didática da Aritmética”. Novamente, educação matemática. E fi nalizando nós temos: “Níveis de Construção Dialética no Es-paço-Temporal no Jogo de Xadrez e Desenvolvimento de Possíveis em Escolares”. Esse é Unicamp, é educação. O outro: “O Jogo de Xadrez em Educação Matemática - Como e Onde no Ambiente Escolar?”. Novamente educação matemática, na Estadual da Paraíba. Oitavo, que é de educação física: “O Xadrez em xeque - Uma Análise Sociológica da História Esportiva da Modalidade”. Ele usa,

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além da questão histórica, também a questão sociológica. Muito interessante a questão também. E “Frequência Cardíaca - Variabilidade da Frequência Cardíaca e o Desempenho em Uma Partida de Xadrez”. Esse, embora seja da psicologia, ele me pareceu interessante. Dos 113, eu escolhi 11 para vocês, só para vocês eventualmente pesquisarem. Esse o doutor Ítalo deve nos explicar melhor essa questão. Porque como o xadrez é uma atividade em que a gente fi ca parado, a pessoa fez a medição dos batimentos cardíacos. Todos os enxadristas sabem que em determinados momentos da partida o coração da gente vai a mil. Fica quase explodindo. E isso você não pode explicar por alguma ativi-dade física. Você não está correndo, você não está se esgoelando, você não está se matando, você não está se cansando. Então é fatalmente emocional. E ela fez uma avaliação muito interessante. Ela chegou à conclusão, que em determinados momentos ela previa se a pessoa ia fazer o lance correto, ou não. Então eu convido vocês a ver esse trabalho. Um outro aqui em São Paulo, também na área de educação física pela Unicamp, fez uma avaliação dos jogos escolares brasileiros da Confederação Brasileira de Desportos para Cegos. Foi o primeiro torneio que foi feito, nem sei se houveram outros. Ela fez uma análise. A Confederação Brasileira de Desportos para Cegos tem seis modalidades: tem judô, atletismo, natação, futebol, golbol e o xadrez. Ela faz uma análise. Então já é um pouco espe-cífi co, que são as pessoas defi cientes visuais. O outro: “Jogo na História - Um Estudo sobre o Jogo de Xadrez no Processo Ensino-Aprendizagem”. É da área de psicologia, me pareceu interessante também. Para fi nalizar com essa parte, eu trouxe duas sínteses de trabalhos, que me chamaram a atenção. Mas claro que cada pessoa tem as suas preferências. Esse “O Jogo de Xadrez - Teorias e a História” foi um mestrado em história. Apresenta a história do xadrez, cujas origens datam do século VI, e investiga o seu desenvolvimento, observando as mudanças sofridas e as metáforas produzidas. Principalmente a da representação da Guerra Antiga e da Sociedade Medieval. Mostrando como as transformações sociais exerceram infl uências em diversas ordens sobre esse jogo. E o outro, que é do Wilson da Silva, que é do Paraná, que fez o doutorado, que eu havia comentado anteriormente. Esse foi o mestrado dele. Que ele terminou em 2004. A base teórica que subsidiou o estudo foi à epis-temologia e a psicologia genética de Piaget, sendo privilegiado o conceito de tomada de consciência. Os resultados parecem indicar que os processos cognitivos envolvidos no êxito e no fracasso em uma partida de xadrez podem ser explicados pelo conceito de tomada de consciência. Esse inclusive o Jaime também pode depois comentar um pouco sobre o trabalho. Ah, desses trabalhos, eu tenho conhecimento, que pelo menos um virou livro. Então quem tiver interesse, embora ele tenha sido feito por um professor de matemática, eu recomendo para qualquer professor. Porque ele trabalha com elementos do xadrez e efetivamente pode ser aproveitado. Então qualquer professor, que trabalhe com xadrez, não necessariamente ma-temática, pode comprar e pode se divertir com esse livro: ”Geometria e estética: experiências com o jogo de xadrez”, Antônio Rodriguez Neto, ele fez o livro pela UNESP. Vejam que agora é mais fácil você montar uma posição, vocês têm o apoio de computadores, de programas, que facilitam muito. Diga-se de passagem, quando eu criei minhas aulas, não tinha nada disso. Falando em matemática, eu queria dizer para vocês, no que concerne à matemática, o xadrez é um dispositivo efi caz para a aprendizagem da aritmética, noções de troca, valor comparado das peças, controle de casas, e quantos exemplos de operações numéricas elementares, da álgebra. Vocês têm até um livro sobre o assunto. Cálculo do índice de desempenho dos jogadores, que é similar a um sistema de equações com N incógnitas da geometria. O movimento das peças, realmente, são as noções de verticalidade e horizontalidade. A representação do tabuleiro como um sistema cartesiano. E assim vai. Têm vários elementos aí. E não necessariamente elementares. Eu trouxe dois grandes matemáticos, muitos de vocês devem conhecê-los, que trabalharam uma questão enxadrística, mas não de nível elementar. Que são análise combinatória, estatística, análise na gestão de torneios, informática na programação do jogo, a teoria dos jogos, o cálculo, a lógica e a topologia. São questões que podem ser trabalhadas, e com certeza alguns de vocês já trabalharam com os alunos, o percurso do Cavalo com as sessenta e quatro casas. Eu fazia da seguinte forma; eu distribuía um tabuleiro vazio, e cada aluno recebia o seu tabuleiro, uma fotocópia de um tabuleiro vazio, e eles começavam, por exemplo, com o cavalo em a1 e tinham que chegar em h8.

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Aí eles anotavam o número 1 na casa a1. Depois anotavam o número 2 aonde o Cavalo caísse. E aí só tinham duas possibilidades. Ou ele ia cair no c2, ou ele ia cair em b3. Metade da classe ia para um lado, a outra metade ia para o outro. E o aluno anotava o número 2 naquela casa. Depois eles passavam a ter mais possibilidades. Umas seis possibilidades. Uns iam para um lado, outros iam para o outro, uns iam para frente. E, se é que precisa ter um vencedor nessa atividade, mas vocês podem dar uns cinco, dez minutos. Cada um faz o seu, e provavelmente ninguém vai chegar nas 64 casas. Por quê? Porque não pode pisar duas vezes na mesma casa. Então tem um momento que eles têm oito possibilidades, mas todas as oito já foram pisadas. Está com o número lá, 32, 33, 51, 52. Então a partir do momento que não tem mais casa, para. E aí vê que, eventualmente, quem conseguiu o maior número de casas. Mas tem que ver também se todos os movimentos foram corretos. Porque se ele saiu de a1 e jogou em c3, no segundo lance, todo o resto está perdido. Então ele só tem um lance bom. Espero que eu tenha me feito entender. Parece-me que é interessante. O outro com certeza vocês também já brincaram com os alunos de vocês. Pega oito Peões. Aí pode ser com tabuleiro normal, na mesa, e eles têm que colocar os oitos Peões, como se aqueles Peões fossem Damas, sem que eles não batessem uns nos outros. No início eles conseguem botar quatro, cinco. Mas depois de algumas semanas fazendo a brincadeira vão começar a montar mais. E para a nossa surpresa, existem mais cem soluções esse problema. É claro que quando esses matemáticos estudaram não existia computador. Eles passaram anos estudando a questão. Agora, sim, a questão da informática. Vocês sabem, que um dos primeiros computadores, que foram feitos, a equipe se debruçou por vários anos para tentar fazer com esse computador simplesmente desse um mate. Rei e Peão contra Rei. E depois de alguns anos, quando eles conseguiram, isso foi notícia no mundo inteiro. Salvo engano isso foi nadécada de 50. A gestão de torneio hoje em dia, vocês fazem com a informática. Eu organizeitorneios na universidade para crianças em uma época, que não tinha ainda informática ajudando. A gente ainda fazia com fi chinhas, para fazer o emparceiramento demorava uma hora. Era muitagente. Hoje você clica lá e o computador já te dá a resposta. Navegação na Internet também ajuda muito. O próprio rating dos enxadristas é feito dessa forma. Outra coisa que me pareceuinteressante, e que eu recomendo, quando vocês forem organizar um campeonato escolar, se tiver número ímpar de pessoas, coloca um computador. Aí você não tem ninguém que fi que Bye, todos vão jogar. E o computador passa a ser uma motivação a mais naqueles eventos. Tambémtem um evento histórico, que é a derrota do Kasparov com o Deep Blue. Nós temos várias ques-tões que podem ser abordadas. A gente pensa logo em competição, mas não é a única. Vocês têm vários aspectos como problemas, estudos, fi nais artísticos, que podem ser trabalhados. Tem também a questão do xadrez às cegas, que pode ser tentado. E uma data importante, que foi as Olimpíadas de Xadrez em Paris, em 1924, onde participaram dezesseis países, e foi criada a nos-

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sa Federação Internacional de Xadrez. Que o Uvêncio é representante vai falar com vocês ama-nhã. Hoje, salvo engano, tem 169 países, que participam da FIDE. Em 1963, o matemático Elo criou um sistema de classifi cação de jogadores para a federação de tênis. Mas eles não gostaram muito do sistema. E ele acabou sendo então adotado pela nossa federação de xadrez. E até hoje a gente usa e estamos satisfeitos. Em 1999, o COI, o Comitê Olímpico Internacional, reconhece o xadrez como uma atividade esportiva, e a gente está aí na expectativa: Será que um dia o xadrez vai virar uma modalidade olímpica? Hoje não tem nenhuma possibilidade disso. Para começar tem que alguma modalidade sair para outra entrar. É muito difícil. Mas não é impossível que isso venha a ocorrer no futuro, e, sobretudo nas paraolimpíadas. Eu penso que ainda não foram cria-das as modalidades. Ou melhor, defi nidas as modalidades, que serão jogadas no Brasil. Então pode ser, que o xadrez entre primeiro como um esporte paraolímpico. Torneios escolares. Outros enfoques, ginástica mental. Essa idéia da ginástica mental, eu tirei da equipe cubana. Eles, prati-camente todos os esportistas de Cuba, jogam xadrez. Seja ele judoca, futebol, qualquer esporte. Parece que eles utilizam muito o xadrez como um apoio. Eles têm, lá, as idéias dele com relação a isso. Também há a questão do xadrez como uma atividade de lazer, me parece fundamental. Um avô levando o neto para o parque para jogar xadrez, sem nenhuma fi nalidade competitiva. Isso também é um aspecto interessante. E como sempre o uso como ferramenta pedagógica para desenvolvimento pessoal e social. Que é o que vocês devem estar implementando. Agora, um aspecto que eu vi em um desses projetos, que o xadrez envolvia todas as disciplinas da escola, que me encantou. Isso foi na periferia de Brasília. O professor de física, ele construiu relógios de xadrez a partir dos conhecimentos básicos de circuitos. Eles compraram lá umas tomadinhas, umas coisas, gastaram acho, que cinco reais, e montaram relógios de xadrez. Isso para o ensi-no médio. Então essa é uma das atividades interessantes, que tem em um vídeo da TV Escola, que eu recomendo para vocês. O endereço preciso eu não sei, mas vocês devem entrar no site do Ministério da Educação, do MEC, procura em TV Escola, lá eles têm uns quinhentos vídeos. Provavelmente jogando xadrez como palavra-chave, vocês vão cair nesse vídeo. Chama “Xadrez nas Escolas”, algo assim, é uma hora o vídeo. Ele conta a experiência dessa escola. Foi uma experiência, inclusive, que ganhou um prêmio do Ministério entre quinhentas experiências nesse país afora. O fabuloso professor de matemática começou com sete alunos de xadrez no recreio, não tinha sala, não tinha nada, aos poucos ele foi ganhando a comunidade, os alunos, e com aqueles sete se transformaram em quatorze, logo depois tinha metade dos alunos jogando xadrez no recreio. Aí a diretora, que achou muito interessante, apoiou a proposta, deu uma salinha, não sei se era de informática, ou alguma coisa assim, que estava subutilizada. Eles passaram então a ter uma sala de xadrez. O professor de matemática, que tinha quarenta horas de matemática, passou a ter só vinte. Depois as outras vinte ele usava com o xadrez. E fi nalmente, depois de alguns anos, a escola contratou outro professor de matemática, e ele fi cou quarenta horas só de xadrez. Foi um sucesso estrondoso o projeto, que começou de uma maneira muito simples, como eu comentei. E o professor de física, que fez essa experiência. Agora, a questão da educação artística. Tem algum professor de educação artística aqui? Um, dois, três... Ô, beleza. Tem uns dez, não é? Então eu acho que vocês vão me dar apoio nessa proposta. Eu considero a parte de educação artística, assim, fundamental para a motivação da aula de xadrez. E ela pode ser feita de inúmeras formas. Para começar, uma partida bem jogada, você vendo uma partida de xadrez bem jogada, você tem uma satisfação similar a se você estivesse vendo um quadro bonito, ou se você estivesse escutando uma música bonita. De uns 150 anos para cá, inclusive, existem prêmios de beleza nos torneios. A combinação enxadrística é uma coisa que é revolucionária, porque normalmente você quebra a regra pré-estabe-lecida e você ganha o jogo. Vamos supor, se ele entrega uma Dama, que vale muito, por um Cavalo, que vale pouco, e você ganha o jogo. Isso não é o normal. Então tem um aspecto de beleza. Sem contar também, a questão da confecção de materiais. Eu já vi projetos belíssimos. Posso até comen-tar com vocês mais adiante. E o professor de educação artística pode comandar na escola. Só para fi nalizar essa questão da educação artística relacionada a prêmios de beleza, a primeira partida que recebeu um prêmio de beleza foi Bird e Maison, provavelmente dois ingleses, 1876. E em um livro de

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1939, eu tirei esses sete itens, que são considerados para o prêmio de beleza. Vejam como é rico. Então tem um rigor incrível, correção, rapidez, difi culdade, vivacidade, originalidade, riqueza e lógica. Tudo isso para selecionar a melhor partida do evento, do ponto de vista da beleza, do ponto de vista da arte. Agora, ainda comentando com essa questão, a Marostica é o exemplo máximo disso, porque é uma cidade medieval, e eles usam o xadrez como um momento de atração turística. Vai gente do mundo todo para ver aquela festa, são três dias de festa. Mas os professores de artes podem tam-bém fazer uma espécie de peça de teatro. Esse cartaz eu trouxe para mostrar a vocês, porque foi um momento impressionante da minha vida.

Quando eu estava na França, eu fui à Inglaterra para pesquisar na British Library. A Inglaterra dominou metade do mundo, eles têm muita coisa que eles acumularam. Então eu fi z uma pesquisa lá. E andando na rua, sem querer, eu descobri o cartaz desse teatro. Um musical com o grupo ABBA, os mais antigos devem se lembrar, e a Orquestra Sinfônica de Londres. E eu fui correndo para ver, só, que custava, eu acho que uns duzentos reais, na época eu trabalhava de garçom, eu ganhava quatro reais por hora, ou oito. Pouquinho. Não pude ir. Voltei para Paris. Terminei o meu trabalho. Avancei o meu tra-balho. E um ano e meio depois eu fui novamente a Londres para fi nalizar a pesquisa. Não é que quando cheguei, eu passo lá na frente do teatro Príncipe Edward, estava à peça lá ainda. Daí eu já estava tra-balhando como professor de xadrez, e eu ganhava vinte e oito acho que cinqüenta e seis reais por hora, então duzentos reais já era mais acessível. E eu fui assistir a essa peça. Um musical longo durou umas três horas. Vocês imaginam a Orquestra Sinfônica de Londres, o grupo ABBA. Eles pegaram a história de alguns enxadristas, reescreveram a história, tem romance, tinha Guerra Fria. Era a Rússia contra os Estados Unidos. Tinha Fischer contra Spassky. Tinha Korchnoi contra Karpov. Fizeram uma misturada, mas para nós, que gostamos de xadrez, foram, assim, umas das três horas mais agradáveis que eu já passei na minha vida. Mas o que eu acho incrível é que a peça fi cou pelo menos dois anos em cartaz. Ela não saiu. Tinha gente que ia assistir. Outro professor do Paraná fez esse vídeo, que talvez vocês consigam baixá-lo da internet. Chama “Uma Aventura no Reino do Xadrez”. Esse vídeo eu acho que é de 1995. Talvez tenha uns quinze anos, já. Ele misturou desenho animado e misturou fi lme. É espetacular. Tem uns vinte minutos. O professor Léo conseguiu fazer um projeto, que juntou as duas artes. Juntou o desenho animado e juntou o fi lme, e também foi buscar na literatura. Ele se baseou um pouco no Malba Tahan. Os professores de matemáti-ca, com certeza, usam em suas aulas. O Malba Tahan tem um livro chamado “O Homem que Calculava”.

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E nesse livro tem um capítulo que fala sobre o xadrez. Entre outros, o Malba Tahan tinha livros fantás-ticos. Outra questão também é a questão da pintura, pessoal. Eu não vou me estender muito, porque a gente vai conversar um pouco ainda. Mas existem dezenas de pinturas, existem artistas, assim como Marcel Duchamp, que foi um dos maiores artistas da história da pintura, francês. Teve uma época em que ele abandonou a pintura só para jogar xadrez. Ele foi inclusive da equipe olímpica francesa por três olimpíadas. E ele dizia que o xadrez era uma arte mais pura do que a pintura. Ele era um apaixonado, escreveu livros sobre fi nais de xadrez. E essa pintura, em particular, ela está no Museu de Belas Artes de Paris, é de uma portuguesa, que morou muitos anos na França, já morreu, chama Vieira da Silva. Mas existem muitas outras. Livro, também, é uma questão com certeza vocês usam. Trouxe um, que é o “Alice Através do Espelho”, esse é um livro clássico, que merece ser trabalhado em sala. Tem um determinado momento em que Alice se transforma em um Peão, e ela vai andando pelo tabuleiro, e todos os lances, são lan-ces corretos. Todas as peças trabalham de forma correta. Só que o Lewis Carroll viaja um pouco, eu acho que tem momentos em que ela anda dois lances e o outro não anda lance nenhum, mas é bem interessante. Tão interessante, pessoal, que eu contabilizei trinta fi lmes sobre esse livro, essa história. Entre desenhos animados e fi lmes. Alguns com personagens reais, outros com desenho. Talvez valha citar uns dez só para vocês terem uma idéia. Conto - Edgard Allan Poe, Crônica - Fernando Arraba, Ficção científi ca - John Brunner, História em quadrinhos - o próprio Disney tem, Memórias - Kasparov. Kasparov tem pelo menos dois livros de memórias, interessantíssimos. Novela - Stefan Zweig. Stefan Zweig tem a história triste, austríaco, vem para o Brasil na época da Segunda Guerra, termina o livro, se chama “Xadrez”, é uma novela, entrega o livro e dois dias depois se suicida. Estava em um mo-mento ruim. Então esse livro é meio baixo astral. Mas pode ser trabalhado, claro. Poesia - Fernando Pessoa. Fernando Pessoa tem uma poesia bonita, que fala sobre xadrez. Policial - tem Arturo Pérez-Reverte. Que é um livro, que eu li há uns dez anos, que me encantou também. Resumindo a história, em poucas palavras, ele parte de uma pintura medieval, estavam acontecendo vários assassinatos e tal. Aí então a pessoa que vai desvendar o problema, ela parte de uma pintura de um quadro medieval. E tem uma posição naquele quadro, posição enxadrística. E a questão toda, o mistério todo do livro é a gente descobrir qual é o lance anterior àquela posição. Então ele faz um romance policial a partir daí. E também falando em romance tem o Nabokov. Alguém saberia me dizer o nome de um livro que o Nabokov, escritor russo, prêmio Nobel, escreveu? O Lolita. Na verdade, o Nabokov, uns três livros, que falam sobre xadrez. Mas tem um que virou, inclusive, fi lme. “A Defesa Luzhin”. Não sei como é que é em português. Eu tenho esse livro em francês. E ele foi feito um fi lme, se não me engano, chama “O Último Lance”. Eu posso estar confundindo, porque é muito livro, é muito fi lme. Eu só estou dando uma ideia rápida para vocês. Mas se não me falha a memória o Nabokov tem esse livro, “A Defesa Luzhin”, e que se transformou num fi lme, que é “O Último Lance”. Na França, eu trabalhei de garçom e trabalhei também em um cineclube. Então esse fi lme eu peguei e passei. Devia ter uma meia dúzia de pessoas assistindo, mas eu passei para mim mesmo, eu acho. Chama “O Sétimo Selo”. E ele é a história, como vocês veem... esse personagem faz o papel da morte. E isso passa na Idade Média, e tem um casal de pessoas, teatrólogos, com o seu bebezinho, que vão de cidade em cidade fazendo peças teatrais. Enfi m, tentando sobreviver. E aí chega a morte para ele, fala: “Ó, chegou o seu dia e tal. Vamos embora”. Aí ele fala: “Pô, agora, que eu estou mais ou menos você vem me pegar. Dá um tempo aí. Vamos jogar uma partida”. E aí o fi lme vai passando. É de Ingmar Bergman. Esse fi lme é de 1957. Eu recomendo. Ele é fi losófi co. E tenho mais alguns nomes de fi lmes para fi nalizar. E depois a gente conversa nas questões. “Face a Face com o Inimigo”, esse eu nem gosto, mas é um fi lme que fez um sucesso estrondoso, chama “Night Movies”, ele é de 1991. O outro é “Lances Inocentes”, esse eu gosto muito, é um fi lme sobre a relação pai e fi lho, professor e aluno. É um belíssimo fi lme. Em in-glês ele chama “Searching for Bobby Fischer”, “Procurando por Bobby Fischer”. E é uma história real. É um pai, que é jornalista e que escreve um livro sobre o fi lho dele. E o fi lho dele veio a ser campeão americano. Esqueci o nome dele... É Josh. Ele esteve em 94 no Mundial Juvenil conosco, e depois o pai dele escreve um livro sobre a história dele. É uma beleza o fi lme, pessoal. Eu recomendo. Esse eu gosto muito. Chama “Lances Inocentes”.

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O Harry Potter também tem uma cena de xadrez, vocês devem ter visto. O Disney recebeu o Oscar pelo desenho animado “Donald no País na Matemágica”, que foi de 1950, se eu não me engano, mas foi reeditado agora em 2004 como DVD. Eu não me lembro exatamente o tempo, mas acredito que são uns 20 minutos, dos quais talvez metade ou 1/3 fala sobre xadrez, e é interessante também. Eu gosto muito desse desenho animado: “Donald no País na Matemágica”. Deixa eu ver o que eu tenho aqui. Música. Existem várias músicas, até escola de samba, carnaval já teve músicas sobre xadrez, e tem o Paulinho Nogueira, um dos maiores violonistas do Brasil que tem essa música “Jogo de Xadrez”, nesse CD “Coração Violão”, entre outros, ele depois foi reeditado em outros DVDs também. O Paulinho Nogueira já morreu, mas ele deixou uma coleção de obras muito bonitas, ele é o autor daquela música “Menina”, que foi um estrondo também. Não sei se está aqui nesse DVD. A mú-sica número 13, desse DVD “Menina”, é a música mais famosa dele, e a música número 1 é o “Jogo de Xadrez”. É um samba, é gostoso. Vocês também podem pesquisar arquitetura, ballet, desenho, escultura, publicidade, até fi late-lia. Eu tenho um selinho lançado no Brasil, que foi uma homenagem ao xadrez por correspondência, mas no corre-corre eu não consegui achar. Vou fi car devendo, mas esse é um selo da Hungria. Ouvi falar que o Kasparov tem uma coleção de selos, onde tem todos os selos que abordaram o xadrez em todo o país. Até a gastronomia vocês podem tentar fazer alguma coisa. Eu acabei não falando sobre geografi a e história. Desculpa, mas é porque o tema é muito amplo, também eu não tenho nenhuma pretensão de esgotar o tema com vocês, só quis trazer alguns elementos para a nossa discussão e que eu espero que tenha de alguma forma, enriquecido o futuro trabalho de vocês. Finalizando: “O xadrez é uma diversão intelectual que tem algo de arte e muito de ciência”, grande campeão cubano. “O xadrez é demasiada ciência para ser jogo e demasiado jogo para ser ci-ência”, é um matemático alemão. “O xadrez é esporte, arte e ciência. Analisada lance a lance a partida é uma ciência. Em seu conjunto é uma obra de arte. Como competição é um esporte”, Carlos Torre, um grande enxadrista mexicano, talvez o maior enxadrista que o México já teve. E eu trouxe uma fra-se do Kasparov porque eu queria ver se ele falou isso mesmo e eu deixei em inglês: “If you think chess is just a game, then you are not playing it rigth”, se você pensa que o xadrez é apenas um jogo, então você não está jogando ele bem. Eu vi isso em um livro e fi quei curioso, se ele pudesse nos explicar melhor isso seria interessante. O Bronstein que foi um grande campeão, aliás, não foi um campeão mundial, mas foi um jogador de nível de campeão mundial. Ele dizia que “O xadrez é a imaginação”. “Xadrez é a arte que ilustra a beleza da lógica”, Botvinnik que foi campeão mundial, era Engenheiro Eletrônico, portanto já tinha essa questão da lógica mais desenvolvida. O Fine, o maior jogador ame-ricano antes do Fischer: “A arte do xadrez consiste em encontrar a linha ganhadora”. E outra situação do Garry: “Bronstein sempre se considerou um artista e não um cientista como Botvinnik”. Eu vejo que o xadrez é tão rico, que até a defi nição de o que você é, ela é rica. O Bronstein se achava um artista, o Botivinnik se achava um cientista. Finalizando, professores com experiência de ensino de xadrez, que atuam no ambiente escolar, periescolar e extra-escolar, devem levar em consideração seu aspecto lúdico, fortalecendo a alegria de viver, a autoestima e as habilidades que serão úteis para a inserção social e a solidariedade entre as pessoas, consequêntemente entre os povos. Grato a todos e bom seminário.

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[Mestre de Cerimônia:]

Obrigada ao Doutor Antônio Villar Marques de Sá, que aqui contou um pouco da história, a história do xadrez em todos os seus seguimentos. Neste momento então, a gente vai abrir um espaço para que vocês possam fazer algumas perguntas ao professor Villar. Eu já tenho aqui no auditório, algumas pessoas para recolher as perguntas. Como qualquer seminário, qualquerencontro, sempre o nosso tempo acaba sendo muito escasso quando a gente vai abrir para pergun-tas, a gente sempre privilegia o espaço para ouvir o palestrante, e às vezes, fi ca com um espaço pequeno para que ele possa responder a todas as nossas questões. E mais uma vez obrigada ao Professor Villar, por ilustrar, iniciar o nosso primeiro Seminário de Xadrez escolar aqui no município de São Paulo.

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[Pergunta:]

“Você é um grande enxadrista?”

[Resposta:]

Não, eu tenho muita satisfação de jogar xadrez. Eu tenho um rating aproximado de 2000 da Federação Internacional. Então eu sou um amador, mas felizmente a satisfação de jogar xadrez não é relacionada com o nível da gente. Eu tenho várias passagens na minha vida de enxadrista, que me mostram que a satisfação de uma partida, ela independe do nível do jogador. Um jogador como eu, com 2000 de rating, tem uma grande satisfação, assim como um jogador como o Jaime de 2500 de rating, ou como o Kasparov de 2850 de rating. Então a satisfação felizmente, ela não é relacionada com a habilidade.

[Pergunta:]

“Fale um pouco sobre a sua tese”.

[Resposta:]

Eu vinha no avião, ontem, pensando: “Nossa, se alguém me perguntar sobre a minha tese, eu não me lembro de mais nada”, embora eu diga que o xadrez desenvolve a memória. Mas, en-fi m, eu vou pegar aqui, deve estar no subconsciente. Eu fi z o seguinte, pessoal, eu tive uma sa-tisfação enorme, porque eu acho um privilégio tão grande você estudar uma coisa que você gos-ta. Quando eu fui para França, na verdade eu fui para fi car 1 ano lá e voltar. Era um sonho que eu tinha, pedi para ser demitido das duas escolas onde eu trabalhava, para ganhar um fundo de garantia, vendi o meu Fusquinha, vendi o meu som, vendi os meus livros, vendi meus discos, fi z um dinheirinho, mais de mil dólares. Peguei um avião e desci lá na França. Na época não precisa-va nem de visto, você entrava no país e fi cava. Hoje para você ir para um outro país é tão difícil,precisa de visto, precisa mostrar imposto de renda, precisa uma série de coisas. O mundo fi cou bem pior. Mas naquela época era assim. Quando eu cheguei à França eu me encantei. Me encantei porque é um país que está pronto. Uma das coisas que me chamava atenção é que eu chegava no ponto de ônibus e tinha um horário que o ônibus ia passar. Eu falava “esse caras estão de gozação comigo”, eu fi cava olhando o horário. Dava 17h25, o ônibus ia passar 17h26, tava o ônibus chegando lá, longe na rua, eu falava “não existe isso”. Vejam, já tinha ponto de ônibus, coisa que aqui não tinha muito. E outra coisa, você entrava no ônibus, o motorista falava bom dia para você, como se você fosse amigo dele. Não tinha esse negócio de passar marcha não, o ônibus era hidramático. Claro, ele saia, engata-va para frente e ia embora, só acelerava e brecava. É um país que está pronto. Eu me encantei e falei: “Bom, vou precisar fi car aqui. Como que eu vou fazer?”, falei: “Não, fi car sem fazer nada não dá. Então vou ter que arrumar um estudo”. Eu fui me dirigi ao CNRS, que é Centre National de La Recherche Scientifi que, falei com uma grande pesquisadora lá. Eu falei: “Olha, eu tenho um interesse, eu quero fazer uma pesquisa sobre xadrez na escola”. Aí a Professora, que era uma grande cientista, falou para mim: “Meu senhor, pourquoi voulez-vous pour taquiner les enfants à l’école?”. “Meu senhor, por que você quer amolar a criançada na escola com o xadrez?”. Eu pensei que os cientistas eram pessoas abertas, tinha vontade de pesquisar coisas novas etc. Saí de lá arrasado, mas eu não desanimei na primeira, porque vocês sabem que todo enxadristas são perseverantes. Aí fui em uma outra univer-sidade que tinha um professor que era especialista em inovações pedagógicas, eu falei “Bom, quem sabe esse cara vai me receber”. Eu fui ele estava na África, marquei, depois de um mês eu voltei, ele me recebeu. Eu falei a minha proposta, ele olhou para mim, com uma cara de maroto e falou assim “Nous allons jouer à ce jeu ensemble”. “Nós vamos jogar esse jogo juntos”. Aquilo foi um dos dias mais lindos da minha vida, eu falei “Nossa, então agora vamos lá. Como é que eu faço uma pesquisa assim?”. Ele me orientou, ele aceitou, foi meu orientador e era uma pessoa maravilhosa. Mais tarde eu descobri que ele tinha sido prisioneiro na segunda guerra, que ele foi para campo de concentração, que organizava torneio de xadrez no campo de concentração, que em uma daquelas saídas de prisioneiro, fugiu do campo, aí ele foi para clandestinidade, ele foi da resistência francesa. Quer dizer, ele é um cara espetacular, e que era enxadrista, gostava de xadrez e que tinha uma ligação

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pessoal com o xadrez. Daí tive muita sorte, porque eu fui para fi car 1 ano na França e acabei fi cando 6. E quando eu acabei o doutorado, o diretor da Faculdade de Educação, ele falou: “Monsieur Villar”, ele chama a gente de Senhor: “Senhor Villar, venha trabalhar conosco aqui na universidade”, eu pensei: “Não, agora já está bom, já 6 anos, estou satisfeito e agora vou voltar pro meu país”. E não aceitei o convite, mas também dei muita sorte, porque 6 meses depois que cheguei ao Brasil eu fui convidado para trabalhar na Universidade de Brasília, saio de lá como professor de 1º e 2º grau e volto como Pro-fessor Universitário. Nada combinado, nada esperado, foi uma sorte que eu tive. E o meu trabalho, eu já contextualizei a situação. Agora o trabalho. Eu fui, então, fazer uma análise do xadrez em diferentes situações: uma que é o xadrez no (in-compreensível), que seria um clube aqui, algo assim. O outro, o xadrez como uma disciplina optativa, era em uma escola pública, e o terceiro eu impus o xadrez como uma disciplina obrigatória, era uma escola particular. Nessa escola, foi inclusive uma coisa muito curiosa, porque quando eu cheguei para falar com o diretor, eu falei “Olha, eu estou fazendo uma pesquisa de xadrez na Universidade, eu queria que o senhor me cedesse uma sala de aula par ensinar o xadrez como disciplina obrigatória por 1 ano”, expliquei tudo, e ele falou: “Ok, mais a un problème, Monsieur. Tudo bem, mais tem um problema”. Eu pensei: “Acabou a minha pesquisa, vou voltar mais cedo para o Brasil” aí ele falou assim “Je vais être obligé de la payer, monsieur. Eu vou ser obrigado te pagá-lo, senhor”. Eu não entendi, quer dizer, eu fi z a pesquisa e ainda ganhei um dinheirinho, foi ai que pude pagar teatro em Londres e tudo. Porque lá na França se você fi zer um trabalho e não for remunerado, o Sindicato fecha sua escola, e acaba logo. Então era outro patamar que eu vivenciei. Foi ai que eu fi z a pesquisa, com o jogo de xadrez em níveis escolar, periescolar e extraescolar. O xadrez em uma escola como uma disciplina obrigatória, que não foi tão interessante. O xadrez em uma escola pública como uma disciplina optativa, que acabou que um dos meus alunos virou campeão francês é enxadrista até hoje. E o xadrez como uma atividade praticamente de lazer. E eu fi z essa avaliação em três níveis: o nível institucional, nível pessoal e o nível pedagógico. O nível pedagógico, eu trouxe alguns elementos para vocês; o nível institucional, o xadrez quando ele era obrigatório tinha alguns problemas; e no nível pessoal, embora eu não tenha feito uma análise de transferência de habilidades, mas eu fi z entrevistas. Os alunos, muitos deles falaram: “Olha, profes-sor, agora eu estou mais calmo, agora minha aula de matemática que era um terror, eu estou melhor. Antes de fazer uma besteira na vida eu penso duas vezes...”, uma série de falas nas entrevistas que vocês também têm, com certeza, com os alunos de vocês, eu escutei. E os pais dos alunos também analisaram a experiência como muito positiva, e os professores também. Embora não tenha sido uma pesquisa quantitativa, foi uma pesquisa qualitativa, e é muito difícil você isolar uma variável quando se trata com seres humanos. Até mesmo a pesquisa do Wilson, por exemplo, ele mostrou lá: “Olha, os alunos mais inteligentes são os enxadristas”, mas aquela coisa que eu brinquei no início, são os mais inteligentes que vão jogar xadrez ou é o xadrez que desenvolve? Vocês vão ter a palestra do Uvêncio amanhã à tarde, onde ele vai falar sobre algumas pesquisas, o ponto de vista da FIDE, talvez, então, essa questão fi que um pouco mais clara, mas é uma questão aberta. Porque como eu falei é muito difícil você falar: “Olha, foi o xadrez que fez o garoto melhorar”, do ponto de vista cientifi co é muito difícil. Eu vou tentar colocar a minha tese no banco de teses da CAPES. Eu teria que digitalizá-la e disponibilizar em francês, não vai ser fácil. Enquanto isso vocês têm alguns capítulos, alguns artigos que vocês podem pesquisar no Clube de Xadrez Online, que são os 9 capítulos que eu tirei de lá, mas é pouquinho, porque foram 432 páginas a tese, e lá deve ter umas 20, talvez. Geografi a? Ah, que legal, me permite então falar. Geografi a e história, eu fi quei devendo. Pessoal, eu sou apaixonado por xadrez, vocês já perceberam, mas uma das questões que eu gosto mais é a geografi a e a história. Ve-jam só, a própria história do jogo, ela nos permite fazer uma análise da história da humanidade. Então existem basicamente duas idéias com relação ao nascimento do xadrez: uma é que o xadrez nasceu no século II, na China. E a outra, o xadrez nasceu no século VI, na Índia. E aí se nasceu na China, foi para a Índia. Se nasceu na Índia, foi para China. É uma discussão entre os arqueólogos, entre os pesquisadores. Do que eu li até hoje, me parece mais provável que o xadrez tenha nascido na Índia, no século VI. Naquela época, ele era jogado, chamado de chaturanga, que em sânscrito é qualquer coisa como 4 corpos, 4 exércitos, 4 times, alguma coisa assim. Ele era jogado então por 4 jogadores, cada um em um ângulo do tabuleiro. O tabuleiro não tinha cor, era um tabuleiro só com 64 casas iguais e eram peças pretas, vermelhas, amarelas e verdes. E o que é pior, se jogava com dado. A única peça

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que era a mesma era o Cavalo. Você tinha o soldado, que hoje virou o Peão, você tinha na época era a Biga, em alguns países era Navio, e que hoje é a Torre. O nosso Bispo era o Elefante, e não existia Rei, existia o Vizir, que era uma espécie de Primeiro Ministro. Cada um dos 4 jogadores tinham 4 pe-ças principais e 4 soldados na frente, e essas peças você jogava uma dado, de acordo com o número do dado que caía, você era obrigado a movimentar aquela peça. Um exemplo se caísse o número 1, você era obrigado a movimentar o soldado, se caísse numero 4 você era obrigado a movimentar o Vizir, se caísse o número 3, você era obrigado a movimentar o Elefante, e assim por diante. Era jogo de azar. Ao longo do tempo, ele foi sendo transformado no jogo que nós conhecemos hoje. É interes-sante porque naquela época o mundo ainda vivia muito de forma tribal. As alianças inicialmente eram feitas entre os jogadores que estavam uns na frente do outro, portanto, territorialmente distantes. Só mais tarde, quando essa noção de Estado começa a surgir é que o xadrez passa a ser a aliança lado a lado. Quer dizer, nós fazemos fronteira aqui, do nosso país, então nós vamos fazer uma aliança. O jogo passou a ser jogado com dois aqui com aqueles dois ali. A gente vai vendo a história do xadrez, e com isso a evolução da sociedade. Outro aspecto interessante, é que quando o xadrez entra na Europa, os europeus acharam esse jogo muito difícil, porque ele foi pego, provavelmente, pelos árabes quando eles invadem o Irã, quando o Império Árabe, sediado em Bagdá, conquista o Teerã, eles levam o xadrez para Bagdá. É em Bagdá que é feito o primeiro manuscrito no século IX. Inclusive nesse manuscrito tem alguns diagramas que vocês podem até usar com os alunos de vocês, porque o Cavalo, o Peão e o Rei se movimentavam da mesma forma que hoje. O que mudou foi a Dama e o Bispo. Eu volto a falar sobre isso. Dá para vocês passarem para os alunos de vocês diagramas construídos nesse manuscrito, que tem mais de 1000 anos. Depois, quando os Árabes invadem a Europa, eles levam o xadrez para Península Ibérica, depois para toda a Europa. E naquela época, o tabuleiro era só de uma cor. Os europeus mudam a cor, mudam o tabuleiro para duas cores. Não existia elefante na Europa, ninguém sabia o que era Elefante. Em espanhol ainda é Alfi l até hoje, eu suponho, mas isso vocês vão conferir com o Uvêncio amanhã à tarde que Alfi l signifi ca elefante em Árabe, e que os espanhóis guardaram o nome sem saber o que era. Hoje eles falam Alfi l, e a representação é o Bispo. A peça que era o Ele-fante passa a ser o Bispo. Daí a importância da igreja naquela época na Europa. A igreja era dona de metade das terras européias. E outra questão que eu acho interessante é o jogo de xadrez da Rainha Enlouquecida, que surge em 1485 na Espanha, que todo ano surge um xadrez diferente. Até com vocês deve acontecer, um aluno que chega com uma variante do xadrez, isso é muito comum. Exis-tem centenas de jogos de xadrez. O jogo de xadrez da Rainha Enlouquecida, século XV, é um deles. Durante 15 anos toda a nobreza européia jogava os dois jogos - o jogo de xadrez, onde a Dama e o Bispo jogavam devagarzinho, e o jogo de xadrez da Rainha Enlouquecida, em que a Dama e o Bispo andavam muito. É o que conhecemos até hoje. Em 15 anos aquele xadrez caiu em desuso, e o xadrez da Rainha Enlouquecida tomou conta de toda a nobreza. Tanto que ele perdeu até o nome, era xadrez da Rainha Enlouquecida, e passou a ser o xadrez. Outro aspecto interessante, o xadrez era proibido para os pobres. Tinha três atividades que eram proibidas para os pobres na época da entrada do xadrez na Europa, século 1000 a século 1500, até o Renascimento, mais ou menos. Deixa-me ver se eu me lembro. Xadrez era uma, a segunda era a caça, os pobres não podiam caçar, não podiam comer carne, para que vão comer carne? Vai fi car um pouquinho mais forte, vão dar um pouco mais de trabalho para nobreza. E a terceira, qual era a terceira atividade que era proibida? Já eu me lembro. Veja a caça está na cara, se o pobre se alimenta bem, ele vai dar mais trabalho para elite. O xadrez está na cara, se o pobre começa a jogar xadrez, ele vai raciocinar melhor, provavelmente ele vai dar mais trabalho para elite. E a terceira atividade que era proibida, ah, me lembrei! Eram os torneios. Aquele que você subia no cavalo e derrubar o outro, quem derrubava primeiro ganhava. Tem até um fi lme que eu assisti alguns anos atrás, que o cara era pobre, ele se fantasia de um nobre, sobe num cavalo e ganha a batalha, a brincadeira. Isso era uma brincadeira, mas às vezes a pessoa até morria de levasse uma espadada na cara. Existe um rei francês que morreu assim. Enfi m, esse era o torneio, era proibido para o pobre também. Veja as três atividades proibidas para os pobres, apenas os nobres e os membros da igreja podiam jogar xadrez, eram atividades que provavelmente facilitariam a emancipação, a alteração do status quo na sociedade. Isso já há mais de 500 anos que se percebeu que o xadrez pode ser um ins-trumento de desenvolvimento do quociente de inteligência, como a gente chama hoje, das pessoas.

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E mostrando a história, você mostra a geografi a. Uma das experiências que o Melquizedek usou na dissertação de mestrado dele, foi falar sobre os fusos horários, e ele utilizou o xadrez para isso, con-vido vocês a lerem a dissertação dele. Tem lá um depoimento, mas eu não sabia que o fuso horário era uma coisa tão simples. Quer dizer, dependendo da maneira como você apresenta para o aluno você facilita aprendizagem. E xadrez pode ser útil nesse sentido. A geografi a e a história caminhando juntos, eu acredito que você pode trabalhar alguns aspectos da geografi a com o uso do xadrez. Mas já que eu estou falando sobre essa questão, eu queria deixar o meu ponto de vista, o meu modesto ponto de vista. Eu acredito que mais importante do que você passar conteúdo através do xadrez, é você criar condições para que o aluno desenvolva habilidades através do xadrez. Se ele está melho-rando a concentração, conseguindo raciocinar melhor, você está ajudando o aluno a aprender melhor a geografi a. Então sempre que possível, deixar os alunos jogarem. Porque algumas experiências acabam que falam assim: “Vamos pegar o xadrez e vamos ensinar alguma coisa”, só que o aluno, quando acaba a aula, de xadrez ele não jogou nada. Aí eu acho que não é o melhor. Sempre reservan-do uma meia horinha da prática do xadrez, porque essa é mais útil do que o conteúdo. O mundo está caminhando tão rápido, o que a gente apreende hoje, memoriza, amanhã já não vale mais. Eu estou fazendo aqui um desafi o a vocês, que é: mais do que o conteúdo, ou tão importante quanto o conteúdo é o desenvolvimento de habilidades para que o aluno possa buscar o conteúdo sozinho, até porque os conteúdos estão mudando com uma rapidez impressionante. Eu que já tenho mais de 50, tenho apanhado demais, até para fazer esse Power Point aqui, o que eu apanhei, não foi fácil. É tudo muito rápido, é tudo muito novo. As questões do conteúdo da geografi a fi cam várias experiências que eu já vi que são ricas, que facilitam a aprendizagem, mas se vocês puderem não se esqueçam da prática do jogo propriamente dito.

[Pergunta:]“O que você pensa sobre o uso de partidas online entre alunos de escolas distantes? Isso está acontecendo no Brasil?”.

[Resposta:]

Está aí outro aspecto que eu não abordei na fala. O xadrez é um excelente instrumento para o desenvolvimento da linguagem, não só da portuguesa, mas de outras. Uma vez eu li em um livro suíço, que o xadrez desenvolvia a capacidade para as línguas estrangeiras. Quando eu li aquilo, falei “Mas esse cara está completamente louco. Capacidade de línguas estrangeiras. A gente quando joga não fala nada”. “É ou não é?”. Você está lá, quietinho. Depois, você sabe que talvez ele tenha razão. É uma questão que vocês vão conversar com o Doutor Ítalo à tarde, ele vai poder nos orientar melhor, porque existem localizações do cérebro que a gente trabalha que talvez facilitem a língua portuguesa, mesmo se a pessoa está calada. Isso que é interessante. Mas no caso de uma partida, por exemplo, online, ou mesmo de uma partida por correspondência, coisa que eu fi z durante muito tempo na minha vida, me parece que tem essa questão, primeiro, você faz amizades. Eu fi z amizades impressionantes jogando xadrez por correspondência. Depois, você vai co-nhecer provavelmente, se você está jogando, por exemplo, com algum aluno de alguma escola de Santa Fé, na Argentina, provavelmente você olhará no mapa, e localizar onde é a Argentina, observar que língua eles falam, quais são os costumes, o que eles bebem o que eles comem. E vai começar a se aproximar de um diferente. Esse também é outro aspecto. Você passa a ter, talvez, mais afi ni-dades com uma pessoa que nasceu em outro país, que fala outra língua, eventualmente você vai até olhar no dicionário, ajedrez, o que é isso? Vai ver algumas palavras na língua da pessoa, e assim por diante. Eu vejo com muita simpatia o fato de um professor convidar os seus alunos para fazer uma partida em equipe com alunos de outras escolas, sejam do Município, sejam do Estado, sejam do país, ou até mesmo do exterior. Eu não vejo nenhum problema nisso, ao contrário, eu acredito que é uma motivação a mais para novas amizades, novos conhecimentos, e para nós nos vermos como a FIDE, que tem um lema que é até ingênuo. Foi feito em 1924, Federação Internacional de Xadrez, o lema em latim: “Gens uma sumus”, quer dizer, somos um só povo. Acho bonito, ingênuo, mas bonito é um caminho. Talvez uma partida por correspondência seja uma pedra nessa construção de nós nos vermos como uma humanidade, como irmãos. Nesse sentido, eu sou favorável às partidas online.

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[Pergunta:]

“Qual a sua opinião sobre a pergunta: é o xadrez que possibilita o aluno a se tornar inteligente ou são os alunos inteligentes que jogam xadrez?”.

[Resposta:]

Sinceramente, vocês precisam pesquisar, eu não sei. Realmente é uma questão aberta pesso-al. Do ponto de vista científi co é muito difícil você dizer que o xadrez torna as pessoas mais inteligen-tes. A questão é a seguinte: você tem 100 alunos na escola, você convida, alguns vão jogar xadrez, mas será que justamente os mais inteligentes não são os que vão jogar? Então você dizer: “Ah, o xadrez é que tornou essas crianças mais espertas”, é difícil afi rmar isso. Em ciência nós temos que ser prudentes. Uma coisa é certa, existe um movimento no mundo inteiro de introdução do xadrez nas escolas. Não é só aqui, na Prefeitura de São Paulo. Alguns de vocês devem estar acompanhando. Eu escrevi em 1990 aquele artigo que eu coloco um ponto de interrogação: “União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em vias de integração curricular?”. Aí eu ponho uma interrogação. Agora, o mês passado, eu fi quei sabendo que a Armênia, portanto um dos países que se formou com a divisão da antiga União Soviética, tornou o xadrez disciplina obrigatório nas escolas. Veja pelo menos um dos estados, digamos assim, Soviéticos já fez isso. Os outros, provavelmente, estão avaliando essa situ-ação. Então esse movimento existe, e para muitas pessoas já nem é uma questão de pesquisar isso, já é fato que o xadrez é útil. Agora a questão é: como implantar projetos que vão ter sucesso? Uma vez conversei com o representante da Argentina, e ele me falou isso, falou: “Villar, lá na Argentina ninguém mais está pensando se o xadrez ajuda ou não, nós estamos querendo saber como é que vamos implantar os xadrez nas escolas”. Eles estão tendo Ministros da Educação bem avançados, esclarecidos. Eles estão propondo, estão encaminhando e estão ampliando isso. Existem províncias na Argentina onde quase toda criança estuda xadrez nas escolas. Essa resposta vai esperar mais alguns anos, daqui uns 2 anos, quem sabe alguém conclui isso. Eu não me arriscaria a dizer que o xadrez torna as crianças mais espertas, ainda.

[Mestre de Cerimônia:]

Eu queria agradecer, mais uma vez ao Doutor Antônio Villar Marques de Sá. Precisava acho que um seminário só com o senhor. Porque as questões são tantas, são tantas as grades curriculares, são tantas as implicações e as possibilidades que o xadrez nos oferece. Acho que só essa palestra, ela já nos abre o caminho, a expectativa do que a gente vai continuar discutindo. Infelizmente, eu tenho sempre essa tarefa difícil de ter que pedir ao palestrante para encerrar. Mas em nome da Se-cretaria Municipal de Educação de São Paulo, da Equipe de Xadrez, eu quero agradecê-lo muito pela sua participação e pela sua palestra. [Mestre de Cerimônia:]

Boa tarde. Vamos então dar prosseguimento ao I Seminário de Xadrez Escolar, da Secretaria Municipal de Educação. A nossa segunda palestra é denominada de “Os Benefícios do Ensino de Xa-drez Para Formação Intelectual e Neurológica da Criança”. O objetivo dessa palestra é apresentar uma visão mais científi ca e biológica sobre a infl uência que o ensino do xadrez pode exercer na formação intelectual da criança, bem como o desenvolvimento físico das diversas zonas neurais do cérebro hu-mano. Quem vai então proferir a palestra é o doutor Ítalo Denelle Venturelli. Ele é médico neurologista e neurocirurgião, com conhecimento nas áreas de psicanálise e psicologia aplicada à educação. O dou-tor Venturelli estuda os efeitos do xadrez no cérebro humano. Pesquisador do Projeto Genoma, diretor do Hospital Regional do sul de Minas, em Varginha, Minas Gerais. O doutor Venturelli tem diversas participações em congressos e seminários na área de Ciências da Saúde. Palestrante conceituado, já proferiu diversas palestras sobre os benefícios do xadrez nas difi culdades escolares e no desenvol-vimento intelectual e cognitivo das crianças. Eu tenho o prazer de chamar aqui ao palco, o simpático doutor Ítalo Denelle Venturelli. Também quero convidar a professora Sandra Regina Roberto, que é da Secretaria Municipal de Educação, para que também fi que ao palco representando a equipe de xadrez, para auxiliar o doutor, e para prosseguirmos com a segunda parte do nosso seminário.

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Boa tarde a todos. Eu já fui professor, mas agora estou aposentado. O xadrez funciona. Vocês podem ter certe-za que funciona. Eu era um menino de rua, fui criado nas ruas do Tatuapé, jogava bola com o pes-soal da FEBEM, na Rua Celso Garcia. O pessoal da FEBEM respeitava a gente jogando bola. Eu ia à escola e fi cava desenhando, levava carrinho de autorama. A professora, uma vez me chamou e disse assim: “Você quer repetir essa prova de matemática? Você tirou zero”. Eu falei: “Não, está bom”. Eu tinha a mãe doente, tinha câncer, então eu não ia para casa, eu fi cava na rua. Problemas psicológicos. Minha mãe estava doente, tinha dor. Como é que eu iria para casa? Dever? Nem me lembro de fazer dever. Caderno? Que caderno? Demorou um tempão, haja psicóloga! Devo ter ido minha vida inteira na psicóloga, para poder tentar equilibrar um pouco. Depois que virei médico, pio-rou um pouco. Porque tinha muita coisa nos miolos para pensar, não é? Haja psicólogo. E aí, minha família jogava xadrez. Fui estudar neuro, me formei em neurologia. Então, eu vou fazer um resumo para vocês aqui do que eu acho que o xadrez pode ajudar a nossa criançada. Daí, quando eu me for-mei chegou uma freira no consultório, muito educada e falou assim: “Doutor, prazer!”. “Prazer!”. “Esse menino aqui não aprende. O senhor poderia examiná-lo?”. “Você não aprende?”. Ele falou: “(som indicativo de negativa)”. “Mas, o que você não aprende?”. “Não adianta doutor, ele não aprende”. Eu tinha um jogo de xadrez e falei: “Olha, vamos levar para o menino para ver se ele aprende a jogar xadrez”. A freira não gostou muito: “Não, eu queria remédio...”. Aliás, eu vou falar rapidinho sobre isso, a medicalização da sociedade e das nossas escolas. Está todo mundo tomando Ritalina. Aí, a freira gostou que ele aprendeu a jogar xadrez e falou: “Doutor, o menino melhorou”. Assim, comecei a passar, comecei a me interessar e venho dando umas palestras pelo Brasil, fora do Brasil também, sobre esse tema. Vou falar rapidinho, sobre o cérebro. Em minha opinião, o xadrez funciona muito bem, portanto recomendo o livro “Aumente o Poder do seu Cérebro”. Ainda estamos engatinhando quando falamos de cérebro. Com os exames mais modernos é que agora começamos a falar sobre o cérebro do homem, o cérebro da mulher, um exame chamado ressonância funcional. Então, o que eu vou te falar aqui, como o Villar falou muito bem, não podemos dizer que é o xadrez que melhora a capacidade do cérebro, mas as atividades intelectuais, sem dúvida alguma, elas fazem com que o nosso cérebro melhore, e muito. E o xadrez é uma atividade intelectual de altíssimo nível. Isso daqui é um slide que eu adoro, porque signifi ca raciocinar sob pressão. O homem moderno está assim o tempo inteiro.

Você é professor, você é empresário, você está aten-dendo ao telefone, você tem que tomar decisão rápida. E essa é a questão do vestibular: raciocinar sob pressão. Eu dei aula o ano passado para os professores de um cursinho, de São Paulo. Eles estão colocando o jogo de xadrez como matéria do cursinho. O grande problema do vestibular muitas vezes é esse: “Deu branco”. Tem gente, claro, que fi ca tensa na hora de prestar o vestibular. Vesti-bular é complicado mesmo. Globalização. A gente estuda isso lá no Projeto Genoma, com o doutor Jorge Forbes. O mundo mudou muito. E não existe mais aquela chama-da verticalização do comportamento da sociedade. O pai, o general, tudo aquilo ali, hoje é um mundo globalizado. Depois que inventaram o microondas, o moleque chega a hora que quer em casa. Não precisa ninguém para es-quentar a janta para ele. O microondas está pronto é só

colocar o alimento lá. Como o Villar falou muito bem, o xadrez vem vindo junto. Essa sociedade pós-mo-derna, onde os pais mesmo mandam pouco. Se você, professor, se você conseguir chamar a atenção do seu aluno, e olha que não é fácil chamar a atenção do seu aluno, porque em casa ele tem duzentos

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canais. Quando você entra para dar aula, ele tenta mudar, mas não dá. “Não dá. Vocês têm que ser ar-tistas para encarar, trinta, quarenta, cinquênta pessoas, em uma sala de aula. Se vocês conseguirem a atenção do aluno é o ideal, porque a atenção é a equação da aprendizagem, se não tiver atenção, não vai ter concentração, se não tem concentração, não vai nada para a memória. Nós temos dois tipos de memória: memória de curto e de longo prazo. Não vai nada para a memória, se você não se concentrar um pouquinho. E, para isso, você tem que despertar o interesse do aluno. Tem que pegar o teu aluno e fazer com que ele se interesse pelo que você está falando, senão não vai acontecer nada. E, além disso, você tem que colocar afeto. Sem afeto não tem educação. Isso é um livro do Chalita. Veja o exemplo de você estar batendo o texto no Word e você esquece de salvar. Quando você abrir outra vez, já foi embora. É uma barra para conseguir isso em uma criança, um jovem ligado na net. O Picasso fala que toda criança nasce artista. A sociedade é que estraga. Então isso é uma questão legal que eu tenho trabalhado nas muitas escolas aonde eu vou. Toda crian-ça que eu entrevistei e entrevistei bastante, perguntei: “Qual aula você gostaria de ter mais na escola?”.

“De ciências, de pesquisa, de laboratório”. Porque o nosso cérebro funciona por imagens. Você pode falar o que for, mas, se você fi zer uma metáfora, se você fi zer uma analogia, o cérebro vai entender. Eu sou neurocirurgião, atendo esses traumatismos todos. Se você for explicar para alguém “Olha, a pessoa teve uma concussão cerebral, agora deu um edema vasogênico”, o cara fi ca olhando para você e fala assim: “Ah, mas o que tem?”. Você fala: “É como se fosse uma maçã. Quando uma maçã cai no chão, depois de um tempo uma área fi ca escura. Provavelmente é isso que está acontecendo com seu fi lho. Ficou uma área mais escura”. “Ah, ta”. A criança agitada é porque ela está com uma necessidade muito grande de aprender alguma coisa. A neurociência está trabalhando muito rápido. A informática também. Esta é uma questão importante, foi perguntada para o Villar a respeito do computador, os alunos jogando no computador, isso é um tema que eu vou abordar quando eu for falar de um tema que se chama “O Homem que Perdeu a Bús-sola”. O homem desbussolado. O jovem, ele quer contato, sim, com as pessoas. Só que é um contato de uma forma um pouco diferente, é uma forma virtual. O jovem, a virtualidade é muito mais elevada que a nossa. A questão é procurar um pouquinho do equilíbrio e trazer um pouco para a realidade. Esse é para mostrar que o nosso cérebro, ele é preguiçoso. A coisa mais difícil que você tem para fazer é tirar o ser humano da inércia. Nosso cérebro ele fi ca parado. Se bobear, ele fi ca quietinho. Quando vocês veem um jogador de tênis jogando, ele está sempre se movimentando, se ele fi car parado, ele nem verá a bola que o seu adversário estará sacando. Então as atividades intelectuais, elas ajudam o seu cérebro estar sempre em atividade. Se você estiver sempre lendo, pesquisado, desenhando, o seu cérebro estará em atividade. A maioria das informações já está nos buscadores, seja ele qual for. A questão dos dias de hoje é: como juntar as informações? Isso é o papel do professor. É você juntar uma coisa com a outra. Essa passagem, ela é muito importante para o jovem. No nosso cérebro tem um neurônio que chama neurônio de internunciação. É ele que explica para o outro neurônio o que ele está querendo falar. Tem que ter um tradutor. Tem que ter um interco-

O cO céérebro rebro funciona por funciona por

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municador. Esse é o papel legal do professor. É importante o valor presencial? É. O curso a distância é uma solução? Ajuda, mas o presencial, no meu modesto modo de pensar, é muito importante, sim. Os professores tem um dos papéis mais importantes. Não falo isso para agradar uma plateia dessa. Eu sempre digo isso. E deveriam receber muito mais, porque as crianças todas vão passar em nossas mãos. Eu vou fazer o possível para não delirar, mas a estimativa média nossa, hoje em dia, já são cem anos, para mais. E a estimativa de muitos que estiverem aqui é quase de cento e cinquenta anos. A neurociência diz que o ser humano que vai viver mil anos já nasceu. A medicina genética chegou e chegou com força. Então tudo o que o homem é capaz de pensar, ele vai ser capaz de fazer, mesmo as coisas mais absurdas que possam parecer. Hoje em dia, eu não vou entrar em detalhes técnicos, mas já conseguimos transportar um elétron de um local para o outro. Einstein dizia que é muito mais importante a criatividade do que a alfabetização. Porque alfabetizar, vai aprender mesmo. Por que Einstein era diferente? Todos nós, no lado esquerdo do cérebro, temos como se fossem dois peque-nos microprocessadores, tem um espaço entre eles. No cérebro do Einstein, não tinha.

Onde está à seta é a área de associação esquerda, parietal esquerda. De todos nós existe um sulco no meio, e no cérebro de Einstein, não. Foi à única diferença que houve. Mas, também, que diferença, hein? Há a área de associação que o Einstein tem muito desenvolvida. As áreas são separadas umas das outras. No dele, era tudo junto. Existe a parte marrom da substância branca. A que pensa é a parte marrom. A parte branca é só sustentação. Há uma parte do cérebro, que fi ca na parte de baixo, que é a parte do equilíbrio. Que é dito que nós temos três cérebros. Como se fosse um apartamento de três andares. O de baixo é o chamado Cérebro do Gato, é o cérebro que tem o equilíbrio. O do meio já é o cérebro dos mamíferos, normais nos outros mamíferos. Tem a pineal e quem é esotérico gosta de ver a pineal. E depois tem a parte superior do cérebro, que é a parte frontal do cérebro, que é o que nos diferencia muito dos outros animais, que é onde desenvolvemos a nossa inteligência. Essa parte frontal, para nós neurocirurgiões, causa uma época, uma sensação estranha, porque você começa a ver as pessoas, e você fi ca vendo a forma do crânio das pessoas. As ativida-des intelectuais, elas nos melhoram em várias coisas: você melhora na sua memória, melhora no seu raciocínio. Não só o xadrez. Cada área do cérebro é responsável por uma coisa, em tese, o cheiro é muito importante para as nossas emoções. Você vê que um perfume faz uma diferença muito grande, até no seu estado de espírito. Aí são as nossas emoções mais profundas. Todo mundo já ouviu falar em inteligências múltiplas. Antigamente a gente falava só de QI. Quem Indica. Todo mundo sabe essa brincadeira. Mas isso é um teste americano, apenas para os funcionários americanos. Depois, o pes-soal viu que dava dinheiro e comprou esse jogo, e passou a dizer que era a coisa mais importante. Eu gosto muito das inteligências múltiplas. Os homens vão muito bem nessa questão de inteligência lógica ou matemática, mas já difi culta na questão lingüística. As mulheres falam com os dois lados do cérebro. O homem fala só com o lado esquerdo. Se tiver um AVC... Elas falam com os dois lados. O homem, nesses testes que têm, se localiza no espaço por imagem cartográfi ca. Por exemplo: é ali. Para a mulher, você fala: “onde é?”. Ela fala assim: “Está vendo aquela casinha verde? Você vira à esquerda, daí tem uma torre, segue, e vai até o fi m, aí você vira à direita...”. Ela precisa de imagem cartográfi ca. O cérebro dela é diferente. Então na inteligência linguística, vai ganhar dos homens. Não

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O neurônio desse ratinho, praticamente não se divide. O neurônio do outro ratinho se divide muito mais. É isso que explica você pegar o teu nenê que está no berço, você por o chocalho, você brincar. Você estimular as nossas crianças. Vai melhorar o cérebro dela? Vai. E vai muito. Por quê? Imagina que o cérebro é uma laranja, que seja uma laranja, a parte que pensa é a casca, o restante é suporte. Quando você faz pesquisa, você vai vendo que a parte espessa dessa laranja fi ca muito mais espessa, conforme você teve atividade intelectual. Outra notícia ruim para os homens, o nosso cérebro é maior, mas o das mulheres têm muito mais sinapses, o cérebro delas é bem mais acelerado. Então isso aqui são as ima-gens da ressonância funcional. Isso tudo que eu estou brincando com vocês vem desse conceito novo que está chegando para nós agora, da ressonância funcional. Que você vê o cérebro funcionando. Vão acendendo as luzinhas, na medida em que você faz uma coisa. Por exemplo, se você está lendo, acen-dem algumas coisas, se você está estudando etc. São as áreas que vão sendo estimuladas. O menino quando joga videogame e, provavelmente, o xadrez, são estimuladas as áreas do prazer. É como se ele estivesse se masturbando. A área do prazer acende. Por isso, você não tira o moleque de lá, de jeito nenhum. A menina joga como fala. Acende a área da fala. Ela já é menos competitiva que o homem, até por uma questão edípica, a maneira como entra e como sai do Édipo. Então as ressonâncias funcionais, indica o cérebro funcionando. Difi cilmente alguém está completamente concentrado no que está fazendo. Para os jogadores de xadrez, ele está pensando: “Eu vou perder justo dessa menina? Não vou ganhar tal prêmio?”. Ao invés de pensar na partida, está longe, está pensando em completamente outra coisa. Natural. A fantasia é uma das coisas mais maravilhosas. A mulher consegue fazer tudo ao mesmo tempo: atende ao telefone, fala com não sei quem, fala não sei o quê. E eu, quando eu vou à cozinha para fritar um ovo, eu falo: “Silêncio absoluto”. “Vou fritar um ovo agora”. O homem, só faz uma coisa de cada vez. A experiência da menina olhando os objetos, uma das explicações hoje, aqui, 2011, seria a testostero-na, que, durante a gravidez, muda a formação do cérebro do lado direito. Então para o homem, fi caria mais especializado no cálculo. Aspecto psíquico. Doutor Forbes, doutora Mayana Zatz, que falam sobre células-tronco e estudamos isso no Projeto Genoma, é muito legal. Porque as pessoas que, muitas vezes têm patologia genética, antigamente, tinham uma sobrevida muito menor. Hoje em dia, com o avanço das técnicas de fi sioterapia, de medicação e um estudo genético, elas duram mais tempo, e, o que fazer com a vida? Então, o doutor Jorge Forbes, que estuda lá e eu sou um aluno lá e trabalho, atendo alguns pacientes também. Ele disse que o homem está desbussolado.

tente discutir. Inteligência sinestésica, o exemplo maior são os jogadores de futebol. E o Gardner dá o exemplo: você imagina o Pelé fazendo um gol, é uma coisa. A pessoa explicando o gol é outra coisa. É diferente. A mulher tem uma inteligência interpessoal muito maior. Você pega duas crianças, um menino e uma menina, recém-nascidos e você coloca imagens inanimadas, uma bola, um triângulo e coloca rosto. A menina olha para o rosto. O menino olha para a bola. É estatística. É por isso que dizem que a mulher interpreta melhor as sensações quando vê as outras pessoas. Está muito mais treinada para isso. Hoje em dia, esse tipo de inteligência naturalista ou ecológica, é o que a humani-dade está precisando desenvolver, não é? Quando eu me formei, faz tempo, a gente achava que o cé-rebro não se desenvolvia. Nós tínhamos aquele número de células e pronto. Hoje em dia, é bobagem. Existe esse conceito da neuroplasticidade. Explico rápido. Você tem um ratinho que não tem estímulo nenhum. De outro lado você tem um ratinho cheio de estímulo.

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O homem perdeu a bússola. Porque a bússola era vertical. Eu vou obedecer meu pai: se ele é alfaiate, eu vou ser alfaiate, se ele é isso, eu vou ser aquilo. E hoje em dia, as escolhas são múltiplas. Tem tan-ta profi ssão, que não conseguimos nem saber. Na minha época, era ser padre, ser médico, advogado, engenheiro ou caminhoneiro. Eu falei “Caminhoneiro eu não vou ser. Vou fazer outra coisa”. Uma das coisas interessantes do xadrez, eu estava conversando com o Villar, é que é um dos poucos esportes, uma das poucas atividades, onde independe da idade. Você consegue estar com uma criança pequena até brincando de jogar xadrez, fi ca um tempo ali. Nós utilizamos em crianças que fi cam internadas muito tempo em hospitais, com patologias graves, diabéticos descompensando, fraturas, o tratamento do cân-cer. A gente leva o xadrez, porque a criança passa um tempo com o adulto, e o adulto não fi ca entediado. Não é um brinquedinho muito simples, nem tão elaborado, que a criança não entenda. Então usamos o xadrez com sucesso porque o homem busca o prazer. O homem faz tudo para ter o prazer, não é? Isso é natural. É uma regra. Seria bom se conseguissemos sempre quando a criança lê, tiver ideias felizes assim. Voltando ao xadrez, doutor Freud jogou xadrez. Fazia parte de um clube de xadrez. Tenho as car-tas dele endereçadas ao amigo dele, e fala do jogo de xadrez. Do Jung, muito se fala sobre a questão do inconsciente coletivo, que quando você está jogando xadrez, você teria um acesso ao inconsciente cole-tivo, isso aí para os Junguianos é um assunto muito interessante. Não sei se sexto sentido que o pessoal fala, seria realmente essa capacidade que a mulher tem, de perceber a questão das feições. Ela observa mais o rosto. Sou apaixonado por Lacan, porque ele fala que nós estamos na época da imagem. O século passado liamos, porque era bacana. Você tinha a questão do sentido, aquele romance e tal. Hoje em dia, a galera quer saber de malhar para fi car com um corpo legal. É época da imagem. Não é tanto a época da simbolização de uma leitura. Então precisa ser um ensino ligado muito com essa questão da imagem, é do agora. Nós fazíamos planos a médio prazo. O jovem é agora. Assim, até na sala de aula, você tem que ver essa questão da imagem. Claro que você vai fazer a tua grade, mas tem que fi car muito atento, porque o jovem, ele está diferente, ele quer uma coisa muito mais clara. O xadrez estimula demais a criatividade. Te desperta coisas muito interessantes. E o desejo é o motor da vida. Peça fantasma é algo interessante. Quem joga um pouquinho de xadrez aqui, sabe. Muitas vezes, a peça do tabuleiro não está mais ali, naquele local, mas você continua raciocinando como se ela estivesse. Isso, a nossa vida é assim, uma série de situações já se passaram o mundo já mudou, e fi ca-mos presos a uma série de situações antigas. Recomendo a todos que puder fazer análise, a análise é muito interessante. Fiz análise por muitos anos. Hoje em dia, as ideias fi cam todas muitas misturadas, e à medida que você vai falando, aquilo vai clareando, pelo menos, você fi ca um pouco mais em condição de conviver com as outras pessoas. Você não fi ca tão exigente com as outras pessoas e com você. Porque a sociedade, até pouco tempo atrás, ainda em muitos lugares, era aquela sociedade disciplinar. No intuito de coibir os excessos que o jovem faz hoje, você volta na regra anterior. Não faça isso, não, mudou. Hoje em dia, a gente tem muito mais liberdade para falar, mas você tem que falar com muita tranquilidade, com muita franqueza. E com muita calma com o jovem. Eles são de outra época. Porque senão vai gerar uma ansiedade crônica que não produz. Onde eu acho que o xadrez vale. O xadrez, você tem que fazer um plano. O xadrez, ele movimenta a sua cabeça. Você vai ter que pensar, você vai sair da inércia. Você se acostuma a fazer planejamentos. O xadrez, para mim, é como se fosse um laboratório psíquico. Várias coisas acontecem enquanto você joga ali. Vou entrar para falar no TDA, e todo mundo aqui já pegou aquele molequinho, que não para. Eu era um deles. Vocês viram que eu não parei de andar até agora. A professora o que fazia? Mandava eu buscar giz porque eu não fi cava parado. Sabe o que acontecia? Eu adorava. Eu era o centro, não é? Você vira o centro. Se você coloca um tabuleiro de xadrez para o menino com TDA, dá até dó, ele não vai embora. Ele quer decifrar aquilo. E para decifrar um tabuleiro demora se é que consegue. Então você tem que mandar ele para casa, para ele fi car quieto. Pode experimentar você vai lembrar o que eu estou dizendo. Todo mundo aqui já conhece o famoso TDA, quem não se concentra. Ou então fi ca na chamada questão psiquiátrica da oposição reativa: “Não vou. Não vou, não quero. Quero ver quem faz eu fazer”. Tem que saber trabalhar com essa criança. O TDA é até fácil de diagnosticar. O problema é o défi cit de atenção, é só o DA, que é o da menina. Tem muita menina com défi cit de atenção sem diagnóstico. Por-que ela chega bonitinha, trancinha, certinha, loirinha, olho azul, senta e não dá o menor trabalho. Não está entendendo nada. Défi cit de atenção. São, muitas vezes, problemas nas vias auditivas, que a gente está conseguindo enxergar agora com os exames. O TDA sempre se percebe rápido.

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Exemplo de trabalho em equipe suponha que a Dama vale 10 pontos, um Bispo vale 3 e o Ca-valo vale 3. Jogar a peça, muitas vezes mesmo com 10, a pessoa não ganha do outro com 6. Por quê? Porque elas jogam combinadas. O Bispo defende o Cavalo. Se a Dama dar xeque, ele sai. Se a Dama volta, ele sai. Isto é, você, com 6, consegue jogar com quem tem 10. Quer dizer, mais do que triplica a sua potência, quando você trabalha em equipe, mais do que duplica. Essa é uma pergunta que foi feita de manhã, e para quem é educador sabe que essa frase é do Piaget: “É inteligente, por isso aprende? Ou vai fi cando inteligente porque aprende?”. As duas. Mas o Piaget diz que é o que justifi ca a escola. É você ir aprendendo, para depois poder manifestar idéias inteligentes. Não é ideia certa ou ideia errada. É ideia mais abrangente ou ideia menos abrangente. Porque antigamente falava: “Ah, é fi lho do patrão ali, pode estudar, é inteligente”. Claro que tem muita gente que tem uma facilidade muito maior. Mas é o que não justifi ca a escola. Aprende. Esse é para mostrar que nesta época, os jovens entram na era da informática como um brinquedo. “Cuidado, também não vai estragar o computador, não faz isso, não faz aquilo, porque vai estragar”. Para ele, se estragar ou não estragar, não tem o menor problema. Eles entram como uma diversão. Aí acontece uma coisa importante, o ser humano à medida que vai alcançando algum status, alguma coisa, ele fi ca com um tremendo medo de errar. Fala: “Não vou nem ousar...”, com medo de errar. “Imagina eu, doutor, professor, vou errar?”. Então esse medo de errar, você para de aprender. Pode crer. Você tem que ousar, você tem que ir atrás. E a criança não tem medo disso, ela brinca. O brincar dela é acertar, errar, acertar, errar. Acredito que com o jogo de xadrez, uma série

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[Pergunta:]

“Tem que usar Ritalina as pessoas muito ansiosas?”

[Resposta:]

Às vezes tem. Mas antes tem que fazer um exame direitinho. Não precisa passar por neurolo-gista, pode passar por um clínico bom, bem orientado. Às vezes tem que fazer um exame. Às vezes pode ser que tenha de medicar. Mas antes de medicar, passar por uma psicóloga, passar por uma orientadora. Conversar bastante, para ver que a maior parte desses problemas são de origem emo-cional. Precisamos ver que informações estamos dando para os nossos jovens, acredito que o xadrez auxilie a trabalharmos em equipe. Porque você vai perceber rápido que se você fi car usando só uma peça não vai dar para ganhar. Não é? Você tem que se acostumar a trabalhar com todas as peças. Trabalho em equipe, em minha opinião, o xadrez auxilia muito neste aspecto.

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de coisas vai acontecendo dentro da sua cabeça. Porque mesmo no presidiário, as pessoas não gostam de obedecer regras, normas, esse discurso todo que nós vivemos. Mas para poder jogar, você tem que obedecer algumas regras, algumas normas. Então até inconscientemente você começa a fazer isso. Lá em Minas, levamos em alguns presidiários o xadrez e é muito gratifi cante. Pelo menos pela atenção, não pelo jogo em si. Mas pela questão da atenção, porque você está pelo menos investindo neles. Hoje em dia, como o Villar falou muito bem, jogamos xadrez de uma maneira diferente, porque nós temos o banco de dados. Difi cilmente fi camos completamente concentrado. Padrão cognitivo, quem joga um pouquinho de xadrez sabe que, na medida em que você vai vendo aquelas posições, você desenvolve um padrão cognitivo. Isto é, você reforça áreas do cérebro que vão te ajudar a calcular e a resolver a questão mais rápida. Quando eu fui ao Egito, eu fui lá ver se era verdade que a Nefertari jogava xadrez, e tem lá. É lindo! Você entra na câmara mortuária deles, tem uma foto do lado. O xadrez não era jogado propria-mente dito. O faraó, ele não está jogando. Ele está observando a peça. Eu fui lá ver no museu do Cairo, o túmulo do Tutankamon, e têm umas peças parecidas com um tabuleiro, quadriculada, parece aqueles tabuleiros de encaixe. Mas lá, não pude fotografar. Isso é para dizer que eu acredito que o xadrez pode ajudar muito a nossa criançada, principalmente nessa questão, porque ele começa jogando xadrez, com o tempo ele vai vendo que tem muita coisa que ele também pode, reconhecendo o meio onde ele está. Independente de que peça ele seja vai mudando o tamanho do tabuleiro. E é isso. Se é um jogo, se é uma arte, uma ciência, a gente vai descobrir. Mas eu acho que vale a pena. Obrigado. Fui à faculdade e pedi para trazer uma peça cirúrgica que estudamos. Então é um cérebro verdadeiro, mesmo. É uma réplica autêntica de uma pessoa que foi como nós, um dia. Então, depois assim, a gente vai colocar em um local, para não atrapalhar todo o andamento. Mas quem quiser ver, vamos ter que arrumar uma ma-neira para isso ocorrer, aqui tem luva, tem máscara, por causa do cheiro do formol. Enquanto eu ponho a luva, eu vou respondendo.

[Pergunta:]

“Fale um pouco sobre o Alzheimer”

[Resposta:]

O Alzheimer é uma patologia realmente de hoje, que destrói o cérebro. Não sabe muito bem porque ainda. Têm vários tipos de proteínas que fazem isso, e o cérebro, ele fi ca como se fosse um queijo suíço, derrete mesmo. A parte de cognição, se você ver uma tomografi a de uma pessoa, e depois você vai vendo a tomografi a evolutiva com o Alzheimer, é uma patologia extremamente grave. Existem muitas medicações que hoje em dia já retardam isso, mas não existe ainda a cura.

[Pergunta:]

“Eu li que quanto mais exercitamos o cérebro com exercícios matemáticos e com o xadrez, diminui a possibilidade de Alzheimer. Isto é verdade?”.

[Resposta:]

Como o Villar falou, nós estamos longe ainda de falar sobre isso, que o xadrez trataria o Alzhei-mer. Muito longe, ainda. O que dá para dizer é que as atividades intelectuais, a leitura, a escrita, toda essa nossa cultura ajudam muito. Pessoas, por exemplo, conversando com o Villar, lá em Minas, nós temos várias pessoas que jogam, são bem idosas e a memória é muito boa. Mas até aí, para fazer essa afi rmação, ainda não dá.

[Pergunta:]

“O xadrez é indicado para as crianças com dislexia?”

[Resposta:]

Muito. A dislexia é uma patologia que com o tempo agora, com os exames novos, a ressonân-cia funcional, vamos percebendo que muitas vezes, são questões nas vias auditivas. Muita coisa nova

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está chegando, mas eu acredito que seja muito interessante você usar para uma pessoa que tem dislexia. Eu sugiro, sim.

[Pergunta:]

“É reconhecido que o xadrez desenvolve o cérebro, mas esse desenvolvimento não atinge áreas muito específi cas?”.

[Resposta:]

Atinge claro. Atinge muito mais a área de cálculo. Da memória a longo prazo. Porque o xadrez desenvolve muito as nossas emoções. E uma das coisas que fi xa as coisas na memória são as nossas emoções. É capaz que você não se lembre direito, o que fez ontem. Mas no seu casamento, da sua formatura, você lembra. Para os homens, se aquela menina dá o número do celular dela, ele não esque-cerá. Porque causou uma emoção muito grande. Assim, as emoções são guardadas na nossa memória, mas depende da intensidade da emoção. Quando você casou, quando você viu um moço bonito, você se lembrará onde ele mora. Fica guardado nas suas emoções. Claro que o xadrez exercita mais algu-mas habilidades como o cálculo.

[Pergunta:]

“Já que o estímulo é muito importante, em relação às crianças especiais, você conhe-ce algum caso onde elas consigam desenvolver de jogar xadrez?”

[Resposta:]

Estava conversando com o Villar, têm muitas crianças que não vão conseguir jogar o xadrez, pelo xadrez, xeque-mate. Chegar naquele exímio cálculo. Mas só o aspecto lúdico dela pegar a peça, dela mexer as peças, de ter um adulto próximo a ela, dando o sopro da vida, que se chama atenção, se um adulto estiver dando atenção para um jovem, já está valendo muito.

[Pergunta:]

“A inteligência é genética ou adquirida?”

[Resposta:]

Se você for falar só sobre QI, provavelmente, existe, realmente, alguns ninhos de pessoas, que pelo QI, têm maior, mas vou responder uma coisa para você, do fundo do meu coração, eu fi z uma tese médica sobre: “O xadrez e o desenvolvimento da inteligência”. Tem tanta gente inteligente fazendo bobagem. Que eu não quero dar resposta religiosa, não, mas eu prefi ro os homens com coração de boa vontade.

[Pergunta:]

“Grandes mestres do passado, conhecidos por jogar às cegas tiveram, na própria União Soviética, alguns problemas, até ser proibido. Você desmistifi ca essa visão, ou força demais o cérebro, jogando às cegas?”

[Resposta:]

Eu acredito que não. Eu não vejo problema jogar às cegas. Eu acho muito interessante a ca-pacidade que a pessoa tem de abstrair, de conseguir se manter concentrado, mesmo pensando em várias coisas. Eu não vejo problema em jogar xadrez às cegas. Eu tenho essa capacidade para uns 10, 15 lances. Depois já fi ca bem mais difícil.

[Pergunta:]

“Como reconhecer que uma criança tem TDA?”

[Resposta:]

Aquela criança que tem um distúrbio de atenção. Você vê que ela não consegue fi car parada. Ela não consegue fi car sentada. Por mais que ela queira, ela não consegue se concentrar. Por quê? Do

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lado esquerdo do cérebro, temos como se fosse um fi ltro. Signifi ca, nem tudo o que você pensa você vai falar. Nem tudo o que você quer, vai dar para fazer. Nós vivemos em uma sociedade. Nós temos um grande discurso. Só que na criança que tem TDA, digamos que o fi ltro dela está um pouquinho menos ativado. Por isso que você vai ter que dar uma medicação que é um ativador. Você fala: “mas eu vou dar um ativador para uma criança que já é ativada?”. É porque essa medicação, ela vai ativar esse centro, que vai ligar que vai controlar um pouco. Temperar tudo isso.

[Pergunta:]

“Existem treinos de xadrez em que forçamos imaginar a movimentação das peças semmexê-las. O que acontece no cérebro que isto é melhor do que mexer as peças?”

[Resposta:]

Aí é a capacidade de abstração. Eu acho muito válido. Aliás, os grandes mestres conseguem prever vários lances na frente, com várias variáveis. É um treinamento. São padrões cognitivos que os grandes mestres desenvolvem, diferentemente do jogador médio. Padrão cognitivo. Esse é um assunto muito legal.

[Pergunta:]“Como que crianças que têm necessidades especiais, e conseguem aprender a jogar xadrez?”.

[Resposta:]

Então, depende que tipo de necessidade especial que a pessoa tem. Se ele conseguir, por exemplo, amarrar o sapato, que é um ato complexo, são dois nós, é uma atividade simbólica. Se ele conseguir fazer isso, provavelmente ele vai conseguir jogar. Porque xadrez é combinação.

[Pergunta:]

“Sabe-se que indivíduos com autismo desenvolvem certas atividades de forma extra-ordinária. Fale um pouco a respeito desse assunto”.

[Resposta:]

O autismo existe a questão genética, e os psicólogos, os psiquiatras presentes, sabem disso. Seria um tema que daria para conversar um tempão. Porque normalmente a criança autista é o segun-do fi lho, normalmente lindos e tem um aspecto polêmico, normalmente é assim: a mulher quando tem o primeiro fi lho, ela dá para o pai. E o segundo fi lho é dela. Então, existe uma questão, em psicologia, muito ampla, sobre essa questão do autismo. Eu atendia muitos autistas. Mas eu não sei dizer se real-mente existe um estudo com os autistas jogando xadrez. Muitos deles têm QI normal. Não vejo porque não possa. Depende do grau também. Têm autistas que se comunicam. Alzheimer, eu já disse, que não tem como comprovar que a prática do xadrez estimula a cura do mal do Alzheimer. Não dá para fazer essa passagem. Dá para dizer que aumenta bem a plasticidade neuronal. Mas, que o cérebro fi cará muito mais estimulado isso dá. [Pergunta:]

“Qual é a quantidade de horas produtiva de trabalho mental, conhecimento que temos em dia, qual é a importância do sono, e o exercício físico?”.

[Resposta:]

Jogar xadrez, tudo bem. Computador, tudo bem. Mas o sono, gente, o sono dá para falar ho-ras. O sono é muito importante. Principalmente para o adolescente. O adolescente dorme mais. En-quanto você dorme, o seu corpo descansa. Mas o mais importante do que o corpo descansar, você vai sonhar. O sonho, ele restabelece nossa atividade psíquica. O Freud diz que nós realizamosos nossos desejos inconscientes durante o sono. É muito importante dormir. É muito importante sonhar. Hoje em dia, em uma cidade como São Paulo, os barulhos vem de tudo quanto é lugar. É muito difícil

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você conseguir ter aquilo que se chama higiene do sono. Você conseguir ter o horário, ter a luminosida-de boa, você desligando o seu cérebro. “Ele só quer dormir”. Deixa dormir. O sono é uma coisa fi siológica. Existem estudos que justifi cam que enquanto você dorme vários hormônios são produzidos, como o hormônio do crescimento e você sonha. Você levanta muito mais tranquilo quando você acorda normalmente, quando você dorme até os olhos abrirem, do que quando você acorda com despertador. É diferente. O adolescente precisa dormir. Ele vai apagar as memórias que não lhe interessam, e vai fi car com as memórias que mais lhe impressionaram. Sono daria para falar muito tempo. Com os estímulos adequados pode se formar até um atleta ambidestro. O xadrez desenvolve, harmonicamente, os dois hemisférios cerebrais, porque você tem o cálculo. Não adianta só calcular. Você também tem que intuir. Então a imaginação, a criatividade, você vai desenvolvendo muito, os dois. Eu não vou dizer que tem a mesma habilidade. Porque é uma questão até genética. Mas que vai facilitar, sem dúvida vai.

[Pergunta:]

“No xadrez, quem tem mais difi culdade em aprender a jogar, o homem ou a mulher?”.

[Resposta:]

Aí é uma questão muito de escolha, também. Uma questão de quem estuda psicologia vê o que é oferecido. Para o menino já é oferecido uma bola, para uma menina, já é oferecido uma boneca. Nosso discurso todo, nossa sociedade, também já nos tende. É claro que o homem, ele, por uma questão edípi-ca até, a maioria luta com o pai, a coisa mais difícil do mundo é você ir além do pai. É questão psíquica. O homem disputa joga mais, para ver quem pode mais. A vida do homem, muitas vezes, é isso. Só para ver quem consegue ir mais longe. O da mulher, a mulher já observa mais. Não tem tanta competitividade assim. Pelo menos no jogo. O ciúme feminino é muito pior que o ciúme masculino. Tem um fi lme que chama “Malena”, quem puder assista, é interessantíssimo. [Pergunta:]

“Como trabalhar com o xadrez com uma criança com defi ciência mental? Esclerose múltipla e xadrez”.

[Resposta:]

Esclerose múltipla é uma patologia que muitas vezes, não afeta a inteligência. Então não vejo porque não jogar, pode sim. E com defi ciência mental, vai depender muito do tipo de defi -ciência mental. Mas só de você estar dando atenção para a criança ali, está valendo e está valendo muito. Mesmo que não vá dar um xeque-mate.

[Pergunta:]

“O tamanho do cérebro mudou muito com a evolução da espécie?”.

[Resposta:]

Para caramba. Têm livros sobre isso. Antigamente, o homem comia muito mais raízes. Então, a sobrancelha aqui era grossa. E a parte frontal era mais chata, mais assim, mais angulada. Até o dia em que o homem descobriu uma ferramenta. Que seja um osso. Aí, o que ele fazia? Como ele era um dos últimos da cadeia alimentar, ele chegava lá, o bicho já estava comido. Mas ele aprendeu a abrir o cérebro do bicho. O crânio do bicho. E passou a comer carne. A partir do minuto que o homem come-çou a comer carne, começou a comer lipídios, o cérebro é feito de lipídios, o cérebro cresceu muito. Agora, daí a caixa craniana nossa, do jeito que ela é hoje, faz uns cem mil anos, mais ou menos, O cérebro de uma criança de cem mil anos seria mais ou menos igual ao nosso, de hoje. Para muitos, a evolução que estaria acontecendo hoje seria até a informática. Seria uma evolução do homem. Por-que o nosso cérebro, não vai dar para crescer muito. É ósseo. O que vai melhorar são as sinapses que nós vamos conseguir fazer, e para muitos, nós vamos ter os nossos aplicativos, você vai ter a sua impressora. Eles fazem parte, já, da nossa evolução. É a máquina fora do homem.

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[Pergunta:]

“Por que a maioria dos sonhos é em preto e branco? Dizem que poucas vezes sonha-mos colorido. E quando isto acontece, acordamos cansados”.

[Resposta:]

É dito que sonhamos em preto e branco. Eu acho que se sonha colorido, sim. Essa visão do so-nho em preto e branco eu não sei responder direito. Mas eu acho que se sonha colorido. Porque você vai reproduzir os seus desejos, as suas questões psíquicas, eu acredito que a gente sonha colorido, sim.

[Pergunta:]

“Por que depois de uma partida de quatro horas, dá tanto cansaço físico e mental?”.

[Resposta:]

Têm jogadores que dizem que perdem peso. Perdem 2, 3 quilos, até mais. Equivaleria até a uma luta de boxe. O cansaço psíquico é muito grande. O cansaço físico, muitas vezes, de você fi car ali, claro, mas é um cansaço muscular. Você preparar uma aula, você fazer uma prova comprida, você defender uma tese. Porque não é só a questão física. É a questão da tua vaidade, que está em jogo. “Como que eu não vou fazer se Fulano fez aquilo?” Então, o estresse psíquico da gente é muito grande. Principalmente naquilo que você pensa de você, é o que você quer mostrar para o outro. Que você quer passar para o outro. Tanto é que vocês vêem, que o dia que a gente está de folga, você não tem nem sono. Você fala: “hoje que eu podia dormir bastante, não estou nem com sono”. O problema dá sono. Quando eu vou dar um plantão, nem me chamaram e eu já estou com sono. Porque é um problema. É a questão psíquica minha, de não conseguir resolver, é a pressão toda.

[Pergunta:]

“É possível usar o jogo de xadrez em um cérebro que foi afetado pelo derrame?”

[Resposta:]

É sim. Depende da área em que foi lesado, mas normalmente, é possível, sim. A genteusa em recuperação de muitas pessoas, inclusive, era um tema muito legal. É que não dátempo para falar sobre autoestima. O xadrez melhora muito a autoestima. Às vezes você pega uma criança com um problema na classe, mas ela começa a ir bem até no jogo de xadrez, os outros alunos começam a observá-la de uma maneira diferente. Ele melhora a autoestima. Ele vê que ele é capaz de fazer. Com pessoas com lesões é possível, sim. A medicina, hoje em dia, evoluiu demais nisso. Não só com a cirurgia, mas com o aspecto fi sioterápico, é possível, sim. Pode colocar para jogar.

[Pergunta:]

“Quais são os aspectos do xadrez que devem ser enaltecidos, explorados, para a criança, no início do seu aprendizado, a fi m de lhe chamar a atenção?”

[Resposta:]

São vários aspectos para você chamar a atenção da criança. Primeiro, ela vai conviver com você. Se for seu parente, seu ente, assim a primeira coisa, ela vai querer ganhar de você. Se você estiver en-sinando tudo, tal, ela vai aprender xadrez através de você. Isso é um processo em análise que se chama transferência. Eu faço isso por você, para você. E pode ser que ela goste de fazer. A criança, a primeira coisa é você mostrar o quanto você gosta daquilo. Porque muitas vezes, é um tema longo, também, mas ela vê que você é feliz. E você faz isso. Eu também vou fazer isso, para tentar ser feliz. É o que a juventu-de faz. Ele vê o outro fazendo uma coisa, ele fala: “Eu vou fazer também, porque eu acho que ele é feliz. Eu vou experimentar para mim”. É o que nós fazemos, muitas vezes. Se você é um professor de história

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ou geografi a, na medida em que você gosta, eu pelo seu entusiasmo vou gostar. Agora, é preciso dar a motivação e dar a oportunidade. Porque, senão, você fala assim: “Xadrez é legal, só que não tem tabuleiro aqui não. Mas é legal. Você vai adorar...”. Não dá. Você motiva, motiva, e você tem que dar a oportunidade.

[Pergunta:]

“Fale um pouco sobre a epilepsia e as contribuições do xadrez”.

[Resposta:]

Aí é complicado. Epilepsia. Têm crianças que têm epilepsia na frente do computador, por causa do foto-estímulo. Parece que a luz está parada. Aí precisa fazer um estímulo. Não vai ter uma relação entre uma coisa ou outra, mas a pessoa que tem epilepsia tem que estar tomando a medicação nor-malmente, pode desencadear uma convulsão sim, se ela fi car muitas horas na frente do computador. Ou quando está dirigindo, aquelas árvores que fazem aquelas luzes. Os eucaliptos na beira das estra-das. Eu tinha paciente que levantava à noite, antigamente, aquelas televisões que fi cavam passando assim, ele ligava naquilo, para ter convulsão. Porque dá uma descarga elétrica muito grande, e algu-mas pessoas, às vezes, têm até prazer. Então é um assunto grande. Não que o xadrez vai ajudar no tratamento. É preciso tomar cuidado. Quem tem epilepsia com a luz do computador.

[Pergunta:]

“Quanto o estresse interfere no funcionamento do cérebro?”

[Resposta:]

Demais, você trava. Nós temos o aparelho psíquico. O homem não é um ser só biológico. Você não pode nunca descartar o eu dele, o self dele. Quanto mais a gente estuda em psiquiatria, em psi-canálise, os casos, e tenta catalogar os casos, cada vez mais a gente vai vendo que somos únicos. Existe a teoria dos casos únicos. Então o estresse é uma das coisas difíceis de serem trabalhadas. Porque nós temos que entrar com o nosso desejo no desejo da sociedade, que o Lacan chama desse “Grande Outro”, que nos vigia, que nos quer cumprindo as coisas. Cumprindo uma série de regras. Vo-cês não pensam que para quem teve TDA como eu, seguir regra é fácil. É difi cílimo eu seguir regras. Eu tenho que fazer um esforço tremendo para seguir regra. Pela vivência na sociedade, sim. Mas se você não trabalha isso em uma análise psicologicamente, isso vai gerar o estresse. Que na realidade, a gente usa, hoje em dia, o nome de pânico, mas na realidade, é neurose de angústia. O Freud já falou isso há um século atrás. Que é quando você não consegue colocar os seus desejos dentro da sociedade. A sociedade aplaca e você, para não ferir, para não fazer, para não transgredir. É um tema longo. Então essa questão da transgressão é uma coisa muito legal você ouvir os pacientes falarem, quando você trabalha com o analista. Você ouvir muda a forma. Não é fácil viver em uma sociedade como a nossa, em um discurso como o nosso. Então, o que a gente faz? A gente cria. Você cria um poema, você cria um quadro, você faz uma partida bacana, você escreve um livro, canta, dança, vai fazendo as suas coisas, para que você trabalhe o seu desejo, para que seja possível colocá-lo dentro da sociedade. E mais, se você for um bom neurótico, você vai querer colocar isso com utilidade. É complicado. Não é fácil. Essa vida nossa, em sociedade, com toda essa diversidade que nós temos hoje em dia, você conseguir viver, fazer suas coisas, como se diz assim um neurótico, corretamente, honestamente, precisa, realmente, ter um aparelho psíquico muito forte para aguentar. Vocês todos que trabalham que vão até a escola, que conversam com alunos, que conversa com pai de aluno, com diretor, com a sua família, nós todos temos que ter o equilíbrio muito grande, senão, pira. E de vez em quando, é bom dar aquela piradinha. Mas sem transgredir, sem prejudicar as pessoas. Então você vai a uma boate, você bebe alguma coisa, você faz uma coisa, tudo bem. Isso é natural e saudável.

[Pergunta:]

“Existem razões neurológicas que infl uenciam as mudanças comportamentais de alunosproblemas, quando estes começam a jogar xadrez?”

[Resposta:]

Posso responder por mim. Eu não posso jogar xadrez muito, muito, muito... Eu fi co mais impaciente e menos tolerante com as pessoas. Eu sei o limite, quando eu começo a querer

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respostas rápidas. Eu jogava quase que profi ssionalmente, eu queria resposta rápida. “Vamos, va-mos, vamos... Joga”. Então, eu acho que tem que ter um equilíbrio. A não ser profi ssionais, aí eles já têm um preparo, tudo para aquilo, já têm a visão. Mas é preciso tomar um cuidado para não passar. No meu caso, pelo menos.

[Pergunta:]

“A hipnose funciona para o aprendizado do xadrez, para o aprimoramento individual?”

[Resposta:]

Freud começou usando a hipnose, no começo do século XX, mas depois ele percebeu que não funcionava tão bem, ele passou à sugestão. Não sei dizer. Eu não sou um estudioso, assim, sobre a hipnose. Eu, pelo menos, não utilizo. Têm pessoas que têm conhecimento maior sobre hipnose, do que eu.

[Pergunta:]

“Quando executamos uma atividade várias horas, é normal, durante a noite, antes de dormir, aquela atividade fi car na cabeça, atrapalhando o sono”.

[Resposta:]

É. Eu jogava muito, no consultório eu começava a arrumar o que tinha e eu falava “Para de jogar tanto, Ítalo”. Então, o sonho é como se fosse um trem. Tem a locomotiva e têm os vagões. A questão do dia que mais marcou você é a locomotiva. Ela vai sair primeiro. Se realmente você fi cou muitas horas ali, você vai sonhar com as peças.

[Pergunta:]

“Qual a melhor metodologia para o ensino do xadrez para crianças com TDAH?”

[Resposta:]

O TDA não pode ser desafi ado. Se você conseguir fazer um desafi o, alguma coisa em relação a você, com certeza, ele vai vim como se fosse você colocar um mel, a abelha vem. Você começa a mexer, ele vê que você se interessou por aquilo, ele vai querer ganhar de você. Então se você puder fazer essa competição, vai ser rápido.

[Pergunta:]

“Por que aparecem tumores no cérebro?”

[Resposta:]

Existem vários tipos de tumores. No cérebro têm vários tipos de células, são célulasdiferentes. Têm tumores de determinadas células, mas a gente ainda não consegue dizer. Têmalguns que são genéticos, predisposição genética, mas a gente ainda não sabe, realmente,porque se forma os tumores.

[Pergunta:]

“Comer carne faz bem ou mal para o cérebro?”

[Resposta:]

Não faz mal para o cérebro, o ser humano precisa dos lipídeos. Nada contra os vegeta-rianos, tem pessoa que vive muito bem sem comer carne nenhuma. Mas, em minha opinião como médico, a criança principalmente, ela precisa da carne, sim. No desenvolvimento do cérebro dela, sob o ponto de vista biológico, uma quantidade assim, razoável, de carne, é importante. Para o adulto, depois que já está mais formado, já nem tanto. Mas para a criança, é muito importante a dieta com proteína animal.

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[Pergunta:]

“A prática do xadrez rápido acelera o raciocínio demasiadamente. Quando o jogador éexperiente ou profi ssional. Como desacelerar o pensamento, e voltar à calma?”

[Resposta:]

Xadrez rápido é legal. Os grandes mestres jogam. A grande questão é o xadrez rápido não fi car apenas um movimento motor. Eu acredito, eu não sou especialista em ensinar xadrez, mas eu acredito que são necessárias algumas partidas pensadas, para você aprofundar o seu raciocínio, o seu plane-jamento a um longo prazo. Não apenas fi cando com o xadrez rápido. Muitas vezes, você fi ca por uma diversão. Tudo bem. Você fi ca trocando peça rapidamente. Mas para você poder fazer um planejamento adequado, estudar cadeia de peões, estudar um fi nal, você precisa, realmente, estudar com mais calma. Porque existe o xadrez de diversão, você sair um pouquinho, você vai se divertir. E existe o xadrez para aprofundar o conhecimento do jogo. Aí eu não sei se só a partida rápida ou relâmpago funciona.

[Pergunta:]

“Falar um pouquinho do efeito das drogas para o cérebro”.

[Resposta:]

É rápido. Lesa mesmo. Existem vários estudos que fi zemos, inclusive no Genoma sobreas drogas. A cocaína vai lesar o seu cérebro mesmo, principalmente a área da memória. Vailesar. Você vai fi car bem desmemoriado. Vai fi car “ligadão”, e já era. O teu cérebro já era. Você vai pirar mesmo. Só que não vai voltar. Vai pirar de vez. O grande problema, hoje em dia, é o crack. O crack tem uma diferença muito grande. E antigamente, dos viciados em maconha. A maconha acalmava, a pessoa tinha fome. Ficava doido, mas comia. Era um doente mais era uma pessoa mais calma. Hoje em dia, o crack, ele agita demais a pessoa. Aí as pessoas fi cam completamente desesperadas. Que é o que causa os pequenos roubos. É o roubo da dose. Eu te dou uma televisão, mas dá uma dose. Vicia demais. Eu não sei aqui, se alguém já usou droga. Eu falo assim, por mim, não usei droga, mas eu tomei, uma vez, uma Dolantina. Que foi um remédio para uma cirurgia. Gente é o céu. (risos) Parece que está tudo legal. Parece que não tem passado nem futuro. Está tudo certo. O problema, é que dura pouco tempo. E aí a pessoa quer depois, outra vez. Então, a gente tem que tratar isso com muito cuida-do. Não adianta só falar que é proibido, que é burro, que é besta. Proibir ou é um caso de polícia. Não. É um caso nosso. A gente tem que conversar sobre isso. São questões psíquicas, que precisam ser trabalhadas com isso, juntamente com oportunidade, com a questão dessa diferença abissal que tem entre o ensino de uma escola particular, com um monte de laboratórios. E uma escola que, às vezes, você vai ter um giz e uma lousa. (risos). Então isso tudo precisa ser estudado de uma maneira social. Não é um problema só médico. Não é um problema só de polícia. Precisa ser conversado. Os conteúdos psíquicos precisam ser conversados. Mas que detona gente, de boa, detona sim, o cérebro. O cérebro não aguenta a quantidade de cerveja que se bebe. O Faustão manda tomar muita cerveja. Não adianta.O seu cerebelo detona. Você vai fi car “lelé”. Tem um monte de pacientes profi ssionais, que bebem as-sim... “o senhor bebe?” Fala assim: “pouco, pouco”. “Quanto que o senhor bebe?” Fala: “Uma. Uma. Uma, duas...” “Quando?” “Segunda, terça, quarta...” Todos os dias bebe. É alcoólatra. O cérebro não foi feito para tolerar a quantidade de cerveja que se bebe. A maioria são alcoólatras. O cerebelo é o primeiro que estraga. Por isso que dá o desequilíbrio. Não dá para beber tudo que é mandado a gente beber. [Pergunta:]

“Quais são as expectativas de aprendizagem para indivíduos com defi ciência inte-lectual, após a aplicação de programas de psicomotricidade, tendo como parâmetro atividades sequênciais e ritmadas?”

[Resposta:]

Essa é uma questão muito interessante. Esses são os estudos da psicomotricidade, onde, pelo que eu entendo se desenvolvem esses programas sequenciais, tipo padrões cognitivos, mesmo, que você vai desenvolver. São atividades com certa repetição, são atividades muito bem estudadas, com

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estratégia dentro disso daqui, pelo que eu estou entendendo. São atividades feitas assim, com certa frequência. Porque não adianta, por exemplo, o xadrez, você jogar uma vez. É preciso você ter uma sequ-ência. Precisa ter um treino. É que nem quando você vai aprender você tem que ter a intenção, real-mente, de aprender. Você tem que ter essa vontade de aprender, repetir as coisas. Até para você fi xar uma coisa no seu cérebro, para o cérebro, na memória de longo prazo, você precisa dessa repetição. O jogador de xadrez, ele faz essa repetição. Quantas vezes nós fazemos a mesma abertura? Aquele mesmo padrão cognitivo. Eu acredito que ajuda sim, porque é possível você fazer um aprendizado de uma maneira racional, com uma sequência lógica do ensino. O professor que sabe ensinar o xadrez, ele ensina de uma maneira racional, de uma maneira em que as peças vão sendo colocadas. Eu acredito que o xadrez benefi cia muito esse tipo de pessoa que faz a psicomotricidade. Se estiver com AVC, tam-bém ajuda muito.

[Mestre de Cerimônia:]

Obrigada ao doutor Ítalo Denelle Venturelli mais uma vez, pela sua palestra, por todas essas explicações, pela sua paciência e por essa aula que nós recebemos aqui, hoje. Foi um imenso prazer. Eu agradeço em nome da Secretaria Municipal de Educação. E quero avisar a todos que dentro de alguns minutos, teremos a simultânea de xadrez, com alunos enxadristas da rede Municipal de São Paulo e com o grande mestre internacional, Garry Kasparov. Eu quero muito agradecer a presença de todos.

[Mestre de Cerimônia:]

Bom dia. É um prazer recebê-los novamente aqui no Auditório Elis Regina para o segundo dia do Primeiro Seminário de Xadrez Escolar, Seminário esse da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Assim como ontem, nós teremos o mesmo formato do evento, teremos uma palestra ago-ra, no período da manhã, que também será aberto para perguntas como ontem. A nossa sugestão é que vocês já comecem a anotar as perguntas, entregarem aqui, para mim ou para as auxiliares que estão aqui no palco, e no fi nal da palestra o palestrante vai então responder. Nós vamos então iniciar a nossa primeira palestra de hoje, que é denominada: “Evolução do Ensino de Xadrez nas Escolas do Brasil e Problemáticas Enfrentadas por Professores e Gestores”. O objetivo dessa palestra é trazer aos participantes a evolução histórica dos projetos de xadrez escolar no Brasil, os principais obstáculos en-frentados ao longo de todos esses anos, as suas diferentes fases, para munir os professores e gestores de um conhecimento com base em experiências anteriores, de modo a permitir melhor execução dos projetos. Para proferir essa palestra nós teremos o grande mestre Jaime Sunyé Neto, que é Engenheiro Civil e um grande mestre internacional de xadrez. Ele iniciou seu conhecimento de jogo infl uenciado pelo seu avô espanhol, foi bicampeão Juvenil em 1974 e 1975, Campeão Juvenil em Buenos Aires em 1975, venceu sete vezes o campeonato brasileiro, participou de sete torneios zonais sul-americano, tendo vencido em São Paulo, em 1989. Participou ainda de três torneios interzonais com grande des-taque no primeiro deles, no Rio de Janeiro, em 1979, quando obteve ótima colocação. Ele representou o Brasil em nove Olimpíadas, tendo ganhado medalha de ouro do Primeiro Tabuleiro, em Manilha, em 1992. Obteve o título de Mestre Internacional em 1980 e de Grande Mestre em 1986. Foi presidente da Confederação Brasileira de Xadrez de 1988 a 1992, atuando também como vice-presidente da Federação Internacional de Xadrez para as Américas. Dedicou-se a projetos de ensino de xadrez em escolas implantando projetos junto ao Ministério do Esporte. Atualmente preside a Entidade de Classe dos Engenheiros do Estado do Paraná, e é superintendente da Superintendência do Desenvolvimento Educacional do Paraná. Então como todos podem ver, além de Grande Mestre, o doutor Sunyé tem uma longa experiência, uma carreira brilhante, que vai dividir conosco um pouquinho hoje. Então tenho prazer de convidar ao nosso palco o Grande Mestre Jaime Sunyé Neto.

[Mestre de Cerimônia:]

Quero convidar também ao palco o professor Égnon Viana, um dos responsáveis peloxadrez da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

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PARTE 2

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Muito obrigado. Bom dia a todos, é um grande prazer estar aqui, vocês me desculpem porque eu não sou professor e sempre entro nesses eventos um pouco em desvantagem. Tenho participado há bastante tempo nessas atividades com o xadrez, isso me dá um pouquinho mais de experiência, mas realmente não é minha área principal, vou ver se consigo me entender aqui. Bem, como já foi feita a apresentação, eu comecei a jogar xadrez na época, relativamente cedo, em 1970, tinha 13 anos, e na época que eu me formo engenheiro e começo trabalhar, na época na FUNDEPAR, Fundação de Desenvolvimento Educacional do Paraná, eu tinha certo destaque em competições, eu era campeão brasileiro. E o superintendente então, o senhor Guilherme Braga, me chamou e disse: “Olha, tudo bem trabalhar com engenharia, mas é bom usar um pouco do teu conhecimento de xadrez e desenvolver um projeto social”. Na época se falava assim, hoje é um pouco diferente. E na verdade me pareceu, lógico, que eu poderia de alguma maneira participar de um desenvolvimento educacional, eu estava na Secretaria de Educação, eu era engenheiro lá, e, além de cuidar das escolinhas, a parte física po-der participar um pouco da parte pedagógica parecia uma coisa interessante. Eu comecei a procurar um pouco, havia informações da Argentina que tinha o xadrez escolar já bastante desenvolvido, na época e era bastante interessante. A gente sabia que a União Soviética tinha muita coisa, Alemanha, Holanda, Inglaterra, a França estava começando alguma coisa e comecei a pesquisar esse material, comecei a ler e fui achando interessante e começamos a desenvolver. No Brasil existiam experiências pontuais, em Curitiba mesmo, o Colégio Estadual do Paraná, na década de 1930, mais ou menos, que obteve um projeto bastante importante. Aqui em São Paulo diversas cidades tiveram experiências que duraram 2, 3, 5, até 10 anos. Na própria cidade de São Paulo diversos colégios privados que tinham organizado o projeto durante o século XX. E isso tudo contribuiu para formássemos uma base. Então reunimos o pessoal, como costumamos fazer com engenharia, faz o que eles chamam lá de “toró de palpites”, senta em uma mesa um monte de gente, e todos dão palpites. E você tenta dali tirar um projeto. E fi ca evidente pelas palestras que vocês já viram aqui, pelo o que vocês conhecem, trabalham com isso, estão motivados por esse trabalho, vocês acreditam nisso. O xadrez tem suas multifacetas, xadrez é bastante plural, tem para todo mundo, todo mundo acredita que o xadrez possa ser benéfi co para a parte cognitiva, é o que eu mais ou menos acredito, mas na parte de imaginação. Tem um pessoal que fala muito hoje na integração, da inserção social. Um ponto que se coloca muito é o baixo custo. Mas a gente trabalhou mais, no começo, na parte educacional. Seria uma tentativa de criar uma maneira de desenvolver a parte cognitiva das crianças de uma maneira agradável, etc. Os benefícios sociais, hoje, são mais evidentes, na época não eram tão claros. Nós tínhamos uma difi -culdade de imagem do xadrez, o pessoal mais velho talvez se lembre disso, mas fi cava aquela noção de que o xadrez é um jogo difícil, vários pais no começo do projeto vinham tirar os fi lhos porque o fi lho já não estudava, ia jogar xadrez. Xadrez é absorvente, óbvio, tem criança que gosta, e tal. Então isso tudo fi ca inserido no contexto, fi cou inserido na época. A gente teve um grande trabalho de desmistifi -car o xadrez, de mudar a imagem do xadrez que se tinha no Brasil, de um jogo difícil, excessivamente difícil, reservado para uma elite pensante eventualmente. Imagem essa que os próprios enxadristas, na época, gostavam de cultuar, porque dava uma posição social um pouco melhor, e que não tinha base real nenhuma, nunca teve. Em 1980 a gente monta o projeto piloto, como bom engenheiro, a gente sempre faz modelo reduzido, projeto piloto, a gente sempre começa assim. O pessoal da educação já não gosta tanto disso, já prefere entrar, fazer os estudos teóricos, e entrar na coisa. Nós não sentimos confi ança nessa maneira, nós sempre começamos menor. Na época, o sistema educacional do Paraná e aqui em São Paulo a mesma coisa, tinha uma forte demanda por vagas, o crescimento populacional ainda era gran-de, a migração do campo para a cidade trazia uma demanda por escolas muito grande. Chegamos a construir 5 mil salas em um ano no Paraná, o que era uma coisa brutal. Nunca mais se construiu tanto no fi nal da década de 70 e começo dos anos 80. O xadrez tinha esse estereótipo de jogo elitista, que já comentei. As experiências eram pontuais. E aí vinham as outras difi culdades maiores que o nosso diagnóstico mostrava: Primeiro: falta de material. Toda a biografi a que tínhamos estava em inglês, em

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espanhol tinha muita coisa, especialmente o material da Argentina, alguma coisa da Espanha, mas também não era tão fácil colocar isso para os professores, haveria de ter uma adaptação. O pessoal da área pedagógica sempre se recusou a simplesmente importar conhecimento, sempre tem que adaptar minimamente. Então tinham que analisar, criticar e depois elaborar. A gente se defendeu um pouco com isso, com o pessoal da Universidade Federal do Paraná, da parte da Psicopedagogia da Federal, eles nos deram a cobertura, especialmente o pessoal de Matemática. O que depois me “linkou” muito com o Villar, mas era o pessoal de Matemática que fazia toda a nossa avaliação, os controles, e tal. Não só falta de material didático, de livros em português que não existia, tivemos que começar a fazer umas apostilas como o material. O material que se tinha na época era jogo de madeira.Madeira tinha problemas, as crianças põem na boca, não é tão higiênico, caríssimo, na época o xa-drez era caro. Um tabuleiro de madeira para carregar, transportar, guardar, tudo complicado, então tudo foi difícil. A Federação, o movimento todo federativo, confederativo estavam absolutamente de-sarticulado. Então se nós esperássemos contar com clube, com federação para organizar eventos motivadores, isso não ocorria. Hoje como é que está o projeto no estado? Está mais ou menos, em média com 300 mil alunos. O xadrez está incluído, mais ou menos, em mil escolas. Isso varia muito de ano para ano. Óbvio que o ensino é tanto curricular como extracurricular, quer dizer, no turno ou contraturno. A gente sempre colocou, até foi uma lição que tive do Averbach quando estive em Moscou, que dizia: “Não, a defesa dos grandes mestres soviéticos...”, que a coisa devia ser livre, quer dizer, a escola que quisesse deve-ria poder colocar o xadrez, o professor que quisesse ensinar xadrez deveria poder ensinar, aluno que quisesse aprender deveria poder aprender xadrez. Porque a obrigatoriedade de qualquer das partes tiraria do xadrez o seu melhor fator dentro do processo educativo, que é a atratabilidade. Essa atração que o xadrez tem foi uma coisa que nunca faltou no projeto, nós tivemos problema de dinheiro, pro-blema de falta de professor, nós tivemos problema dos pais tirando os alunos da sala, mas nunca nos faltaram crianças. Onde abrimos vagas, encheu de criança, isso desde 1980 até hoje, não vi ainda no Brasil lugar que tenha aberta oferta de xadrez e que tenha faltado interesse das crianças. Os Jogos Escolares do Paraná a modalidade com mais participantes é o xadrez, nós temos muitos participantes, por outras razões também, muito mais que o futebol, o vôlei de praia, até porque é mais barato parti-cipar, são mais escolas participando. Especialmente nas escolas pequenas, de municípios pequenos, mais pobres, nós estamos muito bem inseridos. Nós criamos uma tradição nesses últimos 30 anos de organização de eventos, geramos conhecimentos e novas tecnologias, muita coisa copiada, po-deria dizer pirateada, mas seria incorreto. Copiamos um pouco, adaptamos alguma coisa, mas fomos incorporando coisas que vimos em outros locais, que nos pareciam interessantes. Temos o orgulho de ter feito o Primeiro Campeonato Escolar do Mundo Virtual, um esforço muito grande da Prefeitura de Curitiba, em 2001. Temos um processo bastante integrado com o pessoal do Esporte e o pessoal da Cultura, e isso não é fácil. Todo mundo que trabalha na Educação sabe quão difícil é integrar as outras secretarias. Educação normalmente tem uma burocracia bastante competente, até porque ela vem historicamente se formando, as áreas mais novas, os fi lhotes, digamos, da Educação, que foram saindo das secretarias, dos ministérios, elas têm uma burocracia um pouco aversa, que a Educação vai voltar a assumir o controle. Não é muito fácil trabalhar em conjunto com as outras áreas. A gente tem conseguido isso no Paraná, com relativo sucesso. E temos uma participação do Governo, das ONGs, das próprias federações e tem conseguido também os patrocínios privados. Esse quadro coloca mais ou menos claro como é que foi o processo. Então aqui nos dois pri-meiros anos do projeto piloto começou com quatro escolas, fomos para oito no segundo semestre, dezesseis, trinta e duas, depois sessenta e quatro. Escolas de Curitiba, periferia e região metropoli-tana, o que seria chamado hoje zonas de alto risco social, nós fomos trabalhar lá, era essa a política do Governo na época. E aí foram as opções que fi zemos, enterrou bastante, vamos dizer, não tem como evitar isso. Mas uma opção, por exemplo, minha, que mais tarde se mostrou um erro, foi colo-car os garotos no clube de xadrez. Havia na época um monte de garotos nos clubes. Daí o pessoal mais velho, eu falava com Villar ontem, mas a partir de 1971, o Aoyama deve lembrar também, eu comecei jogar xadrez um pouco antes, 1970, mas em 1971 veio o boom do Mequinho, que ajudou o xadrez a ser conhecido, em 1972 veio o match Fischer-Spassky, e a partir de 1972 os clubes de xa-drez encheram com a gurizada toda lá. Na época em que entrei no clube, em 1970, era só eu lá, de 13 anos, era o mais jovem. Em 1973 aí já tinha uma “piazada” imensa no clube, e começou o xadrez

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a ser mais conhecido. Esse pessoal fi cava lá jogando, a maioria estudantes universitários, e nós os chamamos para trabalharem no projeto piloto. Era um projeto contra tudo, esses garotos dando aula, alguns deles estão até hoje aí trabalhando, mas a grande maioria não tinha o talento de ser professor. E o que acontecia é que rapidamente separavam na turma aqueles três, quatro, cinco alunos mais talentosos, e começavam a fazer o treinamento desportivo com eles. O que eu sempre entendi como um erro grave, porque no processo educativo, a gente está como facilitador para as pessoas que têm mais necessidade, e são essas pessoas que têm mais difi culdades que vão se benefi ciar mais com o projeto, é óbvio. Se eu tenho a difi culdade de entender como é o processo mental de uma partida de xadrez aí é que vou trabalhar mais, vou aprender isso, vai me benefi ciar mais. As pessoas que têm uma facilidade natural, o xadrez é interessante por isso, rapidamente in-verte a hierarquia dentro da sala de aula, o Villar que trabalha bastante com isso. Porque realmente se você pega um professor que aprendeu em um curso de trinta, quarenta horas a jogar xadrez, daqui a pouco vem um garoto que se interessa que tem facilidade, ele vai jogar melhor. Ele não sabe por que, mas ele ganha a partida. Aí o professor vai ter que ter uma didática, uma metodologia, uma técnica bastante boa para trabalhar com os alunos talentosos, senão a sala vira uma bagunça. Agora, colocar os garotos para controlar a sala de aula não foi bom, o projeto, na verdade, quase morreu ali com esse erro. Cada um trabalha as opções que tem. Estou dizendo às opções que tínhamos e como tomamos as decisões. A decisão foi essa, criamos uma bolsa, demos para os alunos, os alunos faziam o curso. Apareceu um monte de garotos talentosos, mas o projeto não se inseriu na escola. Praticamente em nenhuma escola, uma vez terminado o projeto, o xadrez se manteve como parte integrante dela. Na avaliação em 1982, isso fi cou claro para nós, que não havia como o xadrez ser ensinado na escola sem uma participação do pedagogo da escola. Não adianta trazer alguém de fora, isso não ia resolver e seria provisório. O xadrez nunca se inseria na cultura da própria escola. Então essa foi uma primeira fase. Em 1983 dedicamos a um trabalho muito mais ao que chamamos de desmistifi cação do xa-drez. É um período em que percorri muito o estado dando simultânea, fazendo palestras, tentando sensibilizar os diretores, pais, prefeitos. Eu visitava, sei lá, umas cinquênta cidades por ano, um monte de escolas. Fiz um trabalho imenso ali, durante três, quatro anos. Em 1987, retomamos o projeto já no sentido de levar aos municípios. Curitiba tinha, mas começamos a trabalhar em outros municípios e levar o xadrez para eles. Mostrou-se interessante porque logo depois o estado começou um processo de municipalização da 1ª a 4ª. Aí o projeto piloto, tinha sido estabelecido para crianças de 3ª a 4ª série. Dentro daquela idéia do começo da abstração de Piaget, a indicação da Universidade do Paraná tinha sido de colocarmos, para crianças de oito, nove anos, mais ou menos, que seria o ideal. Em 1991 voltamos com o projeto mais forte na FUNDEPAR, e aí as coisas estavam muito mais claras para nós. Já tinha dez anos de estrada, já tinha cometido um monte de erros e podíamos começar, e acelerar o processo. A primeira coisa, incentivar a indústria a produzir peças de plástico. Viemos aqui em São Paulo, falamos com a Estrela, com a Gulliver. Tentamos incentivar, acabaram aparecendo alguns. Eu mesmo me meti em um processo assim. Mas começou, e o preço então caiu. Um jogo de plástico que hoje está seis, sete reais nas licitações do Ministério, enquanto que o jogo de madeira está em trinta, quarenta, e as vantagens do plástico são muito grandes. Nós imprimimos uma cartilha, um livrinho de xadrez, o Wilson e o Thiago doaram os direitos, nós imprimimos também nos níveis de cem mil, duzentos mil, que o MEC também... Depois o Ministério fez também, o Villar e o Bento fi zeram lá em Brasília, mais em cartilha, o nosso fi cou sendo mais um livro. Mas sentimos sempre a necessidade de facilitar esse conhecimento, de poder dar um livro de apoio, baseado em uma metodologia que a gente chamava holandesa do ensino, acho que vocês trabalham hoje aí, os pré-jogos, que leva a criança a racionalizar e montar o processo. Formamos um tabuleiro mural, comprávamos aqueles tabuleiros murais de madeira, caríssimos também, fi zemos uns de plástico de encaixe, que vi lá na Federação Americana quando estivemos lá. Foi fazendo, fazendo, e chegamos num nível bom até de fazer. Então aqui foi um crescimento bastante grande. Na mesma época, eu estava atuando na Federação Internacional, e houve oportunidade, a Fede-ração estava meio bagunçada na época, estava em crise até porque tinha havido uma ruptura, o Short e Kasparov haviam tirado o match deles do campeonato do mundo da FIDE, que dependia dos 20% do match para sobreviver. O Uvêncio trabalhou muito comigo lá na época em Curitiba e eu tinha que criar al-ternativas, e como acreditava muito no projeto, como até hoje acreditamos, vocês vão ver o Uvêncio falar

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aqui. Vão ver a paixão que ele mostra pelo projeto, mas a gente demonstrou que a FIDE tinha alternativa com xadrez de menores, o xadrez escolar. Quer dizer, melhorar a imagem do xadrez como uma coisa positiva e não fi car dependendo de resultados dos grandes jogadores. Então fi zemos o primeiro congres-so da FIDE, em Curitiba, em 1993, e o Primeiro Seminário Internacional de Xadrez Escolar. Participaram vinte países. Todo mundo contou as suas experiências, todo mundo fazia as suas coisas mais ou menos fechadas. E a gente reuniu ali, criou uma sinergia, a Comissão de Xadrez Escolar presidida, na época pelo Paladino, o Uvêncio era Secretário da Comissão, depois virou Presidente da Comissão, mas a coisa desenvolveu bastante a partir dali. Então para nós foi um marco muito grande. Eu gosto de registrar esse seminário de 1993 como um ponto importante ali, porque é o momento em que criamos uma comunidade internacional forte, consciente. O seminário dá uma série de diretrizes que nós seguimos no Paraná. Começamos a fazer cursos descentralizados, até então se trazia os professores para Curitiba. Começamos a fazer cursos no interior, isso foi possível porque conseguimos formar um grupo de pedagogos, que o expoente maior hoje, o Villar já realçou ontem, é o Wilson da Silva, que tem um trabalho realmente monumental. Eu acredito que, a tese de doutorado dele é o trabalho mais signifi cativo no xadrez mundial, na área pedagógica. Eu não conheço nenhum outro trabalho que chegue perto disso, do que tem sido feito ultimamente. Mas tem muita gente capacitada, que faz cursos, e hoje em todo Brasil tem. No começo dependemos muito do Villar, o Villar vinha à Curitiba, deu vários cursos para nós, foi formando. O Villar tinha se capacitado, ele explicou ontem, didaticamente, se jogou lá para Paris por conta própria e so-breviveu. Ele foi sempre uma surpresa para nós, conseguiu sobreviver lá. Formou-se e, claro que den-tro do possível, sempre contamos com a grande colaboração do Villar para formar o nosso pessoal. Aquela idéia de que se existe o conhecimento, a gente tem que fazer, não tem que fi car descobrindo a roda de novo, então o Villar trouxe, incrementou muito esse processo, esse ensino. O projeto continuou crescendo aqui, 1996, 1997, aqui há uma queda no número de escolas que estavam já em torno de 500, quando há o processo de municipalização, aí nós perdemos o contato com as escolas de 1ª a 4ª onde o projeto estava se baseando. Não quer dizer que necessariamente, por serem escolas estaduais, que as escolas pararam com o xadrez, mas não tínhamos mais como controlar, então para o projeto não tinham efeito. Os municípios continuaram, muitos continuaram efetivamente. A gente acabou voltando numericamente, no ano 2000 e já estávamos com um número baixo de escolas no projeto. Então aqui há mais uma mudança física do que real, talvez. E aqui tem outro ponto, que é o começo da parte da informática, e aqui entra o Centro de Tec-nologia do Paraná, hoje é a DITEC, Diretoria Tecnológica, mas o xadrez começou a ser vinculado com as novas tecnologias. Ai o problema não era nosso, nós entramos como solução. O que acontece? O Paraná fez um grande projeto chamado Paraná Digital, a COPEL, Secretaria de Educação, etc., co-meçaram a colocar Laboratórios de Informática em todas as escolas. A COPEL linkou com fi bra óptica todas as escolas, as escolas tinham laboratórios e, obviamente, como aconteceu com todo o mundo, deve ter acontecido em São Paulo também, tinham computadores e ninguém sabia o que fazer com aqueles computadores ali, fi cavam fazendo joguinhos. Na época não tinha muito mais coisas para fa-zer ali. O xadrez jogado, já tinha os programinhas para ensinar a jogar, então começou a ser um fator importante para desmistifi car a tecnologia. Até mais para o professor do que para o aluno, o professor tinha mais difi culdade no começo, com a informática do que o aluno. Nós nos inserimos nesse projeto. Nós começamos a organizar seminários internacionais, a partir daqui também começamos os eventos de Faxinal do Céu, que é a escola do professor lá que se formou. Em 2006 a secretaria leva o projeto para o Paraná Esportes, que era uma autarquia, hoje é uma Secretaria, e aí o projeto também toma outros rumos. Isso é o que desenvolvemos e que foi importante. Hoje é tudo comum, material de xa-drez, esse tabuleiro mural, na época foi uma redução de custo grande no projeto. Esse aqui é o Seminário de Faxinal do Céu, nós fi zemos durante mais de dez anos seminários ali, pelo menos um por ano. A nossa grande mudança aqui, foi que normalmente Faxinal do Céu se usava só para professor, exclusivamente, e nós propusemos levar o aluno para Faxinal do Céu, com o sentido de que o projeto era feito para o aluno, não era feito para o professor, nós precisávamos medir o conhecimento do aluno, etc. Isso ocorreu, houve uma discussão muito grande com a área pedagógica, eles não aceitavam, achavam que a escola é do professor, conforme idealizada era para o professor. É uma antiga barragem lá de Salto Segredo, antiga casa dos operários aqui, que foram reformadas, um centro grande de espaço para palestras, etc. Nós íamos na segunda-feira para lá,

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chegava normalmente segunda à tarde, ou à noite, trabalhava terça, quarta e quinta, e sexta o pessoal voltava. Eu acho que o pessoal aqui, um ou outro tenha participado, seguramente o Villar e o Uvêncio estiveram lá muitas vezes, conhecem. Era interessante ver como o processo caminhava. O processo de seleção, por exemplo, dos alunos era bastante interessante. Não queríamos fazer jogos escolares, não tinha isso. Então a nossa seleção vinha de outras maneiras, peças vivas quem conseguia fazer uma caracterização melhor, um que tinha destaque em fazer um jogo de xadrez, um relógio diferen-cial, o pessoal que usava material reciclado, as tampinhas para fazer as peças. A gente selecionava o pessoal em diferentes áreas, pessoal que fazia teatro, fazia “A lenda de Sissa” ou uma partida de xadrez caracterizada, teatralizada. A seleção era de diversas maneiras. O importante era ter as crian-ças junto e fazer o projeto ter as ofi cinas, como exemplo os professores. Fazia concursos, o Uvêncio participou, foi do concurso da Miss, “A Rainha do Xadrez”. Essas são algumas das atividades que mostra o xadrez, material de apresentação. Inclusão, isso é muito importante, acabou fi cando muito importante. Começamos o projeto de inclusão em 1981 e ganhou muito espaço. O xadrez naturalmen-te é um processo inclusivo. Quer dizer, o cadeirante, por exemplo, pode jogar naturalmente. Agora, o que tivemos um sucesso maior no processo do defi ciente visual, que na Olimpíadajogamos, tem uma equipe multinacional, foi à primeira equipe multinacional a participar das equipes de xadrez com os cegos, mas os cegos podem jogar em uma equipe normal, e alguns jogam, preferem jogar e podem participar. Esse processo seguiu tanto que hoje, por exemplo, nos Jogos Escolares do Paraná, o pessoal com paralisia cerebral, os PCs têm o torneio deles, são premiados, tem lá sete, oito garotos jogando xadrez. O Maurício que é psicólogo, foi analisando as partidas lá, falou que a questão do cognitivo do PC, como é que funciona e não funciona, são pessoas bastante interessantes. Então havia uma parte também da organização torneios escolares que também é importanteno xadrez. Faltou aqui colocar um pouco sobre treinamento, a gente não tira nunca a parte de compe-tição, no xadrez existe e é importante. Eu falei das peças vivas. São trinta e dois núcleos da educação no estado, cada núcleo selecionava a melhor escola que tinha caracterização de peça viva, e aí se fazia os torneios, jogavam partidas entre eles, ganhavam, perdiam, e havia concursos e premiação para as melhores fantasias, melhores jogadores, aí a coisa caminhava bastante... É bastante interes-sante, todo o ambiente fi cava bastante interessante. Isso é outra coisa que se usa bastante lá, que é tabuleiro gigante, que é uma coisa que veio da Europa. Eu vi lá nos festivais de primavera na Suíça, na Alemanha, usam bastante. Eles jogam as peças nos parques. Curitiba teve isso em já, em 1972, 1973, Felício Machado fez umas peças gigantes, fi cou lá. Esses são eventos motivadores, esse é o circuito de xadrez escolar, são eventos que a gente faz, de seis a oito eventos por ano, em Curitiba, reúne, mais ou menos, mil crianças em cada evento. Aqui, mais ou menos, como avançaram as parcerias, quer dizer, as parcerias, a primeira parceria foi com a Federação de Xadrez, em 1993 esse Congresso Nacional foi importante, em 2001 com o Centro de Excelência e em 2003 com o Ministério da Educa-ção do Paraná. São parcerias bastante importantes, para nós todas elas representaram um salto de qualidade e quantidade também do processo. Então o projeto foi no Paraná, e foi bastante bem. Em 2003 o Ministro Cristovão Buarque telefonou e me convidou para ir a Brasília. Ele tinha conhecimento do projeto, ele gosta de xadrez, ele convidou para ir lá ajudar organizar um projeto, ele chamou “Replicar a experiência do Paraná em todo o Brasil”. Eu fui à Brasília para conversar sobre o projeto, e ele então nos colocou um desafi o de montar esse projeto, como seria replicar o projeto em todo o país. Então aí a gente volta àquela velha coisa, não sei como vocês fazem quan-do vão planejar as aulas de vocês, mas tentamos fazer um diagnóstico chama os amigos e começa a conversar ver o que aparece de idéia boa para tocar para frente. Os números obviamente são imensos, o Paraná acho que não chega a ser 5% do país, e os números falam por si só da pos-sibilidade. O problema não são os números em termos absolutos. Se a gente vir, está toda aqui, entre Rio, Minas, Paraná, São Paulo, e o problema de levar xadrez para cá é que realmente não era fácil, o custo que isso representaria, e tal. Então fi camos pensando, como é que vamos colo-car xadrez na África, e tal. Eu até trabalhei em um projeto em Angola, ajudei Moçambique, aqui, mas fi ca pensando: “Não é bolinho! Como é que a gente pode fazer?”. O Cristovão Buarque nos colocou essa proposta, vinte mil escolas até 2010, 3 milhões de alunos. O objeto aqui, obviamen-te, não atendeu, mas eu gosto de colocar que foi colocado por ele lá. Já em seguida, junto na pri-meira reunião, o Agnelo Queiroz participou que era o Ministro do Esporte, hoje ele é governador de Brasília, porque tinha que participar o Esporte, e eu já tinha grande difi culdade de levantar um

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projeto que era grandioso, pelos termos do que tinha acontecido no Paraná, e junto com o Esporte.O Orlando Silva era Secretário de Esporte Educacional, hoje é o Ministro. A gente fez alguns pontos, quer dizer, o xadrez continuava tendo uma imagem de jogo difícil no resto do país, não aqui em São Paulo, em Santa Catarina e no Paraná, mas no resto do país sim. Os pedagogos não tinham idéia das possibilidades pedagógicas do xadrez, na grande maioria, não é aprendido nas escolas, ninguém conversa, não é uma coisa normal. O conhecimento não está disseminado, havia necessidade de se criar novas tecnologias, adquirir e distribuir material de qualidade, isso era uma necessidade. O grande problema de todo projeto, capacitar professor, isso sempre é, para qualquer projeto que se faça. Necessidade de fazer os eventos motivadores, não necessariamente competitivos, mas que fossem motivadores, e desenvolver cooperação com a comunidade, especialmente o pessoal do xadrez. Quer dizer, como você vai lá, em Belém, Manaus, Porto Velho. A proposta que a gente levou para os ministros, na época, foi uma coisa que qualquer enge-nheiro faria de fazer o piloto, faz o modelo reduzido, tenta pegar as características e tentar tocar. A condição de educação e esporte foi pré-colocada, quer dizer, não era uma opção minha, eu preferia ter começado com a educação e incluir o esporte mais tarde. Nós propusemos parcerias com cinco estados, meio a meio, nós faríamos toda a parte de material, capacitação, e os estados pagariam os professores, então os estados teriam que dar uma bolsa de 12 a 16 horas por semana para os pro-fessores, e nós faríamos a parte de capacitação, daria todo o material, realizaríamos todo o projeto. Começaríamos com 200 escolas e 4 mil alunos, não deram certo com cinco, o Acre desistiu, então fi camos com quatro: Piauí, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Minas Gerais. Obviamente, não co-loquei ninguém do sul porque o sul conhecia como funcionava, estava bem avançado, não tinha o porquê colocar. A idéia era aumentar para dez estados em 2007, depois todos os estados em 2008, aumentan-do o número de escolas até chegar naquele número do ministro, o que parecia ser muito difícil. Então exigia essa integração com os estados. Imaginemos que daí começa, nós temos que fazer meio a meio com o Ministério, mas meio a meio com o estado também, então o Secretário de Esporte tem as-sinar, responsável do Esporte, o Secretário de Educação tem que assinar o projeto, e não está muito claro. Então começam as complicações. Capacitação e atenção aos docentes. Apoio com entidades locais, quer dizer, tínhamos que ir lá, conversar com o pessoal do clube, da Federação de Xadrez. Tinha que ser paga a bolsa aos professores, muitos estados acabam escapando disso, começando a trabalhar com voluntários, e aí o projeto descaracteriza totalmente. Atividades motivadoras, isso foi muito bom. Acesso à informática na escola. Tínhamos um acesso muito bom no Paraná, achamos que poderia conseguir, pelo menos, algum tipo de acesso nos estados, não ocorreu isso também. Porque eles têm laboratórios, mas dividem em duzentas atividades. O acesso era 1 hora por semana, coisa assim, não viabilizava a coisa. O controle de avaliação, esse sim, sempre importante, a aí ele diferen-cia bastante, por exemplo, do Segundo Tempo, é um projeto que eu também participei na criação em 2003, que acaba tendo um controle de avaliação muito fraco. O projeto piloto teve saldo positivo, tive-ram três avaliações, o MEC fez a avaliação, o Ministério do Esporte fez avaliação, daí trocou o minis-tro, o Cristovão saiu, o Lula o tirou, entrou o Tarso Genro. O Tarso não gostou das avaliações, mandou avaliar de novo. Aí chamou a UNESCO para fazer essa segunda avaliação, foi até melhor, porque a UNESCO deu uma avaliação bem melhor, o pessoal da UNESCO era muito bom mesmo. Isso para nós foi muito positivo, essa terceira avaliação acabou sendo muito positiva. A parte do controle funcio-nou muito bem, a capacitação foi boa, os eventos motivadores, nós tivemos aqui, até coincidiu os 450 anos da cidade de São Paulo. O Kasparov veio aqui, nós ajudamos a fi nanciar a vinda dele aqui, apesar de São Paulo não participar, mas depois eles foram para outros estados, especialmente o Kasparov esteve nos quatro estados participantes, deu simultânea, falou, promoveu e tal. O resultado gerou demanda de todos os estados, com exceção de dois. Nós não conseguíamos, dadas às difi culdades, coordenar a burocracia, não davam certo, os estados fi cavam brigando. Já em Brasília era uma confusão, quando o Agnelo e o Cristovão, que eram amigos, aí depois que mudou para o Tarso e o Orlando, daí nunca mais nem conversaram. A distribuição de material também é um problema grande, a questão não foi bem porque, acabou até gerando outra coisa daquele projeto “Pintando a Liberdade”, o Ministério dos Esportes co-meçou a produzir todo o material, hoje eles produzem se precisar de jogos e peças. O Ministério tem umas centenas de milhares depositados lá, fazem em um presídio na Bahia. A capacitação também

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enfrentou algumas difi culdades. O Villar até ajudou em algumas, o Wilson ajudou em outras, mas algu-mas tiveram difi culdade, não conseguiam fazer. E aí nós apostamos muito no Servidor de Xadrez, essa foi como uma grande alternativa. Só para terminar o projeto, o projeto caminhou, eu acompanhei até 2007, 2008, eu tive problema de saú-de, tive que me afastar do projeto. Nós chegamos a atuar em 25 estados, mais ou menos, umas cem mil crianças. Só São Paulo e Brasília não participaram por razões mais políticas do que outra qualquer. A avaliação foi boa, mas realmente não atingiu o que se esperava do projeto. Agora, o Servidor de Xadrez que a gente tem hoje, que foi uma parceria com o MEC, ele atendeu uma série de demandas que nós tínhamos, professores com pouca experiência, ele serviria como apoio, como é todo material de apoio. Ferramenta de autoria do professor, uma coisa importante, um tutorial, porque os softwares que tinham na época eram todos, ou a maioria deles, competidores, o que é bom, mas não o sufi cien-te. Desenvolvimentos que estudaram as competências identifi cando defi ciências. Bom, é muito fácil pegar os alunos que estão jogando no servidor e ver quais são as diferenças sistêmicas deles, e a partir daí saber que o professor não foi devidamente capacitado. Bem, aqui as necessidades que nós geramos para o servidor, modelos que conectam estereótipos, interface adaptável, conceitos amplos sobre a natureza do estereótipo do aprendizado, quer dizer, as difi culdades que se apresentam de ma-neira geral, e o material de curso como subproduto da prática pericial, quer dizer, o próprio professor gerava seus produtos. Obviamente não temos como deixar de fora a parte da competição, a parte lú-dica. Obviamente eles se transformam em uma turma, isso é importante, a gente queria saber de que criança a turma pedia, para poder localizar e poder, eventualmente, atuar junto com o professor, junto à escola, etc. Valores quantitativos e qualitativos, senão não tem como se fazer uma boa avaliação, e anotar a situação com informação gráfi ca complementar. Bom, colocamos tudo em gráfi cos. Bem, então essa parte da informática acabou sendo um salto muito grande, é uma coisa que estávamos conversando aqui, acho que é uma coisa que talvez seja importante, quer dizer, o Servidor de Xadrez segue funcionando, ele está no ar com o apoio do MEC, e seria muito bom que todas as escolas públi-cas se integrassem no projeto de alguma maneira. É um processo de software livre, que participa todo mundo gratuitamente e então cada um pode entrar lá e construir sua base. São Paulo pode construir sua própria base. Eu queria, só para terminar, falar um pouquinho, porque sempre baseamos no fi nal das contas, nossos projetos em alguma coisa. O Villar deu uma tocada ontem e eu só coloquei aqui, Villar, uma coisa para complementar a base, porque o Villar já foi para o fi nalmente, o Brasil hoje é um país na pesquisa do xadrez escolar que está bastante adiantado. O Villar colocou isso, os dois doutores, Villar e o Wilson, que têm grande competência na área, mas muita gente trabalhando isso. Do Simon, essa do xadrez como modelo, que serviu como modelo sobre isso, começa com Binet que faz uma simul-tânea às cegas e começa a analisar as relações disso, no século passado. Essa é uma das questões que o xadrez coloca, bastante importantes aqui, a habilidade de xadrez não é índice geral de inteligên-cia. Acreditamos que o xadrez ajude, até certo ponto, em algumas áreas, e uma prática de dois anos seria o sufi ciente para ter um avanço signifi cativo. Quer dizer, um jogador de xadrez por melhor que seja não quer dizer que vá aperfeiçoar. Quer dizer, o xadrez contribui para uma prática razoável, um expert em xadrez não necessariamente desenvolve outras coisas maiores. Esse estudo é de Moscou, em 1925, um torneio internacional dos mais importantes, que fala das características que os grandes mestres têm que ajudou muito mais o treinamento desportivo do que a própria pesquisa psicológica. A pesquisa de Grunge que é uma referência até hoje. O Simon que tem processo de tomada de decisão e o desenvolvimento da Inteligência Artifi cial, que foi muito importante. E aí tivemos um balde de água fria com o Gobet, em 2002, o Uvêncio vai poder falar sobre algumas vezes, um rapaz muito bom, muito inteligente, foi para a Inglaterra e começou a estudar e fez uma pesquisa sobre os estudos de xadrez. E daí faz uma análise crítica bastante dura dos estudos que ele teve acesso lá, e aí então dá uma contrabalançada no processo. Isso não tira a nossa crença de que o xadrez é benéfi co, mas é óbvio que ele tem que se inserir em contexto. Óbvio que ele não vai, de maneira nenhuma, resolver o problema da educação, mas pode ser parte da solução. Então essas são algumas informações. É mais ou menos isso que queria falar, porque são um pouco difíceis, as informações que selecionei, creio, podem ser úteis para vocês porque e estão construindo os projetos nas escolas, acho que isso pode ajudar. Temos bastante material, acho que Villar também deve ter esse material. Fica à disposi-ção de vocês, eu posso deixar com o pessoal prefeitura, as teses do pessoal, a tese do Villar, a tese

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do Wilson, dos trabalhos que estão sendo elaborados hoje no Brasil todo, dos estudos que a Federa-ção Americana fez, tem muita coisa para ler, dá para se divertir bastante. Como sugestão, que vocês façam as pesquisas e que publiquem, faça como metodologia científi ca, isso ajuda bastante. Isso vai permitir aperfeiçoar todo o processo. A gente acredita especialmente no processo que vivemos hoje, de que a educação integral é um fator, uma realidade nossa, e que o xadrez pode se inserir bastante bem nessa realidade que se cria. Claro que o xadrez como matéria, eu não acredito muito nisso. Mas o xadrez como matéria alternativa, complementando, de contrafl uxo, é muito importante e pode ajudar bastante. Isso é um pouco do que queríamos colocar. Agradeço a atenção de vocês e fi co à disposição para responder qualquer pergunta. Obrigado.

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[Mestre de Cerimônia:]

Muito obrigada ao grande mestre Jaime Sunyé Neto. Como eu havia colocado no início, então nós estamos abrindo para perguntas.

[Pergunta:]

“Conte-nos um pouco da experiência de criação de um campeonato virtual escolar.E como exatamente funciona o servidor de xadrez do Paraná?”.

[Resposta:]

Bom, em 2001 a internet a informática, ainda estavam meio começando. E havia grande difi -culdade de acesso. As escolas de Curitiba não tinham acesso ainda. O que tinham eram o que eles chamavam de Faróis do Saber. Foram estruturas, tipo bibliotecas, montadas para dar apoio. Então, um Farol do Saber atendia lá, quatro, cinco escolas e tal. Essas tinham laboratório de informática, conec-tadas à internet. Conexão meia-boca, mas tinham conexão, e a gente procurou um servidor de xadrez livre. O Freechess. Houve uma parceria com o pessoal do Freechess, e começamos. Então apesar de ser pela internet, tinha que reservar o horário no laboratório do Farol do Saber. Trazer as crianças das escolas públicas para o Farol, para jogar, nós tínhamos horário de manhã, que era o pessoal de 1ª a 4ª, porque à tarde tinham aula. À tarde era o pessoal de 5ª a 8ª e ensino médio, e à noite, que era o pessoal de ensino médio e universitário. Foi uma experiência bonita na época, porque era uma festa fazer um ato virtual que você tem que pegar o ônibus para ir jogar pela internet, lá. Mas foi interessante. Jogaram lá, 700 crianças de 10 países. Todo o Brasil jogou, e tal. As escolas privadas, óbvio, pegar o Positivo, que tinham um processo expoente, um processo mais avançado, eles participavam da escola, e isso foi muito tranquilo. Sempre colocamos um professor perto, para não haver utilização inadequada. Normal-mente, o pessoal usava um programinha ali, que jogava xadrez para melhorar a performance, então a gente já colocava um professor próximo. A experiência foi bonita. O processo causou muito impacto na mídia. Mostrou algumas possibilidades da nova tecnologia. Acho que isso foi importante. Para a nós, o processo de criação do servidor de xadrez com a Universidade Federal do Paraná, acabou assumindo uma proporção muito maior. Aí, de repente, a gente vai ao Ministério e começa a propor um servidor de xadrez, mais sério. E esse processo já é outro problema. É outro encaminhamen-to. Quer dizer, é você criar um servidor em que você pode controlar o que o pessoal fala e tudo, que o pessoal tem controle sobre determinadas áreas. Que ele pode ver a performance dos alunos dele. Que tem um monte de garoto na Federal lá, desenvolvendo tese de mestrado. Quer dizer, pessoas para darem material de apoio. Porque basicamente, o professor não tem que ser um bom jogador de xadrez. Talvez nem deva. Mas ele tem que ter possibilidade de acesso ao material de apoio. E se ele tem um garoto com bastante talento, e se ele não dá uma atenção devida, isso pode servir de desmotivador para todo mundo no processo. Então, você tem que garantir para ele, um instrumento. Se o cara tem muito talen-to, eu tenho que ter um encaminhamento. Que é uma maneira muito mais lógica do que, digamoscomprar livro, enciclopédia que é muito mais cara. Hoje é até absolutamente inconveniente. Então, o servidor é um processo muito mais ambicioso. O servidor se propunha, e cumpriu esse objetivo, de ser

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um controle de um projeto nacional de xadrez. O servidor de xadrez, como tal, atuou assim: ele permitiu que o Ministério, a UNESCO, fi zesse um controle do projeto em um nível bastante razoável. Quando você obrigava a todas as crianças que participaram do projeto piloto a se conectar ao servidor, quando se podia medir a força deles, pelo rating, mas até outros instrumentos mais sofi sticados, que podiam permitir analisar quantas vezes ele tentou fazer lance impossível, por exemplo, e o programa recusa, mas ele anota. Você sabe que a criança não está indo por um conhecimento dirigido, mas está indo por tentativa e erro. Está mexendo o Cavalo ali, daqui a pouco ele acerta uma casa para por o Cavalo. Isso você consegue ter. Então, essa é a grande vantagem de você poder fazer. Que a gente tenha podido montar esse processo com bolsas de estudo, do pessoal fazendo, e que o Ministério tenha até com certa abundância hoje as bolsas. Conseguimos priorizar algumas bolsas, até com o pessoal da educa-ção à distância, não sei se o pessoal lá do projeto, até hoje eles estão, todos eles também no UCA, um computador por aluno, mas isso é um processo que é bastante interessante para a criança. E que vai permitir para ela também, jogar em casa, ter um processo de acompanhamento, ele jogando de qual-quer lugar, independente de onde venha esse acesso. Pode ser outra possibilidade. Resumindo, foi um processo muito interessante em 2001, mas foi uma coisa meio de impacto “midiático”. O servidor, começando em 2003, 2004, esse sim, foi um processo bem elaborado, e que deu frutos signifi cativos.

[Pergunta:]

“O xadrez é, hoje, o segundo esporte mais praticado no Brasil, ou isso é um mito?”

[Resposta:]

Eu acho que é um mito. Acho que não deve chegar como esporte. Não acredito que chegue a esse nível de prática. Não vejo isso ocorrendo. O xadrez tem que tomar um pouco de cuidado, porque no xadrez existe uma diferença muito grande. A realidade que a gente vive em Santa Catarina, Paraná e São Paulo, para a realidade que se vive no resto do país. Mesmo colocando Brasília. É muito grande essa diferença. Quer dizer, não sabe quando é que foi para a Paraíba, para o Rio Grande do Norte, têm lá, alguns garotos que jogam xadrez, tem uma federação mais ou menos, mas é muito pouco. Você não tem professor ensinando xadrez. É muito pouca coisa que se tinha de apoio, etc. Então generalizar situações que a gente vive, eu posso dizer, que, como esporte escolar, no Paraná, é uma das modalidades mais praticadas. Eu gosto de colocar que há mais participantes nos jogos escolares, porque os jogos escolares é muito específi co. O colégio tem que montar uma equipe. Uma equipe de xadrez tem o individual de xadrez, manda um lá, então a escola participa. As duas mil escolas lá participam dos jogos, através do xadrez. Para formar uma equipe de futebol de campo, ele tem que arrumar dez garotos, tem que arranjar uni-formes, transportar, bola, campo para jogar, então já é um processo mais complicado. Agora, é óbvio que têm muito mais crianças jogando futebol do que xadrez. Não vamos cair na ilusão de que o xadrez é maior. Têm muito mais pessoas do vôlei do que xadrez. Agora, na hora de praticar e que a escola precisa mandar um representante, difícil ter um representante na natação, no atletismo, às vezes, judô. Agora, xadrez, é fácil. Sempre tem lá, 2, 3, que gostam de jogar. A escolinha pode ser no fi m do mundo, e lá ter uma escola indígena, com 50 alunos, e vai ter lá alguém jogando xadrez. O exemplo que eu uso é um pouco deturpado do processo o xadrez é muito popular. O xadrez não é muito popular no Brasil ainda. E na parte competitiva, a gente vê até certo retro-cesso do que já foi. O que a gente vê hoje, que eu fi co muito feliz, é uma aceitação por pais, por peda-gogos, por professores, diretores, todo mundo envolvido no processo, e que o xadrez não é maléfi co, já foi uma grande coisa, mas que ele é benéfi co. Sua prática é benéfi ca. Acho que essa discussão que se provoca é que é importante.

[Pergunta:]

“E quando a gestão não acredita, ou não se importa com o xadrez na escola? No Paraná, eles têm formação?”

[Resposta:]

Não. Isso é comum. Vocês viram ali que das 2.200 escolas, a gente tem xadrez em mil escolas, de vez em quando um pouco mais, um pouco menos, dependendo do diretor. Então se não se con-

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segue sensibilizar a direção, seja da Secretaria, seja da Regional, seja da direção da própria escola, os pais, fi ca complicado. Teve gente que manteve projeto contra a diretora, mas sempre fi ca a coisa complicada. Agora, há necessidade de sensibilizar, de conversar, descobrir por quê. E tem gente que não vai gostar. O projeto da Prefeitura de São Paulo sai prejudicado por causa disso? Não. Prova-velmente, o mais prejudicado é a própria escola, do que o processo. Então não vejo isso como um problema de projeto. É claro, é muito triste saber que ainda tem gente que não gosta ou desgosta, e não se importa com o processo. Agora, os argumentos são sempre bons. O jogo não exige um espaço especial da escola. O custo é mínimo. Eu tenho um jogo de xadrez, que foi do meu avô, provavelmente do avô dele, provavelmente deve ter mais de 200 anos lá, o jogo de madeira, bonito. A gente usa com cuidado, mas está lá. Os Jogos de peças de plástico distribuímos em 1983, 1984, e estão nas escolas até hoje. Algumas escolas que mantêm. O jogo não tem um custo grande. Que até muita gente critica isso, que não tem material de consumo, que não atraia o patrocinador, etc. Essa é outra questão a ser analisada. Mas os argumentos são fortes. Vocês têm argumentos fortes para colocar. Acho que é uma questão de tentar explicar para o diretor, para o pedagogo, das suas vantagens.

[Pergunta:]

“Há alguma expectativa que o xadrez entre na grade curricular? Em alguns países ou estados brasileiros, ele já é oferecido no turno, como disciplina?”

[Resposta:]

Existem escolas que já possuem, o Colégio Positivo colocou agora na 2ª e 3ª séries.O Colégio Expoente já tinha há muito tempo. Têm várias escolas que têm. Inclusive, escolaspúblicas, que colocam na grade na 7ª e 8ª séries. Administração desportiva, educação físicacoloca, ou outro professor, mas nunca fechou em uma área específi ca. Apesar de no Paraná,metade dos professores serem de educação física. Mas nunca colocamos isso como uma ques-tão. Agora, nós não lutamos com isso. Não propomos e não sugerimos incluir na grade curricular normal. O pessoal que já participou alguma vez de uma reunião do Conselho Nacional de Edu-cação, vê que é uma briga. Querem colocar a 3ª língua, querem colocar oratória, querem colocarreligião, querem colocar educação econômica. Todo mundo quer entrar na grade curricular. A nossa opção sempre foi de tentar ser a primeira da educação complementar. Vindo a educa-ção integral e todos, acho que tanto Curitiba quanto São Paulo estão muito próximos disso, quer dizer, mais 2 ou 3 anos, essa vai ser a nossa realidade, vai se buscar outras atividades e o xa-drez tem que ser uma delas, ofertadas. Trabalhamos com essa perspectiva, que é basicamente, o que a Alemanha, França, Estados Unidos, fazem. No Projeto de Nova Iorque, que eu trabalhei lá nos anos de 1995, 1996, dando alguma ajuda, é basicamente isso, e até com colaboração dacomunidade. Tinha ou pais voluntários, ou o aluno tinha que pagar 1/3 da aula. Isso ajuda. Eu não entraria nessa linha de tentar colocar como matéria curricular obrigatória. Eu prefi ro evitar essa linha, por acreditar que o xadrez é uma opção de livre escolha do aluno, que é uma opção de livre escolha do professor, da escola, etc.

[Pergunta:]

“Como o aluno aspirante ao xadrez competitivo pode participar em torneios abertos, comtaxas de inscrição tão altas, cobradas pelas federações estaduais?”

[Resposta:]

Bom, esse é outro problema. E esse é um problema que nós temos bastante no Para-ná. Muito mais do que São Paulo tem. Nós nunca conseguimos que o número, que a nossaquantidade, gerasse, digamos, nível competidor proporcional. Apesar de que se você olhar ascategorias menores, jogos escolares nacionais, basicamente 50% dos torneios, o Paraná vence.Mas depois disso, depois dos 12, 13, 14 anos, os garotos, ou vão para Santa Catarina, ou vêm paraSão Paulo. Esse é um problema. Como acompanhar esse grupo que é pequeno, é talentoso,mas à medida que ele descobre que ele tem um talento e você não encaminhar, também gera um problema. Então, você tem que achar uma maneira de encaminhar o garoto para a competição.Antes de chegar à federação, ele ainda tem outro tipo de competição, com as competiçõesescolares, os abertões, que são sem premiação, que não têm um custo muito alto de participação.

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Ainda nesse aspecto, fi ca um pouco aberto. Agora, quando ele vai querer entrar em um torneiofederativo mesmo, de competição de alto rendimento, ele entra em umas taxas que são altas.E as federações têm colocado um nível alto. Isso só vai mudar à medida que o próprioPoder Público comece a organizar mais eventos. Quando montou o circuito escolar de Curitiba,estávamos tentando criar um espaço intermediário, do garoto que sai da escola com certo talento,digamos 10, 20%, e alguns deles vão querer ir para a parte competitiva. Esse encaminhamentoé uma questão complexa. O Ministério dá bolsa. Um garoto de competição custa se quiser fazê-locompetir, mandá-lo para os melhores torneios, por baixo aí, mil garotos de um projeto escolar.Não são coisas que você possa estar resolvendo da mesma maneira. São coisas muitocomplicadas para se resolver da mesma maneira. Porque os custos são muito diferentes. E as possibi-lidades são bastante diferentes. Eu acho que nesse ponto, tem que tomar bastante cuidado. Dizer que o custo é caro, é muito caro sim. Agora, a lógica do sistema federativo é uma, do sistema de ensino, outra. Os valores são diferentes.

[Pergunta:]

“Esclarecer a comparação entre xadrez e drosophila”.

[Resposta:]

É que a drosophila representa na genética, um elemento simples, que facilita os estudos. Por-tanto, a base da genética é simples. O xadrez, se você pegar uma área que a gente conhece hoje, matemática, p. ex. o Villar vai tentar ensinar alta matemática, é muito complicado. Os parêntesis são muito grandes. O xadrez, não. É um jogo relativamente simples, que dá para estudar com modelos, etc., e você pode estabe-lecer comparativos que são mais fáceis de trabalhar, do que um projeto completo. A idéia o xadrez e a drosophila da genética, xadrez por pedagogia, foi que xadrez é um modelo simples. Isso fi cou muito claro quando se desenvolveu todo o processo da Inteligência Artifi cial. Como se usou o xadrez para desenvolver esse processo, por que usou o xadrez? Porque o xadrez tinha certa simplicidade que fa-cilitava os estudos. Qualquer um que estude um pouquinho dessa parte da Inteligência Artifi cial pode saber que é bastante claro esse estudo.

[Pergunta:]

“O servidor ainda está em atividade? Seria possível realizar um torneio brasileiro de xadrez escolar?”

[Resposta:]

Não. O servidor está aberto lá. Acho que qualquer um pode entrar ser administrador, pode ser professor, se cadastrar e entrar pelo CX, pelo C3SL, os dois endereços eu tinha coloca-do na apresentação, vai fi car à disposição. Para nós, quanto mais gente usar, melhor. Porque umservidor depende de ter que usa. Os garotos entram no servidor pela primeira vez, para jogar com o vizinho. Se eles estão no laboratório de informática, eles jogam com o amigo que está do lado. Aí eles começam a jogar com alunos de outras escolas, daqui a pouco eles estão jogando com garotos de outros estados. Então o processo vai sendo construído pouco a pouco, e eles vão tendo ali um espaço, que eles vão poder fazer. Com a vantagem de que é um espaço que a gente pode controlar um pouco melhor, que o Poder Público pode ter um controle maior. Mas ele está bem operacional e até desenvolvendo. Como eu falei mais um garoto de lá, fez uma tese de mestrado de um tutorial que ele desenvolveu. Eu preciso perguntar lá, para o Wilson, como é que é, porque a coisa fi cou bem complicada, não é Villar? Não conseguimos acompanhar mais.

[Pergunta:]

“O tabuleiro emborrachado, dobrável, é uma criação brasileira ou foi um modelo im-portado? Ele foi inserido junto com as peças de plástico?”

[Resposta:] Na verdade, os primeiros tabuleiros que tivemos aqui, que eu me lembro, eram de papel onde começou a fazer os abertos, década de 70, ainda, porque tinha vantagem, que no de papel, você colo-

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cava a marca do patrocinador. E aí vimos que as escolas iam lá e pegavam os tabuleiros e levavam. E aí no começo foi com de papel. O papel que tinha uma duração limitada, apesar do cuidado. E aí vimos nos Estados Unidos, na época era quem produzia esse tipo de material, que eles desenvolveram um monte de material. O que na época para mim foi mais interessante, foi até o mural. Mas isso aí foi tudoimportado, digamos assim. Foi copiado. Na verdade, nós copiamos tudo o que os europeus,americanos faziam. Agora, eu acho que esses tabuleiros, digamos mais provisórios, não demadeira talvez tenha começado antes. Não sei dizer a lógica ali, qual que veio primeiro, masquero supor que os tabuleiros vieram antes que as peças.

[Pergunta:]

“Dentro do contexto escolar, como os alunos eram abordados para participar dosprojetos? E como aconteciam as aulas de xadrez; os alunos já conheciam, sabiam jogar o xadrez, ou aprendiam no projeto?”

[Resposta:]

Bom, isso foi evoluindo com o tempo. Agora, se você pensar em 1980, que eu acompanhei mais de perto as quatro escolinhas, as primeiras, que participaram ninguém sabia o que era xadrez. Nunca tinha ouvido falar de xadrez. Nas escolas públicas, havia um pessoal que jogava xadrez, que era o pessoal que, como eu, aprendeu com o pai, com a mãe, com o vizinho. Quer dizer, era um crescimento meio vegetativo. Mas já no segundo ano, as crianças que entravam na terceira série, já sabiam que podiam participar do projeto. Inclusive, o primeiro trabalho que elaboramos com o departamento de ma-temática da Federal, que deu indícios signifi cativos, um dos pontos que eles colocam na análise para impugnar o estudo é a questão da contaminação. Porque tínhamos uma turma que jogava xadrez, uma turma que não jogava xadrez. Aí, o que acontece, é que no recreio todo mundo jogava xadrez. Então, chegava ao fi nal do ano, todo mundo jogava xadrez. E aí, o pessoal da Federal, disse que o estudo era não-signifi cativo. Aliás, era um bom estudo, até. Ficamos lá quatro anos para por no estudo. E no fi nal, deu não-signifi cativo, porque todas as amostras eram contaminadas. As crianças das turmas-controle, que não deveriam ter aprendido xadrez, estavam jogando xadrez, depois de quatro anos. Então a amostra se perdeu. A gente não conseguia nunca, isolar uma turma da outra. O problema das pesquisas de educação é que são muito complicadas. Engenharia é muito mais fácil as coisas. Mas em educação é muito complicado. As variáveis são muito grandes e não dá para isolar fatores. Então a gente se bate muito nisso, sofre bastante, com essa questão das amostras.

[Pergunta:]

“No momento, temos a Olimpíada Brasileira de Matemática, e a Olimpíada de Astronomia,nas quais alunos e escolas têm importante participação. Seria possível e viável criar uma Olimpíada de Xadrez, envolvendo, além dos jogos, atividades como confecçãode materiais, trabalhos artísticos, e literários?”

[Resposta:]

Bom, vamos separar as duas coisas. Essa idéia de tentar ir junto com as Olimpíadas de Física e Matemática, a gente tentou lá no MEC. Tentou várias vezes pegar carona neles.Porém eles têm uma posição muito fechada, porque é a Associação Nacional dos Matemáticos e aAssociação de Físicos quem faz. Quer dizer, é mais ou menos uma coisa que o Ministério terceiriza,e cada um faz a sua, e não se coaduna com as outras. Mas nós defendemos o tal dos esportes intelec-tivos. É que o xadrez é uma das atividades lúdicas. Eu entendo que é mais bem preparada, mais estu-dada, mais desenvolvida, mas não é a única. Então, dá para desenvolver e trabalhar bastante. Agora, essa ideia, eu gosto e nunca consegui por em prática. Nunca vi como poderíamos trabalhar essa idéia do projeto ali, de inclusão. Agora, o outro lado, da confecção de material, desenvolvimento de novos materiais, que poderia entrar em um processo de educação artística, em um processo de inovação tec-nológica, é outra maneira de ver. Não vejo que ele estaria no mesmo grupo, mas eu acho que também é uma coisa interessante. Tentamos fazer e incentivar essas expressões, não competitivas do xadrez, cada vez mais. Acho que cada vez mais elas são importantes. É que se vocês virem em um grupo aí, que vocês devem ter essa experiência, quando se começa a dar xadrez, um número igual de meninos e meninas jogam xadrez. Na medida em que a coisa vai se dirigindo para competição, as meninas vão

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abandonando. As meninas não gostam tanto da competição. Dai você tem que achar outras maneiras. A composição de problemas, coisa que as meninas vão muito bem. Solução de problemas, elas vão muito bem. Essa parte de ver um aspecto mais amplo do xadrez, as meninas vão muito melhor que os meninos. Os meninos quando dá o relógio para eles, vão jogar partidas rápidas, daí eles fi cam todos loucos. E as meninas não vão muito, não caem muito nessa. Então, esse processo é um processo que é importante, mas ainda há que buscar aí, algum tipo de solução mais elaborada.

[Pergunta:] “Como funciona o pagamento de bolsa aos professores, 12 horas semanais, neste modelo nacional?”

[Resposta:]

No projeto nacional, era o que cabia ao governo do estado. Eles tinham que selecionar os professores através de uma livre adesão e pagar a bolsa. A bolsa era um valor que era o dobro da hora/aula que eles tinham no estado. Esse foi um problema grave, no projeto. Porque, quandovocê pegava, por exemplo, na época, o Piauí era um estado que o salário era mais baixo, e o Acre era o salário mais alto do Brasil na época, do professor. E aí, se você desse um saláriopadrão, como eles querem colocar lá no MEC, a gente tinha problemas. Porque no Piauí era muito, era mais que o salário que o professor ganhava. E no Acre, não era nada. O professor não tinha nenhum interesse em fazer. Então era um complicador. Ficou a critério do estado, porque nós não consegui-mos nas reuniões com eles, defi nir valor. Não conseguíamos. Porque é muito mais simples um salário padrão. Sentei com eles e nunca chegamos nem perto de um acordo. E no fi nal, até o Acre acabou saindo do projeto, até porque a característica deles, como estado, é diferente. Eles tinham escolas pequenas, separadas, com salas de diferentes idades, então, a com-plexidade do ensino no Acre, falta de professores fi cou muito complicado. Ou nós aceitávamos que o pessoal da Federação assumisse coisa que a gente já pela experiência que se tinha do começo nos anos 80, e que não queríamos, ou então, eles se propunham a sair. E saíram.

[Pergunta:]

“Nas escolas, como o projeto é utilizado? Há algum material didático padronizado por série ou ano, como os livros didáticos?”

[Resposta:]

Não. Deveríamos ter, mas não temos. A gente vai seguindo os professores, que vãoelaborando o material. Tem muito material elaborado pelos próprios professores e eles vãoadaptando. A linguagem, na 5ª série é uma, na 8ª série é outra, no ensino médio é outra. E também naeducação infantil, vai ter uma linguagem totalmente diferente. E a gente deveria oferecer esse tipo de informação, de apoio, mas não temos não se consegue chegar nesse nível, não. O custo disso já repre-senta muito, para o esforço que a gente faz. Então, nós estamos longe disso ainda. Não temos nesse momento condições. Têm materiais bem elaborados. O Uvêncio tem o sistema instrucional que ele desenvolveu para a FIDE, e que passou a ser um padrão internacional, que ele dá aula por aula, organiza e com isso permite uma massifi cação muito maior, como ele conseguiu fazer na Venezuela. Ele tem um projeto de massifi cação na Venezuela, que é imenso, que ele conseguiu fazer, padronizando um pouco mais. Depois ele trouxe para lá uns cuba-nos para ajudá-lo. Mas no começo ele fez no peito e na raça. E aí foi tocando. E ele teve que elaborar, ele mesmo. Mas ele é professor, e como tal, tem uma visão diferente. Ele vai falar aí da visão do proje-to, um pouco diferente do que eu tenho. Eu tento ser lógico em um projeto e tentar acertar na maioria.

[Pergunta:]

“Existe interesse da iniciativa privada em apoiar e investir no projeto de xadrez das escolas públicas? Se existe, qual é a parcela de participação?”

[Resposta:]

Sempre tem existido. Quando a gente faz os torneios de xadrez à maior parte é bancado pelas escolas privadas. O Poder Público fi ca lá, na parte da arbitragem, transporte das próprias

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crianças, lanchinho, mas o grosso mesmo acaba caindo nas escolas privadas. Isso existe. Sempreconseguimos e eles têm bastante interesse. Se diga, existe uma preocupação muito grande das em-presas privadas com o processo educativo. Vemos isso na Engenharia, que o pessoal fi ca desespe-rado para conseguir mão-de-obra qualifi cada. Eles precisam de mão-de-obra qualifi cada e eles estão dispostos a investir nisso. Nossa classe está valorizada aí, os salários estão subindo. Uma pessoa aqui, por exemplo, em São Paulo, o doutor Sérgio de Freitas do Itaú sempre apoiou muito. A Milú Vilela da Fundação Itaú, também fez uma série de parcerias, inclusive com o Ministério. Vocês viram agora, a Semp Toshiba, nesse projeto com o Clube de Xadrez São Paulo, também está entrando isso. Em Curitiba, nós temos vários exemplos de participação da iniciativa privada. A Siemens, a BOSCH, uma série de empresas. O problema, na verdade, é defi nir que áreas vão ser preferenciais para entrada desse apoio. O que é inerente ao poder público e não pode ser deixado de lado. Esse é um ponto. A Secretaria precisa, e vocês precisam posicionar. A questão para pagar o professor, cabe à iniciativa privada ou cabe para uma bolsa, pagar um prêmio, etc. E cabe ao poder público, realmente, remunerar devidamente o professor, de acordo com a função que ele exerce. Então essa separação de modelo, isso é muito complicado. Mas cabe a defi nição localmente. Mas eu acho que é importante. Porque em algum momento o Estado tem difi culdades de investir em algumas coisas, e a iniciativa privada pode ajudar muito mais.

[Pergunta:]

“É possível destacar peculiaridades, estilos, na maneira como os brasileirosaprendem ou jogam xadrez?”

[Resposta:]

Veja a questão da escola de xadrez. Nós estudamos muito isso. A gente falava muito de uma escola soviética de xadrez, chega a falar de uma escola argentina de xadrez, se tentou criar uma es-cola cubana de xadrez, mas não é tão fácil de caracterizar uma escola de xadrez. Você pode dizer que há certas características comuns. A União Soviética criou a ideia da Escola Soviética de Xadrez, porque ela vinha de um modelo muito centralizado. Lênin gostava de xadrez, aquele pessoal de lá que apoiou aqueles projetos e tem uma infl uência grande, e acaba gerando lá essa questão até por nomenclatura de escola de xadrez. Mas o Brasil, nunca chegou nem perto disso. Não dá para falar. É só conhecer os enxadristasbrasileiros, para ver que não existe a menor chance disso ocorrer. E depois, não há tempo, nem há um predomínio de uma aula qualquer para se falar. O xadrez acaba sendo muito mais individualista do que uma “escola de futebol brasileira’, por exemplo. Quer dizer, o Brasil tem futebol sufi ciente para ter um padrão de jogo. No xadrez, não há ainda uma cultura no treinamento desportivo, que pudesse justifi car a gente chamar de uma escola brasileira de xadrez. Eu não vejo isso ainda. E não vejo isso muito próximo de ocorrer.

[Pergunta:] “O que representa e representou o Mequinho para a história e implementaçãodo xadrez no Brasil?”

[Resposta:]

O Mequinho, como primeiro grande mestre brasileiro é preferência, e para mim, talvez seja o que eu fui mais infl uenciado. É um marco. O quer dizer que temos o xadrez antes e depois do Mequi-nho. O Mequinho começa a jogar se destaca a nível nacional no começo da década de 60, muda o xadrez brasileiro em função de suas posições, e praticamente encerra a carreira em 1977, quando ele perde aquele match para o Lev Polugaevsky, de uma maneira que ninguém esperava, empatando 9 e perdendo uma partida. Uma maneira desastrosa por assim dizer, porque nunca conseguiu ganhar uma partida do Polugaevsky. Então, ele acaba sendo uma referência. Em grande parte dos anos 80, o xadrez brasileiro era uma imagem do Mequinho. Durante toda a época que eu, mais ou menos, dominei o xadrez brasileiro, fui melhor jogador, a imagem que o xadrez brasileiro tinha era a imagem residual do Mequinho. O Mequinho é de uma importância funda-mental no processo de popularização do xadrez. A gente tem dois processos que são difíceis separar

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que ocorre quase simultaneamente, que é o Mequinho ganhando o título de grande mestre em 71, e o Mequinho ganhando o Internacional de Petrópolis em 73. Esse momento que o xadrez brasileiro ganha um grande impulso, é um momento único na história do xadrez brasileiro. E fi ca muito difícil. Uma senhora perguntava para o Villar, por exemplo: “Você foi jogar xadrez por causa do Me-quinho, ou por causa do Fischer / Spassky?” Todo o pessoal começou a jogar xadrez, não sei quem mais aqui, começou a jogar xadrez na década de 70, o que mais infl uenciou o Milos e todo o pessoal que começa a jogar nessa época e a seguir no xadrez? É uma coisa que no mundo todo, a gente fala em referencial Fischer. Mas no Brasil, há um componente do Mequinho que não pode, absolutamente, ser ignorado. O Mequinho é de uma importância fundamental no xadrez brasileiro. Isso não há abso-lutamente nenhuma dúvida.

[Pergunta:] “No momento, a prefeitura exige que a prestação de contas, na compra de materiais seja com nota fi scal eletrônica. As empresas como Xade e Jaherig, que se encontram localizadas no Paraná, têm como atenderem essa exigência para fornecimento dematerial? Pois sabemos que seus preços são mais em conta”.

[Resposta:]

Eu conheço até a Jaherig um pouco, mas não conheço a Xade. Imagino que eles não devam ter nenhuma difi culdade de se adaptar. A hora que vocês pedirem para ele a nota fi scal eletrônica, eles vão colocar. Condições já existem. As notas fi scais eletrônicas estão aí. É uma exigência legal, eles têm que estar cumprindo com as exigências. O que a gente sugere, é que vocês pesquisem os preços. Porque, por exemplo, quando licitamos na época do Ministério, 15 mil jogos, pagaram na época, isso em 2005, alguma coisa com sete reais por jogo. Em outra época que Curitiba licitou 5 mil jogos, e pagou vinte e tantos reais. Então tem que haver uma preocupação de vocês. Se vocês têm autonomia para comprar o material, você tem que dar uma boa pesquisada, negociar bem, porque os preços variam bastante, e são muito fl utuantes.

[Pergunta:]

“Como popularizar o xadrez no Brasil?”

[Resposta:]

O argentino sempre fala, qual seria o caminho? Quer dizer um ídolo poderia um campeão do mundo. Estava conversando ontem com o Villar lembrando que em 1994 teve o mundial juvenil no Paraná, em Matinhos. Nós organizamos. E faltando duas rodadas para terminar, o Giovanni estava um ponto na frente do segundo. Perdeu as duas últimas partidas. Foi um desastre. E outro ídolo, depois do Mequinho, se tivesse um apelo popular, poderia ajudar. O que ocorreu na década de 70, quando aparece o Mequinho, era o Fischer. Eu frequentava o clube, e lá apareceu um monte de gente querendo aprender a jogar xadrez. Eu dava umas aulinhas lá, ganhava um dinheiro, ia ao cinema, mas tinha limite. Tinha lá, 5, 10 alunos, era o que eu podia fazer e dava aula ali nos intervalos. Não havia toda uma estrutura formal para se absorver o crescimento. Qual foi a diferença? Em 1982, por exemplo, quando o vôlei foi medalha de prata em Barcelona, havia uma estrutura dos professores de educação física que ensinavam vôlei. Quando houve uma demanda pelo vôlei, havia uma estrutura preparada para ensinar o vôlei. E as escolas puderam ensinar, e o vô-lei conseguiu até em algum momento, não sei hoje como é que está, reverter como segundo esporte brasileiro. Passou o basquete. Na minha época, era uma coisa inconcebível que alguém fosse jogar basquete e não vôlei. Na década de 60, 70, todo mundo jogava basquete. Ninguém jogava vôlei. Ou ia para o futebol, ou ia para o basquete. Aí, a geração de prata que se diz, acabou mudando um comportamento geral nosso. Então isso poderia ajudar. É óbvio que poderia ajudar. Agora, eu acho que nós temos que ter também, essa parte que a gente está fazendo. Quer dizer, se houver uma demanda grande por apren-der xadrez e ela está crescendo, vocês podem atender essa demanda. Então a gente está preparando as condições para o que venha, dando a infraestrutura para que isso ocorra. Como vai ocorrer para frente? Eu, pelo menos não sei como vai ser.

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[Pergunta:]

“Como se dá a participação do enxadrista defi ciente visual, nos jogos de xadrez? Existe algum recurso específi co?”.

[Resposta:]

Existem alguns recursos ali, uma regra especial, talvez o Uvêncio possa falar melhor sobre isso, eles usam um tabuleirinho de apoio, que é um tabuleirinho de encaixe, eles têm um relógio que eles escutam, eu acho que o Villar também tem levado as delegações brasileiras nos mundiais. E está bastante avançado. Eu acho que vale a pena dar uma conversada, acho que o Villar pode orientar isso. O Uvêncio também tem participado bastante desses eventos. Mas é uma área em que podemos fi car muito orgulhoso do xadrez, porque é uma das poucas modalidades que o cego joga, com regras específi cas, é verdade, mas joga normalmente, como um vidente. É um jogo que eles entram em nível de competição. Eventualmente, se poderia até jogar em uma olimpíada. Um campeonato do mundo, talvez.

[Pergunta:]

“Qual a relação do xadrez escolar entre a CBX e a iniciativa pública, ou não existe?”

[Resposta:]

A questão, colocada de maneira mais geral, da Federação, do sistema Federativo organizadoe o xadrez escolar, é uma coisa que eu sempre procurei evitar. Desde o começo lá no Paraná, logo de-pois daquela experiência, e quando eu fui presidente da Confederação, eu nunca permiti esse vínculo. Porque eu acho que o xadrez competitivo tem características muito especiais. E ele acaba tendo um gasto que é muito específi co. Para você levar um garoto para o mundial, você vai gastar lá, 5, 10, 15 mil dólares, para preparar, treinar, levar o treinador junto, pagar hospedagem. Então é muito complica-do esse vínculo. Nenhuma Federação hoje tem uma atuação signifi cativa no xadrez escolar, a menos de eventos motivadores, vamos chamar assim, ou de coroamento. Fora isso, não há muita relação. A própria FIDE tenta fazer uns torneios escolares, que você pode dizer que são torneios mais de partici-pação do que de competição. E aí, já é uma coisa que a própria FIDE tem que tomar certo cuidado ao atuar. E não é no Brasil. Nenhuma federação tem participação importante em nenhum projeto. [Pergunta:]

“O que justifi ca o encerramento da carreira de um enxadrista profi ssional?”

[Resposta:]

É um baque. Você tem certo nível, você joga, treina. O tipo de vida do xadrez, sempre eu gostei muito. Viajar, competir, você tem uma série de amigos no mundo todo, então você fi ca ali, circulando, de diversas maneiras e de repente, claro, você vai fi cando velho e teu resultado já não corresponde, tem algumas posições que você executava, e que agora não consegue. Outras posições que você conseguia se aguentar e você perde. Você vai fraquejando, e vai perdendo. Então a mudança de atividade, eu acho que para qualquer desportista, tem um tempo de vida útil. Só que no xadrez é um pouco mais longa. Você pode parar um pouco mais tarde. Chega lá com 50 anos, está tendo que começar a parar. Vamos supor que o apogeu do xadrez está entre 30 e 35, hoje, dependendo da condição física do jogador. Então, o que acontece dali? É tudo complicado. Como é que vai caminhar. Nós vemos muito isso com jogo de futebol, 30 anos, o jogador para. Agora no xadrez é diferente. Caso do Kasparov parou recentemente. Daí vem à pergunta: Que outras atividades ele pode desenvolver? Para o quê que ele está preparado? Ele pode ter sucesso em outra atividade? Quer dizer, é um processo complexo internamente de você se adaptar. Meus amigos do mundo inteiro, que nos conhecemos há 30 anos. Aqueles que jogamos o juvenil juntos, participamos de vários eventos e chega um momento em que toda minha geração teve que se retirar. Uns viraram treinador, outros coordenam projetos. O Mequinho hoje coordena um projeto em Taubaté. Um pro-jeto de xadrez escolar. Todos tentam manter certo vínculo. Joga alguns torneios de vez em quando, claro que isso sempre dá para jogar e é até bom para rever os amigos. Mas óbvio que não é o nível de competi-ção que você estava acostumado, que você dedicou 20 ou 30 anos na carreira.

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[Pergunta:]

“O que é preciso fazer para chegar à condição de grande mestre, que é asua situação?”

[Resposta:]

O resultado de grande mestre é o que a gente chama de performance. O Villar falou ontem do rating, que foi criado. Então você tem que ter uma performance 2600 durante três torneios e durante um período de tempo. E você tendo esse resultado, tem um rating mínimo lá, de 2500, por aí. Portan-to são alguns resultados que você obtenha e que podem te levar a conseguir. O título a partir dali é vitalício. Quer dizer, você jogar mal como eu estou jogando hoje, não corre o risco de perder o título. Agora a força de cada um é dada pelo rating. Essa é uma força pontual. Quer dizer, meu rating repre-senta minha força de jogo e essa é a força real. É um pouco complicado chegar à grande mestre. O Brasil hoje, já tem um número bastante grande de grandes mestres. Acho que são 10, se eu não me engano. Durante muito tempo foi o Mequinho e eu, depois o Milos, e fi cou bastante tempo isso. Hoje temos um número bastante signifi cativo de fortes grandes mestres.

[Pergunta:]

“O Governo Federal está atento à importância do xadrez escolar, ou aindasonhar é preciso?”

[Resposta:]

O Governo Federal eu acho que está bem atento. Agora é óbvio que os problemas, por exemplo, o Ministério da Educação e vocês conhecem melhor do que eu, eles são bastante graves. Quer dizer, as prioridades que a Educação coloca etc. Então, é óbvio que o projeto de xadrez, como uma série de outros projetos é marginal, no curso da linha decisória. Você vê as preocupações do Ministro Haddad, o xadrez difi cilmente se encaixaria. Fosse quem fosse o Ministro, não ia colocar o xadrez como uma prioridade. Kasparov esteve com o Mercadante, que é o Ministro da Ciência e Tecnologia, e que está muito interessado até para colocar a parte do servidor de xadrez no UCA. Um computador por aluno, etc, para permitir que as crianças joguem. Então existe sim, uma série de pessoas preocupadas. O Ministro Paulo Bernardo gosta muito de xadrez. O Mercadante também. O senador Anselmo Buarque é apaixonado. O Agnelo Queiroz, governador de Brasília, é um apaixonado. Aqui, em São Paulo, a família toda do prefeito joga, são seis irmãos e gostam de xadrez. Então existe muito interesse do Poder Público no xadrez sim, como instrumento pedagógico. E também como competitivo. A Prefeitura de São Paulo está promovendo um evento competitivo im-portante aqui, no fi nal do mês, o Grand Slam de Xadrez São Paulo / Bilbao. Talvez o maior evento do mundo que se organiza hoje. E que dividiram com Bilbao uma perna, vão fazer metade do evento aqui, e outra metade em Bilbao. O que tem que se notar é que o xadrez ganhou muita exposição, durante muito tempo na mídia escrita, jornais, todos os jornais tinham coluna de xadrez e as revistas. E na sociedade contemporânea, em que a televisão assume imagens, digamos que esse imaginário nosso, o xadrez acaba sendo plasticamente inferiorizado. O xadrez não tem imagens plásticas. Vamos ver quem na década de 70, iria imaginar que a vela de oceano fosse um esporte marqueteavel? Hoje, eles põem um satélite, um avião fi lmando direto, umas coisas impressionantes. Mas é uma coisa que se criou. Não existia. O xadrez não tem essa imagem plástica. O xadrez perdeu dentro da evolução tecnológica, espaço durante muito tempo. O que a gente vê também é que hoje, o xadrez recupera muito desse espaço mediático, com a internet. A internet dá um espaço para o xadrez, que é muito grande. É óbvio que na internet, tem que buscar como comerciali-zar isso. Até quem colocou isso foi o Samaranch, naquelas reuniões da comissão da FIDE, para colocar o xadrez na Olimpíada, que eu participei com o pessoal. Que nós tínhamos que buscar o fi nanciamento na internet. Isso que ano que foi? 1994, 1995, 1996. Foram os três anos com o Samaranch. Nós não conseguimos fazer isso. A própria FIDE não se articulou direito. Ficou brigando internamente e nós per-demos a oportunidade de entrar para o Movimento Olímpico. Nós tínhamos estado até 1924, nesse ano houve aquela ruptura em Paris, o pessoal criou a FIDE, e se afastou do Movimento Olímpico. O Movimento Olímpico era amador. E o xadrez já era profi ssional há muitos anos, vários sécu-los. Então fi cou o xadrez separado do Movimento Olímpico, o que foi bom para nós, durante quase 70 anos pelo menos. Depois do Canadá, o Movimento Olímpico dá um crescimento explosivo, e o xadrez começa a mergulhar. E aí fi camos perdidos e querendo voltar. Nós queremos voltar, mas agora eles não querem mais a gente.

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[Pergunta:]

“É importante o professor passar por uma formação antes que se inicie um trabalho com o projeto?”

[Resposta:]

Eu posso ser suspeito, mas eu acho que é fundamental. Não vejo um professor, por melhor enxadrista que seja e que ele possa entrar em uma sala, sem ter consciente quais são os objetivos pedagógicos de ensinar xadrez. Quer dizer, para mim, parece um absurdo. Qualquer um que entrar numa sala de aula, sem saber para que o xadrez sirva não terá como benefi ciar as crianças, sem ter isso muito claro. Por mais que tenha um sentimento geral eu acho que é um crime. O professor deve passar por uma capacitação específi ca, que não precisa ser necessariamente na Secretaria ou na Universi-dade, pode ser em qualquer lugar. Mas é fundamental. Não vejo como possa evoluir de outra maneira.

[Mestre de Cerimônia:]

Muito obrigada ao grande mestre Jaime Sunyé Neto pela sua participação, pela suapaciência de responder tantas perguntas. Agradecer é claro, a presença no palco, da equipe do xa-drez da Secretaria de Educação, o Égnon e a Sandra. Muito obrigada a todos. [Mestre de Cerimônia:]

Boa tarde. Nós estamos nos momentos fi nais do I Seminário de Xadrez da Secretaria Muni-cipal de Educação. E para fi nalizar o nosso seminário, nós teremos a quarta palestra com o tema: “Experiências do Ensino de Xadrez Escolar em Outros Países e a Visão da Federação Internacional de Xadrez - FIDE”. O objetivo dessa palestra é munir professores e gestores com uma visão global, e tendências atuais do ensino de xadrez escolar, de forma a fomentar o interesse pela pesquisa, por atualidades, e estimular possibilidades de intercâmbio de experiências com outros países. Essa palestra vai ser proferida pelo Doutor Uvêncio Blanco Hernandes. O doutor e professor é uma referência mundial em assuntos relacionados ao ensino de xadrez nas escolas. Presidente da Federação Venezuelana de Xadrez, e da Comissão Escolar de Xadrez da Federação Internacional de Xadrez - FIDE. O professor Blanco tem uma vasta experiência nacional, tendo publicado diversos livros em espanhol, inglês, por-tuguês, sobre o ensino de xadrez nas escolas. Organizou e proferiu palestras em diversos seminários e congressos mundiais, sobre os temas de xadrez escolar, arbitragem e organização de eventos em países como Alemanha, Argentina, Aruba, Brasil, Colômbia, Cuba, Equador, El Salvador, Espanha, Estados Unidos, Grécia, Guatemala, Itália, México, Peru, Portugal, Porto Rico, Rússia e Venezuela. Então, eu acredito que alguém com o currículo como esse, não poderia ser melhor para falar para a gente como é que funciona o xadrez em outros países. Senhoras e senhores, eu tenho o prazer de chamar ao palco, para fi nalizar o I Seminário de Xadrez, o doutor Uvêncio Blanco.

Gostaria também de convidar a professora Sandra Regina Roberto, da Secretaria Municipal de Educação da Equipe de Xadrez, que irá acompanhar o palestrante, o doutor Blanco. Neste momento, eu passo então a palavra, ao doutor Uvêncio Blanco.

2.2 “Experiências do ensino de xadrez escolar em outros países e a visão da Federação Internacional de Xadrez, FIDE” Doutor Uvêncio Blanco.

Olá, boa tarde. Quero dizer que estou feliz de estar com vocês aqui, compartilhando desteI Seminário de Xadrez Escolar que a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo organiza. Não quero começar minha palestra de hoje sem dar um agradecimento muito especial a várias pessoas que fi zeram possível que estejamos hoje aqui, compartilhando com vocês. Sempre considerado, e isto

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pude verifi car nos distintos países onde tive a oportunidade de trabalhar em prol do xadrez escolar. Verifi quei que, se não há uma junção entre o governo local, o governo nacional, e aspessoas que promovem um projeto particular, neste caso, o xadrez escolar em São Paulo, é muitodifícil que esses projetos cheguem a um fi nal feliz. Com isto, quero lhes dizer que, de alguma ma-neira, e ainda que nós não o queiramos, este tipo de projeto de inovação vocativa sempre tem um componente político. Independente de qual seja a linha política. Se pertence a um governo de esquerda, direita, de centro, centro-esquerda ou centro-direita. Mas o elemento político, aque-le que tem que ver com o povo, com a incorporação do povo, das mudanças que exigem nossasociedade, é obrigatório. É por isso que quero cumprimentar e agradecer a iniciativa do prefeitode São Paulo, Gilberto Kassab, a favor desse tipo de propostas. Também quero agradecer aAlexandre Schneider, Secretário de Educação da cidade de São Paulo, que pôs, junto com sua equipe, coração, energia e recursos, para que isso seja possível. E membros de sua equi-pe de trabalho estão aqui conosco hoje, Sandra, as companheiras de protocolo, e o resto des-se time que trabalhou durante semanas, para que hoje à tarde, estejamos encerrando com êxito, aparticipação de mais de 700 professores. Professores que estão se juntando a um programamuito benefi cente. Nós, da comissão de xadrez na escola, da FIDE, há mais de 25 anos, temos trabalha-do nas distintas cidades do mundo, nos distintos povos, e por que não, nos diferentes países, nos distintos sistemas educativos do mundo, para que os meninos, meninas e adolescentes tenham a oportunidade de acessar um dos jogos mais maravilhosos que a inteligência humana já criou: o xadrez. Para isso, devemos falar primeiro da parte institucional. Precisamos falar da FIDE. En-tão, a pergunta é: o que é a FIDE? É a sua representação a nível internacional. Como vocês vão ver, a FIDE é uma organização esportiva. É a organização esportiva que reúne mais de 169 paí-ses do mundo organizados pelas Federações Nacionais de Xadrez. Sua sigla, FIDE, signifi ca Fé-dération Internacionale dês Échecs. Está em francês e por quê? Mais para frente, vamos ver.Foi fundada em Paris, na França, no ano de 1924. Mas a FIDE, como a grande maioria das organiza-ções esportivas, e em geral as organizações criadas pelo homem nascem de uma necessidade. Uma necessidade específi ca. E é a necessidade de reunir-se em estruturas complementares, mais complexas do que a de apenas um país. Por exemplo, nasce da necessidade de reunir critérios a nível regional. De 1870 a 1890, aproximadamente, quase que existiam dois xadrez distintos. O da Europa, segundo as regras européias, de tradição européia, controlado pelas grandes potências, e o da América, controlado qua-se que totalmente pelos Estados Unidos e pelo Canadá. Assim, mais adiante, os membros destes dois grandes continentes chegaram a um acordo, em particular, as chamadas grandes potências. Porque já existiam potências de xadrez naquela época. Eram Alemanha, França e Inglaterra. Eram vários países que, de alguma maneira, tinham uma infl uência excessiva quanto à tomada de decisões no concernente ao xadrez. Estavam Rússia e os Estados Unidos. E então, em vários congressos inter-nacionais, que se realizavam em paralelo com alguns torneios importantes, começaram a pôr-se de acordo. Mas isto demorou mais de 70 anos para que tivesse uma unifi cação de critérios entre os euro-peus e os americanos, para que se chegasse a um acordo das regras das condições de xadrez entre os europeus e os americanos. Por exemplo, os primeiros passos foram dados nos congressos de Nova Iorque, em 1857, Glasgow, em 1884, Breslo em 1912, e depois, o grande torneio de San Peter-sburgo, no ano de 1914. E vocês verifi carão que desde o primeiro congresso até a fundação da FIDE, se passaram muito mais de 70 anos, para que os membros da grande família do xadrez universal se pusessem de acordo para constituir uma única instituição. Esta instituição foi fundada em 20 de julho de 1924, em Paris. Bem no local onde se realizavam o torneio das nações. E ali se criou um lema, já que participavam as duas pontas do Atlântico, tanto Europa como América. E depois, alguns países da Ásia, e particularmente do norte da África. Uniram-se e criaram um lema, chamado “Gens una sumus”. Somos uma família. Somos uma família universal. E esse lema, de alguma maneira, nos tem mantido unidos, inclusive, nas situações mais difíceis que política e economicamente se apresentaram à FIDE. E as regras, já em 1924, estavam preparadas para entrar na Carta Olím-pica. Porque o jogo de xadrez é, e vocês o sabem muito bem, antiqüíssimo. O jogo de xadrez diz que é do século VI ou VII da nossa era. Na realidade, as evidências da aparição do jogo de

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xadrez começam no século IX, aproximadamente. Que se encontravam no que hoje é o Irã.Era a Pérsia original. Não deve ter se originado nem na Índia nem na China, mas, com base naevidência arqueológica no que é agora o Irã. Ou, mais ainda, a Pérsia. Bom, o primeiro mundial, ofi cial, pode-se dizer se jogou em 1886. Esse foi o primeiro campeonato do mundo. Mas antes desse campeonato mundial, 40 anos antes, já existiam torneios internacionais, de um nível técnico muito alto. Como o Grande Torneio de Londres, o Torneio de Nova Iorque, de San Luis, de Moscou, de Saint Petersburgo, etc. Ou seja, quando aconteceu o campeonato mundial, o xadrez já estava sólido, sobre uma série de bases. Mas já existiam jogos de xadrez organizados como esporte. Já havia chegado ao nível de esporte. E já, quando se estava organizando o ingresso do xadrez nessa Olimpíada, descobriram através dos organizadores e puderam verifi car que pelo menos três dos jogadores que iam participar, havia ganhado algo de dinheiro em torneios de Londres, Alema-nha, e Itália. E assim, eles aproveitaram que não eram amantes do xadrez, de acusar o xadrez de um esporte profi ssional. E o tiraram dos jogos. Por isso que o xadrez não está nos jogos olímpicos. Há mais de 80 anos foi eliminado dos jogos olímpicos por ser profi ssional. Agora eu me pergunto, quando se celebraram os jogos olímpicos de Barcelona, 1992, onde estava o Dream team do basquetebol, dos Estados Unidos que nem sequer se alojou na vila olímpica. O Dream team não se alojou na vila olímpica. Ele tinha inclusive seu próprio hotel, e os outros atletas faziam fi la para vê-lo. Bom, esse é um tema que vamos discutir no congresso da Polônia, agora em Cracóvia, ele faz com que o xadrez seja aceito pelos jogos olímpicos de inverno. Estou falando dos jogos olímpicos de 2013. Que possi-bilidade existe de entrar em dois anos? Muito pouco provável, não é? Eu tampouco acredito que entremos em 2013. Talvez em 2015, 2017 ou 2021. Bem, a Federação Internacional de Xadrez tem um ranking onde aparecem os me-lhores jogadores do mundo. Cada país apresenta uma lista de jogadores. Participam de eventos internacionais, são classifi cados, são qualifi cados e então aparece, trimestralmente, um ranking. Ou seja, fazem cortes mensais, também. No ranking atual aparece um jovem chamado Magnus Carlsen. Número um do mundo neste momento. Certamente, não é o campeão mundial. E tem um ranking de 2823 pontos. Primeiro enxadrista do time da Noruega. Essa é uma forma de classifi cação que tem a Federação Internacional de Xadrez. E que é validado, reconhecido e aceito em todo o mundo. Aqui no Brasil, vocês têm um grupo de dez, doze grandes mestres, aproximadamente. E têm mais de 2600 pontos. Gilberto Milos, Giovanni Vescovi, Jaime Sunyé, temos eles hoje, aqui. São grandes jogadores de xadrez, e fi zeram muito pelo desenvolvimento do xadrez local, brasileiro, e americano. Bom, já dis-semos que a FIDE foi fundada em 1924, e até o presente foram realizados 82 congressos, contando o de outubro. Os congressos da FIDE se realizam anualmente. Os congressos mais amplos, de maior participação são aqueles que coincidem com as Olimpíadas de Xadrez. A Olimpíada de Xadrez é na realidade, um torneio de países por equipe. Ou por equipes dos distintos países, tanto masculino como feminino. E não se ajusta exatamente ao conceito de Olimpí-ada. Porque o conceito de Olimpíada é um conceito grego, que tem a ver com um período de quatro anos. Já este torneio por equipes, que originalmente se chamava torneio das nações, se realiza a cada dois anos. E em anos pares. 2008 em Dresden, na Alemanha, 2010 em Khanty-Mansiysk, na Rússia e 2012 vamos ter em Istambul, na Turquia. Esta organização, a Federação Internacional de Xadrez está constituída de uma estrutura baseada principalmente em comissões de trabalho. Uma dessas comissões de trabalho é a Comissão Mundial de Xadrez nas Escolas. Tive a oportunidade de trabalhar para essa comissão no ano de 1990. De ser seu secretário mais ou menos entre 1992 e 2000, e logo se criou uma vice-presidência. E fui presidente em 2000 e saí em 2010. Atualmente trabalho como Conselheiro da Comissão Mundial de Xadrez na Escola, que apresentei, e esta vêm de nosso governo, que apresentou sete propostas às distintas federações nacionais de xadrez. A primei-ra proposta tem a ver com a idéia de um projeto universal, de popularização do jogo de xadrez. Tanto para as escolas, como para as comunidades organizadas. Quero explicar isso rapidamente. Nós que-remos difundir a idéia da necessidade de que cada federação nacional contribua, colabore ou ajude com o início. A arrancada de programas de xadrez a nível municipal, a nível de cidades, e inclusive a nível federal. Todos desejamos ter projetos a nível nacional. Que todos nossos estados ou municípios falem mais ou menos o mesmo idioma. Então, esta é a primeira proposta que estamos fazendo. Mas ocorre que essa proposta, se nós enfocarmos somente o setor escolar, nos obriga de alguma maneira a marginalizar uma grande popula-

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ção de meninos, meninas e adolescentes que não estão dentro do sistema de ensino. E que são muitos. Que por diversas razões inclusive, saíram do sistema de ensino. Então, também fazemos um chamado às distintas federações nacionais, para que através das distintas prefeituras de seus países, promovam o acesso ao xadrez àqueles garotos, garotas e adolescentes que não estão dentro do sistema de ensino. É importante que nos conscientizemos disso. Não só o xadrez escolar, mas também aquelas crianças que por distintas razões, não fazem parte do sistema. Para eles, estamos propondo a promoção, a geração de movimentos internos, dentro das próprias federações nacionais de xadrez. Ou seja, que cada federação nacional de xadrez tenha pelo menos, uma equipe de trabalho chamada Comissão de Xadrez Escolar do Brasil. Comissão de Xadrez Escolar da Argentina. Comissão de Xadrez Escolar da França. Para que nós tenhamos interlocutores. Pessoas com quem possamos nos entender. E vou confessar a vocês uma coisa: é muito difícil que isto se consiga. Jaime Sunyé quando estava falando, faz uma hora e meia, mais ou menos, indicava que, e é exatamente isso, o trabalho das federações nacionais na realidade, está orientado ao alto rendimento. À representação do país em competições internacionais. Em eventos internacionais. À constituição de times do maior nível técnico possível. Mas nesses tempos, sobretudo nos anos 80 para cá, nasceu à idéia em vários lugares do mundo, de que o movimento enxadrístico mais forte, mais poderoso, o movimento enxadrístico que vai dar maiores contribuições à federação internacional de xadrez, não é o movimento do campeão do mundo. Eu me perguntava à noite, e vocês sabem quem é o atual cam-peão do mundo? Eu sei quem é o atual campeão mundial. Mas a grande maioria dos que estamos aqui, por mais fanático que seja provavelmente nem conheçamos quem é o atual campeão do mundo? É o indiano Viswanathan Anand. Mas estamos pe-dindo a essas federações que constituam sua equipe de trabalho, para que se ajudem, para que se constituam unidades estruturais e funcionais, que levem adiante esse movimento. Que, em geral, os federativos não têm nem o tempo, nem a disposição para fazê-lo. Para colaborar com o movimento interno, estamos sugerindo a elaboração, a criação de um programa internacional de capacitação, de atualização, de formação permanente de recursos humanos. Vocês começam, ou já começaram, não sei fazem vários meses ou anos, a realizar esses cursos, seminários, palestras, etc. Isso não termina nunca. A atualização permanente é a moda do século XXI. Fica pendente em tua especialidade, a cursos, a programas curtos, que lhe permitem atualizar-se e colocar-se no mesmo ritmo da sociedade. Nós temos criado algumas propostas, antes do sistema de introdução ao xadrez, que foi um material que eu desenvolvi. E depois do sistema de introdução ao xadrez, existem novos métodos de ensino, novos métodos de atualização, que estão sendo aplicados com êxito em distintos países do mundo, e que vamos ver mais pra frente. Também nos interessa o marco deste movimento de xadrez nas esco-las, em apresentar projetos, apresentar propostas que estimulem a investigação educativa no campo do xadrez. A ciência da biologia deu um salto quântico extraordinário. Começou no século XX, em 1908 e 1910, com as experiências de Thomas Morgan. Aliás, minha formação não é em Educa-ção Física. É em Biologia. Assim sei o que estou dizendo. E se põem a fazer experiências muitointeressantes, que nem a psicologia com a pedagogia no campo de xadrez, e que vocês, certamente, muitos de vocês podem tomá-lo como experiência, ou área de conhecimento para estudo formal a nível de mestrado, e mais pra frente por que não, de doutorado. Trabalhando inclusive com popula-ções muito pequenas. Conhecendo variáveis como atenção, capacidade de concentração, resultado acadêmico, uma grande quantidade de aplicações que se podem fazer ali. Repetir ou responder expe-riências que se realizaram em outras épocas e lugares etc. Também nos interessa o cultivo do talento precoce no xadrez. Particularmente, acho que existem 3 grandes projetos no tema do xadrez. O proje-to ou o modelo de projeto que particularmente eu estou muito pendente é a utilização do xadrez como uma ferramenta, como uma estratégia pedagógica, utilizada e aplicada pelo professor, em sua sala de aula, para o desenvolvimento de habilidades. Especifi camente para o desenvolvimento de habilidades cognitivas. E com um toque recreativo. O xadrez visto como um elemento recreativo que me permite estruturar o tempo livre dos alunos etc. Esse é o primeiro enfoque. O segundo enfoque tem a ver com o xadrez como esporte. A grande maioria dos países do mundo aponta a isso. Aponta à formação de grandes contingentes de enxadristas. Há duas semanas escutei o primeiro ministro da Armênia dizendo que o xadrez a partir deste ano é matéria obrigatória nas escolas da Armênia. A Armênia já ganhou em duas ou três oportunidades a Olimpíada de Xadrez.

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E têm times poderosíssimos, tanto no masculino como no feminino. E apenas com 3 milhões de ha-bitantes. Armênia tem vários campeões do mundo individual. Principalmente no absoluto. O grande Tigran Petrossian em 1963 - 1969. E, aliás, seu primeiro ministro nos diz agora, o xadrez será matéria obrigatória, porque queremos ser a maior potência enxadrística do mundo. Sobre a China, o Japão, a Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos. Então, esse não é o objetivo de desenvolver habilidades, aplicações pedagógicas nem nada. Isso é formar um contingente de gladiadores em xadrez, que pres-tigiem a Armênia como país. E sua riquíssima tradição enxadrística. E o terceiro grupo ou o terceiro enfoque que se dá neste tipo de experiência, digamos que seja um enfoque misto onde, por um lado, você está desenvolvendo habilidades. E por outro, está pendente de quais são os garotos ou garotas que começam a se destacar nos torneios internos, interescolares, etc. Ali começa a nascer o talento esportivo. Ali começam essas crianças que a partir de uma atitude, uma conduta e uma vocação para o jogo, começam a diferenciar-se, qualitativa e quantitativamente do entorno. Então podemos considerar que ali começa a brotar o talento para o xadrez. E geralmente, em idades bem novas igual à matemática e na música, que são as três áreas do conhecimento humano onde o talento precoce pode se verifi car, em idades novas, entre os 4 5 6 e 7 anos, mais ou menos. Então, sugerimos que esse talento precoce não se pode ofuscar, ao contrário nos leva a estabelecer relações com os distintos clubes, associações ou federações de xadrez locais ou com a federação de xadrez nacional, que permita aos experts, tomar este indivíduo, avaliá-lo, pô-lo a jogar. E verifi car se, efetivamente tem as condições e sua família lhe apóia em sua participação como um enxadrista com condições para o auto-rendimento. E se é assim, então começaram para esse garoto ou garota, um trabalho muito duro, muito árduo, nesse comprido e tortuoso caminho que é o conhecimento enxadrís-tico e sua aplicação em provas ou competições de alto nível técnico. Então estar atento à promoção do talento enxadrístico, em idades bem baixas é parte de nossas obrigações. Dos que estamos tra-balhando com o xadrez nas escolas, com os que estamos trabalhando com o xadrez nos bairros, nos povoados, nas favelas, na zona rural e indígena, é parte de nossa atividade diária. Também devemos reconhecer a contribuição dada por instituições, por personalidades, por investigadores, por enxadris-tas ao desenvolvimento do programa de xadrez escolar. Lamentavelmente, Jaime, Giovani, vocês não estavam aqui quando minhas primeiras pala-vras foram de agradecimento para o prefeito, o secretário de educação e para vocês, no caso par-ticular de Jaime, por estar mais de 30 anos sobre o projeto de xadrez no Paraná. Por estar pro-movendo o xadrez aqui no Brasil e por representar tão dignamente o xadrez mundial. Esse é o tipo de pessoa, de organizações de elementos representativos de nossa sociedade, aos quais devemos reconhecer para estimulá-los e a outros, para juntarem-se a esse tipo de atividade. E também, o mais difícil disso tudo é fazer que se abram vias fi nanceiras, que deem recursos eco-nômicos, ambientes, infra-estrutura, para que este tipo de propostas e para que este tipo de re-conhecimento se possa desenvolver. Agora, quero falar sobre uma breve e simples história dos congressos FIDE mais importantes ou dos congressos de educação escolar mais importantes ou famosos dos últimos 2, 3 anos mais ou menos. O ensino do xadrez na Rússia e no resto do mundo. Em Moscou verifi quei algo que suspeitava ou que tinha certa informação. Já havia dado pales-tras em duas oportunidades, mas foi neste congresso, onde estão os experts russos, que tive confi r-mado. É que a Rússia não tem um programa nacional de xadrez nas escolas. Não tem. Efetivamente faz um mês, mais ou menos, o presidente da FIDE se reuniu com o presidente de um partido político da Rússia. Partido Liberal Democrático da Rússia, um indivíduo que foi ministro. Em determinado momento, esteve em fi nanças, etc. e que é um apaixonado pelo xadrez e membro do clube russo. O clube de Moscou, que é um dos mais fortes da ex-União Soviética e que está propondo linhas de ação que permitam ao governo incorporar o xadrez nas escolas. Um governo onde há Vladimir Putin, vice-presidente da Rússia e que não conseguiu incorporar o xadrez nas escolas russas. Mas o que acontece com a Rússia? Bom, com a Rússia, o que acontece é que tem uma grande tradição enxadrística. De mais de 5, 6 séculos, aproximadamente. As próprias condições geográfi cas o frio tremendo, o fato de estar sempre embaixo do teto, o estudo, e que grandes políticos como Lenin, Trotski, os líderes do movimento bolchevique de 1914, 15, todos jogaram o xadrez. Isso fez com que o xadrez começasse a multiplicar-se nas indústrias, nas fábricas, no exército, em algumas escolas e universidades. Unido à grande tradição e à utilização do xadrez como grande tela do movimento comunista, onde a posição dos bolcheviques era que o xadrez demonstrava que o ser soviético era

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superior ao resto dos indivíduos. E isso foi provavelmente, uma política do estado. Mas que nunca chegou à escola. Na escola, o que haviam eram alguns clubes, ou alguns círculos esportivos, onde um dos esportes que se praticavam e que se praticava com muita força era, precisamente, o xadrez. Eles têm outro sistema de difusão do xadrez. De promover o jogo de xadrez através dos clu-bes, através da liga, que são muito, mas muito fortes. Com treinadores com uma grande experiência, inclusive de ter participado ou ter sido candidato ao campeonato do mundo. Pessoas que geraram seu próprio grupo de trabalho. Sua própria linha de investigação. Além do mais, é uma população que ultrapassa os 300 milhões de habitantes. Todos esses elementos fazem da Rússia um caso muito especial nesse tema das grandes escolas. Agora, têm especialistas, por exemplo, Igor Zukin é para mim o maior valor que tem o programa de xadrez nas escolas de xadrez na Rússia. Aliás, sendo um nome do Ministério da Educação, todavia o governo não decidiu que o xadrez ingresse ofi cialmente nas escolas. E uma das coisas que me diziam e ainda que nos pareça contraditório: “É que não temos professores sufi cientes para o curso de xadrez.” E voltamos ao ponto inicial. Nenhum projeto que não tenha apoio político vai pra frente. Mas nenhum projeto de xadrez que não tenha um professor capa-citado, dá o passo seguinte. Se não estamos capacitados e atualizados, não vamos dar esse passo. Ou seja, temos que tomar consciência de que para que nosso projeto vá adiante, necessitamos certa-mente, da formação, capacitação e atualização permanentes. Nesse congresso, fi zemos várias reco-mendações. Por exemplo, que o presidente da FIDE apóie a criação de iniciativas relacionadas com a incorporação do xadrez como disciplina nas escolas. Muitos experts ou muitos dirigentes querem que seja obrigatória. Em geral, minha posição e creio que a divido com Jaime há mais de 20 anos, é que o xadrez não deve ir como matéria obrigatória, mas sim como uma matéria optativa, extracurricular, que esteja no currículo, mas cuja participação não é obrigatória. Que seja voluntário. Esse é um ponto de vista eminentemente pessoal. Enquanto a outras recomendações à FIDE, realizada no ano de 2010, como marco dessa olimpíada, um congresso relativo a esse tema. Não se realizou um congresso propria-mente dito. Mas que pudemos organizar na apresentação da memória, de 2006 a 2010, e isso nos tomou quase 4 horas de trabalho. Organizamos uma ampla discussão sobre os interesses que estão surgindo agora, nas distintas federações nacionais de xadrez, com respeito à promoção do xadrez escolar. Também se deram várias recomendações ao governo russo. A primeira recomendação é para mudar a classifi cação estatal com um novo título chamado professor de xadrez, em primeiro grau. Este não é um problema da Rússia. Nem do Brasil. Nem da Venezuela. Entretanto, no ano passado, tivemos uma discussão muito calorosa com a comissão de xadrez escolar da FIDE. Isso foi muito duro. Interrompi duas vezes a assembléia em duas oportunidades, porque a comissão de treinadores quer gerar títulos para o xadrez escolar. Quando nós não temos nada a ver com o treinamento. Somos uma organização, uma equipe de trabalho independente e queremos gerar nossos próprios títulos. Tínhamos falado em 1996, 97, em um trabalho que fi zemos junto com Jaime Sunyé, do título de ins-trutor FIDE. Lembro-me que em 1997, na Moldávia, quando fui atrás desse congresso, o de 1997 eu recebo o primeiro título de instrutor FIDE. Esse foi o primeiro e último. Porque imediatamente, viram o potencial que tinha o que inventaram. Vocês sabem que normalmente, em um ano, se podem dar 25, 20 títulos de grande mestre internacional. Mas se são mestres, podemos dar dezenas de milhares de títulos. A todas as pessoas que durante muitos anos, trabalharam em favor do xadrez escolar. Come-ram de seu trabalho nos clubes de xadrez, nas escolas, nos liceus, nas universidades, no politécnico. É preciso acreditar, e é preciso reconhecer nossos professores com títulos nacionais, e com a possi-bilidade de títulos internacionais. Bom, passei dois comunicados este ano para que se defi na no congresso de Cracóvia, que títulos vamos ter. Depois que eliminei o título de instrutor FIDE, propusemos o título de “FIDE Teacher”. O professor de xadrez. É um título que é acessível à maioria dos países. E se temos o “FIDE Tea-cher”, vamos ver o que ocorre na Polônia, nessa discussão que vamos ter com a Comissão mais as pessoas do Comitê Executivo da FIDE. Para o Ministério de Educação e Ciência Russa, considerar a possibilidade de incorporar o xadrez como disciplina. Como instrumento de modernização do sistema educativo russo. Para permitir que o xadrez seja objeto de estudo na escola russa. Então, estas são propostas que fi zemos no ano 2009, e que ratifi camos no congresso do ano passado, 2010. Bom, es-tão aqui para que o Ministério da Educação, para que o Ministério da Ciência, para que a Federação Russa tome consciência sobre a necessidade de formar professores de xadrez para as escolas, sobre a base da ampliação de um sistema educativo à distância.

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E a segunda recomendação é pedir às autoridades executivas da região, que se interessem pela criação de um sistema de ensino e que seja debatido seu desenvolvimento durante o ano de 2009, 2010, realizando conferências regionais de xadrez na educação. Certamente, eu havia sido convidado para um congresso um mês depois, e ao fi nal, não aconteceu, porque a temperatura es-tava em 38 graus negativos. Acreditava-se que iriam uns 800, 900 professores. Mas eles mesmos metade da Sibéria decidiram suspender o evento. Bom, este outro evento se realizou em Torino, na Itália. A Conferência Mundial sobre o Xadrez na Escola, onde se enfoca o xadrez como uma atividade de caráter intelectual, para o crescimento dos indivíduos, desenvolvimento da personalidade, etc. Se estabeleceram aí quatro grandes grupos. Três temas fundamentais: o xadrez para desenvolvimento da personalidade; o xadrez para desenvolvimento das capacidades cognitivas; e encerrando a gran-de escola, uma comparação entre métodos e experiências. E ao fi nal, as conclusões. Temos aqui algumas das conclusões mais importantes, algumas delas, polêmicas. Por exemplo, nós tivemos que coordenar o grupo de cientistas especialistas na área de psicologia cognitiva. Era um grupo de sete cognitivistas que estavam ali. Uma das minhas áreas de interesse pessoal é a psicologia cognitiva. Senti-me muito bem com o seguro pelo trabalho. Mas são investigadores puros. Mas não comprome-tem suas opiniões sobre o mesmo. A opinião que eles emitem com respeito ao xadrez é uma opinião que passa primeiro, pela experiência científi ca. A primeira conclusão diz: O conhecimento da percep-ção é muito importante para o desenvolvimento dos níveis de competência do indivíduo. O segundo: O nível em xadrez depende tanto do talento como da prática. E a terceira: A investigação científi ca pode prover de informação útil, acerca de como desenvol-ver métodos de treinamento. O estudo da prática sistemática do xadrez estimula o desenvolvimento de habilidades cognitivas, como memória, atenção, etc. E a quarta diz: Os resultados obtidos na inves-tigação científi ca ainda não são conclusivos que o xadrez possa desenvolver maiores níveis em áreas como a linguagem, a matemática, e a tomada de decisões. Quando se falou sobre a relação entre o xadrez e a inteligência, os cognitivistas disseram: “não pudemos estabelecer nenhuma conclusão que o estudo e a prática do xadrez façam as pessoas mais inteligentes, a quem faz a quem pratica e as inteligências que agora conhecemos. Evidentemente, o estudo e a prática sistemática do xadrez de-senvolvem uma inteligência muito especial para jogar o xadrez. Mas não pudemos demonstrar que o xadrez infl ua o desenvolvimento disso, que nós chamamos de inteligência, de maneira decisiva. E não podemos demonstrar porque ainda não se desenvolveu o que eles consideram que é a experiência perfeita, onde se podem controlar todas as variáveis. Há uma ética, vamos dizer bioética, neste tipo de experiência. Estamos trabalhando com meninos e meninas novos. Essas crianças existem variáveis que não podemos controlar. Por exemplo, se nós temos um programa de xadrez escolar desse grupo de crianças, e em paralelo, estamos observando essas crianças que são o meu grupo de controle, e eu não posso proibi-los que vejam televisão, que entrem na internet, não posso proibir que eles joguem com outros amigos, etc. Não posso evitar que eles se interessem, em algum momento ou seus profes-sores, ou o diretor, que são objeto de uma investigação científi ca. Porque todas essas são variáveis que modifi cam estatisticamente falando, uma determinada experiência. Essa experiência jamais vai acontecer. Nós, o que sabemos com base na informação dada pelos professores a informação dada pelos pais, é que em geral, as crianças melhoram, ou tendem a melhorar ou otimizar seu trabalho na área científi ca, na área da linguagem, a língua materna, etc. Tendem a serem crianças mais atentas, que focalizam melhor a atenção sobre um ponto, ou seja, têm maior capacidade de concentração, tendem a resolver problemas com mais velocidade e com maior precisão do que as crianças que não participam desses cursos de xadrez. E existe uma fama, eu diria bem merecida, de que os enxadristas, os que jogam o xadrez, gos-tam da leitura, são “esquisitos”, “boêmios”... dizem que a maioria são boêmios, exceto algumas raras exceções. São gente boêmia, e bom, a sociedade os vê como uma coisa um pouco estranhas. Mas muito inteligentes. Bom, do ponto de vista científi co, como disse Vilar em sua posição, como disse o doutor Ítalo, como disse Jaime, e como confi rmo eu, estritamente falando do ponto de vista científi co não há, mas existem certas evidências que nos permitem considerar que sim, que eu tenho a oportu-nidade que meu fi lho ingresse em um curso de xadrez, e seguramente, eu estarei lhe dando melhores oportunidades para o desenvolvimento de certas habilidades intelectuais, que outros jogos não me facilitam. Em novembro de 2010, a Universidade Nacional Autônoma do México organizou um evento muito grande, muito amplo, que tinha, além das conferências do xadrez de educação, tinha conferên-

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cias com treinadores, com pessoas que fazem coleção, compram e vendem peças. São coletores de coisas. Objetos, de livros, qualquer coisa. Queriam comprar esta gravata que uso hoje. Esta gravata de xadrez, e é de 1993, Curitiba. Um colombiano me vendeu. A bom preço, diga-se de passagem. Desde então, sempre a utilizo em conferências educacionais. Estamos na Universidade Autônoma do México, onde aconteceu um torneio nacional aberto, com mais de 1500 participantes. Foi uma grande festa do xadrez. Ao fi nal, nós propusemos o que se chamou a Declaração do México. Celebrada no centenário, aniversário da Universidade Autônoma do México, que é a maior do país e da Ibero Amé-rica. Nos informaram que ela tinha mais de 300 mil estudantes. E, em geral é gente muito voltada às artes, para este tipo de propostas. Então, eu solicitei o reconhecimento do xadrez como patrimônio cultural intangível da humanidade. Dezessete anos depois, no congresso da FIDE, a Assembléia Geral, por unanimidade, votou a favor do reconhecimento. Votou a favor de que nos estatutos da FIDE, no livro de bolso da FIDE, de agora em diante, a partir da próxima modifi cação das leis, entre um ou dois anos, o xadrez apareça como um valor universal, intangível, compartilhado por todos os seres humanos. E para este congres-so, nós propomos que a FIDE, defi nitivamente, organize o time de trabalho que vai apresentar para a UNESCO esta proposta. Porque para algo ser considerado patrimônio cultural intangível, ou seja, que não é físico, como um rio, uma montanha, um lago, uma pirâmide, mas que é um idioma, música, tradição oral, uma dança, como por exemplo, o fl amenco ou o tango, que já são reconhecidos como patrimônio cultural intangível da humanidade, um país tem que apresentá-lo. E neste caso especia-líssimo, estamos pedindo ao time que governa a FIDE, que faça a representação para a UNESCO, para ver se a UNESCO reconhece, pela primeira vez, por uma via especial, o nosso amado jogo de xadrez. Também pedimos que se instituísse a disciplina de xadrez no currículo do sistema educativo dos Estados mexicanos. Em nossa apresentação, propusemos um projeto chamado Projeto Estratégico Nacional de Xa-drez dos Estados Mexicano. Esse projeto foi bem recebido. Está nas mãos das autoridades educativas da Secretaria de Educação daquele país e certamente, está caminhando o trajeto necessário entre as distintas partes. Além disso, neste momento, o México está entrando em um processo eleitoral, e não será até o próximo ano, que saberemos o que se passa ou não com esse projeto. Aos responsáveis por cada secretaria, porque sempre apontamos para três setores, que achamos que deve unir-se com todas as difi culdades burocráticas que se nos apresentaram: educação, cultura e esportes. São três manifestações que se dão no xadrez. Liderar a construção de uma proposta mais ampla. Nós dizemos a apresentação de uma proposta, mas que sejam eles mesmos, os mexicanos, a burocracia mexica-na, que se encarreguem de desenvolver essa proposta. E as autoridades universitárias, as autorida-des políticas que assumam. Pedimos-lhe que assumam. Um rol mais positivo no desenvolvimento deste tipo de atividades, e na organização dos dife-rentes encontros dos atores fundamentais deste tipo de projeto. Agora, por que a Comissão Mundial de Xadrez faz esse tipo de projeto? Bom, basicamente, por dez razões. A primeira razão é que o xadrez tem uma base matemática. Isso já discutimos em distintos seminários. Há uma base matemá-tica. O xadrez não é matemática. O xadrez não é ciência, não é nada disso. Eu acredito que se fosse xadrez ou se fosse ciência fosse mais aborrecido do que é atualmente. Não é tem elementos da ma-temática, e tem aplicações de alguns campos da ciência. Mas o importante disso é que a matemática é a linguagem da tecnologia. A matemática é a linguagem da ciência. Porque desenvolve o sentido ético. Um desenvolvimento bem centrado, etc. Porque estimula o desenvolvimento da criatividade. Existem informações científi cas a respeito. Porque desenvolve o senso crítico. Um dos três elemen-tos é o pensamento complexo lógico, matemático, criativo, que já vimos, e o senso crítico. Porque facilita o estabelecimento de um campo a outro, quando você gira experiência ou leva experiência de um lugar a outro, está estabelecendo transferência. Nem todas as transferências que nós esperamos aconteceram no xadrez escolar efetivamente. Nem sempre funciona. Mas as poucas que aconteceram foram de sucesso. Porque nos facilitam, sobretudo aos professores de história, lhes facilita o manejo de momentos ou de estudos ou de aspectos que têm a ver com a história. Os grandes homens, as grandes capitais, presidentes, cientistas, mulheres importantes da história que jogaram xadrez. E que de alguma maneira, lhes serviu para estruturar seu tempo livre, para repousar, para pensar ou para desenvolver habilidades como a observação, por exemplo, em seu campo particular. Porque pode ser aplicado com sucesso como esporte complementar em distintas especialidades. No futebol, no bei-sebol, no atletismo. Dá um sentido tático e estratégico ao indivíduo, lhe permitindo ter uma visão um

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pouco mais ampla de seu próprio esporte. Porque produz prazer em seu praticante. Um esporte tem que produzir prazer. Por mais árduo que seja o treinamento, a prática em si deve produzir prazer. Estar ali, exercitando-se com um uniforme ou defendendo uma cor determinada. E porque não, é uma atividade que discrimina o sexo. Não discrimina entre homens e mulheres. Agora o que vou dizer é o seguinte: é menor o número de meninas que ingressam no xadrez de alto rendi-mento que o de meninos. O de meninos é sempre maior. Por várias razões. Bem, com base no que foi dito anteriormente, podemos afi rmar que o potencial desenvolvido com o xadrez é um excelente recurso para a humanidade. Há outra pergunta: quais são os propósitos do xadrez? Bom, com base em porque o xadrez é uma escola, podemos dizer, por seu alto conteúdo lúdico, que tem a ver com a área recreativa, tem a ver com a área esportiva, nos permite utilizar à escola como um canteiro de formação de jogadores, a na área intelectual. Já falamos sobre isso. Porque está associado ao desen-volvimento de uma série de processos de caráter cognitivo, a área cultural, porque permite conhecer a evolução histórica, distribuição geográfi ca, etc., a nível mundial a área ética já disse que é um jogo bem regrado, que permite estabelecer transferências, como por exemplo, as normas das regras dos padrões de conduta a nível social. A área estética. O xadrez tem sua própria beleza. A beleza do xadrez que diferente de outras belezas, como a pintura, a música, etc., você deve conhecer de xadrez para poder interpretá-la adequadamente. Na área instrumental, já falamos das transferências que podem estabelecer de um campo a outro. Na área emocional, sua prática gera sensações e dentro dessas sensações, temos sensações que podemos chamar positivas, sensações negativas. O importante é que o garoto ou a garota, desde as idades mais novas, começa a controlar, por exemplo, essas sensações negativas e inclusive a ex-pressão de sensações positivas, como a alegria. No xadrez, normalmente, quando um menino ganha, não pula, não grita, nem nada, mas pelo menos se controla até chegar onde estão seus pais. Porque deve respeitar o silêncio como um direito comum dentro do salão de jogos onde se encontra. A área preventiva foi usada em campanhas antidrogas, e outras campanhas em distintos lugares do mundo, com relativo êxito, e na área da saúde social, um indivíduo que esteja intelectualmente bem, que sua personalidade seja harmônica, que tenha desenvolvido habilidades, que emocionalmente seja um indivíduo estável, não é uma carga para a sociedade. Ao contrário, é um indivíduo positivo, que pode servir de modelo para o resto ou o entorno de onde se encontra. Bom, aqui, no seminário de xadrez nas escolas de São Paulo, temos a apresentação de algu-mas experiências recentes. Por exemplo, na Moldávia, se incorporou o xadrez na escola há um ano aproximadamente. Quem a incorporou foi seu presidente e lamentavelmente ele faleceu aos dois meses. Na Suécia também está acontecendo uma experiência interessante, chamada Chess Qua-tro. Também no Laos começou a se desenvolver o xadrez na escola a partir de setembro de 2010. No Líbano, a partir deste ano dentro de 28 dias, começa o projeto O Xadrez na Escola. No Haiti, um país que foi devastado pelo terremoto, pela cólera, etc., os professores estão se organizando para desenvolver programas escolarizados. Nas Bahamas, também esta iniciando cursos de formação dos primeiros professores de xadrez que começam suas atividades apenas no próximo ano. Irã como se pode dizer esta à origem do xadrez, vindo do século IX, está com um programa de xadrez em conjunto com o Ministério da Educação, e o Ministério dos Esportes. Na China, em que se deu o processo no ano de 1956, quando o xadrez chinês foi reconhecido pelo Ministério dos Esportes daquele país. Em 1957 tinham seu primeiro torneio nacional e em 1958, seu primeiro torneio internacional. E no ano de 1991, a primeira campeã do mundo. E já para 2011, começa em uma das províncias um programa massivo de xadrez, com a incorporação de quase 5 mil escolas. Bom, já lhes falei sobre a Armênia que com três milhões de habitantes, querem ser agora potência mundial, também no xadrez escolar e essa é a terra do grande Tigran Petrossian. A aplicação do programa de inovação educativa como o xadrez na escola facilitam a estimulação e o desenvolvimento da habilidade de processar pensamen-tos. Gracias!

[Mestre de Cerimônia:]

Muito obrigada ao doutor Uvêncio Blanco pela palestra, pela grande aula que tivemos aqui, ainda pudemos passear um pouquinho pelo mundo e pelo mundo do xadrez. Aos outros palestrantesaqui presentes que estiveram tanto ontem como hoje ao grande mestre Jaime Sunyé Neto, ao profes-sor doutor Antônio Villar Marques de Sá, presente o tempo todo.

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Gostaria também de agradecer aqui a presença do senhor Jefferson Pelikian, que é mestre internacional considerado o melhor treinador do país e à presença, é claro, do nosso grande campeão brasileiro, Grande Mestre Giovanni Vescovi. Muito obrigado pela sua presença aqui no Primeiro Semi-nário de Xadrez Escolar da Secretaria Municipal de Educação.

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[Pergunta:] “Quantas horas por dia, entre estudo e treino necessita um aprendiz para que ele se torne um grande mestre internacional? Quanto tempo de estudo para obter apenas o desenvolvimento cognitivo do aluno?”

[Resposta:] Quanto à primeira parte da pergunta, não creio que haja uma medida confi ável. Porque isso depende de muitos fatores. Um dos fatores é o estilo cognitivo do aluno. Outro dos fatores, sua experi-ência prévia com respeito a este tipo de situações. Por exemplo, um jogador de qualquer outro esporte intelectual que está entrando no estudo e na prática de xadrez, tem certa vantagem que outro não tem. Também depende do programa que o professor utiliza. O programa que vamos usar aqui em São Paulo, não está orientado à formação de grandes jogadores de xadrez. Tem a ver mais com o tema de desenvolvimentos, o xadrez como uma atividade lúdica, etc. Existe um livro de um investigador inglês que fala a respeito daquela esperteza em determi-nados esportes, como o golfe, o futebol, o xadrez, ou na música, na execução do violino, do piano, etc., existem mais de dez mil horas de treino. Dez mil horas de trabalho organizado com um método, um sistema aprovado, com apoio institucional, com conhecimento e apoio dos pais e com o talento à criança. Então é muito difícil estabelecer isso. O que é certo é que a partir dos anos 80, 90 para cá o título de grande mestre está sendo obtido em idades cada vez mais novas. Nos bons velhos tempos dos anos 40, 50, 60, os títulos estão por volta de 27, 30 anos. E agora, temos grandes mestres de 13, 14, 15 e 16 anos. Muito difícil estabelecer isso. E no caso do desenvolvimento de habilidades na clas-se durante a aula, há experiências, por exemplo, como o de Frank, no Zaire - África, que estabeleceu que aos dois anos de estudo e prática sistemática do xadrez, o grupo experimental permitiu refl etir, es-tatisticamente falando sempre estatisticamente falando, que a maioria de seus componentes tinham, como média, qualifi cações nas áreas numérica e verbal, superior à dos garotos do grupo controle dos que participaram da experiência. Há outras experiências que falam de 5, 6, 7 meses. Já se pode começar a notar certa diferença, estatisticamente, comparáveis entre o grupo experimental de controle, a favor do grupo experimental. Não há acordo nesse sentido. Você começa seu programa de alfabetização enxadrística dá a orien-tação psicológica que interessa ao estado, que interessa ao município em um momento determinado, com professores bem formados e pode fazer as avaliações posteriores, a partir do sexto mês, diria eu. Ou a partir do ano. E isto sujeito é claro, às grandes variações têm nossas crianças, hoje em dia. [Pergunta:]

“Quais as recomendações da FIDE para o Brasil? Quais os caminhos para a formação de professores de xadrez?”

[Resposta:]

A verdade é que não sei qual é a recomendação da FIDE para o Brasil. Mas tivemos sor-te em trabalhar aqui no Brasil, nos anos de 92 e 93 aproximadamente, de ver o desenvolvimentolocal de alguns projetos, como o FUNDEPAR, em Curitiba, no Paraná. Temos visto algumasexperiências muito pontuais e pequenas em outros locais do Brasil. Algo no Rio de Janeiro, etc. Como representante da Comissão de Xadrez na Escola, falei com dois dos Ministros em várias oportunidades. Com Agnelo Queirós tínhamos falado sobre a possibilidade de apresentar um projeto global, para todo o país. E que nos distintos estados da federação se fi zessem aplicações ou adapta-ções específi cas. Falei com Orlando Silva porque fomos colegas quando Orlando Silva era diretor de

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esportes, aqui no Brasil. Há que se ter uma proposta formal, com uma equipe multidisciplinar, que se sente com o Ministro da Educação, o Ministro do Esporte, para ver se chegam a um acordo. Porque senão, São Paulo por um lado, Curitiba pelo outro, e aquele outro por outro lado, e vai ser difícil a in-tegração das distintas experiências. Provavelmente, se somem outras cidades no futuro e outras estão fazendo algumas experiên-cias por lá, como no Espírito Santo em número bastante reduzido, mas uma experiência interessante. Pode ser que estejamos repetindo os erros do outro companheiro. Meu chamado é que as organiza-ções que têm a ver com o xadrez, em particular o xadrez escolar aqui no Brasil, se sentem negociem e cheguem a um acordo para trabalhar a nível nacional, com um projeto mais ou menos comum, mais ou menos consensual. Porque existem milhões de crianças necessitadas de uma intervenção cognitiva importante, como a que pode facilitar o xadrez.

[Pergunta:]

“Matemática, xadrez e informática são primos?”

[Resposta:]

Provavelmente são primos. Ou primas. Não sei. Existem pontos de encontro. A informática utilizou o xadrez para uma grande quantidade de experiências. Isso sabemos. De fato, o xadrez cres-ceu nos últimos 30 anos em grande parte devido ao investimento da informática, da computação e claro, da internet, ao desenvolvimento de um novo programa, novas visões do xadrez. Existem programas de treinamento quase que sem o uso de um tutor presente, à distância, etc., que há 30, 40 anos nem podia se sonhar. Há 30, 40 anos, os grandes mestres de xa-drez andavam com uma grande mala de livros e se ela se perdesse? Agora não. Agora com umcomputador e vários programas de informática podem resolver boa parte de seus programas.A matemática sempre vai estar presente ali, de uma ou outra maneira, mas na realidade o jogo de xadrez não é um jogo matemático. A fase fi nal, é o que eu diria, por sua precisão, é a que mais se aproxima do conceito de matemática clássica. Mas sim, podem ser primos.

[Pergunta:]

“Na Armênia, a introdução obrigatória de xadrez na educação abrange também aedu-cação infantil? Lá, já existem livros ou apostilas didáticas para o ensino do xadrez?”

[Resposta:]

Sim. A Armênia tem uma população muito pequena. Tradicionalmente em guerra com países vizinhos, como Turquia por exemplo. Mas que foram se preparando nesse meio tão hostil e com tantas limitações de recursos naturais, etc. Principalmente à Itália, à França, à Espanha e até os Estados Unidos tem uma tradição enxadrística riquíssima, como muitos poucos países têm. Têm campeões mundiais. Repito. Petrossian é em boa parte, produto da escola soviética, mas em particular, da tradi-ção que os próprios armênios tinham ali. E desenvolveram e adotaram alguns programas de formação enxadrística de outros países, principalmente da Rússia. Então, acredito que essa decisão do governo armênio como matéria obrigatória é uma experiência que temos que ver, mas que seguramente, vai consolidar a Armênia como uma das maiores potências do xadrez de todos os tempos. E de uma ma-neira bastante longa.

[Pergunta:]

“Qual país o xadrez é mais praticado?”

[Resposta:]

Diria que é na Rússia, Alemanha e agora China, e a Índia, que incorporou um contingente de jogadores bastante amplo. Na América estão Cuba, Estados Unidos, Brasil, Argentina, Colômbia e alguma coisa na Venezuela.

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[Pergunta:]

“Por meio da disseminação ampla do xadrez nas escolas e todos os aspectos que envolvem esse jogo, esporte, a FIDE espera que o xadrez passe a integrar, defi nitiva-mente os jogos olímpicos de verão?”

[Resposta:]

Sim. E acredito que seja um enfoque equivocado. Vinha se manejando a incorporação do xadrez aos jogos de verão, até que mais recentemente, conseguimos não impor, mas chegar a um acordo, sobre a possibilidade de o xadrez sair nos jogos de inverno. Porque o xadrez não tem e não precisa de uma quadra, não necessita de uma pista nem nada, senão um salão fechado como esse auditório para que dez ou vinte equipes se enfrentem entre elas. O problema que estamos vendo quanto ao comitê olímpico internacional nas últimas três ou quatro olimpíadas, é que primeiro sofreu um gigantismo extraordinário tanto é assim que estão incorporando vários esportes, como o beisebol, o softbol e outros para incorporar outros com menor número de indivíduos nas provas. E o outro tema é que os jogos olímpicos, do ponto de vista econômico são caríssimos. Difícil de manter, além dos 15 dias que dura o evento ofi cialmente. Então, eu acredito que tenha sido uma idéia interessante explorar outras alternativas, já não dentro dos jogos de verão e sim dos jogos de inverno. E provavelmente, haverá um espaço ali, com determinadas condições para que o xadrez participe. De fato, uma das condições que eles estabeleceram a partir de 1999, quando o comitê olímpi-co internacional reconhece a FIDE como organização representante do xadrez, é que o xadrez tinha que fazer o exame antidoping. E o xadrez está fazendo o exame antidoping. Eu apresentei para este congresso, uma solicitação à FIDE. Onde eu pergunto: “Existe a dopagem no xadrez?” Se existe a dopagem no xadrez digam-me quais são as substâncias que eu devo procurar. Que eu devo buscar, para ver se alguém é ou não é positivo. Mas se não existe a dopagem no xadrez, diga que não existe a dopagem no xadrez. Claro. No ano de 2003, estivemos reunidos em Copenhagen, Dinamarca fa-lando do segundo congresso mundial antidoping. Nesse congresso mundial antidoping, a Dinamarca aprovou o código antidoping. Esse código foi assinado quase que por 100% dos países e federações nacionais esportivas do mundo. Quase que por 100%. Mais alguns anos e 100% teriam assinado isso. Nesse congresso se estabeleceu que doping já não era uma substância para ter vantagem no espor-te. Mas sim, a violação a qualquer artigo do código. A qualquer artigo e ele esteja positivo. E há duas listas. Uma lista geral, onde está o álcool, o cigarro, a cafeína, a cocaína etc., que estão proibidas. Essas drogas, longe de melhorar o rendimento, muito pelo contrário, pioram o rendimento. E existem as drogas específi cas para basquetebol, beisebol, natação, halterofi lismo, boxe etc. O xadrez não tem nenhuma droga específi ca, todavia. Porque as pessoas permanentemente dizem, “se eu tomo essa substância, sou melhor enxadrista?” Eu lhe digo, certamente não. Porque você tem que ter vantagens em uma competição. Vantagens que sejam estatisticamente signifi cativas. Porque o xadrez não é um esporte de força, de potência, ou de velocidade. Mas sim, um esporte intelectual. Se o xadrez não é considerado um esporte sexista, por que nos principais torneios profi ssionais e amadores, são sepa-radas as categorias absoluto e feminino? Nos velhos tempos, se trabalhava com torneio feminino e torneio masculino. O conceito “masculino” desapareceu. E foi substituído pelo absoluto, para permitir a entrada de algumas mulheres muito fortes ao xadrez de maior nível. Não necessitam, não é recrimi-natório nem nada pelo estilo. De fato, o maior número de torneios que se jogam são torneios abertos, onde podem participar garotas, garotos, adolescentes, senhoras, senhores, anciãos, etc., etc., e não há nenhum tipo de inconveniente. Não existe discriminação sexual no xadrez. Somente existe uma regra. É proibido falar. Isso é tudo. Mas a categoria absoluto abre a porta para que possam participar do evento conosco. [Pergunta:]

“Como é a relação do governo venezuelano, com a prática do xadrez? Mais propriamente o senhor Hugo Chavez?”

[Resposta:]

Essa é a pergunta mais difícil que fi zeram em toda minha vida. Quem fez? Conheci Hugo Chá-vez em 93. Por quê? Porque um membro da minha equipe da federação era advogado e conhecia a

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Chávez. Então, estando preso no quartel São Carlos, organizaram várias atividades esportivas e me chamaram para que eu desse uma simultânea de xadrez. Havia 8 ou 10 comandantes golpistas ali. Entre eles, estava Chávez, e eu realizei minha simultânea. O único que não se sentou para jogar foi Chávez. Não jogou a simultânea. Aliás, anos depois eu não pertencendo ao partido de Hugo Chávez, porque não pertenço eu juro nos convocou para uma reunião de trabalho, onde se buscava fortalecer o setor federativo, com o comitê olímpico, que sempre existem diferenças e o esporte governamental. E eu fui eleito diretor geral do instituto de esportes. Isso me permitiu, em alguns momentos e circunstân-cias, entrar em contato direto com o presidente Hugo Chávez. E para minha surpresa, depois de passar muitos anos apresentando o projeto Xadrez para as Escolas, imediatamente lhe pareceu interessante: “Isto é interessante!” Dei uma explicação a ele e ao Ministro da Educação. O Ministro da Educação estava muito pendente para o Xadrez nas Escolas. Ele disse: “Sim. Aprovado.” Isso foi em janeiro de 2003. E esse projeto durou de 2004 a 2009, e depois caiu muito, porque aconteceram as trocas de ministro que estavam interessados em outras coisas, tanto na educação como nos esportes. Aí, trocam os ministros como se fosse uma partida de futebol. A cada cinco minutos, há uma troca. E o que entra me informa e começa a puxar o sócio para frente. Não há essa estabilidade que vocês têm aqui no Brasil. Bom, agora volto de ter uma reunião com o novo Ministro de Esportes, para ver a possibilidade de se retomar, com um melhor enfoque, com mais força, o projeto Xadrez na Escola. Mas então vou dizer que Chávez não é uma pessoa que gosta dos jogos de caráter intelectual. Porque não é. Viu o potencial que tinha o xadrez lhe pareceu interessante e sempre o apoiou. Vamos ver se o novo Ministro pensa o mesmo, e nos permita retomar esse projeto que fez uma curva para baixo e que já foi pedido pela maioria dos professores, pais e inclusive por estudantes, em distintos lugares da Venezuela.

[Pergunta:]

“Há alguma proposta pedagógica da FIDE que integra o processo de alfabetização ao projeto de xadrez?”

[Resposta:]

Bom, são situações diferentes. Uma situação ideal seria que a escola alfabetizasse enxadris-ticamente as crianças, a todas as crianças, a 100% das crianças, por exemplo, a partir da educação pré-escolar. Um projeto que temos na Venezuela - pré-escolar 1º grau, 2º grau, 3º grau etc. Todos começam o programa de alfabetização, todos terminam o programa de alfabetização. Todas essas crianças começam a adquirir vantagens ou ferramentas para seu trabalho escolar, para a vida diária, para seu desempenho diário, desde o começo até o fi nal. Mas à medida que vão avançando no pro-grama, por uma condição natural das crianças, querem jogar, querem confrontar, querem competir, e nas escolas, começamos a organizar torneios, para que eles possam medir-se com outros companhei-ros. Independente de que consideramos que as crianças, antes dos 8 anos, não deveriam competir formalmente, por uma medalha ou por um troféu. Mas sim, como uma atividade recreativa. Aliás, nos daria tempo sufi ciente para ir observando esses talentos, esses valores extras que, além disso, os pais podem ir colocando-os em clubes ou federações locais, que lhes permitam seu desenvolvimento. Então, teria que se integrar o setor educativo com o setor esportivo. Essa ponte não se criou, ainda. Suponho, é o que a Armênia quer fazer, a China esta fazendo, o que vai fazer a Rússia, o que está se fazendo em alguns locais dos Estados Unidos e eventualmente, o que pode se desenvolver aqui em São Paulo. Uma grande quantidade, um canteiro de crianças provenientes da escola, que andam buscando, que têm fome de competir, de confrontar com outros companheiros, amigos, ou com gen-te de outros locais, cidades, países. Ou seja, já vendo o xadrez não como uma atividade recreativa, educativa, mas como uma atividade esportiva. E cada federação estadual, ou a federação nacional, sobre essas crianças, sobre estes grupos, querendo incorporá-los a um programa de otimização téc-nica, para que façam parte das equipes que vão representá-los em torneios regionais sulamericanos, nos panamericanos, nos distintos torneios continentais, inclusive mundiais. Tomara que essa ponte pudesse se dar aqui mesmo no Brasil, mas não conheço nenhuma experiência séria, formal, confi ável, onde isso possa ocorrer. Na Argentina, fi zeram uma tentativa interessante, no México querem fazer, mas não está aprovado. Não está avalizado sufi cientemente para confi ar nele.

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[Mestre de Cerimônia:]

Finalizada as perguntas, a gente vai encerrar agradecendo, mais uma vez, ao doutor Blanco pela palestra. E quero fechar o evento de hoje, esse Primeiro Seminário de Xadrez Escolar que é um marco para a Secretaria Municipal de Educação, convidando os palestrantes que participaram durante esse evento, por favor, ao palco pra gente fazer uma foto ofi cial. A gente quer convidar também o grande mestre Giovanni pra participar dessa foto de encer-ramento, ao Jefferson Pelikian, que é mestre internacional, considerado o melhor treinador do país, junto com a equipe de xadrez, que é o Égnon Viana e a Sandra Regina Roberto, para a gente fechar o evento de hoje. Esse é um momento muito especial para todos nós. E a gente queria encerrar esse evento, com esse grande time no palco. Em nome da Secretaria Municipal de Educação, dos Projetos Espe-ciais, que é responsável pelo setor Xadrez Movimento Educativo, nós queremos agradecer a partici-pação de todos, nesses dois dias. Aos palestrantes, à equipe organizadora, à equipe técnica aqui do Auditório Elis Regina. E que tudo o que nesses dois dias ouvimos e aprendemos seja muito útil dentro das escolas que vocês trabalham e dentro da vida de vocês. Porque afi nal de contas, o xadrez não é só um esporte. É uma paixão. É um modo de vida. Muito obrigada.