Gilson Jr Monografia

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GILSON JOSÉ RODRIGUES JUNIOR

(IN)VISIBILIZAÇÃO SOCIAL:

o jogo dramático de visibilidade e invisibilidade d os atores sociais

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Sociais, do Centro de Ciên-cias Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como exigência para a obtenção do título de bacharel em Ciên-cias Sociais. Orientação: Prof. Dr. Alípio de Sousa Fi-lho.

NATAL

2007

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GILSON JOSÉ RODRIGUES JUNIOR

(IN)VISIBILIZAÇÃO SOCIAL:

o jogo dramático de visibilidade e invisibilidade d os atores sociais

Monografia apresentada ao Depar-tamento de Ciências Sociais, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (U-FRN), como exigência para a obten-ção do título de bacharel em Ciên-cias Sociais.

Aprovada em: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Alípio de Souza Filho (DCS/UFRN)

Orientador

Profa. Maria Lucia Bastos Alves

Prof. Dr. Alexsandro Galeno Dantas (DCS/UFRN) Examinador

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AGRADECIMENTOS

Agradecer, isto é, demonstrar gratidão nunca será tarefa fácil. Quem o faz,

sempre há de esquecer alguém. Admitindo a possibilidade de que isso aconte-

ça desde já, me antecedo e peço desculpas àqueles que me ajudaram nessa

jornada, que, apesar de inicial, se mostrou longa e bastante difícil. Por algum

lapso da memória, já tão atordoada pelos fortes goles de café e outras bebidas

tomadas para manter-me acordado, peço desculpas àqueles que tenham sido

esquecidos. Isso não diminui a gratidão a vocês.

Alguns preferem agradecer somente aos seus próprios méritos, mas, ao

menos neste trabalho, isto seria impossível porque a rede de relações aciona-

da foi bem vasta.

Sou grato à minha família, meu pai e minha mãe, heróis cheios de defei-

tos (mas ainda assim heróis), que, presentes ao longo de minha trajetória, co-

mo se não bastasse ter-me criado, tiveram de agüentar os meus repentes de

estresse, muito por causa dessa bendita monografia.

À Siléa, minha preciosidade, desde já minha companheira. Obrigado pe-

la sua sabedoria e paciência. Seu jeito doce ensina mais coisas do que podes

imaginar. Amo-te, minha pequena! Caminharemos juntos, não tenhas dúvidas

disso...

Aos amigos potiguares (ou residentes no RN), àqueles dispostos a cho-

rar e a rir junto, por se empolgarem comigo desde a descoberta do tema e

também por me suportarem quando não agüentavam mais ouvir sobre os invi-

sibilizados. Admito que fiquei neurótico com esse tema, e quase deixei vocês

assim. Como não lembrarei de todos quero fazer menção dos que consigo:

Thulho e sua companheira de guerra, Josielle, por virem com tantas idéias, tra-

zendo matérias que, se não foram usados de forma direta nessa pesquisa, in-

fluenciaram mais que imaginava. A Susi, “Sujona”. Acho que se não fosse por

ela ainda estaria procurando um título para esse trabalho. Magnum, meu queri-

do autodidata, você foi um dos que mais se empolgou. Todas as vezes que nos

falávamos perguntava: “E aí, negão, como tá a monografia?”. Ridelma (Pense

numa mulé braba, mas doce que só!), que sempre mostrou como tinha “sensi-

bilidade” para ver muito do que os outros não viam. Carlinhos, um dos mais

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novos, mas que tem provado ser um grande irmão. Não apenas por ter me sal-

vado e emprestado o PC, mas por tudo (Basta que ele entenda!). Tiótrefis, meu

querido Tió, mesmo morando, hoje, “lá onde Judas perdeu as botas” fez ques-

tão de manter-se por perto, graças ao MSN e de outras práticas bem mais anti-

gas, mas ainda tão ignoradas. Não poderia me esquecer de Alcimar, sem a sua

existência na minha vida, talvez, até hoje estivesse sem conhecer as ciências

sociais, sem falar que só o fato de conhecê-lo é um grande privilégio. Vandinha

(Ainda espero o seu retorno para a academia, viu?!), além de ser uma ótima

companhia para tomar um café (vício comum), teve a paciência de fazer a pri-

meira revisão textual da mono, dando um susto ao mostrar os vários vícios de

escrita que eu nem sabia que tinha, além de abrir as portas de sua casa (Gale-

ra massa, vice!). Foi bom que isso acontecesse, agora é mais uma família para

ser adotado(a) (rsrsrsrs). A Cássio, uma pessoa que me ensinou um pouco a

compreender e respeitar as diferenças. Você teve muita paciência em fazer

essa revisão final, transformando material bruto em algo bem mais atraente (se

o cansaço fez com que não víssemos algum erro de escrita, fica a certeza de

que você fez o melhor dentro do pouco tempo que teve). Sem falar no Neto,

seu companheiro de vida, por me deixar entrar em suas vidas, sua casa, permi-

tindo atrapalhar sua rotina. Ao André, do PET de Estatística, o meu muitíssimo

obrigado pelas noites de sono perdidas para me dar os dados estatíscos tão

bem organizados, além de me fazer desconstruir o tolo preconceito com a pes-

quisa quantitativa. A Ianne, simplesmente por ela existir e se empolgar tanto,

demonstrando tanta alegria ao entender essa pesquisa (Mas sei que demons-

traria alegria, mesmo que isso não acontecesse.). Há ainda o Rodrigo Sérvulo

(Homenzinho para os íntimos), leitor empolgadissímo de tantas coisas (Até

dessa monografia). Espero te ver na academia em 2008 (Num tá com a bexi-

ga!!). Quase me esquecia da Vanuza, pessoa de casco duro, mas de coração

mole, que abriu o caminho dentro do Midway Mall. A Ana pelas atitudes “de-

sordeiras” tomadas com os favores a mim dirigidos ao longo desse processo

(Foi muito bom ter ido àquela viagem de campo com você, simplesmente pela

pessoa brilhante e desencanada que é.). Não poderia nunca deixar de agrade-

cer à Carol Miquelasi, pois leu este trabalho desde as primeiras idéias, ainda

bastante verdes, ajudando-me com suas percepções bastante peculiares. A

Celso, o carinha que se descobriu fotógrafo, pelas caronas, pelo MP3, pelas

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fotos (tudo voltado para essa pesquisa), e pela amizade conquistada que está

para além disso tudo, e isto serve para todos aqueles até aqui citados.

Aos cearenses do meu coração, João e Rebeca, pessoas que a UFRN e

a UFC trouxeram para perto, mas que a UNICAMP levou, mas que, de certa

forma, continuam por perto. Agradeço pela força e pela forte crença em um

potencial que nem eu às vezes acreditei que tinha. Espero vê-los ainda neste

ano. À senhora Gleiciane, cearense em além-mar, que tem o coração no Rio

de Janeiro, mantendo o sotaque típico de Fortaleza (seja lá como for…). Não

sei quando, mas nos encontraremos, os quatro, por aí.

Viviane, uma carioca naturalizada maranhense fazendo mestrado na

Bahia, foi bom conhecer você. Incrível como nos aproximamos via net, trocan-

do idéias sobre nossos estudos e conflitos. Assim como foi bom conversarmos

quando um de nós estava em meio ao desespero com os nossos prazos de

entrega. Muito obrigado por ter-se dedicado à leitura do meu trabalho quando

este ainda estava inacabado (ainda era um Frankenstein). Você é uma pessoa

especial!

Aos mestres, o meu mais profundo muito obrigado. Mesmo quando não

gostei das aulas ou dos temas, cada coisa aprendida e apreendida foi impor-

tante enquanto conhecimento agregado. Cada um de vocês foi importante, mas

alguns se destacaram: Ana Tereza, Edmilson, Orivaldo, Alípio, Luciana Chian-

ca, Julie Cavignac, Gabriel Vitullo, Luiz Assunção, João Emanuel. Vocês foram

responsáveis por empolgarem a minha caminhada ao longo desses quatro a-

nos e meio. Não precisei concordar com tudo, apenas entendi que vocês foram

bons naquilo que se propunham a fazer. Cabe também um agradecimento ao

Observatório das Metrópoles, na pessoa de Algéria, pelo seu apoio, interesse,

assim como por ter servido de intermediária para que tivésse acesso a dados

do IBGE e da SEMURB, apresentados nessa pesquisa.

Aos colegas e ou amigos que fizeram ou fazem parte do PET (Programa

de Educação Tutorial) de Ciências Sociais. Juntos, pudemos ter grandes dis-

cussões e leituras, sem falar nas ótimas viagens proporcionadas. Creio que

não só para mim, mas todos devem ser gratos a esse programa, por ter sido

um diferencial em nossa formação acadêmica, ainda tão recente. Faço aqui um

destaque para Ribamar, “o negão do amor”: sem nos programarmos, nos en-

contramos tantas vezes em tão pouco tempo. E admito: foi muito bom aprender

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algumas coisas com alguém que já viveu muito para uma vida apenas. Espero

que aqueles que darão continuidade ao PET possam saber aproveitar.

Não poderia deixar, de forma alguma de agradecer ao Edson. Posso di-

zer que ele fez a pesquisa junto comigo, sendo assim co-autor, não apenas um

informante.

É necessário, mais uma vez, agradecer ao Alípio, agora no papel de

meu orientador, não só por ter aceitado o convite, mas pela liberdade que me

deu de poder escrever. Não me senti cerceado em minhas idéias. Dar essa

liberdade, tão rara na academia não quis dizer, de forma alguma, displicência.

Isso se evidenciou nas críticas bastante contundentes que foram feitas e que,

mesmo sendo duras de engolir, pareceram tão acertadas.

Aos professores que aceitaram compor a banca avaliadora, Maria Lucia

e Alex Galeno também sou bastante grato (independente do resultado final),

por se darem o trabalho de ler este trabalho.

Por último, mas certamente mais importante do que todos citados até

agora, agradeço a Deus (o Divino Criador, como gostam de chamar alguns) por

não guardar sua inteligência para si, mas por compartilhá-la com todos os hu-

manos, quer se proponham a ser cientistas ou não.

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RESUMO

Todos os seres humanos passam pela experiência da ação invisibilizadora, que

é produto das relações de poder dissolvidas em todos os campos da socieda-

de. Desse modo, um ator invisibilizado pode concomitantemente invisibilizar

outro. Ao falarmos em invisibilização social, queremos apontar para a constru-

ção de um fenômeno que está ligado a estigmas impostos a determinados gru-

pos e/ou pessoas que, por sua vez, dificilmente conseguem fugir a esses. Nes-

te trabalho monográfico, buscamos mostrar também que a ação invisibilizadora

se constrói em cima de três pilares principais: a construção moderna da indivi-

dualidade, a divisão social do trabalho e o consumo. Cada um desses pontos

foi sendo relacionado a informações colhidas empiricamente. Através da ob-

servação descritiva, observação participante principalmente, entrevistas aber-

tas e aplicação de questionários fechados, tentamos compreender como se dá

a ação invisibilizadora. Aproximamo-nos das pessoas que trabalham limpando

o Midway Mall, um dos shoppings de Natal (RN). Observamos, principalmente,

a relação entre o “pessoal da limpeza” e os freqüentadores. O “pessoal da lim-

peza” percebe a ação invisibilizadora que lhe é infligida por freqüentadores que

apenas estabelecem uma relação utilitária com aqueles. Isso foi sendo confir-

mado pelas conversas com alguns desses freqüentadores e pelos questioná-

rios por eles respondidos. Alguns autores vêm tratando da questão da invisibili-

dade (pública ou social), ressaltando, em seus estudos, atores rebaixados so-

cialmente, como garis e moradores de favela (SOARES, 2005; COSTA, 2004).

A presente pesquisa não vem em defesa dos grupos marginalizados, uma vez

que todos nós, em alguma medida, sofremos a ação invisibilizadora. Em rela-

ção ao grupo pesquisado, percebemos que existe uma trajetória que aponta

para a construção da ação invisibilizadora e para a elaboração de um perfil

comum entre essas pessoas.

Palavras-chave: Invisibilização social. Poder. Estigma.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Encarregado checando fichas de fre-

qüência

Figura 2 Fichas de freqüência

Figura 3 Homem invisível

Figura 4 Sofás

Figura 5 Palco dentro do shopping

Figura 6 Pianista

Figuras 7, 8, 9, 10 Painéis externos (Fachada do Midway

Mall)

Figura 11 Praça de alimentação (por Celso).

Figura 12 Via do Mall

Figura 13 Pessoas saindo do shopping

Figura 14 Câmera de segurança

Figura 15 Shopping fechando

Figura 16 Lateral – Av. Bernardo Vieira do

shopping

Figura 17 Lateral do Shopping –Frente do CE-

FE-RN

Figura 18 Lateral do Shopping – Av. Bernardo

Vieira

Figura 19 Lateral do Shopping – Cruzamento:

Av. Sen. Salgado Filho e Bernardo

Vieira.

Figura 20 Porta de um corredor técnico

Figura 21 Interior do corredor

Figura 22 Banheiro exclusivo para funcionários

Figura 23 Portas das antigas salas da SOSERVI

no Mall

Figura 24 Via de saída I

Figura 25 Via de saída II

Figura 26 Encarregado, ASG e atendente

Figura 27 Oficial de limpeza

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Figura 28 Supervisor e encarregados

Figura 29 Lixeiras (Por Celso)

Figura 30 Recolhendo pratos

Figura 31 Limpando mesa

Figura 32 Refeitório dos funcionários

Figura 33 Refeitório “VIP”

Figura 34 Entrada para o refeitório

Figura 35 Intervalo para o almoço

Figura 36 Misturando os materiais I

Figura 37 Misturando os materiais II

Figura 38 Recolhendo lixo

Figura 39 Estoque de materiais

Figura 40 Máquina de lavagem do piso

Figura 41 Enceradeira

Figura 42 Recolhimento de ferramentas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

I SOBRE A INVISIBILIDADE... 15

II INVISIBILIDADE OU INVISIBILIZAÇÃO? EIS A QUESTÃO 25 1 A construção da individualidade e a busca por visibilização 27 2 Divisão social do trabalho e invisibilização 34 3 Consumo e o jogo dramático de visibilidade e invi sibilidade 42 4 “Já lhe contei minha teoria sobre os uniformes?

Eles nos deixam invisíveis.” 48

III “PANO DE FUNDO TORNOU-SE FIGURA”: A EXPERIÊNCIA DO OLHAR SÓCIO-ANTRO-POLÓGICO 55

1 As ferramentas: métodos e técnicas utilizadas 5 5 2 Escolhas: definindo “objeto” de pesquisa 58 3 Midway Mall 58 4 O “pessoal da limpeza” 66 5 Freqüentadores: “iguais”, mas diferentes 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS 83

REFERÊNCIAS 89 ANEXOS 92 ANEXO I 93 ANEXO II 96 ANEXO III 100 ANEXO IV 104 ANEXO V 107 ANEXO VI 108 ANEXO VII 109

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INTRODUÇÃO

Toda pesquisa exige bastante dedicação do profissional. Um químico para

provar o que deseja gasta tempo dentro de seu laboratório, pensando e calculando

as fórmulas que, para outras ciências, parecem ininteligíveis. Ao contrário desse e-

xemplo, o pesquisador social não tem um espaço delimitado a priori. O laboratório

de pesquisa está ao seu redor o tempo todo, o que parece tornar a escolha de um

tema um desafio ainda maior, sem falar na sensação de castração que sentimos ao

limitar o nosso “objeto de pesquisa”, fazendo os tão incômodos, mas necessários,

recortes teórico-metodológicos. Isso foi sendo ensinado e posto em prática ao longo

da nossa trajetória acadêmica, especialmente no que diz respeito à pesquisa de

campo. Descobrir que podíamos – e devíamos – aprender a estranhar não apenas o

que nos parecia exótico, mas aquilo que nos era – ou que também parecia – familiar,

foi bastante importante. Diversos conceitos, autores e correntes teóricas nos foram

apresentados. Alguns chamaram a nossa atenção mais que outros, embora todos

tenham sido realmente relevantes para que tivéssemos desencantado o nosso olhar

sobre o mundo. Também foi importante não nos limitarmos ao que era oferecido nas

salas de aula. Buscar outras leituras foi essencial, assim como estar atento aos a-

contecimentos ao nosso redor, tendo quase sempre um questionamento a ser feito,

de modo que não aceitássemos os fatos como dados, “naturais”, como muito se ou-

ve falar. Tentamos, assim, deixar de reproduzir verdades socialmente construídas,

como se fossem dogmas.

Trazer essas informações para a presente pesquisa tornou-se aprendizado

ainda maior. Mostrou-se bastante difícil transformar impressões, reações apaixona-

das, em material que apresentasse relevância acadêmica, encontrar autores que

pudessem dar contribuições sérias, criar diálogos teóricos entre eles e entre nós –

sem deturpar o que eles apresentavam –, levantar dados empíricos com diferentes

técnicas. Com a observação participante, aproximarmo-nos daqueles que dariam

grandes contribuições para as nossas reflexões, buscando diminuir, ao máximo, a

violência simbólica presente na pesquisa de campo. Isso foi algo bem mais compli-

cado do que imaginávamos! O pesquisador precisa enxergar pontes para que o con-

tato com os seus interlocutores seja uma via de mão dupla, na qual não só ele se

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beneficie, mas aqueles também. É necessário haver troca para que os pesquisados

sejam verdadeiros interlocutores, deixando que o campo de pesquisa surpreenda.

Essa experiência nos mostrou que algumas teorias deveriam ser mais consultadas

em detrimento de outras, que, apesar de sua importância e contribuição acadêmi-

cas, poderiam não nos ajudar muito a pensar o nosso objeto de estudo. Transformar

tudo isso em trabalho escrito, saber o que era relevante ou não, adaptar tudo à tra-

dição acadêmica foi, de longe, a fase mais complicada da pesquisa.

O tema deste trabalho, invisibilização social, foi surgindo ao longo de dois a-

nos, isto é, da metade da graduação em diante. Ao longo desse tempo, fomos pen-

sando e maturando o tema, aos poucos abandonando – ou ao menos tentando – as

pré-noções com as quais começamos nossas reflexões. Isso era necessário, já que

não estávamos com a intenção de escrever um texto militante, mas de discutir sobre

o problema socioantropológico que se apresentava.

Na primeira seção, falamos sobre as reflexões de alguns autores que se pre-

ocupam com a invisibilidade, seja social seja pública, mostrando suas concepções

sobre o que passaríamos a designar de invisibilização social. Nesse momento, além

dos teóricos apresentados, lançamos mão de análises semânticas de determinadas

palavras e expressões populares, registrando que o fenômeno aqui estudado parece

aturalizado, visto que muitas pessoas não percebem que estão indiferentes ou que

estão vendo umas as outras como inferiores ou superiores, tendo essa postura legi-

timada por valores que foram sendo hierarquizados. Influenciados bastante por Eli-

as, em especial pela leitura de Os estabelecidos e os outsiders (2000), propomos as

expressões outro-acima, outro-abaixo e outro-ao-lado. Ao longo da pesquisa, damos

a entender que, através dessas relações, vai sendo construída a ação invisibilizado-

ra.

Na seção Invisibilidade ou invisibilização? Eis questã?, apresentamos o grupo

por nós pesquisado, procurando associar a experiência da empiria aos vários auto-

res consultados. Defendemos o uso do termo invisibilização social e apresentamos

os conceitos teóricos considerados mais importantes ao longo da pesquisa. Concen-

tramos essa parte em três subseções principais nas quais apresentamos os concei-

tos-chave, que foram sendo relacionados com outros desenvolvidos por alguns ou-

tros autores. Entre eles damos destaque a Erving Goffman, Hanna Arendt, Emanuel

Lèvinas e Martin Buber. Alguns aparecem de forma mais direta, mas todos foram de

suma importância ao longo do processo de construção da presente pesquisa. É im-

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prescindível registrar aqui que a teoria das representações de Goffman (1999) influ-

enciou bastante a pesquisa. Todas as referências a atores sociais e termos afins,

oriundos das artes cênicas, foram inspirados nesse autor. Ainda nessa seção, dedi-

camos um tópico para a questão do uso do uniforme, mostrando que, no caso do

“pessoal da limpeza”1, esse está carregado de estigma, parecendo justificar a invisi-

bilização dentro do cenário do Midway.

Na seção Pano de fundo tornou-se figura: a experiência do olhar socioantro-

pológico, apresentamos de forma mais detalhada como se deu a escolha do objeto

de pesquisa. Revelamos a trajetória desde as técnicas e ferramentas utilizadas,

passando pela delimitação do objeto, por uma descrição mais detalhada do espaço

do Midway Mall como campo de pesquisa, trazendo reflexões de urbanistas, como

Davis (1993) e Gottschall (2001), até um registro mais detalhado do contato com o

“pessoal da limpeza” – tanto através dos dados quantitativos que serviram para a

elaboração de um perfil geral das pessoas que desempenhavam essa sócio-

ocupação, bem como através do diálogo estabelecido nossos interlocutores. As in-

formações colhidas promoveram mudanças no rumo da pesquisa. Tentamos carac-

terizar também os freqüentadores, tanto quanto colhendo informações com pessoas

conhecidas, em geral quando essas não sabiam o que estávamos pesquisando. Po-

rém, as suas reações e declarações, após compreenderem o que pesquisávamos,

foram de grande importância para refletirmos sobre possíveis práticas de invisibiliza-

ção desses em relação àqueles. O uso de questionários fechados tanto para um

grupo como para o outro foi muito importante, como evidenciado através dos gráfi-

cos e tabelas distribuídos no corpo do texto e nos anexos.

Por último, fazemos as considerações finais sobre a pesquisa, na qual mos-

tramos que a prática da invisibilização está presente na relação aqui estudada, mas

também se estende a outras, talvez apenas apontadas. Em seguida apresentamos

anexos, tanto fotos como documentos colhidos no decorrer da pesquisa, que nos

ajudaram a chegar aos resultados finais deste trabalho.

1 Ao longo da pesquisa, estamos designando assim as pessoas que atuam na manutenção da limpe-za do Shopping Midway Mall.

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I SOBRE A INVISIBILIDADE...

[…] A esses raias sem o dia que trazes, ou somente

como alguém que vem pela rua, invisível ao nosso olhar consciente,

por não ser-ninguém. (Fernando Pessoa, em Manhã dos Outros).

É bastante comum ouvir-se alguém dizendo que se sentiu invisível em certo

contexto, que essa ou aquela pessoa passou por seu caminho como se ela/ele/você

não existisse. Tal atitude é logo interpretada como má educação, “grosseria”. Cer-

tamente, não vamos aqui buscar legitimar esse ou aquele discurso. Visamos a apro-

fundar-nos na construção do fenômeno que alguns autores chamam de invisibilida-

de, seja ela social seja pública. É preciso afirmar que a sua definição depende dos

objetivos dos respectivos autores.

Fez-se necessário, portanto, para a presente pesquisa, lançarmos mão da

semântica, isto é, dos significados trazidos pelo dicionário: não do termo invisibilida-

de, mas do seu antônimo, visibilidade, porque compreendemos que antes devemos

entender e explicar como se constrói a visibilidade, para depois abordar a invisibili-

dade como problema sociológico. Assim, o primeiro termo corresponde a: a) caráter,

condição, atributo do que é ou pode ser visível; b) ser percebido pelo sentido da vis-

ta; percepção pelo sentido da vista; visão; c) condição de ser efetivamente percebi-

do, conhecido (LAHOUSSE, [s.d.]). De certo, não se está querendo abordar aqui a

idéia apresentada pela segunda acepção. Não estamos, obviamente, falando da vi-

sibilidade como um dos sentidos fisiológicos, porque um deficiente visual pode ver,

visibilizar – dar visibilidade a – qualquer outra pessoa. A idéia de visibilidade aqui

defendida tem a ver com a de reconhecimento social, isto é, a necessidade de ser

visto como ser humano capaz de pensar, agir, tomar decisões etc. A primeira acep-

ção supracitada sugere o início daquilo que pretendemos discutir aqui. Parte-se da

idéia de que ser homo sapiens é ser homo socius e politicus, havendo, logo, neces-

sidade de ser visibilizado, reconhecido como tal. A terceira acepção conduz-nos à

pergunta que, de certo modo, norteou as nossas reflexões: o que é ser efetivamente

conhecido? O uso do termo efetivamente se correlaciona com a idéia de reconheci-

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mento socialmente naturalizado, no qual certos atores são visibilizados em detrimen-

to de outros em campos sociais específicos. Daí, podemos começar a construir a

nossa reflexão.

Por sua vez, a invisibilidade aponta para relações sociais em que um grupo

ou um indivíduo não reconhece o outro como igual. Subentende-se que, existindo

relações entre humanos, há relações de dominação, produtos de poder, que formam

hierarquizações de valores sociais. É importante ter-se claro que não é a capacidade

cognoscitiva que garante a singularidade ao ser, isto é, a possibilidade de ser reco-

nhecido como único, subjetivo, mas o que garante o ser para um sujeito é a sua visi-

bilidade para outro sujeito (ARENDT, 1995). É na relação com o outro que o ser tem

sua visibilidade garantida como “instância pública vazia de corpo e, assim, simbóli-

ca” (KEHL, 2004, p.149). Fazendo alusão ao espaço do discurso, podemos compre-

ender que algumas pessoas se destacam, ganham visibilidade, como portadoras

deste e, por isso, podem, mesmo que temporariamente, no inconsciente coletivo, dar

sustentação ao laço social, pois através dele as pessoas ganham reconhecimento.

Nas palavras de Arendt (1995, p.95),

[…] mediação física e mundana, juntamente com seus os interesses, é re-vestida e, por assim dizer, sobrelevada por uma outra situação inteiramente diferente, constituída de atos e palavras, cuja origem se deve unicamente ao fato de que os homens agem e falam diretamente uns com os outros. Es-ta segunda mediação subjetiva não é tangível, pois não há objetos tangíveis em que se possa materializar: o processo de agir e falar não produz esse ti-po de resultado. Mas, a despeito de toda intangibilidade, esta mediação é tão real quanto o mundo das coisas que visivelmente temos em comum […].

Kehl (2004) parece concordar com Arendt ao mostrar a importância da visibi-

lidade desde a formação da democracia ateniense até a sociedade capitalista atual,

chamada por ela de sociedade do espetáculo, expressão tributária de Guy Debord.

“Existir é antes de mais nada apresentar a própria imagem ao outro” (KEHL, 2004,

p.150). Porém, o que acontece quando esse Outro ignora a existência do Eu? Se a

existência social se dá no reconhecimento, o que acontece quando não se é reco-

nhecido? Kehl nos responde dizendo que na modernidade2, o sujeito já não era re-

conhecido no espaço público, mas no agrupamento.”O sujeito não se torna mais vi-

2 Ao dizer que a sociedade do consumo é a sociedade de massas em estágio avançado, a autora evidencia que a modernidade não é uma etapa da história já ultrapassada (KEHL, 2004, p.155).

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sível ao participar da massa – pelo contrário –, mas compensa usa invisibilidade i-

dentificando-se com a imagem do líder ou do ídolo”, conforme Kehl (2004, p.152).

A partir disso, compreendemos que os sujeitos buscam ser visibilizados de

alguma forma, seja no espaço público, seja como parte de um grupo que, seguindo

um líder (carregado de um discurso ideológico), vai construindo sua identidade na

chamada sociedade do espetáculo, onde o indivíduo se conforma em ter na imagem

do ídolo da televisão à sua invisibilidade amenizada. A autora ainda afirma que a

sociedade do espetáculo é a própria sociedade do consumo. Para Kehl (2004), trata-

se da sociedade de massas em seu estágio mais avançado, quando há a substitui-

ção do espaço público pelo televisivo, assim como essa postura totalitária – que é a

forma como a televisão vai impondo um só ponto de vista – também vem acabando

com a busca por visibilidade no grupo. Portanto, a visibilidade do sujeito passa a ser

dada de acordo com seu consumo3: “[…] o mecanismo que garante ao sujeito a visi-

bilidade necessária para que ele exista socialmente” (KEHL, 2004, p.158).

Costa4 percebeu como as relações trabalhistas influem em relações onde a

alteridade inexiste, pois deixa-se de enxergar os sujeitos como seres transformado-

res e pensantes, tornando-os homens-ferramenta através de relações utilitaristas.

Isso se dá por meio da sujeição de uns pelos outros, inscrevendo marcas também

no corpo, conforme o autor (2004, p.95):

A experiência de sujeição normalmente encontra no corpo e no olhar suas respostas mais imediatas: reações instantâneas, gestos interrompidos antes mesmo de acontecerem, embotamento. Expressões disparadas a partir de um encontro desequilibrado, a partir da sensação de estar sob o comando de força, força bruta. O olhar fica pálido, o corpo parece comprimido. Não obstante, qualquer palavra, mesmo tímida, mesmo subserviente, pode im-plicar broncas ainda mais duras, humilhações ainda mais severas.

Ao longo de sua pesquisa, Costa (2004, p.25) desenvolveu o conceito de invi-

sibilidade pública, decorrente do fato de a percepção humana ser prejudicada e con-

dicionada à divisão social do trabalho, ou seja, enxerga-se somente a função e não

a pessoa:

Índios expostos à espoliação agrária. Negros expostos ao racismo. Roceiros sem terra, expostos a trabalhar só para comer. Cidadãos pobres expostos

3 A relação do consumo e visibilidade do sujeito será aprofundada mais na frente. 4 Psicólogo social que varreu as ruas da Universidade de São Paulo (USP) para concluir sua tese de mestrado sobre "invisibilidade pública".

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ao emprego proletário, ao desemprego e à indulgência. Velhos expostos a ficarem para traz no trabalho acelerado. Mulheres detidas por seus pais, ir-mãos e maridos, por seus professores e chefes. Amantes expostos à vigi-lância e à proibição, quando o amor aconteceu fora da ordem erótica oficial. Loucos desmoralizados pelas ciências, cassados pelos tribunais, invalida-dos pelos manicômios. Tantos expostos à desonra e ao desrespeito cultural.

Costa (2004) apresenta-nos, então, um quadro de determinados atores soci-

ais (GOFFMAN, 1999) invisibilizados em diferentes campos (BOURDIEU, 1994).

Vale salientar que invisibilização, na presente reflexão, não está atrelada e limitada à

observação de grupos marginalizados. Não se trata aqui de construir um discurso

em prol dos oprimidos, mas de considerar o fenômeno da invisibilização como algo

que vai além das relações socioeconômicas abordadas por Costa. Como já exposto,

acreditamos que seres humanos sempre se posicionam como estabelecidos ou co-

mo outsiders. Esses termos são usados por Elias (2000), para caracterizar aqueles

que sofrem a imposição do estigma de anormal que lhes é atribuído pelos estabele-

cidos, que se auto-reconhecem como elite, julgando os outsiders inferiores e inade-

quados às suas regras e verdades. Desse modo, falemos de invisibilidades e não de

visibilidade. Existe a busca por visibilidade dos movimentos sociais que, em seu dis-

curso, parecem querer chamar atenção para a forma como são tratadas as minorias.

Em conseqüência dessa luta, surgem datas e eventos como o Dia da Visibilidade

Lésbica, por exemplo. Outro tipo de invisibilidade é aquele que se dá na divisão so-

cial do trabalho ou ainda a invisibilidade dos moradores de rua enxotados tanto pela

polícia como pelas novas arquiteturas, que buscam limpar as ruas desses que são

tão indesejáveis para os estabelecidos (DAVIS, 1990).

Outra abordagem bastante relevante é a de Soares (2005). De acordo com

ele, uma das formas mais eficientes de tornar alguém invisível é projetar sobre ele

ou ela um estigma que decorre principalmente do preconceito ou da indiferença.

Quando isso é feito, a pessoa é anulada e vista como reflexo do nosso etnocentris-

mo, pois se ignora tudo aquilo que o sujeito é enquanto alguém carregado de subje-

tividades, idiossincrasias; enfim, tudo aquilo que faz dele um ser humano único. Se-

gundo Soares, o estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato es-

tereotipado e a classificação que lhe impomos. Essa imposição é feita, de acordo

com Elias (2000), pelo grupo estabelecido, o outro-acima, que naturalizou a ação

invisibilizadora sofrida pelo outro pertencente ao grupo outsider. Estigmatizar alguém

é uma violência simbólica tão grande que, para Soares, é como o acusar de existir

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simplesmente porque não se encaixa na normalidade ou porque integra o grupo tido

como elite em certo contexto. Ainda citando Soares (2005, p.133), outra forma de

invisibilidade é a causada pela indiferença, e esta atinge uma maioria da população:

“Como a maioria de nós é indiferente aos miseráveis que se arrastam pelas esqui-

nas feito mortos-vivos, eles se tornam invisíveis, seres socialmente invisíveis”. O

autor, baseado na atitude blasé5 de Simmel, explica que essa indiferença não impli-

ca em uma falta de sensibilidade ao outro, mas “[…] trata-se de um mecanismo a-

daptativo. Ele funciona sem a nossa autorização e, às vezes, contra a nossa vonta-

de consciente. Serve para proteger-nos. Para salvar-nos do que é doloroso. Para

livrar-nos da dor alheia e poupar-nos do sofrimento” (SOARES, 2005, p. 134).

Sabe-se que o conceito de Bourdieu de violência simbólica tem a ver com as

crenças construídas socialmente, induzindo o indivíduo a enxergar e a fazer seus

juízos com base no discurso dominante. Segundo Bourdieu (2000), corresponde à

maneira por meio da qual uma classe – grupo dominante – afirma sua superioridade

em relação à outra, de forma a legitimar esse discurso como verdade irrevogável.

Esta violência é sentida, mas não combatida, sendo, na maioria das vezes, aceita

como algo natural. A partir disso, Bourdieu mostra que, através do poder simbólico,

construímos significações que passam a ser vistas como legítimas, o que culmina na

naturalização e na divinização do que é social. Em conseqüência, o indivíduo que

não teve a chance de um distanciamento – uma percepção critica sobre a realidade

social que está inserido, sofrerá violência simbólica, encarando-a como correta ou,

pelo menos, sem conceber qualquer ação contrária ao status quo. Dessa forma po-

demos dizer que sejam os garis estudados por Costa (2004), os garotos envolvidos

com o tráfico e com a vontade de fazer-se visíveis por meio da violência física estu-

dados por Soares (2005), assim como em tantos outros casos, os sujeitos são pro-

dutos do poder, poder que é também violência simbólica, poder que invisibiliza o ou-

tro, o restringido, mantendo-o disciplinado, como que falando: “Fique aí, onde é o

seu lugar, não ultrapasse”.

Podemos partir dessa questão para pensar uma expressão popularmente u-

sada: “Ser alguém na vida” – expressão tão comum no dia–a-dia, naturalizada em

nossa sociedade, marcada por relações desiguais; como diria Buber (1977), rela-

5 Simmel (2005, p.582) afirma: “Eis porque as cidades grandes, centros da circulação de dinheiro e nas quais a venalidade das coisas se impõe em uma extensão completamente diferente do que nas situações mais restritas, são também os verdadeiros locais do caráter blasé“.

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ções do tipo eu-isso. Porém, o que tal expressão aponta, sem que, ao menos, as

maiorias daqueles que a usam se dêem conta do peso simbólico que há em suas

entrelinhas. Parece ajudar-nos lançar mão mais uma vez da semântica. Entre vários

significados do vocábulo alguém, todos correlatos, apresentados pelo dicionário, al-

guns pareceram de grande relevância para a reflexão sócio-antropológica aqui pro-

posta: a) ser humano, ente, pessoa; a) pessoa importante, digna de consideração; b)

pessoa de condição; pessoa de relevo intelectual e/ou social.

Partindo do primeiro significado, podemos pensar sobre a violência simbólica

presente na frase em questão, pois parece expressar que só se é alguém quando se

está adequado a certo padrão. Esse estará adequado ao que o grupo estabelecido

tem como certo e melhor. Ao grupo outsider sobra apenas às opções de adequar-se

a esse padrão, resistir, o que, em geral, acontece quando há uma coesão social que

construa um sentimento de pertença bastante forte ou, como ocorre na maioria das

vezes, se submete ao estigma de inferior (ELIAS, 2000).

Pensemos, então, sobre a questão: se um indivíduo afirma querer ser “al-

guém na vida”, ele se reconhece como um ninguém? Nossa auto-imagem depende-

rá da imagem que os outros façam de nós, isto é, ela é construída no contato com

os outros, sem que esse reconhecimento seja pela submissão do outro à nossa von-

tade. Para que haja sociedade, é imprescindível haver rostos que se vêem, isto é,

pessoas que se reconheçam mutuamente, sem que esse seja um reconhecimento

jocoso, conforme Lèvinas (2005, p.61):

Eu o reconheço, ou seja, creio nele. Mas se este reconhecimento fosse mi-nha submissão anularia minha dignidade, pela qual o reconhecimento tem valor. O rosto que me olha me afirma. […]. O face-a-face é assim uma im-possibilidade de negar, uma negação da negação.

O indivíduo sempre encontrará quem o encontre nesse face-a-face de que fa-

la o filósofo. No entanto, acontecendo esse encontro com um outro-ao-lado, ele con-

tinuará tendo o outro-acima como referencial e a forma como esse é visto como a

melhor.

Os segundo e terceiro significados do termo em questão são correlatos e a-

pontam para a idéia de status, reconhecimento de fetiche, que se dá no exercício de

relações sociais do tipo estabelecidos-outsiders, onde se constroem relações hierar-

quizadas, dando socialmente mais valor a certas pessoas e grupos do que a outras.

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Sendo assim, o ser alguém tem a ver com o reconhecimento, na perspectiva do gru-

po estabelecido. O grupo ou indivíduo socialmente rebaixado não se dá conta ou,

pelo menos, não cerra fileiras ao status quo, pois esse está naturalizado, constituído

pelo habitus, definido por Bourdieu (1994, p.73) como

[…] mediação universalizante que faz com que as práticas sem razão explí-cita e sem intenção significante de um agente singular sejam, no entanto, “sensatas” , “razoáveis” e objetivamente orquestradas. À parte das praticas que permanece obscura aos olhos dos próprios produtores é o espaço pelo qual elas são objetivamente ajustadas às outras práticas e as estruturas; o próprio produto desse ajustamento está no princípio da produção dessas estruturas.

Compreendemos que é através do habitus que os indivíduos vão construindo

suas lentes e verdades, é também nele, e na forma como aparece em cada campo.

Este, segundo a interpretação que Ortiz (1994, p.21) faz de Bourdieu, é

[…] um espaço onde se manifestam relações de poder, o que implica afir-mar que ele se estrutura a partir da distribuição desigual de quantum social que determina a posição que um agente específico ocupa no seio. […] A es-trutura do campo pode ser apreendida tomando-se como referência dois pó-los opostos: o dos dominantes e o dos dominados.

Partindo das reflexões apresentadas por Bourdieu (1994; 2000) e por Elias

(1994; 2000; 2001), podemos pensar que os sujeitos considerados por um como

dominados e por outro como outsiders legitimam este estigma, tendo em vista que

ele está naturalizado. As elites, ou os grupos que se auto-reconhecem como tais,

vão sempre reivindicar aquilo que Bourdieu chama de superioridade legítima, que se

torna assim, não só para os dominantes, mas é também reproduzida pelos domina-

dos. Nas palavras desse autor (1994, p.88),

[…] Na medida em que cresce a distância objetiva com relação à necessi-dade, o estilo de vida se torna, sempre, cada vez mais um produto de uma “estilização da vida”, decisão sistemática que orienta e organiza as práticas mais diversas [...]. Afirmação de um poder sobre a necessidade dominada, ele encerra sempre a reivindicação de uma superioridade legítima sobre aqueles que, não sabendo afirmar esse desprezo pelas contingências no lu-xo gratuito e no desperdício ostentatório, permanecem dominados pelos in-teresses e as urgências mundanas […].

São nessas relações que, de acordo com Bourdieu, é construído o arbitrário

cultural, através do qual se enxerga o mundo e os que nele vivem e se relacionam.

Contudo, isso não implica dizer que as pessoas que se encontram invisíveis em cer-

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to contexto não percebam e nem se incomodem com as práticas de invisibilização

dos outros em relação a eles. Pelo contrário, isso pode ser percebido de várias for-

mas, até na postura do corpo, como já foi dito, ou nas tentativas de negar o outro-

acima, encaixando-se ainda mais nos estigmas por ele impostos.

Os dicionários integram um significado a uma palavra quando esta esteve

e/ou está em uso em determinada cultura. A partir daí podemos retomar os dois ou-

tros significados semânticos, correlatos, que aludem aos usos coloquiais do termo

alguém. Taxar uns como pessoa importante, como mostra o dicionário, em detrimen-

tos de outros estigmatizados como “sem importância”, ou ainda, afirmar que deter-

minado indivíduo é “digno de consideração” é o mesmo que afirmar a legitimidade

das relações autoritárias. O “alguém” tão fetichizado é aquele que na pirâmide social

é o que designamos outro-acima.

Toda essa questão nos faz pensar sobre a figura, também, tão coloquialmen-

te evocada, do João Ninguém, aquele sujeito estigmatizado, muitas vezes, como

inútil, anormal, anômico, outsider. Em nossa sociedade este pode ser o vagabundo –

o que não faz nada, tido como inútil para a sociedade, isto é, nada de produtivo para

a dinâmica do capital -, mas também poder ser o trabalhador braçal, exercendo fun-

ções que, mesmo sendo tidas como indispensáveis, são consideradas inferiores –

sócio-ocupações que são consideradas trabalho não especializado. Quanto a essa

divisão de trabalho especializado e não especializado Hanna Arendt afirma que “[…]

toda atividade exige certo grau de qualificação – especialidade –, tanto a atividade

de limpar e cozinhar como a de escrever um livro ou construir uma casa” (ARENDT,

1995, p.101, grifo nosso).

Essa divisão aponta e fortalece os estigmas, afirmando ainda mais as rela-

ções hierarquizadas. Estes “Joões-Ninguém” são os invisíveis6 que, aqui, discuti-

mos. Portanto podemos afirmar que esse ser-alguém é o mesmo que ter reconheci-

mento, não como mero conceito, mas enquanto ente único veste em sua subjetivi-

dade. A negação disso tem a ver com a dissociação entre a ação e o discurso, “[…]

que são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros,

não como meros objetos físicos, mas enquanto homem” (ARENDT, 1995, p.189).

Porém, faz-se importante pontuarmos que a invisibilidade social, como discutimos

6 O uso do termo invisibilidade aqui tem mais a ver com o uso que fazem os autores já apresentados. No capítulo seguinte, aprofundamo-nos nessa questão, escolhendo designar o fenômeno não por esse termo corrente.

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não estará presente somente quando os sujeitos exercem sócio-ocupações conside-

radas inferiores, mas quando são tratados como conceitos, onde a linguagem, que é

a comunicação dialógica na perspectiva de Lèvinas, não encontra espaço, passando

a existir contato entre conceitos, que podem partir até mesmo de pré-conceitos, que

distanciam humanos, construindo um medo do outro. No dizer de Lèvinas (2005,

p.58),

A linguagem, em sua função de expressão, é endereçada a outrem e o in-voca. Certamente, ela não consiste em invocá-lo como representado e pen-sado, mas é precisamente porque a distancia entre o mesmo e o outro, on-de a linguagem se verifica, não se reduz a uma relação entre conceitos, um limitando o outro, mas descreve a transcendência em que o outro não pesa sobre o mesmo, apenas o obriga, torna-o responsável, isto é falante. […] A linguagem não pode englobar outrem: outrem, cujo conceito utilizamos nes-te preciso momento, não é invocado como conceito, mas como pessoa.

Ao começarmos a descrever alguém com base em conceitos ou “pré-

conceitos”, estamos encaixando este no referencial que nos é dado. Esquece-se ou

ignora-se a pessoa, a subjetividade, individualidade a nós apresentada, ou, em ter-

mos usados por Lèvinas, ignora-se o rosto de outrem que a nós se apresenta. Logo

tal fenômeno, como já foi dito, não está limitado aos grupos socialmente com menor

poder aquisitivo ou que trabalham em serviços que exigem menos qualificação. Por

exemplo, na relação médico-paciente, quando o primeiro trata o segundo por sua

doença ocorre invisibilidade. O filme Path Adams, protagonizado pelo ator Robbin

Willians, mostra isso claramente, quando uma turma de novos estudantes de medi-

cina fica ao redor de uma paciente com um tipo de gangrena na perna, descrevendo

sua patologia, indicando o tratamento, como se não estivessem diante da pessoa,

até que o protagonista, pedindo permissão para fazer uma pergunta, dirige-se à pa-

ciente e pergunta-lhe o nome, o que parece causar espanto para os seus demais

colegas. A invisibilidade se constrói nessas relações distanciadas nas quais as hie-

rarquias são muros que impedem que haja uma relação dialógica em que um huma-

no encontre outro a despeito dos papéis exercidos é que se dá, também, a invisibili-

dade.

Outro exemplo7 relevante: a relação entre professores e alunos, naquilo que

Paulo Freire chama de pedagogia pancária. Nesta não há troca de conhecimentos

7 Os dois exemplos utilizados servem apenas de ilustração para apontarmos para a existência de uma invisilibidade para além da divisão social do trabalho ou para os grupos marginalizados social-mente.

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entre os diferentes atores envolvidos no cenário (GOFFMAN, 1999) da sala de aula,

alunos são somente depósitos do conhecimento do “mestre” que deve ser reprodu-

zido (FREIRE, 1996).

O reconhecimento do outro ocorre na comunicação, entendida como relação

dialógica, na qual se constrói o consenso. Isto não implica em concordância, mas

troca de idéias entre interlocutores que trocam reconhecimento sem que um se veja

maior que o outro, isto é sem que em sua auto-imagem se reconheçam como o ou-

tro-acima, vendo o interlocutor como outro-abaixo. Isto se dá quando os atores en-

volvidos enxergam o outro como outro-ao-lado. Isto pode se dar num simples “Bom

dia” a pessoas que geralmente não o recebem. Claro que tais atitudes são bastante

difíceis, pois se exige, para isso, uma desnaturalização de ações que passam des-

percebidas, e não se deve ter em mente que um indivíduo conseguirá escapar a is-

so, como mostra Simmel (2005), atitude blasé é necessária.

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II INVISIBILIDADE OU INVISIBILIZAÇÃO? EIS A QUESTÃO .

Sou um homem invisível. Não, não sou um fantasma como os que assom-bravam Edgar Allan Poe; nem um desses ectoplasmas de filme de Hollywo-od. Sou um homem de substancia, de carne e osso, fibras e líquidos – tal-vez se possa até dizer que possuo uma mente. Sou invisível, compreen-dam, simplesmente porque as pessoas se recusam a me ver. Tal como es-sas cabeças sem corpo que às vezes são exibidas nos mafuás de circo, es-tou por assim dizer cercado de espelhos de vidro e deformante. Quem se aproxima de mim vê apenas o que me cerca, a si mesmo, ou os inventos de sua própria imaginação – na verdade, tudo e qualquer coisa, menos eu. Minha invisibilidade também não é, digamos, o resultado de algum acidente bioquímico da minha epiderme. A invisibilidade à qual me refiro ocorre em função da disposição peculiar dos olhos das pessoas com quem entro em contato. Tem a ver com a disposição de seus olhos internos, aqueles olhos que elas enxergam a realidade através dos seus olhos físicos. (Ralph Elli-son, em Homem Invisível).

Iniciamos este capítulo com a citação acima por compreender que, em sua

escrita, o romancista, Ralph Ellison, no prólogo do seu livro, serve como ponto de

partida para a discussão que aqui nos propomos a fazer. Partindo dos dois parágra-

fos supracitados colocamos em pauta a pergunta que nomeia o presente capítulo:

Invisibilidade ou invisibilização?

Invisibilização, termo escolhido, não configura em si nenhuma novidade, ten-

do em vista que, mesmo em pesquisas superficiais feitas na Internet foram encon-

trados vários usos do mesmo. É importante esclarecer que todos esses possuem

alguma correlação, tendo a conotação de falta de reconhecimento de certos grupos

de atores sociais (GOFFMAN, 1999). Entre esses alguns conseguem se unir em prol

de uma luta – resistência8 – por esse reconhecimento, que é no fim da contas a bus-

ca por “dignidade” de que muito se fala no senso comum.

Invisibilidade e invisibilização são termos correlatos e pode-se dizer que são

equivalentes, mas defendo que seja mais adequado o uso do conceito de invisibili-

zação social, não por desmerecermos os outros trabalhos. Esses foram importantes

para percebermos pontos positivos, proximidades e lacunas nos estudos realizados

sobre a temática em questão, anunciando possíveis tentativas de avançar na área

8 Pensamos a resistência a parttir de Norbert Elias em Estabelecidos e Outsiders, quando, na conclu-são vai mostrar que através de uma compreensão melhor das configurações sociais, nas quais se estabelecem forças coercitivas, pode-se conceber algum tipo de controle sobre elas. (ELIAS, 2000)

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através da nossa pesquisa9. Entendemos por invisibilização social um fenômeno

que, assim descrito, ressalta a implicação dos sujeitos sociais no próprio processo.

Invisibilidade torna a realidade da invisibilização algo estático, como se tratasse de

um dado do social (algo como uma substância já existente).

Quando se fala em invisibilidade social se está querendo falar em relações

sociais nas quais pessoas ou grupos sofrem uma ação invisibilizadora em determi-

nadas situações. Esta não vem a mostrar que as pessoas tidas como invisibilizadas

não sejam vistas. Elas são vistas através de uma relação de dominação na qual são

vistas como inferiores, sub-humanas. Refletindo sobre o que o romancista diz “Sou

invisível, compreendam, simplesmente porque as pessoas se recusam a me ver” –

pode-se entender que é nesta recusa naturalizada, que se dá a invisibilização do

Outro, tratado como outsider. Entretanto, tais atitudes não devem servir para defen-

der um grupo e proteger outro, pois a invibilização, como aqui se quer tratar, é um

produto do poder existente entre os seres humanos, pois estabelecem relações de

dominação entre si. Desde o momento em que se nasce o sujeito está exposto a

ação do poder.

Durante toda a pesquisa, seja nas entrevistas, nos resultados colhidos pelos

questionários e até mesmo nas observações descritivas, foi-se construindo a idéia

aqui apresentada. É bastante evidente que essas pessoas estão lá – Ao menos para

o olhar do pesquisador – mesmo que muitas vezes tenhamos nos deparado com a

surpresa de colegas que, ao saberem do campo desta pesquisa, diziam, reiteradas

vezes: “Mas tem gente limpando o Midway? Vixe, eu nunca vi”. A despeito dessas

reações, não podemos pensar que essas pessoas sejam, de fato, invisíveis. Elas

estão invisibilizadas, naquele contexto, naquele cenário, assim como podem passar

por isso em outras situações, mas uma coisa deve ser levada em consideração: o

mesmo ator que é invisibilizado em determinado campo poderá invisibilizar outros

atores em outro (GOFFMAN, 1999). Dependendo dos papéis que exercem e daquilo

que se exige deles. É fato que, sendo a ação invisibilizadora um produto das rela-

ções de poder, manifestado de forma geral como violência simbólica, todos os seres

humanos experimentam isso em maior ou menor escala. O caso do “pessoal da lim-

peza” não configura em si uma exceção, reservada aos trabalhadores braçais. Como

9 Afirmamos isso com a consciência de que nos encontramos numa posição de um graduando que se envereda pelo complexo campo da pesquisa social.

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já se vem apontando a invisibilização está presente onde há uma relação de estabe-

lecidos e outsiders.

Enquanto invisíveis, as pessoas são vistas por meio de estigmas, indiferença,

por meio da divisão social do trabalho, do discurso do útil e do inútil. Dito isso, va-

mos agora conceituar como, para a presente pesquisa, se constrói o fenômeno da

invisibilização social, isto é, as várias facetas com que se vai se construindo tal fe-

nômeno, o que não implica dicotomizar os conceitos aqui apresentados. Optamos

por isso por uma questão de melhor sistematização, sabendo que nenhum dos con-

ceitos aqui apresentados sejam independentes. Pelo contrário, pois é certo que um

fenômeno social se constrói através de vários fatores interdependentes. Também é

certo que não abarcamos tudo o que se desejaria quanto ao objeto, mas apresenta-

mos os conceitos vistos como mais importantes para uma reflexão minimamente

responsável.

1 A construção da individualidade e a busca por visibilização

A busca por visibilidade tem uma íntima relação com a questão do reconhe-

cimento, embora não suceda de uma mesma forma ao longo da história (KEHL,

2004). É importante afastar a idéia de que sempre os atores sociais estiveram preo-

cupados em manter uma identidade que engrandecesse o Eu, isto é, o indivíduo

como ser autônomo, em busca de uma visibilidade que lhe trouxesse esse reconhe-

cimento. Como mostra Elias (1994) ao falar da balança Nós-Eu, há períodos históri-

cos em que a identidade Nós, isto é, a identificação com determinado grupo, era

bem mais importante do que a identidade Eu. O autor (1994, p.130) afirma:

O Estado romano republicano é um exemplo da Antiguidade é exemplo clássico do estágio de desenvolvimento em que o sentimento de pertencer à família, á tribo e ao Estado, ou seja, a identidade-nós de cada pessoa isola-da tinha muito mais peso do que hoje na balança nós-eu. Assim, a identida-de-nós mal era separável da imagem que as classes formadoras tinham da pessoa individual. A idéia de um indivíduo sem grupo, de uma pessoa tal como seria fosse despojada de toda a referência ao nós, tal como afiguraria se a pessoa isolada fosse altamente valorizada que todas as relações-nós, como família, tribo ou Estado, fossem consideradas relativamente sem im-portância, essa idéia ainda estava em boa medida abaixo da linha do hori-zonte do mundo antigo.

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Elias (1194, p. 131) enfatiza que não havia nem mesmo sido introduzido nas

línguas mais antigas o uso que é dado atualmente para o termo indivíduo. Sobre

isso ele escreve o seguinte:

A própria palavra individuum, aplicada a uma pessoa, é desconhecida no la-tim clássico. Naturalmente, os antigos romanos sabiam, tão bem como po-demos supor que todas as outras pessoas sabiam, que todos têm as suas peculiaridades. […]. Mas está claro que não havia necessidade, na camada formadora da língua em sua sociedade, sobretudo entre os usuários da lín-gua escrita, de um conceito abrangente e universal que significasse que to-da pessoa, independentemente do grupo a que pertencesse, era uma pes-soa independente e singular, diferente de todas as demais, e que expres-sasse, ao mesmo tempo, o alto valor conferido a essa singularidade (1994, p.131).

Sobre a balança Nós-Eu, acreditamos que no período supracitado a identida-

de com o grupo era o que garantia ao sujeito sua visibilidade. Por certo, existiam aí

relações entre estabelecidos e outsiders, até porque se tratava de um Estado escra-

vocrata. Neste deve-se ter em mente que a existência de uma ação invisibilizadora

se dava nas relações entre diferentes grupos que por meio de estigmas viam um ao

outro como inferior, excluindo um ou outro (ou um ao outro) o acesso a certos me-

canismos de dominação. Quanto a isso Elias (2000, p. 208):

As figurações estabelecidos-outsiders possuem regularidades e divergên-cias recorrentes. […]. No fundo sempre trata de um grupo exclui outro das chances de poder e status, conseguindo monopolizar essas chances. A ex-clusão pode variar em modo e grau, pode ser total ou parcial, mais forte ou mais fraca. Também pode ser recíproca (2000, p.208).

Há uma mudança no uso do termo indivíduo que se baseia ma ilusória auto-

nomia dos seres humanos e que valoriza mais as diferenças do que o que há de

comum (ELIAS, 1994, p.130). Esse aspecto semântico pode apontar para uma bus-

ca dos atores sociais por serem visibilizados de forma individual. Segundo Simmel

isso pode ser observado a partir do que se entende por individualidade. Ele afirma:

É uma opinião universalmente aceita entre os europeus o fato de que a Re-nascença italiana produziu aquilo que chamamos de individualidade – a su-peração tanto interna como externa do indivíduo das formas comunitárias que conformavam a forma da vida, a atividade, produtiva, os traços do cará-ter dentro de unidades niveladoras, fazendo desaparecer os traços pessoais e impossibilitando o desenvolvimento da liberdade pessoal, da singularidade própria de cada um e da auto-responsabilidade (1998 p.109).

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Essa mudança trás algumas preocupações para os indivíduos da época al-

gumas preocupações que foram aumentando e se modificando até hoje. Tais preo-

cupações se evidenciam na busca destes em diferenciarem-se entre si, tendo

[…] um desejo individual de aparecer, de se apresentar de maneira mais fa-vorável e merecedora de atenção do que era permitido pelas formas habitu-ais. O que se torna realidade nesse movimento é precisamente o individua-lismo da distinção em contraponto com a ambição do homem renascentista de se impor incondicionalmente, de enfatizar o valor de sua própria singula-ridade. (Ano 1998 p.109).

Nesse sentido a contemporaneidade continua reproduzindo e construindo es-

sa necessidade do indivíduo em fazer-se ver como único. Porém observamos que

certos atores, no desempenho de determinadas sócio-ocupações ou papéis, perdem

o direito a esse reconhecimento. É sem duvida, o caso do “pessoal da limpeza” pre-

sente no campo trabalhado, pessoas que, durante o expediente de trabalho, se

submetem a usar roupas uniformizantes, que pouco permitem a expressão das dife-

renças, como nos aprofundaremos posteriormente. Neste caso, a invisibilização pa-

rece constituir-se pela impossibilidade de se expressar essa singularidade. Prova-

velmente por esse motivo, em sua maioria, essas pessoas, logo que podem, se des-

vencilham dessas roupas, que possuem em si violência simbólica, que reprimem a

singularidade, trocando de roupa. Mesmo que não falem com ninguém, essas pes-

soas estão comunicando mais “livremente” seus gostos pessoais, seu estilo, como

muito comumente se ouve falar.

O incômodo causado pela indferenciação do indivíduo e sua conseqüente

busca por mostrar-se e apresentar-se enquanto ser singular é uma característica da

sociedade de massas. O indivíduo vê-se dissolvido nessa indiferenciação e, conse-

qüentemente, busca apresentar-se como diferente dos demais. De acordo com Maf-

fesoli (1998, p.61),

[…] É nesse sentido que uma certa indiferenciação consecutiva à mundiali-zação e à uniformização dos modos de vida e, às vezes, de pensamentos abstratos, pode caminhar lado a lado com a enfatização de valores particu-lares intensamente recuperados por alguns. Dessa maneira podemos assis-tir a uma mass-mediação crescente, a um figurino padronizado, a um “fast-food” invasor, e, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento de comunicação lo-cal(rádios livres, tvs por cabo) ao sucesso das roupas idiossincráticas, de produtos ou pratos locais, quando se trata, em determinados momentos, de reapropriar-se de sua existência.

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Partindo da afirmação acima se pode começar a compreender o incômodo do

uso do uniforme. Ali com ele vestido é-se visto como igual aos demais que dele

compartilham do uso. Sobre essa “necessidade” de diferenciação, essa exacerbação

do “eu” em relação ao nós Simmel vai fundamentar no desenvolvimento dos concei-

tos de liberdade e igualdade no século XVIII (114). Ele afirma:

No lugar daquela igualdade que expressava o ser mais profundo da huma-nidade e que, por outro lado, primeiro, ainda teria de realizar-se, temos ago-ra a desigualdade. […] Tão logo o eu no sentimento de igualdade e univer-salidade sentiu-se forte o bastante, passou a procurar a desigualdade, mas apenas aquela que surgia como lei interna. (114)

Nesta exacerbação da individualidade, que cada vez mais os indivíduos invi-

sibilizam outros, como se não pertencessem a um mesmo mundo. Os sujeitos criam

distâncias entre si e as enxergam como intransponíveis. Elias (2001, p.61) afirma

que

[…] Em sociedades mais desenvolvidas se vêem como seres individuais fundamentalmente independentes, como mônadas sem janelas, como “su-jeitos” isolados, em relação aos quais o mundo inteiro, incluindo todas as outras pessoas, representa o “mundo externo”. Seu “mundo interno”, apa-rentemente, é separado desse “mundo externo”, e, portanto das outras pes-soas, como que por um muro invisível.

Nesse isolamento, que é distanciamento e medo do outro numa decadência

das relações de alteridade, vai-se construindo essa desigualdade naturalizada – a lei

interna de que fala Simmel – que justifica o auto-reconhecimento de uns como supe-

riores, os quais se concebem o direito de reconhecer outros como inferiores por não

se encaixarem nos seus padrões sociais daqueles. Aqueles colegas, anteriormente

citados, surpresos com a presente pesquisa por nunca terem visto o “pessoal da

limpeza”, parecem desprezar essas pessoas. Nisso notamos a atitude blasé do ho-

mem metropolitano, que é, também, violência simbólica, da qual todos os seres hu-

manos compartilham da prática. Deve-se ficar claro que a ação invisibilizadora nada

tem a ver com valores de bondade ou maldade dos indivíduos, pois é fruto da cons-

trução social na qual esses estão inseridos desde que nascem. Também não se de-

ve entender que todos exerçam uma mesma ação invisibilizadora, porque alguns

são mais indiferentes à presença alheia do que outros.

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31

O que é importante ressaltar em relação ao grupo pesquisado é que ali a indi-

ferença – esse parecer que não é visto ou que é visto como uma coisa –, foi aponta-

do tanto nas entrevistas como nos questionários. No caso desse grupo a crença de

que nada pode ser feito é vigente, pois, além do papel que exercem, legitimar isto

para os freqüentadores, também existe o treinamento da empresa que os ensina a

trabalharem o mais discretamente possível, sem nunca desagradar ao cliente ou

revidar a algum mau trato deste.

A frase “O cliente tem sempre razão”, tão usual, aparece nas falas tanto dos

que ocupam os cargos administrativos da empresa como dos que estão na base

dessa pirâmide hierárquica, e que representam a maior parte dos empregados, os

auxiliares de serviços gerais (ASG). No uso de tal frase, a pessoa com o uniforme

azul desaparece enquanto agente, enquanto ser singular, sendo visto apenas como

uma espécie de robô que é acionado, quando necessário, e que não deve expressar

suas emoções, ficando invisível. Com isso, não se pode deixar de pensar na disso-

ciação entre a ação e o discurso. Há ação, mas não se dá importância ao seu agen-

te. Isso indica uma tentativa de se substituir a ação pela fabricação. Nesta última

deixa-sede, existe o risco da imprevisibilidade da ação humana, como aponta Arendt

(1995, p.232):

Essa tentativa de substituir a ação pela fabricação era visível em todos ar-gumentos contra a ‘democracia’, os quais, por mais coerentes e racionais que sejam, sempre se transformam em argumentos contra os elementos essenciais da política. Todas as calamidades da ação resultam da condição humana da pluralida-de, que é condição sine qua non daquele espaço de aparência que é a esfe-ra pública.

Essa tentativa de substituição, que nunca alcançará total êxito quando se tra-

ta de humanos, pode ser observada quando analisamos os relatos dos interlocuto-

res, com destaque para aqueles que ocupam cargos cuja responsabilidade é manter

a Ordem. A empresa, além de treinar seus funcionários para serem “bem educados”,

também exige que esses levem ao extremo a máxima: “O cliente tem sempre razão”.

Entrevistando Joelson10 ouvimos dele o seguinte: “Tem aquela regra: O clien-

te tem sempre razão. É uma merda, mas é assim mesmo.” Nesse caso, submete-se

a uma regra social como se não houvesse alternativa. Até revolta-se, mas trata-se

10 Todos os nomes dos entrevistados foram alterados buscando preservar sua identidade, evitando, assim, qualquer possível retaliação institucional.

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da resignação. Na maioria das vezes – especialmente quando não se detém status

para isso – o ator invisibilizado não vê nenhuma possibilidade de expressar sua re-

volta e de exercer resistência às ações invisibilizadas. Conforme os discursos domi-

nantes que circulam no campo, aquele que usa o uniforme, o ator que interpreta de-

terminado papel, com determinado figurino, não pode expressar a raiva por ter sido

maltratado. Não interessa para os estabelecidos quem são essas pessoas, somente

as funções exercidas.

O trabalhador braçal é rebaixado socialmente. Ele não é contabilizado como

alguém de valor, especialmente numa sociedade moderna, onde cada vez mais os

entes humanos são tratados como números, devido à valorização do quantitativo em

detrimento do qualitativo (SIMMEL, 1995). Isso vem há muito tempo naturalizado,

assim como a classificação dos sujeitos como inferiores ou superiores de acordo

com as sócio-ocupações exercidas. Dessa forma, pode-se dizer que o estigma se dá

porque o outro-abaixo é visto através do “quanto”, não importando o “quem”. O uni-

forme azul oferece informações necessárias, tidas como legítimas, para que a acu-

sação seja desferida. E, ainda assim, o acusado precisa conter-se e reprimir a sua

revolta. Sobre isso, Costa (2004, p.99) explica que

A circunstância de ter de se portar conforme uma determinada função, “sa-ber qual é o seu lugar”, produz sintomas. […] Muitas vezes, os trabalhado-res parecem agir como crianças na frente de um pai bravo e autoritário, cri-anças que não podem ter voz. Na presença do mandatário emudecem.

Weill (1996, p.79) parece concordar com isso, quando analisa a situação dos

operários:

Quer esteja irritado ou triste ou desgostoso, é preciso engolir, recalcar tudo no intimo; irritação, tristeza ou desgosto: diminuíram a cadência. E até a a-legria. As ordens: desde o momento em que se bate o cartão na entrada até aquele em que se bate o cartão na saída, elas podem ser dadas, a qualquer momento, de qualquer teor. É preciso sempre calar e obedecer. […]. Engolir nossos próprios acessos de enervamento e de mau humor, nenhuma tradu-ção deles em palavras e em gestos, pois os gestos estão determinados, mi-nuto a minuto pelo trabalho. Essa situação faz com que o pensamento se dobre sobre si, e retraia, como a carne se contrai debaixo de um bisturi. Na-da poder ser “consciente”.

Em geral, além de não poder expressar a singularidade do seu ser, o “pessoal

da limpeza” vê-se impedido de, ao menos, expressar suas emoções, pois já está

naturalizado que isso não tem importância. Nesse cenário, para a maioria das outras

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pessoas, esses invisibilizados não podem revidar a essa violência simbólica; caso

tentem, correm o risco de demissão. Empregado bom11, neste caso, é aquele que

trabalha bem, sem manifestar-se, submetendo-se às exigências desse papel. É um

acordo desigual e o não cumprimento dele por parte dos colaboradores12 acarreta

em punições que podem alcançar muito mais pessoas do que o funcionário – e, na

maioria das vezes, atinge. Não existem grandes preocupações com o caráter indivi-

dual dessas pessoas, a não ser que isso interfira no desempenho de suas funções.

Tudo o que diz respeito às suas singularidades é ignorado, pois eles estão inviabili-

zados, ou seja, sua individualidade não tem espaço naquele campo.

É essa indiferença aos fenômenos individuais que se pôde perceber tanto nos

resultados obtidos através dos questionários, quanto nas entrevistas. Quando inter-

pelado sobre se existiam mulheres na função de encarregado, “seu” Marcos, gerente

local da empresa, respondeu o seguinte, referindo-se ao início do trabalho da SO-

SERVI, no Midway: “Entramos com duas, no horário da manhã e da tarde, mas, por

problemas técnicos, tivemos que tirar e hoje eu tenho dois encarregados masculi-

nos, uma encarregada feminina e um supervisor”.

O entrevistado fala em problemas técnicos ao referir-se à impossibilidade de

permanecer com as duas mulheres em seu quadro de empregados. Ao falar assim,

explicita a relação utilitarista já tão naturalizada em sua postura, não parece falar em

pessoas, com seus sentimentos e subjetividades, mas em ferramentas, em um tipo

de produto produzido em série e que veio com defeitos, não contribuindo com o ideal

da empresa, que é aumentar a produtividade. Pode-se pensar que tal distanciamen-

to se intensificou com o advento da cidade que trouxe a intensificação de uma eco-

nomia monetária, segundo Simmel (1995, p.2):

A cidade grande moderna, contudo, alimenta-se quase que completamente da produção para o mercado, Isto é, para fregueses completamente desco-nhecidos, que nunca se encontrarão cara a cara com os verdadeiros produ-tores. Com isso, o interesse das duas partes ganha uma objetividade impie-dosa, seus egoísmos econômicos, que calculam com o entendimento, não tem a temer nenhuma dispersão devida aos imponderáveis das relações pessoais. […]. As grandes cidades sempre foram sempre o lugar da eco-

11 O empregado bom é “premiado” pela empresa a ir para a Universidade da Limpeza, em Recife, para aprender a trabalhar ainda melhor, tornando-se um multiplicador, isto é, o empregado que vai voltar para o seu cargo e terá a responsabilidade de motivar seus colegas a trabalharem de forma a fazer do trabalho ainda mais produtivo. 12 Durante a entrevista, o gerente da empresa disse preferir o uso desse termo como uma possibili-dade de abrandar a humilhação que a sócio-ocupação já representa: “Já é um povo tão sofrido, né?”, é o que diz ele sobre isso, justificando os termos eufêmicos.

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nomia monetária. […]. Mas a economia monetária e domínio do entendi-mento relacionam-se de modo mais profundo. É-lhes comum a pura objeti-vidade no tratamento dos homens e coisas, na qual a justiça formal se junta com uma dureza brutal. […]. Precisamente como no princípio monetário a individualidade dos fenômenos não tem lugar. Pois o dinheiro indaga ape-nas por aquilo que é comum a todos, o valor de troca, que nivela toda quali-dade e peculiaridade à do mero “quanto”.

Reduzir o sujeito a esse “quanto” é impossibilitá-lo de fazer-se ver além das

relações utilitárias. Não se deve entender que, nas sociedades modernas, nas me-

trópoles, as pessoas não se encontram e não se visibilizam. Como mostra Simmel

(1995), ao contrário do que possa parecer principalmente ao homem do campo, há

sociabilidade nas metrópoles. Porém, ela existe numa lógica construída em um ce-

nário bastante diferente daquele em que se insere esse ator. Não é a todo o momen-

to que as relações dos sujeitos são reduzidas a essa “objetividade impiedosa” da

qual fala o autor. Existe aí, como em qualquer outro lugar, o encontro entre sujeitos

que, mesmo não deixando de ser relação de poder, não são sempre relações entre

um outro-acima e um outro-abaixo, pois pode ser uma relação com o outro-ao-lado.

2 Divisão social do trabalho e invisibilização

Mesmo não sendo o foco desta pesquisa, é importante abordar a questão da

divisão social do trabalho, na perspectiva de Marx, como mais um dos fatores que

contribuem para a construção do fenômeno da invisibilização social, porque trouxe a

divisão entre trabalho intelectual e trabalho braçal, colocando este último num pata-

mar inferior ao primeiro, configurando-se também uma relação entre estabelecidos e

outsiders. De acordo com Elias (2000, p.200),

Karl Marx foi o primeiro a descobrir que os conflitos de grupos e os proces-sos ligados, apesar das diferenças de suas manifestações, podem possuir uma estrutura fundamental semelhante. Sua constatação de que tais confli-tos não surgem da má vontade ou da fraqueza de um lado ou do outro, mas das particularidades estruturais da sociedade em questão, foi um passo muito grande para o desenvolvimento da teoria sociológica. Todavia Marx afirmava implicitamente que todos os conflitos eram essencialmente de classe, sendo que uma delas tem a possibilidade de monopolizar as chan-ces de poder econômico. Outros aspectos que hoje em dia ocupam um lu-gar central para os seres humanos, permaneciam à margem do seu campo de visão.

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Fazemos uso desse recorte feito por Marx (1996), sem determo-nos nas críti-

cas que Elias e outros autores fazem à análise supostamente reducionista do autor.

Independente disso, seus estudos são de suma importância para o andamento da

reflexão sobre o fenômeno da invisibilização social, como algo que só pode existir

onde ocorra relação entre estabelecidos e outsiders, que é, em outras palavras, um

tipo de relação onde uns se auto-reconhecem como elite. Contudo, antes de trazer à

tona as citações de Marx, faz-se mister apresentar que informações o campo empíri-

co nos fornece para elaborarmos esta reflexão. Mesmo quando ainda não estabele-

cido um contato direto com o “pessoal da limpeza”, já percebemos a questão da di-

visão social do trabalho, até porque o trabalho desempenhado poderia ser visto co-

mo um trabalho não especializado, numa perspectiva marxista. Através da dinâmica

do mercado, o trabalho braçal, – quando o indivíduo só tem sua força de trabalho

para vender –, é posto num patamar inferior ao trabalho intelectual.

Na divisão social do trabalho, percebe-se muito claramente aquilo que Buber

(1977) chama de relações do tipo eu-isso, isto é, uma relação na qual um indivíduo

ou grupo trata outrem como ferramenta de trabalho. De certa forma, isso se eviden-

ciou nas diferentes falas dos entrevistados. A primeira questão que chamou bastante

a atenção foi quando, durante a entrevista cedida pelo gerente estadual da empresa,

pedimos que ele definisse a SOSERVI e, prontamente, ele respondeu:

A SOSERVI, hoje, é uma empresa de prestação serviços e locação de mão-de-obra temporária. Trabalhamos com limpeza e conservação, portaria, que é nosso forte, mas também recepcionista, jardineiro e outras gamas de pro-fissionais que a gente terceiriza.

Nesse relato, as pessoas desaparecem e surge apenas o que importa à em-

presa, enquanto instância empregadora: a “mão-de-obra” a ser locada. Ouvindo is-

so, mais parece que se está falando de uma mercadoria, uma coisa. E, na realidade,

é assim que se é visto, mesmo de forma naturalizada, na dinâmica do capital. Em

outro momento da entrevista, é ressaltada a importância do grupo de pessoas que

atuam no turno das 22h às 6h, pois esses são os serviços “mais pesados”, que vão

ajudar em todos os outros turnos. Isso pode ser traduzido da seguinte forma: “Bem,

nós temos várias engrenagens que precisam trabalhar de forma harmônica, cada

uma no seu horário. Quando uma não funciona direito, precisamos compreender o

porquê, para que a produção não sofra perdas”. Sobre o interesse no serviço que

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mão-de-obra pode ter, Marx (1989, p.189) explica que “Não interessa ao possuidor

do dinheiro saber por que o trabalhador livre se defronta com ele no mercado de tra-

balho, não passando o mercado de trabalho, para ele, de uma divisão especial do

mercado de mercadorias”.

Partindo disso, pode-se dizer que os sujeitos desaparecem no exercício do

seu trabalho ou, como diria Goffman (1999), no desempenho do seu papel. O geren-

te da empresa, visto aqui como empregador, mesmo que deixasse claro que se im-

portava com as pessoas, também era traído pela sua fala. Nessa, percebemos que a

demonstração de preocupação com as pessoas não passa de uma preocupação

com a manutenção do nível de produtividade da empresa. Embora gerente e super-

visores tenham um discurso padrão sobre ser política da empresa o interesse nas

pessoas, seus problemas e limitações, esse discurso foi desconstruído não só por

meio das conversas com o “pessoal da limpeza”, mas também através da observa-

ção das situações interacionais entre superiores e subalternos.

No dia marcado para tirarmos boa parte das fotografias usadas na pesquisa,

Carlos, encarregado do primeiro turno, foi mandado para conduzir-nos até Elder,

supervisor. Já eram 9h e, de acordo com o horário oficial da empresa, o expediente

dele já deveria ter terminado, mas ele nos informou que isso nunca acontecia: “Peão

é pra se foder mesmo”, ele disse. Sempre ficava para resolver alguma coisa. Nesse

dia, já que era período de pagamento, tinha de revisar as fichas dos seus subordi-

nados, onde deveriam marcar os dias que trabalharam e os de folga. Ele tinha de

checar se havia algum erro ou rasura no preenchimento. Caso houvesse, o funcio-

nário teria de preencher outra ficha, porque, sem essa, ele não receberia seu paga-

mento. Carlos só foi dispensado para ir para casa às 10h30min, quando disse: “Seu

Elder, eu não agüento mais não”. Nessa ocasião, perguntei a Elder se o pessoal tra-

balhava oito horas por dia. Ele respondeu: “Não, são sete horas, senão o pessoal

não agüenta”. Este estava no exercício de seu papel. Nesse dia, havia ido para casa

às 2h da madrugada, voltando para o Midway às 7h. Orgulhoso, ele falava: “E você

nem percebe, eu chego aqui inteiro”, fazendo alusão ao seu estado físico.

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Fig.1 encarregado checando fichas de freqüência Fig.2 fichas de freqüência

As pessoas que se submetem a esse tipo de trabalho o fazem devido à ne-

cessidade de fazê-lo. Percebemos isso em boa parte dos que exercem a sócio-

ocupação de trabalhar na limpeza. Caso tivessem a oportunidade de trabalhar em

outra função ou em outro emprego, logo largariam aquele. Com exceção do gerente,

formado em administração – e que nunca precisou trabalhar na limpeza –, muitos

funcionários, mesmo o supervisor geral – supervisor não só do Midway, mas de ou-

tros estabelecimentos da cidade –, deixaram claro que se pudessem trabalhariam

em alguma outra atividade. De acordo com os questionários aplicados, das sessenta

pessoas que conseguimos entrevistar, apenas quatro se mostraram satisfeitas com

o atual emprego. O gráfico abaixo indica essa insatisfação:

Trabalharia em outra coisa?

Sim

Não

O indivíduo, segundo Marx, só se submete a vender – alienar – sua força de

trabalho, pois não tem outra opção. As pessoas que compõem o “pessoal da limpe-

za” parecem acreditar nisso em relação ao seu trabalho, pois o mantém a despeito

de suas perspectivas sobre esse. Em geral, elas consideram essa renda indispensá-

vel ou complementar à sua renda familiar. Conforme Marx (1996, p.187-188),

Por força de trabalho ou capacidade de trabalho compreende-se o conjunto de faculdades físicas e mentais, existentes no corpo e na personalidade vi-

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va de um ser humano, as quais ele põem em ação toda vez que produz va-lores-de-uso. […] o dono da mercadoria – força de trabalho – não pode vender mercado-rias em que encarne seu trabalho, e é forçado a vender sua força de traba-lho que só existe nele mesmo.

Certamente, tal proposição serve para pensar sobre o “pessoal da limpeza”.

Mais uma vez, vê-se que o desempenho dessas sócio-ocupações vai sendo constru-

ído como algo inferior, tanto que a maioria das pessoas que daí tiram o seu “ganha

pão“ não se mostraram satisfeitas. Desse modo, parecem concordar com o lugar

social que é imposto para o seu trabalho. Por mais que não se diga tratar-se de algo

indigno, sempre nas entrevistas, mesmo com as dificuldades de admitir isso, fala-se

em “só agüentar esse serviço por necessidade, enquanto não aparece coisa me-

lhor”. Alguns até têm outras perspectivas – uma minoria –; outros parecem satisfei-

tos com esse emprego, “já que tem tanta gente querendo emprego, né?”, como ou-

vimos em certos momentos. Submeter-se a esse papel é estar exposto a vários tipos

de violência simbólica, pois, entre outras coisas, no imaginário social, o desvalor da-

do ao papel exercido era naturalmente transferido para os atores (GOFFMAN, 1999)

que os exerciam, passando a não merecerem o olhar reconhecedor, pois, até mes-

mo na relação com o dinheiro, essas pessoas vendem sua força de trabalho por um

valor irrisório, na perspectiva daqueles mais abastados, que, numa atitude naturali-

zada, taxam-nas como outsiders.

Essas pessoas se submetem a esse serviço, mesmo concordando com a vi-

são que se tem dele, por necessidade, como elas mesmas falam. Necessidade de

que? Desde as mais básicas – subsistência – até aquelas ligadas ao consumo como

marcador social (sobre o qual falarei no próximo tópico), para isso, obviamente pre-

cisa-se de dinheiro. Para Simmel (1995, p.2, grifo nosso), essa indiferença – atitude

blasé – vai ter relação com o valor objetivo que é dado às pessoas através do di-

nheiro, que “[…] indaga apenas por aquilo que é comum a todos, o valor de troca,

que nivela toda qualidade e peculiaridade `a questão do mero ‘quanto’. Todas as

relações de ânimo entre as pessoas contam os homens como números […]”.

Ver apenas “os homens como números” ou como “mera força de trabalho” é

invisibilizá-los, reduzi-los ao valor de objetos, de algo que não envolva reconheci-

mento. A falta deste vai marcando a vida dos sujeitos ao longo de seus trajetórias. É

importante ressaltar que a ação invisibilizadora não está limitada só aos pobres ou

aos trabalhadores braçais. De fato, todos os seres humanos são expostos a isso em

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maior ou menor escala, mas as camadas mais pobres da população têm mais difi-

culdades para lidar com tais problemas sócio-psicológicos, sendo taxados como out-

siders. Quanto a isso, Soares (2000, p.138) acredita que “A invisibilidade é uma car-

reira que começa desde cedo, em casa, pela experiência de rejeição, e se adensa,

aos poucos, sob o acúmulo de manifestações sucessivas de abandono, desprezo e

indiferença, culminando na estigmatização”. É importante registrar que, ainda que

use o termo visibilidade, o autor também fala sobre “artimanhas da invisibilização”,

servindo bastante para a reflexão aqui apresentada, uma vez que indica o aspecto

processual e dinâmico do fenômeno estudado.

Em geral, as pessoas que compõem o “pessoal da limpeza” já experimenta-

ram algumas práticas de invisibilização em trabalhos desempenhados antes do atual

e no lugar onde vivem e/ou cresceram. A maior parte dessas pessoas vem de bair-

ros periféricos e pobres e, por diversos motivos, não recebe a devida atenção dos

órgãos públicos. Muitos moram em bairros onde a realidade da violência, do tráfico

de drogas, das dificuldades das escolas públicas é bastante palpável. Além disso,

aqueles que trabalhavam antes desempenhavam papéis com estigmas parecidos

com aqueles com que o “pessoal da limpeza” tinha de lidar. São essas as pessoas

que, ao longo de sua vida, são vítimas de vários estigmas, indiferença e descaso,

que, na maioria das vezes, se submetem a desempenhar um papel que não lhes

concede qualquer status social diferente daqueles que estão acostumados a cum-

prir, isto é, de outsiders.

É evidente que isso não constitui qualquer novidade. Todas as pessoas – se-

jam elas estabelecidos ou outsiders – tem de lidar com diversos tipos de estigmas.

Através da caracterização das pessoas que compõem o “pessoal da limpeza”, que-

remos apenas mostrar que, seja lá qual for o tipo de invisibilização a que um indiví-

duo seja submetido, esse fenômeno não se construiu de forma isolada. No caso do

grupo pesquisado, isso se confirmou através das informações apresentadas. Existe,

sim, uma necessidade de reconhecimento, e, quando isso falta, o indivíduo sente,

mas, por muitas vezes, não oferece resistência, chegando até mesmo a reproduzir,

sem perceber o estigma que lhes é infringido, negando-lhes um “olhar que vê”, como

que negando sua humanidade, de acordo com Soares (2005, p.142):

Esse reconhecimento é, a um só tempo, afetivo e cognitivo, assim como os olhos que vêem e restituem a presença o ser que somos não se reduzem ao equipamento fisiológico. O olhar (ou a modalidade de percepção fisica-

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mente possível) que permite ao ser humano o reencontro de sua humanida-de, pela mediação do reconhecimento alheio, é o espelho pródigo que res-taura a existência plena, reparando o dano causado pelo déficit sentido, isto é, pela invisibilidade.

A falta disso vai marcando as mentes e corpos dos atores (GOFFMAN, 1999),

impondo cada vez mais o local que devem ocupar, isto é, de outsiders, aqueles que

não são visibilizados, ou, quando são, essa visibilidade sucede de maneira distorci-

da, sob um olhar dominador, que rebaixa. Uma moça que trabalhava na praça de

alimentação, quando perguntamos se ela achava se as pessoas percebiam a sua

presença, respondeu que as pessoas a enxergavam na hora em que precisavam

dos seus serviços: “Percebem, mas percebem de um jeito diferente, né?” – jeito dife-

rente, jeito como de quem olha para baixo, “mantendo distância”. Assim, Costa

(2004, p.57) comenta sobre o exercício de tais atividades: “São atividades cronica-

mente reservadas a uma classe de homens subproletarizados; homens que se tor-

nam historicamente condenados ao rebaixamento social e político”.

Por diversas vezes, precisamos explicar para integrantes do “pessoal da lim-

peza” de que se tratava a nossa pesquisa. Ao entenderem, eles se animaram para

dar-nos seus testemunhos pessoais. Logo começavam a descrever a atitude de mui-

tos freqüentadores. Uma das coisas que mais ouvimos foi que eles percebiam, por

exemplo, ao irem recolher as bandejas de mesas de locais ainda ocupados, a atitu-

de de desconfiança das pessoas. “O povo acha logo que a gente vai roubar as coi-

sas; aí, seguram logo a bolsa, celular, carteira…”, disse-nos uma moça que, no dia,

trabalhava como atendente. Isto nos conduziu a perguntarmos, através dos questio-

nários, que atitude o “pessoal da limpeza” percebia dos freqüentadores. Das pesso-

as abordadas, 29%13 afirmaram que eram cumprimentadas pelos freqüentadores,

isto é, ao fazerem um trabalho que lhes exigisse contato direto com eles, estes cos-

tumavam cumprimentar-lhe, agradecendo por ter limpado uma mesa, retirado a ban-

deja, ou mesmo dando um “boa tarde” ao entrar no banheiro. Os outros 71% dos

entrevistados mostraram que a atitude dessas outras pessoas parece ser de indife-

rença (agem como se não os vissem) ou como se não passasse de uma relação uti-

litarista, chamada por Buber (1977) de uma relação eu-isso. O gráfico abaixo elucida

o que estamos dizendo: 13 Essas pessoas diziam gostar quando isso acontecia, ao mesmo tempo em que diziam ficar surpre-sas, já que estavam sendo pagas para fazer aquilo. Sabemos que pronunciar expressões como “Mui-to obrigado” e “Bom dia” faz parte da nossa cultura, e algumas pessoas fazem isso quase que de forma automática, mas estamos, agora, mostrando o que isso significa para o “pessoal da limpeza”.

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41

0

20

40

60

N° depessoas

%

Aitude dos frequentadoresCostumamsolicitar osserviços

Parecemindiferentes

Costumamcumprimentá-lo

Sobre esse rebaixamento social, sobre a forma como o “pessoal da empresa”

é tratado como outsider, chama a nossa atenção ainda uma expressão. Pelo menos

por duas vezes, ouvimos entre os próprios funcionários usarem a expressão “peão”.

Uma delas surgiu na fala do supervisor Carlos; a outra, com o boato de que a per-

manência da SOSERVI no Midway estava ameaçada. Determinado interlocutor deu-

nos essa informação, explicando a correria em que estava e que, por isso, não po-

deria ajudar com alguns dados, no tempo em que havia prometido. Perguntamos se

era por isso que o seu Marcos, o gerente, estava andando por lá – chegamos a vê-lo

retirando bandejas das mesas, juntamente com José. Ele disse que sim e que, pelo

mesmo motivo, havia sido contratada uma nova encarregada. Quando perguntamos

sobre isso para Elder, ele pareceu demonstrar certo incômodo em ver que tínhamos

tal informação. Tratou logo de desmentir, dizer que isso não tinha fundamento. Per-

guntou quem havia dito, mas, vendo que não teria tal informação, foi dizendo: “Ra-

paz, peão é fogo. Só quer um pé para inventar história”. Ele se referia, como depois

viemos compreender, mais estritamente aos ASGs. Essa pareceu ser uma postura

tão naturalizada, tendo em vista que o interlocutor havia começado como ASG, isto

é, como peão, mas hoje, estando exercendo papel tido como superior, reproduz in-

discriminadamente o juízo sobre a origem de tais comentários.

Costa (2004, p.138) reflete sobre o peso simbólico da expressão peão:

No jogo de xadrez, o “peão” é a menor peça e em maior quantidade. A úni-ca que é quase sem poder. Trata-se de uma peça que executa função ra-sa, no tabuleiro, a mais exposta ao ataque do antagonista. Seus movimen-tos são os mais previsíveis. Aparece perifericamente na trama da partida. Parece que está ali para não aparecer, mas para dar visibilidade e proteção ao rei e à rainha. Normalmente o peão é o primeiro a ser sacrificado.

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Nesse sentido, a divisão social do trabalho é um entre outros tantos conceitos

que apontam para a ação invisibilizadora, na qual os sujeitos exercem funções que

apontam para a crença socialmente aceita como inferiores, não especializadas. Os

sujeitos que as exercem parecem desaparecer ao olhar dialógico do outro, ficando

as relações entre eles limitadas a questões de utilitarismo.

3 Consumo e o jogo dramático de visibilidade e invi sibilidade

Compreende-se a questão do consumo como marcador social que exclui e in-

clui os sujeitos em esferas sociais diferentes. Isso não poderia deixar de ser aponta-

do. O consumo forma parte da construção do sujeito enquanto ator social. Certos

papéis exigem certos graus de consumo. Não se quer aqui demonizar como fazem

alguns com a questão do consumo. Como relacionar o corpus empírico com essa

questão? O que o conceito de consumo tem a ver com o “pessoal da limpeza”? Co-

mo dissemos, as pessoas “da limpeza” o fazem por necessidade, mas, como foi de-

clarado inúmeras vezes, principalmente nos questionários, se pudessem, trabalhari-

am em outra função. No presente tópico, o que se quer é mostrar como existe uma

relação de consumo entre os papéis tidos como menores e outros como maiores. De

certo, os sujeitos, podendo, escolherão os “maiores”.

Antes de aprofundar-nos sobre a relação aqui pretendida, queremos relatar

um acontecimento contado por um amigo que dá aulas de matemática em alguns

colégios de ensino médio de Natal. Ele contou que estava tendo muito trabalho e se

decepcionando bastante com o desempenho em sala de aula. Depois de ter ouvido

de seus alunos que aquilo não era sua culpa, mas dos próprios que não faziam o

que deviam, isto é, estudar, colocou em prática um plano: aplicou uma prova surpre-

sa, sem avisar de onde tinham sido tiradas as questões. Como esperado, o desem-

penho foi péssimo, as notas variavam entre zero e cinco. Quando os resultados fo-

ram divulgados, ele disse que todas as questões haviam sido retiradas de um con-

curso para gari, realizado pela Prefeitura de Natal. Ele falou: “Se vocês continuarem

assim, não vão servir nem para ser garis”. Claro que isso causou um incômodo na

turma, também por isso, não “sonham” em trabalhar como gari: “[…] não vão servir

nem para garis”. O que isso quer dizer? Certamente traz novamente à tona toda a

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discussão aqui apresentada como que certas sócio-ocupações são consideradas

superiores a outras. Também poderia explicar porque boa parte das pessoas, duran-

te muito tempo, e ainda hoje, sonham em exercer algumas profissões, principalmen-

te as de médico, advogado e engenheiro. Não pretendemos aqui, por falta de co-

nhecimento teórico, aprofundar-nos nessa questão. Porém, são bastante óbvias as

semelhanças entre os garis e o papel desempenhado pelo “pessoal da limpeza”.

De acordo com Douglas e Isherwood (2004, p.105), “As posses materiais for-

necem comida e abrigo, e isso deve ser entendido. Mas, ao mesmo tempo, é eviden-

te que os bens têm outro uso importante: também estabelecem e mantêm relações

sociais”. Ou seja, não consumimos apenas comidas, roupas, mas também o exercí-

cio de determinadas sócio-ocupações. O rebaixamento social – ação invisibilizadora

– que sofrem os indivíduos que compõem o “pessoal da limpeza” tem também a ver

com o que os estabelecidos têm – ou não – como alvo de consumo. Num espaço

como o Midway Mall, onde sociabilidade e lucratividade aparecem juntas, parece-

nos óbvio que alguém que trabalhe na limpeza do ambiente não comungue dos sím-

bolos compartilhados pelos freqüentadores. Onde estaria a invisibilização, então,

neste caso? Como dissemos, a idéia de que o “pessoal da limpeza” não deve ser

visto é naturalizada, evidenciando-se na violência simbólica. A pessoa que exerce

determinada sócio-ocupação comunica a outras que não comungam desta, os tipos

de bens que consome e, logo, é visibilizada ou não, tratada como estabelecido ou

outsider. Douglas e Isherwood (2004, p.114) afirmam que

A escolha dos bens cria continuamente certos padrões de discriminação, superando ou reforçando outros. Os bens são, portanto, a parte visível da cultura. São arranjados em perspectivas e hierarquias que podem dar espa-ço para a variedade total de discriminações que a mente humana é capaz.

Através do consumo de bens, vão-se afirmando alguns costumes como me-

lhores do que outros. Pode-se dizer, portanto, que através do consumo práticas cul-

turais vão-se legitimando para os indivíduos de certos grupos como superiores em

relação a outras práticas. Além disso, assim também se constituem as relações en-

tre estabelecidos e outsiders. O consumo comunica socialmente algo sobre o indiví-

duo, conforme os autores supracitados (2004, p.116, grifo nosso):

Dentro do tempo e do espaço disponíveis, o indivíduo usa o consumo para dizer alguma coisa sobre si mesmo, sua família, sua localidade, seja na ci-

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dade ou no campo, nas férias ou em casa. […]. Ele pode conseguir, através de atividades de consumo, a concordância de outros consumidores para de-finir certos eventos tradicionalmente considerados menos importantes como mais importantes, e vice-versa.

Os que são estigmatizados como outsiders, quando podem, buscam adequar-

se ao padrão do grupo tido como estabelecido. Um exemplo disso são os jovens es-

tudados por Soares (2005, p.148), quando falam sobre a questão do vestuário:

O vestuário (na moda) interessa como sinal de distinção, isto é, valorização. O fetiche da moda cumpre esta função: quem a consome deseja diferenciar-se, valorizando-se – mal percebe que copia o movimento de todos, tornan-do-se, assim, indistinguivelmente banal. De todo modo, mesmo iludindo-se com o ardil da moda, mesmo enganando-se – como alías todos os jovens (e também os não-tão-jovens) das camadas médias e das elites –, os jovens invisíveis copiam os hábitos dos outros para identificar-se com os outros, passando a valer o que eles valem para a sociedade.

Soares (2005) aprofunda a discussão em torno da invisibilidade dos jovens

que moram nas favelas do Rio de Janeiro. Ele mostra que muitos buscam visibilida-

de através da imposição de uma arma de fogo, que se torna, para eles, instrumento

que impõem sobre os que o invisibilizam. Outra forma que ele aponta de busca pelo

que tenho chamado de invisibilização é a questão de vestir-se de acordo com certo

padrão.

Douglas e Isherwood (2004) relacionam status social e profissões ou funções

exercidas pelos indivíduos, especialmente quando discorrem sobre condições soci-

ais do comportamento racional14. Para tanto, os autores (2004, p.142) comparam a

hierarquização existente entre diferentes famílias:

[…] quanto mais alto as famílias estiverem na hierarquia social, tanto mais intimamente envolvidas entre si estarão, e numa rede social muito mais ex-tensa que a das classes baixas. Esse argumento é, evidentemente, o con-trário da velha idéia de que a família da classe trabalhadora desfruta de uma vida social mais rica em sua própria rua.

Para os autores, quanto maior a capacidade de comungar de certos bens de

consumo, maior será a sociabilidade. Em conseqüência, maior será o acesso a um

fluxo de informações, enquanto que aquele fora desse círculo de informações – out-

14 Neste caso, fala-se em comportamento racional, pois os autores criticam as abordagens economi-cistas que, em sua maioria, concebem o consumidor como uma marionete, sem capacidade de esco-lher. Não pretendemos aprofundar-nos nessa questão, mas concordamos com essa interpretação.

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sider –, por não comungar de determinado nível de consumo, obterá menos acesso

a informações.

Ao mostrar como o controle de certas informações tem a ver com a hierarquia

das classes sociais, os autores oferecem-nos base para podermos afirmar que a

invisibilização tem no consumo uma das bases principais de seu processo de cons-

trução. Os autores (2004, p.144) acreditam que, “[…] mesmo que a vida social da

rua fosse tão rica como o idílio nostálgico às vezes sugere, o ambiente social homo-

gêneo da classe trabalhadora oferecerá o tipo de informação que a família de classe

média pode obter por seus contatos sociais”.

Desse modo, se as informações entre aqueles tidos como outsiders não inte-

ressam aos estabelecidos, os primeiros, além de excluídos das relações dialógicas

com os últimos, também serão invisibilizados. Os níveis de consumo, nestes casos,

são como muros que distanciam diferentes atores sociais, excluem e rebaixam uns

em detrimento de outros em troca de valores naturalizados. Sobre esse controle e

valorização de informações como estratégia de exclusão, Douglas e Isherwood

(2004, p.144) expõem que

Controlar essa espécie de informação pode ser vital para obter e conservar grande potencial de ganhos. Estar inteiramente fora do seu alcance, para o indivíduo que não pode ouvi-la nem fazer ouvida sua voz, é arriscar ser tra-tado como uma pedra, atropelada e chutada para o lado – um limite à esco-lha do futuro e ao exercício da escolha racional.

O “pessoal da limpeza”, no exercício de sua sócio-ocupação, encaixa-se na-

quilo que Douglas e Isherwood (2004, p.177) chamam de “tarefas de alta freqüên-

cia”, que seriam trabalhos tidos como necessários e indispensáveis, mas que ten-

dem a ser considerados inferiores, por serem tarefas simples e rotineiras:

Limpeza de banheiros, alimentação, arrumação de camas e cuidados com a roupa são corretamente considerados tarefas rotineiras; uma tarefa rotineira é essencialmente de alta freqüência e não adiável. Tendem a ser conside-radas tarefas inferiores, e os bem associados a elas, por mais necessário e íntimos que sejam, considerados como coisas de baixo valor. Essa associa-ção funciona, mesmo na sociedade mais simples. E assim a correlação en-tre baixa posição hierárquica se torna um princípio de organização social derivado de fatores tecnológicos.

Algumas das tarefas alencadas acima são exercidas pelo “pessoal da limpe-

za”, o que fortalece a idéia construída de que esses são, naturalizadamente, excluí-

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dos de certos ambientes, ignorados, rebaixados a um status inferior. Logo, os esta-

belecidos, visando à manutenção de seu status, não se dispõem a exercer estas

tarefas. Para Douglas e Isherwood, quem quer que tivesse influência de status seria

louco de envolver-se com uma responsabilidade de freqüência tão alta. Além das

questões relativas a outras atividades, ela seria rejeitada como trabalho de muito

baixo status. Partindo disso, pode-se pensar que existe uma verdade socialmente

construída que o realizar determinadas tarefas pode rebaixar ou exaltar o indivíduo

que as exerce. No caso da presente pesquisa, pode-se, então, dizer que o fato de a

sócio-ocupação ser tida como inferior vai construir a idéia de que aqueles que as

exercem são igualmente inferiores, pois, somente assim, se submeteriam a tal coisa.

Por isso, segundo esses autores, freqüências diferentes polarizam as tarefas entre

as categorias de pessoas mais e menos valorizadas (2004, p.179). Essa percepção

está naturalizada e se denuncia na forma de violência simbólica, aqui vista como

uma ação invisibilizadora.

É importante ressaltar que o grupo estudado também faz uso de bens de con-

sumo para afirmar-se em relação a outros. Se ele não comunga dos mesmos bens

que as classes sociais mais abastadas, pode concretizar essa relação com aqueles

de classes sociais mais próximas – outro-ao-lado. O fato de estarem empregados já

serve de base para o que pretendemos apontar em nosso estudo. A maioria das

pessoas que compõem o quadro de empregados da SOSERVI dentro do Midway é

composta por ASGs15, que ganham um salário mínimo (com os devidos descontos

garantidos por lei) e uma cesta básica. Esse valor marca para esses indivíduos o

que se pode consumir, impondo restrições na periodicidade de aquisição de bens,

ao contrário daqueles que exercem tarefas de freqüências menores e que, por con-

seqüência, são socialmente mais valorizadas. É exigido desses que usufruem de

status mais valorizado certo grau de consumo. Douglas e Isherwood (2004, p.174)

mostram que o que para um indivíduo pode parecer luxo, para outro, em uma classe

social tida como superior, pode ser concebido como necessidade:

Quando a sociedade é estratificada, os luxos do homem comum podem se transformar nas necessidades das classes mais altas. Como acontece entre

15 Numa determinada entrevista, obtivemos a informação de que não existe diferença no salário das atendentes e dos ASGs. O entrevistado afirmou também não entender o porquê de a empresa dife-renciar, na nomenclatura, aqueles que ganham o mesmo (referindo-se às garotas da praça de ali-mentação, atendentes, e aos ASGs, que circulam pelo Mall, ou estão a limpar os banheiros periodi-camente). Depois de pensar melhor, esse interlocutor falou que deveria ser porque “soa mais bonito”.

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as classes sociais a periodicidade de uso não só separa os bens de classe alta, mas também serve para marcar a diferença entre classes de pessoas.

O “pessoal da limpeza” no exercício de tarefas de alta freqüência vai sendo

invisibilizado pelos que usufruem os seus serviços. São tidos como inferiores, mas

também invisibilizam outros através do seu próprio nível de consumo. Outros atores

ficam excluídos de seus círculos de relações, ficando à margem do fluxo de informa-

ções por esses produzidos. O jogo de visibilidade e invisibilidade está aí: numa soci-

edade estratificada, onde todos são produtos de relações de poder, aquele que em

certo campo sofre uma ação invisibilizadora, seja por qual motivo for, também exer-

ce tal ação logo lhe seja possível. Logo que possa estar numa posição de outro-

acima, numa pirâmide hierárquica naturalizada de relações sociais. A invisibilização

não está presa às funções exercidas, mas está intimamente relacionada com as re-

lações de estabelecidos-outsiders, que não dependem obrigatoriamente de fatores

econômicos. A partir das questões aqui relacionadas, pode-se perceber o consumo

como sendo uma forma bastante eficaz de inclusão e exclusão, distribuindo os indi-

víduos em diferentes status, que são classificados como superiores ou inferiores. O

pobre possui seu nível de consumo de bens específicos, que o faz invisível para a-

queles que o consideram inferior, mas é visibilizado por aqueles que dele comungam

e valorizam. Assim, esses invisibilizados invisibilizam outros que estejam em níveis

socialmente considerados inferiores: “Aquilo que se disfarça como uma esfera de

consumo desinteressada, amigável, hospitaleira, na prática traça linhas entre os que

estão no controle e aqueles que eles excluem” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004,

p.215).

É fato que a distribuição econômica serve em nossa sociedade de forma de

estratificação, mas, caso isso não existisse – e mesmo existindo –, pode-se encon-

trar outras relações entre estabelecidos e outsiders, havendo aí invisibilização social.

Para Douglas e Isherwood (2004, p.214),

[…] na medida em que somos uma sociedade estratificada por classes, as diferenças devem ser encontradas no lado da produção da economia, que determina a distribuição dos ganhos e da riqueza. Implica, ainda que, se es-sas diferenças fossem eliminadas, obteríamos grandes diferenças nos con-sumos apenas entre famílias grandes e pequenas, entre em empregados e desempregados, e isso seria mais ou menos tudo.

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Nesse sentido, pretendemos mostrar que, mesmo entre as pessoas de menor

poder aquisitivo, pode haver ações invisibilizadoras, seja na prioridade dada para

certos níveis de consumo, seja através dos ambientes freqüentados ou das compa-

nhias. Através da pesquisa feita junto ao “pessoal da limpeza”, pode-se pensar so-

bre as questões aqui apresentadas. São pessoas que exercem uma sócio-ocupação

ignorada, porque essa é tomada como inferior e, conseqüentemente, a sua presença

é ignorada na maioria das vezes, sendo percebida apenas em relações do tipo eu-

isso, que é outra maneira de invisibilizar alguém. Isso não implica dizer que, em ce-

nários diferentes, esse pessoal também não faça uso da violência simbólica para

invisibilizar outros atores, tidos como inferiores em sua construção social, dentro de

determinado campo. Sendo a invisibilização algo dinâmico, fruto de relações de po-

der, das quais todos são produtos, qualquer indivíduo experimenta essa ação invisi-

bilizadora sobre si, mas também faz uso dessa, mesmo sem perceber, não estando

essa restrita aos grupos sociais economicamente dominantes. As relações de esta-

belecidos e outsiders correspondem a outras tantas esferas da vida social, que ser-

vem para legitimar a invisibilização social, como estratégia para manter a segurança

de certos grupos ou indivíduos, mantendo outros afastados, demarcando bem os

espaços, cenários que são permitidos ou não a certos atores sociais.

4 “Já lhe contei minha teoria sobre os uniformes? E les nos deixam invisíveis.”

“Pois em toda ação a intenção principal

do agente, quer ele aja por necessidade

natural ou por vontade própria, é revelar

sua própria imagem” (Dante).

Fig.3 Homem invisível

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Resolvemos dedicar esta subseção à questão dos uniformes, pois compreen-

demos este aspecto como preponderante para a invisibilização do “pessoal da lim-

peza”. A frase que intitula a presente subseção foi retirada do filme Pães & Rosas,

onde dois funcionários de uma empresa de limpeza trabalham na entrada do eleva-

dor, até que duas pessoas, vestidas de terno e gravata, entram e agem como se as

duas personagens fossem, no máximo, uma barreira arquitetônica, um objeto inani-

mado. Por que fazer alusão a essa frase? Primeiro, porque o grupo pesquisado e-

xerce função semelhante em um shopping natalense, usam uniformes e estão invisí-

veis para a maioria dos freqüentadores. Antes, é necessário afirmar que, apesar dos

shoppings serem ambientes construídos com uma idéia de homogeneizar as mas-

sas, isso não se concretiza, porque os seus freqüentadores, destacando-se o Mid-

way Mall, pertencem a diferentes classes sociais. Por isso, não podemos afirmar que

todos esses não enxergam os que propiciam a higiene do mesmo, mas, como regis-

tram as respostas dos questionários, a maioria das pessoas nem ao menos se dá

conta da presença desses, mesmo quando estão limpando as suas mesas na praça

de alimentação. Apesar de não ser a nossa temática central, fazemos alusão à invi-

sibilidade social que, neste caso, é muito influenciada pela divisão social do trabalho.

Os uniformes são símbolos facilmente compreendidos na hierarquia social,

que parece dizer “Aqueles, os que usam uniformes azuis, não devem ser vistos. Não

são pessoas como nós. Por isso, não as veja!”. Com freqüência, tal apelo não é ou-

vido assim, mas na forma de poder simbólico, que, como já expomos, são ações

(habitus) naturalizadas que geram esse tipo de violência simbólica, em que uns ato-

res subordinam outros, tratando-os como pessoas inferiores, sub-humanas, meras

ferramentas, algo inanimado. Como afirma Costa (2004, p.44), “Na rua, a passagem

por alguém não é sentida por ninguém do mesmo modo que a passagem por um

poste”.

A rua aqui pode ser vista como as vias do Midway Mall, e os que são tratados

como poste são, principalmente, os que usam o uniforme. De forma direta, este co-

munica que aqueles que usam tal símbolo não devem ser vistos. Então, um olhar já

construído com uma atitude blasé – que, na sociedade do espetáculo, do consumo,

parece potencializar-se – não encontra dificuldades em invisibilizar mais um tipo de

ator indesejável, que, quando visto, não é tratado como gente, ser humano, mas

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como um exemplar de uma classe social menor, inferior, não percebido como pes-

soa singular, única.

Costa (2004, p.44) defende que “A companhia de alguém é sentida como uma

influência capaz de transpor a já preciosa companhia de coisas, plantas ou bichos.

Há certas experiências que não chegamos a alcançar se não na presença de gente”.

O que leva, então, a ignorar a presença de outro que se aproxima? Estigma e indife-

rença, como abordamos. No caso do estigma, os uniformes comunicam na perspec-

tiva dos estabelecidos. Parece que sempre essas pessoas só são vistas pelas de-

mais neste campo como se fossem todas iguais, produzidas em série, como o mode-

lo de um carro numa fábrica. À distância, é a impressão que se tem ao observá-las

trabalhando. O uso do uniforme, como o próprio nome diz, homogeneíza as pesso-

as, de modo que, olhando a certa distância, elas parecem todas iguais. Nas palavras

de Costa (2004, p.123, grifo do autor),

Para quem o uso do uniforme é obrigatório existe um lugar social específico. Naqueles trajes, os varredores, todos eles, parecem como se tivessem uma só identidade; “Nem dá para saber que é um, quem é o outro”. Para “os ou-tros”, não aparecem como pessoas. Aparece o uniforme. Desaparecem os homens.

Essa percepção contrasta bastante quando observamos como são essas

pessoas sem seus uniformes. Chegamos a ter dificuldades em reconhecê-las após o

expediente, nas paradas de ônibus, conversando uns com os outros, agora bem à

vontade, já que não estavam debaixo do olhar disciplinador da empresa. Esses ato-

res se comportam de outra forma fora desse cenário específico, seja ao irem para as

suas casas seja ao reunirem-se em festas ou reuniões informais em outros lugares.

Esses encontros se fazem freqüentes, nos quais se sentem à vontade para não se

limitarem ao contato trabalhistíco, mas lúdico. Nesses casos, o reconhecimento não

se dá pela submissão, numa relação de dominação. De acordo com Lèvinas (2005,

p.61), “[…] se este reconhecimento fosse minha submissão a ele, esta submissão

retiraria todo valor do meu reconhecimento: o reconhecimento pela submissão anu-

laria minha dignidade, pela qual o reconhecimento tem valor”.

Outro fato bastante interessante foi colhido em uma de nossas entrevistas

com José, supervisor, uma espécie de subgerente do setor, explicando-me que é

política da empresa entregar nas mãos do funcionário o uniforme e que este deve

zelar, pois possui um prazo mínimo de conservação. Dito isso, perguntamos-lhe se

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ele possuía também um uniforme. Ele disse que sim, mas prefere usar sua própria

roupa. Sempre que o vimos, encontramo-lo usando sapatos lustrados, roupas com

vinco, camisas de manga longa, mesmo que, às vezes, opte por usar camisas de cor

azul. No momento em que o sujeito ocupa um cargo, sócio-ocupação, que lhe dê a

liberdade de não usar uma roupa tão carregada de estigma, ele logo se desvencilha

dela, como quem se desvencilha de um cargo. E, de certa forma, é isso que mostra

a trajetória de José. Depois de sair das forças armadas, foi sargento, trabalhou nu-

ma empresa de segurança privada, chegou ao ramo das empresas de prestação de

serviços e, com o passar do tempo, foi subindo de ASG até o atual cargo. Porém,

antes disso, teve de usar os incômodos uniformes. O mesmo acontece com outro

supervisor, Elder, que também não usa as fardas e que constantemente é visto com

a mesma descrição de vestes de seu colega. Não se pode aqui cair na inocência de

crer que, nessa aparente liberdade, na escolha das roupas, não existe uma unifor-

mização. A roupa social é uma exigência da empresa. É possível que eles não an-

dem dia após dia com esse estilo de roupa e, se houvesse possibilidade de escolha

de uma roupa para o trabalho, talvez pudessem escolher outros tipos. Todavia, es-

sas roupas não deixam de ser símbolos de dominação e, por isso, violentam os que

não podem assim se vestir – não os fazem invisíveis. Nesse figurino, a única coisa

que pode identificá-los como funcionários são os rádios e o constante contato com

as pessoas de azul.

O uniforme também aponta para outra questão, a sócio-ocupação, que parece

sugerir a dissociação entre a ação e o discurso discutida sobre a perspectiva de A-

rendt (1995, p.189):

Nenhuma atividade humana precisa tanto do discurso quanto a ação. Em todas as outras atividades o discurso desempenha papel secundário, como meio de comunicação ou mero acompanhamento de algo que poderia i-gualmente ser feito em silencio. […]. Na ação e no discurso, os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e assim, apresentam-se ao mundo humano, enquanto que suas identidades físicas são, sem qualquer atividade própria, na conformação singular do corpo e no som singular da voz. Esta revelação de quem, em contraposição a o que alguém é – os dons, qualida-des, talentos e defeitos que alguém pode exibir ou ocultar – está implícita em tudo o que se diz ou faz. Só no completo silêncio e na total passividade pode alguém ocultar quem é […].

Não podemos deixar de relacionar a fala do gerente estadual da SOSERVI e

a citação acima. Perguntamos-lhe como fazia para controlar a questão das conver-

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sas, que pareciam atrapalhar a produtividade – termo tão comumente usado por ele,

como sendo a principal preocupação da empresa: produzir bons resultados. Ele res-

pondeu o seguinte:

Nós temos esse problema no período de segunda até quinta-feira, porque no final de semana, como o fluxo de gente aumente, não tem tempo de conversar. A gente tenta controlar da maneira melhor possível, pedindo que não aja conversa. Nos períodos onde não há muita movimentação a gente dá outra atividade, como ir limpar uma coluna, um vidro, uma mesa, que é dentro do ambiente de trabalho dela. Mas dificilmente a gente consegue a-cabar com isso […]. Não tem como.

É interessante observar que, além de ser silenciado pela ação invisibilizadora

dos freqüentadores, o grupo estudado ainda tem de lidar com a pressão da empresa

que de várias maneiras tenta silenciá-las. Isso é fazer com que haja ação sem dis-

curso, aqui compreendido como conversa com o outro-ao-lado, seu colega de traba-

lho. Há aí um investimento em dissociar a ação do discurso, fazendo com que aque-

la perca o seu caráter específico, passando “[…] a ser mais um meio de produzir um

objeto” (ARENDT, 1995, p.193). Há aí essa invisibilidade que, além de falta de reco-

nhecimento, inflige também proibições ao outsider.

O consumo é um marcador social. Aquilo que consumimos – neste caso, a-

quilo que vestimos – pode fazer com que determinados atores invisibilizem outros,

ou não. Aquilo que se veste na hora de lazer ou do trabalho legitima para quem se

auto-reconhece como elite, de forma bastante naturalizada, a invisibilização de al-

guém. Dessa maneira, ao andar na rua, percebe-se que as pessoas nos comunicam

muita coisa, muito antes de precisar-se interagir com elas. Partindo disso, podemos

dizer que, nas vias do Midway Mall, algo parece estar presente na sociedade como

um todo, e, nesse cenário, usar o uniforme azul do “pessoal da limpeza” parece justi-

ficar a sua invisibilização para uma maioria dos freqüentadores. É aí que se vê essa

relação entre estabelecidos e outsiders: os primeiros são construídos na ilusão de

deter o poder, de ser aquilo que alguns chamam de elite, estigmatizando, excluindo,

segregando outros, os segundos, que de forma naturalizada se submetem a essa

dominação, desacreditando em quaisquer mudanças, conseqüentemente, sem ofe-

recer resistência.

No entanto, diante dessas questões, outras perguntas devem ser feitas. Para

quem o uniforme do “pessoal da limpeza” legitima a invisibilização? Para quem o

uniforme comunica certa “igualdade”? Numa relação entre estabelecidos e outsiders,

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o primeiro vê o segundo como sendo aquele que optamos por chamar de outro-

abaixo, que é recebido como indesejável. Este, além de também invisibilizar outros,

é visibilizado sempre, não por aqueles tidos como estabelecidos – outro-acima, co-

mo gostamos de chamar –, mas pelo outro-ao-lado16, aquele que comunga das

mesmas – ou semelhantes – sócio-ocupações naquele determinado campo. No caso

da presente pesquisa, esse outro-ao-lado não está só entre o “pessoal da limpeza”,

mesmo entre os seguranças ou atendentes, especialmente o pessoal que trabalha

como garçom e garçonete nos estabelecimentos localizados nas praças de alimen-

tação. Somente numa relação de dominação, um sujeito busca – de forma naturali-

zada – invisibilizar outro. Nessa ilusão socialmente aceita, que se mostra como vio-

lência simbólica, uns são considerados inferiores a outros: assim se constrói a invisi-

bilização.

Em certos momentos, Costa chama esse outro-abaixo de humilhado ou opri-

mido. De fato, a dominação humilha e oprime, pondo cada qual no seu lugar, fazen-

do-os (ou fazendo-nos?) acreditar nisso como uma verdade inquestionável. Nesse

sentido, quem apenas obedece não pode, em nenhuma hipótese, questionar. Sobre

isso, cabe a interpretação levinasiana de Costa (2004, p.43):

Se pensarmos em Emanuel Lèvinas, pensamos o humilhado como quem, em companhia de outrem, experimentou um bloqueio do rosto. Perdeu altu-ra humana, ficou invisível. Ficou bizarramente conhecido por quem nele fi-xou os olhos como na máscara de um indivíduo abaixo.

O outro-ao-lado, para ser, precisa ser alguém com quem se comungue de

símbolos. As pessoas “da limpeza”, em geral, se identificam entre si, através dos

bairros de onde vêm, das músicas que ouvem, da moda que vestem, dos lugares

que freqüentam juntos; no caso da presente pesquisa, a parada no churrasquinho

antes de pegar o ônibus, as festas marcadas, os ônibus… Enfim, além dos símbolos

compartilhados durante o expediente de trabalho, existem ainda aqueles que estão

para além desse campo.

É importante ainda insistir na questão de que um mesmo ator pode estar sen-

do invisibilizado e ser visibilizado, assim como este, em outro cenário, ao exercer um

outro papel, pode exercer uma ação invisibilizadora de forma semelhante àquela que

16 Os termos outro-acima, outro-abaixo e outro-ao-lado não têm origem em qualquer teórico. De fato, são resultados da nossa interpretação das relações presentes no que Elias (2000) chama de estabe-lecidos e outsiders.

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sofreu, sem que nem ao menos se dê conta disso. Nisso, compreendemos que o

que escolhemos chamar de jogo dramático de invisibilidade e visibilidade entre os

atores sociais. Os atores sociais possuem, em si, naturalizadas práticas socialmente

construídas, sendo que reproduzem atitudes que podem ser interpretadas enquanto

violência simbólica. O poder simbólico é reproduzido tanto por aqueles que se auto-

reconhecem como superiores, como por aqueles taxados como inferiores. Por e-

xemplo, tanto o profissional liberal – que exerce profissão que lhe proporciona status

superior na sociedade – como o trabalhador braçal vêem esta última sócio-ocupação

como inferior. É aí que se pode retomar o “ser alguém na vida”, do qual se falou an-

tes. Entretanto, pode-se especular que um indivíduo que trabalha numa ocupação

que lhe traga rebaixamento social se reconhece, possivelmente, como superior ao

desempregado17. Dessa forma, se isso é concebido, o mesmo trabalhador que é

estigmatizado, tratado como coisa, invisibilizado, também faz isso. Essa ação tam-

bém pode ocorrer quando um suposto “pai de família” – como muitos com os quais

estabelecemos contato durante a pesquisa – pode dizer para o filho se calar porque

“quem manda é ele – o pai”: nessa situação, também está o “Você sabe com quem

está falando?”, já discutido.

17 É importante esclarecer que esse comentário não passa de especulação, uma divagação de obser-vações superficiais, pois, com certeza, não podemos afirmar a respeito de algo sem que tenhamos realizado uma investigação sistematizada sobre ele. Apenas tecemos comentários advindos de nos-sas observações do quotidiano e, em especial, de uma questão que, de algum modo, pode estar as-sociada ao nosso objeto de pesquisa, o fenômeno da invisibilização social.

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III “Pano de fundo tornou-se figura”: a experiência do olhar sócio-antro-

pológico

[…] Passei a ver coisas que não via. Passei a ouvir coisas que não ouvia.

Passei a sofrer por coisas pelas quais não sofria. Pano de fundo tornou-se figura […].

(Fernando Braga da Costa, em Homens Invisíveis).

1 As ferramentas: métodos e técnicas utilizadas

A pesquisa de campo não passaria de mera divagação e até mesmo reprodu-

ção de verdades socialmente construídas, no máximo senso comum rebuscado,

sem não fizéssemos uso das “ferramentas” necessárias e adequadas. Se um mecâ-

nico precisa de ferramentas, também precisamos nós, pesquisadores. Sendo assim,

aqui apresentamos os métodos e as técnicas utilizadas ao longo desta pesquisa. É

interessante observar que algumas experiências no levantamento de dados in loco

foram inesperadas. Não esperávamos, por exemplo, fazer uso de pesquisa quantita-

tiva, mas, diante do número de indivíduos envolvidos, ficou clara a inviabilidade de

trabalhar apenas com métodos qualitativos.

Inicialmente, como expomos, dedicamo-nos a uma longa observação descriti-

va, o que nos permitiu levantar perguntas cujas possíveis respostas foram procura-

das quando estivemos na fase de observação participante. Nessa fase inicial, aten-

tamos para o máximo de detalhes, que foram sendo confirmados, ou não, durante as

fases posteriores da pesquisa. Em seguida, começamos a estabelecer uma rede de

contatos18 que nos permitiu começar a observação participante. Não conseguimos

êxito em nossa proposta inicial, que era, a exemplo de Costa (2004), trabalhar de

forma não remunerada entre o “pessoal da limpeza”. Isso nos foi vetado porque, se-

gundo nos informou a gerência, atrapalharia a produtividade do serviço, assim como

a empresa não teria cobertura jurídica diante de um processo por trabalho escravo,

18 Essa rede de contatos começou com uma amiga que trabalhava na administração do Midway e que nos levou até a secretária administrativa, a primeira pessoa depois do sócio majoritário do estabele-cimento. Esta nos colocou em contato com a SOSERVI, a empresa responsável pelo “pessoal da limpeza”.

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mesmo que assinássemos documentos sérios a fim de dispormo-nos a esse tipo de

trabalho voluntário. Apesar disso, tivemos bastante facilidade de aproximarmo-nos

dos atores que compunham o cenário da SOSERVI, desde os gerentes até os

ASGs. Todos, ao entenderem de que se tratava a pesquisa, se interessaram em a-

judar. Daí, tivemos acesso a várias membros do “pessoal da limpeza”.

Foram realizadas cinco entrevistas abertas com pessoas de diferentes cargos

da empresa, a saber, gerente administrativo, supervisor volante, supervisor do Mid-

way, encarregado, atendente e ASG. Faltou uma entrevista com um dos “oficiais de

limpeza” – os que circulam de patins –, mas estivemos com esses funcionários nos

momentos de intervalo, participando de conversas. Através dessa técnica de coleta

de dados, pudemos obter informações que não obrigatoriamente seriam transcritas,

mas serviriam para guiar a pesquisa, até mesmo na confecção dos questionários e

na base teórica a ser utilizada.

Sabemos que os números são perigosos e manipuláveis (como toda lingua-

gem), mas não significa que não devam ser usados. Optamos, então, por não lhes

dá importância maior do que a de apresentar os perfis dos entrevistados. Para isso,

em discussão com o orientador, desenvolvemos dois tipos de questionário: um apli-

cado para os empregados da SOSERVI e outro para os freqüentadores. Este último

se fez urgente já que a intensa circulação de pessoas no campo de pesquisa tornou

inviável realizar entrevistas abertas com a grande quantidade de freqüentadores19.

O espaço do Midway não apresenta homogeneidade entre os seus freqüenta-

dores, o que promove distintas maneiras de exercer a ação invisibilizadora em cada

grupo de pessoas. Dessa forma, havia uma expectativa de que os questionários

mostrassem que percepção esses diferentes atores tinham sobre o “pessoal da lim-

peza”. Essa preocupação se deu por entendermos que a construção social dos indi-

víduos define os atores visibilizados e invisibilizados. Foram feitos cruzamentos de

dados para que pudéssemos responder a esses questionamentos. Com os questio-

nários aplicados ao “pessoal da limpeza”, objetivamos elaborar um perfil das pesso-

as que o compunham: o que há em comum entre elas que possa indicar que carac-

terísticas têm os atores sociais que se submetem a um trabalho tido como inferior,

tanto por grupos estabelecidos como pelos outsiders.

19 Confira a média de freqüentadores nos anexos.

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Também utilizamos imagens, fotografias tiradas no/do Midway e nos/dos seus

arredores, com o objetivo de compor um texto imagético, complementando o texto

escrito. Tivemos acesso até mesmo a espaços restritos aos funcionários. Todavia,

por vezes seguranças nos abordaram quando registrávamos imagens, mesmo sa-

bendo que essas não eram fotos de pessoas específicas ou de fachadas de lojas20.

Apesar disso, conseguimos tirar algumas fotos que se mostraram importantíssimas

para a presente pesquisa.

O espaço no qual realizamos a pesquisa e muitos dos pesquisados entre os

freqüentadores nos trouxeram desafios típicos da pesquisa feita nas nossas próprias

sociedades. Ter de ver como pesquisador onde também se é nativo traz grandes

dilemas teóricos e éticos. Velho (2003, p.8) aponta algumas questões ao falar da

pesquisa nas metrópoles:

Ao pesquisar nossa própria sociedade, temos que lhe dar come especial a-tenção com os dilemas e as questões associadas à divulgação dos resulta-dos da investigação acadêmica. Como etapa final do processo de pesquisa, a publicação dos resultados dá ao universo investigado a oportunidade de interagir, questionar, rever e mesmo oferecer visões alternativas sobre o seu próprio mundo. Esse diálogo impõe reflexão permanente por parte dos cientistas sociais, desde o inicio do seu trabalho, pensando e avaliando sua atitudes tanto em termos científicos como éticos.

Deparamo-nos tendo de lidar com os cuidados para os quais o autor atenta,

logo que começamos nossa pesquisa. Por tratar-se de um shopping, uma instituição

privada, sabíamos da necessária autorização para a realização da pesquisa. A nos-

sa explicação da pesquisa para chegarmos ao nosso objetivo foi de grande valia. Os

acordos consistiram em não mancharmos a imagem do estabelecimento, não fazer-

mos os funcionários perderem tempo ao dar-nos atenção; por isso, as entrevistas,

em geral, ocorreram no horário de intervalo dos nossos principais interlocutores.

Mesmo para tirarmos as fotografias, precisávamos de uma autorização – mesmo

que fosse verbal – para que não fossemos importunados pelos seguranças, treina-

dos para impedirem qualquer fotografia do ambiente do Midway, com exceção das

fotos nos painéis, nos quais se pode ver imagens de várias partes do mundo. Tive-

mos de tomar o cuidado de não causar problemas para o “pessoal da limpeza”, fos-

se por meio de declarações durante as entrevistas fosse por meio das conversas

com grupos maiores.

20 Já tínhamos conhecimento de que isso poderia acarretar-nos processos jurídicos.

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2 Escolhas: definindo “objeto” de pesquisa

Desde que começamos a pensar sobre a presente pesquisa, muitos grupos –

como não poderia deixar de ser – chamaram-nos a atenção para que se pudesse

estudá-los ou, como se fala comumente na academia, para que fossem nosso objeto

de investigação. Sugestões não nos faltaram, especialmente quando as pessoas

sabiam que trabalharíamos com a temática da invisibilidade (ou invisibilização como

resolvemos designar posteriormente). Foram-nos sugeridos vários lugares, inclusive

o prédio do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA/UFRN), pois seria

mais fácil estar em contato com essas pessoas, tendo em vista que já havia alguma

relação, inclusive conversas que traziam reconhecimento – algo mais do que “limpar

a sala” onde ficávamos.

Entretanto, nem sempre o mais fácil nos atrai. Também sugeriram que traba-

lhássemos com questões ligadas às lutas do povo afro-brasileiro (por nossa identifi-

cação como afro-descendente). Até mesmo que trabalhássemos com os motoboys

do Habib’s. Mas foi andando pelo Midway Mall que esta decisão foi tomada. Em pri-

meiro lugar, porque foi nele que nos deparamos com aqueles que já temos chamado

de “pessoal da limpeza”, do qual já apresentamos inúmeras descrições. Agora va-

mos apresentar nosso campo de pesquisa, começando pela escolha do espaço,

passando pela caracterização do “pessoal da limpeza” e dos freqüentadores.

3 Midway Mall

Primeiramente, a escolha de um shopping porque se trata de um símbolo de

consumo e de socialização. Sobre isso, Gottschall (2001, p.174) afirma que,

Na história da humanidade, o comércio sempre serviu de cenário à diversão e à sociabilidade, fenômeno que ainda se repete nos dias atuais. Os espa-ços espetaculares, a exemplo dos complexos comerciais de lazer e dos shoppings centers, são a reafirmação dessa vivência na vida contemporâ-nea. Inseridos no universo que se convencionou denominar pós-moderno,

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tais equipamentos urbanos resultam da combinação entre a arquitetura do lúdico – espaços cenográficos construídos com o intuito de transmitir aos vi-sitantes a ilusão de uma existência sem as dificuldades do mundo real – e o pot-pourri eclético predominante na era global, fruto da mistura da geografia de gostos e de culturas diferenciadas.

Como afirma a autora, espaços como os dos shoppings propiciam uma ilusão.

Toda a organização cenográfica do espaço tem o intuito de fazer com que os seus

freqüentadores se sintam bem, isto é, encontrem conforto, segurança, além de um

mundo lúdico que não poderiam encontrar em casa ou nas ruas. Nos shoppings,

especialmente nos Malls, a ilusão de que certos problemas sociais não existem está

a todo o momento presente. Como mostra o urbanista Davis (1993), os grandes

shoppings malls integram uma arquitetura que afasta os indesejáveis, mas que, ao

mesmo tempo, recebe classes sociais diferenciadas, dando a idéia de que aquele é

um espaço de homogeneização das massas. Sobre essa estratégia, Davis (1993,

p.230, grifos nossos) explica que

[…] os objetivos da arquitetura contemporânea e da polícia convergem com muito ímpeto para o problema do controle da multidão […], os projetistas de shoping centers e espaços pseudopúblicos atacam a multidão ao homoge-neizá-la. Eles erguem barreiras arquitetônicas e semióticas para filtrar os in-desejáveis. Eles cercam e trancam a massa restante dirigindo sua circula-ção com ferocidade behaviorista. Ela é atraída por estímulos visuais de to-dos os tipos, entorpecida por musak21. (1993: 230)

Não pretendemos entrar aqui nas questões abordadas pelo autor, que mais

parecem conceber os freqüentadores dos shoppings centers como, ao que nos pa-

rece, marionetes que obedecem quase instintivamente a certos estímulos. Contudo,

uma coisa nossa pesquisa pode confirmar: todos os espaços dos shoppings são

construídos para que o indivíduo passe a maior parte do tempo ali. No Midway, po-

demos perceber a organização cenográfica do espaço que aponta para essa inten-

cionalidade, em fazer as pessoas ficarem ali o máximo de tempo possível. Não só

pelo ar-condionado central – que é um alívio do calor sentido em Natal –, mas por

outros elementos que compõem o cenário, como sofás, que, em sua organização,

mais lembram salas de estar de algumas casas22, pianistas que tocam todas as tar-

des tanto canções da nossa Música Popular Brasileira (MPB) como de clássicos,

21 Musak: marca registrada para um serviço de música ambiente pré-gravada transmitida à distância para o sistema de som de um cliente (como um escritório, gabinete dentário ou... shopping centers) (N.A). 22 Basta que se vá até o andar que dá acesso às salas de cinema.

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reunindo um número considerável de pessoas ao seu redor. E, quanto mais tempo

essas passarem ali, melhor será a lucratividade do estabelecimento.

Fig. 4 Sofás Fig.5 Palco dentro do shopping Fig.6 Pianista

Outra característica bastante curiosa que aponta para essa intencionalidade

de “prender” as pessoas ali por mais tempo possível é a ausência de marcadores de

tempo. Não existe por todo o espaço aberto aos freqüentadores qualquer tipo de

relógio. Julgamos isso curioso, não por acharmos surpreendente, mas porque vive-

mos cada vez mais sobre a égide do cronos, que marca o ritmo cada vez mais pro-

dutivista. Dentro daquele ambiente, parece não se perceber o decorrer das horas,

por serem tantas as atrações, principalmente imagéticas, seja nas vitrines das lojas,

seja nas telas dos cinemas ou nos cardápios e fachadas das lanchonetes e restau-

rantes. Sem falar no consumo, mesmo sem gastos econômicos, mas através dos

encontros ali marcados e efetivados. É comum ver grupos de amigos sentarem na

praça de alimentação sem consumirem qualquer alimento, conversarem e tirarem

fotos uns dos outros, numa relação de reconhecimento mútuo, que parece bastante

narcísea e que, cada vez mais, vem-se tornando um acontecimento corriqueiro. As-

sim, os shoppings não são lugares só de consumo econômico, mas também de con-

sumo de imagens – até mesmo imagens mútuas, como novas formas de reconheci-

mento do outro.

A parte exterior desse estabelecimento está rodeada de jardins, regados à

noite. Porém, ao observar a fachada, o que nos chama a atenção são os vários car-

tazes que parecem indicar o público-alvo do local. Vemos ali fotos gigantes de jo-

vens usando aparelhos de som portáteis, famílias constituídas por pai, mãe e filhos,

grupo de adolescentes, casais de idosos etc. Não se viam, até pouco tempo, fotos

de pessoas de pele negra23. Não podemos aprofundar-nos no que isso pode repre-

23 No mês de maio, percebemos uma pequena mudança nisso: puseram uma foto gigante com ne-gros. Mesmo aí, vemos a afirmação de um preconceito, pois a imagem retratava uma família onde ambos eram negros, como se costuma ver nas propagandas, e, quando o mais comum, é ver famílias tidas como mistas.

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sentar. No entanto, se essas fotografias constituem uma linguagem semiótica, ao

deparar-se com essa ausência, pode-se conceber que se trata da afirmação de um

preconceito contra os negros, tão presente em nossa sociedade. Também foram

ignorados nessas imagens outros públicos que freqüentam o Midway, como homos-

sexuais e lésbicas. Apesar de já existirem uniões entre pessoas do mesmo sexo,

essas parecem ser totalmente ignoradas nesses momentos24.

Fig.7 Painel externo Fig. 8 Painel externo

Fig.9 Painel externo Fig. 10 Painel externo

É nesse espaço onde sociabilidade e lucratividade podem ser vistas juntas

que resolvemos desenvolver a pesquisa, onde pessoas que não estão ali – no perí-

odo de trabalho, pelo menos – para consumir, mas para vender sua força de traba-

lho, e que, andando por esse campo, não são percebidas, como já abordamos. De

acordo com Davis (1993, p.220), os shoppings centers – shopping panoptíco, como

ele mesmo chama –, além de segregar, servem para “capturar os pobres como con-

sumidores”. Durante a pesquisa, deparamo-nos com a diversidade dos freqüentado-

res deste estabelecimento. Não podemos dizer que esse se dirige somente a uma

24 Essas questões apontam para outra forma de perceber a invisibilização social, em que grupos re-presentantes do que se tem chamado de minorias são ignorados.

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elite econômica, pois percebemos atores sociais dos mais diferentes grupos. Obvi-

amente, eles não compartilham dos mesmos símbolos. Isso foi ficando claro até

mesmo ao observarmos os espaços freqüentados no Midway. Porém, ali existe a

ilusão de que pobre ou rico, ao freqüentar aquele ambiente, são postos em par de

igualdades. Ricos e pobres podem pagar uma mesma quantia e usufruir a mesma

sala de cinema, por exemplo.

No espaço do shopping, também existe a idéia de segurança que contrasta

com a suposta insegurança das ruas, não só pelos seguranças contratados para

cuidarem de qualquer problema naquele ambiente, como também das câmeras ins-

taladas por todo o espaço. Enquanto isso, a rua apresenta um cenário sempre ace-

lerado, formado pelas várias pessoas que por ali passam, pedestres ou motoristas,

além do mercado informal ao redor do Midway, que oferece um cenário bem mais

“calmo”, onde se pode transitar sem pressa, sem medo de ser assaltado, já que tudo

é monitorado25. Sem dúvidas, esse é outro atrativo para a escolha do shopping co-

mo principal opção de lazer em sociedades modernas e industrializadas.

. Fig.11 Praça de alimentação (por Celso). Fig.12 Via do Mall Fig.13 Pessoas saindo do shopping

Fig 14. Câmera de segurança Fig.15 Shopping fechando Fig.16 Lateral shopping –Bernardo Vi-eira

Retomando a questão da busca por homogeneização das massas nesses es-

paços, essa proposta logo se fragiliza. Basta caminhar pelo Midway Mall, por exem-

25 No G-6, ao lado do refeitório dos funcionários, localiza-se a central de segurança do Midway, além dos monitores que dão conta das inúmeras câmeras, existe uma viatura da empresa responsável que periodicamente faz rondas ao redor do Midway.

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plo, onde se percebe que as lojas mais freqüentadas são as “âncoras”, as que dão

maior lucratividade para o estabelecimento, as também chamadas lojas de massa, a

saber: Riachuelo, C&A, Mariza etc. Certamente, os públicos que freqüentam tais lo-

jas se diferenciam bastante do daquelas lojas menores, cujo público possui maior

poder aquisitivo. Essas lojas expõem seus preços de forma bem visível, uma estra-

tégia para comunicar para que público se dirigem os seus produtos. Não é interes-

sante para uma “loja de grife” que uma pessoa considerada pobre seja vista usando

um de seus produtos. Outra forma de desconstruir essa pseudo-homogeneização é

caminhar, de forma bem analítica, pela praça de alimentação, onde existe toda sorte

de lugares para alimentação, desde lanchonetes, como o popular Habib’s, até res-

taurantes mais caros, onde os pratos individuais ultrapassam R$ 30,00, o que não

está ao alcance da maioria das pessoas que acessam aquele espaço. Observando-

se quem freqüenta cada um desses estabelecimentos, verificam-se os diferenciais

quanto ao capital financeiro.

A própria localização desse estabelecimento possibilita essa leitura. Localiza-

do num dos pontos mais centrais da cidade, já que existem ônibus para quase todas

as localidades da região, – daí possivelmente o nome Midway que, ao pé da letra,

quer dizer “meio do caminho” –, facilita a entrada de diferentes atores: alunos do

Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET-RN), tra-

balhadores que moram perto, pessoas que residem na Zona Norte da cidade, pes-

soas que moram perto… enfim, esses dados, levantados através dos questionários

fechados (Cf. Anexos), promovem a evidência de como é variado o público de fre-

qüentadores desse estabelecimento.

Fig.17 Fig. 18 Fig. 19

Descobrimos através do contato com a assessoria do Midway Mall que, em

Natal, esse foi o primeiro shopping com as características aqui apresentadas. Refe-

rimo-nos especificamente ao shopping mall. De fato, já havia outros tipos de shop-

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ping na cidade. Gottschall (2001, p.174, grifos nossos) mostra como esse tipo de

estabelecimento é bem recente na realidade brasileira:

A difusão dos complexos comerciais de lazer nos grandes centros urbanos decorre, dentre outros fatores, da emergência do lazer como instrumento de sociabilidade e de investimento empresarial, do aprofundamento dos confli-tos sociais e da necessidade dos indivíduos de escaparem de suas referên-cias cotidianas, posto que tais espaços espetaculares reacendem a pers-pectiva da “cidade ideal”, conceito já encontrado nas análises de Walter Benjamin quando se refere às galerias parisienses do século XIX. Na atuali-dade, tais equipamentos assumem diversas modalidades: parques temáti-cos, complexos hoteleiros, multiplex, shopping mall, museus universitários, arenas e, até mesmo, cibercomunidade – global village. Tais variações são definidas segundo as necessidades dos consumidores, interesses do capital e graus de sofisticação das localidades. […]. No Brasil essa atividade é re-cente. Os primeiros investimentos aplicados em parques temáticos, shop-ping mall e complexos hoteleiros começaram a ser feitos na segunda meta-de dos anos 1990. A migração de grupos norte-americanos e a importação de tecnologia foram fundamentais para a alavancagem desses empreendi-mentos, que vêm sendo financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvi-mento Social (BNDES) e pelos fundos de pensão.

Percebemos também nesse espaço aquilo que Simmel (1995) aponta quando

aborda a questão da atitude blasé. No espaço desse shopping, na relação entre os

freqüentadores e o “pessoal da limpeza”, observamos essa relação de forma clara.

De acordo com dados cedidos pela equipe de marketing do estabelecimento, em

2006 o número de freqüentadores do Midway Mall corresponde a uma média de

14.245.152 pessoas ao longo de todo o ano, o que dá uma média de, aproximada-

mente, 1.187.096 pessoas por mês. É evidente que há meses em que a freqüência

aumenta ou diminui; aqui expomos somente uma média simples. Num espaço com

tamanho fluxo de pessoas, não é surpresa que as pessoas que trabalham na limpe-

za, serviço socialmente estigmatizado como inferior, não sejam notadas em suas

singularidades.

No Midway Mall, em sua arquitetura, descobrimos diversas maneiras de acen-

tuar a invisibilização do “pessoal da limpeza”, entre outros colaboradores. Existem

inúmeros locais restritos: espécies de becos – chamados pelos funcionários de cor-

redores técnicos – que ligam duas vias de circulação; escadas e elevadores de ser-

viços que devem ser usados por essas pessoas; banheiros de uso exclusivo dos

funcionários; entre outros. Isso as separa do contato com os freqüentadores ou, no

mínimo, evita uma interação maior.

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20. porta de um corredor técnico 21. Interior do corredor 22 Banheiro exclusivo para funcionários

As questões do uso de certos lugares restritos aos funcionários desse espaço

se evidenciaram também quando buscamos saber onde se localizava a sala da SO-

SERVI dentro do Mall. Passamos a seguir alguns funcionários e descobrimos que

ela se localizava no andar térreo, próximo aos banheiros. Foi interessante obser-

varmos que, apesar de o shopping ser bastante sinalizado, de forma semelhante aos

corredores técnicos, não existe quaisquer sinalizações que indiquem o uso daquela

sala26. As imagens abaixo evidenciam melhor o que comentamos:

Fig. 23 Portas das antigas salas da Fig. 24 Via de saída I Fig. 25 Via de saída II

SOSERVI no Mall

Além da indiferença – atitude blasé –, o treinamento da empresa que exige a

máxima discrição, o estigma infligido a essas sócio-ocupações, o alto fluxo de pes-

soas, até mesmo a organização espacial do estabelecimento contribuem para que “o

pessoal da limpeza” seja invisibilizado por uma maioria que usufrui os serviços do

Mall. Esse espaço nos pareceu exibir a reserva e indiferença de que fala Simmel, ao

analisar as grandes cidades de seu tempo. De acordo com o autor (1995, p.8, grifos

nossos),

O desenvolvimento da cultura moderna caracteriza-se pela preponderância daquilo que se pode denominar espírito objetivo sobre o espírito subjetivo, isto é, tanto na linguagem como no direito, tanto na técnica de produção como na arte, tanto na ciência como nos objetos de âmbito doméstico en-carna-se uma soma de espírito, cujo crescimento diário é acompanhado de um distancia cada vez maior e de modo muito mais incompleto pelo desen-

26 Atualmente essa sala está desativada, garantindo que o “pessoal da limpeza” esteja no Mall ape-nas para exercer as suas tarefas.

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volvimento espiritual dos sujeitos. […]. De qualquer modo o indivíduo está cada vez mais incapacitado a se sobrepor a cultura objetiva. Ele foi rebaixa-do a uma quantité négligeable, a um grão de areia em uma organização monstruosa de coisas e potencias, que gradualmente lhe subtraiu todos os progressos, espiritualidades e valores e os transladou da forma da vida sub-jetiva à forma da vida puramente objetiva. […]. Basta notar que as grandes cidades são os verdadeiros cenários dessa cultura, que cresce para além de tudo o que é pessoal.

No cenário do shopping em questão, essa impessoalidade salta aos olhos.

Entretanto, isso não implica que não existam ali sociabilidades; pelo contrário, nesse

espaço, amigos, namorados, parentes se encontram, mas também nele vemos ros-

tos – usando o termo de Lèvinas – sendo ignorados, o que ocorre quando não exis-

tem planos comuns. Para esse filósofo (2004, p.59, grifos nossos), rosto

[…] É esta presença para mim de um ser idêntico a si, que eu chamo pre-sença do rosto. O rosto é a própria identidade de um ser. Ele se manifesta a partir dele mesmo, sem conceito. A presença sensível deste casto pedaço de pele, com testa, nariz, olhos, boca, não é signo que permita remontar ao significado, nem máscara que o dissimula. […]. Como interlocutor ele se co-loca em face de mim, e, propriamente falando, somente o interlocutor pode se colocar em face de mim.

Diante disso, paradoxalmente partindo dessa idéia de rosto, para Lèvinas, e

dessa relação entre pessoas, acreditamos que foi no Midway onde melhor pudemos

perceber esse contato entre atores sociais que não se fazem interlocutores, um con-

tato distanciado, onde não há diálogo, atitude comum numa relação do tipo eu-tu,

usando os termos de Buber (1977). Sabemos que isso não acontece apenas nesse

espaço, mas serve de modelo para outras reflexões. Entender o funcionamento do

Midway Mall, saber como seus administradores fazem rondas, muitas vezes disfar-

çados de meros freqüentadores, além de conhecer os lugares mais isolados, desti-

nados aos funcionários, tudo isso nos deu uma percepção melhor de como se esta-

belecem nesse espaço as hierarquias em que o “pessoal da limpeza” está inserido.

4 O “pessoal da limpeza”

Iniciar o contato com esse grupo de pessoas foi, sem dúvidas, um grande de-

safio. A distância entre o “nosso mundo” e o dessas pessoas era muito grande, o

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que contraria a distância física. Não sabíamos como chegar até elas. Num primeiro

momento, dedicamo-nos bastante a fazer uma observação descritiva, buscando pra-

ticar ainda mais o estranhamento do familiar. Percebemos os diferentes uniformes e

como esses pareciam demarcar os vários cargos da empresa, o que posteriormente

veio a ser confirmado nas entrevistas.

Fig.26 Supervisor, ASG e Fig. 27 Oficial de limpeza 28 Supervisor e encarregados

atendente

Procuramos lugares estratégicos, principalmente no espaço da praça de ali-

mentação, foco principal desta fase da pesquisa. Passamos a sentar periodicamente

– de duas a três vezes por semana – nos mesmos lugares, próximos a uma deter-

minada lixeira. Nesse cenário, notamos o fluxo de idas e vindas das atendentes e de

outros ASGs masculinos, como costumam falar os funcionários da empresa. Perce-

bemos como os comportamentos mudavam. Primeiro, tinha-se aquela postura res-

peitosa para com os superiores, especialmente quando esses vinham reclamar da

falta de rapidez no serviço ou do excesso de conversa existente entre eles. Os su-

balternos dificilmente questionavam aquilo que lhes era falado. Porém, bastava que

o seu “superior” se afastasse para os outros darem um jeito de juntarem-se. Nessa

hora, aquele repreendido se justificava, tendo, às vezes, a concordância e apoio dos

outros nas suas reclamações. Por outro lado, também observamos funcionários que

não apoiavam essas reuniões e tentavam dissuadir seus colegas a não continuarem

com aquilo e a voltarem ao trabalho.

As lixeiras, de onde também são recolhidas as badejas para voltarem aos

seus locais de origem27 – lanchonetes e restaurantes –, estão localizadas em pontos

estratégicos, juntas a algumas pilastras da praça de alimentação. Ali é designado

um número exato de funcionários, responsáveis por um espaço determinado, se-

27 As bandejas são recolhidas das mesas, postas sobre as lixeiras, recolhidas pelos funcionários das lanchonetes e restaurantes. Isso, às vezes, é motivo de algumas discussões entre o “pessoal da lim-peza” e esses outros funcionários que, pressionados pelos seus gerentes, quanto ao retorno de ban-dejas, pratos e talheres, passam a pressionar o “pessoal”.

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gundo informação colhida nas entrevistas. Esses também são os pontos de encontro

durante o expediente, aqueles que têm acesso não limitam suas conversas aos ho-

rários do intervalo, ali também, como se diz, coloca-se “a fofoca em dia”. São nos

poucos minutos em que ficam parados que aproveitam para conversar. Isso era per-

cebido ainda na fase descritiva.

29 Lixeiras (Por Celso) 30 Recolhendo pratos 31. Limpando a mesa”

Através dessa estratégia de observação, a nossa imagem se foi fazendo fami-

liar a essas pessoas, especialmente para as atendentes, que vez ou outra passavam

a cumprimentar-nos, demonstrando que já haviam nos percebido. Houve aí troca de

olhares, cumprimentos. A partir disso, travamos alguns diálogos curtos, algumas

perguntas iniciais, mas de suma importância. Quando souberam do foco de nossa

pesquisa, expressaram uma atitude inicial de estranheza, que, porém, logo se dissi-

pou, transformando-se em curiosidade. Disseram-nos que, se quiséssemos falar

com mais gente, poderíamos ir até o G-5, onde até então28 se reuniam quando ti-

nham intervalo. Nesse momento, havia pressa, pois nele se pode fumar, falar com

certa liberdade, brincar, falar alto. Alguns lêem, mas a maioria aproveita esse curto

tempo para brincar uns com os outros. Uma moça que trabalhava na época como

atendente, ao fazer o convite para irmos até esse espaço, fez um alerta: “O pessoal

lá é legal, só falam em sacanagem, mas é todo mundo gente fina”. “Lá” se tem uma

atitude que demonstra mais quem essas pessoas são além do seu trabalho. Por

muitas vezes, estivemos juntos com algumas dessas pessoas no horário do interva-

lo. Aos poucos, a nossa presença se tornava familiar. Com o tempo, as conversas,

que inicialmente eram bastante desconfiadas, ficaram mais “livres” na nossa presen-

ça. Ouvíamos sobre as paqueras, tanto entre aqueles que compunham o “pessoal

28 Posteriormente esse espaço passou para o andar superior, G-¨6, onde ficam também a central administrativa e a central de segurança do Midway.

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da limpeza”, como entre outros funcionários a serviço do shopping. O alerta de nos-

sa informante – “só falam em sacanagem” – foi confirmado nas vezes em que esti-

vemos com eles. Realmente a questão da sexualidade era um assunto predominan-

te, além dos encontros para saírem juntos para alguma festa, na maioria das vezes,

um forró. Alguns aproveitavam o intervalo para resolverem problemas pessoais –

pagarem contas, ligarem para alguém –, enquanto que outros se alimentavam29 com

bastante pressa para terem tempo de tirarem uma soneca.

Ainda sobre o refeitório dos funcionários30, existem algumas observações re-

levantes. Em nossa primeira visita, José informou-nos que só não conseguia manter

limpo este ambiente. O motivo, segundo ele, era o alto fluxo de pessoas em todos os

turnos. Ao lado desse refeitório, existe um outro, chamado por ele como refeitório

VIP. Nosso interlocutor tentou desfazer o que dissera, informando que era apenas

uma brincadeira. No entanto, constatamos diferenças concretas entre os dois espa-

ços. No refeitório dos funcionários, as cadeiras eram de ferro, desgastadas, com a

tinta descascando, enquanto que, no refeitório utilizado pelo pessoal da administra-

ção31, em momentos específicos, percebemos o cuidado até mesmo com o chão32.

Embora os oficiais da limpeza tenham a responsabilidade de patinar pelo Mall en-

contrando e acabando com os arranhões no piso, não recebe tantos cuidados o

chão usado prioritariamente pelo “pessoal da limpeza”, vendedores de lojas e gar-

çons. Isso não aponta para nenhuma novidade, já que a ilusão de um ambiente per-

feito, sem perigos e sem preocupações, não se dirige a esse público, que está ali

para vender a sua força de trabalho e não para consumir o que está sendo vendido

(ao menos não naquele momento).

29 O pessoal do segundo turno – de 6h às 14h – geralmente almoçava por volta das 10h30, pois ao meio-dia deveriam estar postos na praça de alimentação, sendo esse horário um dos mais agitados do dia. 30 Esse local não é restrito ao “pessoal da limpeza” (apesar de ser de uso predominante deste). To-dos os funcionários do Midway, com exceção do pessoal da administração, devem utilizar esse local. É regra do estabelecimento que os funcionários não façam suas refeições na praça de alimentação. 31 Sempre que fomos até o G-6, encontramos esse local fechado, mesmo nas horas das refeições. 32 Não se deve ter nessas informações surpresas, mas ressaltamos o contraste entre o cuidado com a área utilizada pelos freqüentadores e a parte restrita a esses. Isso foi percebido também quando comparamos a limpeza do banheiro dos funcionários, no Mall, e os vestiários desses no G-6.

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32 Refeitório dos funcionários 33 Refeitório “VIP”

34 Entrada para o refeitório 35 Intervalo para o almoço

Além do refeitório, existem outros ambientes de uso restrito ao “pessoal da

limpeza”. Logo ao lado desse espaço, encontra-se o local onde são guardados os

materiais de estoque (papéis-toalha, papel higiênico etc.), assim como toda a sorte

de ferramentas de trabalho. Nesse ambiente, também são realizadas as misturas de

produtos de limpeza usados na limpeza do Midway, pois, como esses chegam bas-

tante concentrados, é necessário que sejam feitas misturas para que suceda a dis-

tribuição nos lugares estratégicos, assim como entre os funcionários que deles u-

sam. É importante registrar aqui a não utilização de utensílios de proteção, como

máscaras, luvas etc., por parte do “pessoal da limpeza”, quando não está limpando

os banheiros. Nesses espaços, a empresa responsável exige o uso desse material –

exigência que parece não existir quando os funcionários não se encontram em es-

paços onde possam ser vistos pelos freqüentadores ou manter contato com eles.

36 Misturando os materiais I 37 Misturando os materiais II

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38 Recolhendo lixo 39 Estoque de materiais

Chamou-nos a atenção a valorização das máquinas usadas pelo “pessoal da

limpeza” no período da noite. Um de nossos interlocutores descreveu uma das má-

quinas como sendo a “mãe da SOSERVI”. Ele explicou que falava isso porque ela

fazia o trabalho de diversos homens em bem menos tempo e melhor, só precisava

que um indivíduo a guiasse. Essa máquina lavava uma via inteira – aproximadamen-

te trezentos metros – em apenas vinte e cinco minutos. Ainda nos foi falado como

era complicado quando uma máquina dessas quebrava. A cobrança em cima dos

trabalhadores tornava-se maior, pois esses teriam de lavar todo esse espaço, além

das suas outras atribuições, mantendo a excelência da máquina. Isso se complicava

ainda mais pelo fato de que o turno da noite possuía um número menor de funcioná-

rios33 devido ao uso dessas máquinas.

40 Máquina de lavagem de piso 41 Enceradeira 42 Local de recolhimento de ferramentas

Certas vezes, torna-se difícil perceber o “pessoal da limpeza”, especialmente

nos feriados e fins de semana. Nesses momentos, exige-se deles mais empenho.

Por isso, eles quase correm para manter a produtividade exigida pela administração

do shopping. Há um ritmo quase frenético no recolhimento e devolução das bande-

jas, na limpeza e banheiros, no recolhimento do lixo das lixeiras. No fim do expedi-

ente, depois de tanto trabalho, seus corpos demonstram como sofrem com tudo is- 33 No turno da tarde, existem pouco mais de quarenta pessoas trabalhando, enquanto que, no turno da noite, são apenas vinte e cinco.

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so. Ouvem-se reclamações de dor por várias partes do corpo, especialmente a colu-

na e as pernas.

Por diversas vezes, resolvemos ficar no Midway até o horário do seu fecha-

mento, quando o pessoal do segundo turno34 estava preste a ir embora. Nesse mo-

mento, as lojas são fechadas; as mesas, limpas; as cadeiras, postas sobre aquelas.

Percebe-se também a pressa em ir embora, desvencilhar-se do uniforme. No caso

das atendentes, uma atitude quase unânime pôde ser percebida: desfazem-se os

coques – penteado padronizado –, desabotoa-se o uniforme em plena praça. Mesmo

ainda sob a égide do olhar institucional, já não se fala baixo, ouvem-se gritos no am-

biente de trabalho – gritos que não são dados na presença dos freqüentadores. Os

colegas de trabalho ficam a puxar uns aos outros para irem embora. Eles saem pe-

las portas traseiras do Mall, que dão acesso ao estacionamento, elevadores de ser-

viço e escadas, e se dirigem até ao G-5 para trocarem de roupa. Existe pressa em

desvencilhar-se do uniforme. Admitimos que houve dificuldade em identificar o “pes-

soal da limpeza” sem seus trajes de trabalho. Na parada de ônibus, por exemplo,

espalhados entre tantas outras pessoas, isso se mostrava difícil. Não pareciam as

mesmas pessoas. Usando os termos de Goffman (1999), podemos dizer que esses

atores mudam muito quando não estão atuando como “pessoal da limpeza”. Depois

do expediente, eles não podem ser identificados como homens-ferramenta. Em meio

à multidão da rua, eles são no máximo desconhecidos para uns e conhecidos de

outros. Assim como os uniformes são carregados de estigma por homogeneizarem

os corpos, as roupas usadas depois do expediente também comunicam algo, mes-

mo antes de qualquer comunicação verbal. Essas são roupas escolhidas de acordo

com seus gostos pessoais, construídos ao longo de sua trajetória social. Essa dife-

rença também pôde ser percebida ao depararmo-nos com Joelson35, um dos poucos

que costuma não tirar o uniforme ao ir para casa, porque, segundo ele, tem pressa

de chegar. Certa vez, ele estava na parada com uma camisa de seu time, Flamengo,

passamos diversas vezes por ele e não houve cumprimento, até que ele tomou a

iniciativa e chamou nossa atenção. Nosso olhar havia-se acostumado com a ima-

gem dele no uniforme, isto é, naturalizou-se.

Foi também nas entrevistas que pudemos descobrir que o “pessoal da limpe-

za” se encontra em momentos lúdicos, nos quais se estabelecem limites: não se de-

34 Horário das 14h às 22h. 35 Isso aconteceu não só com ele, mas essa experiência se destacou bastante.

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ve ali se tratar como no trabalho, mas como “colegas de farra”, como nos foi dito.

Joelson contou-nos que certa vez, ao ir a uma festa de aniversário de uma colega de

trabalho, chegando lá ela lhe deu as boas-vindas e o tratou como superior, ele foi

logo deixando claro: “Aqui eu sou apenas Joelson”.Isto é, ali, fora do cenário do tra-

balho, não deveria ser tratado como encarregado. Esse era um papel que não se

adequava ao cenário em que eles estavam, um lugar de festejo.

Joelson tornou-se um dos nossos maiores contatos, facilitando nosso acesso

aos seus colegas de trabalho, assim como sendo a pessoa chave para a distribuição

e recolhimento dos questionários junto a estes, especialmente após a entrevista ce-

dida por ele. Durante esta estivemos usando a sala da SOSERVI dentro do mall.

Além das informações adquiridas na entrevista foi interessante perceber algumas

questões. Eram 16h: seria a hora do almoço (o intervalo, único momento para as

entrevistas). Perguntamos se não tinha como almoçar mais cedo. Ele disse que só

tinha como almoçar naquele horário e daquela vez nem iria ter como, foi quando

mostrou o bolo de fichas de cada empregado do seu turno36. Também mostrou dois

tipos de advertências que eram usadas para alertar aos funcionários que seu de-

sempenho – produtividade – estava deixando a desejar. Ele explicou que quando o

funcionário cometia um erro, primeiramente seria alertado verbalmente, depois rece-

beria uma advertência por escrito, e depois outra. Após essa ultima, não havendo

mudança, o sujeito era despedido. Toda a entrevista foi feita sob o olhar vigilante de

um outro supervisor chamado Elder. Sempre que ele adentrava a sala nós paráva-

mos a entrevista – escolha do entrevistado -, pois poderia ser prejudicado caso seu

superior ouvisse ele fazendo qualquer crítica à empresa. Em um dado momento da

entrevista ele comentou sobre a falta de organização da empresa houve um certo

constrangimento, pois Elder havia ouvido o comentário. Joelson logo comentou:

“Depois ele vai vim puxar a minha orelha.”

Ainda sobre essa forma de controle a que é submetido o “pessoal da limpeza”

pudemos ouvir algo bastante interessante: na primeira entrevista, realizada com Jo-

sé37, presenciamos uma estratégia de controle e “incentivo” à produção. Por quatro

vezes tivemos a entrevista interrompida por outros funcionários. Todos vinham de-

36 O funcionários tem que preencher suas fichas, onde deve constar os dias que trabalharam no mês, assim como os dias de folga e/ou de licença. Estas são revisadas pelos encarregados e supervisores e levadas até a sede da empresa que efetuará o pagamento. 37 Supervisor volante: responsável não apenas pela supervisão e manutenção do padrão da empresa no Midway, como em três outros estabelecimentos de Natal.

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monstrar para o seu superior como aquele trabalho era importante. A ultima pessoa,

um encarregado, veio tirar a duvida sobre um boato que estava circundando as con-

versas dos demais empregados. Tratava-se de uma notícia sobre a dispensa de a-

proximadamente doze pessoas. Ao ser questionado, José, negou veementemente

tal boato. Porém após a saída do rapaz perguntamos sobre a origem do tal boato.

Foi-nos dito que isso era uma estratégia da empresa para incentivar mais a produti-

vidade, isto é, preocupados em perder o emprego efetuariam as funções a eles de-

legados com maior dedicação, aumentando assim a produtividade. Ainda nessa en-

trevista, que em parte aconteceu quando fazíamos uma ronda juntamente com José,

pudemos observar como ele estava atento a qualquer papel de bala que houvesse

sido jogado no chão do Mall. Antes que perguntássemos se aquilo era comum, ele,

adiantando-se, nos disse que depois de treze anos naquele ramo fazia aquilo no au-

tomático. Ele afirmou:

Às vezes, quanto estou com minha esposa em alguns lugares, ela pega no meu pé porque eu fico catando as coisas e jogando no lixo. Esses dias eu fui com ela a um supermercado e ela veio brigar porque eu tinha ido catar um papel do chão para jogar na lixeira. Já ficou automático isso.

O entrevistado explicava orgulhoso como conseguira chegar ao cargo de su-

pervisor volante, explicando que havia começado como ASG. Deixou bem evidente

que quando tivesse a oportunidade de trabalhar em outra empresa, não sendo na

área da limpeza, iria, pois aquele era “um serviço muito pesado”, além da humilha-

ção a que se submete. Ele afirmou que, principalmente quando trabalhava como

ASG, passava por muita humilhação, tanto por parte daqueles que administravam o

estabelecimento como pelos que freqüentavam os shoppings e outros lugares que

havia trabalhado.

Quando fomos entrevistar o gerente local da SOSERVI esperávamos encon-

trar uma fachada que ao menos tivesse o nome da empresa, porém por fora não

passava de uma casa. Logo percebemos que se tratava da empresa. Logo que che-

gamos fomos recepcionados por um segurança devidamente armado, que após sa-

ber que tínhamos ora marcada nos conduziu ao interior. Ali, numa longa espera, pu-

demos observar a sala de espera. Alguns quadros de avisos espalhados, contendo

várias propagandas que apontavam para a “filosofia da empresa”, porém um aviso

nos chamou mais a atenção, ele dizia: “Não falte ao trabalho. O patrão pode desco-

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brir que você não faz falta”. A violência simbólica foi confirmado pelas conversas en-

tre os funcionários, como que mostrando a imagem que faziam do gerente. Numa

dessas conversas ouvimos falarem sobre o mal comportamento de algum colega de

trabalho (dentro dos moldes exigidos pela empresa). A conclusão foi: “Cuidado, se-

não seu Marcos mete-lhe a vara”.

Durante a entrevista que se seguiu com “seu” Marcos pudemos ver que eles

mantinham alguns funcionários ali para lhes38 servirem. Pouco depois que entramos

na sala uma moça que trabalhava como ASG entrou com uma bandeja, trazendo

torradas e achocolatado para seu “patrão”, o que só mostrou ainda mais o caráter

servil daquela sócio-ocupação.

Ainda durante essa entrevista, nosso interlocutor nos informou que era filoso-

fia da SOSERVI contratar apenas pessoas com o ensino médio completo. Porém ele

afirmou categoricamente que alcançar “esse grau de excelência” era bastante com-

plicado, e que, por isso, existia uma rotatividade muito grande de pessoas na em-

presa. Segundo ele, isso se dava porque as pessoas com ensino médio completo

ainda tinham outra opção de emprego e logo saíam. Nosso interlocutor atribuía isso

ao fato de que, além do trabalho ser muito pesado, essas pessoas poderiam encon-

trar outros serviços. Já, aqueles que não tivessem esse grau de instrução, por terem

mais dificuldade de conseguir outro tipo de emprego, devido a exigência do mercado

de trabalho, seriam mais constantes. Ele ainda disse: “Mas se Deus quiser nós va-

mos chegar lá.;” Com isso ele estava dizendo que ele conseguiria, um dia, ter em

seu quadro de empregados todos com a formação escolar exigida e, ao mesmo

tempo, diminuindo ao máximo a rotatividade do pessoal, o que lhe proporcionaria

uma maior produtividade com menos gastos, já que não teria de estar continuamen-

te treinando novos funcionários. O interessante foi que ao aplicarmos os questioná-

rios percebemos que, das pessoas abordadas, apenas 39 por cento delas se encai-

xavam no perfil do “colaborador ideal”, apontado por nosso interlocutor, enquanto

61%39 não. Desses, mais de 60% possuem no máximo o ensino fundamental com-

pleto40. A falta de qualificações e preparo dessas pessoas, dentro daquilo que hoje é

38 A referencia é feita não só ao gerente, mas a todos que trabalham na administração local da em-presa. 39 Todos o valores percentuais são aproximados (em todas as tabelas), caso sejam feitas as contas dará um número bastante aproximado do 100%. 40 De acordo com a classificação atual do MEC, esta classificação é do 1° ao 9° ano (o que equivale daquilo que conhecíamos por alfabetização, ou “prezinho”, à oitava série.).

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exigido, sem sombra de dúvidas aponta para o motivo de se submeterem a esse tipo

der sócio-ocupação. O gráfico abaixo nos dá uma visão sobre essas informações.

0

10

20

30

40

N° pessoas %

Grau de instrução

Fundamentalcompleto

Fundamentalincompleto

Médio completo

Médio incompleto

Numa rápida pesquisa feita no site da empresa colhemos dados bastante in-

teressantes que só vieram a confirmar a ação invisibilizadora a que são submetidas

o “pessoal da limpeza”, especialmente quanto a relação utilitarista. Abaixo transcre-

vemos algumas frases encontradas no site:

1. “Baixo custo e profissionais altamente capacitados”;

2. “Tecnologia especializada, padrão de qualidade”.

Além dessas frases que apontam para umas das formas como o ser humano

pode desaparecer como tal perante outro, resolvemos apresentar a apresentação do

site sobre a “gestão de pessoal”, como chama a empresa o treinamento. Sobre isso

a home page da empresa mostra:

RECRUTAMENTO, SELEÇÃO E TREINAMENTO A Soservi recruta e seleciona seu pessoal através de processos consisten-tes, nos quais são avaliados antecedentes, experiências profissionais e re-ferências. O treinamento inicial ao qual os candidatos são submetidos é par-te integrante do processo seletivo e também composto de etapas eliminató-rias. Ao ser selecionado, o candidato recebe 20 horas de treinamento técnico e 4 horas de treinamento comportamental e, depois desse período, é submetido a um treinamento de 16 horas no cliente para o qual poderá vir a trabalhar. Somente se for aprovado em todas essas etapas, o candidato poderá ser contratado. A reciclagem técnica dos profissionais se dá através dos multiplicadores, que possuem um cronograma anual de visitas aos clientes, complementado por um processo de auditoria. Treinamentos comportamentais, de liderança e outros são ministrados continuamente, como parte do nosso plano anual de treinamento.

Não se está aqui querendo demonizar a atuação da empresa, esta apenas

exerce seu papel. Mas o que se quer é mostrar, através dos termos destacados, que

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existe uma grande preocupação em padronizar o comportamento através do “recru-

tamento”, assim como se percebe pouca preocupação com as pessoas. Há somen-

te, como em muitas outras empresas, a preocupação com a produtividade, as pes-

soas desaparecem. Ao falar-se na propaganda em baixo custo, demonstra-se a des-

valorização da sócio-ocupação que exerce o “pessoal da limpeza”. Em detrimento

percebemos tanto na sede da empresa como no site a exaltação da tecnologia41.

Numa conversa com Elder perguntamos onde a maioria das pessoas mora-

vam, ele disse, imediatamente: Ah, uns 80% mora na zona norte. As informações

levantadas trouxeram alguns dados interessantes a serem observados, sobre a

questão do lugar de moradia da maior parte da população pesquisado (dentro dos

que compõe o “pessoal da limpeza”). Percebemos que uma convergência para os

bairros, divididos em AEDs42 da Grande Natal que, segundo dados do IBGE43, pos-

suem as menores taxas de concentração de renda (Cf. Anexos). A tabela (indicar N°

da tabela) nos serviu de base para essa afirmação.

Achávamos que as pessoas não costumavam freqüentar o Midway para o la-

zer por já estarem saturadas, mas a pesquisa mostrou que um número considerável

de pessoas que compõe o “pessoal da limpeza” costuma freqüentar aquele ambien-

te, justificando isso com o fato de que é um bom lugar para passear, ir ao cinema,

etc. Apesar de ainda serem a maioria aqueles que atestaram nossas primeiras im-

pressões, as diferenças entre um e outro grupo não foram muitas. Isso se dá pelo

fato de que fora do expediente de serviço essas pessoas interpretam outro papel, o

de freqüentadores, sendo assim o Midway deixa de ser sinônimo de trabalho para

ser sinônimo de descanso. Para aqueles que não fazem isso, o motivo principal está

em não gostarem de ir passear em um lugar que já passam toda a semana traba-

lhando. Alguns dizem que ir lá, mesmo que não estejam trabalhando, já os estressa.

Um dos nossos interlocutores disse: “Passo cinco dias trabalhando no shopping.

Não vejo necessidade vir na minha folga, a não ser que seja uma necessidade da

empresa”. A tabela abaixo evidencia as informações que, inicialmente, nos surpre-

41 Fomos levados a conhecer as máquinas utilizadas ao longo da noite para lustrar, secar e trocar os pisos do Mall. 42 AED: Área de Expansão Demográfica, grupo de três bairros com características demográficas a-fins. Nem todos os bairros do pessoal pesquisado encontram-se descritos dentro dessas AEDs. 43 Esses dados são do ultimo senso, há sete anos. Faremos uso deles, mesmo sabendo que em sete anos muitas coisas podem ter mudado, para que o leitor tenha uma idéia do que estamos querendo mostrar.

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enderam. Observou-se que mais de 54% das pessoas entrevistadas não freqüen-

tam contra quase 46% daquelas que o fazem.

Vem ao Midway fora do expediente? Resposta % Sim 27 45,76271 Não 32 54,23729 Total 59 100

Ao cruzarmos os dados da situação de residência e com quem essas pessoas

moravam44 descobrimos que das trinta e três pessoas que declaram residir em casa

própria dezesseis moravam com os pais45. Não podemos nos aprofunda muito nessa

questão, mas isto parece apontar para duas possibilidades. Ou essas pessoas mo-

ram numa casa que só será sua por meio de herança, por serem de seus pais, ou

elas ao adquirirem residência própria levaram seus progenitores para morarem jun-

tos. Dentre os que independente do tipo de moradia residem com os pais apresen-

tou-se uma predominância feminina, cinco eram homens e quatorze mulheres46.

Há uma pequena diferença entre o número de mulheres e de homens47, den-

tro da população pesquisada48 (54% de mulheres e 46% de homens). Segundo o

“seu” Marcos isso se dava porque “tem umas coisas que as mulheres fazem natu-

ralmente melhor que os homens. Elas são mais detalhistas. Banheiro é uma coisa

que tem que ser mulher, mesmo.” A tabela abaixo evidencia o que estamos dizendo.

Sexo Resposta % Feminino 33 55,9322 Masculino 27 44,0678 Total 60 100

Quando resolvemos cruzar os dados acima com a importância que era atribu-

ída ao emprego percebemos que a maioria das pessoas que considerava-o como

44 Ver tabela em Anexos. (?) 45 Destes, quatro são mães ou pais solteiros. 46 Não pretendemos nos aprofundar nas análises desses dados, apenas queremos mostrar o perfil dessas pessoas. 47 Ver tabela em anexo. 48 Apesar de não termos conseguido aplicar o questionário a todo o grupo48, confirmamos com Elder se aquilo era o mais comum. Ele confirmou que existia mesmo uma diferença, mesmo que pequena, entre homens e mulheres.

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que complementar a renda familiar49 eram do sexo feminino50. Estes dados, assim

como tantos outros51, foram nos mostrando que havia um perfil, na maioria das ve-

zes, homogêneo entre o “pessoal da limpeza”. O que nos mostrou que essas pesso-

as se submetem a trabalhar em algo que na perspectiva dos estabelecidos (e repro-

duzido por elas) é tido como inferior somente por algum tipo de necessidade52. Muito

mais ainda poderia ser falado sobre o “pessoal da limpeza”, mas importa saber aqui

que existe um perfil comum entre essas pessoas. Mostramos que estas não estão a

ser invisibilizadas, somente, pelos freqüentadores, mas também pela empresa que

as contrata, pois como já foi mostrado, não está preocupada com as pessoas, mas

como a mão de obra que essas vendem como mercadoria.

5 Freqüentadores: “iguais”, mas diferentes.

Outro grande desafio encontrado na pesquisa de campo foi com relação aos

freqüentadores, em primeiro lugar por, como já vem sendo dito, não se tratar de um

grupo de pessoas mais ou menos homogêneo: a freqüência do Midway além de ser

muito elevada, é formada por grupos bastante heterogêneos. Mesmo com toda essa

dificuldade precisávamos ter uma caracterização mínima desses grupos. Uma se-

gunda dificuldade que encontramos foi como seria a abordagem, que tipo de ferra-

menta teríamos de lançar mão para que pudéssemos colher os dados a ser utiliza-

dos nessa pesquisa.

O fato do campo de pesquisa ser um ambiente familiar, onde encontrávamos

amigos, conhecidos e colegas, trouxe-nos outro grande desafio. Precisamos por em

pratica o estranhamento do que nos era bastante familiar (VELHO, 2003). O que

começava já no próprio cenário, O Midway Mall, já que neste costumamos ir com

amigos, e encontramos também aqueles com quem mantemos relações de cole-

49 Deve-se entender por isso que existiam outras fontes de renda, sejam com os conhecidos “bicos” ou porque moravam com outras pessoas, com as quais dividiam as despesas, fossem elas cônjuges ou os pais. 50 Das 43 pessoas que declaram isso, 29 são do sexo feminino e o restante do sexo masculino. (Ver anexos). Não pretendemos nos aprofundar no que essas informações podem indicar, por não ser o foco dessa pesquisa, e por não termos uma discussão aprofundada sobre as questões de gênero. 51 Observar outras tabelas e gráficos nos anexos. 52 Todas essas afirmações podem ser atestadas através dos resultados colhidos nos questionários aplicados. Ver anexos.

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guismos (possuímos algum campo em comum). Começamos por analisar a atitude

dos nossos conhecidos em relação ao “pessoal da limpeza”. Escolhemos nos con-

centrar, principalmente na praça de alimentação, por facilitar a observação dessa

interação – freqüentadores - “pessoal da limpeza”. Não contamos logo o foco de

nossa pesquisa, pensando que dessa forma poderiam não se sentir pressionados a

manterem qualquer postura para com o “pessoal da limpeza53”. Alguns ao saberem

de nossa pesquisa demonstravam grande interesse em compreender melhor, admi-

tindo que não se davam conta daquelas pessoas, a não ser quando “a mesa estava

muito suja”. Outros falavam orgulhosamente que sempre cumprimentavam aquelas

pessoas, demonstrando que para eles isso era uma atitude “mais humana”. Alguns

chegavam a afirmar que não tinham que notar essas pessoas “já que elas estavam

ali para fazer aquilo mesmo”. Sobre esse ultimo comentário era interessante perce-

ber que quando a SOSERVI começou uma campanha para incentivar os freqüenta-

dores a levarem suas bandejas até a lixeira (com o intuito de acelerar a devolução

destas aos “clientes”- restaurantes e lanchonetes), colocando um adesivo com um

pedido para que isso fosse feito. Fomos informados que no começo a estratégia co-

meçou a dar resultados, mas as pessoas começaram a arrancar os adesivos, e, com

pouco tempo, a atitude dos freqüentadores era a mesma, isto é, deixar as bandejas

sobre as mesas para que as atendentes viessem buscar. Não tivemos tempo para

buscar saber o que motivou a arrancada dos adesivos,mas muitos de nossos ami-

gos diziam que não se dariam aquele serviço, pois elas eram pagas para aquilo54.

Resolvemos mudar nossa própria atitude: passamos a recolher nossas bandejas,

levando-as até as lixeiras. Isto além de nos dar outra forma de aproximação com o

“pessoal da limpeza”, nos permitiu observar as atitudes dos conhecidos. Estes, mui-

tas vezes, pareciam reprovar-nos: apressavam-nos, dizendo que não dava tempo de

esperar; falavam que deixasse a bandeja lá mesmo que viriam pegar, isto é, tenta-

vam nos convencer a deixar a bandeja em cima da mesa. Vale salientar que seja

para qual lado se vá, na praça de alimentação, irá se encontrar com uma lixeira.

53 Percebemos que havia uma leitura bastante moralista por parte de algumas pessoas, e por isso, algumas poderiam mudar sua atitudes e discursos para parecerem “mais humanas, como é comum se ouvir no senso comum. 54 Podemos compreender, a partir da teoria das representações de Goffman, que essa atitude aponta para a idéia dos papeis que os atores desempenham neste cenário. As pessoas que caracterizamos como freqüentadores, em geral, compreendem que não devem fazer aquilo, pois não faz parte de seus papéis. E que tal atuação – recolher as bandejas – deve estar limitada àqueles caracterizados para fazê-la.

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Buscamos nos aprofundar nessa observação participante fazendo com que as

pessoas soubessem de que se tratava nossa pesquisa. Foi interessante ouvir as

reações de estranheza. Algumas admitiam não compreender o que me levava a fa-

zer uma pesquisa dessas. Não entendiam de que forma isso poderia ser útil. É ai

que pudemos perceber como o olhar do pesquisador social poder ser diferenciado,

especialmente ao lhe dar com ambientes e atores tão familiares. Outros vinham di-

zer de como a minha pesquisa os ajudou a perceber pessoas que antes não perce-

biam. Ir ao Midway, definitivamente, deixou de ser um lazer, passando a ser um tra-

balho. Bastava que chegássemos numa mesa de amigos para ouvirmos: “E ai, como

vão os seus invisíveis?”.

Para a presente pesquisa entrevistamos, através dos questionários, cinqüenta

e uma pessoas. Nosso objetivo com isso não está em apresentar dados conclusivos,

já que o universo pesquisado exigiria um número bem maior de abordagens. O que

queremos apenas é mostrar o quão diversificado é este universo, afirmando ainda

mais aquilo que já dissemos sobre o espaço do shopping em questão, de que a ho-

mogeneidade do público não passa de uma fraca ilusão. Ao contrário da pesquisa

feita com o “pessoal da limpeza” que, mesmo não tendo alcançado a totalidade da

população, pode nos dá um perfil bastante coerente desta (comprovando-se isso

nas entrevistas com o gerente e supervisores), os dados apresentados sobre os fre-

qüentadores estarão apenas servindo de apontamentos para ilustrar a relação aqui

estudada, assim como para o aprofundamento para possíveis pesquisas posteriores.

Como já temos falado, existem muitas diferenças nas maneiras de pessoas e

grupos se relacionarem entre si, estabelecendo relações outro-acima, outro-abaixo,

e outro-ao-lado. Isso implica de forma direta na construção da invisibilização social.

Por isso resolvemos de fazer, além da observação participante e descritiva, e das

entrevistas, o levantamento de alguns dados quantitativos que pudessem apontar

para essa diversidade, especialmente na relação estudada no nosso campo de pes-

quisa, que se estabelece entre os freqüentadores e o pessoal da limpeza. Já mos-

tramos bastante do perfil existente entre esses últimos, inclusive, como a maioria

dos que o compõe acham que passam despercebidos ou (em linguagem acadêmica)

são vistos por meio de uma relação utilitarista, uma relação do tipo eu-isso (BUBER,

1977). Pensamos que, dessas duas formas, pode-se notar a ação invisibilizadora.

Escolhemos o ambiente da praça de alimentação, onde podíamos encontrar

as pessoas em situação mais favorável à nossa aproximação. Optamos por priorizar

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as mesas que não apresentassem mais que três pessoas sentadas, assim como,

para não parecermos inoportunos, escolhemos destas, aquelas que ou não estavam

comendo, ou já haviam terminado suas refeições. Não encontramos grandes dificul-

dades na aplicação desses questionários. Buscávamos explicar de forma rápida qual

o objetivo, principalmente depois de aplicar o questionário55. As pessoas logo se

prontificavam a responder a nossas perguntas, porém isto só acontecia depois de

terem a garantia de que não lhe tomaria muito tempo, já que, geralmente, estavam

esperando alguém. Tratamos de dividir a praça de alimentação de acordo com os

locais em que essas pessoas haviam se alimentado56.

A diversidade desse público se mostrou de várias formas. Seja nas sócio-

ocupações desempenhadas, nos bairros onde residem, em quantas vezes costu-

mam freqüentar o Midway Mall, e o que mais fazem ao fazerem isto, assim como

também fizemos um levantamento da faixa etária e da freqüência com que se vai até

este local – o Midway. Alguns desses dados foram cruzados com a pergunta chave

desse questionário: “Que relação você estabelece com o pessoal da limpeza”.

Nosso objetivo com isso não está em apresentar dados conclusivos, já que o

universo pesquisado exigiria um número bem maior de abordagens. O que quere-

mos apenas é mostrar o quão diversificado é este universo, afirmando ainda mais

aquilo que já dissemos sobre o espaço do shopping em questão, de que a homoge-

neidade do público não passa de uma fraca ilusão. Ao contrário da pesquisa feita

com o “pessoal da limpeza” que, mesmo não tendo alcançado a totalidade da popu-

lação, pode nos dá um perfil bastante coerente desta (comprovando-se isso nas en-

trevistas com o gerente e supervisores), os dados apresentados sobre os freqüenta-

dores estarão apenas servindo de apontamentos para ilustrar a relação aqui estuda-

da, assim como para o aprofundamento para possíveis pesquisas posteriores.

O que esperamos ressaltar é que, apesar de todos os atores sociais, de forma

naturalizada, invisibilizarem e serem invisibilizados, também visibilizarão outros ato-

res, enxergando-os como outro-ao-lado. Isso dependerá do campo específico que

estiverem inseridos e da sua subjetividade, construída ao longo de sua trajetória so-

cial. Isto, acreditamos, poderá ser percebido não apenas na presente pesquisa, mas

em outras que objetivem o mesmo tema.

55 Desconfiávamos que as pessoas pudessem mudar o seu discurso ao saberem da pesquisa. 56 Como já foi dito anteriormente a variação de preços dos produtos oferecidos nesses estabeleci-mentos podem apontar para os deferentes públicos que os freqüentam.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A conclusão de um trabalho de forma alguma tem a pretensão de esgotar as

reflexões sobre a temática central. Não podemos dizer que as questões relaciona-

das à invisibilização social estão concluídas. Apenas concluímos uma etapa de nos-

sas reflexões que continuarão, seja com outras pesquisas por nós realizadas, seja

através de outros pesquisadores que darão outros recortes teóricos e/ou empíricos,

abordando questões não contempladas por nós.

Através da pesquisa junto ao “pessoal da limpeza”, buscamos entender como

a construção do fenômeno da invisibilização social, deixando sempre claro que não

tínhamos a intenção de circunscrever o nosso olhar aos grupos estigmatizados co-

mo inferiores na sociedade ou a questões como divisão social do trabalho. Já que

sendo a ação invisibilizadora um produto do poder, podemos encontrar amostras

disso em todos os campos da sociedade, bastando haver relações humanas hierar-

quizadas onde não existir alteridade (LÈVINAS, 2005).

Ainda na primeira sessão, procuramos mostrar que os atores invisibilizados

podem variar, não estando presos a questões de divisão de classes. Além dos gru-

pos apresentados por Costa (2004) e Soares (2005), apresentamos a relação pro-

fessor-aluno e a do médico com os pacientes, como sendo exemplos de como pode

se dar a invisibilização social. Porém, foi só no segundo capítulo que nos aprofun-

damos nessas questões. Após defendermos rapidamente o uso do termo invisibili-

zação em detrimento do termo invisibilidade, dedicamo-nos a compreender como se

dá o processo de construção do fenômeno social em questão. A partir da pesquisa

empírica, fomos dispensando ou reafirmando o uso de determinados referenciais

teóricos que não só apontassem para a questão específica da relação entre freqüen-

tadores e o “pessoal da limpeza” do Midway Mall, mas que servisse a outras refle-

xões.

Nesse sentido, na segunda sessão, apresentamos um tripé teórico para sus-

tentar nossa argumentação. Primeiramente, falamos sobre a questão do advento

moderno da individualidade, como forma de fazer o sujeito visto como autônomo, o

que traz uma grande valorização para aquilo que esses têm de diferentes. Constru-

ímos nesse primeiro tópico, principalmente, um diálogo entre Simmel (1995) e Elias

(1994; 2000; 2001), apresentando suas perspectivas sobre esse tema central. Foi

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84

discutido que, se a modernidade trouxe essa busca por diferenciação entre os indi-

víduos – inclusive o uso corrente do termo indivíduo (ELIAS, 1994) –, também apre-

sentou a invisibilização social dos indivíduos, tanto pelas questões das relações so-

ciais hierarquizadas – naturalizadas –, nas quais uns se auto-reconhecem como su-

periores a outros, através de verdades que lhes soam legítimas. Uma das formas de

invisibilizar-se alguém é rebaixá-lo por causa da sócio-ocupação por ele exercida.

No caso do “pessoal da limpeza”, apresentamos como ele, ao submeter-se a este

tipo de serviço, está sendo invisibilizado dento do cenário do Midway. Isso foi sendo

confirmado tanto através da observação participante (ALVES, 2003), realizada entre

conhecidos que freqüentavam esse cenário, como na abordagem de cinqüenta e

uma pessoas através de questionários fechados. Isso se fez necessário por enten-

dermos a diversidade existente dentro dessa população. Podemos perceber que a

invisibilização do grupo em questão se daria de forma diferente, dependendo da tra-

jetória social de cada sujeito, representantes de algum grupo social. Percebemos

como questões como profissão, bairro que se mora, idade, entre outros apresenta-

dos nessa pesquisa, influenciavam nessa questão.

O fato do foco da pesquisa empírica se dá com um grupo de trabalhadores –

o “pessoal da limpeza” – fez mister que apresentássemos a questão da divisão soci-

al do trabalho como outra característica presente para a construção da invisibiliza-

ção social. O fato de Marx apresentar que na dinâmica do capital o trabalhador bra-

çal era ignorado enquanto ser humano, sendo visto apenas como força-de-trabalho

nos deu outra perspectiva para discutirmos sobre a ação invisibilizadora. Mostramos

através, principalmente, das entrevistas realizadas que, apesar de existir, por parte

do representantes da empresa que contrata as pessoas que compõe o “pessoal da

limpeza” , um discurso que fala de uma preocupação com o bem-estar destas, este

não passa, na maioria das vezes, com uma preocupação com a manutenção e au-

mento da produtividade. Em muitos momentos pudemos ouvir o uso de termos como

“problemas técnicos” ao referir-se ao desempenho de alguns de seus contratados.

Em certos momentos percebemos como a invisibilização social está naturalizada

dentro do próprio grupo. Exemplo disso foi quando ouvimos de certo interlocutor,

depois e ter trabalhado mais de dez horas, que tinha que ser assim mesmo, legiti-

mando assim a relação utilitária a que era submetido. Expressões como “Isto é coisa

de peão” foram também apresentadas com o mesmo objetivo. Tentamos que por

causa da naturalização da idéia de que algumas sócio-ocupações são superiores a

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outras legitima a ação invisibilizadora dos grupos que as exercem. Com os questio-

nários fechados aplicados a uma amostra da população formada pelo “pessoal da

limpeza” buscamos mostrar que existe um perfil comum entre essas pessoas. Isto se

evidenciou ao percebermos que para eles a invisibilização social formava uma traje-

tória, que começava, por exemplo, nos bairros onde estes residiam, nas sócio-

ocupações desenvolvidas anteriormente, no tipo de moradia, entre outras informa-

ções já apresentadas.

O consumo, como buscamos mostrar, é um ingrediente importantíssimo para

a composição do fenômeno da invisibilização social, pois é através dele que alguns

atores são incluídos em determinadas redes de relações, enquanto a outros esta

são proibidos de fazer parte delas, estando assim fora do seu alcance o acesso a

determinadas informações, sendo, dessa forma, invisibilizados por aqueles com

quem não compartilha da posse de determinados bens, que são símbolos permeiam

os mais diferentes círculos sociais.

Fazer parte do “pessoal da limpeza” exclui aqueles que o compõe do circulo

de relações de pessoas que além de considerarem essa sócio-ocupação como infe-

rior, transferindo esse estigma para as pessoas – outsiders [ELIAS: 2000], como se

o papel exercido naquele cenário fosse o próprio ator social. Dessa forma tem-se a

idéia naturalizada de que essas pessoas devem ser invisibilizadas, pois não comun-

gam dos mesmos símbolos – bens de consumo – que os grupos estabelecidos. Po-

rém também que se é através do consumo que se estabelecem relações entre os

sujeitos, o pessoal da limpeza, seja entre si, ou nos demais cenários que costumam

atuar, também irão incluir-se em certos círculos de informações, nos quais estarão

visibilizados, mas também invisibilizarão outros que não compartilham dos mesmos

símbolos, estando por isso invisibilizados. Por exemplo, estar empregado é status

superior, quando essas pessoas se comparam aos milhares de desempregados e-

xistentes no Brasil, ou mesmo o fato de exercer-se na mesma empresa um cargo

superior já pode legitimar para um ator a invisibilização sobre outro, reproduzindo

estigmas que antes lhe eram infligidos. Isto foi percebido principalmente durante as

entrevistas.

Na quarta subseção, dedicamo-nos a fazer uma análise do uso dos uniformes

do “pessoal da limpeza”, mostrando que esse só legitima a ação invisibilizadora, e

como, por isso, o uso dele é tão incomodo, levando esses sujeitos a, assim que po-

dem, se desvencilharem dessas roupas, que além de não darem a oportunidade pa-

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ra expressarem suas idiossincrasias, também está carregado de um estigma não

desejado, o de outro-abaixo. Através da observação descritiva fomos percebendo

como existe pressa em se livrar dessas roupas, assim como nem todos os funcioná-

rios são obrigados a usá-las, como no caso dos supervisores e gerente. Também,

tanto nas entrevistas como nos dados levantados com os questionários, fomos per-

cebendo que a maioria dessas pessoas não está satisfeita em exercer essa sócio-

ocupação. Isto se dá tanto por considerarem o trabalho bastante “pesado”, como por

reproduzirem a idéia de que se trata de um serviço inferior. Apesar disso, se mos-

tram gratas, pois, em outro caso, poderiam estar desempregadas. Partindo do e-

xemplo desse grupo, fizemos apontamentos, mostrando que não apenas com uso

das roupas uniformizadas se invisibiliza, ou não, um ator (ou grupo), mas as roupas,

assim como outras características externas do indivíduo.

Na terceira seção, dedicamo-nos a explicar inicialmente que métodos e técni-

ca precisamos lançar mão na pesquisa empírica. Na segunda nos dedicamos ardu-

amente a uma observação descritiva, estando atento aos detalhes do espaço – o

Midway Mall – buscando base em urbanistas. Num segundo momento, apresenta-

mos através da análise dos espaços públicos e restritos do Midway que existe uma

intenção por trás de cada detalhe. Em relação aos freqüentadores quer-se mantê-los

ali o máximo de tempo possível. É dado ao freqüentador um espaço que lhe pareça

seguro e lúdico, mas recebe-se dele o lucro, já que se trata de um espaço onde a

sociabilidade gera lucratividade. Evidenciamos isso através da análise desse espa-

ço, onde percebemos uma organização cenográfica voltada para fazer com que os

sujeitos gastem seu tempo sem se darem conta disso, seja através da ausência e

marcadores de tempo, das musicas ambiente (eletrônicas ou ao vivo), com as diver-

sas opções de lazer e descanso, como no caso dos sofás. Mostramos também como

existe uma segregação. O Mall não dever ser utilizado pelo pessoa da limpeza a não

ser para o exercício de sua sócio-ocupação, por isso existe os espaços restritos,

como os do refeitório.

Esta pesquisa por se dá num espaço familiar exigiu bastante de nós o exercí-

cio do estranhamento. Baseados nas leituras de Velho (2003) sobre a pesquisa nos

centros urbanos, fomos desenvolvendo a observação partipante mesmo quando es-

távamos com pessoas conhecidas. Em parte, foi a partir desse momento que fomos

tendo a base do que seriam as perguntas dos questionários. Através destes mos-

tramos um perfil do “pessoal da limpeza”, mostrando que existe uma trajetória co-

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mum entre aqueles que sofrem o mesmo tipo de ação invisibilizadora. Também,

nessa fase da pesquisa, apresentamos que de fato existe uma grande diversidade

no público que freqüenta o Midway. Isto foi se evidenciando através das observa-

ções feitas ao longo dos dois anos de andamento dessa pesquisa, que coincidiu

com os dois anos de inauguração desse estabelecimento. Isto nos permitiu também

apontar para a questão que as pessoas quando tiveram diferentes experiências em

suas trajetórias sociais terão perspectivas diferentes sobre as outras.

Ao longo de toda a teorização do tema fomos mostrando que a invisibilização

está diretamente ligada à hierarquização de valores que vãos sendo naturalizados,

legitimando, dessa forma, os estigmas e a indiferença de que fomos tratando. Isso

não implica dizer que os atores em diferentes papéis sociais não possam visibilizar-

se, mesmo estando em posições diferenciadas através da hierarquia social. Porém,

isto só ocorrerá quando o sujeito ter tido sua visão de mundo desconstruída, pas-

sando a enxergar planos comuns com outros sujeitos onde antes não via, nos quais

possa existir relações dialógicas. Pudemos experienciar isto, também, durante toda

a fase de observação participante, pois além de termos passado a visiblizar o “pes-

soal da limpeza”, as pessoas que o compunham precisavam nos visibilizar. É evi-

dente que nunca fomos vistos como um colega de trabalho, porém deixamos de ser

vistos como um estranho, alguém com quem essas pessoas não podiam ficar a von-

tade. Com o passar do tempo elas passaram a conversar, contar seus problemas,

acompanhar os passos dessa pesquisa – com grande interesse - , contar, inclusive,

sua piadas, sem se preocupar com a nossa presença. Nesses momentos percebía-

mos que haviam trocas. Não deixemos de exercer nossos papéis, mas encontramos

formas de mesmo assim visibilizar-mo-nos enquanto outro-ao-lado. Mesmo durante

as vezes que passávamos pela praça de alimentação com pressa podíamos ver es-

sas pessoas, cumprimentá-las, sem que isso significasse ter com elas uma relação

utilitarista, passamos a estabelecer não mais uma relação do tipo eu-isso, mas sim

do tipo eu-tu. Isto como dissemos, não deixou de gerar um incomodo aos nossos

conhecidos que freqüentavam aquele ambiente: alguns estranhavam quando lhe

apresentávamos “as pessoas com o uniforme azul, isto porque não enxergavam a

possibilidade de um plano comum com elas.

A invisibilização é um produto das relações de poder, como fomos apresen-

tando, e sendo os seres humanos produtos disto, não poderão fugir. Certamente

invisibilizarão diferentes sujeito, tendo em vista que o fazem, muitas vezes, sem se

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dar conta disso. Não se pode desnaturalizar todas as ações humanas. A ação invisi-

bilizadora não será também homogênea, ela se apresentará de formas diferentes

nos mais diversos campos. É nisto que se dá o jogo que viemos falando. É nele que

se constrói o fenômeno da invisibilização social. Isto só não ocorrerá onde também

não ocorrer a hierarquização de uns sujeitos.

Muito ainda se tem a dissertar sobre o tema. Esperamos poder nos aprofun-

dar mais nas próximas etapas da vida acadêmica, assim como desejamos poder

contagiar outras pessoas com a vontade de estudar o fenômeno da invisibilização

social, construindo as mais diversas abordagens.

Não temos a pretensão de apresentar verdades, mas analisar criticamente a

cultura urbana na qual estamos inseridos, dando continuidade ao ideal de descons-

trução do mundo das ciências sociais. Não nos importa não sermos questionados,

uma pesquisa acadêmica deve gerar incômodos nas pessoas, inclusive a ponto dela

construírem reflexões que venham de encontro às nossas, num diálogo não de ne-

gação, mas de complementação, um diálogo cada vez mais critico sobre a realidade.

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89

REFERÊNCIAS ALVES, Moraes Andréa. Fazendo antropologia no Baile: uma discussão sobre ob-servação participante. In: VELHO, Gilberto; KUSHINER, Karina (Org.). Pesquisas urbanas: desafios da pesquisa antropológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. ARENDT, Hanna. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. BOURDIEU, Pierre. Gosto de classes e estilos de vida. In: ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Editora Ática, 1994. ______. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1994. ______. Sobre el poder simbólico. 2000. Disponível em: <http://sociologiac.mitus-serveur.net/artpdf/Bourdieu_SobrePoderSimbolico.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2007. BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Cortez, 1977. COSTA, Fernando Braga da. Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social. São Paulo: Globo, 2004. DAVIS, Mike. Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo: Scripta Editorial, 1993. DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004. ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. ______. A solidão dos moribundos: seguido de envelhecer e morrer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. ______. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.

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90

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ANEXOS

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ANEXO I

DADOS QUANTITATIVOS SOBRE O PESSOAL DA LIMPEZA

Religião Resposta % Católico 49 81,35593 Evangélico 11 18,64407 Total 60 100 Cargo Resposta % ASG 38 64,40678 Atendente 11 18,64407 Encarregado 4 6,77966 Oficial de limpeza 5 8,47458 Supervisor 2 1,69492 Total 60 100 Idade Resposta % 20-30 38 64,40678 30-40 14 22,0339 18-20 4 6,77966 50-60 1 1,69492 40-50 3 5,08475 Total 60 100 Sexo Resposta % Feminino 33 55,9322 Masculino 26 44,0678 Total 59 100 N° de filhos Resposta % 0 24 38,98305 1 17 28,81356 2 11 18,64407 3 ou mais 8 13,55932 Total 60 100

Bairro Grau de instrução

Fundamental comple- Médio comple- Médio incomple- Fundamental incomple-

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to to to to

Conj. José Sarnei 1 0 0 0 Gramore 0 1 0 0 Felipe Camarão 0 0 1 0 Golamdim 1 2 0 1 Alecrim 2 2 0 0 N.S. da Apresenta-ção 0 0 3 0 Mãe Luiza 0 1 1 0 Santos Reis 0 0 0 1 Rocas 0 1 0 1 Redinha 0 1 2 0 Nova Natal 1 1 0 0 S.G. do Amarante 0 0 1 1 Planalto 0 1 0 0 Quintas 0 2 0 3 Bairro Nordeste 1 2 0 1 Igapó 0 1 0 0 Bom Pastor 0 2 0 0 Panatis 0 0 0 1 Dix-Sept-Rosado 1 1 2 0 Vale Dourado 0 1 0 0 Pq. Das Dunas 0 1 0 0 Não respondeu 1 2 1 1 Cidade Nova 0 1 0 0 Lagoa Seca 0 0 3 0 Potengi 1 0 0 0 Pajuçara 1 1 0 0 Parnamirim 0 1 0 1 Total 10 25 14 11

Bairro Cargo

Total ASG Atendente Encarregado Oficial de limpeza Supervisor

Conj. José Sarnei 1 0 0 0 0 1 Gramore 1 0 0 0 0 1 Felipe Camarão 1 0 0 0 0 1 Golamdim 2 1 1 0 0 4 Alecrim 1 1 0 2 0 4 N.S. da Apresenta-ção 3 0 0 0 0 3 Mãe Luiza 1 0 0 1 0 2 Santos Reis 1 0 0 0 0 1 Rocas 2 0 0 0 0 2 Redinha 3 0 0 0 0 3 Nova Natal 1 0 0 1 0 2 S.G. do Amarante 2 0 0 0 0 2 Planalto 1 0 0 0 0 1 Quintas 3 2 0 0 0 5 Bairro Nordeste 2 1 0 1 0 4

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Igapó 1 0 0 0 0 1 Bom Pastor 1 1 0 0 0 2 Panatis 0 1 0 0 0 1 Dix-Sept-Rosado 2 2 0 0 0 4 Vale Dourado 1 0 0 0 0 1 Pq. Das Dunas 0 1 0 0 0 1 Não respondeu 3 1 1 0 0 5 Cidade Nova 1 0 0 0 0 1 Lagoa Seca 0 0 2 0 1 3 Potengi 1 0 0 0 0 1 Pajuçara 2 0 0 0 0 2 Parnamirim 1 0 0 0 1 1 Total 38 11 4 5 2 60

Situação de mo-

radia Com quem mora

Total Cônjuge e filhos Outros Cônjuge Pais Sozinho Filhos

Outros 1 2 0 0 0 0 2 Própria 13 1 2 16 0 1 33 Alugada 12 0 5 2 5 0 24 Total 26 2 7 18 5 1 59

Bairros/Zona Oe s-te Resposta % Felipe Camarão 1 1,694915 Quintas 5 8,474576 Bairro Nordeste 4 6,779661 Bom Pastor 2 3,389831 Dix-Sept-Rosado 4 6,779661 Cidade Nova 1 1,694915 Total 17 28,81356

Bairro/Zona Le s-te Resposta % Alecrim 4 6,779661 Mãe Luiza 2 3,389831 Santos Reis 1 1,694915 Rocas 2 3,389831 Lagoa Seca 3 5,084746

Total 12 20,33898

Bairros/Zona Norte Resposta % Conj. José Sarnei 1 1,694915 Gramore 1 1,694915 Golamdim 4 6,779661 N.S. da Apresenta-ção 3 5,084746 Redinha 3 5,084746 Nova Natal 2 3,389831 S.G. do Amarante 2 3,389831 Igapó 1 1,694915 Panatis 1 1,694915 Vale Dourado 1 1,694915 Pq. Das Dunas 1 1,694915 Potengi 1 1,694915 Pajuçara 2 3,389831 Total 23 38,98305

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ANEXO II

DADOS QUANTITATIVOS SOBRE OS FREQUENTADORES

Tabela 01: Localidade Bairros Frequência % Lagoa Nova 12 23,52941 Emaús 1 1,96078 Tirol 6 11,76471 Pirangi II 1 1,96078 Parnamirim 2 3,92157 Capim Macio 2 3,92157 Alecrim 2 3,92157 Nova Parnirim 5 9,80392 Bairro Nordeste 1 1,96078 Bom Pastor 2 3,92157 Barro Vermelho 1 1,96078 Nova Descoberta 2 3,92157 Pq.Industrial 1 1,96078 Lagoa Seca 2 3,92157 Pirangi 1 1,96078 Nova Natal 1 1,96078 Pajuçara 1 1,96078 Nossa Senhora da Apresentação 1 1,96078 Cidade Satélite 2 3,92157 Dix-sept-rosado 1 1,96078 Pitimbu 1 1,96078 Potilândia 1 1,96078 Vale do Sol 1 1,96078 Pq. De exposição 1 1,96078

Total 51 100

Tabela 02: Profissão dos entrevistados Situação Freqüência % Estudante 29 56,86275 Professor 1 1,96078 Pastor 1 1,96078 Advogada 1 1,96078 Auxiliar administrativo 1 1,96078 Vendedor 2 3,92157 Engenheiro Agrônomo 1 1,96078 Garçon 1 1,96078 Lojista 1 1,96078

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Digitador 1 1,96078 Recuperadora de crédito 2 3,92157 Op.telemarketing 1 1,96078 Outros 3 5,88235 Func.publico 2 3,92157 Secretária 1 1,96078 Tabelião 1 1,96078 Área de saúde 1 1,96078 Gráfico 1 1,96078

Total 51 100

Tabela 04: Idade Situação Freqüência % 12 a 15 anos 8 15,68627 15 a 20 anos 1 1,96078 16 a 20 anos 17 33,33333 20 a 30 anos 18 35,29412 30 a 40 anos 4 7,84314 40 a 50 anos 1 1,96078 50 a 60 anos 1 1,96078 Agnóstico 1 1,96078

Total 51 100

Tabela 05: Estado Civil Situação Freqüência % Solteiro 42 82,35294 Casado 6 11,76471 Divorciada 1 1,96078 Outros 2 3,92157

Total 51 100

Tabela 06: Frequencia Situação Freqüência % Todos os dias 6 11,76471 5-3 /semana 1 1,96078 2-1/semana 24 47,05882 2-3/mês 1 1,96078 5-3/semana 12 23,52941 Outros 4 7,84314

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1/mês 3 5,88235

Total 51 100

Tabela 07: Com que freqüência você vem ao Midway Ma ll? Freqüência % Próximo da escola/faculdade 11 21,56863 outros 10 19,60784 Próximo do trabalho 7 13,72549 Próximo de casa 17 33,33333 lazer 6 11,76471

Total 51 100

Tabela 08: Qual o motivo faz freqüentar o Midway Ma ll? Situação Frequência % próximo da escola/faculdade 13 25,4902 outros 7 13,72549 proximo do trabalho 8 15,68627 proximo de casa 14 27,45098 proxímo da igreja 3 5,88235 lazer 6 11,76471 Total 51 100

Tabela 09: Quais lojas costuma freqüentar? Situação Frequência % Gênero alimenticio 13 25,4902 tecnologia 4 7,84314 outros 1 1,96078 roupas 9 17,64706 livraria 12 23,52941 brinquedos 2 3,92157 esporte 7 13,72549 estética 1 1,96078 pessoal da limpeza 1 1,96078 pagamentos 1 1,96078

Total 51 100

Tabela 10: Com que pessoas costuma falar quando vem ao shoping? Situação Freqüência %

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99

Amigos 17 33,3333 Familiares e atendentes de loja 4 7,8431 Pessoal da limpeza 3 5,8824 Familiares 1 1,9608 Amigos e familiares 19 37,2549 Amigos e atendentes de loja 7 13,7255 Total 51 100,0000

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100

ANEXO III

QUESTIONÁRIOS UTILIZADOS NA PESQUISA

Questionário de pesquisa

(Colaboradores da SOSERVI no Midway Mall)

• Questionário N° • Data e horário:

1. Localidade (Em qual bairro mora?): 2. Religião:

����Católico ���� Evangélico ���� Espírita ���� Outros________ 3. Cargo :

����Supervisor ���� Encarregado ���� Oficial de limpeza (patins) ����Atendente ���� ASG

4. Idade :

� 20-30 � 30-40 � 40-50 � 50-60 � 60 ou mais

5. Sexo:

� Masculino � Feminino 6. Grau de instrução:

� Fundamental completo � Fundamental incompleto � Médio com-pleto � Médio incompleto � Superior completo � Superior incompleto

7. Há quanto tempo foi contratado pela empresa? 8. Que trabalho exercia antes de ser contratado? 9. Situação de moradia:

� PrópriA � AlugadA � Outros___________

10. Com quem mora:

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� Com os pais � Esposo(a) e filhos � Esposo(a) �Filhos � sozinho (a)

11. Grau de importância desse emprego:

� Complementar a renda familiar � Indispensável � Pagar os estu-dos �Outros__________ 12. Se pudesse trabalharia em outra coisa?

� Sim � Não

13. A Atitude dos freqüentadores do shoping, em rel ação a você, cos-tuma ser:

����Parecem indiferentes ���� Costumam solicitar seus serviços (limpeza da mesas, etc.) ���� Se dirigem para fazer reclamações ���� Costumam cumpri-mentá-lo (a) 14. Fora do eu expediente você costuma freqüentar e sse shopping?

� Sim � Não

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Questionário de pesquisa

(Freqüentadores do Midway) • Questionário N° • Data e horário:

1. Localidade (bairro): 2. Profissão :

�Estudante �Área de saúde �Executivo �Lojista �Vendedor �Ambulan-te �Outros

3. Religião : �Católico �Evangélico �Espírita �Outros______ 4. Idade :

�12-15 �15-20 �20-30 �30-40 �40-50 �50-60 �60 ou mais

5. Estado civil:

�Solteiro �Casado �Outros ______________

6. Sexo :

� Masculino � Feminino

7. Com que freqüência você vem ao Midway Mall? �Todos os dias �5- 3 vezes por semana �2-1 vez por semana �1

vez por mês � Outros__________________

8. Qual o motivo faz freqüentar o Midway Mall? �Próximo do trabalho �Próximo de casa �Próximo da esco-

la/faculdade �Outros (Que tipo) _____________

9. Quais lojas costuma freqüentar?

� Gênero alimentício �Tecnologia �Brinquedos �Livraria �Estéti-ca �Roupas

� Artigos desportivos � Outros _________________

10. Com que pessoas costuma falar quando vem ao sho ping? � Amigos � Familiares � Atendentes de lojas � Pessoal da lim-peza

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103

11. Que tipo de relação você estabelece com as pess oas que traba-lham na limpeza?

� Não se dá conta deles � Costuma solicitar seus serviços (limpeza da mesas, etc.) � Se dirige a elas para fazer reclamações � Costuma cumprimen-tá-las

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ANEXO IV

DADOS QUANTITATIVOS 57 SOBRE NATAL

Tabela III.4.26 - Área de Ponderação Amostral (AEDs) da Região Metropolitana de Natal segundo Classe de renda mensal da População com 16 anos ou mais - 2000

Natal Salinas-IGAPÓ 72,51 18,09 7,33 1,60 Natal Nossa Senhora da Apresentação 81,31 14,42 3,58 1,60 Natal Lagoa Azul 80,92 14,07 3,81 1,60 Natal Pajuçara-Redinha 83,25 13,80 2,44 1,60 Natal Lagoa Nova-Nova Descoberta 79,71 14,93 4,03 1,60 Natal Parque da Dunas-Capim Macio 55,07 14,07 12,64 1,60 Natal Ponta Negra 41,09 13,59 17,31 1,60 Natal Neopólis 57,33 14,57 13,79 1,60 Natal Pitimbú 55,45 18,27 16,47 1,60 Natal Candelária 53,76 18,00 17,58 1,60 Natal Cidade Alta-Ribeira-Rocas 49,29 14,66 16,13 1,60 Natal Santos Reis-Praia do Meio-Areia Preta- Mãe Luiza 68,30 15,99 9,33 1,60 Natal Petropolis-Tirol 79,98 12,51 3,78 1,60 Natal Barro Vermelho-Lagoa Seca-Alecrim 41,93 13,24 13,04 1,60 Natal Cidade da Esperança 61,68 17,95 10,31 1,60 Natal Cidade Nova-Guarapes-Planalto 69,98 18,03 8,69 1,60 Natal Felipe Camarão 84,35 13,15 1,75 1,60 Natal Bom Pastor 85,08 12,03 2,17 1,60 Natal Nordeste-Quintas 82,88 12,98 3,39 1,60 Natal Dix-Sept-Rosado-Nazaré 78,36 14,97 4,40 1,60

Tabela III.4.27 - Área de Ponderação Amostral (AEDs) da Região Metropolitana de Natal segundo Classes de rendimento mensal do trabalho principal em salário mínimo - 2000

Natal Potengi 20.422 4.898 10.127 Natal Salinas-IGAPÓ 9.901 3.745 4.732 Natal Nossa Senhora da Apresentação 18.756 6.325 9.439 Natal Lagoa Azul 16.168 5.149 8.783 Natal Pajuçara-Redinha 17.303 5.086 9.030 Natal Lagoa Nova-Nova Descoberta 21.027 3.739 6.995 Natal Parque da Dunas-Capim Macio 9.431 978 1.976 Natal Ponta Negra 9.821 1.965 3.300 Natal Neopólis 9.520 1.670 3.416 Natal Pitimbú 9.757 1.664 3.106 Natal Candelária 8.035 1.134 2.192 Natal Cidade Alta-Ribeira-Rocas 6.914 2.010 3.063

57 Dados encontrados no site da SEMURB e do IBGE, cedidos pelo Observatório das Metrópoles.

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105

Natal Santos Reis-Praia do Meio-Areia Preta- Mãe Luiza 10.285 3.586 4.926

Natal Petropolis-Tirol 9.269 1.332 1.977 Natal Barro Vermelho-Lagoa Seca-Alecrim 17.920 3.880 7.114 Natal Cidade da Esperança 7.573 1.758 3.967 Natal Cidade Nova-Guarapes-Planalto 12.264 4.758 6.064 Natal Felipe Camarão 14.398 5.360 7.256 Natal Bom Pastor 6.146 2.204 3.020 Natal Nordeste-Quintas 13.789 4.172 7.023 Natal Dix-Sept-Rosado-Nazaré 12.472 3.692 5.887

Tabela III.4.27 - Área de Ponderação Amostral (AEDs) da Região Metropolitana de Natal segundo Classes de rendimento mensal do trabalho principal em salário mínimo - 2000

Natal Potengi 20.422 4.898 10.127 2.870 2.528

Natal Salinas-IGAPÓ 9.901 3.745 4.732 957 467

Natal Nossa Senhora da Apresenta-ção 18.756 6.325 9.439 1.701 1.291

Natal Lagoa Azul 16.168 5.149 8.783 1.550 686

Natal Pajuçara-Redinha 17.303 5.086 9.030 1.884 1.303

Natal Lagoa Nova-Nova Descoberta 21.027 3.739 6.995 2.554 7.739

Natal Parque da Dunas-Capim Macio 9.431 978 1.976 1.306 5.171

Natal Ponta Negra 9.821 1.965 3.300 1.279 3.277 Natal Neopólis 9.520 1.670 3.416 1.437 2.996 Natal Pitimbú 9.757 1.664 3.106 1.647 3.339

Natal Candelária 8.035 1.134 2.192 1.049 3.660

Natal Cidade Alta-Ribeira-Rocas 6.914 2.010 3.063 733 1.108

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106

Natal Santos Reis-Praia do Meio-Areia Preta- Mãe Luiza 10.285 3.586 4.926 791 984

Natal Petropolis-Tirol 9.269 1.332 1.977 1.061 4.900

Natal Barro Vermelho-Lagoa Seca-Alecrim 17.920 3.880 7.114 2.560 4.367

Natal Cidade da Esperança 7.573 1.758 3.967 912 937

Natal Cidade Nova-Guarapes-Planalto 12.264 4.758 6.064 1.095 347

Natal Felipe Camarão 14.398 5.360 7.256 1.175 607

Natal Bom Pastor 6.146 2.204 3.020 598 324

Natal Nordeste-Quintas 13.789 4.172 7.023 1.494 1.099

Natal Dix-Sept-Rosado-Nazaré 12.472 3.692 5.887 1.245 1.648

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ANEXO V

DOCUMENTOS COLHIDOS DURANTE PESQUISA

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ANEXO VI

FOTOGRAFIAS

..

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ANEXO VII

MAPA: DIVISÃO ADMINISTRATIVA DE NATAL (RN)