Giovanni Reale, Dario Antiseri - Historia Da Filosofia. Volume 1.

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Giovanni Reale, Dario Antiseri - Historia Da Filosofia. Volume 1.

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  • Dados de Catalogao na Publicao (CIP) Internacional (CAmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Reale, Giovanni. Histria da filosofia: Antigidade e Idade Mdia I Giovanni

    Reale, Dario Antiseri;- So Paulo: PAULUS, 1990.- (Coleo filosofia) Contedo: v. a. Antigidade e Idade Mdia.- v. 2. Do Humanismo a Kant.- v. 3. Do Romantismo at nossos dias.

    ISBN 85-05-01076-0 (obra completa 1. Filosofia 2. Filosofia- Histria I. Antiseri, Dario. 11.

    Tltulo.lll. Srie.

    9Q-0515

    lndlce para catlogo sistemtico

    1. Filosofia 1 00 2. Filosofia: Histria 1 09

    Coleao FILOSOFIA

    O homem. Quem ele? Elementos de antropologia filosfica, B. Mondin I~ filosofia. Problemas, sistemas, autores, obras, ld. Curso de filosofia, 3 vols., ld. Histria da Filosofia - Giovanni Reale e Dario Antiseri, 3 V ois. Filosofia da religiiJo, U. Zilles

    CDD-109 -100

    GIOV ANNI REALE/DARIO ANTISERI

    HISTRIA DA FILOSOFIA

    Antigidade e Idade Mdia

    VOLUME I 311 edio

    ~ PAULUS

  • Dados de Catalogao na Publicao (CIP) Internacional (CAmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Reale, Giovanni. Histria da filosofia: Antigidade e Idade Mdia I Giovanni

    Reale, Dario Antiseri;- So Paulo: PAULUS, 1990.- (Coleo filosofia) Contedo: v. a. Antigidade e Idade Mdia.- v. 2. Do Humanismo a Kant.- v. 3. Do Romantismo at nossos dias.

    ISBN 85-05-01076-0 (obra completa 1. Filosofia 2. Filosofia- Histria I. Antiseri, Dario. 11.

    Tltulo.lll. Srie.

    9Q-0515

    lndlce para catlogo sistemtico

    1. Filosofia 1 00 2. Filosofia: Histria 1 09

    Coleao FILOSOFIA

    O homem. Quem ele? Elementos de antropologia filosfica, B. Mondin I~ filosofia. Problemas, sistemas, autores, obras, ld. Curso de filosofia, 3 vols., ld. Histria da Filosofia - Giovanni Reale e Dario Antiseri, 3 V ois. Filosofia da religiiJo, U. Zilles

    CDD-109 -100

    GIOV ANNI REALE/DARIO ANTISERI

    HISTRIA DA FILOSOFIA

    Antigidade e Idade Mdia

    VOLUME I 311 edio

    ~ PAULUS

  • Titulo original 11 penslero occfdentale daRe orlglnl ad oggl Editrice La Scuola, 8ll ed., 1986

    Ilustraes Allnarl, Arborlo Mella, Barazzotto, Farabola, Rlcclarinl, Riva, Stradella Costa, Tltus, Tomsich

    Reviso H. Dalbosco - L Costa

    PAULUS- 1990 Rua Dr. Pinto Ferraz, 183 04117-040 Sao Paulo (BRASIL) FAX (011) 575-7403 Tel. (011) 572-2362

    ISBN 88-350-7271-9 (ed. original) ISBN 85-05-01076-0 (obra completa)

    ISBN 85-349-0114-7 (Vol. 1)

    PREFCIO

    "Uma vida sem busca no digna de ser vivida". Scrates

    Como se justifica um tratado to vasto de histria do pen-samento filosfico e cientfico? Como possvel- talvez se pergunte o professor, observando a espessura dos trs volumes -abordar e desenvolver um programa to rico nas poucas horas semanais disposio e levar os estudantes a domin-lo?

    Com certeza; se formos medir este livro pelo nmero de pginas, pode-se dizer que um livro extenso. Mas aqui o caso de recordqr a bela sentena do abade Terrasson citada por Kant no Prefcio da Crtica da Razo Pura: "Se se mede a extenso do livro no pelo nmero de pginas, mas pelo tempo que necessrio para compreend-lo, de tais livros poder-se-ia dizer que seriam muito mais breves se no fossem to breves."

    E, na verdade, em muitos casos os manuais de filosofia seriam menos cansativos se tivessem algumas pginas a mais sobre uma srie de temas. Com efeito, na exposio da problemtica filosfica, a brevidade no simplifica as coisas, mas as complica e, em conseqncia, as torna pouco compreensveis, quando no inteiramente incompreensveis. Em todo caso, num manual de filosofia, a brevidade leva fatalmente ao "conceitismo", a simples relacionamento de opinies, mera panormica do que disseram um por um os vrios filsofos; isto instrutivo, concede-se, mas pouco formativo.

    Pois bem, esta histria do pensamento filosfico e cientfico pretende atingir pelo menos trs nveis alm do simples "o que" disseram os filsofos, ou seja, o nvel que os antigos chamavam de doxogrfico (nvel de coleta de opinies), buscando explicar ''por que" os filsofos disseram o que disseram e, ademais, dar um adequado entendimento de "como" o disseram e, finalmente, inda-gando alguns dos "efeitos" provocados pelas teorias filosficas e cientficas.

    O ''por que" das afirmaes dos filsofos no absolutamente algo simples, porquanto motivos sociais, econmicos e culturais

  • Titulo original 11 penslero occfdentale daRe orlglnl ad oggl Editrice La Scuola, 8ll ed., 1986

    Ilustraes Allnarl, Arborlo Mella, Barazzotto, Farabola, Rlcclarinl, Riva, Stradella Costa, Tltus, Tomsich

    Reviso H. Dalbosco - L Costa

    PAULUS- 1990 Rua Dr. Pinto Ferraz, 183 04117-040 Sao Paulo (BRASIL) FAX (011) 575-7403 Tel. (011) 572-2362

    ISBN 88-350-7271-9 (ed. original) ISBN 85-05-01076-0 (obra completa)

    ISBN 85-349-0114-7 (Vol. 1)

    PREFCIO

    "Uma vida sem busca no digna de ser vivida". Scrates

    Como se justifica um tratado to vasto de histria do pen-samento filosfico e cientfico? Como possvel- talvez se pergunte o professor, observando a espessura dos trs volumes -abordar e desenvolver um programa to rico nas poucas horas semanais disposio e levar os estudantes a domin-lo?

    Com certeza; se formos medir este livro pelo nmero de pginas, pode-se dizer que um livro extenso. Mas aqui o caso de recordqr a bela sentena do abade Terrasson citada por Kant no Prefcio da Crtica da Razo Pura: "Se se mede a extenso do livro no pelo nmero de pginas, mas pelo tempo que necessrio para compreend-lo, de tais livros poder-se-ia dizer que seriam muito mais breves se no fossem to breves."

    E, na verdade, em muitos casos os manuais de filosofia seriam menos cansativos se tivessem algumas pginas a mais sobre uma srie de temas. Com efeito, na exposio da problemtica filosfica, a brevidade no simplifica as coisas, mas as complica e, em conseqncia, as torna pouco compreensveis, quando no inteiramente incompreensveis. Em todo caso, num manual de filosofia, a brevidade leva fatalmente ao "conceitismo", a simples relacionamento de opinies, mera panormica do que disseram um por um os vrios filsofos; isto instrutivo, concede-se, mas pouco formativo.

    Pois bem, esta histria do pensamento filosfico e cientfico pretende atingir pelo menos trs nveis alm do simples "o que" disseram os filsofos, ou seja, o nvel que os antigos chamavam de doxogrfico (nvel de coleta de opinies), buscando explicar ''por que" os filsofos disseram o que disseram e, ademais, dar um adequado entendimento de "como" o disseram e, finalmente, inda-gando alguns dos "efeitos" provocados pelas teorias filosficas e cientficas.

    O ''por que" das afirmaes dos filsofos no absolutamente algo simples, porquanto motivos sociais, econmicos e culturais

  • 6 Prefcio freqentemente se entrecruzam e de vrios modos se entretecem com motivos tericos e especulativos. Procuramos dar um esboo do pano de fundo do qual emergem as teorias dos filsofos, evitando, contudo, os perigos das redues sociolgicas, psicolgicas e historicistas (que, nos ltimos anos, caram em excessos hiperblicos, a ponto de quase tornar v a identidade especfica do discurso filosfico) e evidenciando as concatenaes dos problemas tericos e os nexos conceituais, como tambm as motivaes lgicas, racionais e crticas que, em ltima anlise, constituem a substncia das idias filosficas e cientficas.

    Buscou-se pois dar o sentido do "como" os pensadores e os cientistas propuseram suasdoutrinas, fazendo uso de suas pr-prias palavras. Assim, quando se tratava de textos fceis, a palavra viva dos vrios pensadores foi utilizada no prprio nexo expositivo; outras vezes, ao contrrio, se fez referncia a extratos dos vrios autores (os mais complexos e mais difceis), guisa de reforo da exposio, mas que (segundo o nvel de conhecimento do autor que se quer alcanar) podem ser cortados sem prejuzo da compreenso do conjunto. Esse recurso aos textos dos autores foi dosado de modo a respeitar as necessidades didticas de quem, de incio, aprende um discurso completamente novo e por isso necessita da mxima simplicidade e pouco a pouco adquire as categorias do pensar filosfico, amplia a prpria capacidade e, por essa razo pode se confrontar com um tipo de exposio mais complexa e, portanto, compreender os diversos teores da linguagem na qual os filsofos falavam. De resto, como no possvel ter idia do modo de sentir e de imaginar de um poeta sem ler algum fragmento de sua obra, assim, analogamente, no possvel ter idia do modo de pensar de um filsofo ignorando totalmente o modo pelo qual exprimia seus pensamentos.

    Finalmente, os filsofos so importantes no s pelo que dizem, mas tambm pelas tradies que geram e pem em movi~ mento:algumas de suas posies favorecem o nascimento de algumas idias, mas, juntas, impedem o nascimento de outras. Portanto, os filsofos so importantes quer pelo que dizem, quer pelo que evitam que se diga. E esse um dos aspectos sobre os quais freqente-mente calam as histrias da filosofia e que quisemos pr em evidncia, sobretudo na explicao das complexas relaes entre as idias filosficas e as cientificas, religiosas, estticas e socio-polticas.

    O ponto de partida do ensino da filosofia reside nos problemas que ela levantou e levanta; por isso, buscou-se, particularmente,

    Prefcio 7 expor em bloco os problemas e freqentemente privilegiou-se o mtodo sincrnico diante do diacrTJ,ico, embora respeitando este ltimo nos limites do possvel.

    O ponto de chegada do ensino da filosofia consiste na forma-o de mentes ricas de teorias, hbeis no uso do mtodo, capazes de propor e desenvolver de modo metdico os problemas e de ler, de modo crtico, a complexa realidade que as circunda. E precisamente este objetivo visado pelos quatro nveis segundo os quais este trabalho foi inteiramente concebido e conduzido: criar nos estu-da'!t~s u~a razo aberta, capaz de defender-se em face s mltiplas soZ.tcttaoes contemporneas de fuga para o irracional ou de fecha-mento em estreitas posies pragmticas e cientificistas. E a razo aberta uma razo que sabe ter em si o corretivo de todos os erros que (enquanto razo humana) comete, passo a passo, forando-a a recomear itinerrios sempre novos.

    . . Este primeiro volume divide-se em dez partes. A diviso foi f~tta tendo em conta a sucesso lgica e cronolgica da problem-ttca tratada, mas com a inteno de oferecer aos docentes verda-dei:as e exatas "unidades didticas", no mbito das quais, segundo os mteresses e o nvel dos alunos, possam fazer as escolhas mais oportunas. A amplitude da abordagem no implica que se deva fazer tudo; deseja-se apenas oferecer a mais ampla e rica possibili-dade de escolha e aprofundamento.

    Entre elas, alm das partes que tratam de Plato e Aristteles, que so verdadeiras minimonografias, pela riqueza dos temas e dos problemas que contm, destacamos principalmente as partes sobre a filosofia da poca helenstica e da poca imperial, invariavel-mente pouco cuidadas, mas que devem ser consideradas com p~rticr:la~ ateno, ademais porque, em relao ao sculo passado e a pnmet!"a _m_etade do nosso sculo, o conhecimento desses pero-dos da htstona do pensamento progrediu enormemente e seus resultados foram claramente reavaliados. Uma parte foi dedicada ao pensamento conexo mensagem bblica, porque esta constituiu a maior revoluo espiritual, que mudou radicalmente a proposio do pensamento antigo e constitui uma premissa indispensvel para a compre~nso do posterior pensamento medieval, seno do pensa-mento octdental em geral. At mesmo Patrstica se dedicou a ateno que o renovado interesse e os mais recentes estudos sobre este perodo, ademais, impem. Todo o pensamento medieval contido na dcima parte, foi visto na tica da problemtica da; relaes entre f e razo e no complexo e mvel jogo desses seus componentes. No foram postas em relevo somente as grandes

  • 6 Prefcio freqentemente se entrecruzam e de vrios modos se entretecem com motivos tericos e especulativos. Procuramos dar um esboo do pano de fundo do qual emergem as teorias dos filsofos, evitando, contudo, os perigos das redues sociolgicas, psicolgicas e historicistas (que, nos ltimos anos, caram em excessos hiperblicos, a ponto de quase tornar v a identidade especfica do discurso filosfico) e evidenciando as concatenaes dos problemas tericos e os nexos conceituais, como tambm as motivaes lgicas, racionais e crticas que, em ltima anlise, constituem a substncia das idias filosficas e cientficas.

    Buscou-se pois dar o sentido do "como" os pensadores e os cientistas propuseram suasdoutrinas, fazendo uso de suas pr-prias palavras. Assim, quando se tratava de textos fceis, a palavra viva dos vrios pensadores foi utilizada no prprio nexo expositivo; outras vezes, ao contrrio, se fez referncia a extratos dos vrios autores (os mais complexos e mais difceis), guisa de reforo da exposio, mas que (segundo o nvel de conhecimento do autor que se quer alcanar) podem ser cortados sem prejuzo da compreenso do conjunto. Esse recurso aos textos dos autores foi dosado de modo a respeitar as necessidades didticas de quem, de incio, aprende um discurso completamente novo e por isso necessita da mxima simplicidade e pouco a pouco adquire as categorias do pensar filosfico, amplia a prpria capacidade e, por essa razo pode se confrontar com um tipo de exposio mais complexa e, portanto, compreender os diversos teores da linguagem na qual os filsofos falavam. De resto, como no possvel ter idia do modo de sentir e de imaginar de um poeta sem ler algum fragmento de sua obra, assim, analogamente, no possvel ter idia do modo de pensar de um filsofo ignorando totalmente o modo pelo qual exprimia seus pensamentos.

    Finalmente, os filsofos so importantes no s pelo que dizem, mas tambm pelas tradies que geram e pem em movi~ mento:algumas de suas posies favorecem o nascimento de algumas idias, mas, juntas, impedem o nascimento de outras. Portanto, os filsofos so importantes quer pelo que dizem, quer pelo que evitam que se diga. E esse um dos aspectos sobre os quais freqente-mente calam as histrias da filosofia e que quisemos pr em evidncia, sobretudo na explicao das complexas relaes entre as idias filosficas e as cientificas, religiosas, estticas e socio-polticas.

    O ponto de partida do ensino da filosofia reside nos problemas que ela levantou e levanta; por isso, buscou-se, particularmente,

    Prefcio 7 expor em bloco os problemas e freqentemente privilegiou-se o mtodo sincrnico diante do diacrTJ,ico, embora respeitando este ltimo nos limites do possvel.

    O ponto de chegada do ensino da filosofia consiste na forma-o de mentes ricas de teorias, hbeis no uso do mtodo, capazes de propor e desenvolver de modo metdico os problemas e de ler, de modo crtico, a complexa realidade que as circunda. E precisamente este objetivo visado pelos quatro nveis segundo os quais este trabalho foi inteiramente concebido e conduzido: criar nos estu-da'!t~s u~a razo aberta, capaz de defender-se em face s mltiplas soZ.tcttaoes contemporneas de fuga para o irracional ou de fecha-mento em estreitas posies pragmticas e cientificistas. E a razo aberta uma razo que sabe ter em si o corretivo de todos os erros que (enquanto razo humana) comete, passo a passo, forando-a a recomear itinerrios sempre novos.

    . . Este primeiro volume divide-se em dez partes. A diviso foi f~tta tendo em conta a sucesso lgica e cronolgica da problem-ttca tratada, mas com a inteno de oferecer aos docentes verda-dei:as e exatas "unidades didticas", no mbito das quais, segundo os mteresses e o nvel dos alunos, possam fazer as escolhas mais oportunas. A amplitude da abordagem no implica que se deva fazer tudo; deseja-se apenas oferecer a mais ampla e rica possibili-dade de escolha e aprofundamento.

    Entre elas, alm das partes que tratam de Plato e Aristteles, que so verdadeiras minimonografias, pela riqueza dos temas e dos problemas que contm, destacamos principalmente as partes sobre a filosofia da poca helenstica e da poca imperial, invariavel-mente pouco cuidadas, mas que devem ser consideradas com p~rticr:la~ ateno, ademais porque, em relao ao sculo passado e a pnmet!"a _m_etade do nosso sculo, o conhecimento desses pero-dos da htstona do pensamento progrediu enormemente e seus resultados foram claramente reavaliados. Uma parte foi dedicada ao pensamento conexo mensagem bblica, porque esta constituiu a maior revoluo espiritual, que mudou radicalmente a proposio do pensamento antigo e constitui uma premissa indispensvel para a compre~nso do posterior pensamento medieval, seno do pensa-mento octdental em geral. At mesmo Patrstica se dedicou a ateno que o renovado interesse e os mais recentes estudos sobre este perodo, ademais, impem. Todo o pensamento medieval contido na dcima parte, foi visto na tica da problemtica da; relaes entre f e razo e no complexo e mvel jogo desses seus componentes. No foram postas em relevo somente as grandes

  • 8 Prefcio construes metafisicas, como as de Anselmo, Toms e Boaventura (aos quais so dedicados tratamentos aprofundados, com desen-volvimentos originais), mas foram tratadas com particular ateno tambm as problemticas lgicas, tendo presentes as mais recentes aquisies historiogrficas.

    So vistos, assim, sob nova luz pensadores como Bocio e Abelardo, bem como a clssica problemtica dos universais. Fi-nalmente, especial relevo dado ao fermento da ltima escolstica.

    Conclui o volume um apndice abrangendo, como comple-mento indispensvel, as tbuas cronolgicas sinticas e o ndice dos nomes. Foi preparado pelo professor Cludio Mazzarelli que, unindo a dupla competncia de professor, de longa data, e de pesquisador cientfico, procurou fornecer o instrumento mais rico e, a um tempo, mais funcional.

    Os autores expressam uma grata recordao em memria do professor Francisco Brunelli, que idealizou e promoveu a iniciativa desta obra. Estava encarregado de providenciar a execuo tipo-grfica do projeto, pouco antes do seu imprevisto desaparecimento.

    Um vivo agradecimento ao doutor Remo Bernacchia, que conduziu a iniciativa a seu termo, favorecendo e tornando reali-zveis as numerosas inovaes constantes da presente obra.

    Um vivo agradecimento Editora Vita e Pensiero, por ter concedido a utilizao de muitos resultados da Histria da Filo-sofia Antiga (em cinco volumes), de G. Reale. Ademais, nossa particular gratido doutora Clara Fortina que, na qualidade de redatora, empenhou-se pelo melhor resultado da obra, bem alm dos seus deveres de ofcio, com dedicao e paixo.

    Os autores desejam assumir em comum a responsabilidade da obra inteira por terem trabalhado juntos (cada um segundo sua prpria competncia, sua prpria sensibilidade e seus prprios interesses) pelo melhor resultado de cada um dos trs volumes, com plena unidade de esprito e de objetivos.

    Finalmente, os autores agradecem autora Maria Luisa Gatti, que revisou cuidadosamente as provas da segunda edio italiana.

    Os Autores

    Primeira parte

    AS ORIGENS GREGAS DO PENSAMENTO OCIDENTAL

    " a inteligncia que v, a inteligncia que escuta - todo o resto surdo e cego."

    E picarmo

  • 8 Prefcio construes metafisicas, como as de Anselmo, Toms e Boaventura (aos quais so dedicados tratamentos aprofundados, com desen-volvimentos originais), mas foram tratadas com particular ateno tambm as problemticas lgicas, tendo presentes as mais recentes aquisies historiogrficas.

    So vistos, assim, sob nova luz pensadores como Bocio e Abelardo, bem como a clssica problemtica dos universais. Fi-nalmente, especial relevo dado ao fermento da ltima escolstica.

    Conclui o volume um apndice abrangendo, como comple-mento indispensvel, as tbuas cronolgicas sinticas e o ndice dos nomes. Foi preparado pelo professor Cludio Mazzarelli que, unindo a dupla competncia de professor, de longa data, e de pesquisador cientfico, procurou fornecer o instrumento mais rico e, a um tempo, mais funcional.

    Os autores expressam uma grata recordao em memria do professor Francisco Brunelli, que idealizou e promoveu a iniciativa desta obra. Estava encarregado de providenciar a execuo tipo-grfica do projeto, pouco antes do seu imprevisto desaparecimento.

    Um vivo agradecimento ao doutor Remo Bernacchia, que conduziu a iniciativa a seu termo, favorecendo e tornando reali-zveis as numerosas inovaes constantes da presente obra.

    Um vivo agradecimento Editora Vita e Pensiero, por ter concedido a utilizao de muitos resultados da Histria da Filo-sofia Antiga (em cinco volumes), de G. Reale. Ademais, nossa particular gratido doutora Clara Fortina que, na qualidade de redatora, empenhou-se pelo melhor resultado da obra, bem alm dos seus deveres de ofcio, com dedicao e paixo.

    Os autores desejam assumir em comum a responsabilidade da obra inteira por terem trabalhado juntos (cada um segundo sua prpria competncia, sua prpria sensibilidade e seus prprios interesses) pelo melhor resultado de cada um dos trs volumes, com plena unidade de esprito e de objetivos.

    Finalmente, os autores agradecem autora Maria Luisa Gatti, que revisou cuidadosamente as provas da segunda edio italiana.

    Os Autores

    Primeira parte

    AS ORIGENS GREGAS DO PENSAMENTO OCIDENTAL

    " a inteligncia que v, a inteligncia que escuta - todo o resto surdo e cego."

    E picarmo

  • Rosto atribudo a Homero (sc. VIII a. C.), que a tradio considera o autor da Ilada e da Odissia, obras consideradas como a base do pensamento ocidental.

    Captulo I

    GNESE, NATUREZA E DESENVOLVEMENTO DA FILOSOFIA ANTIGA

    1. Gnese da filosofia entre os gregos

    1.1. A filosofia como criao do gnio helnico

    Seja como termo, seja como conceito, a filosofia considerada pela quase totalidade dos estudiosos como uma criao prpria do gnio dos gregos. Efetivamente, enquanto todos os outros compo-nentes da civilizao grega encontram uma correspondncia junto aos demais povos do Oriente que alcanaram um nvel elevado de civilizao antes dos gregos (crenas e cultos religiosos, manifes-taes artsticas de vrias naturezas, conhecimentos e habilidades tcnicas de diversos tipos, instituies polticas, organizaes militares etc.), j no que se refere filosofia nos encontramos diante de um fenmeno to novo que no apenas no tem uma correspondncia precisa junto a esses povos, mas tambm no h tampouco nada que lhe seja estreita e especificamente anlogo.

    Sendo assim, a superioridade dos gregos em relao aos outros povos nesse ponto especfico de carter no puramente quantitativo, mas qualitativo, porque o que eles criaram, instituindo a filosofia, constitui uma novidade que, em certo sentido, absoluta.

    Quem no levar isso em conta no poder compreender por que, sob o impulso dos gregos, a civilizao ocidental tomou uma direo completamente diferente da oriental. Em particular, no poder compreender por que motivo os orientais, quando quiseram se beneficiar da cincia ocidental e de seus resultados, tiveram que adotar tambm algumas categorias da lgica ocidental. Com efeito, no em qualquer cultura que a cincia possvel. H idias que

  • Rosto atribudo a Homero (sc. VIII a. C.), que a tradio considera o autor da Ilada e da Odissia, obras consideradas como a base do pensamento ocidental.

    Captulo I

    GNESE, NATUREZA E DESENVOLVEMENTO DA FILOSOFIA ANTIGA

    1. Gnese da filosofia entre os gregos

    1.1. A filosofia como criao do gnio helnico

    Seja como termo, seja como conceito, a filosofia considerada pela quase totalidade dos estudiosos como uma criao prpria do gnio dos gregos. Efetivamente, enquanto todos os outros compo-nentes da civilizao grega encontram uma correspondncia junto aos demais povos do Oriente que alcanaram um nvel elevado de civilizao antes dos gregos (crenas e cultos religiosos, manifes-taes artsticas de vrias naturezas, conhecimentos e habilidades tcnicas de diversos tipos, instituies polticas, organizaes militares etc.), j no que se refere filosofia nos encontramos diante de um fenmeno to novo que no apenas no tem uma correspondncia precisa junto a esses povos, mas tambm no h tampouco nada que lhe seja estreita e especificamente anlogo.

    Sendo assim, a superioridade dos gregos em relao aos outros povos nesse ponto especfico de carter no puramente quantitativo, mas qualitativo, porque o que eles criaram, instituindo a filosofia, constitui uma novidade que, em certo sentido, absoluta.

    Quem no levar isso em conta no poder compreender por que, sob o impulso dos gregos, a civilizao ocidental tomou uma direo completamente diferente da oriental. Em particular, no poder compreender por que motivo os orientais, quando quiseram se beneficiar da cincia ocidental e de seus resultados, tiveram que adotar tambm algumas categorias da lgica ocidental. Com efeito, no em qualquer cultura que a cincia possvel. H idias que

  • 12 Origem da filosofia tornam estruturalmente impossvel o nascimento e o desenvolvi-mento de determinadas concepes - e, at mesmo, idias que interditam toda a cincia em seu conjunto, pelo menos a cincia como hoje a conhecemos.

    Pois bem, em funo de suas categorias racionais, foi a filosofia que tornou possvel o nascimento da cincia e, em certo sentido, a gerou. E reconhecer isso significa tambm reconhecer aos gregos o mrito de terem dado uma contribuio verdadeira-mente excepcional histria da civilizao.

    1.2. A impossibilidade da origem oriental da filosfia

    Naturalmente, sobretudo entre os orientalistas, no falta-ram tentativas de situar no Oriente a origem da filosofia, espe-cialmente com base na observao de analogias genricas consta-tveis entre as concepes dos primeiros filsofos gregos e certas idias prprias da sabedoria oriental. Mas nenhuma dessas tenta-tivas surtiu efeito. E, j a partir de fins do sculo passado, uma crtica rigorosa produziu uma srie de provas verdadeiramente esmagadoras contra a tese de que a filosofia dos gregos derivou do Oriente.

    a) Na poca clssica, nenhum dos filsofos ou dos historia-dores gregos faz sequer o mnimo aceno pretensa origem oriental da filosofia. (Os primeiros a defender a tese de que a filosofia derivou do Oriente foram alguns orientais, por razes de orgulho nacionalista, ou seja, para atribuir em benefcio de sua cultura esse especial ttulo de glria. Assim, por exemplo, na poca dos ptolo-meus, os sacerdotes egpcios, tomando conhecimento da filosofia grega, pretenderam sustentar que ela derivava da sabedoria egpcia. E, em Alexandria, por volta de fins da era pag e de princpios da era crist, os hebreus que haviam absorvido a cultura helnica chegaram a defender a idia de que a filosofia grega derivava das doutrinas de Moiss. O fato de que filsofos gregos da poca crist sustentaram a tese de que a filosofia derivou dos sacerdotes orientais, divinamente inspirados, no prova nada, porque esses filsofos j haviam perdido a confiana na filosofia entendida classicamente e objetivavam uma espcie de autolegi-timao diante dos cristos, que apresentavam seus textos como divinamente inspirados.)

    h) Est demonstrado historicame':nte que os povos orientais com os quais os gregos tinham contato possuam verdadeiramente uma forma de "sabedoria", feita de convices religiosas, mitos

    Poesia grega das origens 13 teolgicos e "cosmognicos", mas no uma cincia filosfica basea-da na razo pura (no logos, como dizem os gregos). Ou seja, possuam um tipo de sabedoria anloga que os prprios gregos possuam antes de criar a filosofia.

    c) Contudo, no temos conhecimento da utilizao, por parte dos gregos, de qualquer escrito oriental ou de tradues desses textos. Antes de Alexandre, no se sabe de qualquer possibi-lidade de terem chegado Grcia doutrinas dos hindus ou de ou-tros povos da sia, bem como de que, na poca em que surgiu a filosofia na Grcia, houvesse gregos em condies de compre-ender o discurso de um sacerdote egpcio ou de traduzir livros egpcios.

    d) Considerando que algumas idias dos filsofos gregos podem ter antecedentes precisos na sabedoria oriental (mas isso ainda precisa ser comprovado), tendo podido' assim dela deriva-rem, isso no mudaria a substncia da questo que estamos discutindo. Com efeito, a partir do momento em que nasceu na Grcia, a filosofia representou uma nova forma de expresso espiritual, de tal modo que, no momento mesmo em que acolhia contedos que eram fruto de outras formas de vida espiritual, os transformava estruturalmente, dando-lhes uma forma rigorosa-mente lgica.

    1.3. As cognies cientficas egpcias e caldias e as transformaes nelas impressas pelos gregos

    No entanto, os gregos adotaram dos orientais alguns conhe-cimentos cientficos. Com efeito, derivaram dos egpcios alguns conhecimentos matemtico-geomtricos e dos babilnios algumas cognies astronmicas. Mas tambm a propsito desses conheci-mentos precisamos fazer alguns esclarecimentos importantes, que so indispensveis para compreender a mentalidade grega e a mentalidade ocidental que dela derivou.

    Ao que sabemos, a matemtica egpcia consistia predomi-nantemente no conhecimento de operaes de clculo aritmtico com objetivos prticos, como, por exemplo, o modo de medir certa quantidade de gneros alimentcios ou ento de dividir um deter-minado nmero de coisas entre um nmero dado de pessoas. As-sim, analogamente, a geometria devia ter tambm um carter predominantemente prtico, respondendo, por exemplo, neces-sidade de medir novamente os campos depois das peridicas inundaes do Nilo ou necessidade de projeo e construo das pirmides.

  • 12 Origem da filosofia tornam estruturalmente impossvel o nascimento e o desenvolvi-mento de determinadas concepes - e, at mesmo, idias que interditam toda a cincia em seu conjunto, pelo menos a cincia como hoje a conhecemos.

    Pois bem, em funo de suas categorias racionais, foi a filosofia que tornou possvel o nascimento da cincia e, em certo sentido, a gerou. E reconhecer isso significa tambm reconhecer aos gregos o mrito de terem dado uma contribuio verdadeira-mente excepcional histria da civilizao.

    1.2. A impossibilidade da origem oriental da filosfia

    Naturalmente, sobretudo entre os orientalistas, no falta-ram tentativas de situar no Oriente a origem da filosofia, espe-cialmente com base na observao de analogias genricas consta-tveis entre as concepes dos primeiros filsofos gregos e certas idias prprias da sabedoria oriental. Mas nenhuma dessas tenta-tivas surtiu efeito. E, j a partir de fins do sculo passado, uma crtica rigorosa produziu uma srie de provas verdadeiramente esmagadoras contra a tese de que a filosofia dos gregos derivou do Oriente.

    a) Na poca clssica, nenhum dos filsofos ou dos historia-dores gregos faz sequer o mnimo aceno pretensa origem oriental da filosofia. (Os primeiros a defender a tese de que a filosofia derivou do Oriente foram alguns orientais, por razes de orgulho nacionalista, ou seja, para atribuir em benefcio de sua cultura esse especial ttulo de glria. Assim, por exemplo, na poca dos ptolo-meus, os sacerdotes egpcios, tomando conhecimento da filosofia grega, pretenderam sustentar que ela derivava da sabedoria egpcia. E, em Alexandria, por volta de fins da era pag e de princpios da era crist, os hebreus que haviam absorvido a cultura helnica chegaram a defender a idia de que a filosofia grega derivava das doutrinas de Moiss. O fato de que filsofos gregos da poca crist sustentaram a tese de que a filosofia derivou dos sacerdotes orientais, divinamente inspirados, no prova nada, porque esses filsofos j haviam perdido a confiana na filosofia entendida classicamente e objetivavam uma espcie de autolegi-timao diante dos cristos, que apresentavam seus textos como divinamente inspirados.)

    h) Est demonstrado historicame':nte que os povos orientais com os quais os gregos tinham contato possuam verdadeiramente uma forma de "sabedoria", feita de convices religiosas, mitos

    Poesia grega das origens 13 teolgicos e "cosmognicos", mas no uma cincia filosfica basea-da na razo pura (no logos, como dizem os gregos). Ou seja, possuam um tipo de sabedoria anloga que os prprios gregos possuam antes de criar a filosofia.

    c) Contudo, no temos conhecimento da utilizao, por parte dos gregos, de qualquer escrito oriental ou de tradues desses textos. Antes de Alexandre, no se sabe de qualquer possibi-lidade de terem chegado Grcia doutrinas dos hindus ou de ou-tros povos da sia, bem como de que, na poca em que surgiu a filosofia na Grcia, houvesse gregos em condies de compre-ender o discurso de um sacerdote egpcio ou de traduzir livros egpcios.

    d) Considerando que algumas idias dos filsofos gregos podem ter antecedentes precisos na sabedoria oriental (mas isso ainda precisa ser comprovado), tendo podido' assim dela deriva-rem, isso no mudaria a substncia da questo que estamos discutindo. Com efeito, a partir do momento em que nasceu na Grcia, a filosofia representou uma nova forma de expresso espiritual, de tal modo que, no momento mesmo em que acolhia contedos que eram fruto de outras formas de vida espiritual, os transformava estruturalmente, dando-lhes uma forma rigorosa-mente lgica.

    1.3. As cognies cientficas egpcias e caldias e as transformaes nelas impressas pelos gregos

    No entanto, os gregos adotaram dos orientais alguns conhe-cimentos cientficos. Com efeito, derivaram dos egpcios alguns conhecimentos matemtico-geomtricos e dos babilnios algumas cognies astronmicas. Mas tambm a propsito desses conheci-mentos precisamos fazer alguns esclarecimentos importantes, que so indispensveis para compreender a mentalidade grega e a mentalidade ocidental que dela derivou.

    Ao que sabemos, a matemtica egpcia consistia predomi-nantemente no conhecimento de operaes de clculo aritmtico com objetivos prticos, como, por exemplo, o modo de medir certa quantidade de gneros alimentcios ou ento de dividir um deter-minado nmero de coisas entre um nmero dado de pessoas. As-sim, analogamente, a geometria devia ter tambm um carter predominantemente prtico, respondendo, por exemplo, neces-sidade de medir novamente os campos depois das peridicas inundaes do Nilo ou necessidade de projeo e construo das pirmides.

  • 14 Origem da filosofia Est claro que, ao obterem aqueles conhecimentos matem-

    tico-geomtricos, os egpcios desenvolveram uma atividade da razo- atividade inclusive, bem considervel. Mas, reelaborados pelos gregos, aqueles conhecimentos tornaram-se algo muito mais consistente, realizando um verdadeiro salto de qualidade. Com efeito, sobretudo atravs de Pitgoras e dos pitagricos, os gregos transformaram aquelas noes em uma teoria geral e sistemtica dos nmeros e das figuras geomtricas. Em suma, criaram uma construo racional orgnica, indo muito alm dos objetivos pre-dominantemente prticos aos quais os egpcios parecem ter-se limitado.

    O mesmo vale para as noes astronmicas. Os babilnios as elaboraram com objetivos predominantemente prticos, ou seja, para fazer horscopos e previses. Mas os gregos as purificaram e cultivaram com fms predominantemente cognoscitivos, em virtude daquele esprito "teortico" animado pelo amor ao conhecimento puro, que o mesmo esprito que, como veremos, criou e nutriu a filosofia. No entanto, antes de defmir em que consiste exatamente a filosofia e o esprito filosfico dos gregos, devemos desenvolver ainda algumas observaes preliminares essenciais.

    2. As formas da vida grega que prepararam o nascimento da filosofia

    2.1. Os poemas homricos e os poetas gnm.icos

    Os estudiosos concordam em que, para se poder compreender a filosofia de um povo e de uma civilizao, necessrio fazer referncia: 1). arte; 2) religio; 3) s condies sociopolticas desse povo. 1) Com efeito, a grande arte, de modo mtico e fants-tico, ou seja, mediante a intuio e a imaginao, tende a alcanar objetivos que tambm so prprios da filosofia. 2) Analogamente, por meio de representaes no conceituais e por meio da f, a religio tende a alcanar certos objetivos que a filosofia procura atingir com os conceitos e com a razo (Hegel faria da arte, da religio e da filosofia as trs categorias do Esprito absoluto). 3) No menos importantes (e hoje se insiste muito nesse ponto) so as condies socioeconmicas e polticas, que freqentemente condi-cionam o nascimento de determinadas idias e que, particular-mente no mundo grego, criando as primeiras formas de liberdade institucionalizada e de democracia, precisamente tornaram pos-svel o nascimento da filosofia, que se alimenta essencialmente da liberdade.

    Comecemos pelo primeiro ponto.

    Poesia grega das origens 15 . ~te.s do nascimento da filosofia, os poetas tinham imensa Importancia na. educa~o e na formao espiritual do homem entre os gr~gos, . ~~Ito mais do. que tiveram entre outros povos. O helerusmo micia~ b_uscou ah~ento espiritual predominantemente nos poemas homencos, ou seJa, na Ilada e na Odissia (que, como se_ s~be, exerceram nos gregos uma influncia anloga que a Bz~lz'!' exerceu ~ntre os hebreus, no havendo textos sacros na Grecia), em Heswdo e nos poetas gnmicos dos sculos VII e VI a.C.

    Ora, os poemas homricos apresentam algumas peculiari-d~des que os diferenciam de outros poemas que se encontram na ongem de o_utros povo~~ suas civilizaces, contendo j algumas das car::cte_rfstlcas do espinto grego que se mostrariam essenciais para a cnaao da filosofia. _ ~)Os_ estudiosos observaram que, embora ricos em imagina-

    ao, Situaoes e acontecimentos fantsticos, os poemas homricos s raramente ~a~m na descrio do monstruoso e do disforme ( ~o~o, ao contrano, ?c~r:e freqent~m~nte nas manifestaes ar-tis_ti~as .~os povos pnrmtlvos). Isso Significa que a imaginao ho-menca J~ se es~r~tura com b~se em um sentido de harmonia, de proP_orao, de lzmzte e de medzda, coisas que a filosofia elevaria in-clusive categoria de princpios ontolgicos, como poderemos ver.

    b) Tambm se notou que, em Homero, a arte da motivao chega a ser uma verdadeira constante. O poeta no se limita a narrar u:na s~rie de fatos, mas tambm pesquisa suas causas e

    su~s :;a~oes (amda que ao nvel mtico-fantstico). Em Homero, a aao nao se estende como uma fraca sucesso temporal: 0 que vale para el~ em cada ponto o princpio da razo suficiente e cada acontecimento recebe ~B: rigorosa motivao psicolgica" (W. Jaeger). E esse modo poetlco de ver as razes das coisas que prepara aquela mentalidade que, em filosofia levar busca da "causa" e do "princpio", do "por que" ltimo d~s coisas.

    c) Uma outra caracterfstica do epos homrico a de procurar apresentar a realidade em sua inteireza, ainda que de forma mtica: deuse~ e homens, cu e terra, guerra e paz, bem e mal, alegria e dor, a totalidade dos valores que regem~ vida do homem (basta pensar, por exemplo, no escudo de Aquiles que, emblematicamente representava "todas as coisas"). Escreve W. Jaeger: "A realidad~ apresentada e'!'~' sua totalidade: o pensamento filosfico a apresenta em _forma racional, ao passo que a pica a apresenta em forma mtica. O tema clssico da filosofia grega - qual a 'posio do homem do universo' - tambm est presente em Homero a cada momento."

    Para ?s gregos, tambm foi muito importante Hesodo com sua Teogoma, que traa uma sntese de todo o material at ento

  • 14 Origem da filosofia Est claro que, ao obterem aqueles conhecimentos matem-

    tico-geomtricos, os egpcios desenvolveram uma atividade da razo- atividade inclusive, bem considervel. Mas, reelaborados pelos gregos, aqueles conhecimentos tornaram-se algo muito mais consistente, realizando um verdadeiro salto de qualidade. Com efeito, sobretudo atravs de Pitgoras e dos pitagricos, os gregos transformaram aquelas noes em uma teoria geral e sistemtica dos nmeros e das figuras geomtricas. Em suma, criaram uma construo racional orgnica, indo muito alm dos objetivos pre-dominantemente prticos aos quais os egpcios parecem ter-se limitado.

    O mesmo vale para as noes astronmicas. Os babilnios as elaboraram com objetivos predominantemente prticos, ou seja, para fazer horscopos e previses. Mas os gregos as purificaram e cultivaram com fms predominantemente cognoscitivos, em virtude daquele esprito "teortico" animado pelo amor ao conhecimento puro, que o mesmo esprito que, como veremos, criou e nutriu a filosofia. No entanto, antes de defmir em que consiste exatamente a filosofia e o esprito filosfico dos gregos, devemos desenvolver ainda algumas observaes preliminares essenciais.

    2. As formas da vida grega que prepararam o nascimento da filosofia

    2.1. Os poemas homricos e os poetas gnm.icos

    Os estudiosos concordam em que, para se poder compreender a filosofia de um povo e de uma civilizao, necessrio fazer referncia: 1). arte; 2) religio; 3) s condies sociopolticas desse povo. 1) Com efeito, a grande arte, de modo mtico e fants-tico, ou seja, mediante a intuio e a imaginao, tende a alcanar objetivos que tambm so prprios da filosofia. 2) Analogamente, por meio de representaes no conceituais e por meio da f, a religio tende a alcanar certos objetivos que a filosofia procura atingir com os conceitos e com a razo (Hegel faria da arte, da religio e da filosofia as trs categorias do Esprito absoluto). 3) No menos importantes (e hoje se insiste muito nesse ponto) so as condies socioeconmicas e polticas, que freqentemente condi-cionam o nascimento de determinadas idias e que, particular-mente no mundo grego, criando as primeiras formas de liberdade institucionalizada e de democracia, precisamente tornaram pos-svel o nascimento da filosofia, que se alimenta essencialmente da liberdade.

    Comecemos pelo primeiro ponto.

    Poesia grega das origens 15 . ~te.s do nascimento da filosofia, os poetas tinham imensa Importancia na. educa~o e na formao espiritual do homem entre os gr~gos, . ~~Ito mais do. que tiveram entre outros povos. O helerusmo micia~ b_uscou ah~ento espiritual predominantemente nos poemas homencos, ou seJa, na Ilada e na Odissia (que, como se_ s~be, exerceram nos gregos uma influncia anloga que a Bz~lz'!' exerceu ~ntre os hebreus, no havendo textos sacros na Grecia), em Heswdo e nos poetas gnmicos dos sculos VII e VI a.C.

    Ora, os poemas homricos apresentam algumas peculiari-d~des que os diferenciam de outros poemas que se encontram na ongem de o_utros povo~~ suas civilizaces, contendo j algumas das car::cte_rfstlcas do espinto grego que se mostrariam essenciais para a cnaao da filosofia. _ ~)Os_ estudiosos observaram que, embora ricos em imagina-

    ao, Situaoes e acontecimentos fantsticos, os poemas homricos s raramente ~a~m na descrio do monstruoso e do disforme ( ~o~o, ao contrano, ?c~r:e freqent~m~nte nas manifestaes ar-tis_ti~as .~os povos pnrmtlvos). Isso Significa que a imaginao ho-menca J~ se es~r~tura com b~se em um sentido de harmonia, de proP_orao, de lzmzte e de medzda, coisas que a filosofia elevaria in-clusive categoria de princpios ontolgicos, como poderemos ver.

    b) Tambm se notou que, em Homero, a arte da motivao chega a ser uma verdadeira constante. O poeta no se limita a narrar u:na s~rie de fatos, mas tambm pesquisa suas causas e

    su~s :;a~oes (amda que ao nvel mtico-fantstico). Em Homero, a aao nao se estende como uma fraca sucesso temporal: 0 que vale para el~ em cada ponto o princpio da razo suficiente e cada acontecimento recebe ~B: rigorosa motivao psicolgica" (W. Jaeger). E esse modo poetlco de ver as razes das coisas que prepara aquela mentalidade que, em filosofia levar busca da "causa" e do "princpio", do "por que" ltimo d~s coisas.

    c) Uma outra caracterfstica do epos homrico a de procurar apresentar a realidade em sua inteireza, ainda que de forma mtica: deuse~ e homens, cu e terra, guerra e paz, bem e mal, alegria e dor, a totalidade dos valores que regem~ vida do homem (basta pensar, por exemplo, no escudo de Aquiles que, emblematicamente representava "todas as coisas"). Escreve W. Jaeger: "A realidad~ apresentada e'!'~' sua totalidade: o pensamento filosfico a apresenta em _forma racional, ao passo que a pica a apresenta em forma mtica. O tema clssico da filosofia grega - qual a 'posio do homem do universo' - tambm est presente em Homero a cada momento."

    Para ?s gregos, tambm foi muito importante Hesodo com sua Teogoma, que traa uma sntese de todo o material at ento

  • 16 Origem da filosofia existente sobre o tema. A Teogonia de Hesodo narra o nascimento de todos os deuses. E, como muitos deuses coincidem com partes do universo e com fenmenos do cosmos, a teogonia torna-se tambm cosmogonia, ou seja, explicao mtico-potica e fantstica da gnese do universo e dos fenmenos csmicos, a partir do Caos original, que foi o primeiro a se gerar. Esse poema aplainou o caminho para a posterior cosmologia filosfica, que, ao invs de usar a fantasia, buscaria com a razo o "princpio primeiro" do qual tudo se gerou.

    O mesmo Hesodo, com seu outro poema As obras e os dias, mas sobretudo os poetas posteriores, imprimiram na mentalidade grega alguns princpios que seriam de grande importncia para a constituio da tica filosfica e do pensamento filosfico antigo em geral. A justia exaltada como valor supremo: "D ouvidos justia e esquece completamente a prepotncia", disse Hesodo; "Na justia j esto compreendidas todas as virtudes", afirmou Foclides; "Sem ceder daqui e dali, andarei pelo reto caminho, porque devo pensar somente coisas justas", escrevia Tegnis; " ... sejas justo, no h nada melhor", ainda ele. A idia de justia est no centro da obra de Slon. E em muitos filsofos, especialmente em Plato, a justia se tornaria inclusive um conceito ontolgico, alm de tico e poltico.

    Os poetas lricos tambm fixaram de modo estvel um outro conceito: a noo de limite, ou seja, a idia de nem muito nem pouco, isto , o conceito dajusta medida, que constitui a conotao mais peculiar do esprito grego. "Jubila-te com as alegrias e sofre com os males, mas no em demasia", disse Arquloco. "Sem zelo demais: o melhor est no meio; e, ficando no meio, alcanars a virtude", afirmou Tegnis. "Nada em excesso", escrevia Slon. "A medida uma das melhores coisas", ecoa uma das sentenas dos Sete Sbios, que recapitulam toda a sabedoria grega, cantada especialmente pelos poetas gnmicos. E o conceito de "medida" constituiria o centro do pensamento filosfico clssico.

    Recordemos uma ltima sentena ainda, atribuda a um dos antigos sbios e inscrita no portal do templo do orculo de Delfos, consagrado a Apolo: "Conhece-te a ti mesmo." Essa sentena, muito famosa entre os gregos, tornar-se-ia inclusive no apenas o mote do pensamento de Scrates, mas tambm o princpio basilar do saber filosfico grego at os ltimos neoplatnicos.

    2.2. A religio pblica e os mistrios rficos O segundo componente ao qual se precisa fazer referncia

    para compreender a gnese da filosofia grega, como j dissemos, a religio. Mas, quando se fala de religio grega, necessrio

    .,-

    Religio grega 17 distinguir entre a religio pblica, que tem o seu modelo na representao dos deuses e do culto que nos foi dada por Homero, e a religio dos mistrios. H inmeros elementos comuns entre essas duas formas de religiosidade (como, por exemplo, a concepo de base politesta), mas tambm importantes diferenas que, em alguns pontos de destaque (como, por exemplo, na concepo do homem, do sentido de sua vida e do seu destino ltimo), tornam-se at verdadeiras antteses.

    Ambas as formas de religio so muito importantes para explicar o nascimento da filosofia, mas a segunda forma o mais, pelo menos em alguns aspectos.

    Comecemos por ilustrar alguns traos essenciais da primei-ra. Para Homero e para Hesodo, que constituem o ponto de referncia das crenas prprias da religio pblica, pode-se dizer

    qu~ tudo divino, porque tudo o que ocorre explicado em funo da mterveno dos deuses: os fenmenos naturais so promovidos por N ume; os raios e relmpagos so arremessados por Zeus do alto do Olimpo, as ondas do mar so provocadas pelo tridente de Poseidon, o sol levado pelo ureo carro de Apolo e assim por diante. Mas tambm a vida social dos homens, a sorte das cidades, das guerras e da paz so imaginadas como vinculadas aos deuses de modo no acidental e, por vezes, at mesmo de modo essencial.

    Mas quem so esses deuses? Como os estudiosos de h muito reconheceram e evidenciaram, esses deuses so foras naturais personificadas em formas humanas idealizadas ou ento so foras e aspectos do homem sublimados, hipostatizados e aprofundados em esplndidas semelhanas antropomrficas. (Alm dos exem-plos j apresentados, recordamos que Zeus a personificao da justia, Atena da inteligncia, Afrodite, do amor e assim por diante.) Esses deuses, portanto, so homens amplificados e idealizados, ,sendo assim diferentes s por quantidade e no por qualidade. E por isso que os estudiosos classificam a religio pblica dos gregos como uma forma de "naturalismo". Assim, o que ela pede ao homem no - e no pode ser - que ele mude a sua natureza, ou seja, se eleve acima de si mesmo, mas, ao contrrio, que ele siga a sua prpria natureza. Fazer em honra dos deuses aquilo que est em conformidade com sua prpria natureza tudo o que pede do homem. E, da mesma forma que a religio pblica grega foi "naturalista", tambm a primeira filosofia grega foi "naturalista". E mais: a referncia "natureza" continuou sendo uma constante do pensamento grego ao longo de todo o seu desenvolvimento histrico.

    Mas nem todos os gregos consideravam suficiente a religio pblica. Por isso, em crculos restritos, desenvolveram-se os "mistrios", tendo suas prprias crenas especficas (embora inse-

  • 16 Origem da filosofia existente sobre o tema. A Teogonia de Hesodo narra o nascimento de todos os deuses. E, como muitos deuses coincidem com partes do universo e com fenmenos do cosmos, a teogonia torna-se tambm cosmogonia, ou seja, explicao mtico-potica e fantstica da gnese do universo e dos fenmenos csmicos, a partir do Caos original, que foi o primeiro a se gerar. Esse poema aplainou o caminho para a posterior cosmologia filosfica, que, ao invs de usar a fantasia, buscaria com a razo o "princpio primeiro" do qual tudo se gerou.

    O mesmo Hesodo, com seu outro poema As obras e os dias, mas sobretudo os poetas posteriores, imprimiram na mentalidade grega alguns princpios que seriam de grande importncia para a constituio da tica filosfica e do pensamento filosfico antigo em geral. A justia exaltada como valor supremo: "D ouvidos justia e esquece completamente a prepotncia", disse Hesodo; "Na justia j esto compreendidas todas as virtudes", afirmou Foclides; "Sem ceder daqui e dali, andarei pelo reto caminho, porque devo pensar somente coisas justas", escrevia Tegnis; " ... sejas justo, no h nada melhor", ainda ele. A idia de justia est no centro da obra de Slon. E em muitos filsofos, especialmente em Plato, a justia se tornaria inclusive um conceito ontolgico, alm de tico e poltico.

    Os poetas lricos tambm fixaram de modo estvel um outro conceito: a noo de limite, ou seja, a idia de nem muito nem pouco, isto , o conceito dajusta medida, que constitui a conotao mais peculiar do esprito grego. "Jubila-te com as alegrias e sofre com os males, mas no em demasia", disse Arquloco. "Sem zelo demais: o melhor est no meio; e, ficando no meio, alcanars a virtude", afirmou Tegnis. "Nada em excesso", escrevia Slon. "A medida uma das melhores coisas", ecoa uma das sentenas dos Sete Sbios, que recapitulam toda a sabedoria grega, cantada especialmente pelos poetas gnmicos. E o conceito de "medida" constituiria o centro do pensamento filosfico clssico.

    Recordemos uma ltima sentena ainda, atribuda a um dos antigos sbios e inscrita no portal do templo do orculo de Delfos, consagrado a Apolo: "Conhece-te a ti mesmo." Essa sentena, muito famosa entre os gregos, tornar-se-ia inclusive no apenas o mote do pensamento de Scrates, mas tambm o princpio basilar do saber filosfico grego at os ltimos neoplatnicos.

    2.2. A religio pblica e os mistrios rficos O segundo componente ao qual se precisa fazer referncia

    para compreender a gnese da filosofia grega, como j dissemos, a religio. Mas, quando se fala de religio grega, necessrio

    .,-

    Religio grega 17 distinguir entre a religio pblica, que tem o seu modelo na representao dos deuses e do culto que nos foi dada por Homero, e a religio dos mistrios. H inmeros elementos comuns entre essas duas formas de religiosidade (como, por exemplo, a concepo de base politesta), mas tambm importantes diferenas que, em alguns pontos de destaque (como, por exemplo, na concepo do homem, do sentido de sua vida e do seu destino ltimo), tornam-se at verdadeiras antteses.

    Ambas as formas de religio so muito importantes para explicar o nascimento da filosofia, mas a segunda forma o mais, pelo menos em alguns aspectos.

    Comecemos por ilustrar alguns traos essenciais da primei-ra. Para Homero e para Hesodo, que constituem o ponto de referncia das crenas prprias da religio pblica, pode-se dizer

    qu~ tudo divino, porque tudo o que ocorre explicado em funo da mterveno dos deuses: os fenmenos naturais so promovidos por N ume; os raios e relmpagos so arremessados por Zeus do alto do Olimpo, as ondas do mar so provocadas pelo tridente de Poseidon, o sol levado pelo ureo carro de Apolo e assim por diante. Mas tambm a vida social dos homens, a sorte das cidades, das guerras e da paz so imaginadas como vinculadas aos deuses de modo no acidental e, por vezes, at mesmo de modo essencial.

    Mas quem so esses deuses? Como os estudiosos de h muito reconheceram e evidenciaram, esses deuses so foras naturais personificadas em formas humanas idealizadas ou ento so foras e aspectos do homem sublimados, hipostatizados e aprofundados em esplndidas semelhanas antropomrficas. (Alm dos exem-plos j apresentados, recordamos que Zeus a personificao da justia, Atena da inteligncia, Afrodite, do amor e assim por diante.) Esses deuses, portanto, so homens amplificados e idealizados, ,sendo assim diferentes s por quantidade e no por qualidade. E por isso que os estudiosos classificam a religio pblica dos gregos como uma forma de "naturalismo". Assim, o que ela pede ao homem no - e no pode ser - que ele mude a sua natureza, ou seja, se eleve acima de si mesmo, mas, ao contrrio, que ele siga a sua prpria natureza. Fazer em honra dos deuses aquilo que est em conformidade com sua prpria natureza tudo o que pede do homem. E, da mesma forma que a religio pblica grega foi "naturalista", tambm a primeira filosofia grega foi "naturalista". E mais: a referncia "natureza" continuou sendo uma constante do pensamento grego ao longo de todo o seu desenvolvimento histrico.

    Mas nem todos os gregos consideravam suficiente a religio pblica. Por isso, em crculos restritos, desenvolveram-se os "mistrios", tendo suas prprias crenas especficas (embora inse-

  • 18 Origem da filosofia ridas no quadro geral do politesmo) e suas prprias prticas. Entre os mistrios, porm, os que mais influram na filosofia grega foram os mistrios rficos, dos quais falaremos adiante. O orfismo e os rficos derivam seu nome do poeta trcio Orfeu, seu fundador presumido, cujos traos histricos so inteiramente recobertos pela nvoa do mito. O orfismo particularmente importante porque, como os estudiosos modernos reconheceram, introduz na civilizao grega um novo esquema de crenas e uma nova inter-pretao da existncia humana. Efetivamente, enquanto a concep-o grega tradicional, a partir de Homero, considerava o homem como mortal, colocando na morte o fim total de sua existncia, o orfismo proclama a imortalidade da alma e concebe o homem segundo um esquema dualista que contrape o corpo alma.

    O ncleo das crenas rficas pode ser resumido como segue: a) No homem se hospeda um princpio divino, um demnio

    (alma) que caiu em um corpo em virtude de uma culpa original. b) Esse demnio no apenas preexiste ao corpo, mas tambm

    no morre com o corpo, estando destinado a reencarnar-se em corpos sucessivos, atravs de uma srie de renascimentos, para expiar aquela culpa original.

    c) Com seus ritos e suas prticas, a "vida rfica" a nica em condies de pr frm ao ciclo das reencarnaes, libertando assim a alma do corpo.

    d) Para quem se purificou (os iniciados nos mistrios rficos) h um prmio no alm (da mesma forma que h punio para os no iniciados).

    Em algumas tabuinhas rficas encontradas nos sepulcros de seguidores dessa seita, entre outras, podem-se ler estas pa-lavras, que resumem o ncleo central da doutrina: "Alegra-te, tu que sofreste a paixo: antes, no a havias sofrido. De homem, nasceste Deus!"; "Feliz e bem-aventurado, sers Deus ao invs de mortal!"; "De homem, nascers Deus, pois derivas do divino!" O que significa que o destino ltimo do homem o de "voltar a estar junto aos deuses".

    A idia dos prmios e castigos de alm-tmulo, evidente-mente, nasceu para eliminar o absurdo que freqentemente se constata sobre a terra, isto , o fato de que os virtuosos sofrem e os viciosos gozam. A idia da reencarnao (metempsicose), ou seja, da passagem da alma de um corpo para outro, como nota E. Dodds, talvez tenha nascido para explicar particularmente a razo pela qual sofrem aqueles que parecem inocentes. Na realidade, se cada

    a~ma tem -~a vida anterior e se h uma culpa original, ento ~ngum e mocente e todos pagam por culpas de gravidades diversas, cometidas nas vidas anteriores, alm da prpria culpa

    Condies histricas 19 original: "E toda essa soma de sofrimentos, neste mundo e no outro, s uma parte da longa educao da alma, que encontrar o seu termo ltimo em sua libertao do ciclo dos nascimentos e em seu retorno s origens. Somente desse modo e sob o metro do tempo csmico que se pode realizar completamente para cada alma a justia entendida no sentido arcaico, isto , segundo a lei de que quem pecou, tem de pagar" (E. Dodds).

    Com esse novo esquema de crenas, o homem via pela primeira vez contraporem-se em si dois princpios em contraste e luta: a alma (demnio) e o corpo (como tumba ou lugar de expiao da alma). Rompe-se assim a viso naturalista: o homem com-preende que algumas tendncias ligadas ao corpo devem ser reprimidas, ao passo que a purificao do elemento divino em relao ao elemento corpreo torna-se o objetivo do viver.

    Uma coisa deve-se ter presente: sem orfismo no se expli-caria Pitgoras, nem Herclito, nem Empdocles e, sobretudo, no se explicaria uma parte essencial do pensamento de Plato e, depois, de toda a tradio que deriva de Plato, o que significa que no se explicaria uma grande parte da filosofia antiga, como poderemos ver melhor mais adiante.

    Uma ltima observao ainda se faz necessria. Os gregos no tiveram livros sacros ou considerados fruto de revelao divina. Conseqentemente, no tiveram uma dogmtica fixa e imutvel. Como vimos, os poetas constituram o veculo de difuso de suas crenas religiosas. Alm disso (e esta uma outra conse-qncia da falta de livros sagrados e de uma dogmtica fixa), na Grcia tambm no pde subsistir uma casta sacerdotal custdia do dogma (os sacerdotes tiveram escassa relevncia e escassssimo poder na Grcia, porque, alm de no possurem a prerrogativa de conservar dogmas, tambm no tiveram a exclusividade das ofe-rendas religiosas e de oficiar os sacrifcios).

    Essa inexistncia de dogmas e de custdios dos dogmas deixou uma ampla liberdade para o pensamento filosfico, que no encontrou obstculos do tipo daqueles que teria encontrado em pases orientais, onde a existncia de dogmas e de custdios dos dogmas iriam contrapor resistncias e restries dificilmente superveis. Por isso, com razo, os estudiosos destacam essa circunstncia favorvel ao nascimento da filosofia que se verificou entre os gregos, a qual no tem paralelos na Anti~dade.

    2.3. As condies sociopoltico-econmicas que favoreceram o surgimento da filosofia

    J no sculo passado, mas sobretudo em nosso sculo, os estudiosos tambm acentuaram a liberdade poltica de que os

  • 18 Origem da filosofia ridas no quadro geral do politesmo) e suas prprias prticas. Entre os mistrios, porm, os que mais influram na filosofia grega foram os mistrios rficos, dos quais falaremos adiante. O orfismo e os rficos derivam seu nome do poeta trcio Orfeu, seu fundador presumido, cujos traos histricos so inteiramente recobertos pela nvoa do mito. O orfismo particularmente importante porque, como os estudiosos modernos reconheceram, introduz na civilizao grega um novo esquema de crenas e uma nova inter-pretao da existncia humana. Efetivamente, enquanto a concep-o grega tradicional, a partir de Homero, considerava o homem como mortal, colocando na morte o fim total de sua existncia, o orfismo proclama a imortalidade da alma e concebe o homem segundo um esquema dualista que contrape o corpo alma.

    O ncleo das crenas rficas pode ser resumido como segue: a) No homem se hospeda um princpio divino, um demnio

    (alma) que caiu em um corpo em virtude de uma culpa original. b) Esse demnio no apenas preexiste ao corpo, mas tambm

    no morre com o corpo, estando destinado a reencarnar-se em corpos sucessivos, atravs de uma srie de renascimentos, para expiar aquela culpa original.

    c) Com seus ritos e suas prticas, a "vida rfica" a nica em condies de pr frm ao ciclo das reencarnaes, libertando assim a alma do corpo.

    d) Para quem se purificou (os iniciados nos mistrios rficos) h um prmio no alm (da mesma forma que h punio para os no iniciados).

    Em algumas tabuinhas rficas encontradas nos sepulcros de seguidores dessa seita, entre outras, podem-se ler estas pa-lavras, que resumem o ncleo central da doutrina: "Alegra-te, tu que sofreste a paixo: antes, no a havias sofrido. De homem, nasceste Deus!"; "Feliz e bem-aventurado, sers Deus ao invs de mortal!"; "De homem, nascers Deus, pois derivas do divino!" O que significa que o destino ltimo do homem o de "voltar a estar junto aos deuses".

    A idia dos prmios e castigos de alm-tmulo, evidente-mente, nasceu para eliminar o absurdo que freqentemente se constata sobre a terra, isto , o fato de que os virtuosos sofrem e os viciosos gozam. A idia da reencarnao (metempsicose), ou seja, da passagem da alma de um corpo para outro, como nota E. Dodds, talvez tenha nascido para explicar particularmente a razo pela qual sofrem aqueles que parecem inocentes. Na realidade, se cada

    a~ma tem -~a vida anterior e se h uma culpa original, ento ~ngum e mocente e todos pagam por culpas de gravidades diversas, cometidas nas vidas anteriores, alm da prpria culpa

    Condies histricas 19 original: "E toda essa soma de sofrimentos, neste mundo e no outro, s uma parte da longa educao da alma, que encontrar o seu termo ltimo em sua libertao do ciclo dos nascimentos e em seu retorno s origens. Somente desse modo e sob o metro do tempo csmico que se pode realizar completamente para cada alma a justia entendida no sentido arcaico, isto , segundo a lei de que quem pecou, tem de pagar" (E. Dodds).

    Com esse novo esquema de crenas, o homem via pela primeira vez contraporem-se em si dois princpios em contraste e luta: a alma (demnio) e o corpo (como tumba ou lugar de expiao da alma). Rompe-se assim a viso naturalista: o homem com-preende que algumas tendncias ligadas ao corpo devem ser reprimidas, ao passo que a purificao do elemento divino em relao ao elemento corpreo torna-se o objetivo do viver.

    Uma coisa deve-se ter presente: sem orfismo no se expli-caria Pitgoras, nem Herclito, nem Empdocles e, sobretudo, no se explicaria uma parte essencial do pensamento de Plato e, depois, de toda a tradio que deriva de Plato, o que significa que no se explicaria uma grande parte da filosofia antiga, como poderemos ver melhor mais adiante.

    Uma ltima observao ainda se faz necessria. Os gregos no tiveram livros sacros ou considerados fruto de revelao divina. Conseqentemente, no tiveram uma dogmtica fixa e imutvel. Como vimos, os poetas constituram o veculo de difuso de suas crenas religiosas. Alm disso (e esta uma outra conse-qncia da falta de livros sagrados e de uma dogmtica fixa), na Grcia tambm no pde subsistir uma casta sacerdotal custdia do dogma (os sacerdotes tiveram escassa relevncia e escassssimo poder na Grcia, porque, alm de no possurem a prerrogativa de conservar dogmas, tambm no tiveram a exclusividade das ofe-rendas religiosas e de oficiar os sacrifcios).

    Essa inexistncia de dogmas e de custdios dos dogmas deixou uma ampla liberdade para o pensamento filosfico, que no encontrou obstculos do tipo daqueles que teria encontrado em pases orientais, onde a existncia de dogmas e de custdios dos dogmas iriam contrapor resistncias e restries dificilmente superveis. Por isso, com razo, os estudiosos destacam essa circunstncia favorvel ao nascimento da filosofia que se verificou entre os gregos, a qual no tem paralelos na Anti~dade.

    2.3. As condies sociopoltico-econmicas que favoreceram o surgimento da filosofia

    J no sculo passado, mas sobretudo em nosso sculo, os estudiosos tambm acentuaram a liberdade poltica de que os

  • 20 Origem da filosofia gregos se beneficiavam em relao aos povos orientais. O homem oriental era obrigado a uma cega obedincia ao poder religioso e poltico. No que se refere religio,j mostramos a liberdade de que os gregos desfrutavam. No que tange situao poltica, a questo mais complexa. Entretando, tambm se pode dizer que, nesse campo, os gregos igualmente gozavam de uma situao privilegia-da, porque foi o primeiro povo da histria que conseguiu construir instituies polticas livres.

    Nos sculos VII e VI a.C., a Grcia sofreu uma transformao socioeconmica considervel. De pas predominantemente agr-cola que era, passou a desenvolver de forma sempre crescente a indstria artesanal e o comrcio. Assim, tornou-se necessrio fundar centros de distribuio comerial, que surgiram inicialmente nas colnias jnicas, particularmente em Mileto, e depois tambm em outros lugares. As cidades tornaram-se florescentes centros comerciais, acarretando um forte crescimento demogrfico. O novo segmento dos comerciantes e artesos alcanou pouco a pouco uma notvel fora econmica, passando a opor-se concentrao do poder poltico, que estava nas mos da nobreza fundiria. Como nota E. Zeller, na luta que os gregos empreenderam para transfor-mar as velhas formas aristocrticas de governo em novas formas republicanas, "todas as foras deviam ser despertadas e exercidas: a vida pblica abria caminho para a cincia. O sentimento da jovem liberdade devia dar ao esprito do povo grego um impulso fora do qual a atividade cientfica no podia permanecer. Assim, se o fundamento do florescimento artstico e cientfico da Grcia foi construdo contemporaneamente transformao das condies polticas e em meio a vivas disputas, ento no se pode negar a conexo entre os dois fenmenos. Ao contrrio, entre os gregos, precisamente, a cultura inteiramente e do modo mais agudo aquilo que ser sempre na vida sadia de qualquer povo: ao mesmo tempo, fruto e condio da liberdade".

    Mas h um fato muito importante a destacar, confirmando de modo ainda melhor o que j dissemos: a fllosofia nasce primeiro nas colonias e no na me,-ptria. Mais precisamente, primeiro nas colnias orientais da Asia Menor (em Mileto) e logo depois nas colnias ocidentais da Itlia meridional- e s depois refluiu para a me-ptria. E isso aconteceu precisamente porque, com sua operosidade e com seu comrcio, as colnias alcanaram primeiro uma situao de bem-estar e, devido distncia da me-ptria, puderam construir instituies livres antes do que ela. Portanto, foram as condies sociopoltico-econmicas favorveis das col-nias que, juntamente com os fatores ilustrados anteriormente permitiram o surgimento e o florescimento da fllosofia, que depois: passando para a me-ptria, alcanou os seus mais altos cumes em

    Conotaes da filosofia 21 Atenas, ou seja, na cidade em que floresceu a maior liberdade de que os gregos jamais gozaram. Assim, a capital da fllosofia grega foi a capital da liberdade grega.

    ~est~ ainda ~~ l~ima oJ:>servao: com a constituio e a consoh~aao da pohs, Isto e, da Cidade-Estado, os gregos deixaram' de sentir qual9~er anttese e qualquer vnculo para a sua liber-

    d~de; ~o contrano, foram levados a verem-se essencialmente como Cldadaos. Para os gregos, o homem coincide com o cidado. Assim o Estado tornou-_se o horizo~t~ tico do homem grego, ass~ permanecendo ate a era helemstica: os cidados sentiam os fins do Es:a~o como os seus prprios fins, o bem do Estado como o seu pr~pno bem, a grandeza do Estado como a sua prpria grandeza e a hberdade do Estado como a sua prpria liberdade.

    Sem levarmos isso em conta, no poderemos compreender uma ~ande parte da fllosofia grega, particularmente a tica e toda a poltica da era clssica e, depois, tambm os complexos desdobra-mentos da era helenstica.

    . Dep~is desses esclarecimentos preliminares, estamos agora em condioes de enfrentar a questo da definio do conceito grego de fllosofia.

    3. Conceito e objetivo da filosofia antiga 3.1. As conotaes essenciais da filosofia antiga

    Segundo a tradio, o criador do termo "fllo-sofia" foi Pitgo-ras, o qu~, embora no sendo historicamente seguro, no entanto ve~o~srmil. O termo certamente foi cunhado por um esprito

    rehg~oso, que pressupunha s ser possvel aos deuses uma sofia ("sabedoria"), ou seja, uma posse certa e total do verdadeiro uma con~nua aproximao ao verdadeiro, um amor ao saber ~unca saciado totalmente, de onde, justamente o nome "fllo-sofia" ou

    . " l ' ' seJa, amor pe a sabedoria". Mas, substancialmente, o que entendiam os gregos por essa

    amada e buscada "sabedoria"? Desde o seu nascimento, a fllosofia apresentou de modo bem

    claro trs conotaes, respectivamente relativas a 1) o seu con-tedo, 2) o seu mtodo e 3) o seu objetivo.

    1_) No que se ~efere ao contedo, a filosofia pretende explicar a totahdade das cmsas, ou seja, toda a realidade, sem excluso de P.~e.s ou ~omentos dela. Assim, a fllosofia distingue-se das c;e~cias partiC~ares, que assim se chamam exatamente porque se hmltam ~ exphcar partes ou setores da realidade, grupos de coisas ou de fenomenos. E a pergunta daquele que foi e considerado como

  • 20 Origem da filosofia gregos se beneficiavam em relao aos povos orientais. O homem oriental era obrigado a uma cega obedincia ao poder religioso e poltico. No que se refere religio,j mostramos a liberdade de que os gregos desfrutavam. No que tange situao poltica, a questo mais complexa. Entretando, tambm se pode dizer que, nesse campo, os gregos igualmente gozavam de uma situao privilegia-da, porque foi o primeiro povo da histria que conseguiu construir instituies polticas livres.

    Nos sculos VII e VI a.C., a Grcia sofreu uma transformao socioeconmica considervel. De pas predominantemente agr-cola que era, passou a desenvolver de forma sempre crescente a indstria artesanal e o comrcio. Assim, tornou-se necessrio fundar centros de distribuio comerial, que surgiram inicialmente nas colnias jnicas, particularmente em Mileto, e depois tambm em outros lugares. As cidades tornaram-se florescentes centros comerciais, acarretando um forte crescimento demogrfico. O novo segmento dos comerciantes e artesos alcanou pouco a pouco uma notvel fora econmica, passando a opor-se concentrao do poder poltico, que estava nas mos da nobreza fundiria. Como nota E. Zeller, na luta que os gregos empreenderam para transfor-mar as velhas formas aristocrticas de governo em novas formas republicanas, "todas as foras deviam ser despertadas e exercidas: a vida pblica abria caminho para a cincia. O sentimento da jovem liberdade devia dar ao esprito do povo grego um impulso fora do qual a atividade cientfica no podia permanecer. Assim, se o fundamento do florescimento artstico e cientfico da Grcia foi construdo contemporaneamente transformao das condies polticas e em meio a vivas disputas, ento no se pode negar a conexo entre os dois fenmenos. Ao contrrio, entre os gregos, precisamente, a cultura inteiramente e do modo mais agudo aquilo que ser sempre na vida sadia de qualquer povo: ao mesmo tempo, fruto e condio da liberdade".

    Mas h um fato muito importante a destacar, confirmando de modo ainda melhor o que j dissemos: a fllosofia nasce primeiro nas colonias e no na me,-ptria. Mais precisamente, primeiro nas colnias orientais da Asia Menor (em Mileto) e logo depois nas colnias ocidentais da Itlia meridional- e s depois refluiu para a me-ptria. E isso aconteceu precisamente porque, com sua operosidade e com seu comrcio, as colnias alcanaram primeiro uma situao de bem-estar e, devido distncia da me-ptria, puderam construir instituies livres antes do que ela. Portanto, foram as condies sociopoltico-econmicas favorveis das col-nias que, juntamente com os fatores ilustrados anteriormente permitiram o surgimento e o florescimento da fllosofia, que depois: passando para a me-ptria, alcanou os seus mais altos cumes em

    Conotaes da filosofia 21 Atenas, ou seja, na cidade em que floresceu a maior liberdade de que os gregos jamais gozaram. Assim, a capital da fllosofia grega foi a capital da liberdade grega.

    ~est~ ainda ~~ l~ima oJ:>servao: com a constituio e a consoh~aao da pohs, Isto e, da Cidade-Estado, os gregos deixaram' de sentir qual9~er anttese e qualquer vnculo para a sua liber-

    d~de; ~o contrano, foram levados a verem-se essencialmente como Cldadaos. Para os gregos, o homem coincide com o cidado. Assim o Estado tornou-_se o horizo~t~ tico do homem grego, ass~ permanecendo ate a era helemstica: os cidados sentiam os fins do Es:a~o como os seus prprios fins, o bem do Estado como o seu pr~pno bem, a grandeza do Estado como a sua prpria grandeza e a hberdade do Estado como a sua prpria liberdade.

    Sem levarmos isso em conta, no poderemos compreender uma ~ande parte da fllosofia grega, particularmente a tica e toda a poltica da era clssica e, depois, tambm os complexos desdobra-mentos da era helenstica.

    . Dep~is desses esclarecimentos preliminares, estamos agora em condioes de enfrentar a questo da definio do conceito grego de fllosofia.

    3. Conceito e objetivo da filosofia antiga 3.1. As conotaes essenciais da filosofia antiga

    Segundo a tradio, o criador do termo "fllo-sofia" foi Pitgo-ras, o qu~, embora no sendo historicamente seguro, no entanto ve~o~srmil. O termo certamente foi cunhado por um esprito

    rehg~oso, que pressupunha s ser possvel aos deuses uma sofia ("sabedoria"), ou seja, uma posse certa e total do verdadeiro uma con~nua aproximao ao verdadeiro, um amor ao saber ~unca saciado totalmente, de onde, justamente o nome "fllo-sofia" ou

    . " l ' ' seJa, amor pe a sabedoria". Mas, substancialmente, o que entendiam os gregos por essa

    amada e buscada "sabedoria"? Desde o seu nascimento, a fllosofia apresentou de modo bem

    claro trs conotaes, respectivamente relativas a 1) o seu con-tedo, 2) o seu mtodo e 3) o seu objetivo.

    1_) No que se ~efere ao contedo, a filosofia pretende explicar a totahdade das cmsas, ou seja, toda a realidade, sem excluso de P.~e.s ou ~omentos dela. Assim, a fllosofia distingue-se das c;e~cias partiC~ares, que assim se chamam exatamente porque se hmltam ~ exphcar partes ou setores da realidade, grupos de coisas ou de fenomenos. E a pergunta daquele que foi e considerado como

  • 22 Origem da filosofia o primeiro dos filsofos - "Qual o princpio de todas as coisas?" -j mostra a perfeita conscincia desse ponto. Portanto, a filosofia se prope como objeto a totalidade da realidade e do ser. E, como veremos, alcana-se a totalidade da realidade e do ser precisa-mente descobrindo qual o primeiro "princpio", isto , o primeiro "por que" das coisas.

    2) No que se refere ao mtodo, a filosofia visa ser "explicao puramente racional daquela totalidade" que tem por objeto. O que vale em filosofia o argumento da razo, a motivao lgica, o logos. No basta filosofia constatar, determinar dados de fato ou reunir experincias: ela deve ir alm do fato e alm das experincias, para encontrar a causa ou as causas precisamente atravs da razo.

    justamente esse carter que confere "cientificidade" filosofia. Pode-se dizer que esse carter tambm comum s outras cincias, que, enquanto tais, nunca so uma mera constatao emprica, mas tambm so pesquisa de causas e razes. A dife-rena, porm, est no fato de que, enquanto as cincias particu-lares so pesquisa racional de realidades e setores particulares, a filosofia, como dissemos, pesquisa racional de toda a realidade (do princpio ou dos princpios de toda a realidade). Com isso, fica esclarecida a diferena entre a filosofia, arte e religio tambm: a grande arte e as grandes religies tambm visam captar o sentido da totalidade do real, mas o fazem, respectivamente, uma com o mito e a fantasia, outra com a crena e a f (como dissemos acima), ao passo que a filosofia procura a explicao da totalidade do real precisamente ao nvel do logos.

    3) Por ltimo, o objetivo ou frm da filosofia est no puro desejo de conhecer e contemplar a verdade. Em suma, a filosofia grega amor desinteressado pela verdade. Como escreve Aristteles, no filosofar, os homens "buscaram o conhecer a fim de saber e no para conseguir alguma utilidade prtica". Com efeito, a filosofia s nas-ceu depois que os homens resolveram os problemas fundamentais da subsistncia, libertando-se das mais urgentes necessidades materiais. E conclui Aristteles: "Portanto, evidente que ns no buscamos a filosofia por nenhuma vantagem estranha a ela. Alis, evidente que, como consideramos homem livre aquele que fim em si mesmo, sem estar submetido a outros, da mesma forma, entre todas as outras cincias, s a esta consideramos livre, pois s ela frm em si mesma." E frm em si mesma porque tem por objetivo a verdade,. procurada, contemplada e desfrutada como tal. Ento, pode-se compreender a afirmao de Aristteles: "Todas as ou-tras cincias podem ser mais necessrias do que esta, mas ne-nhuma ser superior." Uma afirmao que foi adotada por todo o helenismo.

    1 I

    Conotaes da filosofia 23 Impe-se, porm, uma reflexo: a "contemplao" peculiar

    filosofia grega no um otium vazio. Embora no se submetendo a objetivos utilitaristas, ela possui uma relevncia moral e tambm poltica de primeira ordem. Com efeito, evidente que, ao se contemplar o todo, mudam necessariamente todas as perspectivas usuais, muda a viso do significado da vida do homem e se impe uma nova hierarquia de valores. Em resumo a verdade contem-plada infunde uma enorme energia moral. E,' como veremos, com base precisamente nessa energia moral foi que Plato quis cons-truir o seu Estado ideal. Mas s mais adiante que poderemos desenvolver e esclarecer adequadamente esses conceitos.

    Entrementes, ficou evidente a absoluta originalidade dessa criao grega. Os povos orientais tambm tiveram uma "sabedo-ria" que tentava interpretar o sentido de todas as coisas (o sentido do todo) sem se submeter a objetivos pragmticos. Mas tal sabe-doria era entremeada de representaes fantsticas e mticas, o que a levava para a esfera da arte, da poesia ou da religio. Em concluso, a grande descoberta da "filo-sofia" grega foi a de ter tentado essa aproximao ao todo fazendo uso somente da razo (do logos) e do mtodo racional. Uma descoberta que condicionou estruturalmente, de modo irreversvel, todo o Ocidente.

    3.2. A filosofia como necessidade primria do esprito humano

    Algum perguntar: mas por que o homem sentiu a neces-sidade de filosofar? Os antigos respondiam que tal necessidade est estruturalmente radicada na prpria natureza do homem. Como escrevia Aristteles: "Por natureza, todos os homens aspi-ram ao saber." E ainda: "Exercer a sabedoria e conhecer so desejveis pelos homens em si mesmos: com efeito, no possvel viver como homens sem essas coisas." E os homens tendem ao saber porque sentem-se plenos de "admirao" ou "maravilham-se", dizem Plato e Aristteles: "Os homens comearam a filosofar, tanto agora como nas origens, por causa da admirao: no princ-pio, eles ficavam maravilhados diante das dificuldades mais sim-ples; em seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram a se colocar problemas sempre maiores, como os problemas relativos aos fen-menos da lua, do sol e dos astros e, depois, os problemas relativos origem de todo o universo."

    Assim, a raiz da filosofia precisamente esse "maravilhar-se", surgido no homem que se defronta com o Todo (a totalidade), perguntando-se qual a sua origem e o seu fundamento, bem como o lugar que ele prprio ocupa nesse universo. Sendo assim, a filosofia inapagvel e irrenuncivel, precisamente porque no se~

  • 22 Origem da filosofia o primeiro dos filsofos - "Qual o princpio de todas as coisas?" -j mostra a perfeita conscincia desse ponto. Portanto, a filosofia se prope como objeto a totalidade da realidade e do ser. E, como veremos, alcana-se a totalidade da realidade e do ser precisa-mente descobrindo qual o primeiro "princpio", isto , o primeiro "por que" das coisas.

    2) No que se refere ao mtodo, a filosofia visa ser "explicao puramente racional daquela totalidade" que tem por objeto. O que vale em filosofia o argumento da razo, a motivao lgica, o logos. No basta filosofia constatar, determinar dados de fato ou reunir experincias: ela deve ir alm do fato e alm das experincias, para encontrar a causa ou as causas precisamente atravs da razo.

    justamente esse carter que confere "cientificidade" filosofia. Pode-se dizer que esse carter tambm comum s outras cincias, que, enquanto tais, nunca so uma mera constatao emprica, mas tambm so pesquisa de causas e razes. A dife-rena, porm, est no fato de que, enquanto as cincias particu-lares so pesquisa racional de realidades e setores particulares, a filosofia, como dissemos, pesquisa racional de toda a realidade (do princpio ou dos princpios de toda a realidade). Com isso, fica esclarecida a diferena entre a filosofia, arte e religio tambm: a grande arte e as grandes religies tambm visam captar o sentido da totalidade do real, mas o fazem, respectivamente, uma com o mito e a fantasia, outra com a crena e a f (como dissemos acima), ao passo que a filosofia procura a explicao da totalidade do real precisamente ao nvel do logos.

    3) Por ltimo, o objetivo ou frm da filosofia est no puro desejo de conhecer e contemplar a verdade. Em suma, a filosofia grega amor desinteressado pela verdade. Como escreve Aristteles, no filosofar, os homens "buscaram o conhecer a fim de saber e no para conseguir alguma utilidade prtica". Com efeito, a filosofia s nas-ceu depois que os homens resolveram os problemas fundamentais da subsistncia, libertando-se das mais urgentes necessidades materiais. E conclui Aristteles: "Portanto, evidente que ns no buscamos a filosofia por nenhuma vantagem estranha a ela. Alis, evidente que, como consideramos homem livre aquele que fim em si mesmo, sem estar submetido a outros, da mesma forma, entre todas as outras cincias, s a esta consideramos livre, pois s ela frm em si mesma." E frm em si mesma porque tem por objetivo a verdade,. procurada, contemplada e desfrutada como tal. Ento, pode-se compreender a afirmao de Aristteles: "Todas as ou-tras cincias podem ser mais necessrias do que esta, mas ne-nhuma ser superior." Uma afirmao que foi adotada por todo o helenismo.

    1 I

    Conotaes da filosofia 23 Impe-se, porm, uma reflexo: a "contemplao" peculiar

    filosofia grega no um otium vazio. Embora no se submetendo a objetivos utilitaristas, ela possui uma relevncia moral e tambm poltica de primeira ordem. Com efeito, evidente que, ao se contemplar o todo, mudam necessariamente todas as perspectivas usuais, muda a viso do significado da vida do homem e se impe uma nova hierarquia de valores. Em resumo a verdade contem-plada infunde uma enorme energia moral. E,' como veremos, com base precisamente nessa energia moral foi que Plato quis cons-truir o seu Estado ideal. Mas s mais adiante que poderemos desenvolver e esclarecer adequadamente esses conceitos.

    Entrementes, ficou evidente a absoluta originalidade dessa criao grega. Os povos orientais tambm tiveram uma "sabedo-ria" que tentava interpretar o sentido de todas as coisas (o sentido do todo) sem se submeter a objetivos pragmticos. Mas tal sabe-doria era entremeada de representaes fantsticas e mticas, o que a levava para a esfera da arte, da poesia ou da religio. Em concluso, a grande descoberta da "filo-sofia" grega foi a de ter tentado essa aproximao ao todo fazendo uso somente da razo (do logos) e do mtodo racional. Uma descoberta que condicionou estruturalmente, de modo irreversvel, todo o Ocidente.

    3.2. A filosofia como necessidade primria do esprito humano

    Algum perguntar: mas por que o homem sentiu a neces-sidade de filosofar? Os antigos respondiam que tal necessidade est estruturalmente radicada na prpria natureza do homem. Como escrevia Aristteles: "Por natureza, todos os homens aspi-ram ao saber." E ainda: "Exercer a sabedoria e conhecer so desejveis pelos homens em si mesmos: com efeito, no possvel viver como homens sem essas coisas." E os homens tendem ao saber porque sentem-se plenos de "admirao" ou "maravilham-se", dizem Plato e Aristteles: "Os homens comearam a filosofar, tanto agora como nas origens, por causa da admirao: no princ-pio, eles ficavam maravilhados diante das dificuldades mais sim-ples; em seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram a se colocar problemas sempre maiores, como os problemas relativos aos fen-menos da lua, do sol e dos astros e, depois, os problemas relativos origem de todo o universo."

    Assim, a raiz da filosofia precisamente esse "maravilhar-se", surgido no homem que se defronta com o Todo (a totalidade), perguntando-se qual a sua origem e o seu fundamento, bem como o lugar que ele prprio ocupa nesse universo. Sendo assim, a filosofia inapagvel e irrenuncivel, precisamente porque no se~

  • 24 Origem da filosofia pode extinguir a admirao diante do ser nem se pode renunciar necessidade de satisfaz-la.

    Por que existe tudo isso? De onde surgiu? Qual a sua razo de ser? Esses so problemas que equivalem ao seguinte: por que existe o ser e no o nada? E um momento particular desse problema geral o seguinte: por que existe o homem, por que eu existo?

    Como fica evidente, trata-se de problemas que o homem no pode deixar de se propor ou, pelo menos, so problemas que, medida que so rejeitados, diminuem aquele que os rejeita. E so problemas que mantm o seu sentido preciso mesmo depois do triunfo das cincias particulares modernas, porque nenhu-ma delas foi feita para resolv-los, j que as cincias respon-dem somente a perguntas sobre a parte e no a perguntas sobre o sentido do todo.

    Por todas essas razes, portanto, podemos repetir com Aris-tteles que no apenas na origem, mas tambm agora e sempre, a velha pergunta sobre o todo tem sentido- e ter sentido enquanto o homem se maravilhar diante do ser das coisas e diante do seu prprio ser.

    3.3. Os problemas fundamentais da filosofia antiga Inicialmente, a totalidade do real era vista como physis

    (natureza) e como cosmos. Assim, o problema filosfico por exce-lncia era a questo cosmolgica. Os primeiros filsofos, chamados precisamente de "fsicos", "naturalistas" ou "cosmlogos", propunham-se os seguintes problemas: como surgiu o cosmos? Quais so as fases e os momentos de sua gerao? Quais so as foras originrias que agem no processo?

    Com os sofistas, porm, o quadro mudou. A problemtica do cosmos entrou em crise e a ateno passou a se concentrar no homem e em suas virtudes especficas. Nascia assim a problem-tica moral.

    Com as grandes construes sistemticas do sculo IV a.C., a temtica filosfica iria se enriquecer ainda mais, distinguindo alguns mbitos de problemas (relacionados com a problemtica do todo) que, ao longo de toda a histria da filosofia, iriam permanecer como pontos de referncia paradigmticos.

    Plato iria descobrir e procurar demonstrar que a realidade ou o ser no de um nico gnero e que, alm do cosmos sensvel, existe tamb.m uma realidade inteligvel que transcende o sens-vel, descobrindo assim o que mais tarde seria chamado de metaf-sica (o estudo das realidades que transcendem as realidades fisicas).

    Essa descoberta levaria Aristteles a distinguir a fsica

    Problemas fundamentais da filosofia 25 propriamente dita, como doutrina da realidade fsica, da metafi-sica, precisamente como doutrina da realidade supra-fsica. E, assim, a fisica veio a significar estavelmente cincia da realidade natural e sensvel.

    Os problemas morais tambm se especificaram, distinguin-do-se os dois momentos da vida: o do homem individualmente e o do homem em sociedade. E, assim, nasceu a distino dos proble-mas ticos propriamente ditos em relao aos problemas mais propriamente polticos (problemas, contudo, que continuam muito mais intimamente ligados para o grego do que para ns, modernos).

    Com Plato e Aristteles seriam fixados os problemas (que j haviam sido debatidos pelos filsofos anteriores) da gnese e da natureza do conhecimento, bem como os problemas lgicos e metodolgicos. E, examinando bem, veremos que esses problemas constituem uma explicitao que diz respeito quela segunda caracterstica que vimos ser prpria da filosofia, ou seja, o mtodo da pesqu