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------------------------------------------------------- ------------------ Artigo do Mês - Ano VII – Nº 81 – Dezembro de 2008 --------------------------------------------------------- ---------------- GIOVANNI REALE E A SAGGEZZA ANTICA Ubiratan Iorio Não há palavras suficientes para descrever a alegria intelectual e espiritual que me proporcionou a leitura de Saggezza Antica – Terapia per i Mali dell´Uomo d´Oggi,do filósofo italiano Giovanni Reale, publicado pela Loyola, com tradução de Silvana Cobucci Leite, com o título “O Saber dos Antigos – Terapia para os Tempos Atuais”. Recebi- o em evento realizado em agosto último em São Paulo, coordenado por meu prezado colega e amigo Nivaldo Cordeiro, em que discutimos a importância das obras de Ortega e Gasset e Eric Voegelin para os difíceis dias em que está submerso o nosso mundo. Tratando-se de regalo do Nivaldo, fiz o livro “furar a fila” e passei-o à frente de dezenas de outros que, preguiçosamente, esperam enfileirados na estante do escritório. Para que fui fazer isso? Na metade do livro, comprei mais dois do mesmo autor, “Corpo, Alma e Saúde – O Conceito de Homem de Homero a Platão” e Il Valore dell´Uomo, este escrito com o Cardeal Angelo Scola e ainda não traduzido para o português, além de encomendar Il Pensiero Occidentale dalle Origine ad Oggi, escrito a quatro mãos (ou a duas, se o fizeram em manuscrito) com o famoso filósofo Dario Antisseri. Com isso, a fila ficou desorganizada, mais parecendo, para minha surpresa, aquelas da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, dos hospitais públicos ou do INSS... Dado isto, estou pensando em alocar uma senha de atendimento para cada livro... A Saggezza é uma crítica muito bem fundamentada ao niilismo de Nietzsche, Heidegger e outros badalados

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 81 – Dezembro de 2008---------------------------------------------------------

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GIOVANNI REALE E A SAGGEZZA ANTICA

Ubiratan Iorio

Não há palavras suficientes para descrever a alegria intelectual e espiritual que me proporcionou a leitura de Saggezza Antica – Terapia per i Mali dell´Uomo d´Oggi,do filósofo italiano Giovanni Reale, publicado pela Loyola, com tradução de Silvana Cobucci Leite, com o título “O Saber dos Antigos – Terapia para os Tempos Atuais”. Recebi-o em evento realizado em agosto último em São Paulo, coordenado por meu prezado colega e amigo Nivaldo Cordeiro, em que discutimos a importância das obras de Ortega e Gasset e Eric Voegelin para os difíceis dias em que está submerso o nosso mundo. Tratando-se de regalo do Nivaldo, fiz o livro “furar a fila” e passei-o à frente de dezenas de outros que, preguiçosamente, esperam enfileirados na estante do escritório. Para que fui fazer isso? Na metade do livro, comprei mais dois do mesmo autor, “Corpo, Alma e Saúde – O Conceito de Homem de Homero a Platão” e Il Valore dell´Uomo, este escrito com o Cardeal Angelo Scola e ainda não traduzido para o português, além de encomendar Il Pensiero Occidentale dalle Origine ad Oggi, escrito a quatro mãos (ou a duas, se o fizeram em manuscrito) com o famoso filósofo Dario Antisseri. Com isso, a fila ficou desorganizada, mais parecendo, para minha surpresa, aquelas da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, dos hospitais públicos ou do INSS... Dado isto, estou pensando em alocar uma senha de atendimento para cada livro...

A Saggezza é uma crítica muito bem fundamentada ao niilismo de Nietzsche, Heidegger e outros badalados

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“filósofos” e escritores, corpo de idéias apontado por Reale como “a raiz de todos os males que atingem o homem de hoje”, cuja erradicação requer um tratamento enérgico, que consiste em anulá-lo por meio da recuperação de ideais e de valores supremos, bem como a derrocada do ateísmo e do “assassinato de Deus”, de que Nietzsche sempre fez questão de se vangloriar. Reale sugere, com formidável erudição, que parcela considerável dessa terapia pode ser encontrada na sabedoria grega, que conhece profundamente, especialmente em Platão e Aristóteles.

E mostra com clareza cristalina que a ideologia não passa de uma forma de fé imanente, abraçada automaticamente por milhões de homens (o “homem-massa” de Gasset) na crença cega de que seja fé em coisas verdadeiras (o que Voegelin chamava de “Segunda Realidade”); adotada por outros mediante simulação, em que se finge acreditar em sua realidade; e utilizada pelos ideólogos para levar multidões de incautos sem qualquer capacidade de percepção da realidade – a “Primeira Realidade” de Voegelin - a acreditarem que seja verdadeiro aquilo que eles incitam a crer, quer eles próprios acreditem naquilo, quer não. Como aparece nos “Fragmentos Póstumos” de Nietzsche, “é necessário que algo seja considerado verdadeiro; não que algo seja verdadeiro”... Coisa digna de farsantes da pior espécie.

A afirmativa de que “Deus está morto” é, para o filósofo italiano, o emblema do niilismo, significando que o mundo meta-sensível ou metafísico dos ideais e dos valores supremos, concebido como um ser e como uma realidade em si, como causa e como fim, como aquilo que dá sentido a todas as coisas materiais e à vida humana, perdeu toda a consistência e toda a importância.

É naturalmente impossível resumir em um pequeno artigo toda a argumentação de Reale, mas vale reproduzir os dez itens, aos quais dedica dez capítulos que são o cerne do livro e que, para ele, enfeixam os males modernos e os disfarces niilistas dos valores perdidos, que os vêm levando ao esquecimento:

1. o cientificismo e o redimensionamento da razão do homem em sentido tecnológico;

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2. a absolutização do ideologismo e a rejeição do ideal do verdadeiro;

3. o praxismo, mediante sua exaltação da ação pela ação, em detrimento do ideal da contemplação;

4. a identificação do bem-estar material como sinônimo da felicidade;

5. a difusão da violência;6. a perda do sentido da forma e a distorção da

estética; 7. a redução do Eros à sua mera dimensão física, com o

esquecimento da “escala de amor” platônica e a deturpação do verdadeiro amor;

8. a redução do homem a uma única dimensão e a exacerbação do individualismo;

9. a perda do sentido do cosmos e do fim último de todas as coisas;

10. o materialismo em todas as suas formas e o conseqüente esquecimento do ser.

Para curar esses terríveis males do espírito, Reale recorre à sabedoria – saggezza – dos antigos, que pode proporcionar uma série de remédios que, se não eliminam todos os males, podem, na pior das hipóteses, mitigá-los, impondo-se como pólo dialético e, portanto, como imprescindível termo de comparação na árdua tarefa de reconduzir o homem moderno à sua dignidade esquecida.

Em suma, o homem de hoje tenta a todo o custo eliminar o passado, em nome de pretensos “avanços e progressos”, mas essa forma de tentar projetar-se no futuro é irracional, porque termina aniquilando o próprio futuro, exatamente porque o desprovê de um necessário passado que lhe sirva de termo de referência. Como observa Reale, não é extirpando as raízes de uma planta que se joga fora eventuais galhos que apodreceram com o tempo. O amanhã não pode existir sem o hoje e este não pode ser real sem o ontem!

Recomendo com todas as estrelas possíveis a leitura de “O Saber dos Antigos”, bem como de toda a obra de Giovanni Reale, um filósofo com F maiúsculo e com H também maiúsculo de homem, no sentido de que assume a condição e a dignidade humanas em sua integridade.

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Precisamos combater o niilismo com todas nossas forças, para a nossa própria felicidade, aquela que só é compatível com a Primeira Realidade.

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 80 – Novembro de 2008---------------------------------------------------------

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O GRANDE TESTE

Ubiratan Iorio

Com a eclosão dessa crise que não sai das manchetes em todo o mundo, o governo Lula vai, enfim, passar por seu primeiro teste verdadeiro, no que se refere ao desempenho da economia. E um teste, talvez, “como nunca se viu na história deste país”. Até que ponto, considerando a gravidade dos fatos externos e os perigos de que venham a afetar nossa economia, alguns comentaristas vão continuar afirmando categoricamente que os fundamentos da economia brasileira são “sólidos”? E até onde os homens de Brasília vão prosseguir declamando suas odes à pretensa “robustez” da atividade econômica? Por outro lado, até que nível de cegueira ideológica os críticos da economia de mercado vão

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chegar, ao atribuírem a crise à “falência do modelo neoliberal”?

Certos analistas e certos políticos parecem desconhecer o final da famosa assertiva atribuída a Abraham Lincoln – mas cujo verdadeiro autor é Phineas Barnum, (1810-1891), mais conhecido como dono de um dos primeiros circos -, de que não se pode enganar a todos durante todo o tempo. Pois tudo sugere que acreditam piamente - e com ar doutoral – que podem... E, por isso, insistem no erro de atribuir a crise financeira às propaladas “falhas dos mercados”, principalmente dos financeiros, que são vistos como puros “cassinos”. Se o diagnóstico é este, nada mais natural que o remédio recomendado seja aumentar o grau de intervencionismo dos governos nas economias, mediante um aperto na regulação e operações de salvamento de instituições que apostaram de forma errada, atraídas pelo canto de sereia do Fed. Parece que a velha bobagem de que “os mercados não funcionam” e que, portanto, o Estado precisa neles intervir vem ganhando novas forças, como que ressuscitando as teses intervencionistas keynesianas que dominaram o mundo desde a crise de 1929 até o final dos anos 70. O verdadeiro fanatismo da mídia torcedora do candidato - vazio de conteúdo - Barack Obama e a recente concessão – política - do Nobel de Economia a Paul Krugman, um economista bem preparado tecnicamente, mas que há muitos anos transformou-se em mero globetrotter do keynesianismo, comprovam que as mentiras do intervencionismo vêm readquirindo ares de verdade.

Diagnoses erradas levam, certamente, a terapias incorretas! O problema não está – contrariamente ao que muitos analistas sugerem – na “ausência” dos governos, está nos seus excessos! É como disse o ex-presidente Ronald Reagan: “o governo não é a solução; ele é o problema”... Por quê?

A crise dos dias atuais começou nos anos 90, quando o governo dos Estados Unidos adotou, de um lado, políticas fiscais fortemente expansionistas, em parte explicadas pelas guerras no Oriente Médio e, de outro, através do Fed, políticas monetárias irresponsavelmente frouxas, que chegaram ao ponto de manter por mais de um ano a taxa de juros nominal em 1%, o que, descontada a inflação,

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significa a imposição, por parte do próprio Estado, de uma taxa de juros negativa. Em outras palavras, duas orgias, uma fiscal e a outra monetária, de fazer Baco corar de vergonha...

O intervencionismo irresponsável do governo americano chegou ao ponto de criar duas empresas semi-públicas, a Fannie Mae e a Freddie Mac, para bancar a longa noitada, especialmente no mercado de construção de imóveis e sua contrapartida financeira, o de hipotecas. Todos os americanos que desejassem uma casa própria teriam empréstimos fartos a juros praticamente nulos e, ainda por cima, em caso de problemas, sabiam que o governo garantiria os empréstimos com aquelas duas empresas, que foram finalmente estatizadas em setembro deste ano, logo após a quebra da Lehman Brothers. Parece até que estamos falando de certos governos latino-americanos, mas era assim que soava a trombeta do governo de Tio Sam.

Ora, quem conhece a velha Escola Austríaca de Economia reconhece perfeitamente a natureza dos mercados, que nada mais são do que processos de tentativas e erros, materializados em uma infinidade de procedimentos de descobertas; sabe que os mercados são instituições coordenadoras das aspirações de seus participantes, que estes últimos agem sempre formulando suas expectativas considerando o seu conhecimento (que sempre é incompleto, em mutação e disperso); e sabe, além de tudo disso, que os agentes econômicos reagem sempre a incentivos que atuam sobre suas expectativas. Por isso, não pode deixar de concluir que a crise era inteiramente previsível, pelo menos, desde a segunda metade dos anos 90.

Se o governo incentivar você, caro leitor, a criar codornas, mediante muitas facilidades, você será tentado a transformar-se em um criador de codornas e não, por exemplo, em um fabricante de guarda-chuvas; da mesma forma, se ele estimula a compra de casas, com uma abundante oferta de crédito mais do que barato – e, adicionalmente, garante os riscos de quem emprestar o dinheiro para tal propósito -, você será induzido a comprar uma, abrindo mão de bens e serviços que poderia adquirir ao longo do tempo de duração da hipoteca. E provavelmente, influenciado pelo grande incentivo, o fará mesmo se a hipoteca estiver acima da sua

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capacidade de pagamento. Os mercados – como, de resto, as ações humanas - são como os antigos exércitos: se o sonido da trombeta das autoridades é de ataque, eles partem para a ofensiva; se é de defesa, eles recuam. Sempre foi e sempre será assim.

Em suma, os mercados funcionam sempre, só que estão longe de serem “perfeitos” como estudamos nos livros convencionais de microeconomia. Ocorre que os governos – e isto não está nesses livros – também estão longe da perfeição! Isto é fácil de entender, já que ambos os processos - o de mercado e o político - são regidos pelo princípio da ação humana ao longo do tempo real (bergsoniano) sob condições de incerteza e uma das características do ser humano ao agir é a imperfeição, explicada pelo caráter parcial do conhecimento, que leva a erros de avaliação.

A culpa, então, não é “dos mercados”, é da própria condição humana, que está presente tanto nos mercados quanto nos governos, pois ambos são formados por indivíduos com defeitos e virtudes, interesses e desejos de ganhos, sejam financeiros ou políticos!

Assim, os incríveis erros do Fed representavam um convite, impresso em papel couché, para a festa do crédito artificial: “Venha, senhor mutuário, há crédito superabundante a juros mais do que convidativos! Compareça, senhor banqueiro, porque, em caso de inadimplência, o Estado cobrirá as suas perdas! Bebida e comida à vontade e quase que de graça”!

Nenhuma economia cresce o que os governos desejam, elas crescem simplesmente o que podem crescer. E o tempo, ao mostrar os erros, é o inexorável e truculento “segurança” que, em plena festa, acaba expulsando os convidados que aceitaram participar. Em maio/junho de 2006, houve um impacto setorial da alta de juros sobre as empresas de construção residencial; em janeiro/fevereiro de 2007, sobre as empresas de financiamento imobiliário (inadimplência das hipotecas); em julho/agosto de 2007, a crise se transmitiu aos títulos lastreados nesses empréstimos; no início de 2008, houve contaminação nos mercados de crédito, apesar da reação dos bancos centrais

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abrindo o crédito. E, a partir de setembro último, todos sabem a história: colapso da Lehman Brothers, estatização das duas empresas (Fannie Mae e Freddie Mac), intervenção em uma das maiores seguradoras privadas (AIG); as intervenções do Fed já não são suficientes e o governo recorre aos contribuintes; o Tesouro anuncia um plano de US$ 700 bilhões para comprar ativos podres, mantendo a taxa de juros abaixo da inflação corrente (!), a União Européia decide comprar ações de bancos privados, o governo americano decide fazer o mesmo; pânico nas bolsas de valores em todo o mundo e perigo de alastramento da crise para os países emergentes.

Aconteceram ganhos privados extraordinários durante a expansão, sob a batuta do Fed e, agora, o Tesouro e o Fed regem a socialização das perdas, sob a ameaça de pânico. É a apresentação da conta da orgia do crédito, que teria que ser cobrada mais cedo ou mais tarde e que desembocará, inescapavelmente, na estagflação, ou seja, em mais desemprego e mais inflação, porque esta é a única e natural forma de saldá-la, que medidas intervencionistas por parte de governos e bancos centrais apenas conseguirão adiar por alguns meses.

Tudo isto está muito bem explicado desde o início dos anos trinta pela chamada Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, do inigualável Friedrich Hayek. Uma visão correta, porém, infelizmente, absolutamente desconhecida por 999 em cada 1000 economistas. Convido o leitor a ler explicações mais aprofundadas desse ponto de vista em http://www.auburn.edu/~garriro/tam.htm, em que o professor da Universidade de Auburn, Roger Garrison, um dos economistas “austríacos” modernos mais competentes, refuta, uma a uma, em arquivos powerpoints, as falácias dos comentaristas e economistas intervencionistas que, ao que tudo sugere, estão querendo decretar a “falência” dos mercados e a “ressureição” do Estado intervencionista. Em outras palavras, estão receitando cachaça para curar o alcoolismo...

Não é que os governos devam permanecer impassíveis diante do que vem acontecendo: já que o circo está pegando fogo, cabe aos “bombeiros” – os bancos centrais – apagarem o incêndio, o que o nosso BACEN vem fazendo ao usar as

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reservas internacionais para evitar que o dólar estoure e ao reduzir o compulsório para prover liquidez ao sistema. São medidas que, mesmo não atacando as raízes da crise, pelo menos servirão no curto prazo para mitigar os seus danos. É necessário, sim, apagar as labaredas do incêndio.

Mas não é suficiente. É preciso eliminar todos os seus focos, o que nos leva a recomendar o estabelecimento de metas de zeragem das necessidades de financiamento do setor público (déficit nominal). Isto, sem dúvida, extravasa a simples macroeconomia dos livros-textos e nos conduz à política. E dificilmente o governo Lula, caracterizado, desde 2003, por uma autoridade monetária ortodoxa e coerente e por autoridades fiscais heterodoxas e incoerentes, vai dar-se conta dessa necessidade premente!

Se a evidente ausência de coordenação entre o que o Banco Central e o que os “aloprados” que determinam os gastos públicos vêm fazendo desde que o ex-torneiro mecânico assumiu a presidência conseguiu disfarçar-se enquanto a economia mundial navegava em águas calmas, agora, com a procela insopitável que exacerba os oceanos, vai tornar-se visível e patente. A orgia aqui foi diferente da que o governo norte-americano promoveu, foi pela metade, patrocinada pela equipe política do governo, enquanto a equipe do Banco Central sempre mostrou preocupação com os seus efeitos futuros. Mas, com o furacão, ou o governo petista – que simplesmente copiou a política monetária e cambial do segundo mandato do governo anterior – percebe a importância da redução de seus gastos para que a taxa de juros possa cair e, dada a maior liquidez, a inflação não ressuscite, ou teremos a pior de todas as combinações em termos de doenças da economia, a estagflação.

Por isso, o governo Lula vai passar por seu primeiro grande teste e, infelizmente, tudo me leva a crer em sua reprovação. Se o governo de Fernando Henrique, que tinha alguma noção de que o Estado não deve permanecer inchado e que contava na Fazenda com uma figura respeitável como Pedro Malan, encontrou muitos problemas com as sucessivas crises do México, da Ásia e da Rússia, o governo do “maior presidente da história deste país”, que não tem o menor pudor em gastar para fins políticos o que recolhe dos contribuintes e não tem, definitivamente, alguém da

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estatura de Malan cuidando do Tesouro, encontrará enormes dificuldades para evitar que a crise – que não é localizada como as anteriores, mas mundial – contamine nossa economia.

Está mais do que na hora de nossos comentaristas abandonarem a afirmativa tola de que “nossos fundamentos são sólidos”! Não senhor, eles não são, porque os superávits fiscais que vêm sendo obtidos são fundamentados em taxas de crescimento da arrecadação e não em taxas de queda dos gastos! O Estado precisa – e acho que escrevo isto pela milésima vez! - cortar gastos e diminuir a carga tributária, precisa encolher e restringir a sua atuação às áreas em que é essencial e que vem deixando de lado há bastante tempo. Só assim teremos bons fundamentos e, o que é mais importante, só assim nossa economia terá liberadas a energia criativa e o empreendedorismo, as verdadeiras fontes do crescimento auto-sustentado.

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 79 – Outubro de 2008---------------------------------------------------------

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O SABER DOS ECONOMISTAS “AUSTRÍACOS”

Ubiratan

Iorio

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O mundo financeiro está em pânico e, como sempre acontece nas crises, os palpiteiros dão plantão em jornais, programas de TV, blogs e outros canais de comunicação. Com as altas proporções da crise financeira americana, que já se espraia pelo mundo, não poderia ser diferente. As galinhas neokeynesianas e as maritacas socialistas descem de seus poleiros e ninhos para anunciar – pela milésima vez – o “fim do capitalismo”, o fracasso do mercado e a derrocada do “Império”, receitando, como sempre, mais intervencionismo do Estado na economia, ou seja, açúcar para portadores de diabete e cachaça para alcoólatras...

Seus barulhentos cacarejos e grasnidos, além de incomodarem nossos ouvidos, são, também como sempre, verdadeiras antologias de erros de avaliação e de confusão entre causas e efeitos.

A crise de hoje começou ontem, ou seja, quando o Fed manteve, por anos a fio, a taxa de juros artificialmente baixa, pensando que assim estaria, de acordo com o establishment acadêmico, estimulando a atividade econômica e perpetuando o crescimento sustentado da economia. Como é difícil lutar contra o establishment! Pois os sujeitos não aprendem com os erros do passado e se julgam os donos da verdade “científica”...

Ludwig Von Mises, em sua “Teoria da Moeda e do Crédito”, de 1912, já alertava que a prática de taxas de juros abaixo da que equilibraria a oferta e a demanda de fundos para empréstimos estimularia a economia durante algum tempo, mas provocaria inflação e desemprego no futuro. Hayek, no início dos anos 30, já vivendo em Londres, publicou “Prices and Production”, em que refinava a teoria misesiana, dando origem ao que ficou conhecido como a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, aperfeiçoada depois por outros expoentes da Escola Austríaca, mas desconhecida por 999 entre 1000 economistas, cuja formação passou a ser exclusivamente macroeconômica, por influência das idéias expostas na Teoria Geral de Keynes, de 1936 e, a partir dos anos 50, por seus seguidores, bem como até por defensores do mercado, como Milton Friedman, os economistas da Escola de Chicago e Robert Lucas e os novos clássicos.

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A causa principal, a meu ver, do esquecimento a que foi relegada a Escola Austríaca foram suas recomendações para eliminar o que ficou conhecido como a Grande Depressão dos anos 30: os governos deveriam abster-se de intervir na economia, deixando funcionar o sistema de preços livremente e o mercado reavaliar os valores dos recursos! Sim, isto significaria falências de bancos e de muitas empresas, mas falências fazem parte do jogo, a não ser que os contribuintes sejam convocados compulsoriamente a sustá-las, como o governo americano, mais uma vez, pretende fazer neste momento. É o processo, inevitável, de ajustamento, em que os maus investimentos feitos no passado, baseados em expansão monetária travestida de pseudo-poupança, precisam ser eliminados. Mas isto é impopular hoje, como era impopular nos anos 30, o que levou Roosevelt a adotar as recomendações intervencionistas de Keynes, muito mais palatáveis sob o ponto de vista político.

Assim, firmou-se a idéia de que os governos deveriam

controlar a demanda “agregada”, com base no “princípio da demanda efetiva” de Keynes e as corretas teses austríacas lançadas na gaveta do esquecimento, algo que nem a concessão, em 1974, do Nobel de Economia a Hayek conseguiu mudar. Desde os anos 30, praticamente todos os economistas são “keynesianos”, mesmo os monetaristas e os novos clássicos, que prezam a economia de mercado e nada têm de socialistas... Uma lástima, de conseqüências desastrosas não apenas para a academia, mas para a humanidade!

A história da crise de hoje não difere, em sua essência, daquela da Grande Depressão e foi plantada pelas políticas do Fed de manter as taxas de juros artificialmente baixas. Ora, juros baixos tornam viáveis projetos de longo prazo, cujos valores presentes são mais beneficiados do que os dos projetos de curto prazo. A construção civil, claramente, está no primeiro grupo. Assim, foi um negócio não natural, estimulado pelo governo americano. Mas, além dessa tentativa de aceleração forçada da prosperidade, as autoridades americanas imbuíram-se da idéia errada de que, se qualquer pessoa desejasse um empréstimo para comprar uma casa, o governo teria a obrigação de concedê-lo, mesmo que indiretamente, idéia que operacionalizou criando a Freddie Mac e a Fannie Mae,

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empresas com status jurídico cinzento, já que eram geridas privadamente e tinham capital aberto, mas sempre foram protegidas pelo Estado, com o intuito de subsidiar os empréstimos. E o mercado – que, nessas horas, não falha – antecipou corretamente que tais empresas seriam socorridas pelo Estado em caso de dificuldades. Com medidas desse tipo – taxas de juros abaixo da inflação corrente e subsídios camuflados a hipotecas – qualquer economista conhecedor da tradição “austríaca” poderia detectar, há anos, que surgiriam graves problemas futuros.

E o futuro chegou! Em meados de 2006, as empresas de construção civil sentiram os efeitos da alta da taxa de juros ocorrida e também prevista pela teoria, decorrente do cabo-de-guerra ou disputa pelo crédito, como previram, por exemplo, entre inúmeros outros, os seguintes artigos, todos encontrados em http://www.mises.org/ : Who Made the Fannie and Freddie Threat?, de Frank Shostak, de 5 de março de 2004; Freddie Mac: A Mercantilist Enterprise, de Paul Cleveland, de 14 de março de 2005; Fannie Mae: Another New Deal Monstrosity, de Karen De Coster, de 2 de julho de 2007 e How Fannie and Freddie Made Me a Grump Economist, de Christopher Westley, de 21 de julho de 2008.

No início de 2007, as empresas de financiamento imobiliário sofreram os impactos da política irresponsável do Fed, com a inadimplência das hipotecas. Em meados de 2007, a crise se transmitiu aos títulos lastreados naqueles empréstimos e, no início de 2008, a contaminação atingiu os mercados de crédito, mesmo com a reação keynesiana dos principais bancos centrais, expandindo o crédito. Neste mês de setembro, houve o colapso da centenária Lehman Brothers, a estatização da Fannie e da Freddie, a intervenção em uma das maiores seguradoras privadas (AIG) e, no momento em que escrevo estas linhas, o governo americano acaba de promover a maior intervenção já realizada em um banco naquele país, ao vender partes do Washington Mutual, cujas perdas são estimadas em cerca de US$ 30 bilhões, ao JP Morgan, que pagará US$ 1,9 bilhão por ativos do WM. Em maio último, o JP já comprara o Bear Stearns...

Em suma, o circo está pegando fogo e só há duas maneiras de tentar apagá-lo: a primeira seria deixar que o mercado o fizesse por si próprio, com as perdas, quebras e

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falências daí decorrentes, mas que teria o efeito de acabar com o incêndio e eliminar todas as suas causas. Exatamente o que Hayek propôs nos anos 30, mas que foi descartado pelos governos dos Estados Unidos e da Inglaterra, que preferiram apostar no pretenso remédio de Keynes.

A segunda é, naturalmente, a que o governo – ah, os governos! – de Bush preferiu, estimulado adicionalmente pelo fato de ser 2008 um ano de eleições: recorrer aos contribuintes e anunciar um plano de cerca de US$ 1 trilhão, mantendo a taxa de juros abaixo da inflação observada, já que as intervenções do Fed já não se mostram suficientes sequer para tentar reverter o irreversível, que é o ajuste de contas cobrado pelo processo de mercado. A história se repete. O cacarejar das galinhas keynesianas, o grasnar das maritacas anti-mercado e o elemento político, novamente, prevalecem sobre a racionalidade do processo de mercado.

Houve, como em qualquer período de expansão econômica, extraordinários ganhos privados, sob a batuta do Maestro Fed. Agora, na fase de contração, o regente Tesouro tenta reger atabalhoadamente a dodecafonia da socialização das perdas, diante da ameaça de pânico. Isto significará futuros aumentos de impostos para todos os americanos, os que ganharam no passado e os que nada têm a ver com o pato, além de um avanço no intervencionismo estatal na economia que, até o início do século passado, sempre foi citada como exemplo de uma economia realmente de mercado. E, pior, não apagará definitivamente o incêndio: muito pelo contrário, criará novos focos futuros.

Mas não me venham com a bobagem de atribuir a triste situação atual aos mercados ou ao capitalismo, porque ela foi provocada pelo governo! Qualquer estudante iniciado na Teoria Austríaca da Moeda e dos Ciclos Econômicos sabe disso. Mas, infelizmente, há poucos desses estudantes espalhados pelo mundo, pois nosso establishment acadêmico, desde os anos 30, vem preferindo modelar os alunos para irem a um supermercado e comprarem um quilo ou dois de PIB... É a tirania da macroeconomia, uma construção imaginária que, simplesmente, não existe no mundo real, em que não existe PIB, mas milhões de produtos, nem tampouco

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“a” taxa de juros, mas centenas delas, uma para cada tipo de operação e prazo.

O saber dos economistas austríacos precisa ser resgatado. Ele não curará todos os problemas, mas melhorará consideravelmente a maneira de encarar a economia do mundo real. E, conseqüentemente, melhorará a nossa vida.

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 78 – Setembro de 2008---------------------------------------------------------

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O VALOR DO EMPREENDEDORISMO

Ubiratan Iorio

Uma grande mentira, fatal e abissal, repetida ad nauseam durante muito tempo, adquiriu ares de truísmo e de axioma, como se fosse uma verdade incontestável. Refiro-me à afirmativa de que a pobreza de X é explicada exclusivamente pela riqueza de Y (X e Y podendo ser indivíduos, regiões, países, sexos, minorias, maiorias ou raças). Embora tal asserção não seja capaz de resistir a dois minutos de lógica, de tanto ser alardeada acabou se transformando em um dos símbolos místicos das esquerdas em todo o Ocidente, especialmente nos países pobres. Na América Latina, por exemplo, quem ousar discordar dessa

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tolice, seja nos meios universitários, na mídia, nas conversas em ônibus, nas academias de musculação, em restaurantes luxuosos ou nas arquibancadas de um estádio, é imediatamente taxado de “direitista”, “ultraconservador”, “radical”, “polêmico”, “entreguista”, “neoliberal” e outros adjetivos que, em nosso sistema cultural pré-histórico, soam como pesados impropérios.

Não pretendo tomar dois minutos de você, caríssimo leitor, para demonstrar o quanto de imbecilidade contém a mencionada proposição, mas posso garantir que o volume de idiotia que embute é imenso. Basta chamar a atenção para o fato de que está baseada em um logro que tem sido fatal para os países mais pobres: a de que a economia seria um jogo de soma zero, tal como, por exemplo, uma luta de judô, em que o lutador Y só pode ser vencedor se o lutador X perder. Pois a economia do mundo real é exatamente o oposto, é um jogo cooperativo, em que a vitória ou êxito de uns não significa a derrota ou fracasso de outros, já que ambos podem ganhar.

É evidente que essa falácia é um prato astutamente preparado para alimentar a dialética esquerdista da luta de classes, formulada por trapaceiros intelectuais competentes que criaram – para usar a expressão de Eric Voegelin – a Segunda Realidade e nela viveram aprisionados, como Hegel e Marx e endossada – para utilizar a nomenclatura de Ortega y Gasset - pelas massas, formada por milhões de indivíduos cuja capacidade intelectual não é suficiente nem para perceberem que estão também agindo como embusteiros, mas que vivem como bois sendo conduzidos ao som do berrante, pois o homem-massa, com quem esbarramos diariamente em todos os lugares, apenas mente e se deixa levar, muitas vezes, com uma boa-fé tão grande que gera o fenômeno da honestidade compacta, que resulta dos conflitos entre a Primeira e a Segunda Realidade, em níveis intelectuais relativamente mais baixos.

Neste artigo, desejo apenas frisar um dos efeitos da falsa proposição de que, se X é pobre, é porque Y, que é rico, o explora. Refiro-me à mentalidade antiempresarial que campeia na América Latina, à visão de que todos os empresários são, até prova em contrário, verdadeiros poços de vícios e de que todos os “trabalhadores” (como se

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empresários também não trabalhassem) autênticas fontes inexauríveis de virtudes.

Na cultura brasileira isto é patente, evidente e eloqüente: se Fulano pretende abrir uma empresa qualquer, é imediatamente tratado pelo Estado como um suspeito e é obrigado – se não desistir antes – a enfrentar um calvário burocrático, que antecede três outros calvários, o tributário, o regulatório e o trabalhista, a que será submetido caso venha a obter a bendita autorização para abrir o seu negócio, o que consumirá, em média, de acordo com o Banco Mundial, 152 dias (contra 71 dias na América Latina, cerca de 30 dias na Europa, de uma semana a quinze dias nos Estados Unidos e cerca de 3 ou 4 dias na Austrália e na Nova Zelândia). Uma vez aberta a sua empresa, os corvos da tributação excessiva e complexa, os urubus do excesso de regulamentações e da burocracia e as demais aves de mau agouro dos encargos trabalhistas começam imediatamente a sobrevoar a área. E, se o herói cansar-se e resolver fechar a empresa, só o conseguirá ao cabo de, em média, 10 anos! Além da carga tributária pesadíssima, existe o chamado “tributo burocrático”, também impressionante: de acordo com o Banco Mundial, são 2.600 horas anuais gastas, em média, pelos empresários nacionais, contra 350 nos Estados Unidos e 105 na Alemanha. A enorme burocracia e o excesso de regras, bem como as freqüentes mudanças nas mesmas, prejudicam os negócios e inibem o empreendedorismo. O Brasil ocupa a 122ª posição no ranking geral de facilidade em realizar negócios. A legislação trabalhista é anacrônica e os encargos excessivos fazem com que o custo para o empregador de um funcionário seja mais do que dobrado.

Precisamos afirmar veementemente que vícios e virtudes são universais, fazem parte da própria condição humana e, portanto, são comuns a patrões e a empregados, a ricos e a pobres. Assim como há empresários e ricos desonestos, exploradores e corruptos, também há empregados e pobres corruptos, exploradores e desonestos! A seguir a premissa estúpida de que vícios são atributos exclusivos de ricos e patrões e de que todos os funcionários e pobres beiram a santidade, teremos que defender práticas adotadas por déspotas como Mao, Pol Pot e Fidel, que desapropriaram todas as propriedades, mataram muitos dos seus donos e

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forçaram os restantes a trabalhar no campo em regime de trabalhos forçados. O resultado, em todos esses casos e em outros semelhantes, foi uma generalização da pobreza.

O empreendedor – que não é o mesmo que empresário, digamos de passagem – é fundamental para a geração de riqueza, não apenas para ele, mas para milhões, bilhões de pessoas, especialmente para os consumidores. Não é um simples proprietário de uma empresa (empresário), mas alguém que, muitas vezes sem um centavo no bolso, vislumbrou antes dos demais uma oportunidade de produzir algo que iria tornar satisfeitos os consumidores e melhorar as suas vidas; é alguém que, antecipando essa possibilidade, assumiu riscos às vezes fantásticos, pois, em caso de fracasso, perderia até os sapatos que calça; é alguém que, em inúmeros exemplos, precisou tomar empréstimos para tornar viável o negócio que imaginou; é alguém que criou e, neste sentido, é co-criador, o que o aproxima, como homem, da imago Dei; é alguém de cujas idéias e sonhos terminam brotando riqueza e dinheiro, empregos e rendas para os seus semelhantes; é alguém que percebe que uma determinada idéia é boa e trabalha duramente para pô-la em prática e que sabe perfeitamente que, caso sua idéia seja executada, mas não caia no agrado dos consumidores, naufragará com ela.

Ai do mundo se não existissem pessoas assim, com tal disposição para assumirem riscos e, desta forma, contribuírem para melhorar as condições de vida do mundo, não apenas em proveito próprio, mas beneficiando bilhões de outros indivíduos. Cristóvão Colombo, por exemplo, foi um autêntico empreendedor, em uma época em que os riscos de seu empreendimento eram enormes, pois as naus eram semelhantes a cascas de nozes e o capital necessário para o seu empreendimento, bem como as suas fontes, era escasso, o que o levou a buscar a ajuda da rainha Isabel de Castela, pois, se fosse depender de recursos próprios ou de empréstimos de bancos, não poderia realizar o seu negócio, que mudou o mundo. Irineu Evangelista de Souza (o Visconde de Mauá), Amador Aguiar, Akio Morita, Bill Gates e milhões de criadores anônimos de pequenos e grandes negócios espalhados pelo mundo são exemplos de empreendedores.

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O empreendedorismo brota do espírito criativo dos indivíduos, que os leva a assumir riscos para criar mais riqueza, o que o faz depender, para que possa florescer, de quatro atributos: governo limitado, respeito aos direitos de propriedade, leis boas e estáveis e economia de mercado. Quanto mais uma sociedade afastar-se desses pressupostos, mais sufocada ficará a atividade de empreender, o que terminará por prejudicar toda a sociedade, porque não se conhece até hoje exemplo de desenvolvimento econômico sem a presença de empreendedores.

Mas a propaganda gramsciana tem sido tão eficaz a ponto de gerar o que o padre Robert A. Sirico, presidente do Acton Institute, denomina, com bastante propriedade, de “anti-capitalist capitalists”, no excelente vídeo “The Call of the Entrepreneur”, recentemente distribuído por aquele instituto. Os “capitalistas anticapitalistas” são, em geral, empresários que, a despeito de terem ajudado a criar riqueza para a sociedade mediante seus negócios bem sucedidos, adotam simultaneamente causas antitéticas ao crescimento econômico, à livre empresa e às liberdades individuais, como a retórica da “responsabilidade social das empresas” – algo que, por si só e de início, é um pleonasmo. Assim, a partir de meados da década passada, muitos empresários passaram a prover fundos para causas politicamente intervencionistas e anticapitalistas, que se abrigam sob o manto politicamente correto da “responsabilidade social das empresas”.

O que tem levado homens de sucesso, cujos negócios beneficiaram não apenas a eles próprios, mas a muitos consumidores, a abraçarem causas que entram em choque com tudo o que fizeram anteriormente, a assumirem uma pretensa “culpa” pelos males do mundo, para cujo progresso suas ações no passado foram decisivas e, enfim, a viver simultaneamente as Duas Realidades a que se referia Voegelin? Só encontro duas respostas para tamanha incoerência. A primeira é algo como que uma nostalgia da juventude, daquele idealismo típico dos anos 60, que definia compulsoriamente o lucro como um enorme pecado, quando, na realidade, nada tem de pecado, como a própria Doutrina Social da Igreja, especialmente nas encíclicas escritas por João Paulo II, afirma peremptoriamente em diversas passagens. Se essas pessoas encaram os próprios

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lucros como algo errado, é natural que sintam um desconforto em relação aos seus semelhantes, o que as leva a posar como “protetoras dos pobres”. O economista austríaco Ludwig Von Mises, ainda nos anos 20, já observara tal comportamento doentio em empresários, intelectuais e em artistas de sucesso.

A segunda razão que leva empresários bem sucedidos a abraçarem causas que, em sua essência, são antiempresariais, é também a motivadora da anterior: trata-se da propaganda esquerdista tão competentemente orquestrada e bombardeada diariamente na mídia, que atribui a pobreza de X exclusivamente à riqueza de Y e, portanto, ele – Y, o “rico” – teria obrigação “moral” de melhorar a situação dos pobres. Como se já não tivesse feito isto, desde que abriu o seu negócio e com ele beneficiou tanta gente...

Um exemplo notável dessa visão distorcida da realidade estimulada pela mídia esquerdista é o filme Wall Street, em que o protagonista, um banqueiro milionário vivido pelo ator Michael Douglas, declara enfaticamente que ele não cria riqueza, apenas a toma dos outros... Uma asneira cinematográfica nos dois sentidos, primeiro, porque banqueiros também podem ser autênticos empreendedores e segundo porque os empreendedores não banqueiros dependem dos banqueiros!

Enquanto prevalecer na América Latina a mentalidade antiempresarial e não nos dermos conta dos benefícios que a atividade empreendedora gera para a economia e para a sociedade, vamos continuar repetindo o teorema fatal da economia como um jogo de soma zero e seu corolário, o de que X é sempre explorado por Y e de que tal fato explica por si só a sua pobreza. E, conseqüentemente, não vamos sair do nível de pobreza em que estamos.

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 77 – Agosto de 2008 --------------------------------------------------------

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AS DUAS REALIDADES: UMA TRISTE REALIDADE

Ubirata

n Iorio

Quem, movido por alguma recôndita premência do espírito, sentir necessidade de compreender o mundo – e, por inclusão, o Brasil – moderno precisa ler duas obras inexcedíveis em acuidade, bom senso e erudição e que, adicionalmente, servem de aviso, como um grande semáforo vermelho a piscar apontando para perigos à frente. Refiro-me aos livros A Rebelião das Massas e Hitler e os Alemães, respectivamente, do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, publicado em 1930, e do também filósofo alemão Eric Voegelin, que reúne onze preleções proferidas no verão de 1964 na Universidade Ludwig Maximilian de Munique.

O primeiro talvez seja mais conhecido – ou menos desconhecido - aqui no Brasil, mas ambos são pontos de partida obrigatórios para a compreensão daquilo que um “caipira-pira-pora”, em linguagem tosca, porém educado sob valores morais sólidos, exprimiria como “Eta mundo doido, sô!” Com efeito, a quem quer que não tenha abdicado de valores transcendentais, parece que nosso velho planeta está de pernas para o ar, com o aspecto de uma casa com todos os móveis revirados, gavetas abertas, roupas em desalinho nos armários, sujeira em todos os cômodos, quadros tortos nas paredes e poeira abundante. O “certo” e o “errado” ganharam aspas, o belo passou a ser rejeitado e o feio a ser glorificado, o pudor transfigurou-se em vício

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e o despudor em virtude, o recato passou a ser caretice e a libidinagem estilo de vida, por imposição dos ditames do relativismo moral e da ditadura politicamente correta, que vêm levando há décadas as massas a comportarem-se como grandes varas de porcos correndo para o abismo, mas sem a consciência de estarem correndo para o abismo e – o que não é menos grave – achando que não estão correndo para a própria destruição, mas para a libertação e a salvação.

Não pretendo escrever neste artigo uma resenha sobre os dois magníficos livros, nem muito menos um ensaio, mas acredito que seja interessante pinçar alguns pontos comuns a ambos, com o objetivo de levar o leitor à reflexão e, talvez, a uma compreensão isenta sobre os terríveis problemas da sociedade atual. Problemas de que nem remotamente as massas parecem dar-se conta.

O que Gasset escreveu sobre a Europa no último capítulo da Rebelião e que qualifica como o “teorema central do ensaio” – de que o Velho Continente teria esquecido a moral – hoje, decorridos quase oitenta anos, infelizmente, podemos reescrever aplicando à sociedade ocidental: nossa sociedade ficou sem moral! E meditar na atualidade das palavras do grande filósofo espanhol: “Não é que o homem-massa menospreze uma moral antiquada em benefício de outra emergente, mas que o centro de seu regime vital consiste precisamente na aspiração a viver sem sujeitar-se a moral alguma”, ao que aduz que seria ingênuo acusar um indivíduo médio de hoje de falta de moral, uma vez que, ao invés de soar como uma acusação, uma afirmativa desse tipo adquire ares de lisonja, a tal ponto chegou o nível de imoralismo. Basta uma ligeira leitura a qualquer caderno dito “cultural” de qualquer jornal, ou um giro com o controle remoto pelos canais de TV, ou um olhar para as nossas universidades, ou uma ligeira análise do comportamento de políticos e de magistrados, para verificarmos a atualidade dessa afirmativa.

Mais do que enxergar a crise da sociedade de hoje como um pretenso dilema entre gerações, civilizações ou mesmo entre sistemas morais distintos, um “moderno” e o outro “ultrapassado”, o que chama a atenção na obra de Gasset é que ele vê o homem-massa como um ser inteiramente

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independente de moral - que, para Gasset, é, em qualquer circunstância, “consciência de serviço e obrigação”.

Voegelin, ao analisar as razões que permitiram que o nacional-socialismo chegasse ao poder na Alemanha e perpetrasse tantas barbaridades, faz uso freqüente das expressões primeira realidade e segunda realidade, criadas por Robert von Musil e desenvolvidas por Heimito von Doderer. Existe uma realidade – a primeira – imanente ao homem, mesmo quando este perde a razão, tanto no campo fenomenológico da noética como no prisma pneumático do espírito, como componentes da realidade que o auxiliam a ordenar a própria existência. Mas, ao negar tal axioma, nem por isso ele deixa de ser homem, pois, embora sua imagem da realidade seja equivocada, ela não perde a forma de realidade, o que significa que ele ainda é um homem, com todo o direito a fazer declarações a respeito das ordens do mundo, mesmo quando a força que o orienta para o divino se perde. Mas, ao substituir a ordem real por uma pseudo-ordem, o homem já não vive na realidade, mas em uma falsa imagem da realidade, ou segunda realidade que, no entanto, ele crê – e, em geral, tanto mais quanto menor for o seu nível intelectual - ser a realidade genuína.

Quando essa postura pneumopática, de distorção do pneuma, da essência espiritual, acontece, surgem duas realidades: a primeira, em que vive o homem ordenado com a transcendência de sua vida e a segunda, habitada pelo homem doente pneumaticamente e que, necessariamente, entra em choque permanente com a outra, conflito que se manifesta na construção de sistemas, já que, como a realidade não tem o caráter de um sistema, então um sistema é necessariamente sempre falso e, quando pretende retratar a realidade, só consegue se manter mediante trapaças intelectuais, como em Marx e Nietzsche, por exemplo. A verdade é que, como observou Voegelin, “o homem está pneumopático, está doente do espírito, e o caso agora se complica ainda mais pelo fato de ele estar ciente dessa trapaça, como é muito claro, por exemplo, em Nietzsche, que fala explicitamente desse problema”.

Mas, se Marx e Nietzshe sabiam que estavam trapaceando (Nietzsche, que conhecia perfeitamente a realidade verdadeira de Pascal e sabia que a sua era uma imagem

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falsa, vivia freqüentemente a tensão entre a realidade trapaceada que ele buscava e a que ele admirava em Pascal), o mesmo não se pode afirmar das trapaças pequeno-burguesas, ou, na linguagem de Ortega y Gasset, do logro cego em que vivem as massas. O homem-massa, com quem você, leitor, esbarra diariamente no seu prédio, na TV, no seu emprego, na universidade, em passeatas e em todos os lugares, apenas mente e, muitas vezes, com uma boa-fé tão grande que gera o fenômeno da honestidade compacta, que resulta dos conflitos entre a primeira e a segunda realidades, em níveis intelectuais relativamente mais baixos.

São as massas de Gasset exercendo o seu domínio. Honestidade, tal como pontualidade, frugalidade e outros atributos, são virtudes secundárias, ou seja, em poucas palavras, alguém pode ser honesto para com o seu chefe, que é um político corrupto, ou freqüentar pontualmente a missa dominical e, durante o resto da semana, envolver-se em atos de corrupção, ou, ainda, poupar com vistas a aplicar um grande golpe no futuro... Um exemplo de honestidade compacta é a crença generalizada de que, se João é pobre, é porque Pedro é rico e, portanto, de que o Estado deve tirar do segundo para “distribuir” para o primeiro.

Em outras palavras, a partir da segunda metade do século XIX e em especial no século passado, ocorreu uma enorme alteração da ênfase na representação do que é a realidade. No dizer de Voegelin, “a realidade da razão e do espírito, que se revela nas experiências noética [ou seja, que buscam apreender a percepção] e pneumática, desaparece, e em seu lugar a ênfase é transferida para a experiência do mundo das coisas na existência espaço-temporal”. Porém, mesmo que os símbolos de transcendência sejam seriamente deformados e desacreditados, a ordem verdadeira, autêntica, genuína do ser, permanece inalterada. Mesmo que Hegel, Marx e Nietzsche “matem” Deus e proporcionem mil explicações sobre a sua morte, o Criador permanecerá eterno e o homem, com toda a sua arrogância e com toda a parafernália ténica moderna, terá que continuar lidando com a sua vida marcada pela criaturalidade e pela morte. Quando a fantasia, seja da concupiscência, seja do poder, seja do dinheiro pelo dinheiro muda a ênfase da realidade, ela cria uma falsa imagem da realidade, da primeira realidade. E quando o homem busca viver na segunda realidade, tentando

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inutilmente transformar-se de imago Dei em imago hominis, explodem os conflitos e os dilemas com a primeira realidade que, por ser a autêntica, é uma ordem cuja existência é contínua e é inescapável.

Surgem, então, quatro conseqüências entre as quais se debate o homem atual, em um processo de diátese que se origina de sua tentativa de ser auto-suficiente. A primeira é que o vácuo que necessariamente aparece entre as duas realidades precisa ser preenchido com o simbolismo da segunda realidade, dado que a primeira não pode ser abolida. Isto explica os apocalipses e as visões revolucionárias da História do mundo imanente de Kant, Condorcet, Comte e Marx, entre outros.

A segunda é uma enorme desilusão, já que o homem, ao tentar exterminar algo que não pode ser eliminado – a primeira realidade - e ao imputar-lhe o caráter de falsa realidade, vê-se na obrigação de viver a vida sem qualquer obrigação de transcendência e a buscar a negação do espírito. O resultado é o terrível sentimento do abandono por Deus.

A terceira é a própria destruição da imago Dei, ou seja, a desumanização do homem, com a conseqüente fantasia do homem novo de Marx e do super-homem de Nietzsche.

E a quarta é que, ao negar as experiências noéticas e pneumáticas do ser, o homem degenera o próprio sentido de sua vida, passando a preencher com realidades inexistentes fenômenos como os do poder, dinheiro, fama, conflitos, instinto, classe, interesse, religião, nação e raça.

Eis, em síntese, as duas realidades a que se referiu Voegelin, bem como a vida vulgar do homem massificado de Gasset.

Agora, a triste realidade a que aludi no título deste despretensioso artigo: é evidente que o mundo em que estamos vivendo neste início do século XXI está submerso na segunda realidade. A sociedade está doente espiritualmente, o relativismo moral aboliu o pneuma, as ideologias desfiguraram a noese da boa fenomenologia e parece que cada homem, com raríssimas exceções, pensa – ou pensa que pensa,

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já que não lhe ensinaram a pensar por conta própria – como todos os demais. Como dizem os bandidos que infestam o Rio de Janeiro, “está tudo dominado”... O livro de Voegelin mostra claramente como tal estado de estupidificação proporcionou a ascensão de Hitler ao poder e os enormes crimes contra a humanidade, cometidos pelos nacional-socialistas, com a complacência da sociedade alemã. Com o comunismo, não foi diferente. Gramsci, que era um homem culto, moldou uma segunda realidade e ensinou como deveria ser espalhada pelo mundo inteiro. Assim, há uma enorme massa de “gramscianos honestamente compactos” que nem sabem quem foi Il Gobbo.

No Brasil, a segunda realidade está confortável e democraticamente instalada nos três poderes, sem que as massas sequer desconfiem do que está acontecendo. Cabe aos que se recusam a se deixarem massificar, aos que pensam por conta própria e, conseqüentemente, enxergam mais à frente, dar o sinal de alerta. No artigo do mês anterior, apontei diversos perigos às liberdades individuais que pairam sobre a sociedade brasileira. Quem quiser refletir sobre isto, que o faça. Não podemos nos deixar lançar, como porcos em desabalada carreira, ao abismo. E – pior – sem perceber que há mentes pneumopáticas ocupando postos importantes ou assessorando “intelectualmente” os que ocupam esses postos, que vivem plenamente na segunda realidade e que passam as suas horas, devidamente pagos pelos contribuintes, pensando em lançar o Brasil no abismo.

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 76 – Julho de 2008---------------------------------------------------------

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AS AMEAÇAS À NOSSA LIBERDADE

Ubiratan Iorio

Este artigo é uma extensão da palestra A Realidade Política Brasileira: uma Proposta Liberal-Democrática para a Reversão da Crise, proferida em 13 de junho último, no Rio de Janeiro, sob os auspícios do promissor Farol da Democracia (www.faroldademocracia.org), ao lado de outros apresentadores, como o Gen. Sérgio A. A. Coutinho, o Dr. Heitor De Paola e o Dr. Jorge Roberto Pereira, ilustres e respeitáveis brasileiros que, a exemplo de muitos outros, preocupam-se com os rumos políticos que nosso país vem seguindo.

Parece incontestável que a liberdade dos cidadãos brasileiros vem sendo progressivamente tungada, sob as barbas de todos e com a conivência da mídia, da universidade, dos chamados “meios culturais” e de setores da própria Igreja Católica, assustadoramente descomprometidos com o magistério do Papa. Tal fato, embora inquestionável, parece ser, para muitos, ainda imperceptível. Para entendermos a gravidade da situação, precisamos perceber o quanto estamos nos afastando progressivamente dos parâmetros que definem uma sociedade verdadeiramente livre - ou, para seguirmos a nomenclatura de Hayek, de uma sociedade de homens livres -, norteada por quatro princípios (dignidade da pessoa humana, bem comum, solidariedade e subsidiariedade), três valores (verdade, liberdade e justiça) e três instituições (Estado de Direito, economia de mercado e democracia representativa).

Os princípios são gerais e basilares à realidade social no seu conjunto: das relações entre os indivíduos àquelas que se desenvolvem nas ações políticas, econômicas e jurídicas, bem como às que dizem respeito às inter-

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relações dos organismos intermediários entre os indivíduos e o Estado e aos intercâmbios entre os diferentes povos e nações. São imutáveis no tempo e possuem um significado universal, o que os qualifica como parâmetros ideais de referência para a análise e a interpretação dos fenômenos sociais. Devemos analisar suas unidades, conexões e ligações, cada um deles requerendo a presença dos outros três. Possuem um profundo significado moral, por nos remeterem aos próprios elementos ordenadores da vida em sociedade.

Os valores, por sua vez, são inerentes ao princípio da dignidade da pessoa humana, da qual representam o que em economia chamamos de “variável instrumental”.

Quanto às instituições apesar de terem experimentado avanços e se tornado consensuais no mundo ocidental a partir do final dos anos 80, alguns países, em especial algumas repúblicas da América Latina, as vêm maculando, como a Venezuela, a Bolívia e o Equador. O governo brasileiro, apesar de jurar respeitá-las de pés juntos, periodicamente desdiz-se, especialmente na área das relações internacionais, através de nosso Ministério das Relações Exteriores, cujos atuais responsáveis parecem crer piamente nos dois “teoremas” acima mencionados.

Ora, todos esses dez pressupostos garantidores de

nossa liberdade estão, parcialmente ou em sua totalidade, sendo tisnados na sociedade brasileira, como, de resto, no mundo ocidental inteiro. Isto não vem acontecendo por acaso, pois é fruto da aplicação, por parte da esquerda - com bastante competência, digamos de passagem - das idéias da Escola de Frankfurt (grupo de filósofos e cientistas sociais de tendências marxistas, que se manifestaram a partir do final dos anos 1920 e associados diretamente à chamada Teoria Crítica da Sociedade, que criaram, entre outros, os conceitos de indústria cultural e cultura de massa). E, obviamente, das recomendações de Antonio Gramsci, Il Gobbo, com o objetivo de minar por dentro tudo o que disser respeito à tradição, à religião e a qualquer valor, princípio e instituição que dificulte ou impeça a execução de sua “revolução cultural” com vistas a implantar o socialismo em todo o mundo.

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Destaco, para efeitos didáticos, seis áreas em que as agressões à liberdade vêm se expressando flagrantemente, ressaltando que as evidências apontadas em todas elas não estão desconectadas; pelo contrário, estão perfeitamente integradas e refletem a ocupação de todos os espaços por parte dos revolucionários culturais que pretendem transformar o nosso país – e, muito mais, o próprio mundo - em uma sociedade marxista. As seis áreas mencionadas são a Filosofia Política, a Política, o Direito, a Cultura, a Religião e a Economia.

Não é necessário comentar extensamente cada um dos fatos abaixo mencionados (o que, a rigor, ocuparia o espaço de um livro). Solicito apenas ao leitor que reflita sobre como cada um deles contribui para restringir a sua liberdade, seja política, de produzir, de trabalhar, de consciência, de opinar, de “ir e vir”, de pensar por conta própria, de viver a sua vida, enfim.

As Ameaças à Liberdade no Brasil de 2008

1. Na Filosofia Política

(a) Os dois “teoremas do atraso”: (1º): “João é pobre porque Pedro é rico” e (2º):

“O somatório das pobrezas é igual à riqueza”, são martelados insistentemente nas

mentes desde a mais tenra infância. Duas falácias facilmente refutáveis, mas que

adquiriram ares de truísmos incontestáveis, graças ao vezo bastante usado pela

esquerda revolucionária, de repetir ad nauseam mentiras, até que se transformem,

por exaustão, em verdades inquestionáveis!

(b) O Foro de São Paulo que, desde sua fundação em 1990, propôs-se exatamente a

inocular na sociedade o veneno socialista, com a cumplicidade de praticamente

toda a mídia e contando com a omissão e a covardia de uns poucos que, mesmo

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sabendo de sua existência e conhecendo os seus perigos, preferem calar-se.

2. Na Política

(a) Não há partidos de “direita” e, muito menos, liberais democráticos no Brasil;

(b) Não existem partidos programáticos de fato; a grande massa de eleitores não vota em idéias, mas em pessoas;

(c) A representatividade política deixa muito a desejar;

(d) Existe excessiva centralização de poder (ausência de subsidiariedade;

(e) Os dois principais partidos, PSDB e PT, são de esquerda e os demais, ou fisiológicos ou de um radicalismo risível;

(f) A direita tem vergonha de assumir-se como direita;

(g) Campeiam o populismo, o fisiologismo e a corrupção;

(h) A idéia de um terceiro mandato para o presidente não é mera lengalenga nem simples bajulação; integra um projeto de manutenção no poder.

3. No Direito

(a) Desrespeitos freqüentes e organizados aos direitos de propriedade, muitas vezes financiados pelo próprio Estado, justamente quem estaria obrigado a zelar por eles (o MST, por exemplo, principal instrumento dos ditos “movimentos sociais”, é totalmente financiado por impostos captados por determinadas ONGs);

(b) Entre 2002 e 2007, como relatou Ives Gandra Martins em recente artigo no Jornal

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do Brasil, houve, segundo a UNESP, 4008 invasões de fazendas, todas

absolutamente inadmissíveis em uma sociedade de cidadãos livres, até porque

as culturas agrícolas (temporárias e permanentes), somadas às florestas

plantadas, ocupam 77 milhões de hectares, correspondentes a 9% do território

brasileiro, enquanto os assentados ocupam os mesmos 77 milhões de hectares,

dados por si suficientes para derrubar o argumento comumente usado pelos

líderes do MST, de que não existiria uma “política agrária”. Nos governos

FHC e Lula, os autodenominados “sem terras” ganharam de mão-beijada uma

extensão de terras equivalente à de todas as plantações temporárias,

permanentes e de florestas existentes no país;

(c) Os índios, que representam cerca de 0,25% de toda a população brasileira,

receberam 107 milhões de hectares do governo federal, o que significa que se

destinou a eles uma área 39% maior do que a de todas as áreas de cultura

agrícola do Brasil; (d) Nenhum cidadão brasileiro pode entrar nos territórios destinados às tribos –

que a ditadura “politicamente correta” denomina, errada porém solertemente, de

“nações” – sem que obtenha autorização, válida apenas por poucas horas, de um

funcionário da Funai;

(e) Portanto, o tão decantado “direito de ir e vir” livremente só é válido em pouco

mais de 85% do território nacional, já que cerca de 15% do total do território

do país pertence à Funai e às “nações” indígenas, e não a todos os cidadãos;

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(f) Os índios ianomanis pretendem propor à ONU que uma parte de terras

brasileiras e venezuelanas – pródiga em reservas de urânio – lhes sejam

destinadas, para que formem um novo país;

(g) O Brasil deu o seu aval à Declaração da ONU – hoje, como todos sabem, um gru-

po de esquerda que se propõe a estabelecer algo como um “governo mundial” – ga-

rantindo a autonomia e a independência das nações indígenas e estabelecendo que

a sua preservação é de responsabilidade internacional (naturalmente, os países

que não contam com índios em suas populações firmaram a referida declaração,

mas, entre os que contam, como Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia, entre

outros, apenas o Brasil a assinou);

(h) Os chamados “quilombolas” seguem a mesma política de fragmentação do terri-

tório nacional, com inúmeros casos de enormes extensões de terras lhes sendo

presenteadas, sob o pretexto de que ali seus ancestrais teriam vivido. Como

bem observou Heitor De Paola na mencionada palestra no Farol da Democracia,

a Constituição Federal atribui o direito de propriedade definitiva aos

remanescentes das comunidades de quilombos, grupos formados por escravos

foragidos, que estejam ocupando suas terras, mas a interpretação que vem sendo

aplicada é a que designa a situação de todos os segmentos afro-descendentes.

O Decreto 4.887/03 estabelece que, para a medição e demarcação das terras,

devem ser levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos

remanescentes das comunidades dos quilombolas, mas, na prática, a Fundação

Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, pode reconhecer como quilombola

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qualquer comunidade afro-descendente, mesmo que ainda não esteja ocupando as

terras que pretende ocupar, o que inclui até cidades que se encontram dentro

dos limites assim estabelecidos;

(i) Nossa Constituição é de prerrogativas (e não de provisões) e a Lei de Responsa- bilidade Fiscal, um importante avanço conseguido no governo anterior, é constantemente descumprida;

(j) Politização flagrante do Judiciário, como demonstra, por exemplo, a recente discussão no Supremo sobre as pesquisas com células tronco, em que a ênfase foi sobre a falsa dicotomia entre fé e razão, quando na verdade trata-se de

um embuste pretensamente científico;

(l) Prevalência do direito positivo sobre o direito negativo (fato antigo entre nós);

(m) Tolerância inaceitável para com a violência, sob o falso manto de“legitimidade” proporcionado pela doutrina do “direito relativo” ou “alternativo” e sob a proteção de ONGs comprometidas até os cabelos com o movimento socialista

internacional;

(n) Em conseqüência, os cidadãos das grandes cidades vivem dentro de grades e permanentemente ameaçados em seu direito de ir e vir; os produtores rurais, ininterruptamente ameaçados por invasões dos “movimentos sociais” e, nas favelas – agora denominadas pela ditadura politicamente correta de “comuni- dades” – prevalece o poder paralelo, seja dos traficantes, seja das milícias;

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(o) Tentativas freqüentes de enfraquecimento e desmoralização de nossas Forças Armadas, sempre sob o argumento rancoroso de que foram responsáveis pelos “anos de chumbo”, acompanhadas, obviamente, de silêncio sepulcral sobre os 50 anos de chumbo – grosso! - que se observam em Cuba;

4.Na Cultura

(a) Promiscuidade entre poder público e mídia, seja por razões de dependência financeira da segunda em relação ao primeiro, seja por pura ideologia engajada de editores e repórteres militantes;

(b) Nas universidades públicas, “está tudo dominado”: quem não é marxista é

considerado quase que um extraterrestre e perseguido e patrulhado de várias formas;

(c) Seguindo o conceito dialético de luta de classes e as recomendações de Gramsci, estimulam-se todas as práticas desagregadoras da verdadeira solidariedade e do patriotismo, jogando- se negros contra brancos, homens contra mulheres, brancos e negros contra índios, heterossexuais contra homosexuais, “ricos” contra “pobres”, patrões contra funcionários e assim por diante;

(d) Pesado bombardeio na mídia, sob a tacão do “politicamente correto”, contra as

tradições culturais que forjaram a identidade nacional desde o Descobrimento;

(e) Censura (velada e não velada) à pluralidade de pensamento;

(f) O governo, em 2003, tentou criar o CNJ e a Ancinav e fundou neste ano uma TV estatal, um claro elemento de propaganda, típico dos regimes populistas e

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ditatoriais, de esquerda e de direita;

5. Na Religião

(a) O relativismo moral ataca toda e qualquer tradição religiosa (especialmente o catolicismo), sob o falso argumento do “Estado laico” (ser laico não é ser imoral nem amoral);

(b) Infelizmente, setores minoritários (porém barulhentos) da própria Igreja

contribuem para isto, especialmente no campo, ao adotarem, por uma mistura de má

fé com ignorância econômica em alguns casos e por pura má fé em outros, posturas

incompatíveis com a doutrina católica e o magistério da Doutrina Social da

Igreja, que deturpam abertamente, como os marxistas da “teologia” da

libertação, que se infiltraram na Igreja para tentar destruí-la por dentro;

(c) Confusão proposital entre “progressismo” e relativismo moral (por exemplo, ser

contra o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo e defender a sacralidade do ca- samento é ser “medieval”, “obscurantista” ou “conservador radical”; defender po- sições opostas a essas é ser “progressista”);

6. Na Economia

(a) Dificuldades para a abertura e para o fechamento de empresas (152 dias em média para obter-se autorização para abrir um negócio e 10 anos em média para fechar);

(b) Legislação trabalhista anacrônica e encargos excessivos. E o governo, por pressão de seus aliados “trabalhistas”, pretende impor restrições à demissão de empregados nas empresas privadas;

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(c) Enorme burocracia, que prejudica os negócios e inibe o empreendedorismo. O Brasil ocupa a 122ª posição no ranking geral de facilidade em realizar negócios;

(d) O chamado “tributo burocrático” também é impressionante: de acordo com o Banco Mundial, são 2.600 horas anuais gastas, em média, pelos empresários nacionais, contra 350 nos Estados Unidos e 105 na Alemanha;

(e) Elevadíssima carga tributária, combinada com forte expansão e má qualidade dos gastos públicos: as despesas correntes do governo federal saltaram de R$ 339 bilhões (2002) para 657 bilhões (2007), um crescimento de 94%, enquanto o crescimento nominal do PIB no mesmo período foi de 73%. A receita corrente teve expansão nominal superior à do PIB (92%), porém inferior ao crescimento das despesas;

(f) A carga tributária em 2002 era 32,65% do PIB e hoje é de 37% do PIB (pela metodologia anterior de cálculo do PIB, é de 39,9%). Nos primeiros meses de 2008, a arrecadação federal vem batendo recordes, mesmo com o fim da CPMF. Isto quer dizer que trabalhamos 147 dias de graça para o governo, ou seja, os brasileiros, em média, só começam a ganhar dinheiro para eles próprios no dia 27 de maio de cada ano;

(g) Se somarmos à carga tributária os auto-serviços (gastos com saúde, educação, previdência privada, etc.), a relação sobe algo entre 10 % e 15% do PIB e, se adicionarmos a “carga legal” (a que decorre da lei mas não é recolhida por fatores como inadimplência, sonegação e corrupção), chega-se a um acréscimo de cerca de 15%, no mínimo, à carga real. Nesse caso, trabalhamos até a segunda quinzena de agosto de cada ano! Logo, a carga legal aprovada pelo Legislativo está entre 65% e 70% do PIB!

(h) Estapafúrdia complexidade do sistema tributário e distorções dos tributos indiretos, cumulatividade, aberrações relacionadas à tributação interestadual do ICMS, tributação excessiva sobre a folha de pagamentos

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e custo elevado sobre as empresas: só o ICMS possui 27 legislações, com mais de 40 alíquotas diferentes;

(i) Entra governo e sai governo, desse ou daquele partido, a situação não muda: de acordo com o IBPT, no governo Collor a referida carga subiu 3,2 pontos percentuais; no de Itamar, também 3,2; nos oito anos de Fernando Henrique, 4,0 e no governo Lula, até o final de 2007, aumentou 3,4. Desde a promulgação da “Constituição dos Miseráveis” de 1988, cresceu 16,0 pontos percentuais, o que corresponde a um aumento de 80%, somente comparável aos da miséria e da pobreza;

(j) De acordo com os especialistas do IBPT, um brasileiro que nasce em 2008, com expectativa de vida de 72,3 anos, está condenado a 29,3 anos de trabalhos forçados apenas para pagar tributos;

(k) Baixo nível de investimentos em infra-estrutura e limitações de oferta de geração e distribuição de energia. Entre 2005 e 2006 o tempo médio de espera de navios para atracar em portos aumentou 78% e é de 18 dias o tempo médio de demora de exportação do produto brasileiro em contêineres, saindo do Porto de Santos. (Em Hong Kong, a média é de 5 dias);

(l) Houve forte elevação dos preços da energia, mas, por opção ideológica e fidelidade aos ditames do Foro de São Paulo, o país mantém-se vulnerável ao fornecimento de gás da Bolívia;

(m) Por fim, cabe mencionar a extrema estatização da economia, não apenas pela existência dos gigantes federais (Petrobras, BB, CEF, BNDES, ECT), mas também pelo excessivo número de empresas pertencentes aos governos estaduais e municipais e pelo fato de que mais de 60% de nosso PIB está ligado ao Estado. Em suma, simplesmente não existe economia de mercado no Brasil!

Diante de todos esses fatos, será que alguém ainda pode afirmar que nossa liberdade e a soberania do território nacional não estão sofrendo ameaças internas e externas?

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Quando o sistema ético-moral – que deve sustentar as ações econômicas e políticas – está contaminado, é evidente que o mal se espalha por toda a sociedade. O que causa grande preocupação é que, em decorrência de décadas de competente bombardeio contra os edifícios morais, esse mal acabou se transformando, para a maioria dos cidadãos, em fato natural, fruto da “modernidade”.

O contraveneno para esse lamentável estado de coisas é um só e está resumido magnificamente na frase de Charles Péguy, pensador católico falecido em 1914, que afirmou que “a revolução, ou será moral, ou não será revolução”!

Por isso, o resgate da tradição e dos valores morais transmitidos por sucessivas gerações é tarefa obrigatória de toda e qualquer pessoa de bem no mundo de hoje. O país que os cidadãos retos realmente desejam deve começar por aí!

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 75 – Junho de 2008---------------------------------------------------------

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AS HIENAS, O LEÃO E OS CONTRIBUINTES

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Ubiratan Iorio

Começo a redigir este artigo, por coincidência, no dia 28 de maio. Nós, brasileiros, trabalhamos até ontem para pagar os impostos, taxas e contribuições que integram nosso endoidante e escorchante sistema tributário – o manicômio fiscal brasileiro, a que se referia sempre o saudoso Roberto Campos. Para alguns, 28 de maio seria algo como o “Dia Nacional de Libertação do Contribuinte”, indicando que a partir de hoje é que começamos a trabalhar para nós e nossas famílias. Mas, infelizmente, não é bem assim, pois, além dos tributos, somos praticamente forçados a arcar com despesas que seriam dispensáveis caso o Estado nos fornecesse bons serviços públicos, tais como as que incorremos com saúde, educação, previdência e segurança privadas.

O contribuinte brasileiro – este pobre coitado, desamparado e humilhado, explorado e ultrajado, mas, mesmo assim, inteiramente sem brios – vive sem ter a mínima noção dos ataques traiçoeiros das hienas que formulam nossas leis tributárias, criadoras de um verdadeiro manicômio com cerca de uma centena de tributos, e das investidas, não menos pérfidas, do leão, como é conhecida a nossa Secretaria da Receita Federal.

A hiena é um animal de nefanda reputação, a ponto de os antigos suporem que suas gargalhadas noturnas eram as de homens armando arapucas mortais para os passantes; que se sua sombra se projetasse sobre um cachorro, este ficaria mudo e paralisado; e que representava a encarnação de espíritos de feiticeiros. Um bicho sem qualquer atrativo, horrendo, furtivo, de pêlo castanho-sujo, andar manquejante, grito áspero, cheiro insuportável e devorador de todos os corpos que encontra no caminho. Um eficiente caçador, especialmente de contribuintes...

E o leão, desde tempos imemoriais, sempre faz questão da sua parte. A expressão “parte do leão” - a maior de todas -, tem origem na fábula de Esopo: “Um dia, o leão, o asno e o lobo decidiram sair juntos para caçar. Ficou

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combinado que qualquer coisa que eles obtivessem seria dividida entre os três. Depois de matar um cervo de bom tamanho, eles resolveram fazer uma grande refeição. O leão pediu ao asno que repartisse a carne. O asno dividiu a comida em três partes iguais e convidou os amigos a servirem-se. Mas o leão, indignado, atacou o asno, reduzindo-o a pedaços. Em seguida, voltando-se para o lobo, o rei dos animais pediu gentilmente que ele fizesse a divisão em duas partes. O lobo juntou todo o alimento em uma única grande pilha, deixando de lado apenas uma minúscula parcela para si mesmo”.

“Ah, meu amigo”, disse o leão, “como você aprendeu a dividir as coisas de maneira tão justa?”

“Foi fácil! Bastou que eu visse o destino do nosso amigo asno, explicou o lobo.”

Uma lição da fábula acima é que não se deve confiar demasiadamente no sentido de justiça dos poderosos. Essa história de Esopo, como observou em e-mail recente o meu amigo Prof. Francisco Lacombe, pode ter dado origem e inspiração à imagem do leão como símbolo da Receita Federal. Vem dela a expressão “a parte do leão”.

Nada contra os funcionários da Receita, pois, afinal, só fazem o seu trabalho – e bem, diga-se de passagem. O que indigna é a cara-de-pau com que os políticos inventam motivos para extrair cada vez mais recursos de cidadãos e empresas – como na atual tentativa do governo lulista de ressuscitar a CPMF -, sem a menor preocupação quanto à qualidade dos serviços públicos.

A carga tributária, de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, pela nova metodologia de cálculo do nosso produto, está em 35,1 % do PIB, mas, pela anterior, já atingiria 39,9 %! Entra governo e sai governo, desse ou daquele partido, a situação não muda: ainda de acordo com o IBPT, no governo Collor a referida carga subiu 3,2 pontos percentuais; no de Itamar, também 3,2; nos oito anos de Fernando Henrique, 4,0 e no governo Lula, até o final de 2007, aumentou 3,4. Desde a promulgação da Constituição dos Miseráveis de 1988, cresceu 16,0 pontos percentuais, o que corresponde a um aumento de

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80%, somente comparável aos da miséria e da pobreza... Sempre de acordo com os especialistas do IBPT, um brasileiro que nasce em 2008, com expectativa de vida de 72,3 anos, está condenado a 29,3 anos de trabalhos forçados apenas para pagar tributos. Os ônus incidentes sobre a renda, o patrimônio e o consumo já requerem, em média, 148 dias de esforço por ano do cidadão, o que significa que trabalharemos até amanhã – 27 de maio – apenas para alimentar, mesmo vivos, o hienídeo devorador de orçamentos. Se somarmos a isto, como escrevemos acima, o que gastamos com saúde, educação, previdência e segurança privadas por não confiarmos, com justa razão, nos serviços públicos e mais os custos decorrentes da corrupção e da burocracia, veremos que trabalhamos anualmente até meados de agosto para sustentar o carnívoro fissípede e digitígrado! Portanto, o “Dia Nacional de Libertação do Contribuinte”, a rigor, acontece por volta de 20 de agosto de cada ano...

Nos estados e municípios a tragédia é semelhante: em 2007, em valores e taxas nominais, os tributos federais cresceram R$ 80,2 bilhões (14,1%), os estaduais R$ 21,5 bilhões (10,1%) e os municipais R$ 3,6 bilhões (10,3%).

Se estas formulam as leis que nos asfixiam, o leão cobra a conta, e com uma eficiência extraordinária. Temos uma carga tributária superior à do primeiro mundo, um órgão arrecadador de primeiro mundo e serviços públicos abaixo do terceiro mundo.

Sugiro que visitem sempre o site do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (www.ibpt.com.br). É ótimo para despertar a consciência cívica de quem tem, pelo menos, um pingo de vergonha na cara e pretende exercitar sua condição de dignidade humana. Reúno abaixo algumas informações que busquei no referido website, pedindo a todos que as divulguem à exaustão, para o bem dos cidadãos explorados dêfti paîf...

1. DIA DAS MÃES - Na hora de escolher o presente para as mães, os brasileiros chegam a pagar de imposto até 70% pelos os perfumes e 37% por roupas e sapatos. Se você presentear sua mãe ou esposa com flores, pagará mais de 20% de seu valor em tributos. É o Estado-mãezinha...

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2. PÁSCOA - o ovo de Páscoa tem uma carga de 40% do preço e os bombons ela atinge 39%. É o Estado-pascal...

3. DIA DAS CRIANÇAS - os impostos embutidos nos brinquedos chegam a mais da metade de seu valor. É o Estado-brincalhão...

4. FÉRIAS - nas passagens aéreas, há 23,5% de impostos incorporados na tarifa; nas diárias de hotéis, o peso ultrapassa 30%e, nas refeições, é de 33,5%. É o Estado-relaxante...

5. DIA DOS PAIS – se meus filhos me presenteiam com um CD, por exemplo, os impostos chegam a 47%; com um celular, 41%; com uma pasta de couro, 42,7%; e, com um perfume importado, 71%. É o Estado-“paizão”...

6. CAFÉ DA MANHÃ - O brasileiro, quando acorda, já está, sem saber, pagando tributos: 20% de impostos; no pãozinho; 37% na manteiga; 27% no cafezinho; 40% no açúcar; e, no leite, perto de 33%. É o Estado-madrugador...

7. DIA DOS NAMORADOS – você pode nem desconfiar, mas o Estado é seu namorado (a): roupas, 37%; perfumes, 71% (importado) e 60% (nacional); eletroeletrônicos, de 38% a 57%. É o Estado-apaixonado...

8.BEBIDAS - cerveja: 56% de impostos; refrigerante: 47%; copo de suco: 37,8%; cachaça: 83%. É o Estado-saúde!...

9. FAXINA - Para limpar a casa, você paga 38% de

impostos nos desinfetantes; quase 38% na água sanitária; mais de 42% no sabão em pó; mais de 43% no álcool; 40% nos detergentes, saponáceos e sabões em barras; e 43% nos amaciantes. É o Estado-faxineiro...

10. ELETRODOMÉSTICOS - Os impostos representam 44% do preço de cada eletrodoméstico e 57% do preço de um forno microondas. É o Estado-hy tech...

11. MACARRONADA – quando a mamma compra massas para fazer uma bela macarronada, paga mais de 30% de tributos;

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no molho de tomate, 36% e, se usar azeite, mais 37%. É o Estado-pastasciutta...

12. CARRO POPULAR - Nos carros ditos populares, o peso dos impostos é de 39,3% do preço final (para um veículo que custe, digamos, 30 mil reais, você paga quase de 12 mil reais de tributos); nos veículos acima de mil cilindradas, a tributação chega a 43,6% do preço. É o Estado-motorizado... 13. TOMANDO BANHO – ao entrar no box de seu banheiro para tomar banho,o Estado entra com você: os impostos passam de 52% no xampu, 42% no sabonete, 47% no desodorante e 29% na água. É o Estado-higiênico...

14. CASA POPULAR - o peso dos impostos corresponde a quase 50% do preço final de uma casa dita “popular”. Até o material básico tem tributos pesados: 35% nas telhas, 34% nos tijolos, 44% nos vasos sanitários; 45% nas tintas. É o Estado-puxadinho...

15. CONTA DE LUZ - de cada R$ 100 da sua conta de luz, 35% correspondem a impostos. Com os tributos indiretos cobrados das empresas ao setor, a carga chega a 45,8%. É o Estado-aceso...

16. EDUCAÇÃO - Os impostos representam quase metade dos preços dos materiais escolares. No caderno universitário, representam mais de 36% do preço; na agenda, na régua, na cola, na caneta e no apontador os tributos correspondem a quase 45% do custo final. É o Estado-CDF...

Estes revoltantes e aterrorizantes exemplos, extraídos - como vimos - diretamente do site do IBPT, são mais do que suficientes para caracterizar um crime: nós, contribuintes, somos explorados vilmente pelo Estado. E, infelizmente, também, para configurar a nossa omissão e passividade.

Por isto e muito mais, a proposta de volta da CPMF é - para usarmos um termo leve - imoral! A remição de sua dignidade ultrajada impõe aos cidadãos que pressionem os congressistas a não aprovarem mais uma dentre tantas indecências! E exige também um movimento cívico pela redução da carga tributária, pelo enxugamento do Estado e

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por políticas de gestão de recursos públicos absolutamente transparentes.

Xô, hienas! Fora, Leão! Acordai, contribuintes adormecidos!

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 74 – Maio de 2008---------------------------------------------------------

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INVESTMENT GRADE: APENAS UM PASSO

Ubiratan Iorio

A agência de classificação de riscos Standard & Poor´s

elevou o Brasil à categoria de investment grade, sinalizando que o país reúne condições gerais – a saber, monetárias, fiscais, cambiais e institucionais – que o capacitam a receber fluxos de investimentos externos. É, sem dúvida, uma boa notícia, mas o governo brasileiro, especialmente o Banco Central, terá que continuar trabalhando duro para que as expectativas de maiores entradas de capitais de prazos mais longos e maiores tomadas de risco se transformem em realidade sem que haja deterioração nos principais indicadores econômicos.

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Já era mais do que tempo. Afinal, dos países que formam o bloco dos Brics – Brasil, Rússia, Índia e China -, fomos os últimos a receber a “promoção”, com a nota “BBB-”, abaixo da China (A) e Rússia (“BBB+”) e ao lado da Índia (também “BBB-”). A classificação geral da Standard & Poor´s, que forma com a Moody´s e a Fitch o trio de agências internacionais mais importantes, contudo, revela que ainda temos um longo caminho a percorrer, até atingirmos o conceito máximo (“AAA”), atribuído a países absolutamente seguros para investir. Vejamos a classificação geral da S&P, em ordem decrescente, isto é, dos países mais seguros, passando pelos qualificados como especulativos e até atingir os que são considerados na eminência de um calote por inadimplência:

(1)“grau de investimento”: “AAA” – Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e Canadá; “AA+” – Bélgica e Nova Zelândia; “AA” – Japão e Hong Konk; “AA-” – Portugal e Arábia Saudita; “A+” – Itália e Chile; “A” – China e Botswana; “A-” – Polônia e Malásia; “BBB+) – África do Sul, México e Hungria; “BBB” – Tunísia e Croácia; “BBB-” – Brasil, Índia, Cazaquistão e Romênia.

(2) “grau especulativo”: (“B+”) – Argentina; (“B-”) Bolívia; (“BB+”) – Peru e Colômbia; (“BB-”) - Venezuela, Turquia e Ucrânia e (“CCC+”) – Líbano.

São inegáveis os benefícios da reclassificação, que nos transportou de um incômodo “BB+” para o “BBB-”, mas há ainda, como ressaltamos acima, muitas tarefas a serem executadas, até que venhamos a atingir – sonhar não é proibido – o grau “AAA”.

É inegável que a economia brasileira possui hoje indicadores superiores aos de sete ou oito anos atrás, e a melhoria deve ser atribuída, primeiro, às mudanças efetuadas no início de 1999, quando o Banco Central abandonou o sistema de bandas cambiais e optou pelo sistema de metas de inflação, que pressupõe flexibilidade cambial e segundo, à manutenção desse sistema a partir de 2003, com a substituição de Fernando Henrique por Lula na Presidência do país e, no Banco Central, com a troca de Armínio Fraga por Henrique Meirelles. Colhe hoje o governo, sem dúvida, o fruto das sementes lançadas no segundo mandato do governo anterior. Mais uma vez, fica patente que os efeitos

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benéficos de uma política monetária rígida não são imediatos, pois seus mecanismos de transmissão exigem tempo para que possam efetivamente ocorrer.

O mérito do presidente Lula – de quem tenho sido bastante crítico em relação a aspectos políticos e ideológicos – foi, sem dúvida, o de manter as práticas de seu antecessor– bendita herança –, especialmente as políticas monetária e cambial e de não tolerar a inflação. Tem seguido também a boa praxe de buscar superávits primários nas contas públicas, mas, tal como FHC, muito mais mediante aumentos na carga tributária do que em cortes de gastos públicos supérfluos. Isto significa que, mesmo com a reclassificação positiva da S&P – que deverá ser seguida pelas outras agências de risco – temos que efetuar melhorias qualitativas no chamado ajuste fiscal, porque a combinação de crescimento de impostos com crescimento de gastos públicos de custeio pode segurar as contas do Estado no curto prazo, mas, fatalmente, cobrará um alto preço no longo prazo, em termos de maiores necessidades de financiamento do setor público.

O up grade para a condição de economia de grau de investimento trará certamente benefícios, que serão tanto maiores quanto mais o país conseguir avançar nas reformas do Estado, como a tributária, a previdenciária, a trabalhista, a desregulamentação e a desburocratização, bem como melhorar as condições de infra-estrutura, que estão péssimas há algum tempo e vêm se deteriorando.

Não me alinho entre os que temem maior valorização do real – geralmente os porta-vozes de nosso setor exportador - em decorrência da reclassificação, pela simples razão de que o regime cambial brasileiro é de “flutuação suja” que, por definição, pressupõe que nossa moeda possa valorizar-se ou desvalorizar-se. Nesse tipo de regime, quando a moeda nacional se valoriza, as importações costumam crescer e as exportações costumam declinar, o que, depois de algum tempo, coloca as coisas no devido lugar em termos de balanço de transações correntes. Se o Banco Central continuar executando o bom trabalho que vem desenvolvendo e – aí reside a dúvida – o governo conseguir finalmente entender que é necessário cortar seus gastos de custeio, a maior entrada de capitais não provocará inflação e nossa

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taxa básica de juros poderá vir a ser reduzida sem traumas, desanuviando o gargalo da dívida interna. Em outras palavras, não correremos riscos de ultrapassagem da meta de inflação para 2008 e tampouco de recessão.

Ademais, o investment grade tenderá a reduzir os

movimentos especulativos do chamado hot money - capital de curto prazo que tem pressa de entrar e sair -, e nosso país será um destino natural para capitais de investidores externos com maiores perfis de tomadas de risco, como os fundos de capitais do tipo private equity e venture capital. Se conseguirmos aprimorar o ambiente regulatório, reduzir a burocracia e avançar nas demais reformas, os investidores estrangeiros poderão sentir-se mais atraídos ainda em relação à nossa economia e isto será, naturalmente, auspicioso para o seu crescimento. Contudo, mantenho ceticismo quanto a isto, porque, se o presidente Lula, de um lado, mostrou-se pragmático desde o início em relação à moeda, aos juros, ao câmbio e às metas de inflação, de outro, infelizmente, continua ligado e sustentado politicamente por setores que sempre o acompanharam desde os tempos de sindicalista, para os quais a necessidade dessas reformas não passa de “políticas neoliberais” voltadas para aumentar o lucro dos banqueiros e de queimar o “patrimônio público”. Eis o dilema em que se debate desde que assumiu a presidência do país, em janeiro de 2003 e que, por seu temperamento com os velhos amigos – que vai da conciliação à tolerância - e pela necessidade de votos, não abandonará.

Se os gastos públicos continuarem a subir na eminência das eleições e as reformas do Estado não andarem, a boa nova do investment grade poderá acarretar problemas: entrarão mais capitais, mas a desvalorização do dólar decorrente não poderá ser acompanhada por quedas na taxa Selic (que precisará aumentar), fazendo a relação dívida interna/PIB voltar a subir (nos últimos doze meses, ela caiu de 44% para 41%) e o crescimento da economia ser amortecido. Caso o Banco Central seja forçado politicamente a reduzir aquela taxa e pressionado pelo setor exportador e por economistas heterodoxos a desvalorizar o real, a inflação poderá tornar-se um problema e teremos deixado de aproveitar a janela de oportunidade que o investment grade

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está nos abrindo para que entremos de fato em um círculo virtuoso de crescimento.

Em suma, em princípio a notícia é boa, mas o governo não deve limitar-se a festejá-la e a colher dividendos políticos com sua divulgação. Precisará trabalhar forte, especialmente em relação a cortar os seus gastos e a avançar nas reformas.

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 73 – Abril de 2008---------------------------------------------------------

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A CRISE AMERICANA, BLINDAGENS E BANDAGENS

Ubiratan Iorio

A economia dos Estados Unidos entrou em parafuso, o que tem suscitado três importantes questões que economistas de diversas tendências vêm procurando decifrar. Quais as causas, a intensidade e a durabilidade da crise? Em que medida afetará o mundo e, em especial, os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China)? Que medidas – blindagens - o governo brasileiro deve adotar para, pelo menos, minimizar os seus efeitos?

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Quanto às causas, intensidade e durabilidade dos problemas da economia americana, a cautela e a humildade nos sugerem que, por se tratar de uma crise nova, ainda não há elementos para um diagnóstico infalível e, portanto, para uma terapia com resultados garantidos. Contudo, ao mesmo tempo em que afirmo tratar-se de uma crise estrutural, ligada a aspectos institucionais, suspeito – e não me atrevo a ir além de uma simples suposição - que a crise americana seja o resultado de políticas de taxas de juros artificialmente baixas, praticadas pelo Fed durante anos a fio.

A chamada Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos - desconhecida por 999 em cada 1000 economistas -, esboçada por Mises em 1912, desenvolvida por Hayek nos anos 30 e modernizada e refinada por Roger Garrison a partir dos anos 90, nos ensina que, quando os bancos centrais fixam a taxa de juros em níveis artificialmente baixos (como fez o Japão nos anos 80 e os Estados Unidos nos anos 90 e na década atual), há um efeito inicial positivo sobre a atividade econômica, caracterizado por um “boom” nas indústrias de bens de capital. Com o tempo, a renda gerada nesses setores é gasta em bens de consumo (aumenta a relação consumo/poupança, pois a expansão monetária introduz uma divergência entre as preferências individuais intertemporais e a estrutura de produção). O aumento no consumo cria um “cabo-de-guerra” entre as indústrias, ainda em expansão, de bens de capital, e aquelas, agora em expansão, de bens de consumo, o que eleva a taxa de juros e os preços nas últimas. A etapa seguinte é a recessão: o “boom” inicial transforma-se em “bust”, ou a expansão artificial em contração, com o abandono de projetos outrora lucrativos, cancelamentos de ordens de compras, demissões de trabalhadores, crescimento dos estoques e quedas de preços e rendas, principalmente nos setores de bens de capital. Se os governos tiverem paciência, vem a fase final, a da retomada com estabilidade, em que os preços das indústrias de bens de capital param de cair e o consumo diminui em resposta à queda nas rendas setoriais. Esta teoria merece atenção, por descrever melhor o mundo real do que a macroeconomia convencional. Segundo ela, crises deste tipo duram enquanto o Fed insistir com juros reais artificialmente baixos.

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A interpretação “austríaca” da atual crise americana deve soar estranha aos ouvidos de quase todos os economistas, porque as escolas de Economia, sem exceção, ensinam o mesmo paradigma, ou seja, o keynesiano, com suas variantes - quando não coisa ainda pior, como a visão marxista da Economia. A Teoria Austríaca dos Ciclos atribui a Grande Depressão do início dos anos 30 não a uma “insuficiência de demanda global”, como reza o keynesianismo, ou a uma pretensa série de erros do Fed, que teria permitido equivocadamente que a oferta de moeda caísse em cerca de um terço entre 1929 e 1932, como escreveu o brilhante economista Milton Friedman, mas às políticas fiscais e monetárias expansionistas que o governo americano praticou nos anos 20. Assim, para Hayek, aquela enorme recessão teria sido o preço natural a ser pago pelo expansionismo artificial de anos anteriores. Como escreveu Hayek há muitos anos, não se pode comer demais sem ter indigestão...

A segunda questão importante refere-se aos reflexos sobre a economia mundial. Mais uma vez, é aconselhável ficarmos, por enquanto, no terreno das suposições. O mundo mudou muito, existe hoje uma multipolaridade bem maior, haja vista que o peso dos Brics na economia mundial quase que duplicou na última década, para não falarmos das economias asiáticas e da União Européia. Haverá, sim, reflexos, mas não temos, ainda, como os avaliar. Qualquer tentativa nesse sentido, por mais sofisticados que sejam os modelos matemáticos utilizados, não passará de mera adivinhação ou até prestidigitação.

Por fim, quanto às medidas a serem tomadas pelo governo do Brasil, há dois tipos: o primeiro é o arsenal heterodoxo, com desvalorizações do real, restrições à entrada/saída de capitais e ao crédito e mudanças na taxa Selic, por exemplo. Todas essas medidas seriam meras bandagens. O segundo – que vislumbro como o correto, como a verdadeira blindagem – é estrutural: as reformas do Estado – política, tributária, sindical, previdenciária, administrativa e desregulamentação, entre outras. Porém, em ano de eleições municipais e com a visão torta que os petistas ora no poder têm a cerca do papel do Estado, é melhor crermos nos contos da Carochinha.

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Por isso, já que as reformas certamente não andarão para frente, o governo deve deixar o câmbio flutuando, a taxa de juros real onde está (pouco abaixo de 7% ao ano) e, para conservar o ritmo de crescimento do PIB mantendo a inflação na meta de 4,5% para este ano, ao invés de restringir o crédito, reduzir a relação entre os gastos do governo e o PIB. Isto permitiria reduzir nosso calcanhar de Aquiles, a relação dívida interna líquida/ PIB que, aliás, vem caindo desde 2001, quando era de 53%, para os atuais 41%. Quanto à nossa situação externa, a epidemia de dengue e a inacreditável atitude de passividade diante dela do prefeito carioca inquietam mais, pois temos cerca de US$ 200 bilhões de reservas internacionais. A verdade é que a economia brasileira em 2008 está com indicadores bem melhores do que em 2001, graças a um fato inegável: as políticas monetária e cambial do Banco Central de Henrique Meireles são, a rigor, as mesmas praticadas pelo Banco Central de Fernando Henrique a partir de 1999, quando Armínio Fraga presidia a instituição. A política fiscal, contudo, piorou, devido ao avanço irresponsável dos gastos públicos, apesar da queda observada na relação dívida interna/PIB. Mas, tal como na parábola da comilança e da indigestão, a irresponsabilidade de hoje só se manifestará em crise amanhã. Em suma, por ora, não há motivos para grandes preocupações. O Banco Central do Brasil vem agindo corretamente.

Nossas fraquezas não são monetárias nem creditícias e nem tampouco cambiais, mas fiscais e institucionais. Nelas é que está a blindagem correta.

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 72 – Março de 2008

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A VIDA PRECISA SER PRESERVADA

Ubiratan Iorio

Você, caro leitor, tem noção da importância, da riqueza e do mistério extraordinário que é o dom da vida? Tem idéia do valor da preservação da dignidade humana? Acredito que sim, mas, infelizmente, muita gente não tem...

Não se vive apenas de pão e de circo. A imensa maioria dos seres humanos somente encontra paz de consciência quando acredita que suas atividades econômicas, políticas e sociais revestem-se de significado moral. O trabalho duro, a perseverança nas dificuldades da vida, a frugalidade e o próprio sentimento da esperança só fazem sentido, como possibilidades de gerarem bem-estar material - que é também parte integrante da dignidade humana -, quando fundados na força perene dos valores morais que deve reger as sociedades.

Na vida econômica - como de resto na vida humana - a primazia da moral é uma lei demonstrável e essencial para a prosperidade integral, é um princípio filosófico e empírico, que não pode ser violado. Quando isso ocorre, surgem os vícios tão conhecidos, como a preguiça, a desonestidade, a corrupção, a demagogia, a coerção, a avareza e tantos outros que, como traças, carcomem pouco a pouco a economia, a política e a cultura e, portanto, a sociedade. “A revolução” - como afirmou o poeta Charles Péguy - “deve ser moral ou não será revolução”.

Embora isto seja óbvio para a maioria das pessoas, precisa ser ressaltado, porque os princípios morais vêm sendo sistematicamente atacados mediante sofismas e subterfúgios que, se não forem corajosamente combatidos,

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terminarão transformando nossa vida em um imenso supermercado, onde o certo e o errado poderão ser escolhidos à vontade de cada freguês e de acordo com o seu “preço”.

Estamos todos fartos de ouvir que o Brasil é o país de um futuro que parece nunca chegar. Nossas instituições políticas, econômicas e morais precisam servir de apoio para que nosso amanhã comece a ser feito a partir de hoje, para que ele não se desvaneça no advérbio dos vencidos. Precisamos de instituições que favoreçam e garantam a economia de mercado, a democracia política com representatividade e a valorização do trabalho e da parcimônia, ao amparo de normas legais de conduta fundadas na boa moral, justas, iguais para todos e que resguardem a dignidade humana.

No dia 5 de março – escrevo estas linhas em 27 de fevereiro - deverá ser julgada no Supremo uma ação que argüi a inconstitucionalidade da destruição de embriões humanos. Para os que se arvoram defensores da “ciência”, recordemos que a Constituição Federal assegura como cláusula imutável a inviolabilidade do direito à vida.

Ora, o embrião também é uma pessoa, um ser humano, pois a ciência já demonstrou que, a partir da concepção, o DNA paterno se une ao materno e surge um novo indivíduo, uma nova vida, dotada das mesmas condições de dignidade daquelas que todos aceitam como existentes pós-parto. As legislações infra-constitucionais devem estar em consonância com os direitos à vida, à identidade genética, a nascer em uma família, a não ser clonado, a não ser transformado em cobaia de laboratório e a não ser abortado.

Congelamento, seleções pré-implante, aborto seletivo, experimentos destrutivos... Seremos cobaias? Para se obter Células Tronco de Embriões Humanos (CTEH) é necessário assassinar o concebido quando este possui apenas 100 células. Para fazer o tratamento de uma única cardiopatia é necessário 1 milhão de células por ml e, sendo indispensáveis 40 ml para injetar em paciente com 40 milhões de células, isto exigiria o sacrifício de 400.000 embriões por paciente. É louvável salvar uma vida, mas não em detrimento da matança de 400 milhares de outras!

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Os procedimentos com células tronco adultas (CTA), além de não matarem seres indefesos e apresentarem maior facilidade de coleta, apresentam inúmeras vantagens. Eis algumas: (a) Dr. David A. Prentice, da Universidade de Georgetown, USA, obteve 72 aplicações com sucesso em medicina regenerativa com CTA, sendo que os resultados obtidos com CTEH foram tumores embrionários provenientes de aplicações em roedores; (b) o Dr. Marcelo Paulo Vaccari Mazzetti, vice-presidente do Instituto de Pesquisas de Células Tronco no Brasil, mostrou o exemplo de três crianças curadas com o uso de CTA na Audiência Pública do dia 20/04/2007, no STF, sobre o Art. 5º da Lei de Biossegurança, enquanto nenhuma cura, até hoje, foi conseguida com CTEH; (c) o Dr. Yamanaka, da Universidade de Kioko, no Japão, conseguiu transformar células adultas da pele em células com características embrionárias, provando não haver necessidade de matar embriões para se conseguir uma linhagem celular com as mesmas características das CTEH. O que dirão disso os cientistas que afirmam que células de embriões possuem potencialidades maiores que as CTA?

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, há no Brasil 58 clínicas filiadas à Rede Latino Americana de Reprodução Assistida, para prover a Fecundação Artificial In Vitro. As tentativas custam de R$12 mil a R$20mil, com “sucesso” de gestações entre 10 e 30% dos casos. Ou seja, a cada 100 casais que pagam, juntos, de 1,2 milhão a 2 milhões de reais, apenas de 10 a 30 mulheres desenvolvem a gestação, embora os donos das clínicas ganhem sobre o total despendido pelos 100 casais.

Deveria ser patente para todos que a ciência precisa caminhar ao encontro da vida e, portanto, submeter-se a normas éticas. Se os defensores do aborto e do uso de embriões em experiências de laboratório tiverem algum respeito à coerência, não devem ser contrários, por exemplo, aos experimentos nazistas que, em nome da “ciência”, foram feitos com milhões de judeus.

Precisamos combater as experiências com embriões humanos, exprimindo repúdio ao artigo da Lei de Biossegurança que os ameaça, sob um disfarce pseudo-

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científico; temos que defendê-los também contra qualquer tentativa de legalizar o crime do aborto, descerrando com argumentos lógicos as diversas máscaras usadas para justificar esse atentado à vida.

A escolha das pessoas de bem, ontem, hoje e sempre, deve ser pela vida. Um ser humano – apenas um! – possui valor econômico potencial, em termos de fluxos esperados de rendimentos, superior ao de dezenas, ou centenas, ou mesmo milhares de empresas. Deixe-mo-lo, pois, nascer; permitamos que tenha acesso a boa saúde e educação; dotemo-lo de liberdade de consciência e de princípios morais; respeitemos a sua dignidade. A vida em abundância precisa ser preservada!

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 71 – Fevereiro de 2008---------------------------------------------------------

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PRAGMATISMO E HEDONISMO NO CARNAVAL

Ubiratan Iorio

Pobre contribuinte brasileiro! Além de ser tungado em todos os seus bolsos, agora

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é chamado por algumas autoridades a “contribuir” com seus recursos para a deterioração completa dos valores morais básicos, sem os quais a vida em sociedade transforma-se em um mero convívio entre animais irracionais!

O hedonismo é uma doutrina derivada de Aristipo, que considera o prazer individual e imediato como o único bem desejável, o alfa e o ômega da vida moral e sustenta que a bem-aventurança humana se consuma no deleite. O pragmatismo ou pragmaticismo, por sua vez, resulta de C. S. Peirce, W. James, J. Dewey e Friedrich J. C. Schiller e tem como tese fundamental que a verdade de uma doutrina consiste no fato dela ser útil e proporcionar êxito ou satisfação e que o conceito de um objeto nada mais é que a soma dos conceitos de todos os efeitos decorrentes das implicações práticas que podemos conceber para o referido objeto. E o Carnaval, bem, este dispensa qualquer apresentação, especialmente em nosso país...

Não creio que nossas autoridades tenham lido qualquer dos autores mencionados, mas, a julgar por suas atitudes, algumas, mesmo que não o saibam, abraçam o que o pragmatismo tem de pior e estimulam irresponsavelmente o hedonismo, como as prefeituras pernambucanas de Recife (PT), Paulista (PPS) e Olinda (PC do B), que pretendem distribuir, durante o Carnaval, com o dinheiro dos contribuintes, as chamadas “pílulas do dia seguinte”. O ministro da Saúde – que já sugerira uma “discussão” sobre a legalização do crime do aborto, segundo ele, “por motivos de saúde pública” -, agora, alegando as mesmas “razões”, apóia a idéia, aduzindo que a Igreja estaria equivocada “mais uma vez” ao condenar tais práticas. Disse, ainda, que a medida adotada pelas prefeituras está em acordo com o protocolo do Ministério da Saúde. Por ocasião do lançamento da campanha de prevenção à Aids para o Carnaval 2008, na Mangueira, declarou que "é uma questão de saúde pública, não uma questão religiosa”. E concluiu: “Lamentavelmente a Igreja, cada vez mais, se afasta dos jovens com esse tipo de postura. O Ministério da Saúde apóia e suporta a medida".

O ilustre ministro parece desconhecer que auxiliar os que erram é uma coisa e que outra, bem diferente, é aderir ao erro. E que aceitar como dado o quadro de deterioração

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moral que vem caracterizando os festejos carnavalescos, além de demonstração de fraqueza e de conivência com o erro, é um caso claro de incentivo a práticas que não se coadunam com a dignidade da pessoa humana.

A Arquidiocese de Olinda e Recife anunciou que entraria com ação no Ministério Público contra a pretensão das secretarias de Saúde, enquanto a Ong Curumim, de orientação feminista – mas que, pelo visto, considera a mulher como mero objeto ou vítima do desejo masculino -, segundo informam os jornais, afirmou que, caso a Igreja mantenha essa postura, também ingressaria no Ministério Público, mas em favor das administrações municipais.

É preocupante que o ambiente de degradação moral tenha avançado a ponto de levar figuras de quem se espera o mínimo de zelo pelos costumes renderem-se à libertinagem e, em bom português, a passarem a mão na cabeça de quem se comporta como animais no cio durante os festejos carnavalescos e, por conseqüência, a incentivarem a liberação completa dos instintos!

Para muitos, as referidas autoridades de saúde apenas estariam sendo pragmáticas, com raciocínios do tipo “bom, já que as coisas são assim mesmo, então vamos distribuir pílulas e preservativos”, ou “deixemos a hipocrisia de lado”. Hipocrisia? Ora, o ponto essencial é que a última atitude que se espera de qualquer autoridade, temporal ou espiritual, é consentir com o erro e – o que é pior – mesmo de forma não dolosa, estimulá-lo? Não se trata de exigir que proíbam qualquer manifestação de alegria espontânea, como brincar o Carnaval, mas de zelar para que a festa não descambe para a degradação moral; e não se cogita de propugnar que impeçam quaisquer gestos de contentamento, mas de cuidar para que a depravação não tome conta dos festejos. O que a dignidade espera das autoridades, durante o Carnaval, é que façam campanhas, até mesmo incentivando a folia, mas esclarecendo os males decorrentes de seu desvirtuamento em orgia coletiva, ou seja, exatamente o oposto do que as referidas prefeituras da terra do frevo sinalizaram.

Já não chega o governo doar recursos para escolas de samba, enquanto os hospitais e ambulatórios andam aos

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farrapos? De acordo com a mídia, cada escola do primeiro grupo do Rio de Janeiro recebeu uma verba oficial de R$ 1 milhão.

Já não é suficiente torrar o dinheiro público em cartões de crédito corporativos, enquanto milhões catam “xepas” nas feiras em todo o país para sobreviverem? Apenas a ministra da “igualdade racial”, Matilde Ribeiro, gastou com esses cartões, em 2007, cerca de R$ 171, 5 mil, incluindo despesas em “free shoppings” e restaurantes caros, segundo reportagem da revista Veja.

E já não basta a devassidão e a licenciosidade que, sob os auspícios da mídia, vêm tomando conta da maior festa popular do Brasil? Agora querem que os contribuintes paguem pela depravação?

Nada contra o Carnaval. Nem contra as escolas de samba. E nem contra os blocos de frevo. São manifestações culturais legítimas. E bonitas. Mas não é papel de ninguém – e muito menos do Estado - incentivar a libertinagem.

A Igreja está certíssima! E, assim como ela, todas as instituições e cidadãos que prezam a dignidade e o respeito pelos semelhantes!

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Artigo do Mês - Ano VII – Nº 70 – Janeiro de 2008---------------------------------------------------------

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MEL OU VINAGRE?

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Ubiratan Iorio

Temos observado, ao longo dos últimos meses, uma euforia por parte do governo federal e de alguns setores empresariais, como que festejando a tão desejada volta do crescimento auto-sustentado de nossa economia. Estará este fenômeno realmente ocorrendo ou será apenas mais uma tentativa do primeiro de colher dividendos políticos e de satisfação dos segundos com o aumento das vendas e compras?

Nossa convicção é que, infelizmente, o Brasil não só não ingressou no chamado ciclo virtuoso do desenvolvimento como – o que é desalentador – ainda não conseguiu reunir condições mínimas para fazê-lo.

O crescimento auto-sustentado é como o mel e as nossas instituições como o vinagre. Não estamos preparados para encher o nosso vaso de mel, porque, estando ele cheio de vinagre, temos que indagar - como fez Santo Agostinho referindo-se à esperança - onde poremos o mel? O vaso deve primeiro ser dilatado e limpo – e, no caso de nossas instituições, trata-se de uma limpeza profunda, uma verdadeira faxina – para que, livre do vinagre e do seu sabor amargo, possa receber o mel. Esse processo de limpeza, de reformas institucionais, requer trabalho, esforço, abnegação, patriotismo e causa sofrimentos temporariamente, que somente verdadeiros estadistas, que não se apeguem aos índices de popularidade como carrapatos a cavalos, estão dispostos a experimentar.

A doçura do mel do crescimento pode ser resumida em liberdade econômica, criatividade, trabalho duro, capital humano (educação e saúde), tecnologia e boas leis, condições que o Estado deve esforçar-se para que sejam cumpridas, exercendo o papel de jardineiro, podando galhos podres, regando e adubando aqui e ali.

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O azedume de nossas instituições tem vários componentes: uma carga tributária descomunal e injusta, encargos trabalhistas injustificáveis no mundo atual, corrupção generalizada, centralização política, financeira e administrativa e conseqüente desrespeito ao princípio da subsidiariedade, ausência de marcos institucionais claros e estáveis, educação, saúde e infra-estrutura em condições deploráveis, violência nas cidades e no campo, impunidade, excesso de leis e regulamentações e inchaço do Estado, entre outros fatores. É, convenhamos, vinagre demais!

Se o PIB vem crescendo nos últimos anos, devendo passar da taxa de 5% em 2007, isto se deve a alguns fatos, dos quais destacamos os seguintes: primeiro, a estabilização de preços obtida, aos trancos e barrancos (dado que o regime fiscal não foi devidamente alterado), pelo plano Real, ou seja, pelos esforços de governos anteriores ao do PT que, diga-se de passagem, em termos de política monetária e cambial, nada mais vem fazendo do que repetir (inteligentemente) o que Pedro Malan e Armínio Fraga fizeram desde 1999. Segundo, o ambiente externo extremamente favorável que vem ocorrendo desde 1998, quando explodiu a crise na Rússia, que se seguiu às do México (1995) e das economias asiáticas (1997). Estabilidade de preços internos e ausência de choques externos, sem dúvida, respondem por boa parte do melhor desempenho de nossa economia. Pontos para o governo, por manter a inflação baixa e – por que não? – pela sorte.

O terceiro fato é a expansão do crédito, motivada pela queda acentuada da taxa Selic que se observou durante mais de um ano, até o segundo semestre deste ano. A economia pode ser visualizada, sob o ponto de vista macro, como o conjunto formado por um “galpão”, onde se dá a produção, e por um “shopping”, onde acontece a demanda. Se o governo, com o helicóptero do Banco Central, joga mais dinheiro para os agentes econômicos, é evidente que as compras vão aumentar e o “shopping” vai encher. Mas isto não é crescimento! Quando muito, é uma recuperação cíclica. Para existir crescimento auto-sustentado, é necessário que o “galpão” aumente a sua produção continuamente, ano após ano, porque o definimos como uma ampliação na capacidade de gerar oferta por parte do sistema econômico, ou seja, como um processo de acumulação generalizada de capital (físico,

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humano e tecnológico), que só pode se materializar mediante investimentos, que, como os bons vinhos, precisam de tempo para a sua maturação.

Embora a taxa de investimentos esteja maior do que no passado recente, o que temos que perguntar é se continuará a subir ano após ano. A resposta é: nada, por enquanto, pode nos garantir isto! Sem que lancemos fora o vinagre e limpemos o vaso, toda a euforia que ora se observa poderá se transformar, em pouco tempo, em inflação (e os mercados futuros já vêm apontando isto), em recessão ou em uma combinação de ambas.

A luta deve ser, como sempre, pelas reformas que citamos acima. É enfadonho repeti-las e descrer sua importância. Sem elas, se é verdade que estamos dando dois ou três passos à frente, também é claro que poderemos dar quatro ou cinco atrás.

O PAC, por si, é uma volta a um passado em que se acreditava piamente que o Estado seria o “motor” do crescimento, como nas épocas de Vargas e JK. O preço que pagamos por aquelas políticas foi bastante alto: alguns anos de inchação, seguidos de formidáveis descontroles inflacionários e de desemprego. De qualquer forma, os tempos eram outros. O mundo, hoje, é muito diferente!

Em suma, apesar de já se poder sentir o aroma do mel, o pote ainda tresanda o almíscar do vinagre de um culto ao Estado absolutamente ultrapassado.