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XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 GLOBALIZAÇÃO DO VAREJO SUPERMERCADISTA: UMA ANÁLISE DA INFLUÊNCIA SOBRE O FORMATO E DINÂMICA DO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA AGROALIMENTAR MARCO ANTÔNIO FERREIRA DE SOUZA (1) ; KÁTIA DE ALMEIDA (2) . 1.NEGEN/UFRURALRJ, SEROPÉDICA, RJ, BRASIL; 2.PPGEN/NEGEN/UFRURALRJ, SEROPÉDICA, RJ, BRASIL. [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL SISTEMAS AGROALIMENTARES E CADEIAS AGROINDUSTRIAIS GLOBALIZAÇÃO DO VAREJO SUPERMERCADISTA: UMA ANÁLISE DA INFLUÊNCIA SOBRE O FORMATO E DINÂMICA DO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA AGROALIMENTAR Grupo de Pesquisa: SISTEMAS AGROALIMENTARES E CADEIAS AGROINDUSTRIAIS Resumo A ascensão do Wal mart como maior empresa do mundo chama atenção para o fato das empresas do setor de serviços supermercadistas estarem ultrapassando os gigantes industriais, notadamente, uma empresa automobilística ou uma de energia. A emergência dessas empresas como atores centrais do sistema econômico mundial, implica em transformações no sistema agroalimentar, pois ao montarem complexas redes de fornecimento global que unem, de forma por vezes adversa, regiões em desenvolvimento com os grandes mercados de consumo mundiais. Agora elas estão intimamente ligadas a aspectos críticos como desemprego, precarização e flexibilização das condições de trabalho, desestímulo a participação em sindicatos e o desenvolvimento de normas e padrões que geram barreiras quase instransponíveis para pequenos agricultores. O presente trabalho, dentro de uma perspectiva histórica, analisa criticamente a ascensão do comércio varejista supermercadista e sua relação com a atual configuração e dinâmica de funcionamento do sistema agroalimentar. Palavras-chaves: Varejo Supermercadista, Globalização, Sistema Agroalimentar.

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Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

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GLOBALIZAÇÃO DO VAREJO SUPERMERCADISTA: UMA ANÁLISE DA INFLUÊNCIA SOBRE O FORMATO E DINÂMICA DO

FUNCIONAMENTO DO SISTEMA AGROALIMENTAR

MARCO ANTÔNIO FERREIRA DE SOUZA (1) ; KÁTIA DE ALME IDA (2) .

1.NEGEN/UFRURALRJ, SEROPÉDICA, RJ, BRASIL;

2.PPGEN/NEGEN/UFRURALRJ, SEROPÉDICA, RJ, BRASIL.

[email protected]

APRESENTAÇÃO ORAL

SISTEMAS AGROALIMENTARES E CADEIAS AGROINDUSTRIAIS

GLOBALIZAÇÃO DO VAREJO SUPERMERCADISTA: UMA ANÁLISE DA INFLUÊNCIA SOBRE O FORMATO E DINÂMICA DO

FUNCIONAMENTO DO SISTEMA AGROALIMENTAR

Grupo de Pesquisa: SISTEMAS AGROALIMENTARES E CADEIAS AGROINDUSTRIAIS

Resumo A ascensão do Wal mart como maior empresa do mundo chama atenção para o fato das empresas do setor de serviços supermercadistas estarem ultrapassando os gigantes industriais, notadamente, uma empresa automobilística ou uma de energia. A emergência dessas empresas como atores centrais do sistema econômico mundial, implica em transformações no sistema agroalimentar, pois ao montarem complexas redes de fornecimento global que unem, de forma por vezes adversa, regiões em desenvolvimento com os grandes mercados de consumo mundiais. Agora elas estão intimamente ligadas a aspectos críticos como desemprego, precarização e flexibilização das condições de trabalho, desestímulo a participação em sindicatos e o desenvolvimento de normas e padrões que geram barreiras quase instransponíveis para pequenos agricultores. O presente trabalho, dentro de uma perspectiva histórica, analisa criticamente a ascensão do comércio varejista supermercadista e sua relação com a atual configuração e dinâmica de funcionamento do sistema agroalimentar. Palavras-chaves: Varejo Supermercadista, Globalização, Sistema Agroalimentar.

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Abstract With de emergence of Wal Mart as the largest company in the world the business community begins to pay attention to the raise of services companies, mainly retail groups, and to the pragmatic role they perform in the economic world system. Retail companies have shown deep influence over the agrofood system as they set up complex outsourcing networks that connect developing regions, generally specialized in agricultural activities with the largest consumer markets in developed countries. Nowadays these companies are linked with critical aspects of the globalization process as they have imposed changes that are detrimental to countries employment standard and union strength. They have also created higher and expensive grades and standards that become obstacle that prevents small farms participation. Settled under an historical perspective this works attempts to provide a brief and critical analysis of retail activity emergence and consolidation and its influence over the agrofood system. Key Words: Retail, Globalization, Agrofood System. 1. INTRODUÇÃO A atividade comercial varejista está inscrita na história do mundo. São anos e mais anos de transformações sociais, culturais, econômicas, tecnológicas e políticas que concorreram e, mesmo se integraram, para a impressionante metamorfose de uma atividade econômica desestruturada e de expressão local em seus primórdios, para uma superestrutura de alcance global e que hoje interfere centralmente na condução da economia política internacional devido ao faturamento dos maiores grupos que ultrapassa com folga o produto interno bruto de diversos países da periferia do sistema mundial. O comércio varejista inclui empresas supermercadistas, lojas de departamento e lojas de especialidades e dentro destas modalidades, encontram-se empresas de variados tamanhos e variadas lógicas de estruturação organizacional. As primeiras, objeto deste trabalho, concentram seus negócios na distribuição de gêneros alimentícios, embora negociem hoje diversos itens. As lojas de departamento concentram seus negócios em moda e artigos para casa, enquanto que as lojas de especialidade são aquelas que destacam-se em segmentos específicos, como móveis, remédios, jóias, eletroeletrônicos, automóveis e etc. Essas também se destacam no ramo alimentício, como os modelos de loja que comercializam hortifrutigranjeiros, que não são o foco desta análise. Ao defender seus interesses, escorados sob operações de escopo e volume global, os grandes grupos varejistas acabam por interferir na dinâmica do sistema agroalimentar dos principais países do mundo, sejam estes do centro ou da periferia do chamado sistema mundial. Elas hoje detêm poder para influenciar negociações nas organizações supranacionais (OMC, OIT etc), para ameaçar os gigantes industriais da indústria de alimentos mundial, para modificar o ritmo e natureza do desenvolvimento econômico de muitas regiões e mesmo para interferir em relações institucionais entre países, estabelecidas há anos. As empresas supermercadistas parecem desfrutar de uma confortável posição no cenário global - político, social, cultural e economicamente falando. Consubstanciam essa afirmação as seguintes questões:

• Os supermercados têm relação muito próxima com o consumidor final, e a natural flexibilidade da operação produtiva as permite identificar e oferecer justamente o desejado, mas nas condições que eles impõem. Vive-se hoje sob a democracia da demanda, após anos de ditadura da oferta, pois os consumidores tornaram-se um setor cada vez mais organizado e mobilizado do sistema

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agroalimentar (Wilkinson, 2000). A ação dos consumidores na busca da satisfação e legitimação dos seus interesses e a sua aproximação com outros atores do ambiente de negócio, como as ONG’s, oferecem suporte aos processos que alimentam o mercado de orgânicos, comércio justo, o bloqueio aos transgênicos e mesmo ao impulso ao mercado de alimentos funcionais.

• Ao que parece os movimentos sociais de resistência ao crescimento dos supermercados ainda não assumiram o caráter cosmopolita e globalizado que Santos (2002) observa em movimentos que lutam contra a inclusão subalterna, a dependência e desintegração (ver Quadro 2). Apesar da resistência de algumas cidades, as regulamentações são sempre favoráveis ao alastramento dos formatos de lojas operados pelos varejistas.

• O auto-serviço, característica central dos serviços do varejo, parece estar perfeitamente integrado ao estilo de vida dos grandes centros urbanos mundiais, onde o individualismo, o consumismo e a busca pelo exótico e diverso são características indeléveis.

A realidade da internacionalização e aumento de poder do comércio varejista não teve a devida atenção por parte da literatura sobre globalização econômica, como salienta Coe (2004). Entretanto, o mundo observa hoje um pequeno grupo de elite de varejistas transnacionais (não apenas os supermercadistas) que expandiram rapidamente suas operações para além dos seus mercados domésticos nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Através de um movimento sustentado de fusões e aquisições essas empresas assumiram posição dominante nos mercados do Oeste da Ásia, Europa Ocidental e América Latina. A principal característica desse movimento é a expansão de escala e escopo das suas operações de abastecimento, articuladas sobre redes locais e globais de compras de uma infinidade de produtos, redes estas impulsionadas por uma robusta estrutura logística. 2. GLOBALIZAÇÃO: HEGEMONIA DE MERCADO E RESISTÊNCIA

Uma das maiores características do sistema mundial em tempos de globalização é a emergência das empresas transnacionais como importante ator da estrutura institucional do chamado sistema mundial. Segundo Santos (2002), tais empresas representam uma classe capitalista cujo campo de reprodução social é o globo e que facilmente ultrapassa as organizações nacionais de trabalhadores, bem como os Estados externamente fracos da periferia do sistema mundial.

O caso analisado a seguir demonstra que os supermercadistas têm ascendência mesmo sobre governos de países fortes, interferindo em questões políticas historicamente construídas. Com o aumento do apelo para consumo de produtos frescos e naturais, e a crescente importância dos supermercados atendendo aos consumidores neste segmento, as pressões para diminuição dos preços é constante. Em 1992, no intuito de aumentar as vendas de bananas na Inglaterra, os varejistas supermercadistas iniciaram uma campanha enaltecendo o consumo do produto e a sua importância para a saúde, ao mesmo tempo em que questionavam os altos preços praticados no mercado, pois só podiam importar de um único lugar devido a um histórico acordo (do final do século XIX) entre o Reino Unido e os países do Caribe, que dava a estes últimos a preferência nas importações (ARCE e MARSDEN, 1993).

Dentro da perspectiva histórica aqui evocada, argumenta-se que a atividade econômica varejista beneficiou-se das diversas transições de um capitalismo marcadamente nacional para um capitalismo global. As empresas varejistas demonstram alta capacidade adaptativa, e se inserem com relativa facilidade nos diversos ambientes de negócios em que suas operações se

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incrustam, pois incorporam aos formatos organizacionais exibidos e ao padrão de lojas operado, o conhecimento local adquirido (CURRAH e WRIGLEY, 2004). O episodio gerou um problema político internacional, pois o lobby dos varejistas dizia que os consumidores não tinham que subsidiar o desenvolvimento dos países caribenhos, que eles tinham que ter escolhas e que desenvolvimento de regiões é assunto para governos e não para consumidores. A representação dos países caribenhos argumentava que o Reino Unido tinha o dever moral de preservar a proteção de mercado em função da história de relações políticas entre os atores, e sabiam que não eram competitivos frente aos países da América do Sul.

Com relação à globalização utiliza-se neste trabalho a perspectiva de Santos (2002) para contextualizar a análise sobre a trajetória do varejo supermercadista. O autor argumenta existirem quatro modos de produção da globalização, os quais dariam origem a quatro formas de globalização. Sendo dois modos de expansão do sistema e dois de resistência à expansão deste, conforme Quadros 1 e 2, que permitem concluir que a internacionalização das empresas varejistas é um exemplo claro tanto de um localismo globalizado quanto de uma globalismo localizado. A expansão do auto-serviço, surgido com os supermercados na década de 30 nos Estados Unidos é um exemplo claro do que o autor chama de conversão da diferença vitoriosa em condição universal. O supermercado prevalece sobre os antigos modelos de empórios, mercadinho e armazéns. O surgimento de um Hipermercado em uma comunidade tem impacto devastador sobre o tecido social local, pois inviabiliza a existência do comércio de proximidade, incapaz de competir em preço, variedade e serviço. Para satisfazer suas necessidades, as pessoas dirigem-se ao Hipermercado, ambiente social notadamente pautado pelo formalismo e distanciamento entre empresa e comunidade.

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Quadro 1 - Modalidade de globalização expansionista

Modalidade Forma de

Globalização Característica Exemplos

Localismo Globalizado

Processo pelo qual um fenômeno local é globalizado com sucesso. O que se globaliza é o vencedor de uma luta pela apropriação ou valorização de recursos ou pelo reconhecimento da diferença. A vitória se traduz na faculdade de ditar os termos da integração, da competição e da inclusão. No caso do reconhecimento da diferença, o localismo globalizado implica a conversão da diferença vitoriosa em condição universal e a conseqüente exclusão ou inclusão subalterna de diferenças alternativas.

Atividade mundial das multinacionais; transformação da língua inglesa em língua mundial; globalização do fast-food americano ou da sua música; adoção mundial das mesmas leis de propriedade intelectual, de patentes ou de telecomunicações promovida agressivamente pelos países hegemônicos.

Expansionista

Globalismo Localizado

Consiste no impacto específico nas condições locais produzido pelas práticas e imperativos transnacionais que decorrem dos localismos globalizados. Para responder a esses imperativos transnacionais, as condições locais são desintegradas, desestruturadas e, eventualmente, reestruturadas sob a forma de inclusão subalterna.

Eliminação do comercio de proximidade; criação de enclaves de comercio livre ou zonas francas; desflorestamento e destruição de recursos naturais para pagamento da dívida externa, uso turístico de tesouros históricos, lugares ou cerimônias religiosas, artesanato e vida selvagem; dumping ecológico (compra pelos países periféricos de lixos tóxicos produzidos pelos países centrais); conversão da agricultura de subsistência em agricultura para exportação, etnizacão do local de trabalho (desvalorização do salário pelo fato de os trabalhadores serem de um grupo étnico considerado inferior ou menos exigente).

Fonte: Santos (2002)

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Quadro 2 - Modalidade de globalização de resistência Modalidade Forma de

Globalização Característica Exemplos

Cosmopolitismo

Organização transnacional da resistência de Estados-nação, regiões, classes ou grupos sociais vitimados pelas trocas desiguais de que se alimentam os localismos globalizados e o globalismo localizado, usando em seu benefício as possibilidades de interação transnacional criadas pelo sistema mundial em transição, incluindo as que decorrem da revolução nas tecnologias de informação e de comunicação. A resistência consiste em transformar trocas desiguais em trocas de autoridade partilhada, e traduz-se em lutas contra a exclusão, a inclusão subalterna, a dependência, a desintegração, a despromoção.

Movimentos e organizações no interior das periferias; redes de solidariedade transnacional; articulação entre organizações operárias dos paises integrados nos deferentes blocos regionais ou entre trabalhadores da mesma empresa multinacional operando em diferentes países (o novo internacionalismo operário); redes internacionais de assistência jurídica alternativa; organizações transnacionais de direitos humanos; redes mundiais de movimentos feministas; ONG de militância anticapitalista; redes de movimentos e associações indígenas, ecológicas ou de desenvolvimento alternativos, movimentos literários, artísticos e científicos em busca de valores culturais alternativos.

Resistência

Patrimônio Comum da

Humanidade

Lutas transnacionais pela proteção e desmercadorizacão de recursos, entidades, artefatos, ambiente considerados essenciais para a sobrevivência da humanidade e cuja sustentabilidade só pode ser garantida à escala planetária.

Lutas pela preservação do meio-ambiente, da preservação da Amazônia, da preservação da Antártida, da biodiversidade ou dos fundos marinhos.

Fonte: Santos (2002)

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Um aspecto central do processo de globalização, e bem evidente na sua modalidade expansionista, é o conceito de globalização cultural, suscitando debates em torno de um processo de homogeneização ou uniformização cultural e de criação de uma cultura global. Conforme pontua o autor, uma importante questão emerge sobre a globalização cultural: a globalização acarretaria homogeneização? O debate crítico vai girar em torno dos riscos sobre as especificidades culturais locais e nacionais do processo de uniformização, e neste sentido, procura-se analisar o papel do varejo mundial. Ainda segundo o autor, o que se designa globalização deveria ser lido como ocidentalização ou americanização já que os valores, os artefatos culturais e os universos simbólicos que se globalizam são ocidentais e, por vezes, especificamente norte-americanos, sejam eles o individualismo, a democracia política, a racionalidade econômica, o utilitarismo, o primado do direito, o cinema, a publicidade, a televisão, a Internet, etc. Ainda segundo o autor cultura global é um projeto da modernidade. Para ele, trata-se de formas culturais que são originalmente transnacionais ou cujas origens nacionais são relativamente irrelevantes pelo fato de circularem pelo mundo mais ou menos desenraizadas das culturas nacionais. Para o autor, referindo-se a homogeneização e formação cultural, acredita-se que a intensificação dramática de fluxos transfronteiriços de bens, capital, trabalho, pessoas, idéias e informação originou convergências, isomorfismos e hibridações entre as diferentes culturas nacionais, sejam elas estilos arquitetônicos, moda, hábitos alimentares ou consumo cultural de massas. Observa-se nas palavras de Santos (2002) que o debate sobre globalização cultural gira em torno do papel dos meios eletrônicos, na TV e no cinema, mas não perpassa o papel do varejo neste contexto. Ora, as grandes redes varejistas estão incrustadas em todos os continentes do mundo, formam uma rede que pode proporcionar o intercambio de praticamente tudo. Advoga-se aqui que o varejo é tão central quanto o cinema, a TV e a Internet (e eles acabam por se beneficiar mutuamente) para difundir (e mesmo homogeneizar) hábitos alimentares, roupas etc. e atuar com mais força no localismo globalizado quanto do globalismo localizado. Nascido nos EUA, o modelo de varejo atual, o auto-serviço é um elemento fundamental do processo de americanização que a globalização enseja. Da mesma forma que a globalização, para atender aos interesses dos grupos hegemônicos, implica isomorfismo institucional, que facilite a reprodução social do capital a criação de empresas varejistas transnacionais implica no isomorfismo do modelo de gestão de varejo, na homogeneização do modelo de auto-serviço pelo mundo, no que pode ser chamado de ocidentalização do varejo supermercadista. A estratégia ativa das redes varejistas pode ser assim traçada: na luta pela homogeneização e uniformização cultural eles jogam de duas formas: a homogeneização e expansão do auto-serviço geram volume, justificando articulações globais de alta-escala. Ao mesmo tempo eles se utilizam dessa articulação para jogar em sua rede mundial as caras dos lugares onde se incrustam. Fazendo o que Arce e Marsdem (1993) chamam de constante reconstrução social de um alimento durante o processo que vai da produção, num país da periferia do sistema mundial, até o fornecimento ao consumidor num supermercado de um país central. As bananas, por exemplo, são vendidas explorando as associações ao

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exótico, à prática de uma atividade turística, ao natural, em contraposição ao hábito comum de alimento industrializado. Observa-se aí um quadro de inclusão subalterna. Outro ponto importante, é que ao chegarem a um determinado local as grandes lojas devastam redes sociais articuladas historicamente. O modelo, que precisa operar em escala, coloca tudo dentro de uma bandeira ou marca, como Carrefour ou Wal-mart. O que era diversidade sócio-cultural, as relações das padarias, açougues, peixarias, bazares e mercearias com sua freguesia, vira mix de serviço em lojas que podem ter o tamanho de um quarteirão. A imposição de uma cultura de negócio sobre milhões de empregados e consumidores pode ser significativa e alarmante, consolidado o isomorfismo de negócio patrocinado pelas grandes empresas varejistas. A trajetória do Wal-mart reforça a visão de Santos sobre o processo e os riscos da americanização do mundo. De acordo com Gurovitz (2005), trata-se de uma empresa altamente combatida devido às práticas gerenciais e os princípios e valores dos comandantes. Para os críticos ela simboliza tudo o que há de errado no capitalismo e na globalização, pois é uma corporação poderosa como uma nação, que compra produtos a preço de banana em países asiáticos, compactuando com trabalho semi-escravo, para revendê-los garfando suculentas margens de lucro. É Uma empresa enraizada pelo mundo, capaz de destruir pequeno comércio e de espremer cada centavo nas negociações com fornecedores, até levá-los a bancarrota. Acima de tudo um péssimo empregador, pois, de acordo com o autor, paga os piores salários do mercado, discrimina mulheres e minorias, desdenha dos planos de saúde e combate ferozmente os sindicatos (não há um único sindicalizado entre os 1,3 milhões de trabalhadores americanos). Enfim, finaliza Gurovitz (2005), trata-se de um grupo de fanáticos moralistas, capazes de censurar CD, filmes e livros, de proibir remédios legais – como uma versão da pílula do dia seguinte – e de tentar impor ao resto do planeta a cultura caipira do Meio-Oeste americano.

O fato é que estas empresas detêm poder e suas movimentações estratégicas podem influenciar a geografia econômica mundial. Conforme aponta Santos (2002), elas se beneficiam centralmente do novo modelo de globalização, onde impera um modelo de desenvolvimento orientado para o mercado, associado ao enfraquecimento dos Estados.

Assim, destacam-se os seguintes pontos do novo papel das empresas transnacionais: • Elas dirigem a corrida da inovação; • Montam e governam cadeias globais de produção flexível; • Interferem diretamente na legitimação e imposição global de um modelo de

proteção da propriedade intelectual; • Aproveitam da privatização, da flexibilização das leis de regulação de

mercado, da desregulacão do mercado de trabalho e flexibilização da relação salarial.

A concentração de poder que as grandes empresas privadas ostentam hoje é significativa: 70% do comercio mundial é controlado por aproximadamente 500 empresas multinacionais; 1% das empresas detém 50% do investimento direto estrangeiro (santos, 2002). Só as operações americanas da Wal-mart vendem mensalmente 320 milhões de latas de Coca-Cola, 250 milhões de litros de água mineral Nestlé e 101 milhões de litros de leite de sua marca própria (GUROVITZ, 2005).

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3. A maior empresa do mundo é um varejista Em 2005 Foi anunciado que a maior empresa do mundo era o Wal-mart. O fato não foi de todo surpreendente para os que acompanham o mundo dos negócios, visto que ano após ano o faturamento da empresa varejista americana crescia significativamente, bem como o de outras empresas varejistas. O que certamente despertou maior atenção é que, pela primeira vez, uma empresa do setor de serviços ultrapassa um gigante industrial, historicamente, uma empresa automobilística ou uma de energia. A empresa exibe números de um país. Em 2004 suas vendas alcançaram 294 bilhões de dólares, o número de empregados chegou a 1,7 milhões e 140 milhões de pessoas são atendidas semanalmente em toda a rede (GUROVITZ, 2005). Esta metáfora, ou imagem de uma empresa como um país, demonstra como os outros atores estão reagindo às pretensões dessas empresas como ator central no ambiente institucional do sistema mundial. Tamanha magnitude é o que será norma, mantidos o ritmo de aumento de poder que as empresas transnacionais experimentam neste modelo de globalização hegemônica e o aumento de poder dos varejistas nas diversas cadeias produtivas existentes no mundo. As fusões e aquisições mantêm-se, ainda que em ritmo menos acelerado que na década de 90, e algumas das maiores fusões do mundo, como a das americanas Procter & Gamble e Gillete são atribuídas à necessidade do elo industrial das cadeias produtivas de bens de consumo comercializados em supermercados de se defender do poder do Wal-mart (GUROVITZ, 2005). Pela primeira vez, portanto, começou-se a, consistentemente, lançar luzes sobre o fenômeno “crescimento do varejo”. Quando o mundo dos negócios começou a destrinchar os resultados, ficaram evidentes os números da pequena elite de empresas varejistas que dominam o mercado mundial (Tabela 1). Empresas em sua grande maioria internacionalizadas e que contam com verdadeiras redes de produção global (GPN-Global Production Networks) como suporte às suas investidas transnacionais. Redes capazes de movimentar mercadorias e serviços por todo o globo e que assumiram papel importante na determinação da dinâmica de funcionamento global do sistema agroalimentar, e que estão intimamente ligadas com questões de desenvolvimento econômico de paises da periferia (ver conceito sobre GNP mais adiante).

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Tabela 1 – Faturamento do Varejo Mundial

Empresa Origem Receitas

totais 2003 (bilhões)

Receitas inter 2003 (bilhões)

Faturamento total

Nº países em que opera

Wal-Mart US $240,70 $53,60 20.9 11 Carrefour FR $79,60 $39,20 49.3 32

Ahold NE $63,30 $53,30 84.2 27 Metro DE $60,50 $28,50 47.1 26 Tesco UK $50,30 $10,00 19.9 12 Rewe DE $44,30 $12,70 28.6 12 Aldi DE $41,00 $15,20 37.0 12

Intermarche FR $37,70 $10,50 27.8 7 Lidl & Schwarz DE $33,40 $11,30 33.8 16

Auchun FR $32,40 $13,80 42.5 15 Ito Yokado JP $30,50 $8,00 26.2 18 Tengelmann DE $27,70 $14,10 50.9 14

Delhaize BE $22,90 $18,30 79.9 10 Fonte: adaptado de Coe et al (2003).

O interesse pelas movimentações internacionais dos varejistas é mais antigo pelos profissionais da área de geografia econômica e economia do desenvolvimento. O interesse está no entendimento das maneiras como as empresas se inserem em espaços distintos daqueles do mercado doméstico e como isso repercute, uma vez que eles aumentam o escopo e a escala de suas operações de abastecimento aos mercados domésticos e aos outros mercados. A expansão internacional das empresas varejistas e das suas redes de abastecimento apresenta significativas implicações (sociais, econômicas, políticas e culturais) para as regiões em que se inserem. Entre os principais impactos, Coe (2004), indica:

• Aumento da competitividade no setor: ao trazerem novos formatos de operação aos ambientes em que operam e novos modelos e práticas de gestão (marketing, operação, tecnologia da informação etc.) os grandes varejistas exercem pressão no mercado influenciando mudanças de estratégia e operação nos grandes concorrentes, que são levados às fusões, e nos pequenos, que muitas vezes saem do mercado.

• Mudanças nas práticas de consumo: essas empresas tornaram-se parte central do processo de mudança sócio-cultural nos mercados em que se inserem no que diz respeito a padrões de compra e de consumo. Ao se espraiarem para as regiões suburbanas eles alteram dramaticamente o padrão de consumo e compra dessas regiões.

• Estrutura regulatória: o sucesso dessas empresas impacta o sistema regulatório, tornando-os mais flexíveis ou rígidos, de acordo com a situação. Os tópicos mais influenciados são: quantidade e tipo de investimentos internos permitidos, controle de formatos de loja, legislação de uso do solo, políticas de incentivo à concorrência e restrições da importação.

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• Relações de fornecimento: as redes locais de fornecimento são bem influenciadas pelas políticas e práticas de compras dos varejistas transnacionais. Elas (as redes locais) podem ser alocadas no abastecimento de operações nacionais ou nas redes globais dos varejistas (incluindo os mercados de origem). Este processo gera profundas transformações nas relações a montante no sistema agroalimentar, pois são demandados altíssimos volumes e criados normas e padrões de operação complexos que excluem pequenas e médias firmas e produtores que se vêem marginalizados dentro do novo contexto de abastecimento.

A internacionalização do varejo não é fenômeno novo. Ela começa no final do século XIX. Entretanto, quando comparada a de outros setores, observa-se que ela se torna significativa a partir dos anos 90. Este recente processo de internacionalização do varejo pode ser descrito em dois momentos. Primeiro ele ocorre dentro e entre as economias lideres da América do norte, Europa Ocidental e Japão, uma expansão regionalizada, objetivamente marcar posições em contextos como o da formação do Mercado Comum Europeu e Nafta. Depois, com a abertura de novos mercados ela ruma à Europa Oriental, Ásia e América do Sul (COE e LEE, 2005). Sobre a internacionalização do varejo, Alexander apud Coe (2003) oferece uma periodização bem compreensiva deste movimento, dividida em seis distintos estágios:

• Gênesis (1880-1945): caracterizado por uma limitada expansão de lojas de produtos de luxo, de departamento e especialidades americanas e européias dentro das maiores cidades, para atender mercados cosmopolitas e expatriados.

• 1° emergência (1945-1960): caracterizado pela transferência de formatos de varejos americano e técnicas (o mais conhecido é o supermercado) para os mercados da Europa Ocidental e o Japão.

• 2°emergência (1960-1974): caracterizado pelo investimento externo de varejistas europeus para outros mercados da Europa ocidental e para os Estados Unidos. Um período sustentável de internacionalização dirigido por Varejistas europeus com caixa e mercados doméstico saturados e quando começavam as quebras de barreiras regulatórias para atividades internacionais começavam a cair.

• Crise (1974-1983): período de truncado atividade internacional devida aos choques econômicos da época.

• Renascença (1983-1989): caracterizado pela ressurgência de investimento na Europa e USA pelos varejistas europeus lideres, e também por significantes investimentos de varejistas japoneses na Europa ocidental e USA.

• Regionalização (1989-2000): após períodos de recessão no início dos anos 90, um período caracterizado por expansão regionalizada por varejistas americanos e europeus, em função da formação do Mercado comum europeu e pelo Nafta, e a abertura de novos mercados na Europa oriental e Oeste asiático.

Entre os fatores que explicariam o rápido crescimento de um pequeno grupo de varejista de alimentos verdadeiramente internacionalizado destacam-se os seguintes (WRIGLEY, 2002):

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• Reação à extrema dependência dos seus mercados domésticos; • Necessidade de sustentar crescimentos dos ganhos; • Pressão de instituições financeiras dos seus países para segurar lucros e

dividendos; • Novos mercados crescem significativamente: aumento do consumo por parte

dos consumidores, mercado ainda não procurado por antigos grupos, concorrentes pulverizados (mercado pulverizado);

• Operações com escala global e competências logísticas oferecem vantagens competitivas nos novos mercados;

• Custos de aquisição e abertura de lojas são menores, comparados aos dos mercados domésticos.

Convém ressaltar que as movimentações relativas ao segundo momento do processo de internacionalização do varejo alimentar ocorrem em seguida às crises financeiras que sacudiram a Ásia e a América do Sul na década de 90 e que enfraqueceram substancialmente as moedas dos países afetados frente ao dólar. Outro ponto que atrai a atenção dos acadêmicos da geografia econômica e economia do desenvolvimento é como que as redes varejistas conseguem manter o ritmo de crescimento acelerado e se adaptar aos diversos ambientes de negócios que encontram. Segundo Currah e Wrigley (2004), a competitividade das multinacionais varejistas está relacionada à sua habilidade para adaptar a carteira de formatos em diferentes e mutantes ambientes de negócios, o que ocorre pela mobilização e combinação de conhecimentos extraídos de múltiplos lugares. Para os autores, estas empresas se aproveitam da rede de relações intra-firma, inter-firma e extra-firma que suas redes de produção globais ensejam para extrair, codificar e compartilhar conhecimentos centrais para o funcionamento da rede. Os autores argumentam que a firma é melhor entendida como uma entidade viva: seu comportamento e direção no mercado – sua capacidade de aprender e adaptar-se às pressões competitivas – é conduzida por uma complexa comunidade de atores sociais, que estão eles mesmos envolvidos numa intricada rede de relações com outros colegas, membros de outras firmas, elites de instituições e governo. Redes de Produção Global (GPN) é o tema mais em voga na literatura sobre a internacionalização do varejo. Como estas mega firmas se articulam para operar em escala global e com objetivos de desempenho de suas operações apontados para rapidez e flexibilidade é assunto que desperta curiosidade. As Redes de Produção Global podem ser entendidas por duas perspectivas: a conceitual, onde é abordada como uma metodologia de pesquisa sobre economia e desenvolvimento, e a operacional, que abrange a parte lógica de funcionamento das redes de suprimento das empresas varejistas.

Pela perspectiva conceitual, Henderson et al (2001) caracterizam GPN como uma estrutura conceitual para mapeamento e análise da globalização econômica e suas conseqüências para o desenvolvimento. Especificamente, utiliza-se esta estrutura para analisar as formas pelas quais empresas transnacionais organizam e controlam suas operações globais, as formas pelas quais elas são (ou podem ser) influenciadas por Estados, sindicados, ONGs e outras instituições nos diferentes locais em que se inserem. Trata-se de uma metodologia inicialmente aplicada para entendimento do funcionamento global de grandes empresas industriais e de produtores de commodities. Agora tem sido aplicada para

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entender e oferecer explicações para o fenômeno varejista. A estrutura metodológica da Rede de Produção Global enfatiza (COE, 2005):

• A complexa e não-linear rede de firmas envolvidas em P&D, design, produção, marketing e disponibilizacao de um produto, e como estes são estruturados tanto organizacionalmente como geograficamente, numa escala espacial variada.

• A distribuição de poder dentro dessas redes e como ele muda com o tempo • A importância do processo de criação, aumento e captura de valor nestas

redes. • O enraizamento das redes de produção, notadamente, como ela constituem e

são constituídas por arranjos econômicos, sócias e políticos dos lugares em que estão inseridas.

• A influencia de um grupo de instituições – governamentais, supra nacionais, sindicatos, associações empresariais, ONG e grupos de consumidores – que moldam as atividades das firmas.

• As implicações para o desenvolvimento social e econômico de todas as localidades envolvidas numa rede de produção global.

Operacionalmente as redes de produção globais (GPN) são definidas como o nexo de funções e operações interconectadas, e globalmente organizado, através do qual produtos e serviços são produzidos e distribuídos. Tais redes não integram somente firmas (e partes de firmas) dentro de estruturas que ultrapassam limites organizacionais tradicionais através do desenvolvimento de diversas formas de relacionamentos eqüitativos ou não eqüitativos, mas também integra economias regionais e nacionais de forma que tem enormes implicações para o desenvolvimento econômico das regiões. a natureza da articulação deste tipo de rede de produção (baseadas em firma) é profundamente influenciada pelo contexto socio-político do ambiente em que a rede está enraizada (COE et al , 2003). 4. O NASCIMENTO DE UM NOVO HÁBITO E AS ORIGENS DO C OMÉRCIO

VAREJISTA.

Assume-se aqui que a semente do que viria a ser o varejo brota na aldeia, a partir dos pequenos mercados locais de troca. É uma atividade que emergirá da imposição de um novo hábito aos indivíduos pela prática social da aglomeração e a inevitável intensificação das relações humanas: o de buscar fora do domínio de suas competências e vida cotidiana, o necessário para sobreviver. A loja de varejo ou de retalho derivará da atividade comercial mais ampla, que envolvia as grandes trocas. Este hábito, tão característico da vida moderna que a globalização expande pelo mundo, vai ser incorporado ao universo da vida material descrita por Braudel (1985) como quotidiano, hábito, rotina; aquilo que nos condiciona a vida, sem que saibamos sequer; mil gestos que florescem, se completam por si e perante os quais ninguém tem de tomar decisões, gestos que acontecem, na realidade, fora da nossa plena consciência. Inumeráveis gestos herdados, confusamente acumulados, infinitamente repetidos para chegarem até nós, ajudam-nos a viver, aprisionam-nos, decidem por nós, ao longo de toda nossa existência.

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Incitamento, pulsões, modelos, formas ou norma de atuação, que remontam por vezes, muito mais do que supomos, aos confins dos tempos. Antiqüíssimo e sempre vivo, um passado multisecular deságua no presente. Segundo Menegasso (1998), em seus primórdios, como uma atividade irregular do incipiente cotidiano urbano, o comércio é de estruturação simples. Havia lugar e hora marcada para acontecer. É regulado pelos senhores feudais e pelos agentes clérigos, que desta atividade se aproveitam para comercializar o subproduto das atividades daqueles sob as rédeas dos seus domínios É uma atividade desenvolvida em segundo plano, que não oferecia a ninguém da aldeia status ou prerrogativas de diferenciação social. Estas estavam invariavelmente associadas à existência de vínculos com o poder feudal e com o clero. Pelo contrário, o comércio era visto com reservas pelos indivíduos, pois não havia mecanismos de proteção dos participantes ou de inibição de oportunismo. Por essa razão, conforme Ramos apud Menegasso(1998), mulheres e crianças não iam ao mercado, pois lá era lugar em que se "enganavam pessoas". Os costumes interferiam centralmente no funcionamento da atividade, franqueando apenas aos adultos homens a participação. Enquanto não houve mudança social, política e tecnológica o comercio ficou restrito à limitada e previsível dimensão local. Ou seja, o fato social-político absorvia o fato econômico. Entretanto, tais mudanças faziam-se necessárias para superação das históricas restrições de infra-estrutura (estradas e meios de transporte), segurança (saques), legitimação/regulação (senhores feudais cobravam pelo acesso às suas terras) e ausência ou não uniformidade de moedas nas regiões abrangidas, fatos que tornavam as expansões arriscadas, custosas e incertas. Entre as mudanças que levaram à notável expansão da atividade comercial na idade média encontram-se:

• Cruzadas religiosas; • Crescimento e adensamento urbano; • Estruturação dos meios monetários; • Surgimento e melhoria da tecnologia de navegação e transporte terrestre; • Intensificação e aprofundamento da atividade industrial; • Crescente estruturação da vida em torno de organizações e desenvolvimento

de novos papéis sociais. Os fatores acima citados, de natureza explícita política, social, tecnológica e econômica entrelaçam-se num hiato de tempo que vai do século X ao XII, abrindo, então, as portas para uma transformação de acirramento crescente constante e consistente que atravessa os séculos vindouros. Evidentemente, novos fatores de semelhante natureza (resultantes direta da insurgência de novas conjunturas de organização política) respondem por esse acirramento com o passar do tempo. Neste sentido, é fato marcante a decadência da institucionalidade feudal. Havia uma conjuntura histórica propícia à ruptura. Como observado em Huberman (1981), as cruzadas religiosas ensejam uma nova realidade, pois requerem uma nova estruturação do modo de viver a fim de viabilizar os deslocamentos com intuitos conquistadores que lhe caracterizavam, ainda que fossem religiosamente consubstanciados. Elas transformam definitivamente a vida das aldeias. Sua viabilização estava relacionada à provisão de recursos (de consumo imediato e estruturais) e à arregimentação de participantes. Para ocorrerem, as cruzadas implicavam novos hábitos de vida, logo de consumo, que favoreceram aos comerciantes, que puderam ter nesse novo

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contexto a legitimação da sua especialização social, uma vez que acompanhavam as cruzadas como fornecedores. Em paralelo aos movimentos de cruzada, multiplicam-se as cidades, aumentam o intercâmbio cultural e, logicamente, a aquisição de novos hábitos de consumo, agora por produtos estrangeiros. Neste contexto de adensamento populacional e intercambio cultural, acirra-se entre os indivíduos o hábito de buscar fora do domínio de suas competências e vida cotidiana, o necessário para a sobrevivência. Para completar, as rotas estão abertas e a tecnologia de transporte, terrestre e de navegação, ainda que incipiente, vai sendo disponibilizada. As mudanças de papéis e estratificação social são significativas. Primeiro, duas classes sócias, enraizadas em suas atividades seminais, assumem papel importante: os comerciantes e os artesãos. Em seguida, destacam-se os nobres e cavalheiros que viram nas cruzadas a possibilidade de possuir suas próprias terras e obter riquezas. Corta-se o laço de dependência com os senhores feudais. Processos que dão início ao fim do papel dos servos e a abertura de nova estruturação das relações sociais, distante esta da auto-suficiência e da dominação e exploração do trabalho camponês comuns ao regime feudal.

4.1 Comércio sem fronteiras e ascensão de uma classe social na estruturação do poder O processo de ruína do feudalismo marca o início de uma nova institucionalidade, a pré-capitalista, e uma nova face para a geopolítica do poder à época. Neste novo contexto institucional o comercio tem papel chave, assim como a atividade industrial, num processo histórico que culminará na revolução industrial. Novas organizações, baseadas nestes ofícios, surgem como processo de estruturação da realidade econômica, esta não mais circunscrita e completamente subjacente às relações sociais locais. As mudanças anteriormente assinaladas permitem a integração dos mercados locais com as rotas comerciais de maior alcance, especialidade e volume. A estruturação das cidades e o modelo de urbanização observado gerarão a perspectiva de ponto, de lugar, importante para o assentamento de uma atividade regular. Neste contexto, as feiras semanais foram superadas por não oferecer o nível de serviço que as cidades mais populosas demandavam. Surgem as feiras periódicas, com mais variedade e atores, e mais regulares e estáveis. Novos atores emergem. Existe agora o dono da loja, retalhista, o comerciante local e os inter-regionais, atacadistas que abastecem com variedade a incipiente indústria. Os comerciantes emergem como a nova classe social, confrontando com os seus, os históricos interesses da igreja e da nobreza. É o comércio que oferece as primeiras possibilidades de ocupação, fato que marcará definitivamente a vida naquela época e a partir dela. Conforme salienta Menegasso (1998), um dos efeitos mais importantes do crescimento comercial foi o desenvolvimento das cidades. A expansão do comércio significava trabalho para um maior número de pessoas, e estas, para obtê-lo, deslocavam-se até a cidade. E mesmo que, segundo Braudel (1985), entre o séc. XV e o séc. XVIII ainda vigorasse um enorme setor de autoconsumo - que se mantinha alheio ao mundo das trocas, da economia de troca - a estruturação da vida em torno da atividade comercial estava evoluindo. Em termos comerciais podiam ser observadas as seguintes modalidades, em

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ordem crescente de importância da movimentação comercial (as últimas dominadas por negociantes, grandes mercadores, que não se dedicam ao comércio e ao retalho):

No universo que o autor aborda em seu livro - Dinâmica do Capitalismo -, assiste-se lado-a-lado, camponeses em aldeias, com vida quase autônoma e autárquica e uma economia de mercado e capitalismo em expansão. As cidades estão em formação. É nesse emergente contexto urbano que o comércio varejista, retalhista, vai surgir no formato de loja e na pessoa do dono da loja. E já surge como uma inovação. Segundo o autor, o dono de loja vende o que fabrica ou vende o que os outros produziram, é um mercador. Como a loja está sempre aberta, tem a vantagem de proporcionar a troca contínua, enquanto o mercado só funciona duas ou três vezes por dia. A loja é a troca associada ao crédito, porque o lojista recebe a mercadoria a crédito e a vende a crédito. Uma longa cadeia de créditos e dívidas é forjada pela troca. O comércio varejista, portanto, tem suas raízes na vida material, mas se estrutura na vida econômica que, para o autor, é a vida da economia de mercado, a vida que substitui a economia das trocas, vida de mercado, que põem em contato um número suficiente de burgos e de cidades, para iniciar já a organização da produção e orientar e comandar o consumo. Era o prenuncio do papel que os supermercados desempenham hoje: organizar a produção e orientar e comandar o consumo. Ainda segundo o autor a natureza da economia de mercado a reduz a um papel de ligação entre a produção e o consumo, e que antes do século XIX, ela é simples estrato mais ou menos espesso e resistente, por vezes, muito fino, situado entre o oceano da vida quotidiana (vida material) que a sustem e os processos do capitalismo que, normalmente, a manobram desde cima. Em suas origens, portanto, o varejo é uma atividade incipiente e subalterna, uma parte do simples estrato que é como o autor nomeia a chamada economia de mercado. O autor chega mesmo a fazer a classificação de dois registros, um inferior, envolvendo os mercados, lojas, e vendedores ambulantes, e um registro superior, envolvendo feiras e bolsões. Nesta posição inferior os varejistas ficarão por muito tempo. As maiores mudanças ocorrem no século XX, mas é no século XVII que as lojas vão explodir vão explodir pela Europa, criando o que o autor chama de apertadas redes de distribuição.

4.2 O aparecimento dos supermercados

O conceito de supermercado aparece nos EUA na década de 30. Ele nasce como um símbolo dos tempos difíceis e com o objetivo de baratear custos e vender produtos a preços módicos, numa época marcada pela grave crise econômica, política e social que teve seu auge em 1929. Esse formato começa a funcionar em grandes lojas de baixo custo, localizadas em fábricas, armazéns e galpões abandonados na periferia das cidades e com a formula que lhe é característica: auto-serviço; check-out; mix amplo de produtos (mercearia líquida e seca, carnes, padaria); pague e leve; preços mais baratos que outros formatos; grande volume de vendas e pagamento à vista (LEPSCH, 2001).

Mercado Lojas Feirões Bolsas

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Os supermercados aparecem no Brasil na década de 50. Sua aceitação e desenvolvimento, porem, não é igual a dos EUA.. Fatores socioeconômicos: não havia pressão para economizar tempo; baixa taxa de motorizacão da população; consumidor acostumado ao serviço de entrega e a pendurar na conta; supermercados não ofereciam diferenças marcantes no preço: houve muita concorrência com mercearias, açougues, feiras. Antes do modelo supermercado o domínio era de formatos e modelos tradicionais de lojas, com poucas ou uma só categoria ou mesmo parte de uma categoria de produto: mercearia seca, mercearia líquida, padaria, açougue, leiteria, quitanda (LEPSCH, 2001). Comparado aos formatos tradicionais da época, armazéns, empórios ou mama and Papa stores (pequenas lojas operadas em regime familiar), o supermercado representa uma grande inovação e uma mudança radical no padrão de relacionamento e consumo da sociedade americana: preço mais barato, maior divisão do trabalho, maior eficiência (autoserviço), compra média grande (tudo num mesmo lugar). Tudo para atender a uma sociedade que começa a se motorizar intensamente, e com um ritmo de urbanização acelerado. Segundo o autor, em seus primórdios o relacionamento entre Supermercados e a Indústria de Alimentos era de cooperação mútua, ou catalisação recíproca. Ambos se auxiliam na transformação de hábitos alimentares que os beneficiaram mutuamente. Os supermercados induziram a diferenciação de marcas, produtos e embalagens. Ofereciam produtos à comparação. Com o passar do tempo, a mudança de hábito de consumo e de novos valores gera homens e mulheres modernos que absorvem as proposições mercadológicas dos produtos/marcas industriais: produtos mais modernos, higiênicos, científicos, embalagens vistosas, funcionais, novos sabores. Esses consumidores vão aos supermercados e ajudam a consolidar a imagem destes como instituição moderna, limpa e eficiente. Após seu lançamento, observa-se a significativa expansão dos supermercados pela América e, posteriormente, pelo mundo. O modelo de negócio muda radicalmente, acompanhando as transformações tecnológicas, sociais, política, econômicas e culturais de cada época. Ele passa a ser considerado um ícone da afluência social, o local de compra dos ricos, mas mantém a natureza do auto-serviço. Lepsch (2001) traz algumas passagens sobre os supermercados após sua aparição:

• Após 36: economia americana se recupera. Supermercados mudam, deixam de ser algo improvisado e rústico, adotam nova arquitetura ambiental, métodos mais refinados de operação, melhor exposição dos produtos, ambientes mais agradáveis, balcões refrigerados. Eles se adaptam às mudanças no comportamento do consumidor, que tem mais renda: consumidor usa refrigeradores e automóveis, diminui a freqüência da compras, concentram-doas, e consome produtos refrigerados. Mas mantém preço inferior ao da concorrência.

• Anos 40-50: Após segunda guerra busca-se estratégia para aumentar competitividade: melhoria do mix para dar mais margem, com produtos de bazar, cosmético, ferramentas, revistas e livros. Novo mix compensava redução da margem dos produtos alimentícios, novo mix de serviço, com ar condicionado central, carrinho de compra, gôndolas modernas e balcões frigoríficos abertos. Final dos 40: primeiros momentos de internacionalização

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em países como: Suécia, Holanda, Bélgica, França, Inglaterra. Neste período nascem as lojas de conveniência (lojas de auto-serviço alimentar de vizinhança que oferecem um mix restrito de produtos em variedade e sortimento, cobram preços que compensam falta de escala, atendem compras emergenciais/reposição) no Texas. O nome de fantasia “Seven-Elevem” fazia referência ao horário de funcionamento, das 7:00 as 23:00. Nas décadas de 50 e 60, modelo se expande e passa a funcionar 24 horas por dia.

• Anos 60/70: mudança no modelo de negócio leva ao declínio da lucratividade. Mudança demográfica afeta perfil das compra, pois taxa de crescimento da população americana arrefece, aumentando a rivalidade entre os grupos. Ações mais comuns: ganhar mercado dos rivais ou lançar novos mix. A América muda: aumento dos salários afeta custo da Mão-de-Obra; há aumento do custo da energia; mulher vai para o mercado de trabalho (menos tempo para as compras e para a casa); a renda familiar aumenta (duas fontes; homem e mulher), maior demanda por serviços periféricos que agilizem tempo gasto na compra, pede-se mão-de-obra mais preparada e produtos mais elaborados, que oferecem maior rapidez no preparo. A internacionalização das lojas de conveniência ocorre para o Japão em 1973, via licenciamento.

• Anos 80/90: o formato de supermercado tradicional cede espaço para formatos mais competitivos, com área de venda mais ampla, maior mix de não-alimentos, mix de preços mais baixo, mais serviços periféticos. Wal-mart lança o clube de compra (warehouse club) e o supercentro (supercenter): mais de 60 mil itens. Nos países que recebem os varejistas Europeus, o modelo de Hipemercado é mais comum. O foco é na melhoria do relacionamento entre varejistas e fabricantes para agilizar o fornecimento. Aparece o movimento do ECR – Resposta rápida ao consumidor, que interliga os depósitos de varejistas e fornecedores, permitindo a reposição ágil dos produtos em baixa no estoque.

5. Conclusões Da origem marcada pela incipiência e desestruturação para a atual posição, onde desempenha papel central na estruturação econômica no plano internacional e, principalmente, nos sistemas agroalimentares em volta do globo a atividade varejista mudou bastante. De uma posição subalterna, quando não passava de loja dependente do capitalismo mercantil da idade média, esse modelo de negócio experimentou diversas transformações que o torna hoje um dos maiores símbolos da chamada globalização hegemônica.

A emergência da rede americana Wal-mart como maior empresa do mundo e toda a controvérsia envolvendo a história dessa empresa mostra que o setor de serviço está tão forte quanto o setor industrial no bojo dos processos de transformação econômica, cultural e social de muitas regiões do globo. A criação dessas redes de produção globais é a forma que essas organizações mais influenciam o sistema agroalimentar mundial. Essas redes têm parte de seus nós estabelecidos em diversos contextos urbanos dos países em que operam, criando espaços de

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consumo especialmente desenhados para promover a cultura de negócio e de consumo que melhor satisfaçam os interesses dessas empresas. Ao mesmo tempo, outra parte da rede atua na captação e transporte de produtos do mundo inteiro, interferindo significativamente nas economias locais e regionais onde estão inseridos seus fornecedores. Estimulados pela proximidade com a demanda e beneficiados pelo enfraquecimento do elo industrial dentro do sistema agroalimentar, o varejo supermercadista de classe mundial promove os produtos explorando conjuntos de significados que melhor lhes convém, desconsiderando, se necessário, todo o universo simbólico que possa haver entre os produtos e regiões e comunidades onde esses produtos são produzidos. O caso da banana na Inglaterra, onde são explorados significados relativos ao exótico, reflete bem essa questão. Neste sentido, as lojas de supermercados instaladas nas principais cidades dos países desenvolvidos criam em suas dependências o que pode ser chamado de “espaço-mundo” onde os consumidores podem encontrar para consumo produtos de diversas regiões do globo. No caso dos produtos alimentícios como frutas, legumes e verduras, a montagem, funcionamento e manutenção destas redes dentro dos parâmetros de qualidade reclamados pela demanda fortalecida implicam na imposição aos produtores rurais de grades e standards e contratos restritivos que se não forem seguidos resulta do alijamento destes do principal circuito de distribuição e consumo do sistema agroalimentar mundial. As feiras e outras modalidades de comércio de proximidade perderam e ainda perdem espaço no tumultuado e anônimo espaço urbano (REARDOM et al, 2003). Uma possível resposta ao avanço e consolidação dos supermercados parece não ter tomado o corpo e a densidade que se espera de uma resposta aos efeitos da globalização hegemônica. O modelo de negócio do auto-serviço consolida-se hegemonicamente. O caso brasileiro aponta que as grandes empresas supermercadistas que aqui se instalaram operam diversos formatos de loja, desde o hipermercado até a chamada loja de vizinhança. A estratégia é tentar recuperar neste último modelo um pouco da pessoalidade que caracterizam essas relações de bairro. Em muitos casos as lojas são preparadas para reproduzir uma atmosfera de consumo que remete ao ambiente de consumo das feiras e pequenos comércios. Essas mega-empresas conseguem, devido à escala em que operam, tornar essas lojas economicamente eficientes. Como afirmam Reardom et al (2003) os supermercados não estão mais apenas em nichos de mercado das grandes cidades servido as classes altas e médias. Eles estão se deslocando para as cidades médias e pequenas e mesmo para áreas rurais. O associativismo, que envolve a associação de pequenos comerciantes em torno de uma central de compra, pode ser entendido como uma resposta à concentração de capital em grandes empresas supermercadistas. No Brasil esse movimento virou um fenômeno que conta com a ajuda das industrias de alimentos que têm dessa forma chance de negociar preços que compensem as pressões exercidas pelos grandes varejistas. Uma possível resposta, porém, deveria considerar as idéias defendidas por Santos (2002), que em uma economia e cultura cada vez mais desterritorializadas, a resposta contra seus malefícios não pode deixar de ser a reterritorializacao, a redescoberta do sentido de lugar e da comunidade, o que implica a redescoberta ou a invenção de atividades produtivas de proximidade. Traduz-se na identificação, criação e promoção de inúmeras iniciativas locais em todo o mundo. Onde a localização implicaria um conjunto de

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iniciativas que visam criar ou manter espaços de sociabilidade de pequena escala, comunitários, assentes em relação face-a-face, orientados para a auto-sustentabilidade e regidos por lógica cooperativas e participativas. Essa proposta de localização estaria baseada na pequena agricultura familiar, no pequeno comércio local, em sistemas de trocas locais baseados em moedas locais, formas participativas de autogoverno local. A Idéia base seria: a cultura, a comunidade e a economia estão incorporadas e enraizadas em lugares geográficos concretos que exigem observação e proteção constantes. É o chamado Bioregionalismo. Não se trata de fechamento isolacionista, são medidas de proteção contra as investiduras predadoras da globalização neoliberal. O associativismo não encerra integralmente o proposto acima, mas tem componentes parecidos, uma vez que seus entusiastas são em sua maioria donos de comércios locais, ameaçados pela proximidade de uma mega-loja de varejo. Entretanto, no geral as compras feitas nestes estabelecimentos seguem o padrão de busca de melhor preço e conveniência de lugar pelos consumidores. Os brasileiros não vão a estes estabelecimentos munidos de um sentimento de que consumindo ali estariam contribuindo para uma causa social maior. Uma resposta mais significativa poderia ser dada através das estruturas regulatórias dos diversos países, se estas estivessem impregnadas pelos princípios defendidos por Santos (2002). Contudo, o que se observa é que as regulações são sempre flexibilizadas para atender aos interesses dessas grandes redes. Reardom et al (2003) demonstram como que as regulações municipais em muitas cidades acabam por favorecer aos supermercados quando pressionam ou inviabilizam feiras livres e pequenos comércios para melhoria nas condições de higiene e adaptação às condições de trânsito locais. Através do acesso privilegiado aos maiores mercados de consumo do mundo, da posse de sistemas de informações que permitem interação constante com esses consumidores, da montagem de redes de produção global capazes de garantir qualidade, flexibilidade, custo e confiabilidade ao consumo, da imposição de grades e standards e contratos altamente restritivos e excludentes, e da posse de capacidade financeira que permite investimentos externos que seduzem os enfraquecidos governos da periferia do sistema mundial, as redes varejistas supermercadistas demonstram forças que podem influenciar a estrutura e dinâmica dos sistemas agroalimentares. 6. Bibliografia • ARCE, A.; MARSDEN, T.K. The social construction of international food: a new

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