Glória nos tempos de complexo: os craques que construíram o país do futebol

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Glória nos tempos de complexo Os craques que construíram o país do futebol Textos, edição e pesquisa por André Picolotto Iniciar

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Especial multimídia* desenvolvido para a disciplina Redação p/ Internet, do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). *O Issuu não reproduz as funções interativas do trabalho. Para ter acesso a elas, basta fazer o download do arquivo!

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Glória nos tempos de complexoOs craques que construíram o país do futebol

Textos, edição e pesquisapor André Picolotto

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Nos conhecemos como “O País do Futebol” na Suécia, em 1958. Didi, Pelé, Garrincha, Nilton Santos, Gilmar... O mundo tardou,

mas enfim veio, e doze anos depois já seríamos os primeiros tricampeões do mundo. Antes de 58, porém, vivíamos sob o famoso “complexo de vira-latas”, cuja origem está em uma ferida até hoje mal-curada: a Copa de 50 escapando entre os dedos na derrota de virada para o Uruguai, por 2x1, quando era necessário apenas um empate para o Brasil se sagrar campeão. Duzentos mil incrédulos estavam no Maracanã naquela tarde. O Brasil perdera quando não podia. Portanto inútil lembrar a campanha espetacular que a Seleção, favoritíssima, havia feito; inútil também dar ouvidos ao capitão uruguaio, Obdúlio Varela, afirmar que “se jogássemos mais 100 vezes contra o Brasil, perderíamos 99”. Diferente de outras

favoritas, como a Hungria de 54 e a Holanda de 74, não soubemos lidar com a derrota. Os feitos de uma geração inteira de jogadores seriam tornados irrelevantes em questão de alguns minutos. A maior injustiça de todas é o esquecimento, coisa em que o Brasil é craque. O nosso futebol, hoje pentacampeão, não chegou a esse patamar através das conquistas, que são consequência, mas a partir da lenta construção de um jeito único de jogar futebol. E se a glória não veio no conjunto, sobrou na individualidade: craques são produzidos no Brasil desde o início do século XX. Este especial resgata a memória de sete jogadores que desempenharam papel fundamental na formação do futebol brasileiro e encantaram gerações de torcedores. A lembrança se faz obrigatória porque seu legado não vive nas imagens, mas nas palavras.Conheça os jogadores

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Introdução

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O primeiro ídolo Arthur Friedenreich foi o melhor jogador antes da profissionalização do futebol brasileiro. Tinha dezessete anos quando começou e, até se aposentar, aos 43, conquistou sete campeonatos paulistas, três brasileiros de seleções, jogando por São Paulo, e dois sul-americanos pelo Brasil. Nesses campeonatos, foi artilheiro nove, onze e duas vezes, respectivamente. Ninguém naquela época jogou mais que Friedenreich. Nunca se chegou a um número preciso de quantos gols Fried fez na carreira; já se falou em 1329, 38 a mais que Pelé – mais plausível seria, porém, “apenas” 544, segundo levantamento publicado na revista Placar em 1999. Concreto mesmo é a sua maestria em campo. Tido como o inventor do drible curto e do chute de efeito, foi Friedenreich quem fez o gol do primeiro título sul-americano do Brasil, em 1919, contra o Uruguai. “El Tigre”, como foi apelidado, era filho de um comerciante alemão com uma lavadeira negra. Doou os seus troféus para a Revolução de 1932, menos uma bandeira do Brasil queimada por argentinos em 1921, quando o time de Fried, o Paulistano, ganhou do River Plate em plena Buenos Aires. Mesmo com a profissionalização do nosso futebol, em 1933, preferiu manter-se no amadorismo, onde nunca foi superado.

Ficha técnicaNome: Arthur Friedenreich

Nascimento: São Paulo – SP, 18/7/1892; 6/9/1969

Posição: Center-forwardClubes: Germânia-SP (1909

e 1911), Ypiranga-SP (1910, 1913 a 1915, 1917), Paysandu-

SP (1916), Paulistano (1916, 1917 a 1929) e São Paulo da

Floresta (1930 a 1935)Jogos pela seleção: 15 Gols: 8

Friedenreich

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Domingosda Guia

Divino Domingos Vale até hoje a lógica do “bola pro mato” como instrumento básico no ofício do zagueiro. A qualidade do beque é medida pela sua eficiência em defender, única exigência obrigatória – saber jogar é qualidade a mais. Domingos jogava tanto, com refinamento e habilidade difíceis de encontrar até nos homens de frente, que aos 18 anos já era zagueiro da Seleção e aos 20 jogava fora do país, fato raro na época. A imprensa uruguaia o chamava “El divino mestre”. A habilidade e a ousadia de Domingos na zaga é herança do tempo de menino na várzea de Bangu, onde era considerado “o rei das peladas.” Nada mais natural levar tal futebol para dentro das quatro linhas oficiais e ali assombrar os torcedores – e os companheiros de profissão – com os dribles desconcertantes aplicados nos atacantes dentro da própria área. Essa jogada, que se tornou a marca registrada do futebol espetacular de Domingos da Guia, ficou conhecida como “domingada”. A carreira de títulos – chegou a ser campeão nacional em três anos por clubes de três países diferentes – ganharia uma mácula na única Copa do Mundo que disputou. Na semifinal de 1938, contra a campeã Itália, cometeu um pênalti bobo, fora do lance, em cima do atacante Piola. O Brasil, cujo futebol encantava o mundo pela primeira vez, perderia por 2x1 e a Itália levaria o bi. Mas não foi suficiente para diminuir o legado deste pioneiro em tratar a posição de zagueiro como arte. Anos depois, Domingos ainda daria mais um presente ao futebol brasileiro: seu filho Ademir, o maior ídolo da história do Palmeiras.

Ficha técnicaNome: Domingos Antônio da GuiaNascimento: Rio de Janeiro – RJ, 19/11/1912; 18/5/2000Posição: Zagueiro Clubes: Bangu (1929 a 1932, 1948 a 1949), Vasco da Gama (1932 e 1934), Nacional-URU (1933), Boca Juniors-ARG (1935 a 1936), Flamengo (1936 a 1943) e Corinthians (1944 a 1947)Jogos pela seleção: 30Copas do Mundo: 1938 – 4 jogos Voltar

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O Diamante Negro Estádio Centenário, Montevidéu, 1932. O Brasil vencia os uruguaios, à época bicampeões olímpicos e campeões mundiais, por 1x0, gol do jovem Leônidas da Silva. Em determinado momento da partida, o centroavante de 1,65m lança uma bola de bicicleta e corre para estufar as redes uruguaias pela segunda vez. Era inacreditável. Não se sabe se Leônidas inventou a bicicleta, mas é consenso que o elástico jogador, “o Homem de Borracha”, foi o responsável pela sua popularização. Na Copa do Mundo da França, em 1938, Leônidas ganhou outro apelido, rendendo até um chocolate: “Diamante Negro”. A fama tinha o seguinte fundamento: em meio ao cartesiano futebol praticado na Copa, recheado de chutões, a Seleção Brasileira jogava com a alegria e a imprevisibilidade que se tornariam características, e Leônidas era o brilho maior daquele time. Sessenta anos depois, na segunda Copa da França, a placa “Leônidas vive” era levantada por torcedores franceses, tamanho o encanto que despertara. Friedenreich fora para o futebol amador o que Leônidas era no berço da profissionalização do esporte no país: um astro. Lêonidas marcou o único gol brasileiro na Copa do Mundo de 1934. Quando encantou os franceses, quatro anos depois, tornaria-se o primeiro artilheiro brasileiro em Copas, com oito gols em quatro jogos – balançou as redes de peito, de cabeça e até descalço! Não jogou a semifinal em que o Brasil perderia para a campeã Itália. E se o título não veio com a Seleção, nos clubes em que jogou a história é outra: o majestoso Leônidas da Silva é campeão por Vasco, Botafogo, Flamengo e cinco vezes pelo São Paulo.

Ficha técnicaNome: Leônidas da Silva

Nascimento: Rio de Janeiro – RJ, 6/9/1913; Cotia – SP, 24/1/2004 Posição: Centroavante

Clubes: Bonsucesso (1930 a 1932), Peñarol-URU (1933), Vasco da Gama (1934), Botafogo (1935 a 1936), Flamengo

(1936 a 1942) e São Paulo (1943 a 1950)Jogos pela seleção: 25 Gols: 25

Copas do Mundo: 1934 – 1 jogo, 1 gol; 1938 – 4 jogos, 8 gols

Leônidas da Silva

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Glória e desgraça Obituário-golaço de Armando Nogueira, camisa 10 da crônica esportiva verde-e-amarela: “Heleno de Freitas, o craque das mais belas expressões corporais que conheci nos estádios, morreu, sem gestos, de paralisia progressiva, e descansa, hoje, no cemitério de São João Nepomuceno, onde nasceu um dia para jogar a própria vida num match sem intervalo entre a glória e a desgraça” Assim foi Heleno, craque difícil que oscilou dentro e fora dos gramados entre a inconseqüência e a genialidade – e perdeu. Dentro não realizou o sonho de disputar uma Copa do Mundo; e fora acabou louco num hospício de Barbacena (MG) em decorrência da sífilis, novo, aos 39 anos. Em meio a essa tragédia pessoal, porém, o primeiro jogador-problema do futebol brasileiro teve uma carreira recheada de glórias. Heleno de Freitas é, até hoje, o maior ídolo da história do Botafogo, ao lado de Garrinha. Mais do que um mero jogador, era um apaixonado pelo time carioca. Lá fez 209 gols em 235 jogos. Dono de uma elegância impar em campo – e da qual abusava fora dos gramados –, teve como marca registrada o domínio no peito. Foi ídolo na Argentina e na Colômbia. Em 1950 era um dos maiores ídolos do país, mas o técnico Flávio Costa preferiu deixá-lo fora da Copa por causa do temperamento. Enquanto jogador Heleno de Freitas foi galã, festeiro, mulherengo, drogado, boa vida, megalomaníaco – e um craque glorioso.

Nome: Heleno de FreitasNascimento: São João Nepomuceno – MG, 12/12/1920; Barbacena – MG, 8/11/1959Posição: Atacante Clubes: Botafogo (1940 a 1948), Boca Juniors-ARG (1948 a 1949), Vasco da Gama (1949), Junior de Barranquilla-COL (1949 a 1950), Santos (1951 a 1952) e América-RJ (1953)Jogos pela seleção: 18 Gols: 19

Ficha técnica

Heleno de Freitas

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Aos 19 anos, já titular do Flamengo e jogando ao lado de gente como Domingos da Guia e Leônidas da Silva, Zizinho ganhou o apelido de “mestre”. No fim da carreira, Mestre Ziza era tratado pelos companheiros como “seu Zizinho”, tamanho o respeito que despertava aquele craque franzino, um dos mais refinados jogadores da história do futebol. Até mesmo Pelé, quando dava os primeiros chutes como profissional, tinha Zizinho como um ídolo. A Segunda Guerra Mundial, responsável pelo cancelamento das copas de 42 e 46, infelizmente deu a Zizinho a chance de disputar apenas um mundial, o de 50. Apesar do vice, foi considerado o melhor jogador da Copa. Muitos afirmam que a sua atuação na vitória por 2x0 sobre a Iugoslávia é, até hoje, a melhor de um atleta pela Seleção – Zizinho fez um gol e acertou todos os passes. Em 1961, três anos depois de ter se aposentado dos gramados, foi contratado como técnico do chileno Audax. Os dirigentes então pediram para Zizinho entrar em campo uma única vez. Daquela partida, acabou jogando a temporada inteira. Era o adeus definitivo do maior craque do futebol brasileiro antes de Pelé.

O ídolo do Rei

Ficha técnicaNome: Thomaz Soares da Silva

Nascimento: São Gonçalo – RJ, 14/9/1922; Niterói – RJ, 8/2/2002

Posição: Meia Clubes: Flamengo (1940 a 1949), Bangu (1950 a 1956),

São Paulo (1957 a 1958) e Audax-CHI (1961 a 1962)Jogos pela seleção: 53 Gols: 30

Copas do Mundo: 1950 – 4 jogos, 2 golsZizinho Voltar

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Ah, se fosse o título! A Seleção vinha qual um trem desgovernado na Copa de 50. Sob a batuta de Zizinho, o Brasil não tomara conhecimento de México (4x0), Iugoslávia (2x0), Suécia (7x1), Espanha (6x1) – a exceção foi o empate com a Suíça, por 2x2. Dos impressionantes 21 gols em cinco jogos, o pernambucano Ademir de Menezes guardou – impressionantes! – 9. Como Leônidas da Silva em 1938, fez quatro em um jogo, contra a Suécia, feito até hoje não superado por outro brasileiro em mundiais. Mas teimaram os deuses do futebol, através dos pés infames de Schiaffino e Ghiggia, que ainda não era hora do tão sonhado título. E assim impediram que Ademir de Menezes, artilheiro daquela fatídica Copa do Mundo, se tornasse um dos maiores ídolos do nosso futebol. Para isso “Queixada” tinha futebol e gols, muitos gols de sobra – só não teve a consagração. As arrancadas fulminantes eram a principal característica de Ademir, somadas aos chutes mortais com os dois pés e à força física. Era o típico matador – estufava as redes de todos os jeitos possíveis e imagináveis. Quem viu Ademir de Menezes jogar conta que o Brasil teve poucos centroavantes de tamanho quilate.

Ademir de Menezes

Ficha técnicaNome: Ademir Marques de MenezesNascimento: Recife – PE, 8/11/1922; Rio de Janeiro – RJ, 11/5/1996Posição: Centroavante Clubes: Sport Recife (1940 a 1943), Vasco da Gama (1943 a 1945, 1947 a 1956) e Fluminense (1946)Jogos pela seleção: 41 Gols: 35Copas do Mundo: 1950 – 6 jogos, 9 gols

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JulinhoBotelho

140 mil aplausos

Ficha técnicaNome: Júlio BotelhoNascimento: São Paulo – SP, 29/7/1929; 10/1/2003Posição: Ponta-direitaClubes: Juventus-SP (1950), Portuguesa (1951 a 1954), Fiorentina-ITA (1955 a 1958) e Palmeiras (1958 a 1966)Jogos pela seleção: 27 Gols: 13Copas do Mundo: 1954 – 3 jogos, 2 gols

Julinho Botelho é considerado, depois de Mané Garrincha, o maior ponta-direita que o futebol brasileiro já teve. Ágil e driblador, foi ídolo no Brasil, ao conquistar títulos históricos pelo Palmeiras, e na Itália, quando defendia a Fiorentina. Sua passagem pelo futebol italiano foi memorável a ponto de um restaurante nas imediações da sede do clube manter até hoje a placa: “aqui almoçava Julinho”. Botelho disputou apenas uma Copa do Mundo, a de 54, em que o Brasil foi eliminado pela favorita Hungria. Mas poderia ter jogado em 58. O técnico Vicente Feola queria convocar o experiente ponta, já há três anos no futebol europeu, para jogar ao lado de Joel; Julinho não quis, em favor de outro jogador que atuava no Brasil e, segundo ele, merecia a vaga: Mané Garrincha. Mas Julinho ficaria marcado para sempre no imaginário futebolístico brasileiro ao protagonizar um dos momentos mais inesquecíveis do Maracanã. O jogo era Brasil X Inglaterra, dia 18 de maio de 1959, em comemoração ao título conquistado na Suécia. Julinho foi escalado no lugar do fora de forma Garrincha. Quando o locutor anunciou a mudança, iniciou-se uma vaia de 140 mil vozes. “Nunca um craque foi tão só”, escreveu Nelson Rodrigues acerca do episódio. O fato é que aos dois minutos Julinho balançou as redes inglesas e ainda deu o passe para o segundo gol. “Em inúmeras ocasiões, o que ele fez com o adversário foi pior que xingar a mãe”. Sob 140 mil aplausos.

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