Glossário Termos de Bakhtin

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1 Glossário Termos de Bakhtin Acabamento Bakhtin desenvolve a noção de acabamento ao analisar a relação entre autor e personagem e a criação dessa última. Ao pensarmos na noção de acabamento, há que se dizer, antes de mais nada, que se trata de uma especificidade estética (relacionado ao mundo artístico): não é nem ética (relacionado ao mundo da vida), nem cognitiva (relacionado ao psíquico), embora não se possa desconsiderar uma imbricação de elementos ativos éticocognitivo-estéticos. No plano artístico, elementos da vida são reorganizados de modo a compor uma nova unidade, da qual o próprio “autor -criador” aparece como sendo ao mesmo tempo um elemento constituinte e organizador. O autor aparece como a apropriação de uma voz social que ordena o todo estético e essa ordenação é sempre um “ato valorativo”, mas ela só se realiza porque a ele é conferida ao mesmo tempo uma posição privilegiada em relação ao seu herói e seu mundo: uma posição exterior. No plano da vida (o plano ético), somente um excedente de visão permite completar um i ndivíduo “naqueles elementos em que ele não pode completar-se.” Eu não posso, ao contemplar-me, realizar um acabamento de mim, pois não me é possível abarcar todos os elementos plásticos e picturais, isto é, o horizonte atrás de mim e a minha própria imagem externa, nem expressividades volitivoemocionais que constituirão um todo. E também porque essa minha autocontemplação se realiza na linguagem das minhas auto- sensações internas; em outras palavras, seria demasiadamente subjetiva. Deste modo, o acabamento que o outro me dá, e que só é possível a ele pela posição que ocupa em relação a mim, é uma conferência de valores aos elementos (que me completam) que me são inacessíveis e transgredientes. Como vivo em sociedade, com outros, este acabamento é provisório até o encontro com outra alteridade. Alma Interioridade, imediatidade. Nas palavras de Bakhtin “sou o único em toda existência a ser eu-para-mim”. A alma é a percepção que o eu tem de si mesmo.

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Um apanhado de algumas das principais categorias apresentadas na obra de Mikhail Bakhtin.

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    Glossrio

    Termos de

    Bakhtin

    Acabamento

    Bakhtin desenvolve a noo de acabamento ao analisar a relao entre autor e

    personagem e a criao dessa ltima. Ao pensarmos na noo de acabamento,

    h que se dizer, antes de mais nada, que se trata de uma especificidade esttica

    (relacionado ao mundo artstico): no nem tica (relacionado ao mundo da

    vida), nem cognitiva (relacionado ao psquico), embora no se possa

    desconsiderar uma imbricao de elementos ativos ticocognitivo-estticos. No

    plano artstico, elementos da vida so reorganizados de modo a compor uma

    nova unidade, da qual o prprio autor -criador aparece como sendo ao mesmo

    tempo um elemento constituinte e organizador. O autor aparece como a

    apropriao de uma voz social que ordena o todo esttico e essa ordenao

    sempre um ato valorativo, mas ela s se realiza porque a ele conferida ao

    mesmo tempo uma posio privilegiada em relao ao seu heri e seu mundo:

    uma posio exterior. No plano da vida (o plano tico), somente um excedente

    de viso permite completar um indivduo naqueles elementos em que ele no

    pode completar-se. Eu no posso, ao contemplar-me, realizar um acabamento

    de mim, pois no me possvel abarcar todos os elementos plsticos e picturais,

    isto , o horizonte atrs de mim e a minha prpria imagem externa, nem

    expressividades volitivoemocionais que constituiro um todo. E tambm porque

    essa minha autocontemplao se realiza na linguagem das minhas auto-

    sensaes internas; em outras palavras, seria demasiadamente subjetiva. Deste

    modo, o acabamento que o outro me d, e que s possvel a ele pela posio

    que ocupa em relao a mim, uma conferncia de valores aos elementos (que

    me completam) que me so inacessveis e transgredientes. Como vivo em

    sociedade, com outros, este acabamento provisrio at o encontro com outra

    alteridade.

    Alma

    Interioridade, imediatidade. Nas palavras de Bakhtin sou o nico em toda

    existncia a ser eu-para-mim. A alma a percepo que o eu tem de si mesmo.

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    Sou o nico na face da Terra que posso tornar-me objeto de anlise, para alm

    do sentido emprico. Posso sentir-me em pensamento. A alma a experincia de

    si. Diferente a experincia do outro. O meu horizonte nunca se coincide com o

    horizonte daquele que contemplo minha frente. Assim como dois seres no

    compartilham o mesmo lugar no espao, no compartilham tambm a mesma

    alma. Sempre devemos voltar a ns mesmos quando de alguma forma

    participamos da alma do outro. Se no houver essa volta a ns mesmos, camos

    em uma patologia que no gera nada, pois sentiremos a dor do outro como

    nossa e nada mais. O outro um corpo que no responde as nossas vontades

    imediatas. Sua interioridade no nos pertence. No conseguimos sentir em nossa

    pele o arrepio da pele do outro , nem conseguimos compartilhar os pensamentos

    do outro. Essas experincias so prprias da alma de cada um. A alma o que

    inerente a si mesmo, ou, tudo aquilo que do outro nos escapa. Nossa alma tem

    seus limites, o todo fechado da vida interior, o qual igual a si mesmo,

    coincide consigo mesmo e postula o ativismo amoroso distanciado do outro. A

    alma uma ddiva do meu esprito ao outro . S podemos abraar o outro para

    nos sentirmos realmente abraados: Minha imediatidade, minha alma, no me

    permite um auto abrao emotivovalorativo, s fsico. A alma um aqui, o

    outro um ali. Essa sensao, essa impossibilidade de sentir-se outro , mas s a

    si mesmo, caracteriza a presena de nossa interioridade. Jamais vou conseguir

    me alojar por inteiro em qualquer objeto, pois excedo qualquer objeto como

    seu sujeito ativo.

    Alteridade

    Para Bakhtin, na relao com a alteridade que os indivduos se constituem. O

    ser se reflete no outro, refrata-se. A partir do momento em que o indivduo se

    constitui, ele tambm se altera, constantemente. E esse processo no surge de

    sua prpria conscincia, algo que se consolida socialmente, atravs das

    interaes, das palavras, dos signos. Constitumos-nos e nos transformamos

    sempre atravs do outro . isso tambm que move a lngua. Toda refrao

    ideolgica do ser em processo de formao, seja qual for a natureza de seu

    material significante, acompanhada de uma refrao ideolgica verbal, como

    fenmeno obrigatoriamente concomitante. Nos atos de interpretao e

    compreenso, a palavra alheia se faz sempre presente. Na filosofia de Bakhtin, a

    noo de alteridade se relaciona com pluralidade, heteroglossia, polissemia,

    muitas vozes, ideologia. Em Esttica da Criao Verbal, Bakhtin afirma que

    impossvel algum defender sua posio sem correlacion-la a outras posies,

    o que nos faz refletir sobre o processo de construo da identidade do sujeito,

    cujos pensamentos, opinies, vises de mundo, conscincia etc. se constituem e

    se elaboram a partir de relaes dialgicas e valorativas com outros sujeitos,

    opinies e dizeres. A alteridade fundamento da identidade.

    Arquitetnica

    Para entender as consideraes sobre arquitetnica, contidas em O problema

    do contedo, do material e da forma na criao literria (Questes de

    literatura e esttica), devemos levar em conta algumas consideraes de O

    autor e o heri (Esttica da criao verbal). O conceito de arquitetnica

    presente, inicialmente, em Arte e Responsabilidade , vincula-se s

    consideraes feitas pelo filsofo russo acerca da relao entre arte e vida e da

    noo de responsabilidade. A arquitetnica a construo ou estruturao do

    discurso sempre relativamente estvel -, que une e integra o material, a forma

    e o contedo. De acordo com Bakhtin, a arquitetnica da viso artstica organiza

    tanto o espao e o tempo quanto o sentido. Um todo arquitetnico imbudo da

    unidade advinda do sentido. O todo tem relao com o acabamento, que se

    vincula ao excedente de viso como elemento constitutivo basal tanto da

    interao quanto da atividade autoral. As formas arquitetnicas (viso artstica e

    processo de acabamento ) determinam os procedimentos estticos externos (as

    formas de composio): a ordem, a disposio, o acabamento. Assim, a forma

    arquitetnica a concepo da obra como objeto esttico. A forma

    composicional, por sua vez, o modo especfico de estruturao da obra externa

    a partir de sua concepo arquitetnica. O momento arquitetnico, do objeto

    esttico, poderia ser comparado formao do gnero, enquanto que o

    momento composicional, da obra material, poderia ser pensado como a

    textualizao do gnero concebido. Em suma, podemos dizer que a arquitetnica

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    a criao de um todo integrado. Diz-se, tambm, de uma arquitetnica do

    pensamento bakhtiniano, que defende que as categorias desenvolvidas em seus

    estudos devem ser compreendidas em dilogo.

    Atividade mental

    Dado que a conscincia adquire forma e existncia no signo ideolgico, qualquer

    reflexo ou tomada de conscincia no dispensa a expresso exterior e

    tampouco pode dispensar a elaborao ideolgica. Por isso, seja qual for a

    direo inflexiva da experincia, toda atividade mental, enquanto discurso

    interior, somente pode realizar-se a partir de uma orientao social. A atividade

    mental do eu e a atividade mental do ns so os dois limites dentro dos quais se

    realiza a elaborao ideolgica; os distintos graus na conscincia, na clareza e na

    diferenciao da orientao social da experincia mental. A atividade mental do

    eu tende para a auto-eliminao; ela constitui o nvel inferior da ideologia do

    cotidiano, e quanto mais prxima de seu limite, mais distante fica de uma forma

    acabada. Isto , quanto menos dotada de um auditrio social, menos dotada ser

    de uma representao verbal e uma modelagem ideolgica. Sua atividade est

    diretamente ligada ao grau de orientao social, e se no se enraza socialmente,

    fenece e perde sua clareza e modelagem ideolgica. J a atividade mental do

    ns, pelo contrrio, constitui um nvel superior na ideologia do cotidiano, que

    est diretamente vinculada firmeza e estabilidade da orientao social.

    Quanto mais prxima de seu limite, mais distinta e definida ser essa atividade

    mental. Tal vnculo de grande importncia, pois quanto mais forte, mais bem

    organizada e diferenciada for a coletividade no interior da qual o indivduo se

    orienta, mais distinto e complexo ser o seu mundo interior; a atividade mental

    deve buscar construir vnculos materiais objetivos slidos com seu grupo

    organizado, pois isso favorece a constituio de um terreno mais favorvel para

    um desenvolvimento ntido e ideologicamente bem formado; e quanto mais

    acultura do for o indivduo, mais o auditrio social se aproximar do auditrio

    mdio da criao ideolgica.

    Autor

    O autor o agente da unidade tensamente ativa do todo acabado, do todo da

    personagem e do todo da obra, e este transgrediente a cada elemento

    particular desta. Bakhtin, em O Autor e o Heri (O autor e a personagem), ao

    conferir ao autor o carter de unidade, o coloca em relao dialgica (de

    responsividade ) com todos os aspectos de sua obra. Por ter um excedente de

    viso especfico e uma memria de futuro especfica em relao a sua obra, o

    autor possui um domnio do todo acabado dessa obra, ao mesmo tempo em que

    esse domnio responde ao todo de cada uma das unidades tambm tensamente

    ativas que fazem parte da obra. A relao de responsividade entre o autor e os

    elementos da obra, principalmente o heri , possibilitou o desenvolvimento da

    noo de equipolncia de vozes, fundamentando a tese de Bakhtin sobre o

    romance polifnico de Dostoievski, relativizando o domnio do autor em relao

    ao todo acabado da obra. Mesmo assim, Bakhtin enfatiza que o autor se orienta

    no mundo Esttico e o heri vive de modo cognitivo e tico. Seu ato se orienta

    em um acontecimento aberto e tico da vida ou no mundo dado do

    conhecimento. Em contraponto ao formalismo, Bakhtin ir defender que para

    encontrarmos o autor de uma obra no suficiente buscarmos na vida do autor

    acontecimentos que se liguem de forma mecnica a um ou outro elemento da

    obra, mas atentar para todos os elementos presentes na obra em relao com a

    unidade tensa e ativa do todo da obra, unidade da qual agente o autor. O autor

    participante do acontecimento artstico. E nem h uma passagem mecnica

    de pontos de vista e da vida do autor-pessoa para os trabalhos estticos do

    autor. Para haver acontecimento esttico preciso haver transgredincia,

    necessrio haver duas conscincias que no coincidem; caso contrrio estamos

    diante de acontecimentos ticos [quando a personagem e o autor coincidem ou

    esto lado a lado diante de um valor comum ou frente a frente como inimigos, o

    que se d no panfleto, no manifesto, no discurso-acusatrio etc], ou

    acontecimentos cognitivos [um tratado, um artigo, uma conferncia], ou at

    mesmo acontecimentos religiosos [a outra conscincia uma conscincia

    englobante].

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    Carnavalizao

    Esse conceito nos remete de imediato ao signo carnaval. Porm, necessrio

    esclarecer que, dentro da arquitetnica bakhtiniana, este signo possui um

    significado diferente do que a maioria das pessoas entende, atualmente, por

    carnaval, ou seja, um espetculo de desfiles que acontece em um local fechado

    para um pblico restrito assistir ou ver por televiso. Bakhtin considera o

    carnaval como festa popular universal que se passa no espao pblico aberto da

    cidade (ruas, praas), como momento de liberao das relaes hierrquicas de

    poder, xtase do ser, rompimento de regras e tabus, sem privilgios e

    assimetrias, apontando para um tempo futuro incompleto, de renovaes. A

    lgica desse carnaval dionisaco a do homo demens que o transforma no

    lcus privilegiado da inverso, da ridicularizao e da desobedincia a tudo que

    seja oficial. A essa viso ativa e dinmica do carnaval, que uma forma

    alternativa e alegre de relativizar as verdades e o poder, podemos denominar

    carnavalizao . Seu trao principal o avesso que se pode evidenciar com

    permutaes entre o alto (cabea, face = esprito, dignidade, sagrado, puro) e o

    baixo (traseiro, genitais = obsceno, profano, sujo). Esses traos se evidenciam no

    que Bakhtin chama de corpo grotesco que est em constante movimento em

    torno do cosmos e seus quatro elementos: gua, ar, terra e fogo. Estes

    elementos, submetidos s leis csmicas, anunciam nascimento e morte de todas

    as coisas da terra. Ao contrrio do corpo esttico padro do homo sapiens

    apolneo, o corpo grotesco no coloca a sexualidade como raison dtre da

    existncia humana, uma vez que os verbos utilizados para caracteriz-lo esto no

    mesmo eixo sintagmtico, sem hierarquias. Desse modo, urinar, arrotar, trepar,

    comer, beber, cuspir, defecar etc. nos remetem a travessuras e diabruras tpicas

    do carnaval, o que nos permite estabelecer um dilogo com o outro por meio do:

    a) livre contato no h diferena entre classes sociais, pois no espao aberto da

    rua e praas todos podem brincar, pular, danar como desejam. Todas as

    fantasias so permitidas. Por exemplo, um homem do campo pode sair vestido

    de rei, uma senhora rica pode fantasiar-se de prostituta, homens se vestem de

    mulheres. A pardia entra como elemento essencial para separar a barreira

    entre o cotidiano e o privado; b) da excentricidade violam o que comum e

    deslocam a vida ao colocar, por exemplo, bolas de futebol para aumentar as

    ndegas ou formar os seios, o que provoca o riso indicando a mudana de

    poderes, de verdades, renovao; c) das msalliances - aqui se d a unio de

    algo considerado superior (rei - oficial) com outro de valor inferior (escravo

    nooficial). As Saturnais, festa da Roma antiga, nos serve para ilustrar o que seria

    a unio entre o oficial srio e o nooficial do riso. Nesta festa os escravos

    sentavam-se mesa e eram servidos pelos seus senhores, o que lhes conferia um

    poder efmero, pardico, invertendo a ordem social; d) da profanao - o

    religioso parodiado, profanado quando, por exemplo, usam-se elementos ou

    hierarquias da igreja, considerados sagrados, nas ruas e praas durante o

    carnaval: freiras grvidas, padres bbados. Tais categorias carnavalescas

    apontam para a morte do velho e o nascimento do novo que, mesmo que seja de

    forma simblica, nos remetem a um mundo utpico, sem privilgio do individual,

    sem hierarquias fechadas de valores, fenmenos e ideologias que imperam na

    vida extracarnavalesca.

    Contrapalavra

    Bakhtin trabalha com esta categoria para mostrar que sempre quando falamos

    ou ouvimos, produzimos enunciados que respondem ao nosso interlocutor.

    Enquanto ouvimos, tambm falamos. Ouvir e falar so movimentos de uma

    mesma atividade. Desta forma, nossas respostas so formuladas a partir da

    nossa relao com a alteridade, ou seja, so contrapalavra s s palavra s do

    outro. Troco signos alheios por signos prprios. Desta forma que construo a

    compreenso . Compreenso ativa e responsiva. importante ressaltar tambm

    que a contrapalavra, assim como a palavra , est estritamente associada ao tema

    da interao - aos sentidos que so construdos na interao com outro, e

    entonao escolhida para a enunciao . No possvel compreender a palavra

    do outro arrancando a palavra da corrente da comunicao verbal. Pensando

    assim, a palavra j alheia mesmo ainda no tendo sido incorporada pelo outro .

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    Cultura

    Para Bakhtin, o homem constri sua existncia dentro das condies scio-

    econmicas objetivas de uma sociedade. Somente como membro de um grupo

    social, de uma classe social que o indivduo ascende a uma realidade histrica e

    a uma produtividade cultural . O nascimento fsico no uma condio suficiente

    para o homem ingressar na histria, pois o animal tambm nasce fisicamente e

    no entra na histria. Portanto, necessrio, um segundo nascimento, um

    nascimento social , o qual se d atravs de cada fenmeno da cultura que

    concreto e sistemtico, ocupa uma posio substancial qualquer em relao

    realidade preexistente de outras atitudes cultura is e por isso mesmo participa da

    unidade cultura l prescrita. O domnio da cultura no uma entidade espacial

    qualquer. Todo ato cultural vive por essncia sobre fronteiras, sem estas ele

    perde terreno, torna-se vazio, pretensioso, degenera e morre. Enfim, deve-se

    dizer que nem um ato vive nem se movimenta no vazio, mas na atmosfera

    valorizante, tensa, em um mundo vivo e tambm significante, assim

    proporcionando e proporcionado pela cultura em determinado tempo e espao.

    Dialogia

    Conceito da dialtica do movimento, da dialtica que no exclui, que no exauri

    a essncia da linguagem: o dilogo Eu/Outro. Dialogia atividade do dilogo e

    atividade dinmica entre EU e Outro em um territrio preciso socialmente

    organizado em interao lingustica. Seria uma dialtica que explica o homem

    pela produo do dilogo , pela atividade humana da linguagem . As ideias de

    Bakhtin sobre o homem e a vida so caracterizadas pelo princpio dialgico. A

    alteridade marca o ser humano, pois o outro imprescindvel para sua

    constituio. A dialogia o confronto das entoaes e dos sistemas de valores

    que posicionam as mais variadas vises de mundo dentro de um campo de viso:

    na vida agimos assim, julgando-nos do ponto de vista dos outro s, tentando

    compreender, levar em conta o que transcendente nossa prpria conscincia:

    assim levamos em conta o valor conferido ao nosso aspecto em funo da

    impresso que ele pode causar em outrem [...]. Ainda na mesa direo, A vida

    dialgica por natureza. Viver significa participar do dilogo : interrogar, ouvir,

    responder, concordar etc. Nesse dilogo o homem participa inteiro e com toda a

    vida: com os olhos, os lbios, as mos, a alma, o esprito, todo o corpo, os atos.

    Aplica-se totalmente na palavra , e essa palavra entra no tecido dialgico da vida

    humana, no simpsio universal (ano, p.). No movimento dialgico, Bakhtin v

    trs tipos de relaes: a) as relaes entre os objetos (entre coisas, entre

    fenmenos fsicos, qumicos; relaes causais, relaes matemticas, lgicas,

    relaes lingusticas etc; b) relaes entre o sujeito e o objeto; c) relaes entre

    sujeito s (relaes pessoais, personalistas; relaes dialgicas entre enunciado s,

    relaes ticas; relaes entre conscincias, verdades, influncias mtuas, o

    amor, o dio, a mentira, o respeito, a confiana, a desconfiana etc.). Na dialogia

    as vozes esto presentes, as entonaes (pessoais emocionais) so

    fundamentais, valoram e ideologizam, as palavra s e as rplicas so vivas, e as

    conscincias esto em interao . Ao apagar isso tudo, temos a dialtica .

    Pergunta e resposta no estabelecem relaes lgicas, pois no podem caber em

    uma s conscincia; elas supem uma distncia recproca, exigem o dilogo.

    Dialtica

    Processo de interao Eu - Outro. O Eu existe em interao com o Outro , porque

    ser significa ser para o outro e, atravs dele, para si mesmo. Diferencia-se da

    dialtica hegeliana, em que o Eu a negao do Outro, j que o Ser depende do

    no-Ser, para constituir-se como Ser criando apenas dilogo s sintticos e

    lgicos. Na dialtica para Bakhtin, o Eu no apenas nega, mas, exige a presena

    do Outro para a constituio do EU. O Eu necessita esttica e eticamente do

    Outro , sendo que a interao varivel de acordo com a situao, o espao, o

    tempo (cronotopo) e o modo como as partes se relacionam gerando movimentos

    dialogia . Bakhtin vai paulatinamente optando pelo conceito de dialogia e

    dilogo , pois para ele a dialtica trabalha com conceitos e juzos abstratos,

    aceita uma conscincia abstrata, transforma enunciado s em oraes, transforma

    entonaes pessoais e emotivas em sons sem relaes; no exige contrapalavras

    , anula os inter-agentes. A dialtica trata do problema da inter-relao

    semntica, e teortica, enquanto que a dialogia vivencial.

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    Dinmica psquica

    Bakhtin demonstra que a dinmica psquica elaborada pela psicanlise como a

    luta de foras psquicas na relao entre conscincia e inconsciente uma noo

    arbitrria que transfere para a alma individual a complexidade do jogo social em

    que o indivduo se constitui. Para Bakhtin essa relao se d entre conscincia

    oficial e conscincia no oficial , sendo os conflitos entre motivos reflexo das

    inter-relaes sociais e, portanto, como fenmenos da experincia objetiva,

    ideolgicos. O conflito entre motivos, em verdade, revela a luta entre correntes

    ideolgicas contraditrias que se desencadeia no terreno da ideologia do

    cotidiano (do discurso interior e exterior), de modo que a conscincia no oficial

    (o inconsciente da psicanlise) corresponde s camadas mais instveis dessa

    ideologia, as que se encontram mais distantes da ideologia oficial. J a

    conscincia oficial corresponde s camadas superiores, mais estveis, prximas

    da ideologia oficial e enformada. Portanto, a compreenso do comportamento e

    do enunciado verbalizado do homem a partir de uma dinmica psquica que se

    d por um conflito entre motivos subjetivos se mostra como apenas mais uma

    expresso de uma viso psicologizante ou de um subjetivismo idealista.

    Discurso Citado

    Este termo trabalhado por Bakhtin, mais incisivamente nos captulos 9 e 10 do

    livro Marxismo e Filosofia da Linguagem. Nestes captulos, Bakhtin desenvolve

    suas teorias sobre linguagem a partir de exemplos concretos da utilizao do

    discurso citado (discurso de outrem) no decorrer dos ltimos sculos na

    literatura, que desemboca em uma anlise mais especfica desenvolvida no

    captulo 11 do mesmo livro. Tomando as palavra s do prprio Bakhtin,

    percebemos um direcionamento claro da discusso do Crculo com relao ao

    discurso de outrem: O discurso citado o discurso no discurso, a enunciao na

    enunciao, mas , ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma

    enunciao sobre a enunciao (...) o discurso citado conserva sua autonomia

    estrutural e semntica sem nem por isso alterar a trama lingustica do contexto

    que o integrou. Com isso, Bakhtin defende que o contexto narrativo (ou

    contexto de transmisso) e o discurso citado propriamente dito, includo neste

    contexto, fazem parte de uma inter-relao dinmica, que de certa forma

    reflete a dinmica da inter-relao social dos indivduos na comunicao

    ideolgica verbal. Esta relao social entre os sujeito s falantes faz com que haja

    uma constante interao verbal. Assim, todo discurso concreto presente nas

    diferentes esferas humanas nunca totalmente indito, pois traz ecos de

    outro s discursos, ou seja, discursos de outrem, reorganizados dialogicamente

    nas falas dos sujeito s, podendo aparecer mais explicitamente marcados pelos

    recursos lingusticos (utilizados estilisticamente pelos falantes), como no discurso

    direto, ou de maneira diluda e menos marcada, como ocorre no discurso

    indireto e indireto livre, este, a forma ltima de enfraquecimento das fronteiras

    do discurso citado (p.).

    Dilogo

    Bakhtin sustenta que a unidade real da lngua o enunciado posto em dilogo :

    a interao de pelo menos duas enunciaes. Como mundo partilhado, lida-se

    com o inconcluso, com uma realidade em constante formao. Nesse mundo

    partilhado, afirma Bakhtin, vive-se em um mundo de palavras do outro, de tal

    modo que as complexas relaes de reciprocidade com a palavra do outro em

    todos os campos da cultura e da atividade completam toda a vida do homem. A

    alternncia dos sujeito s do discurso uma das caractersticas do dilogo , que

    exige um princpio absoluto e um fim absoluto na ao de cada falante. Essa

    conclusibilidade especfica do dilogo garante a ao responsiva e estabelece

    relaes de pergunta, objeo, aceitao, ordem etc. O dilogo real entre dois

    falantes constitudo por ao menos dois enunciado s plenos a acabados, e se

    constitui na forma mais simples e clssica da comunicao discursiva.

    Entonao

    Bakhtin vai dizer que, na interao , a forma lingustica no tem importncia

    enquanto sinal estvel e sempre igual a si mesmo. Nesse sentido, no

    acontecimento das interaes atribuem-se sentidos, negociam-se signo s

    ideologicamente marcados; e estes signos esto impregnados de valores.

    Dependendo da orientao de sentidos e valores que se responde alteridade ,

    orienta-se tambm uma entonao . Ela considerada elemento expresso do

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/dinamica-psiquica.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/discurso-citado.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/dialogo.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/entonacao.html
  • 7

    enunciado , ou seja, a relao subjetiva emocionalmente valorativa do falante

    com o contedo do objeto e do sentido do enunciado (Os gneros do discurso

    ). A entonao registra claramente a presena do outro; por via da entonao ,

    exprimimos um juzo sobre o que estamos simultaneamente transmitindo como

    informao em uma certa enunciao. como se uma mesma palavra ,

    impregnada de diferentes entonaes, atendesse a novas, irrepetveis e

    particulares situaes. A entonao a minha presena na palavra, o modo de

    passar palavra o meu ponto de vista, o valor que atribuo quele pedao do

    mundo significado; pela entonao ideologizo a palavra.

    Enunciado/enunciao

    Se procurarmos diferenciar enunciado de enunciao , ao levarmos em conta a

    natureza dialgica da comunicao discursiva, tal diferenciao perde sua

    importncia. Vemos que o enunciado compreendido como elemento da

    comunicao em relao indissocivel com a vida. Neste sentido, o enunciado

    concreto um evento social e no pode ser reduzido a abstraes. Em

    Marxismo e filosofia da linguagem , a palavra enunciao utilizada muitas

    vezes como ato de fala. A enunciao concreta a realizao exterior da

    atividade mental orientada por uma orientao social mais ampla, uma mais

    imediata e, tambm, a interao com interlocutores concretos. EmOs gneros

    do discurso, o enunciado definido como a unidade real da comunicao

    discursiva, diferenciando esta unidade (real) das unidades da lngua, como

    palavras e oraes (convencional). Neste texto, Bakhtin discute as trs principais

    peculiaridades do enunciado como unidade real da comunicao discursiva: 1.

    alternncia dos sujeitos falantes; 2. conclusibilidade; 3. escolha de um gnero

    discursivo . neste texto tambm que Bakhtin afirma que o desconhecimento

    da natureza do enunciado e a relao diferente com as peculiaridades das

    diversidades de gneros do discurso em qualquer campo de investigao

    lingustica redundam em formalismo e em uma abstrao exagerada, deformam

    a historicidade da investigao, debilitam as relaes da lngua com a vida.

    tica

    Em Bakhtin, a tica uma preocupao constante. Nossa discusso fundamenta-

    se, especialmente, em Para uma filosofia do ato e Arte e Responsabilidade.

    Nossas reflexes esto calcadas ainda em Discurso na vida e Discurso na arte,

    tanto no que diz respeito tica quanto esttica, concepes impossveis de

    serem pensadas isoladamente. Ato tico refere-se ao processo, ao agir no

    mundo, necessidade de ocupar o lugar singular e nico no mundo, o que se liga

    diretamente realidade . Responsabilidade e responsividade so categorias que

    se associam ao agir tico do sujeito . Tratar da tica em Bakhtin significa pensar a

    integralizao arquitetnica das dimenses do sujeito humano estudadas pelo

    Crculo, na unidade da responsabilidade . Responsabilidade de todo e qualquer

    sujeito humano. Bakhtin afirma que todo discurso respondvel porque todo

    discurso dialgico e porque o sujeito responde por seus atos no mundo, porque

    ele responsvel por eles. O ato respondvel corresponde, ento, ao ato tico,

    pois envolve o contedo do ato, o seu processo, valorado (avaliado) pelo sujeito

    com respeito ao seu prprio ato, quando reflete sobre ele e lhe d um

    acabamento (esttica ). A tica bakhtiniana corresponde ao espao de decises

    cronotpicas no hic et nunc (agora e ento) concretos do agir humano. Assim, a

    tica , para Bakhtin, um conjunto de obrigaes e deveres concretos. O mais

    fundamental compromisso humano o ato de pensar, que se pe como uma

    necessidade tica. Apenas eu, do lugar que ocupo no mundo, consigo dizer o que

    digo daquele lugar. E minha obrigao pensar e dizer, j que ningum mais

    poder ver o mundo como apenas eu vejo. O sujeito responsvel por todos os

    momentos constituintes de sua vida porque seus atos so ticos. Em outras

    palavra s, a tica refere-se ao ato de viver uma vida singular, de arriscar, de

    ousar, de comprometer-se, de assinar responsavelmente seu ponto de vista e

    seu viver; isso que responsabilidade e responsividade imediata do sujeito ,

    parte da vida, portanto.

    Estilo

    Por referir-se, na maior parte de sua obra, ao discurso literrio, o estilo est

    presente em toda a obra de Bakhtin e se apresenta como acabamento esttico.

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/enunciadoenunciacao.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/etica.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/estilo.html
  • 8

    Estilo, em Bakhtin, est intimamente relacionado composio e ao tema de um

    texto. no estudo das formas, das categorias [contextualizadas], que

    encontramos o estilo : a maneira do acabamento - essencialmente

    interlocutivo e dialgico - que nos d o estilo de um texto e, a maneira singular

    com que um autor faz uso dessas categorias, as quais, para Bakhtin, nunca esto

    divorciadas de definies ideolgicas, que possibilita um estilo ao autor . Dessa

    forma, o estilo traz consigo a avaliao do autor e uma possibilidade de

    comunho avaliativa com o interlocutor. Isso significa que o estilo est

    relacionado a um querer dizer do locutor, que ganha forma, que define seus

    limites sob as condies de interlocuo. Trata-se de um acabamento que

    esttico e provisrio, sempre aberto a novos sentidos por estar submetido a

    condies scio-histricas de possibilidade. preciso levar em conta, para um

    estudo do estilo em Bakhtin, que as condies de interlocuo incluem tambm

    o que Bakhtin define como estilo de gnero , que impe certas constries ao

    querer dizer do locutor e forma como esse querer dizer se manifesta. Por

    relacionar-se s atividades humanas, a percepo de acabamento [acabamento

    esttico e, portanto, estilstico], em um gnero de discurso, uma relao entre

    um aqui e um agora, pertencentes a uma cadeia infinita de enunciado s que

    se articulam e que determinam, situada e provisoriamente, as coordenadas

    genricas.

    Esttica

    A esttica uma das principais concepes bakhtinianas. Para compreend-la,

    precisamos pens-la em dilogo com a tica . E esses dois conceitos se

    encontram esparsos, mas sempre presentes ao longo de toda a obra de Bakhtin.

    Para tratar da esttica, embasamo-nos, especificamente, nos textos Esttica da

    Criao Verbal e Questes de Literatura e Esttica. A esttica aparece como

    acabamento do agir do sujeito . O ato esttico a valorizao, a reflexo

    elaborada, portanto, com acabamento e no necessariamente acabada

    acerca da ao tica realizada pelo sujeito . A concepo de esttica resulta de

    um processo que busca representar o mundo do ponto de vista da ao

    exotpica do sujeito (lugar de fora, ainda que um fora relativo, pois uma posio

    de fronteira, lugar mvel, sem delimitao pr-determinada, de onde o sujeito v

    o mundo com certa distncia, a fim de transfigur-lo na construo de seu

    discurso esttico), fundada no social e no histrico. A posio exotpica a

    posio a partir da qual possvel o trabalho esttico, a ao de construir o

    objeto esttico. O sujeito artista compe o dizer esttico a partir da forma,

    efetivamente material, e inteiramente realizada no material a ele ligada e, por

    outro lado, como valor , indo alm dos limites da obra como material organizado,

    como coisa. A obra esttica (produto nem sempre acabado, mas sempre com

    acabamento ) resulta da articulao de vrios elementos. A articulao que

    constitui a composio da obra definida a partir da potncia que sua

    arquitetnica . Assim, a obra exterior est ligada ao material; enquanto o objeto

    esttico refere-se forma, tanto de composio (textualizao) quanto

    arquitetnica (criao de um todo integrado). Em outras palavras, a esttica a

    forma do dizer na arte, a reflexo posterior e exotpica (de fora, distante) do ato,

    a fim de dar-lhe acabamento.

    Excedente de viso

    a possibilidade que o sujeito tem de ver mais de outro sujeito do que o prprio

    v de si mesmo, devido posio exterior (exotpica) do outro para a

    constituio de um todo do indivduo. Nas palavras de Geraldi, o outro tem uma

    experincia de mim que eu prprio no tenho, mas que posso, por meu turno,

    ter a respeito dele. Bakhtin defende que o excedente de minha viso, com

    relao ao outro, instaura uma esfera particular da minha atividade, isto , um

    conjunto de atos internos ou externos que s eu posso pr-formar a respeito

    desse outro e que o completam justamente onde ele no pode completar-se.

    Nesse sentido, o excedente de viso s possvel porque h essa possibilidade

    de se situar fora do outro . o olhar de fora: exotopia no espao, no tempo,

    nos valores. O sujeito olha o outro de um lugar, de um tempo e com valores

    diferentes; v nele mais do que o prprio consegue ver. Quando algum atribui a

    outro seu excedente de viso , permite-lhe completar-se como sujeito naquilo

    que sua individualidade no conseguiria sozinha. Ou seja, no conseguimos nos

    ver por inteiro, totalmente. Precisamos do outro para nos completar. a

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/estetica.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/excedente-de-visao.html
  • 9

    exotopia do observador que, possibilitado de ver algum de fora, constri um

    excedente de viso , ou seja, v no outro algo a mais que o prprio sujeito no

    v.

    Exotopia/Extralocalidade

    Exotopia e extralocalidade so categorias filosficas de base sobre as quais

    Bakhtin desenvolver as discusses sobre tica e Esttica e, principalmente, suas

    consideraes sobre as relaes dialgicas entre o Autor e o Heri, possibilitando

    o desenvolvimento da idia de excedente de viso . Bakhtin diz que em todas as

    formas estticas, a fora organizadora a categoria axiolgico de outro , a

    relao com o outro enriquecida pelo excedente axiolgico da viso para o

    acabamento transgrediente. Diante do outro, estou fora dele. No posso viver a

    vida dele. Da mesma forma que ele no pode viver a minha vida. Mesmo para

    compreender o outro, vou at ele, mas volto ao meu lugar. Apenas do meu lugar,

    nico, singular, ocupado apenas por mim, que posso compreender o outro e

    estabelecer com ele uma inter-ao. A extralocalizao que pe meu

    compromisso tico na roda. Se outro vivesse minha vida, se pudesse ver o

    mundo como apenas eu vejo, se tivesse os mesmos pontos de vista que eu,

    ento eu no precisaria pensar, e expressar meu olhar nico sobre as coisas e a

    vida. A exotopia minha possibilidade de responder. E tambm minha

    obrigao de assumir minha responsabilidade. Ser responsivo e responsvel so

    decorrncias de minha extra-localizao em relao ao Outro.

    Foras Centrfugas/Foras Centpetas

    Quando discute a relao entre o romance e a estilstica, no captulo A estilstica

    contempornea e o romance do livro Questes de literatura e esttica,

    Bakhtin defende, primeiramente, que o romance, enquanto gnero literrio

    caracterizado pela diversidade social de linguagens esteticamente compondo um

    todo, envolve a narrativa do autor, a estilizao de diversas formas da narrativa

    tradicionalmente oral, diversas formas literrias fora do discurso literrio do

    autor e os discursos da personagem estilisticamente individualizados. A partir

    desta compreenso, ele diz que a filosofia da linguagem, a lingustica e a

    estilstica, quando refletem sobre a linguagem do romance, variam nas

    compreenses sobre o sistema da linguagem e o indivduo que fala nela, mas

    partem de um contedo estabilizado, ora historicamente, ora por meio de

    problematizaes internas da lngua. Para Bakhtin, isso um avano para os

    estudos estilsticos, mas , ao mesmo tempo, uma limitao, pois prioriza uma

    compreenso compartilhada por um grupo social privilegiado, vinculado a uma

    viso de mundo considerada dominante. Este tipo de compreenso orienta um

    olhar para o estilo no romance marcado pela unificao e a centralizao das

    ideologias verbais, chamadas por ele de foras centrpetas da vida social,

    lingustica e ideolgica. preciso considerar que, apesar de se constituir como

    homognea e centrpeta, esta tendncia traz consigo a prpria realidade da

    diversidade estilstica, a qual ele chama de plurilinguismo real, considerado por

    Bakhtin a dinmica da vida real. Este plurilinguismo ganha fora na medida em

    que se tende a insistir na supervalorizao da lngua nica, o que nos permite

    entender que, junto com as foras centrpetas, existem as foras centrfugas ,

    configuradas pela tenso e abertura, revelando, ideologicamente, as relaes

    sociais efetivas, relacionadas vida. Portanto, para Bakhtin, ao se considerar

    somente uma dessas foras em uma anlise sobre a linguagem, tende-se a uma

    compreenso monolgica do fenmeno estudado, separada da dialogia

    constitutiva das relaes humanas.

    Gneros Discursivos

    Todo texto participa de uma relao humana, de uma atividade humana. Essa a

    proposta bakhtiniana: Todos os diversos campos da atividade humana esto

    ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o carter e as

    formas desse uso sejam to multiformes quanto os campos da atividade

    humana, o que, claro, no contradiz a unidade nacional de uma lngua.

    Compreendemos que os trabalhos que se fazem com o conceito de gneros do

    discurso estejam imprescindivelmente vinculados ao movimento com uma

    percepo global da arquitetnica bakhtiniana, em que: 1) Desenvolva a

    compreenso sobre a TOTALIDADEESTABILIDADE, onda a relativa estabilidade de

    um gnero estaria relacionada a sua historicidade passada (memria do

    passado). Os enunciados e seus tipos, isto , os gneros discursivos [...] so o

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/exotopiaextralocalidade.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/forcas-centrifugasforcas-centipetas.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/generos-discursivos.html
  • 10

    retrato dos usos j feitos anteriormente, em vrias atividades humanas, e so a

    memria e o acmulo da histria de suas utilizaes; assim os enunciados vo se

    constituindo em tipos e formas mais consistentes para uso em esferas

    especficas, com estilos especficos, tratando de temas especficos, se compondo

    com formas especficas. Da a discusso da relativa estabilidade para esses tipos

    e formas de enunciados: a repetio de uso daqueles enunciados naquela

    situao precisa, naquela atividade humana precisa, naquele jogo interativo

    preciso, vai estabilizando determinados tipos de enunciados que so os que

    chamamos de gneros do discurso. Esses enunciados, relativamente estveis,

    tambm se constituem como lugar de emergncia dos sentidos histricos das

    comunicaes existentes em determinados contextos e com determinadas

    significaes, e mantm vivas aquelas significaes j socialmente consolidadas.

    2) Desenvolva a compreenso sobre a SINGULARIDADE-INSTABILIDADE, na qual a

    possibilidade de os gneros irem se atualizando, se modificando, est

    relacionada ao trabalho desenvolvido pelo sujeito ocupado com um projeto de

    dizer, juno de seu passado e de seu futuro, frente a uma alteridade viva e

    atuante, seu interlocutor. O trabalho responsivo do sujeito instabiliza o gnero a

    cada vez que determinado enunciado empregado em determinada

    atividade humana. Esse movimento no nega a historicidade do sentido, nem o

    tipo e a forma j relativamente estabilizada, mas a movimenta para novas

    possibilidades, instaurando novas formas e novos tipos de enunciados ,

    relacionando com tipos e formas que so usualmente empregados em outras

    atividades humanas; esse movimento relaciona gneros , joga um dentro de

    outro, obriga enunciados a frequentar novas atividades e significlas e, ao

    mesmo tempo, renova o gnero dentro do qual se enuncia. Esse trabalho

    dialgico, responsivo, centrado na alteridade , est sempre prenhe de

    perspectivas, e buscas por completudes de sentidos, de identidades, de relaes

    sociais, sempre inconclusas. Esse trabalho responsivo instaura a renovao do

    gnero , veste novos temas sobre significaes histricas dos enunciados e das

    palavras , faz com que o estilo do gnero se conflite com o estilo individual e

    vice-versa, reconfigura sua composio formal. Vale a pena aqui fazer um leve

    aceno para o jogo que Bakhtin clareia ao posicionar os gneros discursivos como

    primrios e secundrios. Os gneros primrios, ele chama de simples, e os

    secundrios, de complexos. Simples porque se formaram nas condies da

    comunicao discursiva imediata, e complexos porque surgem nas condies

    de um convvio cultural mais complexo e relativamente mais desenvolvido e

    organizado; e se estabelecem como relacionais entre si, numa troca infinita de

    sentidos e renovando continuamente os gneros. E se conseguimos nos

    comunicar porque dominamos os gneros empregados naquela atividade

    verbal. E quanto mais os dominamos, mais livres nos sentimos no seu uso um

    uso que tambm renovao pelos dilogos com outros gneros e nas

    construes de sentidos possveis que nosso projeto de dizer possibilita no jogo

    com o outro que tambm se comunica comigo. Compreender gneros do

    discurso a partir das leituras das obras do Crculo de Bakhtin compreender o

    texto como parte fundante das atividades humanas dos sujeitos . Essa

    compreenso revela um sujeito produtor de linguagem , de enunciados e de

    discursos ; e tambm nos mostra que o texto fundamental no somente para

    os estudos da lngua mas para a prpria reconstruo da compreenso do

    homem e das Cincias Humanas.

    Heri

    O heri/personagem, para Bakhtin, vive de modo cognitivo e tico. Seu ato se

    orienta em um acontecimento aberto e tico da vida ou no mundo dado do

    conhecimento. O heri possui uma realidade cognitiva tica (da realidade do

    ato, da realidade tica do acontecimento nico e singular do existir),

    uma realidade , portanto, diferente da realidade esttica do autor , mas no

    indiferente a ela. Isso significa que o heri no tem um excedente de viso do

    todo da obra em que est inserido como o autor tem o excedente de viso do

    heri em relao aos outros elementos da obra (outros personagens, outros

    acontecimento s internos a obra) lhe confere tambm certa autonomia em

    relao ao autor . No romance polifnico, o heri um sujeito que aparece na

    obra e os traos identificadores desse heri nos so dados com os pontos de

    vista e as idias que ele tem em relao ao mundo e sua existncia. Mesmo

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/heroi.html
  • 11

    quando o heri autobiogrfico, ele no coincide com o autor , porque o autor ,

    para construir esse personagem, deve tornar-se outro em relao a si mesmo,

    encontrar-se em uma extralocalidade , em exotopia . Somente poder v-lo,

    como heri , com um excedente de viso especfico para atingir o todo desse

    heri , o todo com valores que so transgredientes a sua prpria vida. A relao

    entre autor e heri uma relao entre um Eu e um Outro, uma relao de

    alteridade , fundada na dialogia , em relao de responsividade .

    Histria

    Materialidade, acontecimento e descontinuidade. A histria o horizonte social

    de uma poca. Como sujeitos ativos e inacabados que somos, a histria que

    produzimos e pela qual somos produzidos descontnua. Na teoria bakhtiniana,

    a histria tem como noo central a possibilidade de revisitar, refazer ou fazer de

    outra forma o que j est constitudo. S nosso nascimento fsico no

    suficiente para nos dizermos sujeito s-histricos; para sermos sujeitos-histricos

    necessrio um segundo nascimento, o nascimento social . enquanto inseridos

    no contexto scio-econmico de uma sociedade, que os indivduos podem

    construir sua existncia e, em decorrncia, sua produtividade cultural. A histria

    , portanto, um fenmeno social, uma produo social, um acontecimento

    descontnuo comum a uma comunidade lingustica. Descontnuo devido ao fato

    de que a linguagem que cria e recria o mundo histrico e valorativo. A histria

    mvel, tanto memria do passado quanto memria do futuro. Mais

    precisamente, a histria como o veculo de todo signo produzido, funcionando

    como a transportadora de signos ditos ao encontro de signos ainda no ditos. A

    cada novo acontecimento, a cada nova produo ideolgica a histria se

    recompe, reescreve-se, atualiza-se. A grande percepo de Bakhtin

    justamente de que a histria no est estagnada, pronta, concluda, j-dada, mas

    se rematerializa no uso do signo. por isso que materialidade, nesse sentido

    preciso, no se contrape a descontinuidade.

    Horizonte social

    Toda produo enunciativa relaciona-se com o contedo interior e com a

    expresso exterior. A expresso caracterizada exatamente pelo signo que parte

    de um sujeito e direciona-se a outro. Essas relaes se concretizam a partir de

    um horizonte social envolvido na expresso. O horizonte social orienta os valores

    construdos na interao; o espao-tempo compreendido em uma relao

    verbal, ou seja, o espao-tempo da enunciao. Essa relao espao-temporal

    envolve um tempo mais prolongado e um mais imediato, considerando, tambm,

    a memria do futuro na relao entre os interlocutores. Da mesma forma, o

    espao envolve tanto configuraes mais amplas, como especficas. Cada grupo

    construir seu repertrio de signos e enunciados que direcionaro as criaes

    ideolgicas de sua poca. preciso estabelecer diferenciao entre o horizonte e

    o ambiente: enquanto o primeiro coloca-se em relao ao signo , o segundo

    referese ao lugar fora do signo ; o primeiro social e o segundo, apesar de social,

    mais voltado para o fsico.

    Ideologia

    Para Bakhtin, a ideologia social e se contri em todas as esferas das interaes:

    A ideologia no pode derivar da conscincia, como pretedem o idealismo e o

    positivismo psicologista, pois a conscincia adquire forma e existncia nos signos

    criados por um grupo organizado no curso de suas relaes sociais. Reforando

    esse entendimento, a ideologia poderia caracterizar-se, na perspectiva

    bakhtiniana, como a expresso, a organizao e a regulao das relaes

    histrico-materiais dos homens. Seguindo esta linha de raciocnio, tambm

    pode-se ver ideologia como uma representao. Isso porque se d na/pela

    linguagem . Precisa dela para poder manifestar-se e essa caracterizadamente

    representativa (simblica) e constituda por signos ideolgicos. Isso significa que

    esses signos no s denominam um ser no mundo, mas tambm fazem

    referncia a uma outra realidade fora da imediata. Para Bakhtin, tudo que

    ideolgico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Por

    ser ideolgico, o signo comporta as crenas, os sonhos, as vises de mundo, os

    modos de interpretar a realidade, etc. Se o signo no fosse tambm ideolgico,

    nada disso poderia ser identificado nele. O signo carrega, em sua constituio,

    numa face, uma oficialidade que o faz pertencer a determinado sistema

    ideolgico e, na outra, uma necessidade de reorganizao a partir do contato

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/historia.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/horizonte-social.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/ideologia.html
  • 12

    desse signo nas relaes cotidianas travadas pelos sujeitos . A ideologia essa

    dupla face que faz com que o signo se mantenha na histria e tambm se

    transforme na interao verbal. Podemos definir a ideologia, portanto, como um

    conjunto de valores e de ideias que se constitui atravs da interao verbal de

    diferentes sujeitos pertencentes a diferentes grupos socialmente organizados na

    histria concreta.

    Infraestrutura

    A infraestrutura a realidade concreta de onde parte o processo de

    comunicao. Os signo s ideolgicos se formam a partir desta realidade social,

    por isso a importncia de entender o contexto em que os signo s so formados,

    ou estudar sempre a situao imediata em que a interao verbal ocorre para

    form-los. A infraestrutura sempre est relacionada com a superestrutura.

    nesta relao que os sujeito s vivenciam a sua histria atravs da linguagem . Os

    sujeito s constroem sua identidade tanto na sua vivncia concreta em uma

    realidade infraestrutura l, quanto em uma realidade semitica superestrutural .

    Precisamos porm tomar cuidado ao analisar essa relao, pois por vezes camos

    no erro de separ-las, como se ora estivssemos numa realidade infraestrutural

    e ora estivssemos na outra. Estamos sempre nessa regio limtrofe entre as

    duas realidades. A superestrutura transforma o objeto em signo . O objeto se

    transforma em signo quando se envolve em uma esfera ideolgica, quando a

    ideologia constituda em um determinado grupo o faz funcionar no interior de

    um sistema de valores. No grupo e no horizonte social tal objeto determinado

    pelo valor semitico e se transforma em signo . Da dizermos que o signo se

    desenvolveu da infraestrutura para a superestrutura , ou seja, da realidade

    concreta para o sistema ideolgico de um determinado horizonte social

    Interao

    Fundada sobre pilar da heteroglossia , isto , sobre o conjunto mltiplo e

    heterogneo de vozes sociais que habitam a conscincia humana ou, nas

    palavras de Voloshinov, sobre um auditrio social interior bem estabelecido, em

    cuja atmosfera se constroem nossas dedues, nossas motivaes, apreciaes

    etc, a interao a prpria concepo de linguagem em Bakhtin. A linguagem

    inter-ao. Em Marxismo e filosofia da Linguagem , Bakhtin (Voloshinov) diz

    que Toda palavra comporta duas faces . Ela determinada tanto pelo fato de

    que procede de algum quanto pelo fato de que se dirige para algum. Ela

    constitui justamente o produto da nterao do locutor e do ouvinte (grifos do

    autor ). Dessa forma, no prprio dizer de Bakhtin, a interao verbal constitui,

    assim, a realidade fundamental da lngua. Mas, o filsofo russo nos chama a

    ateno para no reduzirmos a interao ao dilogo, no sentido estrito do termo

    (interao face a face). Este, para o autor, constitui uma das formas primordiais

    de interao , mas ele deve ser compreendida em uma concepo mais ampla,

    que engloba toda a comunicao verbal de qualquer tipo. importante termos

    em mente que, para Bakhtin, a palavra ideolgica por natureza e comporta

    nossas avaliaes, de forma que a interao um evento dinmico onde o que

    est em jogo so posies axiolgicas, confrontos de valores sociais. A interao

    , portanto, o dilogo ininterrupto que resulta desse confronto e que constitui a

    natureza da linguagem . Para Bakhtin [e isso permeia toda a sua obra], viver

    tomar posies continuamente, enquadrar-se em um sistema de valores e, do

    interior dele, responder axiologicamente.

    Linguagem

    Em Para uma filosofia do Ato Responsvel, a preocupao com a linguagem

    aparece de forma secundria e vinculada uma discusso tica -filosfica. Nesse

    texto, ela tida como atividade (e no como sistema abstrato), vinculada

    dimenso da vida, sendo, por isso, concreta: a linguagem vista em relao aos

    atos nicos e singulares realizados e ao ser-evento-unitrio. Com isso, a

    linguagem carrega expressividade, ou seja, ela carrega a atitude valorativa dos

    sujeito s em relao ao seu objeto discursivo. J em o Discurso na vida e discurso

    na arte (1926), a questo da linguagem (potica e cotidiana) ocupa lugar central

    nas reflexes de Bakhtin/Voloshinov. Trata-se de reforar a relao intrnseca

    que existe entre a linguagem -enunciado e as situaes sociais mais amplas e

    mais especficas, que inclui o compartilhamento pelos interlocutores do

    horizonte cronotpico, do conhecimento da situao e de avaliaes e

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/infraestrutura.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/interacao.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/linguagem.html
  • 13

    julgamentos. A distino entre linguagem tida como sistema e comoenunciado

    concreto esmiuada em Marxismo em Filosofia da Linguagem, nas distines

    que Bakhtin/Voloshinov estabelece entre, por exemplo, significao e tema, sinal

    e signo, entre outras. Por um lado, tem-se a dimenso singular, plurivalente,

    concreta e irrepetvel da linguagem , ou seja, os enunciados; por outro, tem-se a

    dimenso reitervel, abstrata, unvoca, estrutural e previsvel da linguagem , ou

    seja, o sistema da lngua . Essas duas realidade s lingusticas, apesar de serem

    apresentadas a partir de uma srie de distines, no constituem uma dicotomia,

    sendo que a linguagem-enunciado se apia na linguagem -sistema e vice-versa.

    Em Problemas da potica de Dostoievski, alm de focar a dimenso discursiva

    dos estudos da linguagem , Bakhtin refora a relao mtua existente entre a

    metalingustica e a lingustica, que tem como objetos, o discurso e a lngua -

    sistema, respectivamente: as duas devem completar-se mutuamente e no

    fundir-se, sendo que a primeira lida com as relaes dialgicas e a segunda com

    os elementos da estrutura lingustica. Enriquecendo a concepo enunciativa da

    linguagem , O discurso no romance esmiua as noes de plurilinguismo

    (dialogizado), de plurivocalidade e de pluridiscursividade. Trata-se de ver as

    estratificaes social, ideolgica, intencional e valorativa como caractersticas

    inerentes s linguagens (do romance e da vida). Tais estratificaes fundam-se

    tanto nas relaes dialgicas entre as vozes sociais e ideolgicas como na tenso

    existente entre as foras de unificao (centrpetas ) e de descentralizao

    (centrfugas) operantes sobre as ideologias e lnguas. E o elo comum a todas as

    linguagens funda-se na ideia de que so pontos de vista especficos sobre o

    mundo, formas de sua interpretao verbal, perspectivas especficas objetais,

    semnticas e axiolgicas, podendo, assim, estabelecer relaes dialgicas entre

    si. Nesta obra, o carter dialgico da linguagem desdobrado e amplamente

    reafirmado: todo discurso orientado (i) para um objeto j constitudo por

    discursos de outrem, (ii) para um j-dito e uma resposta antecipada, (iii) para os

    interlocutores.

    Literatura carnavalizada

    Podemos entender como literatura carnavalizada aquela em que percebemos as

    categorias de carnavalizao e as imagens do corpo grotesco em evidncia. Para

    discutir os conceitos de carnavalizao e corpo grotesco, Bakhtin vai literatura.

    Ele toma os romances Gargntua e Pantagruel, do autor francs Rabelais, e

    escreve a sua tese de doutorado que, num primeiro momento, foi recusada. Em

    Gargntua, desde o incio do livro, podemos perceber as imagens do corpo

    grotesco que, em Rabelais, so gigantes e muito exageradas, caractersticas

    tpicas do grotesco. Aps comer grande quantidade de tripas em um banquete,

    Gargamelle, grvida de 11 meses, sentiu mal e comeou a gemer, a gritar.

    Numerosas parteiras chegaram de todos os lados e, apalpando-a por baixo,

    encontraram uns pedaos de pele de muito mau gosto. Pensaram que fosse a

    criana, mas era o reto que escapara, por se ter afrouxado o nus, que vos

    chamais de olho-do-cu. O beb, que era gigante, sai pelo ouvido da me e

    comea a gritar: beber, beber, beber. Por essa razo, o pai deu-lhe o nome de

    Gargntua. Um exemplo da literatura brasileira Macunama de Mrio de

    Andrade. Similar ao romance francs, o livro comea com o nascimento do heri

    : no fundo da mata virgem nasceu Macunama, heri de nossa gente. Era preto

    retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silncio foi to

    grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a ndia tapanhumas pariu

    uma criana feia. Se Gargntua o gigante, Macunama baixinho, o heri sem

    carter e o que lhe caracteriza a preguia. No filme de Joaquim Pedro de

    Andrade a imagem do nascimento est bem representada. Uma velha branca e

    feia (o ator Paulo Jos), no meio do mato, parece cagar um negrinho velho e

    preto (o ator Grande Otelo). Tanto em Gargntua como em Macunama, ambos

    explicitamente calcados na cultura popular, podemos ver como os autores j

    anunciam a entrada para o mundo carnavalizado onde h inverses, dialogismo,

    polifonia, pardia etc. Do velho nasce o novo, indicando a renovao, a

    metamorfose. Mrio de Andrade mistura a linguagem indgena (no-oficial) com

    a oficial, cria neologismos, macacos podem falar; Macunama, que analfabeto,

    escreve em portugus perfeito. Para roubar, Macunama se disfara de mulher,

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/literatura-carnavalizada.html
  • 14

    mostrando a inverso sexual por pardia. Ou ainda, podemos ler Macunama

    como uma pardia da ndia romntica Iracema, de Jos de Alencar, a virgem dos

    lbios de mel, perfeita, idealizada. O magnata Pietro deposto pelo heri do seu

    povo. Tambm comum, tanto em Macunama, quanto em Gargntua, as

    descries de defecao e urinao. Gargntua conta a seu pai sobre o ritual do

    limpa cu e, quando urina, provoca uma inundao. Macunama, para espantar os

    mosquitos de uma velha, usa a urina quente. Tanto a idade mdia, contexto de

    Rabelais, quanto a semana de 22, momento em que Mario de Andrade escreveu

    seu romance, so momentos de grande transformao social. Da um retorno ao

    popular por meio da literatura carnavalizada e imagens grotescas, mostrando a

    necessidade de renovao, de abertura a novos dilogos. Mario de Andrade, com

    Macunama, usa de forma extremamente criativa caractersticas que o popular

    lhe oferece para criticar o colonialismo oficial e opressor de sua poca.

    Lngua

    Lngua a materializao da linguagem humana verbalizada. fruto do trabalho

    humano, o que implica dizer que ideolgica, ou seja, mais do que um sistema

    unirreferencial, pois alm de referenciar o mundo imediato, ela tambm

    representa um outro mundo para alm da imediatez interacional. Portanto,

    lngua um sistema lingustico-ideolgico (pois se constitui de signos lingustico-

    ideolgicos) atravs do qual a linguagem humana verbal se materializa para

    referenciar o mundo, represent-lo e constituir outro mundo para alm do

    imediato.

    Memria

    Divide-se em duas noes extremamente relacionadas: memria de futuro e

    memria de passado. Memria de passado : pode-se definir como o solo comum

    que uma comunidade lingustica compartilha. So as experincias, enunciado s,

    discursos e valores que nos constituem. A histria da qual somos filhos a

    memria de passado. Memria de futuro : pode-se definir como projeo. No

    se deve reduzir a memria de futuro a uma relao temporal, mas a idia de que

    o sujeito est incompleto, ou seja, no foi concludo, pois sua histria est

    acontecendo, vai se construindo a partir de suas movimentaes. Toda vez que o

    sujeito fala, isso afeta a si e ao outro . Faz-se presente na sua fala o desejo de

    perpetuar-se, elevar-se e ampliar-se. Bakhtin, ao falar de memria, explica que

    ela sempre de passado e de futuro, pois ambas andam juntas, so

    complementares. Ao enunciar, resgatam-se os valores j estabelecidos, mas ao

    invocar os valores ou significaes, concomitantemente, reinventa-se o sentido,

    pois o indivduo contribui com o tom, a expresso e o desejo do seu projeto

    discursivo. A memria de passado o que se pode chamar de atual,

    contempornea; j a memria de futuro utpica, isto , ainda sem lugar, no

    concretizada. A primeira tem a ver com a esttica , com a constituio do

    indivduo. A segunda com a moral, reviso e a reapresentao dos valores. A

    memria de futuro colocada como a imagem de um sujeito criativo, logo com

    responsabilidade moral. O futuro garante minha justificao, pois ele revoga o

    meu passado e o meu presente, mostra minha incompletude, exige minha

    realizao futura, e no como continuao orgnica do presente, mas como sua

    eliminao essencial, sua revogao. Cada momento que vivo conclusivo, e ao

    mesmo tempo inicial de uma nova vida.

    Mtodo Sociolgico

    O mtodo, em Bakhtin, consiste em submeter a materialidade lingustica

    concreta - entendida como o resultado verbal das interaes sociais, geradora,

    por sua vez, de formas de interao verbal especficas a um olhar analtico que

    integre ideologia e linguagem. Ou seja, no h dissociao entre os signo s e as

    formas concretas de comunicao social, estas, por sua vez, intimamente

    relacionadas base material da sociedade em que se realizam. Bakhtin sugere

    uma orientao de pensamento a partir do seguinte procedimento:

    primeiramente, identificam-se e analisam-se as formas e os tipos de interao

    verbal, relacionando-os com as condies concretas em que se realiza essa

    interao verbal. Em seguida, deve-se analisar as formas das distintas

    enunciaes e as dos atos de fala isolados, considerandoos como elementos

    constituintes da interao verbal ideolgica. Seguido esse procedimento, realiza-

    se o exame das formas da lngua na sua interpretao lingustica habitual. Estes

    procedimentos analticos so complexos e operam de forma conjunta.

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/lingua.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/memoria.html
  • 15

    Nascimento social

    O nascimento social do homem, para Bakhtin, considerado como algo

    indissocivel do seu nascimento biolgico, pois o nascimento concreto ocorre em

    sua classe social, ou seja, a partir do seu contato com a sociedade. Bakhtin

    elaborou sua teoria da conscincia fundamentando-se nos aspectos sociolgicos,

    rompendo com os aspectos fisiolgicos ou biolgicos. Ele no compreendeu a

    conscincia aliada a processos internos, mas sim ao contexto ideolgico e social.

    No julgou admissvel a existncia da conscincia individual; considerou possvel

    somente a conscincia social. No nvel individual existiriam apenas os signos,

    elementos externos emergentes do processo social), criados pelo homem. O

    escritor russo viu a necessidade de criao de uma psicologia fundada no estudo

    das ideologia s, conferindo palavra o lugar de destaque na constituio da

    conscincia sendo social (ou coletiva) permeada pela existncia dos signo s. A

    atividade mental do indivduo estaria concentrada na expresso anterior, por

    meio da palavra, da mmica ou de outro canal de comunicao e internamente

    para o prprio indivduo, constituindo-se no discurso interior. O interesse de

    Bakhtin pela psicologia se relacionou necessidade de compreender a

    construo da conscincia e, por a, apreender especificidades da criao

    artstica. A anlise que fez da psicologia foi baseada na perspectiva semiolgica

    e social, tendo-se fundamentado na linguagem e utilizado o mtodo dialtico. Ao

    considerar o homem como ser histrico e social Bakhtin historicizou tambm a

    linguagem . Para ele, o mundo pluralista e polifnico, e a interao verbal o

    fator essencial para a conscincia do homem. na coletividade da sociedade que

    tomamos conscincia. O fenmeno ideolgico por excelncia e o modo mais

    puro e sensvel de relao social a palavra , ou seja, a linguagem no sentido

    mais amplo (...).

    No-libi da existncia

    De acordo com Bakhtin, cada sujeito nico e ocupa um lugar nico na

    existncia; por isso, ningum tem libi para a existncia, ningum tem como

    escapar da sua responsabilidade existencial: temos o dever de responder. Trata-

    se, nesse sentido, de uma tica sem concesses. Bakhtin vai dizer tambm que

    viver responder; assumir, a cada momento, uma posio axiolgica frente a

    valores. Viver participar desse dilogo inconcluso que constitui a vida humana.

    A dialogia , portanto, fundante do nosso ser no mundo e da nossa prpria

    conscincia. Na expresso conscincia individual h, na concepo bakhtiniana,

    uma contradictio in adjecto, porque a conscincia sempre plural, no sentido de

    ser povoada por inmeras vozes sociais que ali esto como efeito do nosso existir

    no dilogo inconcluso com a alteridade. Nossa conscincia sempre uma

    realidade plurivocal (heteroglssica): Eu vivo em um mundo de palavra s do

    outro. E toda a minha vida. No h um libi, um ser divino que esteja por trs

    de cada atitude humana. Cada um de ns responsvel e, por isso, chamado a

    responder eticamente pelos seus atos, sem libi, sem proteo.

    Objetivismo abstrato

    Bakhtin faz uma crtica ao objetivismo abstrato , pois esse incide em um

    apagamento do sujeito falante. Em Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin

    desenvolve seus argumentos dizendo que o objetivismo, herana de uma

    tradio filosfica presente j em Descartes e Leibniz, postula que os sujeito s

    recebem a lngua finalizada, pois essa transmitida aos indivduos pronta para

    ser usada. Na Lingustica, o objetivismo abstrato foi desmembrado pelo linguista

    Saussure, quando afirmou que a lngua seria o pice para toda e qualquer anlise

    lingustica. A fala, o contexto, o extra-verbal, os elementos transitrios, para

    Saussure, no seriam objetos de estudo dessa corrente. Disso decorre que o

    sujeito e sua produo comunicativa so deixados de lado, pois os sujeito s

    deveriam, nesta compreenso, conformar-se com a estrutura da lngua dada.

    Para Bakhtin, o objetivismo separa da lngua o contedo ideolgico, acreditando

    que uma mesma palavra usada nos mais diversos contextos ser sempre

    determinada por um mesmo e nico significado.

    Organizao sinttica do discurso

    Bakhtin discute as formas sintticas em Marxismo e Filosofia da Linguagem ,

    por exemplo, no cap.8 (Teoria da Enunciao e problemas sintticos) , no qual

    o autor diz que todas as anlises sintticas do discurso constituem anlises do

    corpo vivo da enunciao . As formas sintticas so mais concretas que as formas

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/nascimento-social.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/nao-alibi-da-existencia.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/objetivismo-abstrato.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/organizacao-sintatica-do-discurso.html
  • 16

    morfolgicas ou fontica s e so mais estreitamente ligadas s condies reais

    de fala. Com isso no se quer dizer que Bakhtin no d tambm grande

    importncia s categorias fonticas e morfolgicas. O que ele ressalta o tempo

    todo que nenhuma das categorias lingusticas convm determinao do

    todo. Com efeito, as categorias lingusticas, tais como so, s so aplicveis no

    interior do territrio da enunciao. Isto , Bakhtin toma a enunciao como o

    territrio para o estudo produtivo das formas, quer sintticas, quer morfolgicas,

    quer fonolgicas, com destaque para as primeiras por serem as que mais se

    aproximam das formas concretas da enunciao . Para Bakhtin, um corpo

    monolgico, como os pargrafos, por exemplo, que tem a pretenso de ser um

    pensamento completo, contem elementos essenciais que so anlogos s

    rplicas de um dilogo : pergunta e resposta; suplementao; antecipao de

    possveis objees; e exposio de aparentes incoerncias ou contradies no

    prprio discurso, onde encontramos o ajustamento s reaes previstas do

    autor e do leitor. Sendo assim, a organizao sinttica de um discurso, para

    Bakhtin, a prpria realizao do dialogismo, especialmente em um fenmeno

    que ele caracteriza por nodal que o discurso citado (discurso direto, discurso

    indireto, discurso indireto livre), cujas modificaes e variantes podem ser

    encontradas na lngua e servem para a transmisso da palavra de outrem. Para

    Bakhtin, somente a orientao sociolgica foi capaz de descobrir toda

    significao metodolgica e o aspecto revelador desses fatos.

    Outro: falante/ ouvinte

    A interao entre o falante(locutor) e o ouvinte (interlocutor), para Bakhtin,

    constituda atravs dos signos. As palavra s funcionam como um elo entre os

    sujeito s (interlocutores) e surgem carregadas de valores sociais que j foram

    tambm constitudos socialmente. Essa interlocuo entre sujeitos construda

    por meio da enunciao , dos discursos. Bakhtin atenta-nos, a todo instante, que

    o sujeito se constitui socialmente, atravs de suas interaes e de seus dilogo s.

    Ao abordar o dilogo, Bakhtin, em Marxismo e Filosofia da Linguagem, explicita

    que a unidade real da lngua que realizada na fala no a enunciao

    monolgica individual e isolada, mas a interao, isto o dilogo. A recepo

    torna-se fundamental na consolidao do dilogo entre os indivduos. Ao ser

    interpelado pela enunciao de outrem, no processo de compreenso e

    interpretao desses enunciados, o interlocutor oferece suas contrapalavras, o

    que torna a relao falante-ouvinte dialgica. Os sujeitos, carregando consigo

    suas orientaes ideolgicas, se constituem atravs do(s) outro (s),

    dialogicamente, em uma interatividade complexa e dinmica. Essa concepo de

    interlocuo entre sujeito s, no entanto, no deve se limitar fala propriamente

    dita, uma vez que existem outros tipos de dilogo s, outras interaes.

    Palavra

    Na teoria bakhtiniana, a palavra um fenmeno ideolgico por excelncia.

    Relaciona-se, portanto, diretamente com a realidade, quando se transmuta em

    signo e adquire significao. Em Bakhtin, a palavra se posiciona sempre na

    relao eu-outro . Ele explica que, no incio, trata-se de palavra interior, quando

    se relaciona diretamente com o psiquismo , concretizando-se como a base da

    vida interior. Depois, a palavra ganha um carter refratrio, inserida no seio

    social como uma palavra exterior, caracterizando e permeando as diferentes

    formas de interao verbal. Por meio da interao contnua, da realidade

    concreta, a palavra assume sentido ideolgico enquanto enunciado e no como

    parte da lngua sistmica. Com isso, no jogo social, carrega consigo uma

    expressividade entonativa classificada como um ato ativo, contendo uma

    ubiquidade social. Assim, a palavra o elemento essencial para acompanhar e

    constituir a concepo ideolgica, enquanto material semitico da vida interior e

    eternamente presente no ato de compreender. Logo, por estar diretamente

    envolvida nas relaes humanas, o indicador mais sensvel das transformaes

    sociais, contendo em si as lentas acumulaes que ainda no ganharam

    visibilidade ideolgica, mas que j existem.

    Pardia

    a intertextualidade com inteno de produzir um efeito cmico. A forma como

    se processa esse intertexto, a motivao e as consequncias esperadas para esse

    ato determinam a natureza literria da pardia . H muitos recursos estticos e

    estilsticos para que este recurso se desenvolva focando a produo do riso na

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/outro-falante-ouvinte.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/palavra.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/parodia.html
  • 17

    literatura. Podemos citar os jogos de palavra s, a ridicularizao, o esteretipo, o

    grotesco, o burlesco, a obscenidade e a ironia, normalmente combinados entre

    si. De acordo com Bakhtin, esses recursos evoluram durante o Renascimento, no

    sculo XVIII at tornarem-se componentes estilsticos dos gneros srios,

    principalmente o romance. nesse contexto que se destaca a pardia como um

    gnero peculiar de produo artstica que rompe com a vertente da seriedade na

    literatura, mostrando-se mais recreativa, em uma atmosfera de liberdade e de

    licena. Ela carnavalesca, ambivalente, bivocal (a voz do parodiado e do

    parodiante) e dialgica. Nela, zomba-se da voz sria e, ao mesmo tempo afirma-

    se uma alegria com a outra voz. Com isso, nega-se o discurso de autor idade e

    afirma-se a relatividade das coisas. Bakhtin destacou o papel do dialogismo na

    sua construo, cujo resultado ele chamou hbrido premeditado. Com isto,

    referia-se inseparabilidade da essncia da pardia que, ao mesmo tempo em

    que dialoga propositalmente com o texto parodiado, no se confunde com ele.

    As dicotomias srio/cmico, gravidade/riso, sobriedade/embriaguez,

    espiritualidade/carnalidade parecem evidenciar que a natureza humana subsiste

    em duas bases que se opem e se complementam ao mesmo tempo: de um lado

    a viso sria/trgica da existncia humana; do outro , a celebrao da vida

    atravs do prazer e do riso. Dessa inversose constitui e efetiva a pardia .

    Realidade

    Ao falarmos em realidade , a partir de Bakhtin, precisamos pensar na realidade

    per se (o mundo, existente) e na realidade discursiva (construda e existente por

    meio da e na linguagem ). A linguagem histrica e constituda por sujeito s. A

    associao entre cultura e realidade, entre mundo sensvel e mundo inteligvel,

    entre contedo e processo, entre repetibilidade e irrepetibilidade caracteriza a

    vida (realidade per se) complexa humana, composta pelo dilogo entre o agir

    concreto dos sujeitos (tica ) e o pensar sobre o agir dos sujeito s (esttica ). O

    empreendimento bakhtiniano consiste em propor que h entre o particular

    (aquilo que s nele se faz presente) e o geral (aquilo que cada ato tem em

    comum com outros atos), a vida e a arte, uma relao de interconstituio

    dialgica que no privilegia nenhum desses termos, mas os integra na produo

    de atos, de enunciados, de obras, enfim, de dizeres que produzem a realidade

    discursiva. Bakhtin prope a interconstituio entre texto e contexto, sujeito

    discursivo e sujeito humano, e realidade discursiva (criada no e pelo discurso) e

    realidade per se. Essa aproximao ocorre porque o sujeito , para o filsofo

    russo, agente de sua conscincia e a conscincia depende da linguagem para se

    formar e se manifestar. A linguagem s existe imersa no mundo (real), por isso a

    conscincia no uma instncia anterior que impe suas categorias ao mundo.

    Ao contrrio, ela precisa do mundo para se constituir, ao mesmo tempo em que

    tambm o constri (realidade discursiva). Afinal, as situaes vividas (reais)

    chegam conscincia por meio da linguagem , no mbito do processo de

    interiorizao do signo ideolgico (realidade discursiva).

    Responsabilidade-responsividade

    Em Arte e Responsabilidade, um dos primeiros textos publicados aps a

    concluso dos estudos na Universidade de So Petersburgo, Bakhtin expe sua

    fora dialogizadora o propor a ligao com os diversos campos da cultura

    humana: a cincia, a arte e a vida. Segundo ele, para vencer o mecanicismo

    dialtico preciso garantir o nexo entre elementos diferentes para compreend-

    los em uma unidade de responsabilidade. O poeta deve compreender que a sua

    poesia tem responsabilidade pela prosa trivial da vida, e bom que o homem da

    vida saiba que a sua falta de exigncia e a falta de seriedade de suas questes

    vitais respondem pela esterilidade da arte. Arte e vida no so a mesma coisa,

    mas devem tornar-se algo singular em mim, na unidade da minha

    responsabilidade. Uma boa maneira de se pensar isso aliar responsabilidade e

    responsividade: ao mesmo tempo em que sou responsvel pelo que fao e digo,

    tambm fao e digo em resposta a uma srie de elementos presentes em minha

    vida como signos.

    Romance polifnico

    Para Bakhtin, um gnero literrio desenvolvido por Dostoievski. Como o

    prprio nome revela, um romance no qual h muitas vozes que convivem de

    modo a impedir que o narrador seja a voz central. Em outras palavra s, no h

    narrador central, protagonista, pois todas as vozes presentes no texto dialogam

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/realidade.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/responsabilidade-responsividade.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/romance-polifonico.html
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    em p de igualdade. Por ser dialgica e polifnica, a narrativa no Romance

    polifnico, em vez de alimentar a centralidade e o monlogo, caracteriza-se por

    vozes que, livres do domnio de um narrador central, produzem significados em

    interao. Os elementos que constituem esse tipo de narrativa so diferentes

    entre si, e justamente essa diferena que potencializa o texto, enriquecendo

    tanto seus feitos como efeitos. No romance polifnico destaca-se a potncia das

    paixes representada nas vozes de personagens marcantes. Tais potncias, para

    Bakhtin, expressam o ativismo do indivduo, isto , o indivduo no est

    finalizado, ele est em movimento de criao constante. Deve estar evidente que

    as vozes em um romance polifnico no se sujeitam a um centro do qual

    emanariam as palavra s finais. Nesse sentido, uma palavra no pode ser vista

    como a finalizao de uma ideia, mas sim, como uma nova retomada e

    ressignificao dos sentidos.

    Signo

    De incio, Bakhtin contundente em afirmar que tudo que ideolgico signo .

    E ele vai mais alm ao dizer que o signo no se constitui fora de uma realidade

    material , mas reflete e refrata outras realidades. Os signos somente emergem e

    podem existir dentro da interao social, adquirindo significao dentro de uma

    realidade material e concreta. Eles comportam em si ndices de valores que

    espelham e constituem os sujeitos que os utilizam e a realidade social por onde

    circulam. Tais ndices operam como arenas de lutas em que diferentes ideologias

    entabulam entre si relaes dialgicas e disputas pelos sentidos. Dentro do

    universo da linguagem , o signo tem seu espao particular por operar como uma

    ponte entre a lngua sistmica e a realidade scio-histrica, articulados pela

    ideologia . Assim, podemos dizer que o signo se d em uma encruzilhada

    tripartite e inseparvel: uma parte de material, uma parte de materialidade

    scio-histrica, e uma parte do meu ponto de vista.

    Subjetividade

    A noo de subjetividade criticada pela obra de Bakhtin implica o limite do ser

    num eu absoluto, de modo que se exclui a relao eu-outro . Bakhtin

    questiona tal primazia do eu na corrente filosfica que ele chamou de

    subjetivismo idealista, para a qual os resultantes das relaes sociais (inclui-se

    aqui a lngua , a ideologia ) so apenas produtos da conscincia ou da ordem

    psicolgica. Bakhtin refuta essa concepo ao demonstrar que a conscincia no

    pode derivar da natureza, nem a ideologia derivar da conscincia. Pelo contrrio,

    a prpria conscincia toma forma e existncia nos signos ideolgicos, de modo

    que o indivduo somente se constitui, identifica-se e difere-se na relao com o

    outro .

    Subjetivismo idealista

    Na obra Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin critica o subjetivismo

    idealista , pois esse, assim como a compreenso da realidade marcada pelo

    objetivismo bstrato , no dariam conta de explicar a complexidade sociolgica (e

    discursiva) da realidade. A diferena bsica do subjetivismo em relao ao

    objetivismo seria que o primeiro tentaria explicar o ato de fala a partir da vida

    psquica dos sujeito s falantes, sendo a fala vista como o fundamento da lngua .

    Para o subjetivismo, nada imvel, nada consegue conservar uma identidade,

    sendo o sujeito individual o ponto de origem da enunciao. Desconsideram-se,

    portanto, a natureza social da enunciao, a natureza da palavra como produto

    da interao entre o locutor e o interlocutor, e o fato de que toda enunciao

    surge de certas presses sociais que configuram, tambm, os ouvintes possveis.

    Sujeito

    Para Bakhtin e seu Crculo, a questo do sujeito est entre as mais importantes,

    pois envolve diretamente conceitos fundamentais para sua teoria como dialogia ,

    alteridade e ideologia. Como aborda em Marxismo e Filosofia da Linguagem, o

    sujeito constitudo socialmente, a partir da interao verbal na relao com o

    outro. Esta concepo diferencia-se de outras trazidas pelo objetivismo abstrato

    (tendo Saussure como maior representante) e o subjetivismo idealista

    (representado, entre outros, pela escola de Vossler), correntes do pensamento

    lingustico discutidas por Bakhtin na obra citada. Para o objetivismo abstrato , h

    um distanciamento do indivduo com relao lngua tomada como autnoma;

    ou seja, o indivduo utiliza-se deste cdigo imutvel para comunicar-se, no

    http://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/signo.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/subjetividade.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/subjetivismo-idealista.htmlhttp://glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/sujeito.html
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    tendo participao ativa sobre ele. J para o subjetivismo idealista , h uma

    defesa do indivduo como ser criativo, que tem uma relao psicolgica com a

    lngua tomada como os outros tipos de arte, criada e expressa a partir de pura

    inspirao, ou seja, num movimento do interior para o exterior do sujeito . Ao

    criticar estas vertentes, Bakhtin incisivo na defesa de um sujeito ativo na

    constituio da lngua , sendo assim tambm constitudo por ela e a partir do

    dilogo e da interao verbal com o outro. O sujeito constitudo de fora para

    dentro. Como afirma Bakhtin, at mesmo o consciente e o discurso interior so

    formados socialmente; e a lngua est sempre em movimento na interao dos

    sujeito s, numa relao de estabilidade e instabilidade entre estes e o meio

    social. Portanto, o sujeito na teoria bakhtiniana considerado como um ser de

    aes concretas, em contraposio concepo de sujeito abstrato ou

    idealizado.

    Superestrutura

    Uma questo primordial para todos e quaisquer estudos marxistas a noo de

    superestrutura . Trata-se de todo o sistema social-ideolgico que uma sociedade

    constitui na sua histria . Bakhtin, no livro Marxismo e filosofia da linguagem ,

    vai dedicar um captulo para discutir a relao entre Superestrutura e

    Infraestrutura, nos mostrando que o lugar onde encontraremos a materializao

    da superestrutura a palavra , ou ainda, o signo ideolgico. A superestrutura ,

    como a cincia, a cultura , a religio, a educao e a mdia, por exemplo, forma

    seus tipos relativamente estveis de signos ideolgicos. No devemos,

    entretanto, colocar a superestrutura como fundadora desses signos, pois os

    signos se constituem na relao dialgica entre infraestrutura e superestrutura.

    o conjunto de instituies jurdico-polticas (Estado, direito, etc) e as formas

    de conscincia social que correspondem a uma dada infra-estrutura. preciso

    lembrar, no entanto, que essa correspondncia no mecnica, mas a

    superestrutura tem uma relativa autonomia em relao

    infraestrutura. (Linguagem e Ideologia, Jos Luiz Fiorin, pg 83)

    Tema

    A noo de tema vincula-se perspectiva semntica presente nas obras do

    Crculo de Bakhtin. Tal perspectiva contempla uma tenso existente entre a

    significao, que contempla os sentidos reiterveis, previsveis, cristalizados,

    estabilizados e dicionarizados da lngua , e o tema, que trata dos sentidos verbais

    e no-verbais, singulares, nicos, ideolgicos, histricos, valorativos da lngua. O

    tema determinado tanto pelas formas lingusticas quanto pelo contexto

    extraverbal que compreende o compartilhamento pelos interlocutores do

    horizonte espao-temporal, do conhecimento da situao e de avaliaes e

    julgamentos. O tema (contedo temtico), juntamente com o estilo e a

    construo composicional, ao serem marcados pelas especificidades de uma

    dada esfera scio-verbal, caracterizam o enunciado . A relao entre a

    significao e o tema pode ser transposta tanto para as noes de linguagem-

    enuciado e linguagem-sistema, como para o que Bakhtin (1919) definiu como o

    mundo da cultura (das representaes, objetificaes, teorizaes) e o mundo da

    vida (do ato nico, singular e vivido); assim, o ato vivido, ao ter seu sentido

    teorizado pela cincia, filosofia, histria ou esttica , passa a assumir um valor

    abstrato, distante do que era enquanto experincia.

    Valor esttico

    Segundo Bakhtin, "O excedente da minha viso contm em germe a forma

    acabada do outro, cujo desabrochar requer que eu lhe complete o horizonte sem

    lhe tirar a originalidade. Devo identificar-me com o outro e ver o mundo atravs

    de seu sistema de valores, tal como ele o v; devo colocar-me em seu lugar, e

    depois, de volta ao meu lugar, completar seu horizonte com tudo o que se

    descobre do lugar que ocupo, fora dele; devo emoldurlo, criar-lhe um ambiente

    que o acabe, mediante