Glossário-transculturalidade e Crioulização

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Não podendo ser pensadas como algo homogéneo e isolado, as noções de cultura assumiram novas formas, que ultrapassam as fronteiras culturais tradicionais. Em relação a esta característica, Wolfgang Welsch define a noção de transculturalidade, e esclarece: “Em primeiro lugar, a transculturalidade é uma consequência da diferenciação interna e complexidade das culturas modernas. […] Em segundo lugar, a velha ideia de cultura, homogeneizadora e separatista, foi ultrapassada pelas redes de articulações externas das culturas. As culturas estão hoje extremamente inter-relacionadas e entrosadas. […] Em terceiro lugar, as culturas hoje são em geral caracterizadas pela hibridação”. As culturas influenciam-se mutuamente, são permeáveis, o que faz surgir processos de hibridação, que modificam e transformam os padrões de comportamento humano. A variabilidade do conceito de cultura dificulta seu entendimento e é geralmente concebida como bolhas ou grupos homogêneos. Esse conceito de cultura como homogênea ainda é considerado por muitos como válido. Segundo Welsch (1999), esse conceito é caracterizado pela homogeneização cultural, consolidação étnica e delimitação intercultural, mas todos são insustentáveis para definir o conceito de cultura, pois não existe uniformidade nem mesmo no interior das sociedades modernas, que, atualmente, são marcadas por diversidades e diferenças que impossibilitam considerá-las como um grupo homogêneo. Além disso, pensar em culturas como esferas fechadas e isoladas não condiz com a realidade e, para Welsch (1999), essas definições são imaginárias e fictícias. A história mostra que sociedades não estão isoladas, mas sim entrecruzadas e em constante contato. Os termos interculturalidade e multiculturalidade também são abordados pelo autor, mas rejeitados por também serem inadequados para representar a ideia de cultura.

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Não podendo ser pensadas como algo homogéneo e isolado, as noções de cultura assumiram novas formas, que ultrapassam as fronteiras culturais tradicionais. Em relação a esta característica, Wolfgang Welsch define a noção de transculturalidade, e esclarece:

“Em primeiro lugar, a transculturalidade é uma consequência da diferenciação interna e complexidade das culturas modernas. […] Em segundo lugar, a velha ideia de cultura, homogeneizadora e separatista, foi ultrapassada pelas redes de articulações externas das culturas. As culturas estão hoje extremamente inter-relacionadas e entrosadas. […] Em terceiro lugar, as culturas hoje são em geral caracterizadas pela hibridação”.

As culturas influenciam-se mutuamente, são permeáveis, o que faz surgir processos de hibridação, que modificam e transformam os padrões de comportamento humano.

A variabilidade do conceito de cultura dificulta seu entendimento e é geralmente concebida como bolhas ou grupos homogêneos. Esse conceito de cultura como homogênea ainda é considerado por muitos como válido. Segundo Welsch (1999), esse conceito é caracterizado pela homogeneização cultural, consolidação étnica e delimitação intercultural, mas todos são insustentáveis para definir o conceito de cultura, pois não existe uniformidade nem mesmo no interior das sociedades modernas, que, atualmente, são marcadas por diversidades e diferenças que impossibilitam considerá-las como um grupo homogêneo.

Além disso, pensar em culturas como esferas fechadas e isoladas não condiz com a realidade e, para Welsch (1999), essas definições são imaginárias e fictícias. A história mostra que sociedades não estão isoladas, mas sim entrecruzadas e em constante contato.

Os termos interculturalidade e multiculturalidade também são abordados pelo autor, mas rejeitados por também serem inadequados para representar a ideia de cultura.

Os dois termos são bastante similares: o primeiro tenta buscar maneiras de fazer com que culturas se reconheçam ou se entendam e o segundo considera as diferenças entre culturas dentro de uma mesma sociedade, priorizando a tolerância e o respeito para com a diversidade e a diferença. Entretanto, ambos ainda partem da mesma premissa do conceito tradicional: cultura como esferas autônomas e distintas.

Assim, por considerar que a cultura não se apresenta de forma homogênea e separada, Welsch (1999) propõe o termo transculturalidade, focando uma condição cultural amplamente caracterizada por misturas e permeações. Nessa concepção, não existe nada absolutamente estrangeiro ou próprio e autenticidade é apenas folclore, pois as culturas modernas se interpenetram e emergem umas das outras.

Hibridismo é, também, uma das palavras-chave na definição desse conceito ao representar a (re)construção das culturas como uma mistura de elementos de origens variadas. O estrangeirismo está tão presente em uma mesma cultura como na relação entre culturas

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externas. O mesmo acontece com o próprio indivíduo, que também é entendido como híbrido cultural, já que é formado por múltiplas conexões culturais (Welsch, 1999).

The concept of transculturality suggests a new conceptualization of culture differing from classical monocultures and the more recent conceptions of interculturality and multiculturality. The traditional description of cultures as islands or spheres is descriptively wrong, because cultures today are characterized internally by a pluralization of identities and externally through border-crossing contours. (Welsch,1995)

As noções de interculturalidade e multiculturalidade transcendem o tradicional conceito homogeneizante de cultura como ilha ou bolha, como propõe Welsch (1994). Entretanto, mesmo defendendo a compreensão e reconhecimento entre diferentes culturas (p.21), interculturalidade ainda arrasta uma característica separatista e a pressuposição da inabilidade de culturas serem capazes de se comunicar.

Multiculturalidade, por sua vez, ainda traz os resquícios do conceito tradicional de cultura, com uma visão ainda homogeneizante, mesmo assumindo os problemas de diferentes culturas em convivência em uma sociedade pela tolerância e compreensão.

Welsch (1994) sugere que as culturas, de fato, não trazem mais a suposta característica de homogeneidade e separação, mas assumiram uma nova forma chamada de transcultural, porque transitam ou perpassam as fronteiras culturais clássicas. Para o autor, as condições culturais dos dias de hoje se caracterizam por misturas e permeabilidades (p.3). As tecnologias e a mobilidade geográfica das pessoas no mundo atual trazem a transitoriedade e novas experiências para os contextos interacionais nos quais se delineiam constituições de identidades transitórias. No paradigma da transculturalidade, é nas misturas e permeabilidades dos acontecimentos das interações online que as diferenças produzem figuras de referência (e não mais identidades). Welsch (op.cit) afirma que um novo tipo de diversidade adquire forma: a diversidade de diferentes culturas e formas de vida, cada uma emergindo da permeabilidade transcultural, dando origem a indivíduos que dão forma a novos padrões transculturais e a redes transculturais (p.8). Eis o modo como Welsch (op.cit) coloca:

(...) A questão é que, agora, as diferenças não são mais resultantes de uma justaposição de culturas claramente delineadas (como em um mosaico), mas são produtos de redes transculturais que trazem algumas coisas em comum as quais, ao mesmo tempo, se diferem em outras, mostrando, ao mesmo tempo, sobreposições e distinções. A mecânica da diferenciação se tornou mais complexa. No entanto, pela primeira vez, se tornou mais culturalmente genuína e não mais obedece a estipulações geográficas ou nacionais – segue puros processos de intercâmbio cultural (p.8).

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Para Welsch, portanto, o conceito a transculturalidade traz em seu bojo um novo quadro de relações entre culturas – um quadro não de isolamento ou conflito, mas de emaranhamento, intersecção, trocas e interações (p.14)

é necessário que tenhamos abordagens transversais do conceito de cultura e não abordagens centradas na interculturalidade ou multiculturalidade. Welsch (1994) argumenta que esses dois conceitos são inadequados para se dar conta da pluralização de identidades e permeabilização das fronteiras nacionais do mundo globalizado pelo capitalismo.

Wolfgang Welsch, “Transculturality: The Puzzling Form of Cultures Today”, in Mike Featherstone, Scott Lash (ed.),

Spaces of Culture – City – Nation – World. Sage Publications, Londres, Thousand Oaks e Nova Deli 1999, págs.197-198.

Welsch, Wolfgang (1994) "Transkulturalität - die veränderte Verfassung heutiger Kulturen", pp. 83-122 in Sichtweisen. Die Vielheit in der Einheit. Weimar: Weimarer Klassik.

Welsch, Wolfgang (1995a) Vernunft. Die zeitgenössische Vernunftkritik und das Konzept der transversalen Vernunft. Frankfurt a.M.: Suhrkamp. 2nd ed. stw 1996.

Welsch, Wolfgang (1995b) "Nietzsche über die Zukunft Europas - Tyrannen oder Nomaden?", in: Sichtweisen: Völker und Vaterländer. Weimar: Edition Weimarer Klassik, pp. 87-108.