Gnosis Religiao Interior

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This book describes what is gnosis and what is the way to reach it. Is discusses he gnostic myths and how the gnosis is revealed through history. It also envisions the gnosis as an animic revolution.

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Série Cristal 5

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Copyright © 1997 Rozekruis Pers,Haarlem,Holanda

Título original holandêsGnosis als innerlijke religie

Tradução da edição francesaLa gnose, religion interieure

2007IMPRESSO NO BRASIL

LECTORIUM ROSICRUCIANUM

ESCOLA INTERNACIONAL DA ROSACRUZ ÁUREA

Sede InternacionalBakenessergra¯t 11-15,Haarlem,Holanda

www.rozenkruis.nl

Sede no BrasilRua Sebastião Carneiro, 215, São Paulo, SP

www.rosacruzaurea.org.br

Sede em PortugalTravessa das Pedras Negras, 1, 1.º, Lisboa, Portugal

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gnosis, religião interior / [tradução: Equipe deTradutores do Lectorium Rosicrucianum]. –Jarinu, SP : Rosacruz, 2007. –(Série Cristal ; 5)

Título original:Gnosis als innerlijke religie.Vários autores.ISBN-13: 978-85-88950-39-9

1. Gnosticismo 2. Rosacrucianismo I. Série.

06-9762 CDD-299.932

Índices para catálogo sistemático:

Gnosticismo : Religião 299.932

Todos os direitos desta edição reservados àEDITORA ROSACRUZ

Caixa Postal 39 – 13.240-000 – Jarinu – SP – BrasilTel. (11) 4016.1817 – FAX (11) 4016.5638

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SUMÁRIO

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 O que é “Gnosis”? . . . . . . . . . . . . . . 112 O caminho da Gnosis . . . . . . . . . . . . 153 Gnosis, revelação dos mistérios . . . . 294 Os mitos gnósticos . . . . . . . . . . . . . 375 A Gnosis no decorrer da história . . 536 A Gnosis como religião interior . . . 697 A Gnosis como revolução da alma . 798 A Gnosis como fundamento

do novo homem . . . . . . . . . . . . . . . 899 A força de ação da Gnosis no mundo 9910 A Gnosis e as ideologias modernas . 11111 Gnosis, verdade universal . . . . . . . . 119

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OQUE É A VERDADE?

Vede este cristal: assim como uma só luz se revelapor doze faces, sim, em quatro vezes doze, e cadaface, por sua vez, reflete um raio da luz, uns perce­bem uma face, outros vêem outra, porém o cristalé um só e também uma só a luz que ele irradia emtodas.

(Extraído deO evangelho dos doze santos)

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INTRODUÇÃO

Este livro é uma compilação de artigos escritosno decorrer dos anos por alunos da Escola Espiri­tual da RosacruzÁurea em sua revista bimestralPentagrama. Cada artigo reflete uma experiên­cia pessoal gnóstica, compreendida como umarealidade espiritual vivente. Por esse motivo oconjunto não constitui uma descrição sistemá­tica sobre a Gnosis, mas uma apresentação dealgumas de suas múltiplas facetas: aGnosis, on ­tem e hoje; a Gnosis como realidade espiritualvivente; aGnosis, caminho espiritual, tal como éseguido na Escola da RosacruzÁurea. Essa avali­ação privilegia uma busca autêntica mais do queum exame sistemático.De fato, aGnosis é umarealidade vivente sempre ativa, que apenas é com­preendida quando experimentada e vivenciada.Assim sendo, ela jamais pode ser assimilada deforma abstrata, intelectual e discursiva.

OS EDITORES

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O QUE É “GNOSIS”?

Ser consciente da realidade viventeda Gnosis apenas é possívelpor meio da centelha-do-espíritooculta no coração.

Gnosis, “conhecimento” em grego, é uma reali­dade sempre vivente e atual; não se trata nemde um saber comum, nem de certa concepçãodo mundo, nem de um sistema religioso do pas ­sado. Poderíamos considerá-la como uma �loso­�a e procurar compreender suas idéias e símbolos,mas nesse caso ela permaneceria incompreensí­vel. Porque aGnosis é, antes de tudo, uma forçaque deve ser experimentada, aceita e vivenciada.

Gnosis é Espírito, força de radiação do Espírito,uma força que convidaohomema realizar seu ver­dadeiro destino: sua reconciliação com omundodivino e seu retorno para sua verdadeira pátria.

Pode o ser humano compreender esse¯amadoe a ele responder? Sim, pois ele possui em si umacentelha de luz divina, receptiva ao¯amado da

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Gnosis, à luz do Espírito, por ser da mesma na ­tureza. Todavia, ele não está consciente disso.Acentelha divina nele é como prisioneira da maté­ria, oculta, desconhecida, apagada, despojada devida.Mas se esse homem sentir que não pertencea este mundo, se estiver consciente de estar va­gueando nesta terra, passando sem cessar do bemao mal, da noite ao dia, da vida para a morte, sesentir que é incapaz de ultrapassar seus limites eque o sofrimento dos homens nesta terra o escan ­dalizam, pode acontecer que um dia um raio daGnosis consiga reacender a centelha de luz ocultaem seu ser. Então ele despertará de repente e verátudo com outros olhos.

Ele terá a con�rmação de que a terra não é sua pá­tria verdadeira,mas que ele pertence ao mundoespiritual do qual agora percebe o ¯amado. Esentirá de maneira clara que coabitam nele duastendências, dois seres: o ser exterior comum, ohabitante da terra, e um ser interior espiritualque aspira ao absoluto. Ele vivenciará uma ver­dade tão velha quanto o mundo: a existência deduas ordens de natureza separadas. Por um lado,ummundo onde se alternam sem cessar o nasci­mento e amorte;poroutro lado,omundo eternoe imutável do Absoluto.

Emnossa época, na era deAquário, a radiação daGnosis se faz sentir com grande intensidade, e ahumanidade a sente como um convite para rom­per todos os seus laços com as estruturas ultrapas­sadas da sociedade e da religião e para encontrar

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novas possibilidades, em particular nas ciênciase nas artes. Ela projeta suas aspirações para o ex­terior e espera sempre estabelecer sobre a terraum reino paradisíaco. Ora, muitos agem atual­mente segundo uma sabedoria da qual pode-seduvidar, e o tempo está próximo em que a maio­ria reconhecerá, talvez, que sua sabedoria não ésu�ciente.

Entretanto, o verdadeiro buscador, tocado pelaradiação gnóstica, se voltará para o seu interior,no silêncio do mais profundo de seu ser, de ondereceberá aos poucos todo o conhecimento neces ­sário para elevar-se acima do espaço e do tempo,da vida e da morte, a �m de seguir o verdadeiroplano de libertação do mundo e da humanidade,o plano de toda eternidade previsto por Deus, ealcançar a verdadeira �nalidade de sua vida: tor­nar-se um homem-alma-espírito, tornar-se outravez o homem original. Assim, ele descobrirá aprópria essência da Gnosis, que é a unidade detodas as almas libertadas na Luz divina.

Quem reconhece esse caminho e deseja segui-lonecessita de auxílio, pois devido à grande ilusãoele é difícil, tanto exterior como interiormente,de ser seguido contra todos os antigos princípiose forças que se opõem a esse desenvolvimentocom a �nalidade de manter-se a qualquer custo.Esse é o papel de todas as escolas espirituais au ­tênticas que souberam criar uma ligação com asFraternidades gnósticas do passado, isto é, entra­ram em ligação vivente com aGnosis mediante

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uma resposta positiva ao seu¯amado.Foi criado,então, um campo de força que oferece todas aspossibilidades libertadoras aos seus alunos.NelesaGnosis se revela; todos aspiram àmesma ilumi­nação interior e cada um, em respeito e a serviçode outros, penetra pouco a pouco na unidade, noamor e na paz de sua verdadeira pátria, o mundodivino.

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O CAMINHO DAGNOSIS

Na Gnosis está ocultauma força cuja origemnão é deste mundo e queemana do amor divino.

“Eu vos anuncio o caminho santo e oculto, aGnosis”, diz o Salvador num hino antigo. Essaspalavras apresentam dois aspectos essenciais. Pri­meiro, aGnosis não é um princípio passivo, algoque cairia, por assim dizer, do céu. É um cami­nho que é preciso percorrer graças a um processode desenvolvimento interior ativo, que penetrae modi�ca o ser inteiro. Em segundo lugar, épreciso abrir, ensinar esse caminho, e nele se an ­tecipar aos outros.

Na linguagem mais familiar dos Evangelhos, Je­sus diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.Ninguém vai ao Pai, senão pormim.”1 Ele revela

João 14:6.1

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a necessidade de segui-lo: “Quem quiser me se­guir, que renuncie a si mesmo, e carregue suacruz; pois aquele que quiser salvar a sua vida a per­derá,mas aquele que a perder porminha causa aencontrará.”2

Eu sou o caminho…Desse caminho santo e oculto, denominadoGno­sis, emanaum¯amado eterno e aomesmo tempomuito atual, que se dirige a todos os que dese ­jam ouvi-lo. É um¯amado dirigido sempre denovo à humanidade, o qual apenas um pequenonúmero compreende e muito poucos realizam.Quando o conhecimento desse caminho pode seperder, então novos enviados daGnosis afluempara libertar o caminho e a luz, assim como paramostrar aos homens sua elevada vocação.AGno­sis indiana exprime esse fato da seguinte forma:

“Toda vez que a ordemmorre e a desordem im ­pera, torno a nascer em tempo oportuno assimo exige a Lei. Para proteger o bem e destruir omal, encarno no seio da humanidade, ensinandoo caminhoque leva à auto-realização.Aquele quecompreende a minha vocação divina e o misté­rio daminha encarnação não tem necessidade denascer outra vez após a morte, aqui na terra […]ele vem a mim…

Cada vez que o bemdiminui e omal aumenta, eucrio um corpo.A cada período volto para libertar

Mateus 16:24–25.2

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os santos, livrar os pecados dos pecadores e resta­belecer o que é justo.Quem conhece a naturezademinhamissão, a santidade demeunascimento,já não renascerá ao deixar o corpo; ele virá paramim.”3

Ainda mais claro e mais penetrante é o texto deHipólito:

“O fundamento primordial de todas as coisas, doSer e daVida, o primeiro fundamento de todasas coisas, é o Espírito.O segundo, emanado doprimeiro, do Espírito, é o caos. O terceiro, for­mado pelos dois, é a alma. Ela se assemelha a umacriatura selvagem, perseguida sobre a terra pelamorte que exerce sobre ela seu poder.

Hoje no reino da luz, amanhã ela se encontraránamiséria, no¯oro e nas lamentações. À alegriasucedem as lágrimas, às lágrimas, o julgamento,e ao julgamento, a morte. Errando no labirinto,ela procura em vão uma saída.

Mas Jesus disse: ‘Vê, ó Pai, esse ser sem pátria.Longe de teu sopro, ele erra sobre a terra, que­rendo fugirdo triste caos, sem saberonde começaa elevação.

Pai, envia-me ao socorro desse ser. Faze-me des ­cer com os sinais nas mãos, para passar atravésdos éons, abrir todos os mistérios, revelar o ser

Bhagavad Gita, capítulo IV.3

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de Deus, anunciar o mistério do santo caminho,denominado Gnosis, conhecimento’.”4

Omundo da luz e o mundo das trevasEssa cosmogonia sucinta demonstra como a alma,separada do Espírito, sua causa primeva, está ema­ranhada no mundo da matéria enganadora e pro­cura em vão uma saída. A humanidade decaídadesperta a compaixão do Filho deDeus, que per­gunta se pode descer a �m de lhe desvelar osmistérios e anunciar o caminho daGnosis. Esseé o caminho da verdadeira religio,5 o restabeleci­mento da ligação comDeus. Ele, que para a sal­vação dos homens desceu na natureza da mortea �m de os ligar outra vez a seu Criador espiri­tual, a�rma pois com razão: “Eu sou o caminho,a verdade e a vida.Ninguém vai ao Pai, senão pormim.”6

Como representar de modo concreto esse cami­nho da Gnosis?O hino citado acima diz que ohomem se encontra separado de Deus. É umaalma naturalmortal, separada do Espírito, sepa­rada da causa primeva da Vida. Sem ligação como Espírito divino, o homem permanece prisio ­neiro da roda do nascimento e da morte. Sua

Hipólito V, 10.4Pode-se traduzir a palavra religio de dois modos. Ela tem5por raiz tanto a palavra relegere, que signi�ca perceber demodo consciente, quanto o verbo religere, que signi�carestabelecer a ligação.João 14:6.6

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verdadeira natureza interior, ou alma-espírito, éimortal,mas está adormecida e nãopode se elevarao reino da luz. Ela permanece em estado latente,encerrada nomundo tenebroso da matéria. Ela éprisioneira e suspira pela libertação. Esse desejointerior incompreensível, essa sede inextinguívelde liberdade, amor, harmonia e eternidade é oque leva os seres humanos a fazer todos os tiposde experiências insólitas. Eles se entregam entãoàs experimentações porque lhes falta o conheci­mento indispensável da causa e da �nalidade davida, a Gnosis.

Entretanto, aGnosis émais do que isso, pois elapossui uma força que não provém da naturezadialética,mas do amor deDeus. Essa luz brilhanas trevas e se comunica aos que lhe são receptí­veis. Essa força-luz permite seguir o caminho daGnosis, elevar-se acima de simesmo e tornar-seuma nova criatura. De fato, essa força não-ter­restre tem a capacidade de reavivar o princípiolatente da alma-espírito para que ele desperte ese desenvolva. A Gnosis realiza o prodígio doMysteriumMagnum através de um processo detransmutação e de trans�guração, “o mortal re­veste a imortalidade, e a morte é tragada,” talcomoo expressa Paulo.7É assimque oHomemes­piritual imortal ressuscita graças a essa força. Elesai do túmulo da matéria e retorna à sua pátriadivina.Nada mais pode ligá-lo ao mundo perecí­vel dos fenômenos. Ele rompe os selos, desvenda

ICoríntios 15:54.7

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os mistérios e atravessa sem perigo as esferas doséons do microcosmo e do macrocosmo.

Mas no decorrer desse poderoso processo foi ne­cessário que ele tomasse conhecimento de seu va ­lor e descesse aomais profundo de simesmo parareconhecer-se apenas um homem da naturezae não um homem de Deus; que trazia quandomuito a imagem do Homem-Espírito,mas quepoderia ressuscitá-lo caso preen¯esse todas ascondições.

“Quem quiser fazer parte da religio, deve saberque os dois princípios, da luz e das trevas, sãoabsolutamente separados e pertencem a nature­zas diferentes. Se ele não souber fazer distinção,como poderá pôr em prática o ensinamento?”8

Essa compreensão representa a primeira portapara todos os que desejam de fato fazer parte daGnosis.A centelha-do-espírito ainda mais oumenos latente é então tocada de forma pode­rosa pela luz, e o desejo de salvação surge. É oinício da fase do homem-João, quando são aplai­nados os caminhos do Senhor interior: “Não eu,mas oOutro emmim”.Assim é a segunda porta.

Declinar em Jesus por um processode diminuição do euQuem aspira pela Gnosis deve aceitar esse pro ­cesso e colaborar de maneira inteligente com ele.

AGnosis dos maniqueus, fragmento Pelliot.8

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Sua tarefa é descobrir todas as ligações mais oumenos sutis que retêm todo o seu sistema prisio­neiro damorte.Assim, ele sente de forma intensaque é uma criatura da natureza da morte. Suanova compreensão e o despertar de seu desejopor salvação o tornam cada vez mais conscientede que seus pensamentos, sentimentos e açõesdevem ter outro fundamento.As fortes motiva ­ções que o fazem viver obedecem à lei da auto ­conservação, lei essencial da natureza da morte,onde todas as criaturas vivem em interdependên ­cia. Ora, a obediência a essa lei torna impossívelseguir o caminho daGnosis, pois aGnosis é dia­metralmente oposta ao amor próprio.De fato, alei fundamental da natureza divina ordena:

“Ama a Deus acima de tudo, e ao teu próximocomo a ti mesmo.”

O candidato no caminho de libertação da almaprisioneira adquire sempre maior compreensãosobre a verdade.Ao mesmo tempo se torna tam­bém sempre mais consciente de sua impotênciaestrutural. É por isso que deve renegar seu pró­prio ser, ou seja, aniquilar as influências de seu eu,estabelecendo assimumanova base para onão-eu.Nesse momento se abre a terceira porta, a qual épreciso agora atravessar: a fase da total auto-en­trega ao homem-Jesus,despertado interiormente.Isso é o que signi�ca “morrer em Jesus”.Não setrata de uma vaga experiênciamística,mas de umcomportamento medido, com fundamento só­lido e bem estruturado, onde é descartado tudo

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o que poderia entravar o acesso ao caminho darenovação.

Essa abertura interior crescente permite àGno ­sis trabalhar de maneira cada vez mais poderosa.Os centros latentes são tocados e impulsionadospara uma nova atividade.Ao mesmo tempo o an ­tigo sistema se desfaz de modo progressivo das in ­fluências da antiga natureza.O sangue e o fluidonervoso carregam-se de uma força superior quepermite prosseguir no processo de transmutação.

“Quemquiserme seguir,que renuncie a simesmo,e carregue sua cruz; pois aquele que quiser salvara sua vida a perderá,mas aquele que a perder porminha causa a encontrará.”9

A luta contra os espíritos malvados do ar“No demais, irmãos meus, fortalecei-vos no Se­nhor e na força do seu poder.Revesti-vos de todaa armadura deDeus, para que possais estar �rmescontra as astutas ciladas do diabo. Porque nãotemos que lutar contra a carne e o sangue,mas,sim, contra os principados, contra as potestades,contra os príncipes das trevas deste século, con­tra as hostes espirituais da maldade, nos lugarescelestiais.”10

Ohomem é uma imagemdo cosmo.Por isso ele édenominadomicrocosmo.Mas essemicrocosmo

Mateus 16:24–25.9Epístola aos Efésios 6:10–12.10

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degenerou quando o sol central, o Espírito, seretirou desse sistema, cujo núcleo mantém-se emvida graças a um fogo tenebroso, o princípio fun­damental da natureza dialética. Esse fogo se ma­nifesta no instinto de autoconservação. Ele ex­prime-se na personalidade e já não obedece aDeus,mas é guiado pelos arcontes e pelos dozeéons.São essas forças ímpias danatureza queman ­têm omundo e a humanidade sob seu império eos governam.

Como conseqüência, a esfera mais exterior domicrocosmo o �rmamento aural �ca degra ­dada por completo. Essa esfera reflete o estadointerior dos seres humanos e está submetida à in ­fluência dos poderes dialéticos e de seus sectários.Quem deseja libertar-se disso e seguir o caminhodaGnosis para sair das trevas e alcançar omundoda luz eterna deve tornar-se outra criatura pelatrans�guração, no sentido literal da palavra.

A trans�guração signi�ca a substituição total donúcleo tenebroso, aomesmo tempo em que a edi­�cação de uma nova personalidade se desenvolve.Por conseguinte, a trans�guração signi�ca a liber­tação e a ressurreição do homem-deus interior.Esse processo apaga as falsas luzes enganadorasdo �rmamento aural. E João diz em Patmos:

“E vi um novo céu e uma nova terra. Porque oprimeiro céu e a primeira terra passaram.”11

Apocalipse 21:2.11

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Antes que o novo céu e a nova terra apareçam, aantiga natureza deve “declinar” totalmente “emJesus”. Essa fase do caminho revela o homem ­-alma despertado, mas que ainda não renasceu“pelo Espírito Santo”.Antes da ressurreição, eledeve primeiro descer aos infernos, libertar-se docírculo vicioso das forças dialéticas os éons,com suas armadilhas, suas sugestões e suas ten­tações.

O evangelho Pistis SophiaNesse período, o candidato é “um peregrino atra ­vés do círculo das estrelas,” como disse Apolô­nio deTiana.De forma deliberada e consciente,ele se desvia de toda sugestão astral provenientetanto do microcosmo como do macrocosmo. So ­bre esse caminho ele comete ainda muitos erros,mas na força da Gnosis ele levará até o �m suaimitação de Cristo.Muitos textos gnósticos des ­crevem o combate para se livrar do fogo astral eos esforços necessários para libertar em si o ho ­mem-Deus.O candidato é então auxiliado portodos os lados, como o vemos no décimo terceirocântico da Pistis Sophia:

“Em verdade, em verdade, eu vos digo, antes deminha vinda a este mundo, nenhuma alma en­trou na luz. E agora que eu vim, abri as portasda luz e abri os caminhos que conduzem à luz. E,agora, possa quem faz o que é digno do mistérioreceber os mistérios e entrar na Luz.”12

Pistis Sophia, cap. 135.12

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O caminho da luz está aberto a todos os homens.Ninguém �ca excluído da libertação, a menosque elemesmo se excluapelo seu comportamento.O evangelho Pistis Sophia descreve com detalhesas condições e as fases do caminho da libertação,se bem que numa linguagem, às vezes, velada.Nele é repetido com insistência que Jesus nãoé desta natureza,mas que ele vem como um envi­ado do Reino da Luz.Aí é feita clara referênciaàs duas ordens de natureza, distinção feita pormuitos escritos gnósticos. A Pistis Sophia se es­força por escapar do aprisionamento dos dozeéons e entrar no caminho libertador do décimoterceiro éon, por umprocesso de treze etapas sim­bolizadas por treze cânticos de arrependimento.

Os arrependimentos da Pistis SophiaO primeiro cântico de arrependimento é o cân­tico da humanidade.A Pistis Sophia reconheceo estado real do mundo e da humanidade.

No segundo, o cântico da consciência, o auto-co­nhecimento se aprofunda.Quem sou?De ondevim? Para onde vou?

O terceiro é o cântico da humildade. A novacompreensão, proveniente do toque das forçasgnósticas, faz nascer a humildade, a paciência, amansidão e a con�ança emDeus.

Depois vem o quarto cântico de arrependimento:o cântico da demolição.A �nalidade é a renúnciatotal e fundamental à luta das forças contrárias.

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É o aniquilamento completo do antigo estado dealma.

O quinto cântico é o da rendição.APistis Sophiao exprime quando todas as criaturas materiais deAuthades a ameaçam.Com base no processo jávivenciado, ela testemunha sua resignação e suaconsagração total à Luz. “E, portanto, ó Luz deminha salvação, eu te louvo na ordem do alto enovamente no caos.”

Então, segue-se o sexto cântico, o cântico da con ­�ança.Nessa fase a Pistis Sophia prossegue seucaminho de cruz até o aniquilamento completoda antiga natureza. Essa viagem até o ponto zerodo eu da natureza é o caminho da Rosacruz, queabre o sistema inteiro às radiações regeneradorasda alma-espírito que desperta.

O sétimo é o cântico da decisão e do não-ser.Neste momento se alcança o ponto mais baixodo estado dialético. “Deste tudo, mas não tuavida; sabe então que não alcançaste nada.”Nesseponto os doze éons se opõem ainda uma vez paraa Pistis Sophia não atravessar a linha de separação.A “força com cabeça de leão” intervém, a forçada imitação e do engano, e a Pistis Sophia entoaentão seu oitavo cântico de arrependimento: ocântico da perseguição.

No nono cântico ela �nalmente rompe com ailusão, e no décimo cântico ocorre a abertura:a aurora está lá, sua prece foi atendida. A luz

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foi-lhe agora enviada de outra maneira. Pela pri­meira vez, a Pistis Sophia experimenta a novaforça-luz de modo consciente.Mas ainda não setrata da libertação de�nitiva. Essa nova experiên­cia daGnosis implica também numa nova tarefa,umamissão.Os cânticos de arrependimento queainda restammostram a realização dessa missãopara assegurar a libertação absoluta.13

Amensagem da Doutrina UniversalQuando comparamos a descrição do caminho daPistis Sophia a outros escritos gnósticos, vemosque aqui o círculo se fe¯a. Trata-se de uma ten­tativa universal e espiritual para libertar todos osque são prisioneiros da noite e damorte.Embora,à primeira vista, os cânticos de arrependimentoda Pistis Sophia pareçam ainda muito velados epouco atrativos, não se trata, entretanto, da des ­crição de um caminho de aflição e de dor. É umcaminho¯eio de alegria que termina na vocação�nal do homem.

“Alegrai-vos, rejubilai e somai alegria à alegria,pois ¯egou o tempo de vestir-me com a vesteque me fora destinada desde o princípio e queeu havia deixado no PrimeiroMistério, até que¯egasse o tempo da consumação.O tempo darealização é também o tempo onde o PrimeiroMistério me ordenou para que vos falasse do co ­meço da verdade até sua realização, e do mais

Rij¨enborgh, J. v., Os mistérios gnósticos da Pistis Sophia.13Jarinu: Editora Rosacruz, 2007.

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interiordo interior atéomais exteriordo exterior,pois o mundo será salvo por vós.”14

Pistis Sophia, capítulo 8.14

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GNOSIS, REVELAÇÃO DOS MISTÉRIOS

Com a intervenção de Jesus,o mundo inteiro se tornouuma escola de mistérios.

Sempre existiramescolas demistérios, atémesmona época de Jesus. Elas existiram naGrécia, emElêusis e emDelfos, onde eram veneradosOrfeueApolônio, guardiães dosmistérios.ExistiramnaPérsia, onde se ensinava a sabedoria de Zoroastro.NaÁsiaMenor e no Egito, elas estavam baseadasnas tradições deAttis eOsíris, respectivamente.O Antigo Testamento menciona um grupo dehomens consagrados a Deus, os nazarenos, aoqual pertenciam Sansão e Gideão.

É certo que os profetas conheciam essas escolasde mistérios.Com efeito, eles insistiam sempreno fato de as cerimônias exteriores representa­rem os processos interiores destinados a restabe­lecer a ligação entre Deus e os seres humanos.Sabia-se, naqueles tempos, que a humanidadedeveria passar pelo ponto mais baixo de seu de ­senvolvimento na matéria a �mde poder ligar-se

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outra vez a Deus, o que a Fraternidade dos Li­bertos garante a todos os que aceitam seguir essecaminho.

No decorrer desse processo, o iniciado recebia oconhecimento contido nos mistérios.Os hiero ­fantes, que mantinham uma ligação conscientecom as forças divinas e viviam segundo suas leis,representavam o papel de intermediários.Conhe ­cer os símbolos que utilizavam para transmitiresse conhecimento é de importância secundária.

Uma nova evolução da humanidadeAté a vinda de Jesus, esses mistérios permane ­ceram secretos. Jesus, ele mesmo iniciado nosmistérios judaicos, ensinava que a natureza ter­restre deve morrer no decorrer de um processoconsciente para que a natureza divina possa des ­pertar e se desenvolver. “Quem perder a sua vidapor amor de mim,” para o Espírito divino“a¯á-la-á.” Sua vida foi um testemunho desseprocesso que, até aquele momento, apenas se po ­dia seguir dentro dos muros de uma escola demistérios. Jesus renunciou a seus pensamentos,sentimentos e vontades eu-centralizados a �mde dar ao �lho de Deus nele a possibilidade decrescer.

Em sua época, a humanidade havia ¯egado atal ponto de desenvolvimento que seu avançoespiritual necessitava da revelação dos mistérios.Tornou-se possível ao ser humano fazer a expe ­riência do processo da morte e da ressurreição

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3 · GNOSIS, REVELAÇÃO DOS MISTÉRIOS

interiores de forma autônoma e sob sua própriaresponsabilidade. Isso signi�cava que, a partir da­quele momento, o despertar do verdadeiro eu setornava uma experiência consciente. Já não era,como antes, apenas uma idéia para memorizar,mas uma experiência para ser vivenciada.

O que Jesus fez tornou-se possível porque a Fra­ternidade Universal, nele e por ele, se religou àhumanidade. Ele era o Cristo, o Ungido, querecebera as forças do Espírito e as vivenciara, co ­locando-as à disposição de todos para realizar ocaminho.Desde então a terra inteira se tornouuma escola de mistérios,mistérios já não revela ­dos com exclusividade a um pequeno grupo deeleitos,mas a todos os homens que deveriam, en ­tão, penetrá-los e vivenciá-los de modo pleno, deformabem consciente.Por isso, as antigas escolasde mistérios existentes podiam fe¯ar suas por­tas. Jesus havia revelado o conhecimento secreto.Esse conhecimento, aGnosis, emergiu como cor­rente histórica que se manifestou nas regiões querodeiam oMediterrâneo.

Perguntamo-nos sempre como aGnosis surgiude repente no mundo, como que saída do nada,sem preparação e com toda sua plenitude. Elaapresentava os traços de todas as culturas e tra­dições da época,mas de onde vinha?Da Pérsia,de Israel, daGrécia, do Egito?A resposta não édifícil se imaginamos que “Gnosis” é a sabedo ­ria revelada pelas autênticas escolas de mistérios.Vemos então, de maneira bem clara, por que ela

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apareceu tão de repente por toda parte de umaúnica vez e de forma perfeita.Com a manifesta ­ção de Jesus, o segredo já não era nem necessárionem admitido.Os vestígios da sabedoria secretado passado, buscados com tanto ardor, já nãoexistiampara seremdescobertos.Pelo fatode exis ­tirem escolas de mistérios em todos os países eculturas em que a sabedoria permaneceu oculta,pois seus guardiães tiveram de obedecer a lei dosilêncio absoluto, aGnosis aparece abertamenteno mesmo instante por toda parte,mas sob for­mas diferentes, por exemplo nas culturas judaica,grega e persa.

Uma nova etapa na grande meta �nalNão é importante saber qual foi a primeira forma,visto que dos verdadeiros lugares santos emanasempre uma corrente poderosa e universal da“Gnosis”.Muitos se perguntam qual o motivode tantos movimentos gnósticos designarem umsalvador domundo que não era Jesus. Em algunsmanuscritos deNagHammadi,os salvadores têmnomes egípcios e persas,mas há também os quese referem a Jesus. É possível responder a essaquestão da seguinte forma: os hierofantes dosmistérios abriram suas portas na época de Jesuse sabiam que a sabedoria havia se manifestadoem Jesus, a manifestação pública dos mistériosse realizara e, pormeio de Jesus, a humanidadese aproximara da Fraternidade daVida a pontode possibilitar uma nova etapa na grande meta�nal da existência humana.Alguns hierofantestambém se serviram dos nomes dos salvadores

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3 · GNOSIS, REVELAÇÃO DOS MISTÉRIOS

dos períodos passados. Em alguns textos de NagHammadi, por exemplo, fala-se de Seth, �lho deAdão.

Outros, diante da importância desse novo pe­ríodo, introduziram o nome de Jesus em seu en­sinamento.Mas é o nome da força libertadoraassim tão importante para os que seguem o ca ­minho que leva ao verdadeiro homem? Trata-sesempre do mesmo impulso espiritual! A razãopela qual a libertação, nos escritos gnósticos, ésempre descrita como parte de um imenso pro ­cesso cósmico é tambémcompreensível.ONovoTestamento fala de redenção,mas a criação domundo e o papel da humanidade nesse processosão poucomencionados.Ele não trata nemda hu­manidade antes da queda nem da possibilidadedo retorno à origem.Ora, esse processo faz partedas sabedorias tradicionais judaica, grega e egíp ­cia, que mostram de modo claro as relações cós­micas. Todos os sistemas gnósticos apresentammitos que descrevem o nascimento do mundoespiritual, a criação domundo terrestre, as hierar­quias espirituais e as hierarquias dos anjos e dosarcontes que dirigem o mundo.

AGnosis, conhecimento direto de DeusNo livroGnosis en de laat antieke geest (AGnosise o último espírito antigo), Hans Jonas a�rmaque a característica psicológica e espiritual típicadoMediterrâneo da época criou a noção de “gno­sis”. Segundo ele, o homem vivia então em umaespécie de vácuo onde haviam desaparecido os

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valores espirituais tradicionais, perdendo todosos seus poderes diante do desa�o dos novos tem ­pos. Já não havia certezas. As estruturas sociais,assim como as normas e os valores gerais já nãotinham sustentação alguma.O homem, confron­tado com um imenso caos, tinha imaginado, porcompensação, algo como uma série de crenças ede desenvolvimentos supranaturais aos quais eleaderiu para perpetuar sua existência. Para ele, omundo não era um lugar de provas ou o domí­nio de ordem e beleza onde havia sido admitidooutrora. Segundo esse autor, há determinadascondições prévias a serem satisfeitas antes quealguém possa entregar-se a experiências espiritu ­ais; mas ele não dá nenhuma explicação para ofato de serem justamente os gnósticos que vivemessas experiências.

Todavia, os gnósticos descrevem as experiênciasvividas já há muito tempo nas escolas de misté­rios. Elas são vivenciadas quando o princípio es ­piritual latente desperta interiormente e demons­tra demodo claro o que omundo temde efêmeroe de não-divino. Que essas experiências sejambelas ou caóticas não tem importância. Talvezprecisamente quando os antigos sistemas desmo ­ronam e reina o caos é que essas experiênciasespirituais se tornammais evocativas.

AGnosis não é fruto de uma sabedoria tradicionalNão se pode quali�car as experiências gnósticasde históricas, psicológicas ou culturais. Não setrata nem mesmo de classi�car a Gnosis como

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3 · GNOSIS, REVELAÇÃO DOS MISTÉRIOS

fruto de uma sabedoria tradicional.AGnosis ésempre uma experiência direta da luz divina. Seestudarmos a sabedoria dos mistérios em relaçãoà história, é certo que antigos símbolos foramusados para representar essa experiência.Os luga ­res santos ofereciam a imagem exterior de umasabedoria interior, sabedoria carregada de força li­bertadora que estimulava o gnóstico no caminhointerior que ele seguia para¯egar à libertação desua alma.

Para estudar o signi�cado do conceito “Gnosis”,é preciso nos perguntarmos de onde vem a sabe­doria original das escolas de mistérios. Algunsbiólogos situam de bom grado a origem da vidaem outro planeta, mas isso apenas faz deslocaressa origem, sem explicá-la. Acontece o mesmocom a origem da Gnosis. As experiências gnós­ticas dizem respeito a uma relação individual edireta comDeus, relação essa que se perdeu. Es ­sas experiências são espirituais, sem desenvolvi­mento histórico, semmodelo cultural.Não sãoespeculações ou descobertas arbitrárias. Elas nosfalam do ser humano verdadeiro e do mundoreal de onde o homem interior se originou. E, oque é especí�co daGnosis, elas nos ensinam queé preciso vivenciar o caminho de retorno a essemundo original.

Um processo vivido pela almaTrata-se aqui da verdade universal que, ontem ehoje, se revela aos instrutores e aos alunos daGno­sis. Ela se revelou a Jesus Cristo, que a ensinou

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publicamente, e cujas experiências são con�rma­das pelos gnósticos. Muitos foram seus alunos,outros, discípulos posteriores, mas todos teste­munharam a mesma coisa porque vivenciaram omesmo processo em sua alma.

Assim, podemos a�rmar que é certo que aGnosisse revela em momentos psicológicos da evolu ­ção da humanidade. Assim que esta estiver ma ­dura para receber esse conhecimento direto, osinstrutores aparecem, como acontece na atuali­dade, quando muitos buscadores têm a possibili­dade de encontrar, em si mesmos, a ligação coma Gnosis.

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OS MITOS GNÓSTICOS

Os mitos gnósticos se dirigemao princípio de luz mais ou menoslatente no homem e são suscetíveisde inflamá-lo na Gnosis.

O aguilhão da busca não dá um instante de re­pouso ao homem sedento de conhecimento.Umescrito gnóstico cristão exprime essa inquietudeda seguinte forma: “O que somos? O que nosaconteceu?Onde estamos? Para onde fomos ar­rojados? Para onde corremos?De quê fomos li­bertados?”15

Cada época forja seus próprios mitos: contossobre deuses, heróis nacionais, gênios ou ídolos.Masummito gnóstico responde a condiçõesmuitoespeciais.Não se trata de acontecimentos ocor­ridos em certa data e em determinado lugar, ex­plicando o mundo e o homem segundo o pontode vista vigente.As questões a que se referem tra­tam do conhecimento da verdade absoluta. Elas

Clemente de Alexandria, Ex�eodoto, 78, 2.15

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vêm domais profundo da alma humana e expri­mem sua busca; uma procura que não dependedo espaço e do tempo.

Trata-se aquidodestinoda alma,deorigemeternae divina, que foi lançada na prisão deste mundoe, conhecendo sua origem, procura uma saída,procura o caminho de sua libertação.Os mitosgnósticos sempre existiram. E quaisquer que se­jam as imagens e a linguagem que empreguem,adaptadas a esta ou aquela época, eles têm comobase um fundamento eterno imutável. O gnós­tico conhece e presta serviço ao verdadeiro conhe ­cimento. Portanto, a mensagem dos mitos gnós­ticos é “conhecimento”, termo que é expressopela palavra grega gnosis.Mas, a quê se refere esseconhecimento?

Um caminho de revelação interiorO conhecimento gnóstico não é uma teoria,masuma vivência interior deDeus. É, portanto, umconhecimento direto. Essa revelação acontecequando a evolução da alma ¯ega a seu pontomais alto e ela já não luta, a não ser para obter oconhecimento absoluto. Logo, receber o conhe ­cimento é sempre o ponto de partida e o objetivoda busca. Recebemos a Gnosis no momento emque nossa alma, desesperada da existência terres ­tre, percebe sua profunda ignorância e a opressãode sua prisão. A alma abandona então suas qui­meras e ilusões da vida terrestre.Nessemomentoa Luz pode manifestar-se nela, esclarecer seu es­tado interior e mostrar-lhe o que ela procurava.

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A Luz desce ao estado mais interior da alma e aeleva a um nível de vida superior.

NoApócrifo de João, esse fato é descrito de formatão expressiva quanto impressionante. João é obuscador. Ele quer conhecer o Pai. É um alunodos mistérios que, impulsionado pelo princípiode Luz escondido em seu coração, está a cami­nho do templo. Lá, um fariseu o saúda com asseguintes palavras: “Onde está o teu mestre, aquem seguias?”, e acrescenta que ele está sendovítima de um engano que o desvia do verdadeirocaminho.Quando João ouve essas palavras, saido templo e dirige-se para a montanha, para umlugar solitário.

João é confrontado com o vazio e a dureza domundo exterior. Esse encontro revela o estadointerior de sua alma. Suas representações pesso ­ais da verdade o conduzem até um limite, e eleé surpreendido pela dúvida de simesmo. Ele vêsua falta de conhecimento autêntico e sente-senuma profunda escuridão. É isso que representa“o lugar solitário” do qual fala o Apócrifo de João.Nessa escuridão, suas imagens da verdade desapa ­recem por completo.

O que sabe ele pessoalmente do Redentor?Nadalhe é ainda perceptível, e ele se pergunta com tris ­teza: “Por que, então, o Redentor foi escolhido?Por que foi enviado por seu Pai ao mundo? Equem é seu Pai? E de que tipo é o éon ao qualteremos de ir? Ele nos disse, por certo, que esse

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éon assumiu a forma do éon eterno,mas não nosesclareceu como ele seria.”16

O lugar solitário onde João permanece simbo­liza a experiência do não-ser absoluto da perso ­nalidade terrestre. E João é aqui o símbolo doindivíduo que já não tem nenhuma ilusão terres ­tre. Assim sendo, sua alma livre volta-se para amontanha. Ela se orienta para o Espírito, repre­sentado aqui pela montanha. É nesse momentoque o Redentor se manifesta na alma de João.A Luz do Espírito o conduz para fora do valeda dúvida e lhe franqueia a fronteira em dire­ção à verdade. O Redentor se apresenta comoa imagem espiritual do homem perfeito, sob umtríplice aspecto: criança, ancião e servo. João re­conhece esses aspectos e vê como eles mudam demaneira contínua, como a criança se torna umancião, em seguida um servo, depois outra vezuma criança. Ele aprende a conhecer a unidadedesses três aspectos: é uma unidade revestindodiferentes formas na Luz, que estava diante dele,e as formas se manifestavam umas através dasoutras.16

João recebe o conhecimento em ligação diretacomaLuz,unidade que abrange o conhecimento( João),oobjetodo conhecimento (o serdeDeus)e omeio para adquirir esse conhecimento (aLuz).

O livro secreto de João. Jarinu: Editora Rosacruz, 2006.16(Cristal, 4).

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4 · OS MITOS GNÓSTICOS

A Luz que nele vem à vida sob a forma do Reden ­tor explica-lhe a verdade.

Os mitos gnósticos cristãosA criança é o Filho que renova sua alma, oCristoredentor. O ancião é o princípio de vida e desabedoria do Pai. E o servo é o amor seguro e con ­solador do Espírito Santo. O princípio de Luzinterior revela de modo progressivo a verdaderecebida. João conhece agora o mundo divino, aqueda da alma-espírito, o nascimento do cosmoterrestre,mas tambémodestinoda almahumanae o caminho da libertação que lhe é proposto.Osmitos gnósticos servem para transmitir aos bus­cadores as experiências comparáveis às de João.Trata-se aqui de processos que tocam a alma eo espírito, processos que permanecem fe¯adosao raciocínio intelectual e pelos quais podemos¯egar a certa compreensão, graças aos símbolos.

Como todas as narrativas míticas, os mitos gnós­ticos apelam para a imaginação. Sua caracterís­tica é transmitir os conhecimentos em diversosdomínios, conhecimentos revelados pelo Espí­rito deDeus.Os mitos se dirigem ao principiode Luz mais ou menos ativo no homem e sãosuscetíveis de inflamá-lo naGnosis. É nesse mo ­mento que o próprio Redentor age nele e aliviaa falta de conhecimento, restabelecendo a liga­ção original. Os mitos gnósticos, na qualidadede intermediários, explicam a �nalidade daGno­sis, pois trata-se sempre, nessas narrativas, de quefalta à alma decaída a verdadeira sabedoria capaz

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de suprimir os efeitos da queda.Nos escritos en­contrados emNag-Hammadi, por exemplo, esseaspecto é explicado de forma clara.

Tendo em vista que os narradores não estavamligados à Igreja nem a seus dogmas, seus escritossão por certo o fruto de seu livre pensamento.Eles extraíram suas matérias das diversas tendên ­cias religiosas e culturais (gregas, judaicas, persas,cristãs), e depois instituíram uma estrutura seme ­lhante, tanto quanto possível, às representaçõesda época. No núcleo desse mito existe semprea verdade única, universal e divina, livre de to ­dos os dogmas e tradições. Trata-se de fato deum único grande mito gnóstico, com formas evariantes sempre novas, destinado a tocar a cente ­lha-de-luz nos seres humanos.Numerosos escri­tos gnósticos colocam alguns textos do AntigoTestamento de uma forma nova, esclarecedora erevolucionária.

ODeus invisívelOmundo terrestre, dizem as narrativas da Cria­ção, não é a obra doDeus supremo,mas de umser decaído de uma ordem inferior.Os gnósticoso denominam o “criador do mundo” (em grego:demiurgo) e com isso entendem oDeus criadordos judeus (Gênesis 2:4–17). Eles a�rmam queesse Deus não é idêntico ao Deus que criou oEspírito e os seres espirituais (Gênesis 1:2–3).Opróprio demiurgo foi criado por conseqüênciade um erro.A criação terrestre inteira e suas enti­dades forampor ele¯amadas à vida devido a esse

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erro, e apareceram nummundo de ignorância ede trevas.

Os homens no estado de queda não conhecemo verdadeiro Deus original. Os gnósticos descre­vem-no dotando-o de toda sorte de atributos,mostrando o que ele não é. As normas e repre­sentações terrestres não podem ser aplicadas aele.

Os gnósticos falam de umDeus de luz e de amorinconcebível, inexprimível, incompreensível, imu­tável, não nascido, espiritual e invisível. No Apó­crifo de João é dito: “Ele não tem uma dimensãocomensurável. Nenhum ser ou entidade podeabarcá-lo com seu pensamento. Portanto, ele re­almente não é nada que exista, sendomuito supe ­rior a tudo.”17

Segundo Irineu, os gnósticos dizemque ele existenas alturas invisíveis e incomensuráveis, um éoneterno e perfeito; quer dizer, um ser sobrenatural,designado como “a origem primordial, o pai ori­ginal, o fundamento original” (bythos). Esse éoné inconcebível e invisível, eterno e não nascido;ele sempre esteve em grande repouso e em grandesilêncio, no espaço e tempo in�nitos.18

No Tratado tripartido é dito que a linguagemhumana é insu�ciente para descrever o original.

Códice de Berlim.17Irineu, Adversus Haereses.18

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“Nenhum nome que se forme, que se exprima,que se encontre ouque alguémdê,nenhumnome,seja ele o mais glorioso, o maior e o mais vene­rável, se aplica a ele.”19No Evangelho de Filipe,com freqüência os nomes e designações dados àscoisas terrestres e celestes são classi�cados comoerros e se referem essencialmente a coisas diferen ­tes.O erro vem do fato de que partimos do queé limitado e terrestre para avaliar o não-terrestree ilimitado. Os nomes aplicados às coisas pere­cíveis deste mundo nos fazem cair no erro. Elesdesviam a atenção do imperecível para o pere­cível. E quem ouve pronunciar hoje a palavra“Deus”, por exemplo, não reconhece nele o prin­cípio imperecível, mas apenas o princípio pere­cível. Assim, todos os nomes dados ao mundodivino, como diremos mais adiante, nos indu ­zem ao erro. Isso é igualmente verdadeiro paraos nomes como Pai, Filho, Espírito Santo, Vida,Luz, Ressurreição, Igreja, e todas as outras deno­minações. Elas já não estão associadas à idéia deincorruptibilidade, e, assim sendo, a incorrupti­bilidade não é reconhecida.20

É evidente que a idéia gnóstica daDivindade estádiametralmente oposta a todos os conceitos di­fundidos que se referem ao deus do mundo e aosdeuses da natureza. À pergunta:Como foi que osgnósticos¯egaram a essa concepção? Podemos

Valentino, Tratado tripartido.19Evangelho de Filipe, manuscrito gnóstico de Nag-Ham­20madi.

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responder dizendo que seus escritos são frutos derevelação.Com efeito, é pela revelação interiorque o gnóstico aprende a fazer distinção entre averdade divina e a verdade humana. Ele vê que averdade divina é amor, Sabedoria eVida, e que elao introduz nomistério do incompreensível, liber­tando-o do erro e da ignorância. Ela desmascarapor completo a ordem do mundo terrestre.

Quando um gnóstico vivencia a Luz, quer dizerDeus, o Redentor, ele reconhece também o deusdas trevas. Ele vê que vagou neste mundo e jánão resiste ao caminho de suas numerosas expe ­riências até o momento em que¯ega ao limiteda ilusão e do erro, ao momento em que a cen­telha-de-luz divina desperta em seu coração. Elediz, então, como no Evangelho da verdade:

“Assim também acontece com todos os que selivram da ignorância como que saindo do estadode sono. Eles nada mais retêm do sono nem dascriações do sonoporque estas não sãoduradouras.Deixam-nas para trás como os sonhos da noite.O conhecimento acerca do Pai é, para eles, comoa luz.”21

A dupla natureza do homem terrestreO conhecimento deDeus não é uma teoria,masuma força que abre o caminho de retorno à ori­gem.Nesse caminho, o gnóstico se vê como um

Evangelho da Verdade. Ver:O conhecimento que ilumina.21Jarinu: Editora Rosacruz, 2005. (Cristal, 3).

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ser duplo. Ele se encontra entre dois campos deexistência e procura em simesmo as raízes dessesdois campos: por um lado, ele é �lho do criadorterrestre; por outro lado, ele traz em si o germedo homem celeste. Esse reconhecimento é a baseda imagem gnóstica do mundo das duas ordensde natureza: uma natureza corruptível e umanatureza incorruptível.

O conhecimento deDeus dá ao gnóstico a possi­bilidade de percorrer o caminho de libertação daalma. Ele sabe, por isso, que traz em si o germedo Pai.

No Apócrifo de João é dito:

“Ninguém de nós sabe como é o Imensurável nasua imensidão, a não ser quem nela morou. Issosomente nos pode comunicar quem se reconhecena sua própria luz.”16

Contudo, ele sabe também que a centelha-do-es ­pírito é prisioneira no homem terrestre.Quantoa saber como a alma divina pôde naufragar namatéria e por que ela deve nela permanecer pri­sioneira até sua libertação pela Luz, os gnósti­cos respondem pela sua cosmologia e pela suaantropologia.

Essa parte do mito gnóstico permite compreen­der a existência do cosmo e do homem.Depoisde o Redentor ter revelado o ser divino a João,ele disse:

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“Eu vim para te revelar o que é, o que foi e oque acontecerá, para que reconheças tanto o vi­sível quanto o invisível e para te ensinar sobre oHomem perfeito.”16

Omundo da totalidade divinaOmundo do Universo divino a ordem da na ­tureza divina dividide-se em três domínios,segundo os gnósticos.O primeiro é o reino doPai, o não nascido, o Espírito original. Essa fonteoriginal do Espírito gera, com base na substân­cia original que é também ele mesmo, o Filho, aLuz.A fonte original e a substância original sãoo Pai-Mãe, a Luz é Cristo.

No segundo domínio,Cristo age com a Sophiasuperior a Sabedoria e gera o homem ori­ginal.No terceiro domínio, ele cria o primeirohomem, o homem espiritual, que engendra seteforças originais divinas e doze princípios origi­nais divinos. São os éons que criam as formasdo mundo espiritual.O último éon é a Sophiainferior.

Desses princípios e forças originais nasceu a Hu ­manidade, a comunidade da Eclésia superior. Es ­ses três domínios formam a unidade do Pai, doFilho e do Espírito Santo.

A queda da Sophia e sua criação terri�canteNomundo da paz e da unidade, a Sophia inferiorconheceu um desenvolvimento dramático. Ela éconsiderada como um éon relativamente jovem,

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que começou a exercer sua atividade em certa ins ­tabilidade e, além disso, negligenciou a vontadedo Espírito.De fato, ela criou de forma temerá­ria e prematura, sob o impulso do sentimento desua nova liberdade, de sua nova independência.Ela não estava ainda religada à lei do Espírito.

Nessas condições,duvidoude simesma,pois, “nãosendo capaz de suportar a claridade da Luz, elaolhou para o abismo e foi tomada pela dúvida.Disso nasceu uma aterradora e dolorosa duali­dade, assim como um desgosto engendrado peladúvida de simesma; e seu desgosto era o esqueci­mento e a ignorância de simesma e da realidade.”Ela engendrou uma criatura aterradora: “um po ­der com aspecto de leão, às vezes homem e mu ­lher, e dotado de grandes poderes,mas que não sa ­bia de onde provinha.” Trata-se do demiurgo de­nominado Ialdabaoth ouAuthades, que não é ou­tro senão o próprio princípio da independênciae do egocentrismo desenfreados.

Ialdabaothdeclara logo após seunascimento: “Eusou um deus ciumento, não há outro deus alémde mim.”16 Esta criação terri�cante origináriada Sophia inferior invoca então à vida uma cria­ção pessoal.Um reflexo do mundo da plenitudedivina, um reflexo tríplice. Assim, nasceram ocosmo terrestre com sete arcontes e doze éons, epor �m o homem terrestre.

Contudo, o Pai estendeu um véu entre o mundoimutável do Espírito e a criação de Ialdabaoth.O

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mundo interior e o mundo exterior foram sepa­rados um do outro a �m de que o exterior nãopudesse perceber o interior e nele penetrar. Se­gundo o Tratado tripartido: “o Pai agiu assim a�m de que as coisas que viessem a existir na or­dem transitória constituíssem uma ordem¯eiade amargura.Ao criar assimdoismundos,” é ditomais adiante, “o Pai quis oferecer a possibilidadede distinguir os dois e¯egar à compreensão doque é divino e do que não o é.”19

Em seguida, houve a criação do homem por Ial­dabaoth e seus poderes. Trata-se do terceiro do ­mínio da imitação. Como essas criaturas eramcegas e carentes doEspírito, e viam tão-somente aimagem exterior da Sophia, criaram o homem se­gundo essa imagem. Este possuía, portanto, nãouma alma espiritual,mas uma alma animal, e nãoestava apto para a verdadeira vida.

A implantação das sementes da LuzAo veroque seu ato arbitrárioproduzira, a Sophiafoi tomada de grande pavor. Ela se mostrou ar­rependida, voltou-se para o alto e implorou oauxílio de Cristo, cuja força a sustentou, e come­çou a obra de salvação comCristo.A criação cegade Ialdabaoth devia retornar à sua origem. Porcompaixão, a Sophia plantou uma semente deluz na alma animal do homem.Uma centelha-do­-espírito foi depositada em cada um a �m de quevivesse de acordo com o verdadeiro sentido dapalavra. Essa centelha é o sopro divino (pneuma),a garantia da salvação.Quando a compreensão

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inflama essa centelha, a recriação do homem in­terior, do homem original, é possível.No �mdostempos, a Luz atingirá o próprio Ialdabaoth e olançará no abismo profundo (tártaro), de ondeele nunca mais sairá.

A situação do homem de hojeNão exprime esse mito cósmico demodo precisoo estado atual do microcosmo do ser humano?Omicrocosmo original vivia em unidade com oEspírito divino.Nele morava a Sophia, a persona ­lidade celeste. Esse sistema tríplice se encontravaem harmonia com o mundo divino. Depois aalma-espírito começou a construir seguindo suaprópria vontade, o que provocou uma perturba ­ção. Já não era a sabedoria divina que agia,mas oprincípio do egocentrismo. É o eu aural cego, aforça com cabeça de leão, Authades ou Ialdaba­oth, o criador de um �rmamento pessoal.13

Essa força criou apenas imitações às quais faltavao Espírito e adaptou-se por inteiro às leis da natu­reza. Ela criou a personalidade terrestre,mortal,pois foi impossível para a forma de Luz originalviver no microcosmo depois que as condições fo­ram modi�cadas nele. Em seu lugar foi criado,com base nos elementos da natureza, um “por­tador de imagem”, reflexo da forma de luz ori­ginal. Esse portador de imagem foi religado aomicrocosmo e à centelha-de-luz.

Nos mitos é dito que o amor divino implantouuma centelha-de-luz no homem terrestre. Essa

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centelha cresce como uma semente para en�mforçar a abertura para o alto. Assim, a criaçãoerrônea de Ialdabaoth e o próprio Ialdabaoth po­derão ser aniquilados e reconduzidos na criaçãodo Espírito.Quando cessamos de dizer, por ego­centrismo “eu sou deus e não existe ninguém forade mim”, a alma-espírito tem a possibilidade dereviver e de se unir ao Redentor.

João mostra ao homem sua verdadeira vocaçãoporque o caminho que conduz à origem tomouforma nele outra vez. Em sua dúvida mais pro ­funda, sua fé constitui o ponto que o religa aoEspírito. Sua fé eleva-se das forças que, em seucoração, aspiram ao Espírito. A força de radia­ção da Gnosis toca o coração aberto e o religaà cabeça. A força da ideação projeta, na cabeçade quem a recebe, a imagem da montanha: é amontanha onde João se entrega para receber oconhecimento.

Sua personalidade é o portador da imagem, naqual o Redentor pode manifestar-se a �m de lhedar o conhecimento, a sabedoria verdadeira e vi­vente, e de reconstituir a forma original em seumicrocosmo.

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A GNOSIS NO DECORRER DA HISTÓRIA

O ser que está em harmoniacom a Gnosis vivenciaDeus de maneira direta.Ele vê a verdade interiormente.

Como podemos nos libertar do mundo imper­feito? Por que este mundo é imperfeito? Por queele é bom e mau? SeDeus é amor, de onde vemesta criação que não demonstra nenhum amor?

Essas perguntas preocupam, sem cessar, pensado­res e �lósofos. São perguntas que levam direto aoensinamento daGnosis.AGnosis a�rma que aqueda do homem num mundo imperfeito, ummundo de trevas, nem bom, nem ruim, mas se ­parado deDeus, é a causa do sofrimento.Cristodisse: “Ninguém é bom senão um, que éDeus.”22

Issonão se refere ao estadomoraldohomem,masao fato de que seu nascimento nas trevas o excluida Luz. Bom, nesse sentido, signi�ca: nascido no

Marcos 10:18.22

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mundo da Luz.O que provémdas trevas é trevas,apesar de todos os esforços para melhorar esseestado de coisas.

Sempre houve homens que se dedicaram a essasquestões fundamentais, que não encontraramrepouso no mundo da queda e, por impulso inte ­rior, procuraram um conhecimento superior, o“verdadeiro conhecimento”, que é denominadoGnosis.

Os gnósticos são, portanto, considerados busca­dores do verdadeiro conhecimento. Deles nas­ceram grandes correntes espirituais cuja própriaessência é fundamentalmente gnóstica.Nodecor­rer dos tempos, essa pura essência foi rejeitadaou ignorada após buscas mal orientadas, ou porfalsi�cação deliberada.

O cristianismo original possui um fundamentognóstico.Quando Jesus disse: “Meu reino não édeste mundo,” ele apoiou-se no sublime conhe­cimento que provém da unidade com o Espírito,da unidade com o Pai.

Entretanto, diante da tradição judaica da época,seu ensinamento pareceu contestar a ordem esta­belecida. A Gnosis é sempre herética no que serefere aos conceitos religiosos em vigor, pois a ex­periência interior da sabedoria deDeus se¯ocanecessariamente com as tradições religiosas escle ­rosadas.O relatoda vidade Jesus e sua luta contraa ortodoxia de seu tempo são testemunhas disso.

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Ele é conhecido pelo seu nomeOs primeiros cristãos eram verdadeiros gnósticos,não em sentido de um gnosticismo histórico ca ­duco, mas gnósticos no verdadeiro sentido dapalavra, isto é, homens possuidores do conhe­cimento direto do plano divino. Pela radiaçãode Cristo, eles eram religados à força daGnosis,ou seja, ao próprioDeus. Eles experimentavamessa força em simesmos diretamente, sem a ne­cessidade de um intermediário. Sua fé consistiaem profunda experiência pessoal, um conheci­mento interior adquirido, sem dogmas ou cren ­ças impostos do exterior e não vivenciados defato. Paulo descreveu assim esse estado: “É dito,o justo viverá pela fé.” (Hc: 2,4 e Gl: 3, 11–25).Ele se refere aqui à verdadeira fé interior. A lei,o dogma, não se baseia na fé.Os dogmas são di­aléticos e não dão acesso à verdadeira vida. Aocontrário, eles mantêm o mundo da aparência.Quem crê apenas segundo a letra da lei liga-se àsleis do mundo e deixa-se conduzir por elas.

O que é um toque gnóstico?Como perceber essetoque? E quais são suas conseqüências?

Uma experiência gnóstica provém de um toquedo Espírito Santo, e quem é tocado pelo Espí­rito apenas pode agir pelo Espírito e manifestaro Espírito.OEspírito irradia nele comuma forçailimitada. A Bíblia diz: “ele é conhecido pelonome”. Gnosis e Espírito são idênticos. A ver­dadeira Gnosis conduz à unidade, ao Espírito, àvida eterna. Quem recebe a Gnosis ouve a voz

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do Espírito falar em seu próprio coração; ele es ­palha a mensagem com calma e certeza.Gnosise Espírito formam uma unidade indivisível, elessão um.

No início do cristianismo essa unidade ainda es­tava claramente presente.Mas ela se perdeu aospoucos, àmedida que enfraquecia o impulso daLuz de Cristo.Uma vez abalada a unidade, apare ­ceram divisões. Incerteza e luta tornaram-se cadavez mais freqüentes entre os crentes, e, devidoa essa incerteza, regras foram elaboradas para in­cluir a experiência deDeus nas instituições exteri­ores.A experiência interiorda imitaçãodeCristo,que cada um deve praticar individualmente, foicomo que delegada exteriormente a outros, poisse pensava que estes haviam vivenciado experiên­cias gnósticas, o que ocasionou a funesta divisãoentre crentes ortodoxos e crentes não-ortodoxos.Essa exteriorização fez que muitos já não experi­mentassem o Espírito em simesmos. Entretantosempre houve homens que viveram em ligaçãodireta com o Espírito e disso testemunharam.

Os gnósticos dos primeiros séculos após Jesus CristoNo primeiro século após Jesus Cristo, não ha­via ainda a igreja o�cial. Existia o antigo ensina­mento judaico e, ao lado, o novo ensinamento di­fundido pelos apóstolos. Em seguida, puros frag ­mentos do ensinamento gnóstico foram trans­mitidos por alguns grandes gnósticos na ÁsiaMenor e no Império romano. Sobretudo no se ­gundo século, quando a Igreja Católica o�cial

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estava prestes a se constituir, numerosos gruposgnósticos utilizaram símbolos diversos, porémapoiados num único e mesmo fundamento espi­ritual.

Valentino de Alexandria foi um dos gnósticosmais conhecidos dessa época. Ele viveu por voltade 130 D.C. e pregou naÁsiaMenor e mais tardeem Roma. Ele exprime seu credo com as seguin­tes palavras:

“Tornei-me seguro, e fui resgatado, e liberteimi­nha alma desse éon e de tudo o que ele oferece,em nome de Jaos, que libertou sua alma para asalvação no Cristo vivente.”

SegundoValentino, omundo é decaído, dirigidopor um éon ímpio, uma concentração de forçanão-divina.Existemnumerosos éons.A almaquepossui aGnosis e reconheceu sua origem deve li­bertar-se domundodos éons e retornar aomundoda Luz, o Pai original, o Pleroma, ou Plenitudedivina.Como pode a alma que vive num corpoentenebrecido libertar-se?

Uma alma que possui aGnosis dentro de si, dizValentino, ouve a voz que a¯ama. Ela respondee volta-se para quem a¯ama.Mas antes de tudo,ela sabe que é¯amada.A alma atraída reconhecea voz da origem, alcança a paz e se prepara para se­guir o caminho que leva à sua pátria; ela se tornaagradável aDeus e, por �m, se une de novo a ele,à Luz, ao começo de toda a vida.

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Valentino foi um aluno de Basilides, grande gnós ­tico que trabalhou sobretudo no Egito. Em suaessência, as respostas deste último sobre a imper­feição e o sofrimento são semelhantes às deValen ­tino. “Omundo é inóspito, ele é apenas miséria.”Ele fala do “não ser deDeus.Deus não é exprimí­vel, e ele também não émais que inexprimível; eele nem sequer é exprimível ou inexprimível.”

ComoValentino, Basilides insiste no fato de queo homem deve desligar-se do mundo decaídoe voltar à sua origem. Ele fala da “elevação na�liação divina”. Os �lhos de Deus aspiram à li­berdade. Para alcançá-la, o ser humano deve pri­meiro reconhecer que ele está decaído,mas apóstanto errar através das diferentes vidas nomundodecaído, onde se sobrecarrega continuamente defaltas e pecados, ele pode por �m ¯egar, pelacompreensão e pelo amor, a abandonar omundodo pecado.

O evangelho, amensagemdeDeus,desce domundoda Luz para os seres que têm a capacidade de vol­tar ao mundo da Luz, diz Basilides, caso eles “seelevem”. A libertação exige, pois, em primeirolugar a compreensão.O homem deve neutralizar,sublimar, em todos os seus aspectos, sua ambição,seus desejos e sua vontade extraviados. Basilidesrepete, sem cessar, que o homem deve aprendera humildade. É pela humildade que a alma podetornar-se gnóstica, quer dizer, reconhecer seu es ­tado, e, assim, de maneira progressiva, elevar-se eretornar ao mundo original.

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Tentativas de encerrar a Gnosis num sistemaMarcião tentou introduzir o ensinamento gnós ­tico de seu tempo em um sistema e elaborar umadogmática gnóstica.MasGnosis e dogma se ex­cluemmutuamente.AGnosis é uma experiênciaautônoma da realidade do Espírito.Umgnósticopode testemunhá-la por imagens e símbolos,masele não saberia transmitir suas experiências a ou­tros sob forma de regras ou de sistemas. SegundoMarcião, certos escritos eram gnósticos,mas osque não obedeciam suas condições, ele os excluíade seus cânones. Filho de um bispo de Sinope,ele pregou em Roma, onde foi excomungado noano 144 por inexatidão de suas posições. Ele rejei­tava oAntigo Testamento que, para ele, não erainteressante para os gnósticos. Ele consideravao apóstolo Paulo como uma �gura central e co­locou seu ensinamento em primeiro plano.Con ­siderando o Evangelho de Lucas como a maispura tradução do ensinamento de Cristo, ele es­boçou para seus adeptos um primeiro cânonefundamentado no Novo Testamento como basedo verdadeiro ensinamento. Ele aí inseriu o Evan ­gelho de Lucas parcialmente modi�cado e algu ­mas Epístolas de Paulo reorganizadas. Suas corre ­ções visavamemespecial as influências doAntigoTestamento.

As épocas turbulentas estimulam a pesquisaQuando se trata dos gnósticos, sob o ponto devista histórico, épreciso em especialnão esquecerque a maior parte das informações e apenas al­guns textos originais! provêm de autores da

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Igreja de Roma, e é preciso sempre perguntaraté que ponto essas informações sobre os “heré­ticos” são de fato objetivas. A apresentação defragmentos de ensinamentos e de sistemas gnós ­ticos feita pelos Pais da Igreja, tais como Irineu,Hipólito, Clemente de Alexandria,Orígenes eEpífano mostra bem que os tempos estavam tur­bulentos e que devia existir um grande númerode movimentos gnósticos.

Valentino, Basilides,Marcião e outros gnósticostrabalharam durante os primeiros séculos apósJesusCristo.No terceiro século, na Pérsia, surgiuo impulso gnóstico de Mani.Mais categórico doque seus predecessores, ele fala sobre a oposiçãoentre o mundo decaído e a Luz. Ele vê que existeum abismo entre a criação terrestre e o mundodo Espírito, e, para ele, o mundo conhecido nãofoi criado porDeus,mas pelas forças das trevas,corrompidas por inteiro. O mundo decaído éilusão e trevas completas, mas a certeza de queno homem tenebroso existe uma centelha-de-luzdivina é a base do seu ensinamento.

Essa centelha-de-luz constitui a ponte para a vidaoriginal.O que denominamos de bemnomundodecaído é, para Mani, sempre trevas; apenas aligação restabelecida com o Reino da Luz é overdadeiro bem.Ele disse: “Sou uma semente per­fumada daLuz, jogado e oculto entre os espinhosde uma escuridão profunda.Oh! Recolhe-me ecolhe-me!Conduze-me àminha morada, no arda Santa lei, nos rebanhos da Luz”.

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Essa atitude fundamental, esse desejo de Luz, écaracterístico do gnóstico. Nós a encontramosem numerosos grupos e nos grandes enviados darealidade divina.

As comunidades gnósticas e seus impulsos até osnossos diasOs “paulicianos” formavam um grupo gnósticoativo no Império Romano do Oriente desde oséculo VII. Eles não reconheciam o culto àMaria,instituído pela Igreja, e se declaravam, a princí­pio, contra todas as hierarquias que exerciamseu poder para combater a iluminação interior.Até o �m do século XI, centenas de milhares de“paulicianos” foram mortos pela Igreja, assimcomo os maniqueus antes deles. Mas a Gnosissobreviveu. Sua luz e sua força continuaram airradiar, por exemplo, nas comunidades dos bo­gomilos, que em sua maior parte viviam na Bul­gária.A herança gnóstica dos séculos XII e XIIIfoi transmitida, em especial, aos cátaros, no sulda França. Eles formavam uma comunidade deorientação puramente gnóstica.Mas assim comoaconteceu comos bogomilos, eles forampersegui­dos e mortos pela Igreja Católica.Quem não pu­desse ou não quisesse fugir era assassinado pelosassim¯amados representantes ortodoxos dessaIgreja.

No inícioda IdadeMédia, aGnosismanifestou-sena ordem dos templários. E no início do séculoXVII, ela foi fortemente revivi�cada pelos rosa­cruzes, da qual Johann Valentin Andreæ foi o

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representante mais conhecido.Os rosacruzes doséculo XVII mantiveram algumas ligações comos franco-maçons, que se reorganizaram no iní­cio de 1700. E o século XIX mostrou um novoimpulso gnóstico com a fundação da SociedadeTeosó�ca, da qual a senhora Blavatsky eAnnieBesant são as principais �guras. Rudolf Steiner eMaxHeindel vieram em seguida e, em 1924, JanvanRij¨enborgh e seus colaboradores fundarama Escola da Rosacruz Áurea.

Todos esses movimentos e agrupamentos teste­munham o cristianismo interior. Eles descrevemo caminho de retorno aDeus, que foi aberto peloEspírito de Cristo. Podemos considerá-los comoesforços renovados para realizar o verdadeiro cris ­tianismo de Jesus Cristo.

Impulsos gnósticos no interior da IgrejaDa mesma forma, no interior da Igreja, onde osdogmas e as hierarquias exerciam uma coaçãoincessante e crescente e onde o ensinamento deCristo degenerava cada vez mais, alguns grandessegundo o espírito impulsionaram sua explora­ção interior até a verdadeiraLuz.Mestre E¨hart,Tauler, Suso e Ruysbroek foram as �guras pre­dominantes da espiritualidade nos séculos XIIIe XIV. Mestre E¨hart fala “do fundo da alma,onde o homem deve procurar a centelha ocultae entrar em ligação com ela para elevar-se no Es ­pírito”. Assim, E¨hart retoma o ensinamentognóstico da centelha-do-espírito no coração. Eleensina que o nascimento deDeus se produz no

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interior da alma e não no exterior.Mais tarde, elea�rma que essa experiência pode ser vivenciadasem auxílio exterior e que um homem só, peloseu trabalho pessoal, e com o auxílio do Espírito quer dizer, voltando-se paraDeus pode re­alizar esse nascimento. Para E¨hart,mesmo ossacramentos da Igreja são supérfluos. Por sua vez,a Igreja declarou algumas de suas proposiçõesheréticas. Tauler e Suso, alunos de E¨hart, acen ­tuaram em especial a paz interior que o homemdeve esforçar-se para alcançar a �mde poder con ­templarDeus.A paz representa, em especial paraeles, “a reversão, o retorno aDeus”, o abandonodo eu sem nenhuma reserva. Os rosacruzes di­zem que é preciso: morrer segundo a natureza.Os cátaros falavam de endura.

Para os místicos, a fé vivente representava umpasso em direção ao conhecimento da vontadedivina. Apesar da oposição da Igreja, E¨hart,Tauler e Suso ousaram revelar esse conhecimento,pois estavam tocados pelo Espírito de Deus. Aprofundidade e a integridade de seus ensinamen­tos satisfaziam muitas pessoas e acabavam porconvencê-las. Elas se reuniam em comunidadesleigas fora da Igreja, denominadas “Os amigosde Deus”, e se comportavam todos como seresque seguiam, em silêncio, o caminho interior queCristo lhes mostrava.

NaHolanda, Ruysbroek propagou o mesmo en­sinamento sobre a união do homem comDeus.Ser somente umcomDeus é a própria essência da

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mística. E¨hart exprime, como descrito abaixo,sua vivência interior, experiência que derrubatodos os obstáculos:

“Um com o Um,Um por Um,Um no Um,E no Um eternamente.”

Jacob Boehme, ummístico do século XVII, decla ­rado herético, descreveu assim sua experiência,na qualidade de portador do Espírito vivente:

“Emmim, ninguém deve procurar o trabalho…Eu não falo demim,mas do que o Espírito revela,a quem ninguém pode resistir. Pois isso repousano Todo Poderoso, independente de nossas su ­posições e vontades.”

Boehme diz que o nascimento interior da divin ­dade é a verdadeira vocação do homem. Ele re­conhece que Deus não é esse personagem amá­vel, inocente e bom, como é representado comfreqüência,mas que o amor e a cólera estão nele.A cólera deDeus nada é senão a ordem e a forçainabalável do Espírito. Quando o ser humanorompe com essa harmonia e se volta contra ela,sente que essa mesma harmonia se opõe a elenuma espécie de cólera, assim como alguém quenada contra a maré sente que a água se opõe aele.Cada um deve descer até omais profundo desimesmo, em seu próprio coração, para aí reco ­nhecer o amor e a cólera, e, por uma luta interior,

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abrir o caminho até o amor. Para Boehme, o ho­mem é um ser em transformação que evolui parao seu próprio aperfeiçoamento. Ele deve, por umlado, ser tomado de súbito pelo Espírito, e poroutro lado, amadurecer a �m de que o processode seu aperfeiçoamento se cumpra.

A tríplice assinatura do gnósticoApós esses testemunhos, podemos nos perguntaro que os gnósticos tinham em comum. Por queeles suportavam perseguições e morte pelas suasconvicções?

Um gnóstico sente Deus em si mesmo. Ele vêa verdade como experiência interior. Por isso ognóstico vive na convicção que ele é “nascidodeDeus”. Isso signi�ca que ele conhece sua ori­gem, que ele sabe que omais profundo do seu serprovém de um mundo divino e não do mundoterrestre transitório. Ele sabe também que o ho ­mem-deus não pode se unir ao homem terres­tre decaído. Portanto, o segundo princípio docaminho gnóstico é: “Morrer em Jesus”. Essa fór­mula dos rosacruzes do século XVII se refere àmorte consciente do instinto de conservação dohomem terrestre.

Um verdadeiro gnóstico vê diante de si o cami­nho interior traçado de maneira clara. Ele estápronto para segui-lo, para realizar esse processo.Ele sabe que ninguém pode morrer em seu lugar,que ele deve realizar essa morte por si mesmo.Não é amorte deCristona cruzque resgata, como

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ensina a Igreja,mas o fato de realizar essa morteem seu ser na imitação de Cristo, pois Cristo é ocaminho. Trata-se da cruci�cação do homem na­tural no ser interior de cada um.Quem é tocadopelaGnosis sabe queCristodeve nascer,morrer eressuscitar em cada serhumano, para dessa formatornar-se semelhante aCristo.Essa é amensagemcrística e a experiência do gnóstico vivenciada deforma profunda.

A Igreja espera a salvaçãodo exterior e dessa formaafasta os homens da verdade original de Cristo,ao passo que o gnóstico se esforça para percor­rer o caminho interior que conduz à libertação.Um contraste maior é difícil de imaginar.Apósa primeira fase, nascer em Deus, vem a segunda,morrer em Jesus, o Senhor, e depois, na terceirafase, advém a vitória: renascer pelo Espírito Santo.

Dessa forma, os gnósticos testemunham que sãoarrebatados pelo Espírito, e eles testemunhamporque não podem nem querem fazer de outromodo.Não testemunhar seria um pecado contrao Espírito, por isso a morte e a perseguição nãoos assustaram. Eles executaram seu trabalho comtoda quietude e �rmeza, pois sabiam que o Espí­rito imortal encontrava-se ressuscitado em seuser para anunciar a verdade vivente. Eles eram, as ­sim, testemunhas vivas domundodivino,mesmoestando ainda no seu corpo terrestre.

Se a centelha gnóstica se acendenum ser, ela podetornar-se uma flama, e a flama, por sua vez, um

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fogo irradiante, que pode tocar todos os outroshomens.O caminho gnósticomostra o que é pre ­ciso fazer interiormente para “tornar-se Deus”:nascer conscientemente deDeus,morrer consci­entemente em Jesus, e renascer de forma consci­ente pelo Espírito Santo.A nova alma liga-se deforma consciente ao Espírito e diz: Eu e meu Paisomos um.

Portanto, o gnóstico vivencia três fases da eleva ­ção no Espírito, segundo uma tríplice assinatura.Ele perde sua vida porDeus, reconhece o amordeDeus nessa neutralização de sua antiga vida, eassim une-se a ele.Deus é amor. Toda criação éimpregnada pelo seu amor. É preciso, portanto,voltar-se para o amor deDeus. Por isso é dito noEvangelho de João:

“Por isto o Paime ama, porque dou aminha vidapara tornar a tomá-la.Ninguémma tira de mim,mas eu de mimmesmo a dou; tenho poder paraa dar, e poder para tornar a tomá-la. Este manda ­mento recebi de meu Pai” ( João 10:17–18).

A �mde receber a Luz universal, a �mde se man ­ter na Luz divina, é preciso “perder sua vida”. Talé o caminho da Gnosis.

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Os homens sempre se desviaramdas “tábuas de pedra da lei”,para se deixarem guiar pela verdadeinscrita nas “tábuas de carne do coração”.

Religião signi�ca “religar”, ligar-se denovo aDeus.Existem dois caminhos fundamentais, um exte­rior e outro interior, para religar-se a Deus; areligião exterior e a interior.A religião exteriordáa entender que os acontecimentos e fatos exterio­res levam à salvação.A religião interior, ao contrá­rio, pede que vivenciemos que tudo provém deDeus e pertence aDeus, como uma gota de águapertence ao oceano, como uma idéia provém dopensamento.A libertação é um caminho: o cami­nho da reconciliação com Deus, o caminho daunião do ser verdadeiro comDeus.

Gnosis e cristianismoEm sua origem, todas as religiões, o cristianismoinclusive, eram religiões interiores. Pois há ape ­nas uma religião, pois há apenas um Deus, ape ­nas uma verdade.Os fundadores de religiões vi­venciam interiormente o divino. Eles renunciam

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no presente ao seu egocentrismo natural paradar lugar neles ao divino. Eles experimentam demodo consciente a reconciliação com o Pai, aunião com o Espírito. Por isso Jesus disse: “Eu eo Pai somos um” ( João 10: 30).Não se trata aquide uma identi�cação com umDeus-Pai exterior,mas da identidade do ser interior verdadeiro coma verdade, que é Deus.

Os fundadores da religião interior aplainaram ocaminhoda união comDeus para os seus adeptos.Nesse caminho, Jesus disse aos seus discípulos:Sede meus seguidores. Sua religião, e a de seus dis­cípulos, consiste em vivenciar conscientementeo divino em si, e se comportar conforme suasprescrições. Portanto, essa religião é aquela doConhecimento interior, aGnosis, a verdadeirareligião interior. Jesus é o protótipo do gnóstico;e aGnosis, uma experiência consciente e o acessoà compreensão divina: Eu e o Pai somos um.

Separação entre religião interiore religião exteriorTomando como exemplo o cristianismo, pode ­mos compreender emostrar como foi criada umaseparação entre a religião interior e a exterior, en ­tre aGnosis e a Igreja. Suponde que um homemtocado pelas forças divinas no mais profundode simesmo e, reconhecendo o caminho que seapresenta a ele, fe¯e eventualmente o caminhoa todo egocentrismo em si,mas que aos poucos astendências de sua vida antiga recomecem a surgir.Nesse caso, a experiência da verdade vivente se

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retira e já não lhe resta nada além da lembrança,com base na qual ele elabora uma idéia centralcompreensível: um dogma.Depois ele organizasua vida segundo esse dogma.

Omesmo acontece em um grupo, como em umsó indivíduo.Pessoas tocadas desde onascimentopela verdade vivente, e tendo-a manifestado demaneiraharmoniosa em sua vida, acabam fazendodogmas caso seus interesses terrestres retomem ocomando e, em seguida, fundam uma instituiçãobaseada nesses dogmas. Todas as tendências ego­cêntricas humanas vão, neste caso, se exprimiroutra vez no quadro dos dogmas e da instituiçãoem questão: desejo de poder, de honrarias, deposses.

Esse processo, que pode sempre se desenvolverinteriormente num indivíduo ou numgrupo, sur­giu e cresceu quase desde o início do cristianismo.O fundador, em quem a verdade vibrara comgrande força e que irradiou esse amor, havia dei­xado o mundo terrestre. Emmuitos de seus alu­nos, a verdade continuou a trabalhar de formavivente e eles o exprimiram com fervor. Entre­tanto,muitos tinham ainda di�culdades interio ­res devido a seu interesse pela vida terrestre. Emmedida crescente, esses interesses terrenos obti­veram o domínio e se expressaram nas posições ena administração da comunidade.

As pessoas que davam de maneira espontâneao exemplo de uma vida vivi�cada pela verdade

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tornaram-se perigosas para as que viviam basea ­das na instituição e em seus dogmas. A “igreja”que então se formou, a religião do cristianismoexterior, ¯egou a já não compreender a religiãointerior e a impedi-la de se exprimir.Os organiza ­dores dogmáticos marginalizaram aos poucos osque testemunhavam da verdade, e logo os excluí­ram e os combateram. Em sua incompreensão,eles os declararam heréticos e os perseguiram deforma violenta porque ameaçavam a féno dogmae a “salvação” pelo dogma.

Cerca de 150 anos depois de Jesus Cristo, por­tanto algumas gerações mais tarde, uma clara se ­paração surgiu na organização do cristianismoentre as religiões interior e exterior.A religião in­terior era quali�cada de “Gnosis”, enquanto quea exterior veio a ser a “Igreja”, o “Cristianismo”;e logo entre elas não houve mais ligação alguma.

Pai, Filho e Espírito SantoEssa cisão entre Igreja eGnosis explica todos osjulgamentos quepersistiramatéhoje sobre aGno­sis. O que é interior abrange o que é exteriorporque ele o interpenetra, entretanto, o inversonão é verdadeiro.

Por exemplo, como pode, alguém que se prendeapenas ao aspecto exterior e para quem o “Paidos homens” e do mundo é um Deus exteriorpoderoso, compreender o que um gnóstico viven ­cia sob o nome deDeus, na qualidade de “Pai”?Para aqueles que seguem os dogmas,Deus, o Pai,

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reúne em si todas as qualidades de um pai ter­restre. Pode-se a¯egar a ele como uma criançase a¯ega ao seu pai.Mas para aquele em quema verdade vive de forma consciente, o “Pai” é ofundamento original dessa verdade na qual o serespiritual do homem se imerge; e este só pode irao seu encontro se descalçar seus sapatos, comoMoisés diante da sarça ardente (Êxodo 3: 5): istoé, se ele se desligou de todos os seus laços e interes ­ses pessoais terrestres. Ele não se a¯ega diantedo Pai como pessoa: a sarça ardente representasua consciência inflamada pela verdade, que lhefala.

Na religião interior,o “Filho” jánão éumhomemdeDeus que se sacri�ca na cruz para livrar os hu­manos,mas uma força que desce no ser interiorpara oferecer-lhe a possibilidade de renunciar,em nome da verdade, a tudo o que é terrestre.A verdade que se oferece ao ser humano age nele,dando-lhe os meios de se libertar de todos oslaços terrestres. Jesus é o homem que cumpriuesse processo de libertação na força de Cristo, naforça da verdade que se oferece. Todo homemque segue essas pegadas cumpre omesmo que ele.E assim, como Jesus, ele contribui para a liberta ­ção de outro. Porque a verdade que ele possui,que despertou nele, ele pode da mesma formadespertar em outros.

O Espírito Santo, en�m, representa a atividadeda verdade, tanto num indivíduo como num gru­po.A força da verdade que se manifesta religa os

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seres em uma comunidade que não se baseia emcaracterísticas e interesses pessoais. E o que essacomunidade exprime em seus escritos, suas obrasde arte, etc dá testemunho da força da verdadevivente.

Fé, esperança, amorO caminho daGnosis é o caminho da fé, da com­preensão con�ante e do amor. Para a religiãoexterior, a fé é a aceitação do dogma. Ela podetambém emanar uma grande força, pois dá a se ­gurança da certeza.Mas é uma certeza exteriorque não se baseia em nenhuma experiência inte ­rior. Para a religião interior, ao contrário, a fé éa forma pela qual se conhece primeiro a verdade,que outrora se encontrava adormecida.

Ainda que o buscador não esteja consciente daverdade, ela cria nele a possibilidade de novasexperiências, sendo ela o motor subjacente. É afé que abre as portas, derruba as barreiras e moveas montanhas. Essa força permite a mudança doser antigo a tal ponto que a verdade conseguecircular nele e ele acaba vivenciando sua ação.Eletorna-se consciente, ele reconhece a Gnosis, oConhecimento.

O verdadeiro ser desperta enquanto que o serilusório se apaga de modo consciente.Assim serealiza nele, com toda lucidez, a morte e a ressur­reição de Jesus. Ele não acredita no fato históricoda vida de Jesus, nem que ele ressuscitará, comoJesus, “no último Julgamento”.Não, ele vivencia

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a ressurreição em simesmo, já antes de suamortefísica.

A religião exterior se contenta com a fé.Ora, nocaminho interior, a fé é só um início. Ela conduzao conhecimento.Nos Evangelhos, por exemplo,o conhecimento do Espírito é uma etapa essen­cial do processo de libertação dos discípulos deJesus. Pensai na cena onde Pedro reconhece Je­sus como o Cristo, o portador da verdade. AsEpístolas de Paulo oferecem também numerosascitações sobre o conhecimento da verdade. NaEpístola aos Colossenses (1:9-10), por exemplo,Paulo diz:Nós não cessamos de orar aDeus por vóse de pedir que sejais preen¯idos do conhecimentode sua vontade, em sabedoria e inteligência espi­ritual, para andar de maneira digna do Senhor elhe ser inteiramente agradáveis, produzindo frutosem todas as boas obras e crescendo pelo conheci­mento deDeus. Paulo também era um gnóstico,portanto versado na religião interior.

A consciência da verdade é seguida pela atividadeda verdade: o amor. A partir desse momentoqualquer um, como Jesus, pode utilizar as forçasda verdade vivente em si para despertar em seupróximo a fé na verdade a �mde permitir que en ­contre o caminho da libertação. É apenas sobreesse caminho que as imperfeições desaparecem,que as doenças são curadas e que até a morte évencida.Esse não é o amor que o homem comumé capaz de manifestar para o mundo e a humani­dade num elã admirável. É uma nova força divina

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que só age quando todos os impulsos naturais sãoapaziguados.O amor comum do próximo nadamais é do que uma sombra, um fraco reflexo doamor divino, nascido de Deus.

É o que con�rma nas suas Epístolas, João, o Evan ­gelista, também um gnóstico, que diz por exem ­plo: Bem amados, amemos uns aos outros; pois oamor é de Deus, e aquele que ama é nascido deDeus e conhece Deus. Aquele que não ama nãoconheceu Deus, pois Deus é amor (1 João 4:7–8).

Supressão da separaçãoPortanto, será que deve sempre haver separaçãoentre a religião interior e a religião exterior e queos representantes desta última combatam e persi­gam como sendo heréticos aqueles da primeira?Isso nãodeveria acontecer. Seria su�ciente que osrepresentantes dessas duas tendências levassem asério a palavra do Evangelho de João: “A verdadevos libertará”. Pois a verdade libera e deixa livre.Quem vivencia a verdade dentro de si não forçaninguémacrer emdogmas,mas temuma fé indes ­trutível no poder da verdade, ele tem con�ançaque a fé triunfará sobre todos os enganos, semperseguição e sem luta. Por essa razão, ele não de ­clarará que algumas formas religiosas são o únicocaminho seguro da libertação, e nem excluirá apossibilidade de outras formas.

Sempre existiram homens que se desviaram das“tábuas de pedra da lei” para deixar-se guiar pelaverdade inscrita nas “tábuas de carne do coração”,

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porque essa verdade fala ao mais profundo delesmesmos. Se as autoridades da religião exteriorquisessem limitá-los à fé dos dogmas, as tábuas depedra da lei lhesmostrariamobomcaminhopara¯egar à libertação?A verdade liberta! E ela aca ­bará por tornar compreensível àqueles que estãoainda na religião exterior que o verdadeiro cami­nho da libertação é o caminho da religião interior,que os aguarda. E os que decidem viver direta­mente da verdade serão guiados pela verdade atéa união com o Espírito, o Pai da verdade.

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AGNOSIS COMO REVOLUÇÃO DA ALMA

“Tende um pouco de repouso!”Proposta revolucionária paranossa época de crise,para nossa época tão agitada.

Quando acadêmicos, com certa exatidão, dãoao conceito “Gnosis” o signi�cado de revolução,eles têm razão se considerarmos uma revoluçãocomo umamudança do próprio ser.Porémapala ­vraGnosis perde seu signi�cado quando, em seunome, indivíduos se reúnem numa comunidaderevolucionária engajada dentro da sociedade. Po­demos a�rmar que grupos gnósticos jamais com­bateram os que não pensassem como eles.

“Gnosis é compreensão.Gnosis é conhecimento do porquê,do quando, do como.Gnosis é visão da origem do indivíduo,de sua vida e de seu �m.Gnosis é ouvir as palavras de outros,prestar atenção às reações que essas palavras

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provocam em si, e tomar decisão.Gnosis é perceber a separação, perceber a simesmo e tomar decisão.Gnosis é um acontecimento muito individual.Gnosis é a consciência de uma forçae de um espaço individualizados,e a consciência de quem vive e trabalhapessoalmente para isso.Gnosis é a visão do movimentoe da instabilidade de todas as coisas.A busca pela Gnosis faz passarpor um processo de contra-movimento.A descoberta da Gnosis aconteceno momento do ‘abandonar tudo’.”23

Alguns grupos gnósticos praticam ritos sacramen­tais, outros não; outros ainda formam escolascujo programa abrange teoso�a, cosmologia ouantroposo�a.Assim, os candidatos podem saberonde se encontram, baseados em seu conheci­mento interior deDeus. Eles puderam e podemdizer:

“Se estou diante da porta, do outro lado da ponte,para além do homem, para além de mimmesmo,perguntarás: Ultrapassaste o país em ti?Atravessaste a ponte em ti?Ultrapassaste o homem em ti?Ultrapassaste a ti mesmo?

Emiel de Keyser, Als gij en mij als eenling staan (Quando23tu e eu formos apenas um).

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Responderei então: Isso foi ultrapassado?A mentira é impossívelporque te verias em mim;e o que não visses de ti em mim,eu o sentiria: isso não seria ultrapassado.

Então, reenvia-me, pela ponte,ao país, aos homens, a mimmesmo,para aí fazer desaparecero que não foi ultrapassado,o que não conheces em ti.

E quando, atravessando a ponte, eu voltardo país dos homens comigo mesmo,então saberei que já nada restaque te impeça de seres tu mesmo emmim.”23

A Gnosis protegeu e protege o ser humano doque já não tem vida. Podemos considerar comoum sinal o fato de falarmos muito sobreGnosisneste tempo de crise.Disserta-se e prega-se hojea tal ponto que as palavras de Jesus, citadas emMarcos, nos tocam de modo direto o coração:

“Voltaram os apóstolos à presença de Jesus e lherelataram tudo quanto haviam feito e ensinado.E ele lhes disse: Vinde repousar um pouco, àparte,num lugardeserto;porque eles não tinhamtempo nem para comer, visto serem numerososos que iam e vinham.”24

Marcos 6:30–31;24

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“Tende um pouco de repouso!” Proposta revolu­cionária em nossa época de crise, em nossa épocatão agitada! “Tende um pouco de paz!”

Gnosis é revolução do ser interior. Podemos vi­venciar essa revolução de maneira individual, oudemaneira intensa emumgrupo.Revoluçãoquerdizer tambémestratégia. Semestrategistas nãoháestratégia.Uma comunidade gnóstica funcionacom indivíduos revolucionários por simesmos,que sabem que são levados pela sua comunidade,e acompanhados por um “mestre” que conhece ocaminho da revolução por sua experiência e seuconhecimento.

Um objetivo importante da vida gnóstica é o “re ­pouso”, a paz, a �mde que o homemque o desejareencontre a simesmo. Para essa �nalidade, eleprecisa de repouso após a agitação, após as preo­cupações, após todos os conflitos interiores. Eisum exemplo extraído do Evangelho de Tomé(Logion 60):

“Um samaritano, carregando um cordeiro, ¯e­gou à Judéia. Ele [Jesus] perguntou a seus dis­cípulos: ‘O que ele fará com o cordeiro?’Disse­ram-lhe: ‘Irá matá-lo e comê-lo.’ Ele lhes disse:‘Enquanto estiver vivo, não o comerá,mas ape ­nas se o matar e transformar num cadáver.’ Elesdisseram: ‘Ele não pode agir de outra forma.’ Elelhes respondeu: ‘Procurai também para vós umlugar para �car em repouso, para que não vostorneis cadáveres e vos comam’.”

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Repouso, símbolo do divinoA esfera divina, a divindade, existe por simesma,imutável, e não conhece nenhuma variação, porisso falamos dela comoum reino de repouso.Uni­dade, repouso, imutabilidade, silêncio como sendoestados originais do reino da Luz.O Pai da Luz érepouso, paz. EmO livro secreto de João, é dito doPai da Luz: “Seu éon é imperecível. Ele repousaem silêncio”.

A paz, símbolo do Salvador e de sua mensagemO Salvador e suamensagem se identi�cam com apaz.Amensagem e sua�nalidade são exatamentecorrespondentes.O repouso, a paz, está lá. Pode­mos encontrar a paz e descrevê-la.Omeio paraisso é conhecido, é permanecer semmedo.

“Se ¯egar o �m dos tempos, se já não houvernem casa, nem o sistema, nem o espaço protetor,nemo grupo; se tu e eu estivermos, sozinhos, semluz,num lugar onde a noite cai; e se tu e eu estiver­mos diante de um homem; e se não lhe falarmosda casa que existia, da luz que poderia estar lá, doespaço que havia lá, do grupo animado e protetorque se encontrava lá,mas lhe dermos o dom denão termedo, faremos que ele já não procure denovo nada de tudo isso.”23

Repouso, símbolo do conhecimentoA aceitação da palavra libertadora faz do homemalguémque sabe, e quem sabe se torna conscienteda possibilidade de encontrar o repouso em simesmo.

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O evangelho da verdade é regozijo para quem rece­beu do Pai da verdade a graça de conhecê-lo pelaforça do Verbo.

Na “Ode de Salomão” ressoa a prece do gnóstico:Que teu repouso, Senhor, possa habitar em mim,assim como o fruto de teu amor.

O Salvador disse a seus discípulos:

Chegou o tempo de deixar vosso trabalho e repou ­sar.Quem está em repouso permanecerá sempre emrepouso.25

A característica fundamentaldaGnosis é repouso.A qualidade visível de quem recebe aGnosis, istoé, quem vive da Gnosis pela compreensão, é re­pouso. É o repouso que testemunha que ele viveda compreensão.O uso dessa¯ave abre todosos testamentos, os escritos e os evangelhos quenos foram legados.

Para a execução de um testamento faz-se necessá­ria sua abertura. É possível aceitar ou recusar umtestamento.Os escritos gnósticos são testamen ­tos, um reflexo da atividade das palavras sobreos homens. Em certa medida, é correto presumirque algo não existe a não ser que tenha sido umavez nomeado e quali�cado.O repouso é uma pa­lavra que designa um estado de ser que apenas

Stephen Emmel,�eDialogue of the Savior (O diálogo do25Salvador).

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alcançamos após ter esclarecido a “história” dasua existência tal como a vivenciamos.Emgeral, éuma história complexa.Muitos textos gnósticossão textos complexos.

Seguir a senda gnóstica, fazer a peregrinação gnós ­tica, eventualmente através dos testamentos, atra ­vés das histórias dos outros, é elucidar sua própriacomplexidade. Os textos gnósticos funcionamcomo espelhos.Um espelho não mostra nada anão ser quando nos colocamos diante dele.Umtexto gnóstico não nos diz nada a não ser que noscoloquemos diante dele de modo pleno.

É por isso que a ciência não pode abrir esses tex­tos enquanto ela mesma não se abrir para eles.Dizendo de outra forma: apenas abre um textognóstico quem procura em simesmo a essência eo objetivo do texto, perguntando-se qual é o obje ­tivo de sua própria vida. Essa essência é repouso,é paz interior!

AGnosis aparece nos dias de hoje para protegero que se perde, para proteger o direito de nascerdos homens, o direito à felicidade. Buda explica:“Buda,Bhodi, signi�ca discernimento, sabedoria,compreensão profunda.”

“Cada ser humano quer viver feliz, e a felicidadeé um direito de nascimento. Contudo, para al­cançar a felicidade a que temos direito, é precisopassar pelo processo de puri�cação descrito porBuda:

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1. rejeitar os pensamentos prejudiciais que te­mos;

2. eliminaros pensamentos prejudiciais que vêma nós;

3. manter os pensamentos salutares que temos,colocando-os em prática todos os dias;

4. desenvolver os pensamentos salutares queainda não¯egaram até nós.”26

Repouso, meta �nal da peregrinaçãoNo Evangelho de Tomé (Logion 50) está escrito:

“Jesus disse:Se vos perguntarem de onde viestes,respondei: ‘Viemos da luz,do lugar onde a luz veio a ser por si mesma,onde ela estava e manifestou sua imagem.’Se vos perguntarem quem sois,dizei isto: ‘Somos seus �lhose somos os escolhidos do Pai vivo’.Se vos perguntarem qual é o sinalde vosso Pai que está em vósrespondei que ele é ao mesmo tempomovimento e repouso.”

A felicidade é um direito de nascimento.A con­dição é o repouso.O caminho, o meio para isso,é o discernimento. Tudo isso pode ser indicadocomoGnosis. Esse espelho também existe agora.Para sentir sua atividade, épreciso que os homens

K.Sri.Dhammananda,Hoe te leven zonder angst en zorgen26(Como viver semmedo e nem preocupação).

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desta época demonstrem sua atualidade, assim aGnosis se tornará força ativa no homem de hoje.

Citemos mais uma vez o Evangelho de Tomé(Logion 91):

“Eles lhe disseram:Dize-nos quem és para acreditarmos em ti.Ele lhes respondeu:Vós avaliais o semblante do céu e da terra,e não reconhecestes aqueleque está diante de vós;não sabeis avaliar este momento?”

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A GNOSIS COMO FUNDAMENTO

DO NOVO HOMEM

O homem inflamadopelo Espírito de Deus.

O homem terrestre dispõe de um corpo físico,de um corpo etérico, de um corpo astral e deum corpo mental, que constituem sua personali­dade.Mas essa personalidade terrestre foi criadacom uma única �nalidade.Na base de seu desen­volvimento milenar existe um plano: o plano deretorno ao estado de homem perfeito.

Na verdade, quando o homem, após numerosasexperiências da vida, descobre que suas aspira­ções humanitárias, religiosas, artísticas ou cien­tí�cas não deram qualquer resultado libertador,ele sente os limites que o espaço-tempo lhe im ­põe.Nessemomento ele concebe o grande desejode escapar desta prisão, porque tem a intuiçãode existir em algum lugar a possibilidade de tor­nar-se umhomem superior nummundo perfeito.Nesse instante ele estámaduro para a primeira

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ação da Gnosis, que tentará despertar o princí­pio de luz adormecido em seu coração, princí­pio denominado rosa do coração ou átomo-cen ­telha-do-espírito na Escola Espiritual da Rosa­cruz Áurea. Se esse princípio começa a reagirsob o impulso da força gnóstica, esse homemtorna-se um buscador da verdade, isto é, um ho ­mem que vai justamente lançar-se à descobertado plano de retorno ao estado de homem per­feito. Diz-se, então, que ele foi inflamado peloEspírito deDeus. Ele reconhece ser apenas partede um microcosmo, um reflexo do Universo, eque é esse microcosmo que tem a possibilidadede retornar ao domínio da vida original.

O plano do LogosO plano do Logos prevê que o microcosmo e apersonalidade devem fundir-se de acordo com oprocesso alquímico que a Escola da RosacruzÁu­rea denomina trans�guração. Ela fala sobre issode forma detalhada, pois o trans�gurismo é umdos pilares do ensinamento gnóstico da liberta­ção. Depois de uma série de desenvolvimentos,o homem assim renovado adquire propriedadese poderes que transcendem de longe as possibi­lidades de sua personalidade terrestre,mas quenão devem ser confundidos com as capacidadesadquiridas por certos métodos ocultistas.

O novo estado de vida e de consciência apenas érealizável seguindo-se o caminho da libertação in ­terior.Não se trata de qualquer poder da persona ­lidade terrestre, nem das práticas ocultistas que

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abrem o caminho; ele apenas é acessível pela rosa­-do-coração, último vestígio da vida divina que oser humano possui em si. Para isso, é necessáriauma tríplice atividade daGnosis: três influênciasmagnéticas divinas tocam o candidato aos mis­térios, três forças designadas como Pai, Filho eEspírito Santo, que o encaminham ao autoconhe ­cimento, ao reconhecimento deDeus e, en�m, àtrans�guração.

A força da féSe o aluno, que se encontra no caminho do au ­toconhecimento, toma a decisão interior de sepuri�car de toda impiedade e impureza, o quenão pode ser feito sem o auxílio da força gnóstica,se ele leva a sério esse combate e prossegue comassiduidade, o raio de ação do átomo-centelha­-do-espírito se amplia.No santuário do coraçãonasce, então, um novo poder, um poder não-ter­restre. Trata-se da verdadeira fé, um poder deforça e de luz que possibilita removermontanhas.

Essa força da fé é vivida de forma consciente. Elapuri�ca o sangue e dissolve o carma. Por isso édito na Escritura Sagrada: “A tua fé te salvou”e “A tua fé te libertou de teus pecados”. Essa fénada tema ver, é claro, coma fé imposta pelos dog­mas ou inspirada pelas narrativas históricas. É oefeito da corrente de graça que se libera quando,pelo justo comportamento, é feito su�ciente em ­prego dessa força de cura. O candidato experi­menta assim o segundo toque divino. Ele deveagora morrer na força-Jesus.

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Morrer em JesusA segunda ação divina provoca uma série de mu­danças na personalidade terrestre.O candidatodeve viver segundo as exigências de um campode vida interior que não é deste mundo. Se eleconseguir isso, o sistema cerebrospinal se abreno momento propício para receber as forças daluz gnóstica.O coração se eleva. Uma nova res­piração se desenvolve. A circulação do sanguese modi�ca, e também a ação dos órgãos de se­creção interna, que, por sua vez, influenciam osangue. O aluno torna-se consciente de novaspossibilidades.

A nova respiração permite ao sangue assimilar asforças etéricas de uma vibração superior, que co ­meçarão a ocasionar umamudança das células ce­rebrais.O candidato se torna cada vezmais recep­tivo aos quatro alimentos santos. Esse processonada tem de místico. Pelo segundo toque divinoé estabelecida uma ligação física com uma forçaà qual o candidato se submete de maneira pro ­gressiva e deve abandonar-se por completo medi­ante um comportamento inteligente.Como con­seqüência, ele está a caminhodas núpcias alquími­cas de Cristiano Rosacruz. Ele se torna silenciosodiante deDeus, canta o salmista.O eu, a consci­ência terrestre, renuncia a seus desejos naturais:a Rosacruz diz que ele se aniquilou em Jesus, oSenhor.

A ação do segundo toque gnóstico começa na ca ­beça, onde se encontram órgãos como a hipó�se,

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a pineal e o córtex cerebral, em geral dani�cadospelo mau uso do intelecto, e que devem ser puri­�cados e renovados para participar do processognóstico da santi�cação. Em seguida, todos osoutros órgãos da personalidade são tocados. Porconseguinte, os doze pares de nervos cranianosradiam para o corpo inteiro.Assim, as novas ati­vidades etéricas agem sobre o sangue, o fluidonervoso e a consciência;depois todooorganismoé liberto de forma progressiva do domínio danatureza dialética.

É apenas após essa preparação que o terceiro to­que gnóstico se torna possível; disso resulta atrans�guração ou as núpcias alquímicas. O Es ­pírito Santo destrói tudo o que é velho e depoisconstrói os novos poderes divinos.

Os sete poderes do Espírito SantoO homem original possui uma série de poderesque emanam das propriedades fundamentais domundo divino. Para que o homem terrestre ad ­quira essas propriedades é preciso que ultrapasseos limites da natureza terrestre dialética e repareos estragos infligidos por ela. Os toques da pri­meira e da segunda forças divinas propiciam-lheessa possibilidade.

Descrever esses poderes, ou propriedades, podeprovocar confusão entre os poderes do homemoriginal e os do homem simplesmente cultivadoou ocultista.Os poderes deste último, qualquerque seja seu re�namento, estão sempre voltados

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apenas para a autoconservação, a cultura da per­sonalidade e o desenvolvimento do eu.

Oprimeiropoderdo verdadeirohomem éo amordivino: o poder superior é sempre o amor ou aluz de Deus. Por isso é dito que o ser humanocaminhará um dia na luz comoDeus mesmo estána luz.

O segundo poder é a sabedoria.A compreensãopuri�cada pode terum vislumbre dessa sabedoria,pois o intelecto comum, centralizado no eu, éaqui inapto e incapaz.

O terceiro poder é a vontade, o sumo sacerdoteno templo do homem. A vontade, guiada peloamor e pela sabedoria, executa apenas a vontadede Deus.

O quarto poder é a força do poder mental. Vi­vi�cadas pelo amor, pela sabedoria e pela novavontade, as novas idéias nascidas do Espírito ma­nifestam-se mentalmente até em seus mínimosdetalhes. É evidente que essa estrutura mentaldeve ser provida de força vital.

É por isso que, em quinto lugar, existe um poderde energia dinâmica. Essa energia se harmonizacom o princípio vital geral.A antiga �loso�a falaa esse respeito da força cundalini-shakti.

O sextopoder é amanifestaçãoda forma. Trata-seaqui de pronunciar o Verbo criador, mediante

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o qual as imagens carregadas de força vital serealizam na matéria.

O sétimo poder agrupa os outros seis. Os seisprimeiros poderes, ou propriedades, contêm asseis forças essenciais, e estas irradiam no sétimopoder.Assim sendo, torna-se possível utilizar deuma única forma justa, a serviço do grande planoda criação universal, tudo o que as seis primeiraspropriedades realizam. Em relação a essas propri­edades que se desenvolvem de forma progressiva,o serhumanopossui sete focos, conhecidos comoos sete¯acras. Esses sete centros fundamentaisencontram-se degenerados no homem terrestredecaído. O sistema dos ¯acras ocupa uma po ­sição central no processo de santi�cação, pois éapenas pelo restabelecimento das funções origi­nais dos sete¯acras que é possível aplicar outravez os sete poderes que acabamos de mencionar.

Inversão da rotação dos ¯acrasPor meio de certas práticas de ioga e métodosocultos, é possível ativarmais ou menos seis des­ses sete poderes. O resultado é que os ¯acrasgirarão com maior rapidez,mas sempre no sen­tido habitual, com uma radiação aumentada dasforças da natureza e um reforçar dos laços como mundo decaído. As propriedades e os pode­res que assim nascem têm um raio de ação quenão ultrapassa a vida terrestre neste mundo e noAlém, o que acarreta sempre uma cristalização euma ligaçãomais estreita como zodíaco dialético.Assim, compreendeis que apenas por meio da

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ruptura e da reestruturação total de nossa formaterrestre é possível alcançar a �nalidade: a recons ­trução do verdadeiro homem. Portanto, não édevido à cultura ou à divisão da personalidade,mas apenas pela trans�guração que os novos po ­deres se manifestam e o homem divino cresceno microcosmo. O buscador orientado para aGnosis recebe as forças reconstituintes do Espí­rito Santo, as quais param de forma progressivaa rotação dos ¯acras, que passam, em seguida,a girar em sentido inverso. É assim que o busca ­dor entra em ligação com as forças da naturezadivina e desenvolve outros poderes no caminhoda libertação.

Os sete poderes do novo homem se manifestamnas sete cavidades cerebrais, designadas como arosa sétupla. Elas recebem as forças curadorasdo Espírito Santo, forças que triunfam sobre oantigo sistema vital. Assim que o sétuplo fogodo Espírito Santo brilhar nas sete cavidades ce­rebrais, nelas reinarão as sete harmonias: o cân­tico do amor, o cântico da sabedoria, o cânticoda vontade superior, o cântico da força, da ra­zão, da energia dinâmica e, para terminar, o cân­tico da força uni�cadora que reúne os seis cânti­cos precedentes numa perfeita unidade dos setepoderes.

H. P. Blavatsky disse, em A voz do silêncio, que ohomemnão pode colocar os pés sobre o caminhosuperior da escada dos sons místicos a não serque ouça a voz de seu Deus interior de forma

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sétupla. E o sétimo som reúne os outros seis.Asseis atividades se fundem no sétimo poder.

Com esses sete poderes o acesso ao microcosmosétuplo se torna possível, e as sete portas eter­nas podem ser abertas.O círculo dos sete novospoderes no homem perfeito se fe¯ou.

O homem terrestre, servidor da almaAssim, os antigos poderes do homem terrestreagora podem ser renovados a �m de servir asforças e os poderes renovados do microcosmo.A compreensão �cou livre da influência do seraural e pode ser iluminada pelo corpo mentalsuperior, a nova consciência. Assim puri�cadae saneada, a compreensão é capaz de assimilare integrar da única maneira possível a radiaçãodo novo podermental, que funciona como novaconsciência. O corpo astral se abre também àsinfluências gnósticas, suscitando uma nova respi­ração. Todos os átomos do sistema humano sãoentão carregados de novas forças-luzes, o que dánascimento a novas percepções.O corpo etéricodeve reagir a isso a �m de ser iluminado pela luzdo microcosmo.Disso resulta que os átomos docorpomaterial tambémmudam sob a ação dessasnovas radiações.

O aluno dispõe, então, de uma novamentalidade,de novos sentimentos, de um novo eu e de umaconsciência nova por inteiro. Essas novas propri­edades dominam tambémos novos éteres, os qua ­tro alimentos santos, que elas atraem, reúnem e

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distribuem.Apoiando-se nos sete novos poderes,o homem gnóstico está pronto para utilizar osquatro éteres divinos tríplices, ou, como diz a Bí­blia, comer os doze pães da proposição. Esse novohomem dispõe então de uma personalidade quá­drupla toda nova, edi�cada pela nova alma.No�rmamento aural acontecem também grandesmudanças. Nele aparecem doze estrelas novas,ou centros de força, que integram as novas for­ças etéricas. São as forças dos “doze salvadores dotesouro da Luz”.

Pescador de almas humanasEm razão desses novos poderes, o aluno é agoraquali�cado de “mestre da pedra”. Ele utiliza seuspoderes não apenas para seguir o processo até avitória, mas sobretudo para auxiliar, por sua vez,o homem buscador. Tornando-se “pescador” dealmas humanas, segundo a expressão do NovoTestamento, ele lança sua rede àdireita.Essa redeé sua aura ou campode respiração,que tanto atraicomo repele.Onovohomempoderá apanhar emsua rede tudo o que se harmoniza com seus novospoderes e repelirá tudo o que não se harmonizacom eles. E sua “pesca” será abençoada pela forçado Espírito Santo.

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A FORÇA DE AÇÃO

DA GNOSIS NO MUNDO

O buscador, com o coração doente,deve con�ar-se a uma instânciasuperior que ele experimentae aceita como tal.

AGnosis e a natureza dialética não pertencem àmesma ordem e são dois campos de vida distin­tos um do outro.AGnosis é o Logos, a fonte detoda a vida. Ela se manifesta no Espírito e peloEspírito, em amor, luz, a força que tudo engloba,e a sabedoria universal.O oposto desta manifes­tação divina original é o mundo imperfeito dasforças contrárias,do intelecto limitado e do amorseletivo: é o mundo da ilusão.

O campo de vida original da humanidade e ocampo de vida perecível em que ela habita nestemomento existemdemodo simultâneo,mas suaspropriedades os separam.AGnosis é o absolutoe a perfeição não ligados ao tempo e ao espaço.Omundo terrestre é relativo, contraditório, im ­perfeito e ligado ao espaço e tempo.

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Quem não faz a distinção entre esses dois mun ­dos é presa fácil de misti�cações, como acreditarque o que¯amamos de “Além” é o céu.O quenos meios religiosos é denominado “Além”, o“outro lado do véu”, o “céu” etc.,não passa do cor­respondente simétrico sutil do mundo material.Aí também reinam alegria e dor, recompensa epunição, céu e inferno.Agora que a moda é fazer“viagens astrais” às regiões sutis, surgemmuitostestemunhos a esse respeito.

A história da humanidade mostra que o campoda Gnosis está sempre tocando o campo da na­tureza dialética, onde surgem de forma clara oabsoluto e o relativo, o eterno e o temporal, operfeito e o imperfeito. Como ligar dois pólostão incompatíveis?

Em física é dito que um campo provém de umafonte particular com propriedades especí�cas.Ocampo daGnosis também provém de uma fonte:ele é a manifestação das propriedades desta fonte.É por esta razão que não podemos conceber nemimaginar um tipo de campo como este, pois afonte precede o campo e não o inverso.

O contato entre dois campos incompatíveisAo veri�car todos os impulsos gnósticos relata­dos na história da humanidade, perguntamos oseguinte: “Porque aGnosis se aproximae sempreestá tocando o mundo mortal? Em nossa épocaestá acontecendo um contato deste tipo?” A res­posta à primeira pergunta é a seguinte: porque o

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9 · A FORÇA DE AÇÃO DA GNOSIS NO MUNDO

Criador não quer que sua criatura corra o riscode perder-se.Ora, esta criatura, o homem, encon ­tra-se na atualidade dotado de uma consciênciaque foi formada por interação com a naturezamortal. Esta criatura encontra-se em total contra ­dição, imperfeição, instabilidade. Entretanto, oser humano também possui um princípio inde ­pendente dessa consciência terrestre, um núcleoespiritual que emana do campo da Gnosis e éem seu fundamento estranho ao mundo perecí­vel: é um princípio espiritual que está sempreimpulsionando o ser humano a voltar ao campooriginal.A presença deste princípio não garante,entretanto, que seja possível experimentá-lo demodo consciente. É por isso que a Gnosis tocatodos os homens no coração e envia mensagei­ros para formar uma ponte temporária entre ocampo gnóstico e o mundo decaído, a �m de es­tabelecer, se possível, uma ligação entre eles. Estaponte constituiumcampo intermediárioque per­mite a interaçãode umcomooutro.Graças a estaponte, a Fraternidade Universal pode socorrer ahumanidade que está sem rumo. Esta operaçãode “salvação” já aconteceu um número incalculá­vel de vezes, e ainda é o que acontece hoje. Por­tanto, formou-se um campo seguro e nutridor,que se estendeu sobre o mundo; e a força liberta ­dora que dele emana toca inúmeros buscadoresno coração e os atrai de maneira irresistível.

Semelhante atrai semelhanteQualquer que seja a intensidade de sua fonte, umcampo magnético apenas atrai o que é a�m com

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suas propriedades.Assim, um ímã atrai apenas oferro, e aGnosis apenas atrai o que lhe é a�m.Por­tanto, a semente espiritual do coração é atraídapelo campo da Gnosis, do qual provém. O ho­memdialético, porém, não pode ser atraído pelasforças gnósticas. Isso nada tem a ver com falta deamor; trata-se da ação de uma lei universal: seme ­lhante atrai semelhante. Esta lei garante a ligaçãoentreDeus e o princípio de luz no homem, ondequer que este se encontre.

Por um lado, o ser humano participa do campoterrestre, e por outro, a semente espiritual den ­tro dele o religa ao campo daGnosis, o que fazque ele se encontre freqüentemente em conflito.Na agitação deste mundo, a tentação e o enganosão muito grandes, e a escolha nem sempre é fá­cil. Por isso, é preciso que um campo puramentegnóstico traga seu auxílio para operar a ligaçãocomaFonte daVida.Quem reconhece esse campoe prova dessa fonte está pronto para fazer suaescolha e, em seguida, ser socorrido.

Quanto mais intensa a fonte, mais forte é o campoNa fonte se concentram todas as forças.Quantomais intensa for a fonte, mais forte será a ação.Quanto mais intensa for a fonte de um campognóstico,mais fortes serão suas atividades e o au­xílio oferecido.Como o campo da natureza e ocampo daGnosis são distintos por completo, aGnosis não fala ao homem natural, mas ao ho ­mem espiritual que ainda está adormecido den­trodo coração. Épor isso queumcampognóstico

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9 · A FORÇA DE AÇÃO DA GNOSIS NO MUNDO

não gera nenhuma força natural, mas libera aforça que sai da semente espiritual no homem.Enquanto isso, é perfeitamente possível que eletome consciência da existência deumcampognós ­tico, mas com a condição de que ele aí penetresem nenhum preconceito e com intenso desejo,para descobrir e perceber a fonte deste campo.“Sempreconceito”, é evidente,não signi�ca “semreflexão” e sem exame pessoal, mas implica umareflexão e um exame independentes de critériosconvencionais, com o coração aberto e receptivo.

Uma profunda transformação e renovaçãoQuando aGnosis vai ao encontro de um ser hu ­mano, desenvolvem-se idéias e influxos que trans ­formam de forma radical a vida comum desseser. Por suas próprias experiências, o buscador jáatingiu o ponto de compreender a necessidadede uma transformação como esta e a aceita detodo o coração. Assim, ele começa a seguir o ca­minho de libertação, e é a verdade que o guia nasenda da Luz, por um processo de transformaçãoe de regeneração fundamentais, capaz de liber­tar a alma imortal.O exemplo que se segue semdúvida esclarecerá esse processo: um ímã é envol­vido por um campo magnético; em seu interiorse encontra um �o de cobre isolado, formandouma curva; ele se mantém imóvel.Nesse �o nãocircula nenhuma corrente e nada acontece.Mas,se mexermos nele uma corrente é induzida e aí semanifesta, produzindo seu próprio campo mag­nético em interação com o campo-mãe. O mo ­vimento do �o gera um movimento dentro do

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�o. Essa imagem mostra a ação de um campoeletromagnético em geral e do campo gnóstico,em particular: o que penetra neste campo semdele tomar parte não se transforma. Quem aípenetra e participa de seumovimento sofre trans ­formação.Não há interação entre um ser inativoe o campo que o contém.O ser nem sequer per­cebe o campo.Mas, se o ser começa a agir e seumovimento se sintoniza com a força, ele passa aparticipar dessa nova vida.Comportar-se em con ­formidade com aGnosis signi�ca libertar-se dasexigências da antiga natureza e dar prioridade àvida gnóstica.Pensamento, sentimento e ação ori­entam-se sem nenhum constrangimento rumoao objetivo gnóstico.

É assimqueo¯amadodaGnosis ecoanomundo.É um grande privilégio, em nossa época, poderfalar daGnosis,mas em especial de receber suaforça para a renovação da vida.A eternidade des ­ceu no tempo. Passo a passo o aluno sério podeaproximar-se dela e aí adentrar. Pela porta abertado campo intermediário de uma escola espiritual,o toque da Gnosis torna-se uma experiência vi­vida.O amor divino conduz o candidato à com­preensão e, caso ele reaja de maneira correta, con ­duz também a uma transformação fundamental.

A verdade sobre o gnosticismoTodos os preconceitos em relação à vida gnósticasão causados pelo erro de acreditar que o homembiológico seria um homem original que perdeuo rumo. A Gnosis volta-se para o que subsiste

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do homem divino, oculto e como adormecidodentro do ser humano atual. É por isso que osgnósticos não falam das experiências do ser ex­terior no mundo exterior, mas de experiênciasinteriores, espirituais, nomundo do Espírito.Osprocessos gnósticos não são invenções mentais,mas referem-se ao despertar, ao crescimento e àmaturidade do homem espiritual, oculto comoum deus adormecido dentro do homem naturale que perdeu seus poderes por muitas razões.

Se esse princípio divino tem a ocasião de desper­tar, então ele se torna pouco a pouco conscientede provir do Espírito divino, de ser um pensa­mento concebido, um dia, pelo Pai de todas ascoisas. Ele percebe sua própria estrutura e suaspróprias forças, semelhantes à estrutura e às for­ças doEspíritoquepenetra omundo.Ele se tornaconsciente dessa verdade.

O homem gnóstico reconhece, em si mesmo efora de si, que há dois mundos: ummundo inte­rior e outro exterior.Nomundo exterior vive ohomem exterior com seu saber, suas crenças e suamaneira de agir,dependendodas leis daNatureza.Nomundo do Espírito vive o homem espiritual,o homem interior.O homem exterior, com todasas suas criações, émortal; o homem espiritual éimortal.

A senda gnóstica explica este dualismoQuando um gnóstico fala do bem, ele está vi­sando o mundo do Espírito imperecível. Para ele,

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o mundo mortal e terrestre é uma prisão, poisimpede o crescimento do Espírito dentro dele.A vida perecível sempre tenta impor suas leis aohomem espiritual. É por isso que o homem gnós­tico considera a vida terrestre como “má”, poisela encobre e obscurece a vida espiritual. Ela lheparece “má”, tanto no bem quanto no mal terres ­tres, pois tanto o bemquanto omal são correntesque mantêm a alma aprisionada, longe do Bemabsoluto. Portanto, para o gnóstico, o mundo pe ­recível é dualista.O bem opõe-se ao mal. Entre oBem absoluto do Espírito e o bem do mundo du­alista, não há oposição: não pode haver nenhumdualismo entre o absoluto e o relativo. O dua­lismo existe apenas entre dois pólos de naturezasemelhante, portanto, no esquema do mundorelativo.

Para o gnóstico, não existem dois princípios ab ­solutos do bem e do mal, como se fossem inimi­gos um do outro desde a origem dos tempos.Omundo espiritual é o Bem absoluto. É a unidadeda árvore da Vida. O mal absoluto não existe.Quando o homem vai ao encontro da unidade,ele cria a dualidade da árvore do conhecimentodo bem e do mal relativos. A consciência destapolaridade permite que ele escape disto e retorneao Bem absoluto. No Evangelho de Filipe estáescrito:

“Neste mundo, a luz e as trevas,a vida e a morte,a esquerda e a direita

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são irmãs gêmeas…O que for libertado do mundoserá incorruptível,será eterno.”

A senda gnóstica representada de forma simbólicaO gnóstico não considera o Novo Testamentoacima de tudo uma narração histórica. Para ele,todas as situações e todos os acontecimentos têm,em especial, um signi�cado simbólico.Como elesente seu corpo natural como uma prisão e umobstáculo, ele se esforça para libertar-se das in­fluências deste corpo, que não é um instrumentoapropriado para o Espírito.Quando o homem es­piritual desperta e volta à vida, o gnóstico formapara si, de forma concreta, um novo corpo, paraque ele possa servir de intermediário entre a vidamortal e a imortal.

Este processo é descrito de modo muito deta­lhado no Novo Testamento. Jesus demoliu demaneira consciente o antigo templo de seu corpoterrestre e construiu um novo templo no qual oEspírito pudesse habitar. É por isso que os gnósti­cos diziamque o corpo de Jesus não estavamortona cruz.

Com isso eles queriamdizerque o corpo terrestrede Jesus não era seu verdadeiro corpo, aquele quecorrespondia a seu ser interior. Seu verdadeirocorpo é o corpo da ressurreição, o corpo que ven ­ceu a morte. Sobre esse ponto, os gnósticos sem ­pre forammal compreendidos.Pensava-se (como

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ainda se pensa) que eles diziam que Jesus tinhaum corpo aparente e não um corpo de carne esangue. Mas para o gnóstico, esse ponto não éimportante. Para ele, Jesus é o homem de luz,o símbolo do ser que se doa por completo aosoutros na senda da libertação interior.

Jesus “tomou a formade servo”, conformeaEspís ­tola aos Filipenses 2:7.Apesar de viver nomundoespiritual, ele nasceu no mundo perecível, ondecumpriu sua tarefa num corpo terrestre. Em suavida cotidianamostrou aos homens de seu tempocomoempreenderoprocessode libertação e comorealizá-lo.

No fundo, o corpo terrestre não é o verdadeirocorpo do homem, mas apenas uma aparência,pois o homem verdadeiro é o homem espiritual,e para o homem espiritual o corpo terrestre nãoé sua morada eterna.

Senda gnóstica e asceseOs gnósticos sempre foram censurados por nãose interessarem por outra coisa a não ser sua pró­pria libertação e por quererem fugir do mundo.Não é Jesus quem diz: “Quem não aborrece omundo não pode ser meu discípulo”?

Ora, quando o homemnatural ama omundo e seconsagra a seu próximo, isso não o liberta, nem li­berta o mundo, nem liberta seu próximo.Quemquiser ser um discípulo de Jesus e segui-lo com ­preenderá que deve começar por romper todas

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as suas ligações com a natureza antes de poderter a revelação da verdade.Deve também perdera ilusão de que o humanitarismo pode libertaro mundo e a humanidade. Sem dúvida ele devecumprir seus deveres de modo direito e correto,mas sem que eles o desviem da verdade.

Se dentro dele todos esses obstáculos forem ani­quilados e aí começar a agir o amor divino, entãopoderá ser estabelecida uma relação completa­mente diferente comanatureza, pois ele conhecea única base sobre a qual se desenvolve o verda ­deiro e libertador amor ao próximo. Aos olhosdos que fazem tudoparamelhorar a vida terrestre,esse comportamento gnóstico pode com facili­dade parecer anti-social e uma fuga do mundo.Noentanto,o inverso é verdadeiro:quemsedeixaguiar pelo amor divino vê o mundo e suas cria­turas aprisionadas na ignorância e nas trevas.O“Deus dentro dele” ama o mundo, não para ser­vir aos interesses do mundo,mas para fazer quetudo o que é divino neste mundo possa voltar aDeus.

Dessa forma, o gnóstico é uma prova viva daspalavras do Evangelho de João:

“Porque Deus amou o mundo de tal maneiraque deu o seu Filho unigênito, para que todoaquele que nele crê não pereça,mas tenha a vidaeterna.”27

João 3:16.27

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O homem projeta no exterioro aperfeiçoamento de seu serao estabelecer novas estruturassociais sem querer mudarfundamentalmente a si mesmo.

Muitos têm a tendência de relacionar a “Gnosis”com a ideologia de certos movimentos políticoscomo o fascismo ou o comunismo. Esse é umterrível erro ao qual estão sujeitos numerososteóricos da ciência política. De onde vem esseequívoco?

A Gnosis é conhecimento, no sentido de umdesenvolvimento da consciência.O gnóstico é al­guémque, animado por umdesejo libertador, tor­nou-se consciente de que o mundo do Espíritoestá oculto em seu mais profundo ser. A condi­ção para¯egar a essa consciência é renunciar aoegocentrismo, superá-lo.O egocentrismo age emdois planos: no plano do consciente e no planodo subconsciente da personalidade natural, onde

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as forças podem agir com tamanha violência quesuprimem toda autonomia de julgamento e deatos.

O desenvolvimento da consciência gnóstica impõecondiçõesExiste a consciência do mundo espiritual e a re­alização do desejo de união com Deus apenasse escapamos dos instintos egocêntricos da per­sonalidade natural. Todavia, é preciso tambémfazer desaparecer as tendências que agem no in­consciente, tendências que perturbam a autono­mia:megalomania, dei�cação do eu, desejo de po­der, bebedeira, exaltação e idéias quiméricas quemaltratam, por exemplo, nos estados psicóticos.

Essas tendências não podem ser de fato supera­das a não ser graças às forças domundo espiritual.Por esse motivo aGnosis não é apenas um desen­volvimento da consciência do mundo espiritualno desejo de unir-se a ela,mas também a própriacondição desse desenvolvimento: vencer o ego ­centrismo que se apresenta como uma idolatriaparanóica de sua própria pessoa.

Pode acontecer que, no desejo de se unir ao Es ­pírito, a rejeição ao egocentrismo seja negligenci­ada e se queira penetrar no mundo do Espíritocom o eu assim limitado. Pode acontecer tam ­bém que se renuncie ao eu limitado, porém apro ­veitando-se das forças do inconsciente. Nessecaso, as poderosas forças do inconsciente subs­tituem o mundo do Espírito.Assim, cai-se sob a

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influência das tendências à dei�cação pessoal, àexaltação, às ilusões, sempre acreditando ter en­trado no mundo do Espírito.Ora, nada émenosverdadeiro.

Outra condição do desenvolvimento da consci­ência do mundo do Espírito é o conhecimentode que ele tem necessariamente suas próprias leis.O mundo dos sentidos e o mundo das forçasdo subconsciente estão submetidos a outras leise assim jamais podem participar do mundo doEspírito ou lhe serem comparáveis. Eles podem,no máximo, ser um reflexo dele. Se o mundo doEspírito tomasse forma no interior dos homens,então os homens poderiam dar ao mundo exte­rior uma forma concordante com seu mundointerior. Muitas pessoas, entretanto, muito de­sejosas de se unir ao mundo do Espírito, negli­genciam esta exigência essencial: que essa uniãodeve tomar forma neles. Em sua impaciência, elasprojetam as leis do mundo do Espírito sobre omundo exterior, esforçando-se para submetê-losà sua conveniência.

Fundamento das ideologias políticasOs dois fundamentos das ideologias políticas são,primeiro: confundir a megalomania e a dei�ca­ção pessoal com o mundo do Espírito; segundo:projetar o desejo do mundo do Espírito sobre omundo exterior.O homem imagina ser o mestrede seu destino e do mundo, ele imagina ser umdeus, sem compreender que a satisfação de seusdesejos apenas seria possível se ele rejeitasse essa

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tendência de considerar-se como um deus. E noseu desejo do mundo do Espírito, ele elabora es­truturas sociais mundiais que corresponderiamà liberdade, à igualdade e ao amor,mas que ape­nas podem realizar-se no mundo do Espírito.Anecessidade de verdade, de justiça e de liberdadesubjacentes a essas concepções da sociedade é legí­tima. Essa necessidade provém do verdadeiro serque deseja expandir-se.Mas quando as condiçõesinteriores necessárias não são respeitadas, qual­quer tentativa para estabelecer tais regras sociaismalogram.

Ora, os criadores desses modelos e os executo ­res que desejam sua realização concreta em geralnegligenciam essas condições. Em lugar de desen ­volver interiormente o ser verdadeiro de cadaum, o que permitiria a umaordemexterior corres ­pondente estabelecer-se, eles acreditam que umasimples mudança da situação responderá à suaprofunda aspiração. Eles projetam o aperfeiçoa ­mento do verdadeiro ser para o exterior, estabe ­lecendo novas estruturas sociais.Ora, visto queos seres humanos não se modi�cam a simesmos,não têmcapacidade nem vontade de viver de fatosegundo as novas estruturas sociais ideais, elestentam forçar sua forma de agir pela persuasãoou pela violência.Assim são os sistemas totalitá­rios. No entanto, não é de maneira deliberadae menos ainda mediante violência que se podesatisfazer as condições imperativas da consciên­cia. Essa evolução apenas é possível em completaliberdade.

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Projeção do homem terrestreEssa base teórica permite compreender bem ossistemas ideológicos totalitários do passado.Nãosão as injustiças sociais, o enfraquecimento da ci­ência e da política que explicam principalmenteos sistemas como o fascismo ou o comunismo.

A pobreza e a falta de liberdade, a incerteza so ­cial e os ressentimentos nacionais sem dúvidativeram um grande papel em seu surgimento efornecerammuita energia psíquica para seu cres­cimento.

Na realidade, é o desejo de alcançar a verdadeiradimensão do ser humano que constitui a razãodeterminante dessas ideologias. Esse desejo se­cular explica a força de impulso e a abnegaçãototal desses homens, nem perversos nemmalva­dos,mas, pelo contrário, particularmente bons,que cada vez sustentaram esses movimentos emsua origem.

Apesar disso seus sistemas acabam sempre acarre ­tando desvios e amá aplicação da intenção inicial.Apenas o novo homem, o homem espiritual ver­dadeiro, é que tem o poder de desenvolver-senas estruturas e forças do Espírito, enquanto quetodo egocentrismo e toda esperança de ver surgirum paraíso no mundo material desapareceram.

Ao inverso, os sistemas totalitários se esforçampara constituir “novas sociedades” com “novoshomens”,mas apenas com os homens antigos, os

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homens terrestres, e num raio de ação domundoterrestre!

Eles organizamuma comunidade�xada nos bensterrestres, que é a imitação de “uma comunidadeespiritual de homens viventes do Espírito”.Umdesses sistemas prevê a unidade absoluta de sereshumanos formando uma “comunidade de raça ede sangue”, portanto, biologicamente semelhan­tes. Outro quer cumprir a justiça, a liberdadee a igualdade absolutas de uma “sociedade semclasses” graças às condições sociais elaboradas deforma cientí�ca.

Os sistemas totalitários identi�cam uma comu ­nidade de homens �xados nesta terra com umacomunidade de homens que vivem das leis e dasforças espirituais. Numa “comunidade de raça ede sangue” de natureza biológica esse “novohomem” é o homem de uma raça pura que segueseus puros instintos naturais, exteriormente “mi­litante” e interiormente “irmão racial”. Numa“sociedade sem classes” ligada de forma sócio ­-econômica o novo homem é o livre “prole­tário” que, solidário com os proletários de to ­dos os países, dirige de forma justa os meios deprodução.

Essas projeções desenvolvem uma força inauditaporque ela é alimentada pelo desejo inato do ver­dadeiro ser e de uma comunidade com o Espí­rito. Elas conduzem necessariamente ao naufrá­gio,pois o homemcentralizadonesta terra jamais

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poderá tornar-se um novo homem, e muito me ­nos ainda uma comunidade de homens terrestrespoderá formar uma nova comunidade.

Os sistemas que não seguem o caminhoda Gnosis não são gnósticosQue resta da idéia sobre as ideologias políticasde “origem gnóstica”? A raiz profunda da açãohumana é o desejo do retorno do homem espiri­tual à sua pátria, o mundo espiritual. Em certosentido as ideologias são “gnósticas devido ao pro­fundo desejo de seus autores.Mas então todas asreligiões assim como as ciências, a �loso�a e aarte seriam “gnósticas”! Entretanto, a união dohomem comDeus apenas é possível seguindo-seum caminho preciso e bem de�nido, com condi­ções muito determinadas: o egocentrismo deveser rejeitado tanto no plano da consciência pes­soal como nos domínios do subconsciente. Osdesejos não podem ser realizados tendo em vistaque a mudança do comportamento exterior ape ­nas acontece após uma profunda transformaçãointerior.

Portanto, se aGnosis temcomo�nalidade auniãocom o Espírito, suas exigências absolutas são oúnico caminho para se¯egar a essa união. Ossistemas que ignoram esse caminho não podem,pois, ser considerados como gnósticos. Ao con­trário, eles são agnósticos pelo fato de que a dei�­caçãodohomem terrestre e a projeçãodomundoespiritualnumparaíso sobre a terra obstaculizamjusto as experiências gnósticas.

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Contudo, é preciso alcançar a realização do ver­dadeiro homem e de uma comunidade que sejaa expressão disso. Essa missão é sempre a missãoda humanidade, mesmo que ela a compreendamal e se esforce para isso de maneira errônea epor falsos meios.O fato de as tentativas ideológi­cas terem sofrido insucessos fundamentais e de amissão pessoal dos seres humanos estar aparente ­mente desacreditada não signifa que essa missãofoi rejeitada ou mesmo negada.Devemos, antesde tudo, descobrir como realizá-la. E as tentati­vas frustradas mostram de forma clara a maneiracomo ela não pode ser realizada.

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NoTrigonum Igneum revela-seo Logos Tríplice, os três sonsprimordiais do Amor divino,da razão divina,da atividade divina.

Tudo o que o homem percebe é para ele verdade.A natureza dessa verdade, sua relatividade ou suaperfeição, depende da qualidade de seu poder depercepção. Esse poder está ligado a um sistemasensorial determinado. Se ele percebe o centroabsoluto doUniverso, oDeus supremo que tudoengloba, o sol espiritual central, isto signi�ca queele possui a compreensão superior e a verdadeuniversal.

Essa verdade original, ouGnosis, resulta da per­cepçãodadivindadeperfeita; éo reconhecimentodo Espírito universal nos santuários interioresdo coração e da cabeça. Para receber a Gnosis,perceber o Espírito universal, é preciso possuirum princípio interior capaz de admitir essas ra­diações, um princípio maravilhoso que permite

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perceber que oDeus supremo se encontra poten ­cialmente presente em cada ser humano.

AEscolaEspiritualdaRosacruzÁurea denominarosa-do-coração ou átomo-centelha-do-espírito aesse princípio apto a captar os raios do sol espiri­tual sob uma forma atenuada e transmiti-los, emseguida, ao sangue e ao fluido nervoso.Na cabeçase encontra a pineal, órgão tambémdenominadojóiano lótusou olho divino, órgão capaz de refletirna consciência, pela palavra, as radiações do solespiritual recebidas no coração, a �mde perceberde forma consciente a verdade universal.

O gnóstico, testemunha do sol espiritualO ser humano está assim capacitado, pela ativi­dade interior conjunta da cabeça e do coração, areceber as sete radiações da luz e do som emitidaspelo Espírito universal e a percebê-las com suaconsciência.Quem é capaz de alcançar e experi­mentar a luz e a força do sol espiritual graças aoprincípio da alma-espírito conhece aGnosis. Éumgnóstico.E,nele, o princípio da alma-espíritotestemunha dessa elevada realidade divina. Ele écapaz de transformar as vibrações recebidas daluz e do somespirituais em símbolos, escritos e pa­lavras que são também testemunhos do Espíritoeterno que quer revelar-se à humanidade.

A Luz brilha nas trevasOs poderes sensoriais do homem da naturezasão limitados e incapazes de perceber o Espíritouniversal. Entretanto, a vontade divina quer se

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manifestar em cada cosmo e microcosmo.O co ­ração eterno do Pai-Mãe macrocósmico desejailuminar o coração de cada cosmo e microcosmoa �m de ser reconhecido como Deus eterno esol espiritual central da manifestação universal.Para que essa percepção e esse reconhecimentoaconteçam na criatura, essa força se oferece soba forma deVerbo vivente, de Logos prisioneirono interior dos seres humanos.O sol espiritualque engloba tudo é também o centro do macro ­cosmo,mas é, ao mesmo tempo, o princípio deluz central de cada microcosmo.

“Vos estais em mim e eu estou em vós”, diz oEspírito. Assim, o coração do Pai-Mãe, o cora­ção do solmacrocósmico, vibra no microcosmocomo um sol espiritual latente: é o Filho deDeuspresente no coração de cada um. O próprio Fi­lho se oferece.O sol espiritual permite que seusraios sublimes sejam contidos nos símbolos e ima­gens verbais limitadas dos homens terrestres a�m de que eles percebam e compreendam a ver­dade. Sempre houve testemunhas de que o co ­nhecimento do Espírito universal se adapta àconsciência humana e se exprime por palavras eatos.O Espírito universal, o sol espiritual, nuncacessou de enviar seus impulsos ao campo de vidahumano e de adaptar-se à consciência humana a�mde encaminhar todos os povos para a verdade.

A verdade é como um cristal com mil facesEm todos os tempos os microcosmos receberamradiações do sol espiritual e os traduziram em

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palavras e em atos, que são domesmomodo teste ­munhas para as raças e os povos que, emdadomo ­mento, tiveramnecessidade de umnovo impulsoda verdade divina.

Esses impulsos do Espírito universalmanifesta­ram-se de muitas formas, por expressões e símbo ­los em todas as religiões do mundo assim comonos escritos sagrados e mitos, passados e presen­tes. EmO Evangelho dos doze santos é dito:

“A verdade única temmuitas faces, e uns só vêemum lado, enquanto outros só vêem o outro lado,e algumas pessoas vêemmais do que outras, con­forme lhes é dado ver. Vede este cristal: assimcomo uma só luz se revela por doze faces; sim, emquatro vezes doze, e cada face, por sua vez, refleteum raio da luz, uns percebem uma face, outrosvêem outra, porém o cristal é um só e tambémuma só a luz que ele irradia em todas […]Deusvos concede toda a verdade à semelhança de umaescada com muitos degraus, para a salvação e aperfeição da alma, e a verdade de hoje vós a aban ­donareis pela verdade mais elevada de amanhã.Esforçai-vos, pois, pela perfeição.”28

Eu sou a luz do mundoLogo no início do cristianismo ocidental, desig ­nou-se o conhecimentodoEspíritouniversalpelapalavra grega gnosis. Numerosos foram os que,

O Evangelho dos doze santos. São Paulo: Lectorium Rosi­28crucianum, 1985.

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pela abertura da alma, se tornaram receptivos àluz domundo, e que testemunharam, como gnós ­ticos, da força do Espírito Santo e do Espíritouniversal através do Filho, Jesus Cristo. Para eles,Jesus era o protótipo do homem que recebeu e re ­conheceu o Espírito eterno nomais profundo deseu ser, e que a ele se uniu pela força do EspíritoSanto.

Quando Jesus revela o Pai para a humanidadee diz: “Eu sou a luz do mundo”, ou: “Eu sou ocaminho, a verdade e a vida”, é certo que esse tes ­temunho não é o de um personagem histórico.Por toda parte onde o Espírito Santo, o Conso ­lador, o Paracleto, inflama o coração, a luz domundo se transmite para a humanidade.

Todavia, quando o coração não está preparadopara se inflamar porque o princípio da alma-espí­rito ainda está latente, ele percebe a luzdomundosob a forma de uma autoridade, e Deus comouma pessoa.O conhecimento direto deDeus, aGnosis, é então compreendido de maneira errô­nea.

A verdade suprema do sol universal, que no ho­mem se tornou carne e sangue e se oferece à hu ­manidade pormeio doVerbo vivente, não é, por­tanto, percebida. Os homens em quem a almaespiritual ainda não despertou querem não umDeus espiritual,mas um deus perceptível aos sen­tidos, uma autoridade personi�cada, a quem obe ­decer e diante de quem ajoelhar-se de maneira

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respeitosa.Assim, os testemunhos dos gnósticosforam, em geral, interpretados como dogmas ecomo culto a um deus personi�cado.

Daí resulta que a verdade é cruci�cada no ho­mem, e isso a cada instante. A luz do Espíritofoi sem cessar despojada da alma.

Os três princípios da percepçãoA Gnosis fala de três estados fundamentais daconsciência. Em Os mistérios gnósticos da PistisSophia,29 Jan van Rij¨enborgh diz:

“Os antigos gnósticos reconheciam três tipos dehomem: os pneumáticos, os psíquicos e os híli­cos.”

Os “pneumáticos” sãoos que,por reconhecimentointerior consciente, acorrem direto para a luz deCristo quando ela aparece à sua consciência, eque dela se apoderam de imediato. Trata-se aquido tipo do homem em quem a rosa áurea flores­ceu, ou ao menos está prestes a desabro¯ar. É ohomem em quem a janela da alma se abre, de talforma que a plenitude gnóstica vem preen¯er oespaço vazio.

Dos “psíquicos” é dito que apenas podem crerna luz da libertação, eles apenas a vêem de longe.A janela de sua alma está ainda completamente

Rij¨enborgh, J. v., Os mistérios gnósticos da Pistis Sophia.29Jarinu: Editora Rosacruz, 2007.

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fe¯ada, e é por isso que é preciso explicar-lhes amanifestação da luz e sua atividade. É preciso tra ­duzir-lhes a palavra dos céus para que compreen ­dam alguma coisa.Mas eles têm tambéma crençainterior. Isto é possível porque a rosa de seu cora ­ção está ativa.Graças a essa rosa branca ativa, osraios gnósticos os tocam e engendram um estadoque permite adquirir a fé pura e verdadeira naGnosis.

Os “hílicos” são completamente insensíveis: trata ­-se do tipo de homem natural em completa sinto­nia com a natureza. Eles não vivem da luz,masde uma força liberada pela reação em cadeia dosprocessos vitais. Neles a rosa-do-coração, se apossuem, não está ativa.AGnosis nunca foi per­cebida por esse gênero de homens, por isso nãopodem ser tocados por ela. Eles permanecem porfora de toda intervenção gnóstica, e aliás não adesejam de forma alguma.

O pneumático é o homem que faz os princípioshílico e psíquico dentro dele dependerem porcompleto da alma-espírito.Quando o princípiopneumático já não se deixa influenciar de formanegativa, mas abre-se ao auto-conhecimento eao desejo de salvação, então ele está em estado dereceber o pneuma (o sopro do Espírito).

Àmedida em que os órgãos hílico e psíquico jánão constituem entrave,mas se colocam para ser­vir, submetendo-se de maneira voluntária, entãoo coração pode inalar o sopro do Espírito. Este

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penetra na cabeça até a pineal, o que introduztoda uma série de novas correntes no fogo ser­pentino. Pela penetração do pneuma realiza-se,em sete fases, o prodigioso processo alquímicoda trans�guração. Se essa nova corrente de forçaspneumáticas se estabiliza sem outra intervençãodos órgãos hílico e psíquico no sistema, então ocírculo de fogo da pineal abre-se de imediato àsradiações do pneuma, e o novo sistema sensorialpneumático aparece: a consciência da alma-es­pírito. O homem-alma-espírito, à semelhançade Jesus, reconheceDeus, o Pai, em si como elemesmo é conhecido por Deus, o Pai. A consci­ência da alma-espírito pode então fazer que elepronuncie as palavras: “o Pai-Mãe eterno e eusomos um”.

Apenas quem é imortal pode perceber o imortalNesse sentido é dito no Evangelho de Filipe:

“Ninguém pode perceber o imperecível sem serele mesmo imperecível.Não acontece a mesmacoisa com a verdade no mundo, onde o homemvê o sol sem ser ele mesmo o sol, onde ele vê océu, a terra e outros, sem ser ele mesmo céu, terraou outros.Mas no reino da verdade, se vedes al­guma coisa da verdade, vós sois a verdade. Vedeso Espírito, e sois vós mesmo o Espírito. VedesCristo, sois Cristo; vedes o Pai, sois o Pai.Aquineste mundo vedes todas as coisas deste mundo,mas não a vós mesmos. No outro reino, entre­tanto, vereis a vós mesmos pois apenas vereis oque sois.”20

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AGnosis da trindade divinaDeus é a mais elevada razão, o amormais puro,a vontade inviolável.A tríade original harmoni­osa do Pai, do Filho e do Espírito Santo é umalei eterna do Espírito.O Pai é a fonte original, osol espiritual do macrocosmo, de onde procedetoda a vida.O Filho é o Verbo vivente de Cristo,que inflama no homem a compreensão divina eo transpassa como uma espada em seu mundodespojado do Espírito, para guiá-lo ao Espírito.O Espírito Santo é o pneuma, a força espiritualvivente que realiza a verdadeira vida no ser hu ­mano.

Para que esse tríplice som primordial da lei espiri­tual eterna seja vivi�cado nele, é preciso que seumental, sua afetividade e sua atividade dialéticasaprendama fazer silêncio, a servir e a submeter-se.É preciso que ele nasça emDeus,morra em Jesus erenasça pelo Espírito Santo, a �m de formar umanova trindade perfeita. Essa trindade irradia, en­tão, como um triângulo de fogo: é o TrigonumIgneum, no qual se revela o Logos tríplice, o somtríplice original do amor divino, da razão divinae da atividade divina.

A imperfeição, as forças ímpias, é característicado mundo terrestre, pois falta o terceiro pólona consciência hílica e psíquica. Falta o ápice dotriângulo: a ligação consciente com oAbsolutodivino.Ora, é precisamente com a �nalidade dea humanidade adquirir esse terceiro pólo que épreciso despertá-la.Apenas quando o princípio

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GNOSIS, RELIGIÃO INTERIOR

pneumático despertar no homem e se expandirde forma livre, como um botão de rosa na auroramatinal, é que se poderá falar de libertação pormeio de Cristo. Então, a mais elevada dimensãouniversal, a consciência crística libertadora, seoferecerá ao homem na sua trindade.

Esse dom é o carisma dos gnósticos (a graça), quese uniu ao ágape (o amor sem egoísmo) e à sophia(a sabedoria divina) a �mde que o tríplice som sa­grado dessas forças permita ao microcosmo, à se­melhança do macrocosmo, realizar o verdadeirodesígnio da criação.

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IMPRESSO PELA GEOGRÁFICA

A PEDIDO DA EDITORA ROSACRUZ EM FEVEREIRO DE 2007