Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

download Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

of 16

description

Primeiro Capítulo

Transcript of Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    1/16

    MARIA DA GLORIA GOHN

    TE OR /A S D O SM OV IM EN fO S SO CIA lS

    Peredlgmes c/assicose contemporaneos

    Data: .t s:

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    2/16

    AS TEOR IAS CLAsS ICASSOBRE AS A~6ES COLET IVAS

    A abordagem classica sobre osmovimentos sociais nas cien-cias sociais norte-americanas esta associada ao pr6prio desen-volvimento inicial da sociologianaquele pais. Embora ela tenhaultrapassado suas fronteiras, e seus autores nao sejam de nacio-nalidade exclusivamente americana, foi nos Estados Unidos queela mais se desenvolveu, tendo hegemonia neste pais por variasdecadas e de la se espalhando para outros paises. A importanciade seu estudo nos dias atuais tern dois motivos: como memoriahist6rica das primeiras teorias dos movimentos sociais e acoescoletivas; e como busca das referencias e matrizes te6ricas devaries conceitosque estao sendo retomados nos anos 90 pelopro-prio paradigma norte-americano.

    Existe certo consenso em considerar 0periododa abordagemclassica como aquele que predominou ate as anos 60 deste se-culo.Ela nao foihornogenea, houve diferentes enfases, 0 que nosleva a considerar cinco grandes linhas, e suas caracteristicascomuns sao: 0 micleo articulador das analises e a teoria da acaosocial, e a busca de cornpreensao dos comportamentos coletivose nela a meta principal Estes comportamentos, par sua vez,eram analisados segundo urn enfoque sociopsicologico.Aenfasena acao institucional, contraposta a nao-institucional, tarnbemera uma preccupacao prioritaria e urn denominador que dividiaas dois tipos basicos de acao: a do comportamento coletivo insti-

    23

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    3/16

    24 o paradigma norte-americana As teorias cldssicas sobre as aedes coletiuas 25

    Os autores classicos analisavam os movimentos em terrnosde ciclos evolutivos em que seu surgimento, crescirnento e propa-gacao ocorriam por intermedio de urn processo de cornunicacaoque abrangia contatos, rumores, reacoes circulares, difusao dasideias etc. A ls insatisfacoes que geravam as reivindicacoes eramvistas como respostas as rapidas mudancas sociais e a desorgani-zagao social subsequente. A adesao aos movimentos seriam res-pastas cegas e irracionais de indivfduos desorientados peld proces-so de mudanca que a sociedade industrial gerava. Nessas aborda-gens dava-se, portanto, grande importancia a reacao psicol6gicados individuos diante das mudancas, reacao considerada comocomportamento nao-racional au irracional .

    Assim, as comportamentos coletivos eram considerados pelaabordagem tradicional norte-americana como fruto de tens6essociais ..A ideia da anomia social estava sempre muito presente,assim como explicacoes centradas nas reacoes psicologicas asfrustracfies e aos rnedos, enos mccanismos de quebra da ordcrnsocial vigente. Estes elementos, aliados as ideologias homoge-neizadoras, eram precondicoes importantes para a emergenciados movimentos sociais. 0 sistema politico era vista como umasociedade aberta a todos, plural, perrneavel. Mas os movimentossociais nao teriam a capacidade de influenciar aquele sistemadevido a suas caracterfsticas espontaneas e explosivas ..Semen-te os partidos politicos, os grupos de interesses e alguns lideresteriam tal capacidade. Cohen e Arato destacam que a abordagemclassica trabalhava com uma concepcao de democracia elitistae pluralista em que se observam: eleicoes livres, competicao e

    participacao ativa de minorias por meio de partidos e grupos deinteresses. Toda acao coletiva extra-institucional, motivada porfortes erencas ideologicas, parecia ser antidernocratica e amea-cadora para 0 consenso que deveria existir na sociedade civil.

    Podemos dividir em cinco grandes correntes te6ricas a abor-dagem classica sobre a acao coletiva, e em tres delas os movi-mentos sociais sao especificados, Embora apoiada em variesestudos anteriores, sabemos das dificuldades que toda classifi-cacao envolve. Buscamos apenas sistematizar a producao ante-rior. Observamos que nas primeiras fases do periodo classiconorte-americana encantramos varios trabalhos sabre as "accescoletivas": Zald (1988), Tilly (1983), Tarrow (1994), entre ou-tros. Mas eles nao se referern aquelas acoes em termos de "mo-vimentos sociais". Assim, as cinco grandes correntes que lista-remos a seguir foram agrupadas por nos; a tres delas chama-mas teorias dos movimentos socials; as outras duas, acoes cole-tivas, porque seus formuladores, originalmente, assim as carac-terizaram. Elas sao:1 - A Escola de Chicago e alguns interacionistas simboli-

    cos do inicio deste seculo. Como urn dos produtos destacorrente temos a primeira teoria sobre as movimentossociais, no trabalho de Herbert Blumer (1949).

    2- A segunda corrente desenvolveu-se ao longo dos anos40 e 50, com as teorias sabre a sociedade de massas deEric Fromm (1941), Hoffer (1951) - tambern militantede movimento social - e K Kornhauser (1959). Esteultimo excrceu forte influencia sabre algumas produ-r;6es posteriores; ele caracterizava os movimentos comoformas irracionais de comportamento e os consideravaantimodernos.

    3 - A terceira corrente predominou nos anos 50 com urnforte acento em variaveis politicas e esta presente nostrabalhos de S. Lipset (1950) e Heberle (1951). Ela ar-ticulava as classes e relacces sociais de producao nabusca do entendimento tanto dos movimentos revolucio-narios como da mobilizacao part idaria, do comportamen-to diante do voto e do poder politico dos diferentes gru-

    tucicnal e a do nao-institucional. A acao nao-institucional eradefinida como aquela nao guiada por normas sociais existentesmas form ada pelo encontro de situacoes indefinidas ou deses-truturadas, entendidas como que bras da ordem vigente. Estesprocessos ocorreriam antes que as orgaos de controle social, oude integracao nonnativa adequada, atuassern, restaurando a OT-dern antiga ou criandouma nova, que absorveria os reclamoscontidos nas agitacoes coletivas. Durante todo 0 processo 0 quese observava eram tens5es, descontentarnentos, frustracoes eagress6es dos individuos que participavam das acoes coletivas(v, Cohen/Arato, 1992: 495).

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    4/16

    26 o paradigma norteamericanopos e classes sociais. Ela gerou a segunda grande teoriaespeclfica sabre as movimentos sociais, expressa nostrabalhos de Heberle.

    4 - A quarta corrente foi uma combinacao das teorias daEscola de Chicago com a teoria da acao social de Parsonse se fez presente nos trabalhos de Goffman (1959),Turner e Killian (1957), N. Smelser (1962) e DavidAberle (1966). Eles analisaram ,desde formas elemen-tares de cornportamento coletivo ate a construcao dasacoes coletivas em grande escala, retomando 0 approachpsicossocial e deixando de lade os vinculos entre asestruturas e a politica, tao caros a corrente anterior. Aterceira grande teoria sobre os movimentos sociais naabordagem dos classicos decorre dcsta corrcntc, nostruhul hus tIl' SIlH.:' I"wr.

    5 - A quinta e ultima corrente da abordagcm classica, de-nominada organizacional-inst itucional, esta represen-tada pelos trabalhos de Gusfield (1955) e Selzinick(1952). Teve grande influencia nas teorias que substi-tuiram 0 paradigma classico, mas nao gerou, em suaepoca, nenhuma teoria especffica sobre as movimentossociais. Nos anos 90 foi retomada por alguns pes qui-sadores dos movimentos sociais, entre eles 0 pr6prioGusfield.

    Observa-se que 0 recorte feito entre as diferentes correntesnao e temporal, pois as teorias coexistiram no tempo, mas foiconstruido segundo as enfases principais. A seguir passamos acaracterizar as diferentes teorias.

    1 - A Escola de Chicago e os interacionistas:movimentos sociais como reacoes psicol6gicasas estruturas de privacoes socioeconomicasResgatar a producao te6rica existente sobre os movimentos

    sociais passa, necessariamente, por urn momento fundamentalde constituicao da sociologia como disciplina de investigacaocieritifica: a Escola americana de Chicago. Sabemos que a Es-

    As teorias clossicas sobre as ap5es coletiuascola de Chicago durante quarenta anos (1910-1950) teve grandeirnportancia na valorizacao da sociologia como campo autonornode investigacao. Fundada em 1892 por W . 1. Thomas, a Escolade Chicago gerou grande producao no campo das relacoes soci-ais, dando origem a chamada tradicao do interacionalismo. Estaprcducao emergiu num contexto historico marcado por grandestra nsfor-macdcs sociais, impulsionado pela ideia de progresso. AEscola tinha uma orientacao reformista: promover a reform asocial de uma sociedade convulsionada em direcao ao que seentendia como seu verdadeiro caminho, harmonioso e estavel.

    Inicialmente seus te6ricos principais forarn W. 1. Thomas(1966), Robert Park (1952) e George H. Mead (decadas de 30 e40). Outros representantes importantes foram Everett C. Hughes(IDr)R) ( ' lh-rhcrt . Blumer (1939). A . partir do desenvolvimcntotin p~icoiogiu socia I su I"giI'Ll III V U rioa uu tros toorieos, ulgu Ill:! dU!:Iquais continuaram a ter importancia ap6s 1950, como ErvingGoffman (1959), Kurt Lang (1961) e Ralph Turner (1969).

    o nexo fundamental que nos leva a urn interesse pela Es-cola de Chicago como uma das matrizes de producao te6ricaexplicativa sobre os movimentos sociais e dado pela concepcaode mudanca social e pelo interesse particular de seus mestrespelos temas do "desenvolvimento de comunidade" e pelos proces-sos de participacao e educacao "para 0 povo". A participacao dosIndividuos na comunldade teria urn sentido integracionista, ouseja, por meio daquela participacao, e utilizando-se de alguns me-canismos educativos, acreditava-se que era possivel ordenar osprocessos sociais. A sociologia deveria buscar forrnular leis cienti-ficas para descobrir como a rnudanca social ocorria. Deveriam serutilizados estudos comparativos e investigacoes sobre as condi-

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    5/16

    28 o paradigma norte-americano As teorias cliissicas sabre as a.t;6escoletiuas 29A mudanca social passava, portanto, pela perspectiva da

    reforma social. A sociologia enquanto cieneia forneceria 0 conhe-cimento. Como a reforma era necessaria para 0 progresso, con-clufa-se que a sociologia tambern era util para esta reforma. Osagentes basicos neste processo de rnudancas eram as lideran-cas. Isto ocorria porque 0 binornio individuo-sociedade tendia aprivilegiar, ao final do processo, 0 primeiro termo e, ccnsequente-mente, a individualizacao. Para Park, a sociedade era uma ques-tao decomunicacao eesta continha 'a possibilidade de maiorconsciencia. Portanto, a necessidade era de Iideres bern forma-dos, que estimulassem a mudanca por rneio de seus pr6priosexemplos, da realizaeao de suas proprias vidas e das relacoesque estabeleceriam com as outros. A transformacao passavapela cooperacao voluntaria, vista como resultado natural dainteracao grupal.

    Em surna, as liderancas seriam mais exemplos demonstra-tivos que agentes de provaveis sublevacoes, Na reaIidade seriarnelites reformistas, detentoras de urn conhecimento cientffico iitil.Thomas chegou a propor "0 desenvolvimento de tecnicos socialspara que a conhecimento fosse traduzido em programas de acaopratica, Quando as leis, que eram muito esperadas, foss em desco-bertas, esses tecnicos poderiarn ajudar a guiar a sociedade paraseu ideal democratico". As liderancas teriam de desempenhar 0papel de reformadores sociais ate que nao fossem mais neces-sarias .. Isto porque, em sua trajetoria de atuacao, deveriam criarinstituicces novas.

    As instituicoes e aeducacao tornariam possiveis a autodi-recao do povo e sua cooperaeao, Observamos que estes pressu-postos estiveram bastante vivos e presentes nas concepcoes sabrea mudanca social preconizadas pelos movimentos sociais popula-res nos anos 70 e parte dos 80, que seguiram a direcao da Teologiacia Libertacao, na Igreja Cat6lica da America Latina.

    A participaeao ativ~a e a interacao erarn elementos lndis-pensaveis no cotidiano do trabalho dos lfderes, Nao se admitiaque as Iiderancas nao fossem engajadas ou que nao falassem evivessem as necessidades dos grupos sociais considerados me-nos avancados, dentro do marco referencial evolucionista que a-_ ... ~ --

    concepcao mais ampla do grupo abrangia. Nao s6 os atos volun-tarios tinham grande espaco. Tambern as acoes esporitaneas. Aspessoas deveriam descobrir por si mesmas 0 comportamentocorreto no contexto ciaexperiencia social. 0 conflito tambern eraconsiderado natural e inevitavel, decorrente do choque entre asculturas e as diferentes realidades. Mas ele deveria ser traba-lhado. Por quem? Pelos lideres, e claro. Surgem entao os movi-mentes sociais.

    Tais movimentos seriam 0 resultado dos conflitos geradosentre as mu.ltidoes. Mas este resultado deveria ser equacionadopelos Iideres, como foeos dinamizadores de mudancas sociais.Os hderes nao seriam causas - estopins- dos movimentos,mas sim agentes apaziguadores. Suas tarefas seriarn desmo-bilizar 0 conflito, dissolver 0 movimento. Como? Transforrnan-do-os em instituicoes sociais por meio do equacionamento dasdemandas em questao.

    As mudancas sociais seriam 0 climax deste processo: cho-que e encontro de grupos resultando numa acomcdacao em ins-t.ituicoes por meio do controle obtido por lideres ".Os lid~res,para ser eficientes, deveriam compreender seus seguidores, inte-grar-se suficientemente aomovimento e ser educad~s.o bastantepara tanto. AU seja, 0 Iider era urn instrumento basl~o da mu-danca, da acornodacao, da reforrna. as problemas surgiam quan-do os movimentos sociais nao conseguiam ser controlados porseus Iideres, dando origem a descaminhos na direcao do movi-mento. A solucao seria buscar, cada vez mais, formar liderancasresponsaveis.

    Resumindo as pontos basicos da teoria da mudanca socialda Escola de Chicago, diriamos que a educacao e a criacao deinstituieoes sao seus eixos basicos, Os movimentos eram vistoscomo aedes advindas de comportamentos coletivos conflit,":osos.A educacao, como urn processo mais informal, que ocorria napr6pria vida urbana - a cidade moderna e seu con~exto de .lutapela sobrevivencia seria a grandeescola de conflitos e crises.Como na fabula: para aprender seria preciso queimar as patasao ten tar apanhar as castanhas. A solucao de quaisquer proble-mas estaria na criatividade.

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    6/16

    30 o paradigma norte-americanaA criatividade e 0 individualismo eram coerentes com 0

    desenvolvimento do processo, e parte dele. Estes pressupostostiveram grande repercussao nas politicas de desenvolvimentocornunitario do pas-guerra e estiveram na base de varias pro-postas de educacao popular na America Latina nos anos 70 e80. Eles serao retomados nos anos 90 pelas politicas neoliberaisda economia globalizada.

    Do ponto de vista metodologico, a Escola de Chicago forne-ceu elementos para a pesquisa sobre movimentos sociais - apartir de dados hist6ricos e docurnentais. Entretanto, dentrodos objetivos de nosso trabalho, foi Blumer 0 grande te6rico aaplicar as analises do interacionismo simb6lico para 0 estudodos movimentos sociais. Alguns autores 0 consideram 0 pioneirona analise dos movimentos sociais ..Dada a importancia de seutrabalho, sua originalidade quando surgiu e se desenvolveu (anos20 e decada de 30), devido a sua importancia e contribuicaopara as dec ad as seguintes e em razao da retomada de seustrabalhos nos anos 90, iremos nos deter de forma mais prolon-gada em suas forrnulacoes sobre os movimentos sociais.

    1.1 - Blumer - 0 grande teorico dos movimentossociais na abordagem classica doparadigma norte-americano

    Blumer definiu os movimentos sociais como empreendirnen-tos coletivos para estabelecer uma nova ordem de vida. Elessurgem de uma situacao de inquietacao social, derivando suasacoes dos seguintes pontos: insatisfacao com a vida atual, dese-jo e esperanca de novos sistemas e programas de vida. Estateoria, denominada das carencias sociais, sera retornada nosanos 80 e 90, apos intenso debate entre os pesquisadores doassunto. Tambem Habermas retomou a tese central de Blumerao retratar a importancia dos movimentos sociais como possi-veis criadores de uma nova ordern social.

    Para Blumer, "no inicio urn movimento social e amorfo, or-ganizado pobremente, e indefinido; 0 comportamento coletivo eprimitive e os mecanismos de interacao sao elementares. Como tempo os movimentos se desenvolvem e adquirem as caracte-

    As teorias cldssicas sabre as avoes coletiuas 31

    risticas de uma sociedade: organizacao, forma, corpo de costu-mes e tradicoes, liderancas, divisao de trabalho duradoura, va-lores e regras sociais - em resumo, cultura, organizacao e urnnovo esquema de vida" (Blumer, 19)1: 199). Observa-se que 0binornio comunidade-sociedade esta presente nesta formulacao:as movimentos sociais seriam uma certa transicao entre estasduas formas de organizacao social.

    Os movimentos foram divididos por Blumer em tres catego-rias: genericos, especificos e expressivos. Os primeiros incIuiamos movimentos operario, dos jovens, das rnulheres e pela paz.Devemos recordar que ele produziu essas formulacoes nos anos20 deste seculo. Portanto, naquela epoca, tais movimentos jatinham algum destaque. 0 background da primeira categoriade movimentos seria constituido por mudancas graduais e per-suasivas nos valores das pessoas, os quais poderiam ser deno-minados tendencias culturais. Isto porque cada tendencia cul-tural tern, atras de si, urn desejo de mudanca que esta na ca-beca das pessoas, em suas ideias, particularmente em relacaoa concepcao que tern de si pr6prias, de seus direitos e privi-legios, 0 que pode leva-las a desenvolver novas crencas e pontosde vista ou a ampliar os ja existentes, numa emergencia denovas escalas de valores a influenciar a forma como as pes-soas passam a olhar para si proprias. Maiores preocupacoescom a saude, com a educacao, com a ernancipacao da mulher, 0aumento do cuidado com as criancas e 0 prestigio da ciencia,todos sao citados par Blumer como resultados do processo aci-rna descrito.

    Em resumo, os movimentos sociais seriam 0 resultado demudancas que operariarn num ambito individual, e no planopsico16gico. Tais mudancas provocariam as motivacoes para 0surgimento dos movimentos sociais genericos, cIassificados naprimeira categoria ja assinalada. 0 processo de criacao e de-senvolvimento das motivacoes, apesar de vir do exterior -por ser de ordem cultural -, assenta-se em bases interiores,individuais. As novas concepcoes dos individuos a respeitodeles proprios chocar-se-iam com suas reais posicoes na vida,gerando insatisfacao, disposicao e interesse pela busca de novasdirecoes,

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    7/16

    32 o paradigma norte-emertcane As teorias classieas sobre as a90es coletioas 3 3Uma das caracteristicas mais importantes dos movimentos

    generic os e 0 fato de serem indicadores de direcao. Quando sur-g.em, seriarn desorganizados e teriam objetivos vagos. A ernan-cipacao da mulher, por exemplo, e citada como uma dessas ban-deiras vagas, restrita a universos delimitados: na familia no ca-same~to, na educacao, na industria, na politica. Ou seja, a en-f~se e.no enquadramento dos movimentos nas inst.ituicoes soci-ais existentes. Eles teriam carater episodico e poucas manifes-tacoes. Seus lideres teriam papel importante nao tanto no con-trole sobre os movimentos sociais, mas no sentido de seremportadores de novas vozes, pioneiros, muitas vezes ate sem se-guidores ou objetivos muito elaros. Mas eles tprifllTl n pnpr-l n 0servrr como exempJos e quebrar resistencias.

    ~ s:gunda categoria de movimentos sociais, os especificos,constituiriarn formas desenvolvidas dos anteriores, as gcnriricosEles representam a criatalizacao das motivacoes de descanten-tamento, esperancas e desejos despertados pelos movimentosgenericos, Blumer cita como exemplo 0 movimento antiescra-vagista, despertado pelo rnovimento humanitarista do seculoXIX. Ao contrario dos genericos, os especificos se caracterizariampar ter metas e objetivos bern definidos, organizacao e estruturad.esenv.olvidas, consti tuindo-se como uma sociedade ..Eles possui-riam liderancas bern conhecidas - e reconhecidas - e seusmembros teriam consciencia do "nos". Alern disso deteriam urncorpo de tradicoes, valores, filosofias e regras.

    Movimentos reformistas e revolucionarios sao listados comotipicos dessa categoria. Eles tern uma trajet6ria evolutiva em~ue ? autor identifica alguns estagios: inquieta

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    8/16

    34 o paradigma norte-americanapersonagens carisrnaticos, e 0 culto a certos textos tidos como sa-grades, como 0 capital, no marxismo; Men Kampf, no nazismo etc.A ideologia tern papel essencial na permanencia e desenvolvimentodo movimento. Ela se compoe de urn corpo de doutrinas, crencase mitos e e elaborada pelos intelectuais dos movimentos.

    Quante as taticas, elas envolvem tres linhas: adesao, manu-tencao (dos adeptos), e construcao de objetivos. Elas irao dependerda natureza da situacao na qual a movimento esta operando.

    Blumer conclui que os cinco mecanismos considerados aci-ma sao responsaveis pelo sucesso au nao de urn rnovimento.

    Os movimentos especfficos sao divididos par Blumer em duascategotias: refnrm istns o rovoluciona rios. As pri nci pn is difcrr-n-cas entre eles sao: 0 escopo e 0 alvo de seus objetivos, as procedi-mentos e as taticas, Como pontos em comum temos seus ciclosde vida e os cinco mecanismos que impulsionam seu des envol-vimento, tratados anteriorrnente.

    Em relacao aos objetivos, os reformistas buscam mudancasem pontos especificos enquanto as revolucionarios querern re-construir inteiramente a ordem social. Dai que para os reformis-tas a preservacao de urn certo c6digo etico-moral seja importante,Para as revolucionarios isso nao importa, porque estao em buscade novos esquemas e val ores morais. Blumer se perde numintricado universe explicativo sobre a respeitabilidade do movi-mento reformista - que aceita as instituicoes existentes e tentapreserva-Ias, ao contrario dos revolucionarios, que tentam des-trui-las. Os reformistas estariam sempre tentando persuadir aopiniao publica e os revolucioriarios estariam em busca da con-versao dessa opiniao.

    Os movimentos especfficos podem ser vistos como umasociedade em miniatura e como tal representam a construcao ea organizacao de comportamentos coletivos antes amorfos e inde-finidos, Em seu crescimento, . desenvolvem novas valores, novaspersonalidades se organizam. Eles deixam como residuos, atrasde si, uma estrutura institucional e urn corpo de funcionarios,novos objetivos e pontos de vista, e uma nova serie de auto-concepcoes,

    As teorias cldssicas sobre as w;i5escoletiuas _ 35Finalmente, como terceira e ultima categoria de movimen-

    tos sociais, as expressivos, Blumer inclui os religiosos e 0 queele denomina de movimento da moda. Eles nao tern objetivo demudanca e divulgam urn tipo de comportarnento expressive que,com 0 passar do tempo, torna-se cristalizado e passa a ter pro-fundos efeitos na personalidade dos individuos, e no carater daordem social em geral. Os movimentos da moda atuariam nasareas da literatura, da filosofia, das artes etc. Eles nao pos-suem as caracteristicas assinaladas nos demais movimentos.Podemos observar que Blumer, apesar de suas ideias conserva-doras, era urn arguto analista da realidade social de seu tempo,assinalando a importancia de fenornenos que s6 se tornarambastante visiveis muitas decadas depois, como 0 caso da midia- que de percebe nos movimentos da moda.

    2 - Segunda teoria sobre os movimentos sociais noparadigma classtco: sociedade de rnassas -Fromm, Hoffer, KornhauserEric Fromm (1941), Hoffer (1951) e Kornhauser (1959) foram

    as principais representantes dessa teoria, que via os comporta-mentes coletivos como resultado de acoes advindas de participantesdesconectados das relacoes em acoes normais e tradicionais. Tra-tava-se de uma corrente mais preocupada com 0 comportamentocoletivo das massas, vendo-o tambern como fruto da anomia e dascondicces estruturais de carencias e privacoes. Kornhauser (1959)estudou 0 comportamento das pessoas em termos de anomia ealienacao. Os autores desta corrente combinaram algumas formu-lacoes feitas no final do seculo passado e inicio deste por Le Bonn(1895), na Franca, a respeito do comportamento cego e irracionaldas massas, com imagens da massificacao e dos horroresdo fascismo. 1 Bon estudara os motins durante a Revolucao Fran-cesa, concluindo que as individuos sao capazes tanto de atos de .heroismo como de barbaric, pois em epis6dios em que predominaa espontaneidade das massas ha sempre violencia, 0 que os levaa perder 0 usa da razao critica. (Le Bon sera retomado nas teoriasconternporaneas, na obra de Oberschall.) A partir da fusao dasduas influencias assinaladas - Le Bon e 0 cenario do fascismo -,

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    9/16

    36 o paradigma norte-americanaos autores desta corrente elaboraram urn diagn6stico da naturezados movimentos sociais nos tempos rnodernos. as movirnentos eramdesenhados pelo desejo de pessoas rnarginalizadas de escapar paraa liberdade, dentro de novas identidades e utopias conforme assi-nalou Tarrow (1994: 82).

    A nova corrente estava mais preocupada corn 0 totalitarismo,com os rnovimentos nao-democraticos, com a alienacao das mas-sas, a perda de controle e de influencia das elites culturais, e como desamparo das mass as para encontrar tipos substanciais deracionalidade a elaboracao pohtica, numa sociedade dominadacada vez mais por tecnologias complexas. A corrente da socieda-de de rnassas contribuiu para a elaboracao da teoria de Smelser- a ser tratada logo a seguir - e para formulacoes de Reich(1970), quando este afirmou que as massas "tinham se tornadoapaticas, incapazes de'discriminacao, biopaticas e escravas, comoresultado da supressao de sua vitalidade" (Tarrow, 1994: 82).Nos anos 90, esta corrente tern sido retomada par antigos pes-quisadores dos movirnentos soeiais, como Gusfield (1996).

    Offe (1988) destacou que esta corrente, assim como a deque trataremos a seguir, formulou teorias sobre os comporta-mentos politicos "nao-convencionais", denominando-os de mas-sas ou desviantes. Argumentava-se que "as mobilizacoes politi-cas nao-institucionais eram consequencia das perdas infligidaspela rnodernizacao econorniea, politic a e cultural a certas parce-las da populacao, que reagiam ante este imp acto recorrendo amodos de atuacao politic a desviante. As perdas se referiam aostatus economico, acesso ao poder politico, integracao em formasintermediarias da organizacao social e reconhecimento de valo-res culturais tradicionais" (Offe, 1988: 200),

    3 - Terceira teoria sobre os movimentos SOCIalS noparadigma classico: abordagem sociopolitica -Lipset e Rudolf Heberle ,Nos anos 50, a conjuntura politica internacional da Guerra

    Fria e 0 surgimento de movimentos com fortes conotacoes ide-o16gicas estruturou urn cenario em que, nos paises do Primeiro

    As teorias clossicas sobre as U90es coletioas 37

    Mundo, a discus sao basica se resurnia a dcsarticulacao da socie-dade, desorientada pelas inovacoes da industria ou pelo compor-tamento coletivo das massas. Para alguns autores 0 terna Refor-rna ou Revoluc;ao era a agenda do memento, e a compreen~aodos .rnovirnentos sociais deveri a passar pela, discussao politicada questao. ' . '1", '."

    S. Lipset e R. Heberle articular am a proble~atic~ d,as.c~~~~ses sociais e das relacoes sociais de producao - dois _marc

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    10/16

    38 o paradigma norte-americanaos movimentos dos grupos corporativos de interesses, assim comoprocura distinguir tambem movimentos genuinos, com carater deprofundo significado historico, de movimentos menores, eferneros,e simples protestos. Haveria alguns criterios para a acao de urngrupo ser urn movimento social: consciencia grupal, sentimento depertenca ao grupo, solidariedade e identidade. AMm disso, os mo-vimentos estariam sempre integrados por modelos especificos decompromissos coletivos, ideias constitutivas ou ideologias. Ja nosanos 50 ele apontava para uma tendencia dominante dos rnovi-mentes sociais que diz respeito a sua internacionalizacao. Eleafirmava que urn movimento nao necessariamente confina-senum territorio nacional, podendo ter dimensoes multinacionais,intemacionais e supranacionais.

    Heberle afirmava que os movimentos teriam duas funcoes--chave na sociedade: formacao da vontade comum ou da vonta-de politica de urn grupo, auxilio no processo de socializacao,treinamento e recrutamento das elites politicas.Os movimentos seriam sintomas de descontentamento dosindividuos com a ordem social vigente e seus objetivos princi-pais seriam a mudanca dessa ordem. Em deterrninadas condi-coes, eles poderiam se tornar urn perigo para a propria existen-cia dessa ordem social. 0 autor nao inova portanto ao tratar

    das causas que dao origem aos movimentos sociais, porque elastambern situam-se na capacidade de satisfacao/insatisfacao dosindividuos diante das normas e valores vigentes. Assim, "0 acordosobre valores e normase a essencia da solidariedade social audo senso de comunidade. 0 senso de comunidade e 0 fundamentode uma ordern social. Mesmo certas entidades socials que exis-tern por mere utilitarismo - como a maioria das relacoes con-tratuais e associacoes - nao podem ser mantidas a menos quehaja urn minima de senso do comunitario entre seus membros"(Heberle, 1951, e Lyman, 1995: 57).

    A questao do senso de comunidade e aplicada por Heberlepara analisar 0 comportamento de lideres e liderancas nacionais,assim como movimentos de natureza sociopolitica, E aqui queHeberle tern certa originalidade, ao tratar da dimensao polit icados movimentos. Ele arnplia 0 leque das acoes coletivas a serem

    As teorias cldssicas sobre as aroes coletiuas 39consideradas movimentos sociais, incluindo as lutas dos campo-neses, dos negros, dos socialistas e dos nazi-fascistas. AMm disso,distingue movimentos sociais e politicos, segundo seus objetivos.

    Ao assinalar os perigos para a sociedade, Heberle relacio-na movimento social a regimes poli ticos autoritarios e totali ta-rios, que destruiriam 0 senso comunitario existente por meio deexigencias baseadas no fanatismo de grupos entusiastas, gerandodesintegracao social. Observamos portanto 0 eixo funcional-sis-ternico que norteia a analise do autor, baseado no binornio inte-gracao/desintegracao social.

    Heberle continuou produzindo estudos sobre as movimentossociais ate os anos 70".Com J. Gusfield, escreve para a Enciclo-pedia Internacional de Ciencias Sociais, public ada em Londresem 1972, 0 verbete "Movimento social".4 - Quarta teo ria sobre os movimentos sociais no

    paradigma classico: 0comportamento coletivo soba6ticadofuncionalismo - Parsons, 'Iurner, Killiane Smelser4.1 - Pressupostos teoricos bcisicos: a influencia de

    ParsonsComo sabemos, em 1951 Parsons conclui sua teoria do siste-ma social, combinando conceitos como valores centrals, normas,

    papeis, estrutura, funcao-equilibrio e diferenciacao estrutural.Para Parsons existem quatro dimensoes basicas dos sistemasde acao: adaptacao, consecucao de metas, latencia ou manutencaode padrao e integracao, cada uma desempenhando uma funcaoestrutural na sociedade. Curiosamente, 0 desenvolvimento dosistema de ac;ao social parsoniano nao leva ao desenvolvimentodo ator ou agente de acao, mas ao do sistema social, por meio dodesenvolvimento das acoes individuais, ou seja, pelos papeis destatus que aqueles individuos passam a desempenhar. Talveztenha sido este 0 principal fator que levou Smelser a buscar emParsons respaldo te6rico para entender 0 comportamento coletivodos grupos sociais expresso em movimentos.

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    11/16

    40 o paradigma norte-americanoA teoria da acao social de Parsons desemboca, segundo L

    Bottomore e Nisbet (1980), na concepeao do hom em utilitaristade Hobbes, com uma orientacao normativa instrumental, vis an-do racionalmente metas, usando meios econ6micos e culturaiseficientes para atender a suas necessidades, assegurar sua sobre-vivencia e maximizar seu equilfbrio, Em suma, 0 homem utili-tarista disfarcado de social.

    A aplicacao da teoria parsoniana aos movimentos SOCIalSdeu origem a abordagem funcionalista, em que sao vistos comocomportamentos coletivos originados em perfodos de inquieta-c;ao social, de incerteza, de impulsos reprimidos, de acoes frus-tradas, de maI-estar, de desconforto. Os habitos e costumes quedurante longo tempo serviram para resolver os problemas davida do povo estariam se afrouxando. Isso significaria que asformas anteriores de controle social estariam se desintegrando(Pierson, 19G6:223). As categorias basicas utilizadas sao de ori-gem durkheimiana (anomialdisnomia) e baseadas na teoria fun-cionalista de Merton (organizacao/desorganizacao). Uma crisesocial e vista em termos de inquietacao social , e como indicadorade mudanca social. 0 ponto referencial basico sao as cornporta-mentos e condutas dos individuos, portadores de tens6es que,quando comunicadas a outras pessoas, podem formar "reacoescirculares", Acredita-se na existencia de uma ordem social esta-tica, que necessita ser control ada. 0 nao-controle ou sua desin-tegracao e que possibilita a emergencia dos movimentos sociais.Portanto, a existencia de urn movimento social e urn objeto es-tranho, exterior, aos sujeitos historicos, 0 proprio termo movi-mento social era utilizado entre aspas, e isto atesta a resisten-cia de se conceder algum tipo de dinamica aos comportamentos,tidos como fixos e estaticos.

    Por outro lade esses movimentos sociais teriam uma hist6-ria natural, ja que estariam respondendo a impulsos e manifes-tacoes interiores, inerentes a natureza hum ana. 0 individuo(que era visto isolado) contrapunha-se a soeiedade a medida queesta a oprimia, 0 bloqueava e 0 frustrava. Assim que as tens6esadquiriam urn carater de insuportabilidade, os individuos seaglutinavam em torno de urn objetivo comum e criavam novasinstituicoes, A isto davam 0 nome de mudanca social.

    As teorias classicas sobre a s a r; oe s coletiuas 4]Os prirneiros cientistas sociais, sob a otica positivista, viam

    os movimentos sociais como esforcos para promover mudancas.Os cientistas sociais neopositivistas viram os movimentos sociaiscomo "esforcos da coletividade para promover au resistir as mu-dancas" (Lee, 1969; Wilson, 1974). Para estesultirnos, os movi-mentos sociais se diferenciam das instituicoes, das associacoes,dos grupos de pressao, por se aterem a "promocao au resistenciaa mudanca de val o res e normas sociais" (Horton e Hunt, 1980).As condicoes que propiciariam a emergencia dos movimentossociais seriam de tres ordens: cultural (mudanca de valores) , social(dosorganizacao e descontentamento) e politica (injustica social).

    A categoria basica de analise continua sendo 0 comporta-mento e a acao dos individuos; a rnudanca social da-sepor meioda rnudanca do comportamento dos individuos em instituicoes,Os movimentos operariam num cenario de irracionalidade, ounao-racionalidade, em oposicao a ordem racional vigente.

    Este elemento leva-os a situar os movimentos sociais nosindividuos, e a retomada da explicacao em termos de questoesantigas como as do "isolamento social", falta de laces de familia,"descontentamento", "desajustamento" etc., ou seja, aquelas dadicotomia comunidade versus sociedade, de Tonnies, vern a tona,acrescidas das analises de cunho antropo16gico sobre os usos ecostumes dos povos. 8em nos estender sobre as premissas ba-sicas da "nova" abordagem dos movirnentos sociais, podemossintetiza-la nos seguintes pontos, a partir do proprio discursoelaborado por ela:

    1- Os movimentos sociais ocorrem porque hi pessoasdesa-justadas na ordem vigente.

    2 - Esta ordem esta submetida a urn processo de mudancamuito lento, ao longo do qual algumas pessoasficaminsatisfeitas.

    3 - Em sociedades estaveis, bern integradas, com muitopoucas tens6es sociais ou grupos alienados, ha POllCOSmovirnentos socials.

    4 - Os movimentos sociais sao, portanto, caracteristicos desociedades em processo de rnudanca, portanto desorga-nizadas.

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    12/16

    42 o paradigma norteamericano5 - As precondicoes estruturais para a aparecimento de umaacao coletiva que geraria urn movimento social sao: a)

    bloqueio estrutural (barreiras na estrutura social queimpedern as pessoas de eliminar suas fontes de descon-tentamento); cantata (interacao com os descontentes);eficacia (expectativa de que a ac;ao proposta aliviara 0descontentarnento); e ideologia (massa de crencas quejustificam e ap6iam a acao proposta).

    6 - Ha uma estreita relacao entre movirnento social e mar-ginalidade. "A maioria dos movimentos extrai muitosde seus prirneiros membros e lfderes dentre as pessoasou grupos marginais da sociedade" (Stockadale, 1970).

    Observamos nas colocacoes anteriores que:1- a "matriz" te6rica da analise e a teoria da estratificacao

    social da corrente funcionalista parsoniana, cujos elemen-tos basicos sao: individuo-sociedade opondo-se a comu-nidade, e individuo feliz, integrado versus individuo desa-justado, marginal. Os fatores constitutivos, geradores de"acoes co1etivas", sao: isolamento, percepcao de injustica,mudanca de status social, falta de laces primaries.

    2 - os movimentos sociais sao vistos como mecanismos de-sintegradores da sociedade, acoes externas a sua dina-mica, controlaveis desde que enfrentem suas causas. Al6gica que permeia a abordagem e de causa-efeito, fei-ta de forma linear.

    3 - para que os movimentos sociais pudessem ser contro-lados (e esta uma grande preocupacao dos analistas)seria preciso esperar seu ciclo de evolucao (inquietacao,excitacao, formalizacao e institucionalizacao),Observamos que estas analises homogeneizam diferentes

    movimentos sociais em decorrencia do ponto de partida adotado,acoes coletivas. Mas, ao mesmo tempo, sao vistos como uma forcasocial de mudanca e como auxiliares da sociedadedemocratica:"Conquanto nem sempre racionais e algumas vezes aborrecidos,os movimentos sociais ajudam a sociedade dernocratica a fazerfrente as defasagens culturais e a permanecer razoavelmenteintegrada" (Horton e Hunt, 1980: 420).

    ".

    As teories clsissicas sobre as at;6escoleiiuas 434.2 - 0retorno da psicologia social para analisar os

    comportamentos coletivos: Turner e KillianTurner e Killian (1957), e logo a seguir Smelser (1962), consi-

    deravam que 0 approach sociopolitico ignorava as formas ele-mentares de comportamento politico ..Por isso colocaram abaixoos vinculos entre politica e estrutura. Baseados na teoria deParsons, rcsgataram varies componentes de natureza psico16gicada Escola de Chicago ou da psicolcgia social de alguns intera-cionistas simb6licos, principal mente Blumer. Buscando formularuma teoria geral sobre os comportamentos coletivos, alegaramque as movimentos sociais seriam uma das forrnas de expressaodas acoes colet ivas.

    Em 1957, Turner e Killian publicaram Collective Behavior,uma coletanen com quase 600 paginas, sendo 208 dedicadas aoestudo dos m - " . imentos sociais, que contou com a colaboraeao deexpressivos estudiosos do assunto dos anos 40 e 50 e 0 reaprovei-tamento de varies textos da Escola de Chicago. 0 livro tornou-seurn classico da sociologia, ganhando varias edicoes e sendo citadopela maioria dos pesquisadores da area. Ele aborda as caracteris-ticas e os processos de urn movimento social, os valores que 0orientam, a ernergencia e a construcao de novas normas de rela-c;oes sociais e de novos significados da vida social. Estes novossignificados emergem do processo de interacao entre as pessoas,deles resultando novas concepcoes de justica/injustica, moralidade,realidade etc.

    Outras questoes tratadas por essa corrente sao: a controlee 0 poder nas orientacoes dos movimentos; os movimentos sepa-ratistas e a participacao orientada; as lfderes e seguidores; e osprodutos dos movimentos.

    Turner e Killian definem urn movimento como a acao deuma coletividade com alguma continuidade para promover amudanca ou resistir a ela na sociedade au no grupo do qual fazparte (Turner e Killian, 1957: 308). A questao da continuidadee urn ele~ento-chave para distingui-lo de outros tipos de acaocoletiva .. E ela que garante a formulacao de objetivos, as estra-tegias, a divisao de funcoes - inclusive 0 papel dos lideres e aformacao de urn sentido de identidade grupal. Tudo isso se confi-

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    13/16

    44 o paradigma norte-americanagura a partir de regras baseadas em tradicoes, forman do 0 espritde co rps do movimento.

    Turner e Killian afirmam que ha tres tipos de grupo que po-dem ser chamados de quase-movimento, porque possuem algumascaracteristicas dos movirnentos. Sao eles: movirnentos de massacomo a imigracao, em que certa dose de contato social influenciao fenomeno; grupos formados por seguidores/admiradores de algu-rna figura publica que promoveu, por exernplo, urn program a demudanca social; e os cultos, basicamente religiosos, em que M.demandas somente sobre 0 comportamento de seus membros.

    Trataram eles tarnbern do tempo de duracao dos movimentos,observando que "urn movimento social nao pode continuar comotal indefinidamente. Distinto das organizacoes institucionalizadas,marcadas pela estabilidade, 0 movimento social e por definieaodinamico. Quando perde essa caracteristica, cessa de ser urn rnovi-mento social, desaparece ou torna-se uma forma social diferente"(Turner e Killian, 1957: 480). Adeterminaeao desse processo depen-de dos efeitos que 0 movimento social tern sobre 0 meio ambientee vice-versa. Urn movimento se institucionaliza quando alcancaurn alto grau de estabilidade interna, ganha posicao reconhecidadentro de uma sociedade mais ampla, passa a ter algumas funcoesnela e estabelece algumas areas de competencia ..A instituciona-lizacao impoe estabil idade adicional ao movimento e urn de seusaspectos-chave e determinar procedirnentos de conduta para 0gru-po. Os autores concluern que todos os movimentos podem vir a terurn carater institucionalizado.

    A problematica do ciclo de vida de urn movimento foi trata-da par eles do ponto de vista interno, em seus diferentes esta-gios, desde a origem ate seu sucesso ou outra forma de desfecho.Eles cham am a atencao para 0 valor deste approach par enfa-tizar 0 processo - e este elemento sera retomado nos anos 90pelo proprio paradigma norte-americano, que 0 considerara basicopara dist inguir urn rnovimento de outras ac;pescoletivas. Ha urnprocesso social em andamento.

    A abordagem de Turner e Killian foi denominada por Gamson(1992) como a das "normas ernergentes", em que 0 processo peloqual ocorre a mobilizacao coletiva toma-se 0 problema central a

    As teorias clcissicas sobre as a~oes coletivas 45ser investigado. Eles repudiam as afirmacoes que dizem ser asa90es dos movimentos mais emocionais ou irracionais que outrasformas institucionalizadas. Emocao e razao nao sao necessaria-mente i~econcil iaveis; e dividir as acoes em racionais e irracio-nais significa negar a complexidade do comportamento humane(cf. Gamson, 1992: 54).

    A abordagem de TUrner e Killian foi criticada par Wilson(1973), entre outros pontos, porque rejeitava a classics distincaoentre movimentos reformistas e movimentos revolucionarios. Estadistincao foi retomada por Aberle (1966), outro estudioso do as-sunto, que a desdobrou em tres formas (movimentos transfer-mativos, reformativos e redentores), e utilizada posterionnentepor Hobsbawm (1970). Em 1989, Guiddens incluiu a classificacaode Aberle em seus estudos sobre as movimentos sociais.

    Cum pre destacar ainda que a teoria de TUrner e Killian foirecuperada nos anos 90 por Gusfield (1996), como uma via fru-tifera para 0 entendimento dos novos movimentos sociais.4.3 - Smelser e a teoria estrutural-funcionalistasobre os movimentos sociaiso trabalho de Smelser e a segundo destaque em nossa expo-sicao das teorias comportamentalistas sob a otica da psicologiasocial. Em 1963 ele publicava sua obra Comportamento coletivo.Posteriormente, sua abordagem foi considerada por Bobbio, Pas-quino e Matteucci, no verbete "movimento social" do conhecido

    Dicioruirio de politico. (1985) por eles organizado, comouma dascorrentes significativas no estudo dos movimentos sociais.A teoria de Smelser sobre os cornportamentos coletivos nao-

    -convencionais tenta demonstrar comoeles diferern dos comporta-mentos rotineiros. Eles teriam componentes irracionais e excep-cionais e seriam respostas cognitivas inadequadas para as ten-sees estruturais que emergiam da modernizacao, Para Smelser,a terrninologia "comportamento coletivo" inclui fen6menos comorespostas ao panico, ciclos da moda, desfiles e carreatas, boomfinanceiro, ressurgimento de religi5es, explos6es hostis e movi-mentos de valores orientados - incluindo revolucoes politicase religiosas, formacao de seitas, movimentos nacionalistas etc.

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    14/16

    46 o paradigma norte-americana(Smelser, 1963: 2). Rejeitando os conceitos de "comportamento demassas", de Ortega y Gasset (1987) e Brow (1954), de "dinarnicacoletiva", de Lang e Lang (1961), eo criterio fisico/temporal e ascaracteristicas particulares da comunicacao ou interacao deBlumer - de quem extrai muitos elementos para sua analise -,Smelser elege 0 termo "comportamento coletivo" e as categorias"explosoes coletivas'' e "movimentos coletivos" para expressar 0 tipode fenorneno social analisado como comportamento coletivo. As ex-plosoes coletivas referem-se a panicos, loucuras, hostilidades e outrassituacoes abruptas. Os movimentos colet ivos referem-se aos esfor-cos coletivos para modificar normas e valores, os quais frequents-mente (mas nao sempre) se desenvolvem por longos periodos, Pode-mos observar que, para Smelser, 0 universo dos comportamentoscoletivos se refere a comportamentos nao-institucionalizados.

    Smelser tambern tentou formular uma explicacao globalpara os movimentos sociais, buscando nos comportamentos co-letivos os parametres para detectar processos de mudanca socialmais geral. As tens5es sociais seriam urn dos indicadores basi-cos. Durante epis6dios de comportamento coletivo, tem-se a opor-tunidade de observar certos elementos socials como os rnitos, asideologias e 0 potencial de violencia da sociedade, pois todosles vern a tona. Tais epis6dios seriam uma especie de laborat6-rio de estudo de comportamentos usualmente dormentes (ouque, ao se manifestar, revelam processos latentes na sociedade,para usar a terminologia de Merton, tambern pertencente a es-cola funcional-sisternica norte-americana). Entretanto, a preocu-pacao fundamental de Smelser foi diagnosticar como se institu-cionalizam as ac;5es sociais nao-estruturadas que se encontramsob tensoes. Ou seja, a busca da integracao social, do controlesocial, e uma meta desta corrente.

    Seriam quatro os componentes basicos das acoes socials nateoria de Smelser: 1. as rnetas gerais e os valores - que forne-cern 0 mais amplo guia ao comportamento social orientado; 2.as regras - que regem a consecueao dos propositos e estao ba-seadas em normas; 3. a rnobilizacao da energia individual -para atingir os fins estabelecidos dentro da estrutura normativa;4. as facilidades de que disp6em os agentes para 0 conhecimentodo ambiente. A dinarnica do social se da pelo encontro desses

    As teorias cltissicas sabre as acoes coletivasquatro componentes. Os comportamentos coletivos podem se ex-pressar com valores previamente orientados ou nao. Os movimen-tos com valores orientados sao acoes coletivas mobilizadas emnome de crencas geralmente imaginadas para a reconstituicaode valores perdidos; os movimentos nao-orientados mobilizam-seem nome da reconstituicao de normas (Smelser, 1963: 9).

    Segundo uma abordagem eminentemente funcionalista,Smelser ve no funcionamento do sistema social a resposta parao surgimento de novas crencas e indaga como elas interferemnos comportamentos coletivos.

    Para concluir este t6pico, registre-se apenas que os estudosde Smelser nao tern side citados no resgate de teorias do pas-sado que iremos encontrar nos anos 90. Embora 0 campo dapsicologia social ganhe centralidade neste ultimo periodo, seraoBlumer e TurnerlKillian os autores mais citados. A rejeicao aoconservadorismo da abordagem funcionalista parece explicar 0"esquecimento contemporaneo de Smelser", embora se trabalhecom algumas de suas categorias, como a de estrutura de opor-tunidades politicas, que ja estava presente em Merton, urn chis-sica da analise sisternica-funcional. Retomaremos esta questao noproximo capitulo.

    5 - Quinta teoria sobre os movimentos sociaisno paradigma classico: as teoriasorganizacionais-comportamentalistas- Selzinick, Gusfield, MessingerSelzinick (1952), Gusfield (1955) e Messinger (1955) foram

    os principais pesquisadores desta corrente teorica que buscouna producao de Weber sabre a burocracia e na de Michells(1959) sobre a lei de ferro das oligarquias as fundamentos paraentender os comportamentos coletivos agrupados em organiza-c;6es com objetivos especificos, Gusfield (1966), ao analisar 0movimento American Temperance, dividiu os movimentos emtres categorias: de classe, de status e expressivos. Movimentosde classe organizam-se instrumentalmente, ao redor de algunsinteresses de seu publieo-alvo, de sua clientela. Movimentos de

    47

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    15/16

    I 48 o paradigma norte-america nostatus SE W aqueles voltados para si proprios, para alcancar oumanter 0 prestigio do grupo. Movimentos expressivos sao mar-cados por comportamentos menos objetivos ou pela procura demetas relacionadas com descontentamentos (Gusfield, 1966: 23).No infcio dos anos 70, Gusfield chamou a atencao para a impor-taneia dos recurs os eornunais, a despeito da modernizacao, dodesenvolvimento econornico, da racionalidade etc. Tilly (1978)tarnbem carninhara nesta direcao,Assim como a corrente da sociedade de massas, este approachnao criou nenhuma teoria especlfica sobre os movimentos sociais,mas abriu caminho para a geracao da teoria que viria a ser urnnovo marco no paradigm a norte-americano, a da Mobilizacao deRecursos. Zald, uma das pioneiras da nova corrente, publicou em1966, em co-autoria com Roberta Ash, urn estudo em que procu-raram ampliar a abordagem dos insti tucionalistas, examinandoos movimentos sociais em termos de resultados e processos,

    Segundo Zald (1992), 0 approach organizacional-institu-cional permanece viavel na agenda do futuro, e podemos obser-va r Hl];.l rctornndn nos trabnlhns do Znld 0 McCarthy (]987) c deLofland (1985).

    - ---~-------. --~- "l! CAPITULO II I

    T EORIAS CONT EMP oRANEASNORTE-AMERICANASDA A c : ; A o COLETIVA

    E DOS MOV IMENTOS SOC IAlS

    1 - Teoria da Mobtljzacao de Recuz-sos:Olson, Zald e McCarthyAs transformacoes politicas ocorridas na sociedade norte--americana nos anos 60 levar arn ao surgimento de uma novacorrente interpretativa sobre os movimentos sociais, a chama-da teoria da Mobilizacao de Recursos (MR)_Ela comecou porrejeitar a enfase que 0 paradigma tradicional dava aos senti-mentos e ressentimentos dos grupos coletivos, assim como 0

    approach eminentemente psicossocial dos classicos, centradonas condicoes de privacao material e cultural dos individuos.A psicologia foi rejeitada como foco explicativo basico das acoescoletivas, assim como todas as analises centradas no cornpor-tamento coletivo dos grupos sociais e a visao dos movimentossociais como momentos de quebra das norm as daqueles gru-pos. 0 papel das crencas compartilhadas e 0 da identidadepessoal, tratados pelo paradigma classico, foram rejeita~os p~r-que eram analisados sob 0 prisma do comportamento lrraCl?-nal das massas (visto como sin6nimo de alta dose de patologiasocial).

    49

  • 5/13/2018 Gohn, Maria Da Gloria. Teorias Dos Movimentos Sociais_Cap.1

    16/16