Gordinho do posto

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Gordinho e a pressa de viver a vida em duas rodas V iver é sair correndo contra o tempo, o vento batendo forte na cara da gente e a gente des- cobrindo coisas melhores todo dia e toda hora. Mais que filosofia, poesia pura da vida que Nel- son Aparecido Donizetti Jacinto, ou simplesmente o “Gordinho do Posto” gosta de espalhar por aí em suas andanças pelo mundo. “Reconheço que sou só um pouco doido. Gosto de botar minha moto na

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Viver é sair correndo contra o tempo, o vento batendo forte na cara da gente e a gente descobrindo coisas melhores todo dia e toda hora. Mais que filosofia, poesia pura da vida que Nelson Aparecido Donizetti Jacinto, ou simplesmente o “Gordinho do Posto” gosta de espalhar por aí em suas andanças pelo mundo.

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Gordinho e a pressa

de viver a vida em

duas rodasViver é sair correndo contra o

tempo, o vento batendo forte na cara da gente e a gente des-cobrindo coisas melhores todo dia e toda hora.

Mais que filosofia, poesia pura da vida que Nel-son Aparecido Donizetti Jacinto, ou simplesmente o “Gordinho do Posto” gosta de espalhar por aí em suas andanças pelo mundo. “Reconheço que sou só um pouco doido. Gosto de botar minha moto na

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estrada pra conhecer lugares e pessoas, fazer no-vas amizades. Não tem coisa melhor na vida do que viajar.”

“Gordinho do Posto” também conhecido como “Gordinho da Moto” é filho de Geraldo Avelino Ja-cinto, irmão de Vilma e de Antônio Marcos. É pai de Gabriela, 19 anos. Já está com 47 anos, 28 deles só andando de moto. “Comecei aos 19. Uns quinze anos depois mergulhei na fase dos moto clubes.” Para quem não sabe e nem faz ideia, existem mais de 17 milhões de motociclistas no Brasil. “Motociclista é o cara que gosta de moto, que anda de moto por amor. Que sabe cuidar da moto, que sabe os perigos que a moto oferece a ele e a terceiros. Enfim, motociclista é o sujeito que gosta desse tipo de vida ou de veículo. Ao contrário de motoqueiro, que vive só para infer-nizar a vida dos outros. O cara que acelera para fazer barulho, que se comporta da pior maneira no trânsi-to e por aí vai.”

O motociclista Gordinho da moto é fanático pela ideia dos Moto clubes. “Moto Clube é uma coisa muito séria. Têm regras de condutas, tem hierar-quia, costuma participar da sociedade, colabora em tudo e até promove gestões de assistência social”, proclama Gordinho, criador e primeiro presiden-te do Moto Clube Ases do Asfalto aqui de Atibaia. A bem da verdade o Ases foi o segundo, pois ele já ha-via criado um outro moto clube, o Moto Inferno.

“Essa foi uma longa história. Juntei uns quarenta amigos que curtem moto e criamos um Moto Clu-be com esse nome. Como todo mundo usava ca-misetas que tinham caveiras e outras figuras mais ousadas e malucas nós fomos logo radicalizando e criamos o Moto Clube Inferno. Fizemos tudo de maneira regular, tudo no papel. Como todo mundo

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era religioso decidimos que nosso Moto Clube ti-nha que ser abençoado por Nossa Senhora Apare-cida”, conta o Gordinho, e aqui a história começa a ficar engraçada.

“Hoje em dia a gente acha graça no absurdo, mas eu e meus colegas fomos pedir a benção de Nossa Senhora Aparecida para um Moto Clube que se cha-mava Inferno... Na hora nem pensamos nisso. Fo-mos pra lá num grupo enorme e eu fui encarregado de falar com o padre ou com os religiosos para colo-car a gente na fita para recebermos a benção. Diante da pessoa responsável, que estava em uma mesinha anotando os nomes que o padre iria abençoar eu pe-guei e anunciei que estávamos lá para receber a ben-ção para o nosso Moto Clube. A mulher perguntou: ‘Qual o nome do Moto Clube’ e eu falei: Moto Clu-be Inferno. E quem estava ao lado da gente ouvindo tudo? O padre. O vigário foi logo falando: “Nem tem cabimento uma coisa dessas. Imagine Nossa Senho-ra Aparecida abençoando o Inferno...”

Hoje Gordinho ri quando conta a história. Mas foi então que lá mesmo o pessoal decidiu mudar o nome do Moto Clube que passou a ser chamado de Moto Clube Asas de Atibaia. “O padre benzeu e o novo Moto Clube e nós deixamos o inferno pra lá”, lembra sorrindo. Felizes, voltaram, marcaram uma reunião e registraram a nova entidade. Que hoje já abriga por volta de vinte membros. “A senhora Apa-recida continua ajudando a gente”, diz.

É enorme o número de Moto Clubes pelo Brasil “Atibaia tem mais de dez”, diz Gordinho. “Quem participa de um Moto Clube é gente muito respon-sável. É um estilo de vida que não permite zoeira ou brincadeira fora de hora. Entre nós ninguém comete loucuras sobre as motos. Viajamos muito, visitamos

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muito, fazemos nossas festas, assamos churrascos, comemoramos bebemos cerveja e tal, mas ninguém banca o louco em cima de uma moto. A gente procu-ra ser o mais responsável possível.”

Claro está que Gordinho vê a moto como um peri-go. “A gente que anda de moto sabe com o que está mexendo. E também fica com medo...” Os Moto Clu-bes funcionam como entidades filantrópicas. São registrados e legalizados. “Nós mesmos do Moto Clube Asas de Atibaia costumamos promover di-versos eventos aqui em Atibaia, em Piracaia e pela região. Esses eventos servem para juntar os amigos, curtir o Rock´n roll, conhecer gente nova. A gente leva uma porção de atrações para oferecer aos pre-sentes e arrecadamos alimentos e doações que são entregues às prefeituras que repassam aos mais ne-cessitados”, orgulha-se.

Eles vivem viajando. “Vamos para o litoral, para o Sul de Minas, para tudo quanto é canto. A gente che-ga e é bem recebido pelos amigos. Descolamos um porquinho no rolete, um churrascão, umas cervejas geladas. Passamos um dia, dois...” Em outro dizer, os Moto Clubes se visitam. O daqui vai para ali, o dali vai para lá e o de lá vem para cá. “Cada um arma sua barraca, encontra um lugar para tomar seu banho, para bater seu papo, ouvir sua música e curtir mui-to...”, empolga-se.

Come daqui, come dali, será que é por isso que o Nelson Aparecido é tão gordinho? Ele ri. E garan-te que sempre foi gordinho mesmo, desde criança. “Estou começando a me cuidar. A diabetes anda me atrapalhando... Tenho que dar uma maneirada até na comida...”

Fora as motos, Gordinho trabalha no Posto Shell que fica ali, no começo da Lucas. Talvez seja o fun-

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cionário mais antigo. Das seis da manhã até às duas da tarde. “Sou frentista/caixa”, revela, contando também que é muito respeitado e querido pelo pa-trão. “Ele me dá todo o apoio e eu fico lá até morrer”, diz brincando. Trabalhando de segunda a segunda, folga domingo sim, domingo não. “Quando saio de lá a vida é livre. Faço o que me dá na telha. Almoço, dou uma bandola por aí e normalmente vou para a sede do Moto Clube, que fica no Jardim do Lago, na rua do Lago. Na rua onde fica o Ferrão. Nós pagamos o aluguel com o dinheiro que recebemos quando alu-gamos o lugar para festas, aniversários. Dá para to-car. Tem piscina e tudo lá”, aponta.

Quase no fim do papo Gordinho conta que tem companheiros que levam namoradas, esposas na garupa da moto em suas viagens por aí. “Eu só levo o Baby”, diz. Baby? “Sim, Baby. É um boneco “igual a um dinossauro”. Está sempre comigo.

Além de suas andanças com a moto, Gordinho também é muito conhecido pelas suas performan-ces como Tio Chico, aquele da Família Adams. “E graças ao meu “corpinho”, todos os anos me trans-formo em Papai Noel e saio pelas ruas ao encontro da garotada. Se ganho dinheiro com isso? Às vezes me pagam, às vezes não. Quando tem criança neces-sitada eu vou correndo e nem penso em dinheiro. Não vivo disso.”

De moto nova, diz que tem que ir até Aparecida para benzer. “Paguei “nove conto” no cash... Já tive muitas motos. Benzi todas lá. A melhor que tive foi uma CB 400. Aquilo era um arraso”.

Feliz da vida revela que nunca sofreu acidente mais grave. “Só umas raladinhas de leve”, diz, apontando uma enorme marca no ombro. “Cai num buraco na rodovia Itatiba Bragança. Nem cai, até me equilibrei,

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o diabo é vinha um motoqueiro atrás, irresponsável, usando chinelo e camiseta e caiu no mesmo buraco. A moto dele saiu rodando e pegou por trás e foi pra cima da minha. Me ralei”, sorri. Conta que já perdeu muito amigo, muito colega. Conforma-se: “É a nos-sa vida...”

Gordinho se revela um apaixonado pela vida e pe-las mulheres, claro. Só que nunca casou. “Para casar comigo tem que casar primeiro com a moto”, brin-ca. Pelo visto nenhuma delas encarou o desafio. Na-mora muito, mas nada sério, “...é a minha vida de aventuras... Mulher tem que gostar das coisas que eu gosto. Digo vamos embora e vamos... Tem que ser assim...”. Além do mais, brinca dizendo que mulher é muito caro. “Qualquer viagenzinha vai duzentos, trezentos paus pra merda. Duzentos, trezentos por semana, tá louco, meu, não dá pra ganhar e nem gas-tar tudo isso.”

Gordinho se acha muito doido para alguma mu-lher gostar. Quando faz suas performances como Tio Chico ou até Papai Noel ganha beijos. “A mulhe-rada gosta...” Gordinho evita contar suas aventuras pessoais. Monta em sua moto, dá adeus e vai se em-bora cortando o vento que traz chuva. ■

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