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Castelo Branco Científi ca - Ano V - Nº 10 - julho/dezembro de 2016 - www.castelobrancocientifi ca.com.br 1
Faculdade Castelo Branco ISSN 2316-4255
A SUBSTITUIÇÃO DO “SER” PELO “TER”: A SOCIEDADE DE CONSUMO
GLOBALIZADA, A CULTURA DE MASSA E A CRIAÇÃO DA PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR.
GORONSIO, Roberta Fernandes1
JACOB, Alexandre2
“Você tem sede de que?
Você tem fome de que?”
(Comida – Titãs)
RESUMO
Na esteira da sociedade capitalista e do mundo globalizado, o consumidor habitualmente é doutrinado
a dar mais valor aos bens materiais do que a si próprio, é a ideologia do “ter” ao invés do “ser”.
Cotidianamente há a produção de novas necessidades a esses indivíduos-consumidores, o que culmina
no consumo desenfreado e impensado, desta feita, resultando em riscos e danos ao consumidor, o ente
vulnerável. O presente estudo visa reunir informações claras quanto aos conceitos que lhe dão título e
pretende instigar os acadêmicos jurídicos ou não, ao estudo sobre a proteção do consumidor.
PALAVRAS-CHAVE: Globalização; Sociedade de Consumo; Cultura de Massa; Código de Defesa
do Consumidor.
ABSTRACT
In the wake of capitalist society and the globalized consumer world, is usually indoctrinated to give
more value to material goods than himself, is the ideology of "having" rather than "being". Every day
1Autora. Graduanda em Direito. Faculdade Castelo Branco. Colatina-ES. E-mail:
[email protected]. Especialista em Direito Civil. Faculdade Castelo Branco. Colatina-ES. E-mail:
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there is the production of new needs for these individuals-consumers, which culminates in the
unbridled consumption and thoughtless, this time resulting in scratches and damage to the consumer,
the vulnerable one. This study aims to gather clear information about the concepts that give you title
and plans to instigate legal academics or not, the study on consumer protection.
KEYWORDS: Globalization; Consumer society; Mass culture; Consumer protection code.
1. INTRODUÇÃO
1.1. Breves considerações sobre a História do Direito do Consumidor
A Revolução Industrial mudou a capacidade produtiva do ser humano, antes pautada na produção
artesanal e familiar, na qual o produtor comercializava o que produzia, desta forma, unindo a produção
com a comercialização. Com o advento das máquinas este cenário mudou e possibilitou a produção em
grande escala, separando a figura do produtor da figura do comerciante.
A qualidade da produção em larga escala e os novos instrumentos jurídicos de contratação – tais como,
os contratos coletivos, contratos de massa, contratos de adesão, dentre outros –, eram estabelecidos
pelo fornecedor, que exercia unilateralmente a vontade sobre o consumidor. Exemplo dessa
supremacia da vontade são os defeitos oriundos do grande desenvolvimento tecnológico e científico,
isto porque, quando falamos de produção em série, “um único defeito de concepção ou de fabricação
pode gerar riscos e danos efetivos para um número indeterminado de consumidores” (CAVALIERI,
2011).
O que Cavalieri conceitua com este trecho são os chamados “riscos do consumo, riscos em série ou
riscos coletivos” (CAVALIERI, 2011), que protagonizam os acidentes de consumo.
Ao contrário da evolução industrial e tecnológica os remédios constitucionais não acompanharam tal
avanço e se revelaram ineficazes aos anseios do consumidor. Sobre tal momento pontua CAVALIERI:
Rapidamente envelhecia o direito material tradicional, até restar
completamente ultrapassado. O direito privado de então, marcadamente
influenciado por princípios e dogmas romanistas – autonomia da vontade, pacta
sunt servanda e responsabilidade fundada na culpa –, não tardaria a sucumbir.
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Destarte, à falta de uma disciplina jurídica eficiente, reestruturada, moderna,
proliferaram, em ambiente propício, práticas abusivas de toda ordem, como as
cláusulas de não indenizar ou limitativas da responsabilidade, o controle do
mercado, a eliminação da concorrência e assim por diante, resultando em
insuportáveis desigualdades econômicas e jurídicas entre fornecedor e
consumidor (CAVALIERI, 2011).
Chegando ao fim do século XIX e início do século XX os países que estavam na efervescência da
ascensão industrial foram os primeiros cenários do movimento pró-consumidor3. Josephine Lowell,
uma cidadã nova-iorquina, criou uma associação de consumidores4 que objetivava melhores
condições de trabalho e lutava contra a exploração do trabalho feminino em fábricas e comércio.
Através de “Listas Brancas”, elaboradas por esta associação, os consumidores tinham acesso ao nome
do fabricante e do produto, sendo identificado se este era produzido respeitando os direitos dos
trabalhadores – “salário-mínimo, horários de trabalho razoáveis e condições de higiene condignas”
(CAVALIERI, 2011). Tal feito pode ser comparado a um embrião da responsabilidade ambiental das
empresas, pois influenciava diretamente a conduta das empresas pelo poder de compra dos
consumidores.
Em 1899, Florence Kelley criou a Liga Nacional dos Consumidores (National Consumers League) e
em 1906 o autor Upton Sinclair publicou seu romance socialista “The Jungle” (A Selva), obra que
descreve as precariedades e os perigos do trabalho dos operários que trabalhavam nos matadouros e
fábricas de embutidos de carne em Chicago. Tal escrito teve grande repercussão social culminando na
sanção da primeira lei de alimentação e medicamentos (a Pure Food na Drug Act – PFDA), assinada
em 1906 e da lei de inspeção de carne (a Meet Inspection Act), de 1907, ambas assinadas pelo
presidente Roosevelt.
Contudo, o direito do consumidor só foi reconhecido como direito fundamental, sendo o consumidor
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3O Direito do Consumidor tem origem nas sociedades capitalistas centrais (EUA, Inglaterra, Alemanha e França),
sendo as primeiras legislações protetivas dos direitos do consumidor surgidas nos EUA, o Federal Trade Commission
Act (1914) e o Consumer Product Safety Act, cuja consolidação adveio após o pronunciamento de John F. Kennedy
(DOMINONI, Tatiana Leite Guerra. Noção de Direito das Relações de Consumo. Portal ViaJus: Porto Alegre, 2007.
Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=695&idAreaSel=3&seeArt=yes>. Acesso
dia 10 de agosto de 2016. 4Tal associação levava o nome de New York Consumers League (CAVALIERI, Sérgio. Programa de Direito do
Consumidor. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 04).
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sujeito de direitos específicos, quando o Estado ficou responsável por tutelá-los na década de 60. O
marco inicial desse reconhecimento foi o discurso proferido pelo chefe executivo da maior potencial
na época, os Estados Unidos da América. O presidente John Fitzgerald Kennedy encaminhou uma
mensagem ao Congresso dos Estados Unidos no dia 15 de março de 1962, na qual afirmava:
“Consumidores, por definição, somos todos nós. Os consumidores são o maior
grupo econômico na economia, afetando e sendo afetado por quase todas as
decisões econômicas, públicas e privadas [...]. Mas são o único grupo
importante da economia não eficazmente organizado e cujos posicionamentos
quase nunca são ouvidos.”
A mensagem, quase um enunciado normativo, fora chamada de Mensagem Especial ao Congresso dos
Estados Unidos sobre a Proteção dos Interesses dos Consumidores e sistematizava direitos específicos
ao consumidor, sendo eles o direito à saúde5, à segurança, à informação6, à escolha7 e a serem
ouvidos8 (CAVALIERI, 2011).
Onze anos depois, em Genebra, esses direitos foram reafirmados e durante a 29ª Sessão da Comissão
dos Direitos Humanos das Nações Unidas o direito à integridade física, à segurança, à intimidade, à
honra, à informação e o respeito à dignidade humana dos consumidores foram reconhecidos. Ainda em
1973 a Resolução nº 543 da Assembleia Consultiva do Conselho da Europa, deu origem a uma carta
denominada Carta de Proteção do Consumidor onde diretrizes básicas para a prevenção e reparação de
danos aos consumidores foram traçadas. Dois anos depois, mais uma vez, a Europa sancionara mais
uma resolução (Resolução do Conselho da Comunidade Europeia) que dividira os direitos do
consumidor em cinco áreas: representação (ser ouvido), proteção dos interesses econômicos, saúde e
segurança, reparação dos prejuízos e informação e educação (CAVALIERI, 2011).
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5Tinha o escopo de proteger o consumidor contra a venda de produtos que pudessem trazer riscos e/ou danos a sua
integridade física (ibidem, p. 05).6Esta garantia era devida na proteção do consumidor nos casos de publicidade, informação, etiquetagem, dentre outras
práticas, feitas sob a forma abusiva, enganando ou induzindo o consumidor ao erro. Eram asseguradas ao consumidor
informações coerentes sobre o produto comercializado (idem).7O direito de escolher cabia na proteção do livre comércio, garantia ao consumidor o acesso a serviços e produtos
variados e a preços competitivos (idem).8Por fim, o direito de ser ouvido salvaguardava a ação das políticas governamentais e do tratamento justo e breve dos
interesses do consumidor nos tribunais administrativos (idem).
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Já em 1985, as Nações Unidas, em sua Assembleia anual, conseguiu fixar normas internacionais9 para
a proteção do consumidor. Tal instrumento levou dois anos para se efetivar, tempo que durou as
negociações entre a Organização das Nações Unidas e o Conselho Social e Econômico.
Quanto às primeiras leis consumeristas, destarte a fala precisa de Sérgio Cavalieri Filho quando cita a
Lei de 22/12/1972 que dispunha aos consumidores o período de sete dias para refletir sobre a compra; a
LoiRoyer, nome do ministro do comércio na época10, de 27/12/1973 que trazia um artigo sobre a
proteção contra a publicidade enganosa; as leis nº 78, n° 22 e n° 23 (LoiScrivener) de 10/01/1978, as
quais protegiam o consumidor contra as cláusulas abusivas e os perigos do crédito; e a regularização,
em 1995, do Códe de La Consummation, criado em 1993 reunindo toda a legislação protecionista
existente.
No Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, foi criado o Conselho de Defesa do Consumidor
(CONDECON), em 1974; já em Curitiba foi criada a Associação de Defesa e Orientação do
Consumidor (ADOC), em 1976, mesmo ano de criação da Associação de Proteção ao Consumidor
(APC - Porto Alegre) e o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, o qual tinha como órgão central
o Conselho Estadual de Proteção ao Consumidor e o Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor
(mais adiante conhecido como PROCON). Após a implantação do Plano Cruzado e a instabilidade
econômica gerada por ele, o Brasil despertou para seus direitos com o consumidor e a Constituição de
1988, por fim, veio a assegurar a defesa do consumidor e reconhecê-lo como direito fundamental (art.
5º, XXXII CR).
2. A SOCIEDADE DO CONSUMO GLOBALIZADA E A CULTURA DE MASSA
O princípio do século XXI e o final do século XX foram marcados pela edificação do sistema capitalista
no globo, resultando em uma integração econômica entre as nações, minimizando as fronteiras
econômicas por meio da modernização da produção e da difusão globalizada das mercadorias e
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9 “Essas normas tinham por finalidade oferecer diretrizes a países, especialmente aqueles em desenvolvimento, a fim de
que as utilizassem na elaboração ou aperfeiçoamento das normas e legislações de proteção ao consumidor, bem assim
encorajar a cooperação internacional na matéria, ressaltando a importância da participação dos governos na
implantação de políticas de defesa dos consumidores” (idem, p. 06).10ALMEIDA, C. apud GLÓRIA, Daniel Firmato de Almeida. A livre concorrência como garantia do consumidor.
Belo Horizonte: Del Rey; FUMEC, 2003, p. 32.
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serviços. O consumidor foi atingido pela produção em massa e a globalização do consumo e da
contratação, uma vez que, o fabricante se fortaleceu técnica e economicamente. O consumidor teve seu
poder de escolha enfraquecido, sendo submetido a contratos de adesão com cláusulas e condições
estabelecidos pelo fornecedor unilateralmente.
O consumidor passara então a ocupar o lado mais fraco da balança comercial, tornando-se
vulnerável11 em relação ao fornecedor. Sobre este momento histórico Moebus Anderson Retondar
apud Antonio Baptista Gonçalves, salienta:
A partir das mudanças estruturais desenvolvidas no século XVIII na Europa
ocidental, especialmente com a Revolução Industrial – acelera-se a partir da
segunda metade do século XX, quando o universo do consumo passou a ganhar
centralidade tanto com o motor de desenvolvimento econômico quanto através
da expansão do consumismo como elemento de mediação de novas relações e
processos que se estabelecem no plano cultural das sociedades modernas.
Dentro dessa perspectiva, o consumo deixa de ser uma variável dependente de
estruturas e processos a ele externos e passa a se constituir enquanto campo
autônomo, caracterizando-se como importante objeto do conhecimento no
âmbito das ciências sociais contemporâneas, especialmente no campo dos
estudos sobre a cultura (RETONDAR, 2008 apud GONÇALVES, 2016) 12 .
Este cenário de expansionismo econômico e avanço tecnológico impulsionou o consumo, dado que as
pessoas passaram a consumir produtos de origens diversas, antes tidos de difícil acesso, poderiam
naquele momento ser adquiridos com um clique e continuamente13. Todavia para que haja tal
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11 “A vulnerabilidade, portanto, é o requisito essencial para a formulação de um conceito de consumidor; está na
origem da elaboração de um Direito do Consumidor; é a espinha dorsal que sustenta toda a filosofia. Reconhecendo a
desigualdade existente, busca estabelecer uma igualdade real entre as partes nas relações de consumo. As normas desse
novo direito estão sistematizadas a partir dessa ideia básica de proteção de determinado sujeito: o consumidor, por ser
ele vulnerável. Só se justifica a aplicação de uma lei protetiva em face de uma relação de desiguais. Entre partes iguais
não pode se tratar privilegiadamente uma delas sob pena de violação do princípio da igualdade” (CAVALIERI, Sérgio.
Programa de Direito do Consumidor. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 08). 12RETONDAR apud GONÇALVES, Antonio Baptista. Propaganda enganosa e publicidade abusiva nas relações
de consumo: análise jurisprudencial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 04.13“O desenvolvimento do modo capitalista de produção, em forma extensiva e intensiva, adquire outro impulso, com
base em novas tecnologias, criação de novos produtos, recriação da divisão internacional do trabalho e mundialização
dos mercados. As forças produtivas básicas, compreendendo o capital, a tecnologia, a força de trabalho e a divisão
transnacional do trabalho, ultrapassam fronteiras geográficas, históricas e culturais, multiplicando-se assim as suas
formas de articulação e contradição. Esse é o processo simultaneamente civilizatório, já que desafia, rompe, suborna,
mutila, destrói ou recria outras formas sociais e vida e trabalho, compreendendo modos de ser, pensar, agir, sentir e
imaginar”. (IANNI, Octavio. A era do globalismo. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira 1999, p. 13).
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consumo são necessários recursos, daí a nova visão do trabalho. Percebe-se que os conceitos de
produção, comércio, consumo e trabalho foram consubstancialmente mudados neste período
histórico. Sobre esta mudança Hannah Arendt explana:
A súbita e espetacular ascensão do trabalho, da mais baixa e desprezível posição
à mais alta categoria, como mais estimada de todas as atividades humanas,
começou quando Locke descobriu que o trabalho é a fonte de toda a
propriedade. Prosseguiu quando Adam Smith afirmou que o trabalho era fonte
de toda a riqueza e atingiu o clímax no “sistema de trabalho” de Marx, no qual o
trabalho passou a ser fonte de toda a produtividade e a expressão da própria
humanidade do homem (ARENDT, 2010) 14.
Para Habermas o consumo é compensatório, segundo o autor, seria a compensação pelo tempo
investido através do trabalho, é o meio de ressarcir a família do tempo que esta perdeu trabalhando.
Este consumo não se trata apenas de bens materiais, mas também do consumo de cultura:
À medida que a cultura se torna mercadoria, e isso não só por sua forma, mas
também por seu conteúdo, ela se aliena àqueles momentos cuja recepção exige
uma certa escolarização – no que o <conhecimento> assimilado por sua vez
eleva a própria capacidade de conhecer. [...] a garantia de poderem ser recebidas
sem pressupostos rigorosos, certamente também sem consequências
perceptíveis: isso coloca a comercialização dos bens culturais numa proporção
inversa à sua complexidade (HABERMAS, 2003) 15
Veja, a cultura de massa, como é denominada por Jürgen Habermas, está pautada na distração e
diversão do consumidor. Entretanto, este entretenimento, por não exigir nível algum de complexidade,
apresentando-se pronto para consumo, acaba por banalizar a cultura, provocando outras
consequências, como o desinteresse pela leitura, o pouco contato com instrumentos de pesquisa
(inclusive os virtuais), etc. Sobre este entretenimento elucida Habermas:
Um entretenimento ao mesmo tempo agradável e facilmente dirigível, que
tende a substituir a captação totalizadora do real por aquilo que está pronto para
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14ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 125.15HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da
sociedade burguesa. Tradução Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 196.
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o consumo e que mais desvia para o consumo impessoal de estímulos
destinados a distrair do que leva para o uso público da razão (HABERMAS,
2003) 16.
Da instantaneidade de consumo também surge outro novo conceito e atitude da era globalizada: a
ostentação do supérfluo. Anderson Moebus Retondar adverte sobre o tema:
A sociedade de consumo caracteriza-se, antes e tudo, pelo desejo socialmente
expandido da aquisição do “supérfluo”, do excedente, do luxo. Do mesmo
modo, se estrutura pela marca da insaciabilidade, da constante insatisfação,
onde uma necessidade preliminarmente satisfeita gera quase automaticamente
outra necessidade, num ciclo que não se esgota, num continuum onde o final do
ato consumista é o próprio desejo de consumo (RETONDAR, 2008) 17.
Sendo o trabalho o meio pelo qual se viabiliza o consumo, as pessoas tendem a trabalhar cada vez mais,
para, de igual modo, consumir. Considerando esse pensamento, o tempo ocioso passou a ser
considerado nocivo, culminando na criação de um plano de metas cotidianas pelas quais a sociedade
moderna reverte em maior arrecadação. O excesso do poupar financeiro é usado como justificativa para
a garantia da tranquilidade futura, momento da chegada da velhice e consequentemente do ócio
obrigatório.
Relevante e objetivo é o texto de Antonio Baptista Gonçalves sobre este ciclo social-consumerista:
Um falso sentimento de que um dia o trabalho não mais fará parte da cultura de
um povo ou da realidade de uma civilização, ledo engano, tão consciente da
falácia dessa afirmação é a fixação de metas pelo trabalhador que, se
alcançadas, proporcionarão o tão sonhado ócio. Com isso a sociedade do
consumo se confunde com o consumo do próprio ser humano.
O desejo do homem é trabalhar o mais possível, apenas e tão somente para
não precisar mais... trabalhar. E ao longo insere cotidianamente o consumo em
seu universo e desenvolve, portanto, a sociedade de consumo. (grifo nosso).
(GONÇALVES, 2016) 18
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16ibdem, p. 202.17RETONDAR, Anderson Moebus. A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como contexto social
de produção de subjetividades. Revista Sociedade e Estado. Abril 2008, vol. 23, n.1, p. 137-160.18GONÇALVES, Antonio Baptista. Propaganda enganosa e publicidade abusiva nas relações de consumo: análise
jurisprudencial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 31.
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A massificação da produção também mudou o conceito de durabilidade do século XX, agora
substituído pela descartabilidade do produto:
O bem de consumo que antes fora criado para durar anos, dadas as dificuldades
em se obter um novo, agora, dava lugar a produtos com baixa durabilidade,
decorrentes da necessidade de se criar novidades e instigar a instantaneidade do
consumo e a sublimação do prazer. (grifo nosso). (GONÇALVES, 2016) 19
Sobre o tema Gilles Lipovetsky, filósofo francês autor da obra A felicidade paradoxal: ensaio sobre a
sociedade do hiperconsumo, pontua sabiamente:
A aceleração da obsolescência dos produtos está presente em todos os setores.
Um enorme número de produtos tem uma duração de vida que não excede dois
anos; estima-se que a dos produtos high-tech foi diminuída pela metade desde
1990; 70% dos produtos vendidos e, grande escala não vivem mais de dois ou
três anos; mais da metade dos novos perfumes desaparece ao fim do primeiro
ano. A renovação extremamente rápida da oferta, mas também as demandas de
consumos maus emocionais e instáveis estão na origem dessa escalada. Para
estimular o consumo, os atores da oferta não procuram mais produzir artigos de
má qualidade: renovam mais depressa os modelos, fazem-se sair de moda
oferecendo versões mais eficientes ou ligeiramente diferentes. Trata-se de
seduzir pela novidade, de reagir antes dos concorrentes, de acelerar o
lançamento dos produtos, reduzir os prazos de concepção e de colocação de
novos itens no mercado (LIPOVETSKY, 2007). 20
Interessante completar tal citação com outra do mesmo autor em sua obra O império do efêmero – A
moda e seu destino nas sociedades modernas: “Com a moda consumada, o tempo breve da moda, seu
desuso sistemático tornaram-se características inerentes à produção e ao consumo de massa”
(LIPOVETSKY, 2009) 21. Isto pois, trata-se da consolidação da sociedade de consumo, impulsionada
pela globalização. Para fechar o assunto e adentrar a origem do Código de Defesa do Consumidor,
citamos Valquíria Padilha:
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19ibdem, p. 11.20LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal. Tradução Maria Lucia Machado, São Paulo: Companhia das Letras,
2007, p. 90.21LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero – A moda e seu destino nas sociedades modernas. Tradução Maria
Lucia Machado, São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 184.
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22PADILHA, Valquíria. Shopping Center – a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 58.23MONTE, Mario Ferreira; apud CAVALIERI, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3ª Ed. São Paulo: Atlas,
2011, p. 10.
O consumo é considerado uma etapa final do processo produtivo, ou seja, a
produção é o ponto de partida, enquanto o consumo é a finalização desse
processo aparentemente infindável (...). Assim, os mesmos homens que
produzem são também os que consomem (...). (PADILHA, 2006) 22
3. A CRIAÇÃO E IMPORTÂNCIA DO CDC MEDIANTE AS DEMANDAS DA SOCIEDADE
DE CONSUMO
O ato de comprar, baseado em uma alta demanda dentro da sociedade de consumo, enseja a criação e o
desenvolvimento de meios de defesa para o consumidor. O Código de Defesa do Consumidor pode ser
considerado a concretização dos meios de defesa produzidos por intermédio de toda a evolução
histórico-social apresentada até aqui, atendendo ao mandamento constitucional da defesa ao
consumidor, com o intuito de intervir nas relações de consumo para a proteção do sujeito vulnerável:
O Código de Defesa do Consumidor veio amparar a parte mais fraca nas
relações jurídicas. Nenhuma decisão judicial pode amparar o enriquecimento
sem justa causa. Toda a decisão há de ser justa (STJ, REsp. 90366/MG, Rel.
Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 02/06/1997).
Segundo o jurista português Mario Ferreira Monte, em um breve retrospecto da evolução histórica do
movimento consumerista, afirma:
Na verdade, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor foi o culminar de
um movimento, já que, como confessadamente dizem os autores de seu
anteprojeto, ele inspirou-se em outras leis advindas de outros países [...]. Por
outro lado, significa o primeiro passo para a codificação, no resto do mundo,
porque, na verdade, foi o primeiro Código a surgir, principalmente se
atendermos à sua ambiciosa estrutura, bem como à quantidade de normas que
regulamentam todas as matérias atinentes ao consumidor e onde tem lugar
mesmo um conjunto de normas sancionatórias, administrativas e penais
(MONTE apud CAVALIERI) 23.
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24CAVALIERI, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 11.25idem, p. 18
A Constituição não apenas advertiu o legislador a proteger os direitos do consumidor, mas,
imperativamente, ordenou que o Estado promovesse a defesa do consumidor, bem como descreve o
artigo 5º, inciso XXXII da CR: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Erigido à categoria de direito fundamental, o direito do consumidor elevou o consumidor ao patamar
de titular de direitos constitucionais fundamentais. Sobre isso, nos explica Sérgio Cavalieri Filho:
Quando uma lei ordinária – o Código de Defesa do Consumidor – densifica um
princípio constitucional (a defesa do consumidor), ela ganha uma qualidade
nova. A lei é ordinária, mas excepcionalmente qualificada pelo fato de versar
um direito fundamental, uma matéria que a Constituição encomendou a uma lei
especialíssima (CAVALIERI, 2011) 24.
E ainda:
Não obstante a amplitude do seu campo de aplicação, o Código do Consumidor
é uma lei especial e não geral. Tem o caráter de lei geral no que se refere ao
objeto – produtos e serviços (ratione materiae) – mas é lei especial no que se
refere aos sujeitos (ratione personae), aplicável somente aos consumidores e
fornecedores e suas relações. Nesse sentido a lição dos mais autorizados
consumeristas. “Subjetivamente, o campo de aplicação do CDC é especial,
regulando a relação entre fornecedor e consumidor (arts. 1º, 2º, 3º, 17 e 29) ou
relação de consumo (arts. 4º e 5º. Já no campo de aplicação do CC/22 é geral:
regula toda relação privada não privilegiada por uma lei especial” (Cláudia
Lima Marques, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Revista dos
Tribunais, p. 31). (CAVALIERI, 2011) 25
Além do artigo 5º, outros dispositivos constitucionais abarcam a defesa do consumidor, como o artigo
170, inciso V, que cuida dos princípios gerais da Ordem Econômica, considerando a defesa do
consumidor como um destes princípios, ao lado dos princípios da soberania nacional, da propriedade
privada e da livre concorrência; o artigo 24, inciso VIII, que atribui competência à União, aos Estados e
ao Distrito Federal, para legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano ao consumidor; e
o artigo 150, § 5º, acerca da disposição da lei em determinar medidas para que o consumidor seja
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26CAVALIERI, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 13.27Importante trazer a este trabalho as considerações de Sérgio Cavalieri Filho quanto à diferenciação dos Códigos Civil
e do Consumidor: “Devemos ainda ter em conta que o Código Civil é um Código para as relações entre iguais: dois ou
mais particulares, empresários ou consumidores. A disciplina jurídica nele estabelecida tem por base o equilíbrio entre
as partes, pressupõe a igualdade de todos, ainda que se trate de mera igualdade formal. O Código de Defesa do
Consumidor, conforme já destacamos, além de ter campo especial de aplicação – as relações de consumo –, regula
relações entre desiguais: o fornecedor e o consumidor, este reconhecidamente mais fraco (vulnerabilidade). O CDC
busca igualdade material (real), reconstruída por uma disciplina jurídica voltada para o diferente, porque é preciso tratar
desigualmente os desiguais para que eles se igualem. Só se justifica a aplicação de uma lei protetiva se estivermos
diante de uma relação de desiguais; entre iguais não se pode tratar privilegiadamente um deles sob pena de se atentar
contra o princípio da igualdade. (idem, p. 27) 28ALMEIDA, João Batista de; apud GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor – Código
Comentado e Jurisprudência. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 6.
esclarecido sobre os impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. Desta feita, a Lei nº 8.078 de
11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) encontra fundamento constitucional e foi
editado por expressa determinação constitucional (ADTC, art. 48) (CAVALIERI, 2011) 26.
Quanto ao campo de aplicação27 do Código de Defesa do Consumidor, ilustra o mestre João Batista de
Almeida, ex-Subprocurador Geral da República na interpretação de Leonardo de Medeiros Garcia:
Trata-se de um verdadeiro microssistema jurídico, em que o objetivo não é
tutelar os iguais, cuja proteção já é encontrada no Direito Civil, mas justamente
tutelar os desiguais, tratando de maneira diferente fornecedor de consumidor
com o fito de alcançar a igualdade. O CDC constitui um microssistema jurídico
multidisciplinar na medida em que possui normas que regulam todos os
aspectos da proteção do consumidor, coordenadas entre si, permitindo a visão
de conjunto das relações de consumo. Por força do caráter interdisciplinar, o
Código de Defesa do Consumidor outorgou tutelas específicas ao consumidor
nos campos civil (arts. 8º a 54), administrativo (arts. 55 a 60 e 105/106), penal
(arts. 61 a 80) e jurisdicional (arts. 81 a 104) 28. (BATISTA apud GARCIA)
Vale ressaltar que a expressão “microssistema” foi imaginada, nos anos 70, pelo professor italiano
Natalino Irti, da Universidade de Roma para:
(...) indicar as transformações ocorridas no âmbito do direito privado. Do
monossistema, centralizado no Código Civil, passou-se para o polissistema,
próprio da sociedade pluralista contemporânea, na qual se desfaz a unidade
política, ideológica e legislativa, representada pela codificação, dando lugar ao
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29CAVALIERI, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 14.30GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor – Código Comentado e Jurisprudência. 8ª Ed. Rio de
Janeiro: Impetus, 2012, p. 9.
conjunto de leis setoriais. No campo do direito civil, a imagem revelaria a perda
do papel unificante do Código Civil e a constituição dos microssistemas
legislativos, caracterizados por valores e técnicas legislativas peculiares, a
anunciarem a era dos estatutos (CAVALIERI, 2011) 29.
À luz do primeiro artigo do CDC, que dispõe: “O presente código estabelece normas de proteção e
defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, XXXII, 170,
inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias”; temos o norte da
aplicação do Código de Defesa do Consumidor, isto porque, as normas ditas de ordem pública são
indispensáveis e de observância necessária, cabe ao juiz interpretá-las exofficio, ou seja, independente
da provocação do consumidor e as partes não podem alterar o conteúdo dever nelas estabelecido. Posto
que as normas do CDC também têm relevância para a sociedade como um todo e não somente às partes,
consumidores e fornecedores:
A primeira vista, a relação particular entre consumidor e fornecedor em nada
interessa à sociedade. Ocorre que, quando o fornecedor comete abusos frente ao
consumidor, como por exemplo, quando deixa de consertar o produto vendido
com defeito, e não sofre qualquer sanção pela prática abusiva, amanhã, outros
consumidores estarão sofrendo os mesmos abusos. Não bastasse, outros
fornecedores provavelmente praticarão as mesmas condutas abusivas, uma vez
que, consertar produtos defeituosos (como no exemplo citado) ou, em um
sentido amplo, respeitar os direitos dos consumidores, gera custos. O
pensamento seria: se a empresa “A” faz e não acontece nada, também vou fazer
porque é mais lucrativo (GARCIA, 2012) 30.
Por fim, cabe salientar a posição dos tribunais superiores quanto à aplicação do CDC, em que pese o
status de garantia constitucional de proteção e defesa do consumidor, a qual é considerada cláusula
pétrea, impossível de ser suprimida e definitiva na criação dos direitos do consumidor, de modo que
nenhuma lei posterior venha alterar in pejus tal situação jurídica, entretanto aos contratos celebrados
antes da vigência do Código:
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31BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual do Direito do
Consumidor. 5ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 61.
Sendo constitucional o princípio de que a lei não pode prejudicar o ato jurídico
perfeito, ele se aplica também às leis de ordem pública. De outra parte, se a
cláusula relativa à rescisão com a perda de todas as quantias já pagas constava
de contrato celebrado anteriormente ao Código de Defesa do Consumidor,
ainda quando a rescisão tenha ocorrido após a entrada em vigor deste, a
aplicação dele para se declarar nula a rescisão feita de acordo com aquela
cláusula fere, sem dúvida alguma, o ato jurídico perfeito, porquanto a
modificação dos efeitos futuros de ato jurídico perfeito caracteriza a hipótese de
retroatividade mínima que também é alcançada pelo disposto no art. 5º,
XXXVI, da Carta Magna (STF, RE 205.999-4-SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ
03/03/2000).
Conquanto o CDC seja norma de ordem pública, não pode retroagir para
alcançar o contrato que foi celebrado e produziu seus efeitos na vigência da lei
anterior, sob pena de afronta ao ato jurídico perfeito (STF, REsp. 248155/SP,
Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 23/05/2000).
Concluindo este tópico, citamos uma última autora, a doutora Claudia Lima Marques, titulada pela
Universidade de Heidelberg na Alemanha, que explana a seguinte afirmação, de certa cabível a esta
conclusão:
Em resumo, o CDC apresenta-se como uma obra comparatista, atualizada para
o século XXI, com permeabilidade e criatividade. Adaptou conceitos
indeterminados, incluiu normas narrativas e cláusulas gerais, e assim permitiu
um desenvolvimento jurídico original (Rechtsfortbildung) do direito privado
brasileiro. O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que entrou
em vigor em 11 de março de 1991, representa um dos esforços comparatistas de
maior sucesso, tornando-se modelo na América Latina. Recentemente, iniciou-
se um processo de atualização do CDC por iniciativa da Presidência do Senado
Federal, mas tal Comissão, coordenada pelo e. Min. Antonio Herman
Benjamin, já se manifestou pela manutenção do sistema do CDC e optou por
focar as suas propostas em temas novos, como o comércio eletrônico, e de
importância crescente, como o crédito e o superendividamento do consumidor.
Do trabalho da Comissão, instituída pelo Senado Federal, resultaram três
propostas legislativas, representadas pelos PLS 281 (comércio eletrônico), PLS
282 (aperfeiçoamento das ações coletivas) e PLS 283 (superendividamento).
(grifo nosso) (MARQUES, 2013) 31
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MARCUSE, Hebert. A ideologia da Sociedade Industrial do homem unidimensional. Tradução Giasone Rebuá. 5
ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 29-30.
4. CONCLUSÃO
A conclusão de uma pesquisa é, sem dúvidas, um momento de muita gratidão. Este trabalho tornou
mais claros os conceitos de globalização, sociedade de consumo, cultura do consumo, direito de
proteção ao consumidor e dos meios de controle, regulamentação e tutela dos direitos do consumidor.
Nunca será demasiado discutir sobre este tema, tendo em vista, como foi elucidado no trabalho, que ele
se confunde com a própria história da criação da sociedade moderna.
Somos hoje uma sociedade de consumidores, prontos a ir atrás daquilo que julgamos necessário para
garantir nossa qualidade de vida. Isto, pois, coloca em check o que é considerado qualidade de vida e
essencial, quando se tem acesso a uma gama interminável de produtos e serviços no mercado. A
confusão advém do próprio consumidor, sujeito final dentro do processo produtivo, que, muitas vezes,
privado do acesso à educação, acaba por se transformar em um analfabeto funcional, cultivando
relações rasas e, desta forma, consumindo não sabiamente os produtos que lhe são oferecidos.
Resultado dessa massificação cultural é o desinteresse no consumo de bens e serviços que lhes façam
pensar, consumindo, a princípio, culturas prontas, apenas repassadas de maneira mecânica. Este
consumo desenfreado e impensado culmina em litígios, visto que, o fornecedor, empresário que detém
poder, o poder econômico e técnico, investe a todo momento em meios de publicidade e propaganda
que influenciem os consumidores e comprar seus produtos através dos modismos propagados e
tendências implantadas no seio social. Também são os fornecedores, responsáveis pela confecção das
cláusulas de adesão e pelos contratos vinculativos da atividade comercial, instrumentos nem sempre
usados de forma objetiva e clara, culminando em riscos e danos para quem consume aquele produto.
Nessa esteira, o consumidor vem a dar mais valor aos bens materiais do que a si próprio, é a ideologia
do “ter” ao invés do “ser”. A civilização tende a transformar o mundo objetivo numa extensão da mente
e do corpo humanos, o que torna questionável a própria noção de alienação. O indivíduo passa a se
reconhecer em suas mercadorias; encontra sua alma em seu automóvel, hi-fi, casa em patamares,
utensílios de cozinha (MARCUSE, 1979) 32. Há cotidianamente a produção de novas necessidades a
esses indivíduos-consumidores.
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34O merchandising é a técnica utilizada para veicular produtos e serviços de forma indireta por meio de inserções em
programas e filmes. Dessa maneira, muitos produtos são veiculados sem que os consumidores se deem conta de que o
que eles estão assistindo significa uma prática publicitária. De fato, quando uma personagem importante da novela das
oito entra num bar e pede uma Coca-Cola, o telespectador-consumidor não sabe se aquela demonstração específica é ou
não publicidade do produto veiculado. O problema está no merchandising típico da clandestinidade, uma vez que a
finalidade dessa técnica é exatamente não aparecer como publicidade (NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de
Defesa do Consumidor. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 453 e 454)35Outra forma de propaganda ilegal é a mensagem subliminar ou publicidade subliminar, que tem como objetivo
atingir o subconsciente do consumidor. O consumidor não percebe o enfoque publicitário de maneira direta e imediata,
a priori, compra o produto acreditando que o fez de maneira espontânea.
O Código de Defesa do Consumidor e os órgãos de controle da propaganda e da publicidade33, visando
à proteção do consumidor, são de suma importância para que haja equidade dentro da relação entre
fornecedor e consumidor – ente vulnerável –, além de hipossuficiência, em se tratando dos casos que
essa vulnerabilidade chegue ao âmbito judiciário.
O momento atual de pós-modernidade não diminui a necessidade de atenção a este tema, mesmo com a
matéria codificada, pois os avanços tecnológico e científico são constantes, por isso, o estudo dos casos
concretos no cenário brasileiro atual é a chave para que continue havendo tutela efetiva na proteção dos
direitos do consumidor.
Considerando a linha tênue da regulamentação e da censura, cria-se a necessidade de mecanismos e
legislações mais específicas a cada caso para que os consumidores-alvo não sejam prejudicados.
Algumas ações já estão sendo tomadas com as três PLS que tramitam hoje no Senado Federal, quais
sejam sobre as matéria de comércio digital, crédito e superendividamento, mas muitas matérias ainda
carecem de estudos maiores e legislação mais severa. O campo publicitário é um dos que causam
divergências doutrinárias e jurisprudenciais. Importante meio de comunicação utilizado pelas mídias
para informar, induzir, ou até mesmo, doutrinar o consumidor a adquirir um produto. O problema está
que, muitas vezes, o consumidor não percebe este assédio, como é o caso do merchandising 34 indireto
e da propaganda subliminar 35. O consumo, mais uma vez enredado no conceito do consumismo em
massa, passa ser feito automaticamente, sem que haja prévia noção disso.
Estes exemplos servem para mostrar que o campo de estudos do direito do consumidor ainda é extenso
e que a máquina legislativa e o meio jurídico continuam na vanguarda do desenvolvimento social e
econômico. Este artigo vem a ser um simples estudo que visa a abrir os olhos e instigar a atenção e o
interesse dos acadêmicos para a área de proteção ao consumidor, essencial às relações humanas, pois
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36A utilização da última frase teve o intuito de demandar crítica à sociedade de consumo e àcultura massificada, tendo
em vista o (não)limite do poder econômico nos dias atuais.
com ela se confunde. Antes éramos apenas seres humanos, hoje podemos ser e ter tudo aquilo que
pudermos comprar36.
5. REFERÊNCIAS
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consumidor. Belo Horizonte: Del Rey; FUMEC, 2003.
ALMEIDA, João Batista de; apud GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor –
Código Comentado e Jurisprudência. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2010, p. 125.
BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual do
Direito do Consumidor. 5ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
CAVALIERI, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011.
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<http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=695&idAreaSel=3&seeArt=yes>.
Acesso dia 10 de agosto de 2016.
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MONTE, Mario Ferreira; apud CAVALIERI, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3ª Ed.
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