Graça Morais Jornal de Letras 5

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  • 7/28/2019 Graa Morais Jornal de Letras 5

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    jornaldeletras.sap o.pt * 6 a 19 de maro de 20132O *artes inqurito

    1Acredito que um artista,enquanto cidado, nodeve ser indierenteao tempo em que vive, semque essa ateno impliqueuma ilustrao panetriado mesmo. No podem, noentanto, persistir dvidas deque quanto mais prximo doambiente de uma Repblicadas Bananas se encontrar opas em que o artista vivemais dicil se torna a prticaartstica. Inelizmente existemambientes muitssimo maisadversos, onde nem sequer aideia de arte se coloca, quantomais a da sua prtica, masno por a que nos devemosconormar, temos que lutarpor aquilo que est ao nossoalcance, e em que acreditamos.Existe ainda o perigo de acontestao atravs da arte setornar virtual, quando tudo oque no seja cultura light, ouseja ofcial, deixa de ter espao,lugar. A cultura e a arte, nassuas acees mais nobres, spode existir na diversidade,com o decorrente dinamismo.A pintura, sendo uma atividadesolitria, implica dilogo comos outros. No se trata apenasda satisao das necessidades

    1O meu trabalho decorre,regra geral, em processode automatismo psquicopuro. Assim, tudo o que merodeia tem inuncia no queao.H questes essenciaise existenciais que sempre meacompanharam. Tambm h

    casos, pontuais, em que partode um conceito prvio paraa realizao de uma obra,sobretudo quando se trata deobras multimdia interativasou audiovisuais, onde o atode realizao mais morosoe complexo, envolvendomuitos recursos humanos etecnolgicos. Especialmentenestes casos, h um enoqueespecfco que tem emconta algumas das questesenunciadas na pergunta.

    Na srie artstico-documental NOMA (NovaOrdem Mundial da Arte), porexemplo, procurei analisaressas questes recorrendo aoolhar e voz de alguns artistascom os quais me identifco.Esse trabalho, que fz ao longode anos (e continua) aqui emPortugal, Moambique e Cabo-Verde, permitiu-me questionaro meu posicionamento ace aomundo e, de alguma orma,suscitar questes que vo sendoabsorvidas, espero, por quemv o trabalho. Procurei, paraisso, a presena de artistasque tiveram um papel muitorelevante para a construode um espao mental queno est subjugado lgicaplenipotenciria dos mercadose da fnana, nem da sociedadeglobalizada. Foi pelas vozes de

    Manuel

    Gantes

    Cabral

    Nunes

    No indiferena

    Compromissocom a sociedade

    por uma obra, ou atitudepolitica. Para mim, a obra maispolitica que alguma vez vi, sem dvida, a Piet(1499)de Miguelangelo. Neste caso,no h mensagem explicita oupanetria, apenas o conronto

    com a Vida e a Morte, entre oEterno e o Emero.A politica , sem dvida,

    uma parte integrante doconhecimento contemporneo eest em ns todos. impossvelno se ter alguma ideologia.H sempre algo que nos rege enos pontua, que nos agarra aocho, permitindo-nos concebero mundo e tomar uma atitudeperante ele. Paradoxalmenteser-se romntico tambm ser-se poltico... . O problemano tanto o acto de a arteser ou no poltica, mas anecessidade de nos assumirmoscomo seres polticos. Pensoque os autores nunca devem

    evitar dizer aquilo que senteme de assumirem o risco que issocomporta. E esse risco quando assumidamente poltico tambm automaticamente um riscoesttico.J

    Manuel

    Botelho

    Trabalhoe preocupaes

    1Sempre. De ormaexplcita ou implcita,sempre articulei o meu

    trabalho com preocupaesde carter poltico social.O mundo em que vivemosontem, em que vivemos hoje,as questes identitrias,pessoais e coletivas, estoinextricavelmente ligadas minha obra plstica.

    2Penso que todos,sem exceo, temosresponsabilidade deinterveno cvica. No caso dosartistas esta pode realizar-sede ormas muito diversas... porvezes bastante subtis. H queestar atento aos sinais.J

    PedroCabral Santo

    Assumiros riscos

    1Sim e no. Ou seja, otrabalho artstico , em simmesmo, uma permanenteateno ao que vem do exteriore, simultaneamente, do interior.Penso que, nos nossos dias,

    certamente motiv-lo, mas preciso que o inspirem e, a, eleperde o domnio do que pretendepara expressar os seus prprios,mais proundos e incontrolveissentimentos.

    De modo que no sei se

    o estado das coisas - dosanos 50 ao presente - inuiudiretamente no meu trabalho,ou se oi uma espcie de panode undo do qual me servi, secalhar inconscientemente, parainscrever aquilo que, dentro demim, estava acumulado atravsda experincia (das vivncias).

    Julgo que um poeta, ummsico ou um pintor podem,claro, interessar-se por umprojeto que envolva, por exemplo,uma problemtica de justiasocial e as circunstncias podemconvocar as oras obscuras quehabitam o mais proundo do serdo artista, desencadeando a suainspirao. Ento, o paneto e a

    ilustrao anedtica cedero olugar obra de arte. Mas o tempo,creio, tende a secundarizar ocircunstancialismo que envolveas obras.

    A otografa dosFuzilamentosde Goya no noscomove, mas continuamos aser misteriosamente atradospelos sentimentos que ele noscomunica. Estamos distantesdas motivaes dos pintorespaleolticos que, alis, nosabemos ao certo quais eram,mas a sua inspirao continua adeslumbrar-nos.

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    O que me interessa erespeito num autor a

    qualidade da sua obrae sempre entendi que ele notem qualquer responsabilidadeespecfca - poltica ou mesmocvica. A sua responsabilidade,enquanto criador, acaba, quantoa mim, na obra que realiza.

    Entretanto, o autor, oartista, tem todo o direito a umainterveno no domnio sociale poltico, se assim o desejar.Dever, porm, acautelar-se,cuidando que a apreciao dassuas atitudes bem pensantes nose transfra para a apreciaodo seu trabalho, propiciando aalsifcao do jogo.J

    bsicas, embora indispensveis:este pas est a encolher, semarte desaparece.

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    Entendo que os artistastm tantos deveres (edireitos) cvicos como

    todos os outros cidados. Aprtica artstica j implicatanta renncia, encontrando-se requentemente pejada deobstculos, embora represente,em si mesma, das mais nobresormas de interveno cvica.Ainda que aparente ser, numaperspetiva economicista (amais pobre das perspetivas),invisvel. A prtica artstica ,no seu melhor, a memria vivada humanidade, merece pois orespeito de um pas civilizado.Queiramos civilizao.J

    Cesariny, Shikhani, PanchoGuedes, Cruzeiro Seixas, MiaCouto e Manuel Figueira, entreoutras, que procurei levantaressas questes.

    J no meu trabalho plsticoe potico, assim como no

    otogrfco, todo ele maisimediato, solitrio e intimista, aquestes vm sobretudo depoisna altura de os titular. A hespao para azer uma espciede sumarizao objetivada doque penso e vejo. Contudo,na maioria dos casos, essesttulos reportam-se a situaesque, independentemente depoderem ser relacionveis com atualidade, pretendem apontarpara alm da eemeridade dotempo presente.

    2Considero que todosos cidados tmresponsabilidades deinterveno cvica. No quer

    isto dizer que tenham de o azerno mbito do seu trabalho.Acho que os artistas, enquantocidados, devem comprometerse com a construo de umasociedade a todos os nveismelhor do que a que receberammas isso uma tarea que cabea todas as pessoas. A Arte nopode estar rem do momentonem deste ou daquele acto,mas h excees. H alturas emque os desafos que se colocamso to grandes que surgeme imperativos que os artistasse sentem impelidos a dar oseu contributo particular. Asrevolues e as grandes causaspropiciam isso. No sei se

    vivemos um momento dessesagora, mas temo que possamosestar a caminhar para a.J

    presenciamos um tremendoequvoco ace ao(s) processo(s)artstico(s) contemporneo(s).Por um lado, entendemos, epercebemos, o azer artsticocomo uma espcie de sistemamulti-show, cujo objectivo

    parece ser, e que patenteem muitos casos, o puroentretenimento. E, por outro,tambm conseguimos abordara criao artstica atravs deuma atitude mais reservada,mais intimista - e talvez maisverdadeira.

    A essncia do meu trabalho,estou convencido, tem deter como contrapartida a suacomunicao, a sua uidez,pois, necessrio um veculo,um meio de comunicar, umaponte para existir, e tentoestabelecer essa ponte atravsdas temticas, e dos contedos(onde se incluem os problemasdo Mundo), que elejo para

    expressar, bem como dosprprios materiais que emprego,muitas vezes, oriundos datradio artstica, como doshipermercados e que so de usoquotidiano, banais.

    Afrmei uma vez que atendncia atual, em que todosns nos encontramos, pareceser aquela que vai ao encontrodo desamor e no do Amor,sabendo ns tambm que navida tudo surge pelo amor,seno houver amor haver umaansiedade constante, isto uma permanente busca dequalquer coisa. Se perdermosessa reerncia, e acho que aestamos a perder, essa procuratornar-se- cada vez maisdicil. precisamente a partirda que eu procuro interagir como mundo.

    Assim, no meu caso pessoal,os acontecimentos do mundoconstituem-se como partesignifcativa da minha auto-expresso, pois entendo, comoo Jean-Luc Godard disse umavez - a Arte az parte da peledo mundo, coisa viva e, comotal, tambm sore com os raiosultravioleta.

    2Nenhum artista podeviver sem poltica, etambm verdade quea poltica no pode viver semos artistas. Mas a Arte no azparte dapraxispolitica, isto, no se disponibiliza comotal, ao invs, evoca, alude, criametora. Tambm sabemosque os artistas, ao longo dostempos, apresentaram umadiversidade de comportamentosque oscilam entre umamilitncia mais politica(como no caso de Courbett oude Antoni Muntadas) e outra,diramos, mais pontual, muitasvezes apenas com uma obravisivelmente enquadrada comeste ou aquele assunto (veja-se ocaso de Delacroix ou do prprioFragonard). Mas tambm temosde debater o que se entende