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O DESENHO INFANTIL ESPONTNEO OU CULTIVADO?

Graciela CorsiAluna do Curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educao Vera Cruz

Silvana AugustoOrientadora

RESUMO

No dia a dia da educao infantil deve-se dispor de tempo para observar, apreciar e refletir sobre a importncia do desenho no desenvolvimento global da criana. Este estudo pretende contribuir para a prtica na educao infantil ao apresentar algumas contribuies tericas sobre a evoluo do desenho, em suas fases na viso espontanesta, e em seus momentos conceituais, na viso cultivista, que iro favorecer o entendimento desse material, to rico que o desenho. Conclui-se que uma interveno inadequada, pode estagnar o processo criativo da criana. O artigo defende que fundamental que haja uma interveno adequada ao desenho, em situaes de aprendizagem, que possa ajudar o aluno a avanar na construo de conhecimentos. Palavras-chave: Desenhos na Educao Infantil. Fases do desenho infantil. Viso espontanesta. Viso cultivista.

1 INTRODUO

Por que o desenho? Porque o primeiro registro da criana que fica historicamente gravado no papel. O desenho infantil comunica, assim como a fala, o jogo e a escrita. Ao desenhar, a criana expressa seus conhecimentos e suas experincias, mostrando sua percepo de mundo de modo singular. Em muitas das atividades humanas, o desenho se manifesta, seja na ilustrao de livros, nos mapas, no logotipo, na rvore, na janela. Apesar de sua natureza transitria, o desenho uma lngua to antiga e to permanente que atravessa a histria e todas as fronteiras geogrficas e temporais.Seja no significado mgico que o desenho assumiu para o homem das cavernas, seja no desenvolvimento do desenho para a construo de maquinrios no incio da era industrial, seja na sua aplicao mais elaborada para o desenho industrial e a arquitetura, seja na funo de comunicao que o desenho exerce na ilustrao, na histria em quadrinhos, o desenho reclama a sua autonomia e sua capacidade de

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abrangncia como um meio de comunicao, (DERDICK, 1989, p.29).

expresso e conhecimento

O desenho anterior linguagem escrita. Isto atestado pelas pictografias dos homens das cavernas e dos povos primitivos, por exemplo, que fizeram com que chegassem at ns os seus interesses e aspectos do seu modo de vida. Sendo o desenho uma linguagem que atravessa os tempos histricos, podemos concluir que o homem sempre desenhou. Sobre o desenho, Piaget (appud MREDIEU,1999, p.40) ressalta que O desenho uma representao, isto , ele supe a construo de uma imagem bem distinta da prpria percepo. Portanto, ao desenhar, a criana no reproduz lembranas visuais, mas experimenta, constri e traduz sensaes e pensamentos. O desenho , ento, a expresso do que a criana sente e pensa, como um espelho, uma imagem representativa dela prpria. Deste modo, tudo que a criana aprende passou pela percepo, pelos sentidos. V-se que o desenho tem grande valor para a comunicao e a expresso da criana e pode ser entendido como parte do cotidiano escolar. Faz-se necessrio, ento, ajudar os profissionais interessados nesta questo a lanar um novo olhar para as produes infantis, que propsito fundamental desse artigo. As indagaes aqui propostas surgiram a partir de observaes de crianas desenhando seja em situaes espontneas, seja como parte de atividades da educao infantil e pretendem fazer frente s prticas inadequadas, observadas nas escolas freqentadas durante o perodo dos estgios tais como o uso de desenhos estereotipados e a falta de valorizao da arte infantil. A hiptese levantada neste estudo que o desenho constitui para a criana uma atividade ldica que engloba o conjunto das potencialidades e necessidades da criana, propiciando a integrao entre a cognio, ao, imaginao, percepo e sensibilidade. Esse estudo foi estruturado em seis sees, nas quais abordarei o assunto, numa linguagem clara e precisa, a partir desta introduo. Na segunda, a importncia do desenho na Educao Infantil. Na terceira seo, comprovo a evoluo do desenho na viso espontanesta de Viktor Lowenfeld, atravs de desenhos observados e analisados por mim, feitos por crianas entre 1 ano e 7 meses e 8 anos e 3 meses de idade, em contexto no escolar, com o objetivo de ilustrar e exemplificar as colocaes desse autor. Na quarta, questiono se o desenho puramente espontneo. Na quinta, apresento a evoluo do desenho na viso cultivista de Rosa Iavelberg. E, na sexta, uma concluso sobre todas essas consideraes investigadas, inseridas no contexto terico-prtico prprio ao trabalho dos educadores.

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Para tanto, pretendo gerar uma reflexo sobre as contribuies tericas associadas ao processo de aprendizagem das crianas que favorecero o entendimento desse material to rico que o desenho.

2 A IMPORTNCIA DO DESENHO PARA A CRIANA

Independente do sistema educacional, no qual a criana esteja inserida, o desenho faz parte da sua vida, assim como o brinquedo. No entanto, ao longo de observaes nas escolas, pode-se perceber que muitas vezes os profissionais da rea de educao no valorizam devidamente o desenho infantil, no refletindo sobre o quanto ele tem a nos dizer e como podemos conhecer as crianas atravs dele. difcil imaginarmos uma criana sem o desenho e, conseqentemente, precisamos estar atentos para dar a mesma importncia que o desenho tem para ela. Sobre o desenho da criana, Moreira (2008, p.15) indica que:Toda criana desenha. Tendo um instrumento que deixe uma marca: a varinha na areia, a pedra na terra, o caco de tijolo no cimento, o carvo nos muros e caladas, o lpis, o pincel com tinta no papel, a criana brincando vai deixando sua marca, criando jogos, contando histrias. Desenhando, cria em torno de si um espao de jogo, silencioso e concentrado ou ruidoso seguido de comentrios e canes, mas sempre um espao de criao. A criana desenha para brincar.

A criana, desde muito pequena, comea a realizar os primeiros traos, experimenta brincando, despertando um maior interesse ao perceber diferentes marcas. O desenho para a criana uma atividade muito prazerosa. Toda criana desenha, pois sente prazer no gesto, no trao e principalmente na marca produzida por ela. Desenhando a criana brinca. Klein (appud MREDIEU,1999, p.74) diz que "O desenho representa uma simples atividade ldica. A criana desenha para brincar. Desenha brinquedos, brinca com os desenhos (MOREIRA,2008, p.16). Os desenhos das crianas expressam o que elas sentem e pensam sobre as coisas. Sendo assim, ao observarmos seus desenhos, podemos aprender muito sobre o seu modo de pensar e sobre as habilidades que possuem. Os estudos sobre o desenho infantil beneficiam-se, segundo Mredieu (1999, p.3), da contribuio da obra de Piaget e prosseguem no sentido de uma elucidao dos mecanismos

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da expresso infantil, expresso que no mais somente grfica e plstica apenas, mas, tambm gestual e musical. Moreira (2008,p.20), diz a este respeito que:O que preciso considerar diante de uma criana que desenha aquilo que ela pretende fazer: contar-nos uma histria e nada menos que uma histria, mas devemos tambm reconhecer, nesta inteno, os mltiplos caminhos de que ela se serve para exprimir aos outros a marcha de seus desejos, de seus conflitos e receios.

Isto porque o desenho para a criana uma linguagem como o gesto ou a fala. A criana desenha para experimentar, comunicar e poder registrar a sua fala. Sendo assim, o desenho sua primeira escrita.Para melhor conhecermos a criana, preciso aprender a v-la. Observ-la enquanto brinca: o brilho dos olhos, a mudana de expresso do rosto, a movimentao do corpo. Estar atento maneira como desenha o seu espao, aprender a ler a maneira como escreve a sua histria (MOREIRA, 2008, p.20).

O desenho deve ser valorizado no dia a dia da sala de aula, e no apenas como uma forma de expresso artstica, mas tambm como sendo uma forma de entender o desenvolvimento da criana, visando seu crescimento como um ser social. Atualmente, os desenhos das crianas so considerados um meio privilegiado para a construo, descoberta e percepo de mundo, alm de constiturem um modo cultivado de expresso para as mesmas. Sendo um meio de experimentao, de expresso e de comunicao, o desenho revela muito daquele que desenha. Para finalizar, uma citao de Picasso (appud DERDYK, 1989, p.185) que, reflete o quo importante o desenho e a criatividade para o desenvolvimento do ser humano: Um quadro no pensado e fixado a priori; enquanto o executamos, ele vai seguindo a mobilidade do pensamento. Uma vez terminado, ele pode mudar bastante, de acordo com o estado daquele que o observa. Sendo assim, o desenho vai alm da sua produo e seu processo reflete numa constante transformao.

3 A EVOLUO DO DESENHO INFANTIL NA VISO ESPONTANESTA

Esta seo aborda as etapas do desenho espontneo infantil, associadas ao desenvolvimento da criana, relacionando-as s respectivas faixas etrias. Tal organizao evidencia ao leitor uma sequncia da evoluo do desenho infantil que se desenvolve num processo ativo, dinmico e singular.

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A criana, ao adquirir habilidade motora, passa a desenhar rabiscos primeiramente e, conforme seu desenvolvimento, ocorre tambm a evoluo do desenho. Consciente ou no, a criana faz seus registros, deixando ali marcas de como interage com o meio e com seu emocional. Enquanto desenha, experimenta diferentes traos, explora materiais e tambm brinca de faz-de-conta, podendo verbalizar narrativas que exprimem suas capacidades imaginativas, suas emoes, suas fantasias e suas vontades, ampliando sua forma de sentir e pensar sobre o mundo no qual esto inseridas. Na primeira infncia, podem ser observadas trs grandes conquistas estruturais de acordo com Bossa (2008, p.35):A primeira quando ela percebe a relao gesto-trao, ou seja, quando percebe que o risco um resultante do seu movimento com o lpis. A segunda, quando compreende que pode representar intencionalmente um objeto gratificante e, a terceira, quando consegue organizar suas representaes, formando todos os significativos, primeiramente muito mgico e subjetivo, e depois, cada vez mais complexos, detalhados e prximos realidade objetiva.

Segundo Piaget, esse o caminho que a criana percorre de zero a seis anos e que reflete a passagem do sensrio-motor ao operatrio, ou seja, o processo de tomada de conscincia da organizao sistmica da representao simblica de forma cada vez mais abstrata e objetiva. De acordo com essa viso, a evoluo do desenho acompanha, assim, o caminho da escrita, compreendida finalmente pela criana como um todo coerente e simblico que representa o que se pensa e o que se fala. Oliveira e Bossa (2008) abordam as etapas do desenvolvimento do desenho da criana tomando como base os pressupostos de Lowenfeld, que as caracteriza em trs fases: garatujas, pr-esquemtica e esquemtica. Essa evoluo compreende a faixa etria entre um ano e meio a nove anos, aproximadamente e, corresponde tambm, ao perodo de transio da linguagem grfica e escrita. Lowenfeld (appud OLIVEIRA e BOSSA, 2008), distingue trs estgios de garatuja: a garatuja desordenada, a garatuja controlada e a garatuja a que a criana atribui um nome.

3.1 Garatuja desordenada

A criana encontra-se nesta fase entre um ano e meio e dois anos.

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Inicialmente a criana garatuja desordenadamente, caoticamente, casualmente, longitudinalmente em todas as direes. Ainda no tem noo do campo total do papel (DERDYK,1989, p.60). As garatujas desordenadas correspondem a simples traados feitos pela criana, linhas que seguem em todas as direes. A criana rabisca sem planejamento prvio ou controle de suas aes. Nem sempre olha para a folha para desenhar; ultrapassa o limite do papel e utiliza vrios mtodos para segurar o lpis. Seu maior prazer est em explorar o material e riscar o cho, as portas, o prprio corpo e os brinquedos (OLIVEIRA, 1994, p.44). Exemplo de produo nessa fase o desenho a seguir, elaborado por uma criana de 1 ano e 7 meses em situao no escolar, de forma espontnea.

Figura 1: Desenho espontneo Fonte: Elaborado por uma criana de 1 ano e 7 meses

A observao dessa criana enquanto desenhava pode evidenciar a expresso de uma certa alegria ao movimentar o brao e mo. A criana gesticulou com a outra mo na superfcie do papel e mesa, como se fosse uma extenso do prprio papel. Os rabiscos saiam e voltavam ao papel, num movimento de vai e vem. A criana espalhou os gizes de cera e escolheu uma cor aleatoriamente, aparentemente sem critrio seno a comodidade: o giz estava mais prximo do papel. A criana fez rudos com a boca como se quisesse dizer algo. Soltou o papel em poucos segundos e logo foi buscar outra coisa para fazer ou brincar. Nesta fase, o tempo de envolvimento em cada atividade parece ser curto.

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3.2 Garatujas ordenadas

A segunda etapa vivenciada pela criana a das garatujas ordenadas, que corresponde faixa etria a partir do segundo ano de vida. Nesta fase a criana descobre que existe ligao entre seus movimentos e os traos que faz no papel, passando do traado contnuo para o descontnuo. Desenha trocando intencionalmente de cor e comea a fazer formas circulares. Passa a olhar que faz, comea a controlar o tamanho, a forma e a localizao dos desenhos no papel (OLIVEIRA, 1994, p.44). Porm, no faz relaes entre o que desenhou e a realidade. Exemplo dessa produo o desenho a seguir, elaborado por uma criana de 2 anos e 10meses em situao no escolar, mas espontnea, tendo contato direto com diferentes cores para desenhar.

Figura 2: Desenho espontneo Fonte: Elaborado por uma criana de 2 anos e 10 meses

A

criana

utilizou

mais

de

duas

cores

para

rabiscar.

Os

movimentos foram mais circulares, ora ocorrendo a presso com o giz de cera e, em outros momentos, sendo mais suaves. Apareceu formas isoladas, comprovando o movimento descontnuo ao levantar o lpis do papel. A outra mo foi apoiada mesa, a criana falou durante a atividade e movimentou seu corpo, levantando e sentando. No entanto, no faz relao com a sua produo, ou seja, no atribui significao. O desenho dessa fase parece ser prprio da fase sensrio motora do desenvolvimento infantil, segundo Piaget.

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3.3 Garatujas nomeadas

Nesta ltima etapa, a criana comea a fazer comentrios verbais sobre o desenho e passa a dar nome garatuja. Nesta fase que acontece em mdia no terceiro ano de vida, possvel observar que a criana passa mais tempo desenhando e distribui significativamente melhor o traado no papel. Essa aquisio de controle sob o traado d um grande prazer criana e, a partir da, ela se torna capaz de grafismos mais ricos e mais complexos. Os movimentos circulares e longitudinais convertem-se em formas reconhecveis. Pouco a pouco, as crianas passam a atribuir significados a seus desenhos nomeando-os. Elas percebem que h uma analogia entre o traado que realizaram, sem necessariamente ter tido uma inteno prvia, e algum objeto que elas conhecem. Em OLIVEIRA (1994, p.45) podemos encontrar que Alguns movimentos circulares associados a verticais comeam a dar forma a uma figura humana (esquema cfalo-caudal). Ilustra a produo dessa fase o desenho, a seguir, elaborado por uma criana de 3 anos e 2meses, em situao espontnea.

Figura 3: Desenho espontneo Fonte: Elaborado por uma criana de 3 anos e 2 meses

Podemos observar nesta produo o movimento circular e fechado. Em um dos crculos maiores que surgiram, a criana indicou ser sua me, desenhando dois olhos, um nariz e a boca, em amarelo e marrom. Acredito que ela tenha colocado no papel o que lhe mais significativo, o rosto da me. Foi possvel observar que a criana desenhou com prazer, isso porque, ela observou sua produo e sorriu. Nota-se, aqui, a inteno de representao, caracterstica do perodo operacional concreto do desenvolvimento infantil, segundo Piaget.

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3.4 Fase pr-esquemtca

Na faixa etria compreendendo as idades entre quatro a seis anos, surgem as primeiras formas representativas mais prximas realidade que a criana teve a inteno de produzir. OLIVEIRA (1994, p.45) menciona aspectos tpicos dessa fase pr-esquemtica, dizendo que "A conscincia da analogia entre a forma desenhada e o objeto representado se afirma ". A criana agora comea a organizar seus desenhos representativos. A partir desse momento, comeam a surgir no desenho das crianas figuras reconhecveis. A criana desta fase ainda no capaz de organizar uma representao grfica formando um todo coerente. Os objetos so desenhados de forma solta e a relao entre eles subjetiva (OLIVEIRA, 1994, p.46). Resumindo, as principais caractersticas dessa fase so: a) a criana desenha o que sabe dos objetos, no aquilo que v; b) a criana descobre e conquista a forma; c) no h uma relao temtica entre os objetos desenhados; d) no h uma relao espacial entre os objetos desenhados; e) comea a surgir a figura humana; f) surge na criana a vontade de escrever (grafismos); g) comeam a ser construdos smbolos. O desenho da fase pr-esquemtica, como a pintura, a fala, o jogo, etc, uma representao prpria do pensamento da criana nessa fase. Qualquer que seja o caminho tomado a conquista imensa. Ilustra a produo tpica dessa fase o desenho de uma criana de 5 anos e 5 meses, feitoespontaneamente.

Figura 4: Desenho espontneo Fonte: Elaborado por uma criana de 5 anos e 5 meses

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A criana organizou seus desenhos espacialmente; pessoas, flor e casa no cho, e, sol, nuvem e arco-ris no cu, mesmo tendo tamanhos desproporcionais. Fez formas fechadas, linhas retas e curvas. As figuras humanas esto sorrindo e de braos abertos, o que pode indicar alegria, acolhimento e comunicao. A casa um forte elemento na vida da criana, assim como a famlia, pois, a criana apontou sua produo referindo-se como sendo sua casa, seu pai e sua me. Percebe-se que a ela no fez presso ao desenhar e ao terminar o desenho, no quis pintar.

3.5 Fase esquemtica

As crianas entre sete e nove anos so consideradas pertencentes a fase esquemtica. A criana domina o espao da folha de papel, coloca todos os elementos numa linha de base que pode representar no s o cho, mas tambm o piso, a rua ou qualquer outra coisa. s vezes, a criana cria solues intermedirias entre as linhas do cho e de cu, como: pssaros, borboletas, rvores, etc. Quanto mais caminha para o perodo operatrio, mais organiza seus desenhos de forma coerente e objetiva. Observa-se uma crescente organizao espacial analgica realidade e uma preocupao em detalhes e fidelidade s cores, formas e propores reais OLIVEIRA (1994, p.46). Resumindo, as principais caractersticas dos desenhos esquemticos so: a) as figuras se encontram organizadas segundo temas e com uma ordem espacial clara; b) as formas so compostas de quadrados, tringulos, crculos, etc; c) as coisas da terra se localizam na borda inferior da folha, as coisas do cu na parte superior; d) h uma proporo, em termos de escala, entre as figuras e h uma integrao dos temas; e) h inteno do que representar e de como representar, permitindo a elaborao de projetos individuais ou coletivos. Ilustra, a seguir, a produo dessa fase o desenho de uma criana de 8 anos e 3 meses,feito espontaneamente.

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Figura 5: Desenho espontneo Fonte: Elaborado por uma criana de 8 anos e 3 meses

A criana dominou o espao da folha de papel, ou seja, desenhou por todo o papel, distribuindo os desenhos com critrios especficos, como, coisas de base ou cho e coisas do cu, como fumaa, borboletas, nuvens, pssaros e sol. Demonstrou muita alegria e prazer ao desenhar, surgiram detalhes por todo desenho e ela disse que estava num jardim, na figura de uma menina pulando corda com mais duas meninas mais velhas. A rvore apareceu com tamanho desproporcional em relao s demais figuras. Todo o seu desenho foi bem detalhado. A criana desenhou com postura adequada, tanto para sentar quanto para desenhar. Seu traado foi suave e no observei presso. As figuras foram bem organizadas e a criana comunicou pela sua fala, aquilo que representou sua produo. Ela falou de sentimentos e desejos, como por exemplo, em ter mais irmos.

4 A EVOLUO DO DESENHO : DESENVOLVIMENTO ESPONTNEO OU CULTIVADO?

O estudo das fases do desenho como resultado de um processo de desenvolvimento psicolgico nos permite levantar a hiptese de que todas as crianas podem desenhar, espontaneamente na medida em que se desenvolvem. Assim, desenhar um dado do prprio desenvolvimento. Embora se possa observar claramente uma evolutiva do desenho infantil, no se pode determinar precisamente as idades nas quais cada criana far uma garatuja ou um pr-esquema. As variaes so muito grandes de criana para criana; o que se mantm a ordem de sucesso das etapas.

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A evoluo do grafismo compreendida como dependente da evoluo perceptiva e da compreenso da atividade simblica. Sendo assim, medida que cada etapa alcanada, a criana capaz de representar, atravs de signos convencionais, figuras geomtricas, letras e de evoluir no domnio grfico, at a escrita alfabtica. Visto desse modo, o desenho pode ser entendido como uma evoluo da linguagem grfica e tambm um papel de grande importncia cultural. Atravs do desenho, portanto, a criana ter acesso a outras questes presentes no mundo, como a escrita, e que eram para ela, at ento desconhecidas. Apesar das crianas percorrerem o mesmo caminho para desenhar, o desenvolvimento do desenho no idntico para todas as idades, porque depende das experincias de desenhar, das oportunidades de investigao e experimentao de diferentes materias, das dvidas, certezas e formas de pensar de cada criana, assim como da influncia da cultura social e regional. As crianas esto imersas em culturas que so tambm visuais e as imagens s quais elas tm acesso diversificam suas idias sobre o desenho. Esse repertrio alimenta as crianas, portanto, no trazem mais a viso espontnesta, mas sim cultural. Embora a vontade de desenhar seja espontnea, as crianas possuem uma experincia de desenhar na escola, considerando que todas as crianas frequentem escolas. Por isso, importante compreendermos como a criana aprende e evolui em desenho tambm considerando a diversidade das culturas. interessante propor ao leitor uma viso do desenho cultivado, para que a partir desse confronto, possam surguir outros significados quanto ao desenvolvimento do desenho infantil e para que os professores possam colaborar nesse processo.

5 A EVOLUO DO DESENHO INFANTIL NA VISO CULTIVISTA

Na viso cultivista, no se compreende mais o desenvolvimento do desenho mediante fases universais, mas de momentos conceituais, com invarincias funcionais e diversidade cultural (IAVELBERG, 2006, p.11). Muito antes de escrever, as crianas aprendem a desenhar e, geralmente, retratam pessoas, casas, rvores, animais, sol, etc. Esses temas so vistos nos trabalhos de crianas de diferentes culturas, haja visto meu trabalho em escolas internacionais e estgios na Escola da ONU, NY, EUA. Porm, estudos antropolgicos e interculturais apontam diferenas nos

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desenhos de crianas de pases ou regies diferentes, seja no modo de usar o papel ou nos smbolos eleitos, denotando influncia da cultura visual, educacional e do meio ambiente dos desenhistas (IAVELBERG, 2006, p.28). Por esse lado, podemos pensar essas regularidades encontradas nos desenhos das crianas que freqentam escolas internacionais e que tm nacionalidades e origens de localidades diferentes, devido s semelhanas de cultura social e urbana. Portanto, os hbitos culturais e as imagens s quais as crianas tm acesso, diversificam suas idias sobre o desenho. Porm, as crianas pequenas constroem a realidade em um mundo subjetivo, rico em fantasias. Assim sendo, os desenhos so representaes e no reprodues da realidade. Contudo, antes uma interpretao da realidade, uma maneira de ver as coisas e de se colocar diante delas. Para Rosa Iavelberg, o conhecimento tcnico e o fazer expressivo caminham lado a lado no desenho cultivado, caracterizando sua evoluo em cinco momentos conceituais: Ao, Imaginao I, Imaginao 2, Apropriao e Proposio. Esse primeiro momento conceitual representa as trs fases da Garatuja, caracterizada por Viktor Lowenfeld e explicada anteriormente na viso espontanesta. Iavelberg o nomeia Ao porque, inicialmente, para as crianas bem pequenas, desenhar rabiscar e explorar movimentos, o agir puramente gestual. At que, pouco a pouco, adquira coordenao com o olhar e o traado. Progressivamente esse gesto de rabiscar transformado em smbolos, caracterizando o momento conceitual nomeado Imaginao I. Neste momento, as figuras so desenhadas separadamente, desarticuladas, assim como na fase pr-esquemtica de Lowenfeld. Ao conseguir contextualizar esses smbolos em imagens narrativas, a criana se enquadra no momento conceitual nomeado Imaginao II, assim como na fase esquemtica caracterizada por Lowenfeld, que a criana percebe que pode desenhar o que quiser e que muitas coisas podem aparecer nos seus desenhos. Coisas que existem e coisas que no existem. Porm, nesse momento conceitual, Iavelberg acrescenta tcnicas de representao do espao, como o plano deitado e o rebatimento atravs da utilizao de transparncias, por exemplo, alm de citar a importncia de modelos e da influncia cultural. A criana descobre depois disso que pode deixar de desenhar partes dos objetos reais ou irreais para represent-los, porque percebe que essas formas de desenho existem em seu ambiente cultural e, com base em modelos de desenhos que observa, agora j capaz de querer faz-los (IAVELBERG, 2006, p.66).

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Ao descobrirem que existem maneiras eficazes de desenhar, as crianas sentem vontade em domin-las. Este momento caracterizado de Apropriao, pelo grande desejo que os desenhistas tm de se apropriarem das regularidades dos cdigos da linguagem e de seu sistema aberto de simbolizao (IAVELBERG, 2006, p.67). Para Rosa Iavelberg neste momento conceitual que a ao educativa e a mediao cultural dos professores so de fundamental importncia. Apesar de todos os momentos conceituais requererem orientaes didticas prprias e atividades adequadas para no bloquear a criatividade da criana. Ressaltando que so as prticas inadequadas que geram o bloqueio e no a influncia esttica adulta ou o uso de modelos. O momento conceitual que nomeamos APROPRIAO, que requer abordagens que transcendem as orientaes da livre expresso (IAVELBERG, 2006, p.67). O ltimo momento conceitual o de Proposio, no qual a criana tem conscincia de que o desenho pode expressar o que ela quiser: sentimentos, idias, anncios, ilustraes, eventos, etc. E ainda, exposto em diversas modalidades, como: bidimensional, tridimensional e virtual. Enfim, cada desenhista funciona de modo muito semelhante a um produtor adulto de arte e isso no significa o fim do processo, uma vez que poder desenvolver sua identidade artstica por toda a vida (IAVELBERG, 2006, p.68). Na viso cultivista so os contextos culturais e as mltiplas interaes nas situaes educativas que fazem com que o desenhista avance em sua aprendizagem. Esta aprendizagem deve ser orientada por contedos de diferentes mbitos, tanto cognitivo, quanto fsico e afetivo, articulados desde os desenhos pr-simblicos iniciais. Rosa Iavelberg aborda o desenho criativo como objeto simblico e cultural, expressivo e construtivo, individuado e influenciado pela cultura; e, ainda, o desenho que todos podem aprender a realizar com orientao didtica adequada (2006, p.11). Pensar o desenho como fruto de experincias de aprendizagens influenciadas pela cultura, cuja transformao depende de oportunidades e formas de aprendizagens, transcende o processo evolutivo do desenho de todas as crianas, independentemente da cultura na qual estejam inseridas, descrito por Lowenfeld.

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6 CONCLUSO

Depois dessa pesquisa bibliogrfica cheguei concluso de que todo o desenho espontneo sofre a influncia do contexto no qual est inserido, podendo ser assim, cultivado. Por isso, desde a educao infantil deve-se propiciar um universo rico de aprendizagens em desenho, ampliando o repertrio cultural das crianas atravs da diversidade de idias e aes artsticas, de materiais a serem explorados e da socializao dos desenhos feitos nos ambientes da escola. Pois os desenhos das crianas transformam-se tambm em funo dos modelos visuais de seu meio e das suas experincias artsticas. O desenho espontneo d lugar ao desenho cultivado, que, influenciado pela cultura, mantm seu epicentro na criana, sujeito criador informado que produz como protagonista de seus desenhos (IAVELBERG, 2006, p.12). Tanto a viso espontanesta quanto a cultivista visam o desenvolvimento da criana, e se enquadram no caminho que a criana percorre de zero a seis anos e que reflete, segundo Piaget, a passagem do sensrio-motor ao operatrio, ou seja, o processo de tomada de conscincia da organizao sistmica da representao simblica de forma cada vez mais abstrata e objetiva. No entanto, elas se diferem no modo de conduzir a relao da criana que desenha e do adulto que a orienta. A viso espontanesta entende que, como h etapas universais de desenvolvimento do desenho, as crianas vo desenhar espontaneamente, de todo modo. A viso cultivista acredita que uma orientao adequada pode ajudar o aluno a avanar em sua aprendizagem e o contrrio, uma prtica inadequada ou um abandono do desenho nas situaes educativas, pode estagnar o processo criativo da criana. Portanto, embora todas as crianas possam desenhar, o modo como vo desenhar, com mais ou menos criatividade, depende dos processos de aprendizagem mediados pelos adultos e pelos materiais. Apesar de Lowenfeld defender a idia de auto-expresso, livre das idias de outros, situando na garatuja a fase mais autntica de ao expressiva, pela pureza da imaginao, no podemos esquecer da concepo piagetiana, que acredita na forma ativa do sujeito na percepo de modelos do meio, pois as crianas os transformam de acordo com suas representaes. Afinal, se fosse to simples aprender pela imitao, a aprendizagem ocorreria pela repetio de exerccios de treino de habilidades, pela fixao ou introjeo de modelos, sem interpretao ou transformao do sujeito. Tese superada em educao, pois sabemos que, dessa forma, nunca poderia ser construda uma aprendizagem significativa.

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REFERNCIAS

DERDYK, E. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. So Paulo: Scipione, 1989. IAVALBERG, R. O desenho cultivado da criana: prticas e formao de educadores. Porto Alegre: Zouk, 2006. MERDIEU, F. O desenho infantil. So Paulo: Cultrix, 1999. MOREIRA, A. A. A. O espao do desenho: a educao do educador. 12. ed. So Paulo: Loyola. 2008. OLIVEIRA, B. e BOSSA, N. (orgs)- Avaliao psicopedaggica da criana de 0 a 6 anos. 17. ed. Petrpolis: Vozes, 2008.