Greve

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Ilha do Fundão, Rio de Janeiro. Estacionamento do Centro de Tecnologia – UFRJ. Primeiro de junho de dois mil e quinze. Entre duas e meia e três da tarde. Um jovem de vinte e dois anos, espera impaciente por alguém. De repente, ele vê um grupo de conhecidos, que vai em sua direção. - Ei, vocês estão vindo de onde? Parecem afobados! - Da Faculdade de Letras. Parece que houve confusão por lá. - Nossa, não fiquei sabendo de nada. Foi muito grave? - Foi. Teve um garoto machucado lá. Ele tá muito machucado MESMO. - Vocês sabem quem é ele? Sabem, eu estou esperando meu irmão. Fiquei de encontrar com ele aqui, pra irmos embora. Ele estuda lá também. - Espera. Qual o nome dele? - Eduardo. Eduardo Santoro. Parecido comigo, só que mais baixo e mais forte. - Com um piercing na orelha direita? - Sim, ele mesmo. - Você é o irmão mais velho do Dado? - Sou. Espera...o que aconteceu? Aconteceu alguma coisa com ele? - Cara...nem sei como te falar...seu irmão levou uma surra lá na faculdade... - Não é possível, por isso, ele tá demorando... vamos pra lá, agora…como isso foi acontecer???? - A gente viu um pouco da confusão. Teve a ver com a greve. - Droga... essa greve.... - Ele é contra ou a favor? - Mais contra do que a favor. Que nem eu. A gente conversa bastante sobre isso, ele tava com bastante medo porque tem um pessoal que é a favor e nem quer conversa. E aqui, no CT, a galera é quase toda contra. Consideram que não seja o momento ideal para fazer isso. Eu preciso vê-lo. Vocês me ajudam? - Claro! Aliás, qual o seu nome? - Humberto. Humberto Santoro. O grupo atravessa a rua e vai até a frente da Faculdade de Letras. Eles irrompem a entrada e veem o corpo de Eduardo no chão, ensanguentado. Humberto fica louco. - Meu irmão! O que vocês fizeram? Só por que ele é contra? - Vamos sair daqui, eles nem querem conversa! Humberto apoia o corpo do irmão nas costas e amparado pelo grupo sai escoltado da faculdade. Eles voltam para o estacionamento e

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Page 1: Greve

Ilha do Fundão, Rio de Janeiro. Estacionamento do Centro de Tecnologia – UFRJ. Primeiro de junho de dois mil e quinze. Entre duas e meia e três da tarde. Um jovem de vinte e dois anos, espera impaciente por alguém. De repente, ele vê um grupo de conhecidos, que vai em sua direção.

- Ei, vocês estão vindo de onde? Parecem afobados!- Da Faculdade de Letras. Parece que houve confusão por lá.- Nossa, não fiquei sabendo de nada. Foi muito grave?- Foi. Teve um garoto machucado lá. Ele tá muito machucado MESMO.- Vocês sabem quem é ele? Sabem, eu estou esperando meu irmão. Fiquei de encontrar com ele aqui, pra irmos embora. Ele estuda lá também.- Espera. Qual o nome dele?- Eduardo. Eduardo Santoro. Parecido comigo, só que mais baixo e mais forte.- Com um piercing na orelha direita?- Sim, ele mesmo. - Você é o irmão mais velho do Dado?- Sou. Espera...o que aconteceu? Aconteceu alguma coisa com ele?- Cara...nem sei como te falar...seu irmão levou uma surra lá na faculdade...- Não é possível, por isso, ele tá demorando... vamos pra lá, agora…como isso foi acontecer????- A gente viu um pouco da confusão. Teve a ver com a greve. - Droga... essa greve....- Ele é contra ou a favor?- Mais contra do que a favor. Que nem eu. A gente conversa bastante sobre isso, ele tava com bastante medo porque tem um pessoal que é a favor e nem quer conversa. E aqui, no CT, a galera é quase toda contra. Consideram que não seja o momento ideal para fazer isso. Eu preciso vê-lo. Vocês me ajudam?- Claro! Aliás, qual o seu nome?- Humberto. Humberto Santoro.

O grupo atravessa a rua e vai até a frente da Faculdade de Letras. Eles irrompem a entrada e veem o corpo de Eduardo no chão, ensanguentado. Humberto fica louco.

- Meu irmão! O que vocês fizeram? Só por que ele é contra?- Vamos sair daqui, eles nem querem conversa!

Humberto apoia o corpo do irmão nas costas e amparado pelo grupo sai escoltado da faculdade. Eles voltam para o estacionamento e lá tentam reanimar o garoto. Depois de algum tempo, Eduardo acorda e respira com dificuldade.

- Mano, você tá bem?- T-Tô...como você me achou?- Eles me disseram o que tinha acontecido. Por que você levou essa surra?- Eu tava querendo assistir a aula, independente de greve. Aí, veio um grupo e começou a ameaçar quem não saísse da sala. Eu fiquei. Só perdi o chão quanto senti a porrada comer. Não tive como me defender. - Por Deus! Em que era vivemos? Será que os tempos voltaram a ser tão bárbaros? O diferente não pode se dissociar da inimizade ou da animosidade? O branco e o preto precisam estar um contra outro? O presente é tão nebuloso e frio que mal se observa o veneno entranhado nas veias. A sala vazia, o campus deserto, a letra inútil precisam levar ao sangue alheio que escorre ou ao discurso ferino? E assim, não há investimento ou dissimulação que justifique a agressão desenfreada.