Grosse Stille

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Cidade nova. Exemplar 488. Ano XLVIII. Nº. 11- Novembro 2006 – pp. 42-43. ----------------------------------------------------------- ----------------------------------------------- ARTE & CULTURA Cinema e espiritualidade Um silêncio que fala Um filme original sem falas do alemão Philip Groning sobre o cotidiano dos monges de um mosteiro cartusiano na França surpreendeu o público e a crítica do Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro deste ano. O filme de 160 minutos de silêncio quase total foi considerado pela crítica como um espaço para se reencontrar consigo mesmo e com o outro. Mario Dal Bello, de Roma Em Roma, conversamos com o produtor de cinema Philip Groning sobre o seu filme mais recente, "O Silêncio Divino". Seu rosto bronzeado e sereno reflete o clima agradável que invade a cidade. Parece refletir também a experiência espiritual e profundamente humana que ele fez nessa sua mais recente investida cinematográfica. Surpreendentemente "O Silêncio Divino", que foi muito criticado em sua terra natal, chama a atenção nos países em que está em cartaz pela reação positiva da crítica e pelo número de espectadores. Em abril deste ano foi premiado no Festival de Documentários "É tudo verdade", realizado no Rio de Janeiro, e no mês passado voltou ao Brasil, sendo um grande sucesso no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. - Mario Dal Bello: Dezenove anos de espera. Finalmente um filme sobre a vida num mosteiro cartusiano. Por que um filme desse tipo? - Philip Groning: Muitos me perguntam isso. Eu comecei a fazer cinema e percebi que era um trabalho de enlouquecer. Não existia um momento de tranqüilidade, de pesquisa, de

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Cidade nova. Exemplar 488. Ano XLVIII. N. 11-Novembro 2006 pp. 42-43.

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ARTE & CULTURA Cinema e espiritualidadeUm silncio que falaUm filme original sem falas do alemo Philip Groning sobre o cotidiano dos monges de um mosteiro cartusiano na Frana surpreendeu o pblico e a crtica do Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro deste ano. O filme de 160 minutos de silncio quase total foi considerado pela crtica como um espao para se reencontrar consigo mesmo e com o outro.Mario Dal Bello, de RomaEm Roma, conversamos com o produtor de cinema Philip Groning sobre o seu filme mais recente, "O Silncio Divino". Seu rosto bronzeado e sereno reflete o clima agradvel que invade a cidade. Parece refletir tambm a experincia espiritual e profundamente humana que ele fez nessa sua mais recente investida cinematogrfica. Surpreendentemente "O Silncio Divino", que foi muito criticado em sua terra natal, chama a ateno nos pases em que est em cartaz pela reao positiva da crtica e pelo nmero de espectadores. Em abril deste ano foi premiado no Festival de Documentrios " tudo verdade", realizado no Rio de Janeiro, e no ms passado voltou ao Brasil, sendo um grande sucesso no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro.

- Mario Dal Bello: Dezenove anos de espera. Finalmente um filme sobre a vida num mosteiro cartusiano. Por que um filme desse tipo?- Philip Groning: Muitos me perguntam isso. Eu comecei a fazer cinema e percebi que era um trabalho de enlouquecer. No existia um momento de tranqilidade, de pesquisa, de encontro com a verdade de um determinado momento da vida de uma pessoa. At que visualizei a imagem de um monge na sua cela: parecia-me uma espcie de arqutipo do intelectual europeu.Eu pensei: se eu vivesse por um certo tempo num mosteiro e, ao mesmo tempo, rodasse um filme. Trabalharia com aquilo que teria acontecido no momento presente, sem idias pr-estabelecidas: sem msicas, sem comentrios, sem palavras, sem informaes. A idia nasceu desse modo.

- possvel definir esse filme como uma histria de amor?- isso sob certos aspectos. Existe muita amizade, muito calor humano entre os monges. Eles no se falam, no se tocam; mas existe um amor espiritual.

Eu me encontrei muito bem entre eles. Os monges tm uma vida muito equilibrada. Existe uma belssima harmonia interior entre o fazer e o no fazer. certo que, sobretudo no incio, eu passei por momentos de forte depresso.

De fato, ns somos acostumados a viver de outro modo: sempre devemos ter um estmulo que, porm, esconde o vazio no qual nos encontramos.

- Como o senhor conseguiu superar esses momentos de dificuldades?Uma coisa saber que voc vive num mosteiro cartusiano ; outra o fato de que voc ficar ali s por quatro meses.

Eu superei algumas vezes o senso de vazio de modo muito banal, pensando, por exemplo, que no era indispensvel enviar e-mail; na maioria das vezes eu superei lembrando-me que eu mesmo tinha escolhido viver no mosteiro, no podia sair, precisava ficar ali para filmar. Por isso era necessrio esperar at que passasse aquele momento de desespero para depois poder ver algo de novo, de diferente.

Aps esses momentos, nasceram algumas das imagens mais belas do filme. Foi um percurso: eu entrava no vazio, no o suportava, mas depois a percepo em relao ao mundo se abria de maneira toda nova. Espero que os espectadores faam essa experincia.

- O filme parece tambm uma viagem em direo beleza. Estou me referindo a certas tomadas internas que lembram a pintura de Vermeer e van Dych - autores que o senhor gosta - e uma viagem aos retratos dos monges.

- A cada vez eu os retratei em grupos de trs. Parecia-me uma escolha evidente: enquadrar os rostos. Foi a primeira coisa que eu fiz. De fato, no incio no sabia como justificar a minha presena no mosteiro. Os monges no tinham medo da cmera; eu, ao invs, tinha. Era tentado a espiar a vida deles sem procurar o confronto com eles. Mas no podia me esconder, pensar que estava incomodando: aquela era a porta de entrada e, por ali, eu devia entrar.

- No filme no existem dilogos, s os cnticos litrgicos, mas o barulho que fazemos to alto que nos faz pensar que a normalidade seja isso...

Ao invs, as coisas so silenciosas, no tm voz e mesmo assim falam... Por esse motivo, no usamos a tcnica digital: a presena das coisas no seria percebida, o fato de v-Ias em toda a sua abrangncia nos levaria ligeiramente a desfoc-las. Teramos perdido o objetivo do filme. Os monges tm pouqussimas coisas, mas so extremamente presentes. Com a tcnica digital, tudo isso estaria perdido.

- Porm, algumas palavras c e l ficaram. Vocs filmaram um monge que fala com o gato dele...

- verdade (sorri). Quando, no final, eu deveria mostrar o filme, estava muito nervoso, porque sabia que os monges poderiam pedir-me para cortar algumas cenas.

Ao invs, deixaram todas, inclusive a cena do gato. Eles se conhecem bem entre si...

Eles conservam aspectos da vida das crianas. Vivem na inocncia completa porque no tm preocupao. Trabalham, pensam, tm confiana que cada vida boa e ir adiante.

- Algum pode catalogar o seu trabalho como um filme religioso porque fala de monges.

Seguramente o filme no confessional. No religioso no sentindo restrito da palavra. , sobretudo, uma experincia cinematogrfica: abre o caminho em direo a algum, em direo a perguntas. Nesse sentido religioso porque voc pode se encontrar com as suas dvidas, com as suas perguntas e talvez encontrar alguma resposta. Que venham de voc, no do filme. O filme o espao que se abre para responder a essa necessidade.Deixa o espectador livre, mas lhe serve um pouco de guia: de fato, um espao que eu ofereo para que ele possa descobrir a sua prpria presena, encontrar-se com ela. Um grande presente, como disseram as pessoas que o viram na Alemanha: trs horas para encontrar-se consigo mesmo. De fato, um filme sobre o tempo: o tempo bom, que faz bem ao ser humano.

- "No Silncio Divino" est tendo muito sucesso. Foi acolhido com entusiasmo nos Festivais de Roterd e de Toronto, venceu o grande Prmio do Jri no Sundace, o prmio da critica na ltima Berlin, ale... E agora o vencedor no Festival " tudo verdade", no Rio de Janeiro. Como o senhor explica esse sucesso?- No incio as pessoas tm medo das trs horas de filme. Mas, uma vez que o vem, fazem publicidade dele transmitindo a notcia de boca em boca. As pessoas vem o filme at por cinco ou seis vezes, descobrem outros valores e saem felizes. Existe uma enorme necessidade de busca interior, de verdade artstica: esses dois mementos precisam entrar na nossa cultura que, por alguns sculos, se baseou na idia do trabalho. Esse no o valor sobre o qual nasceu a cultura europia.

Os monges, no fundo, trabalham s para terem o necessrio e nada mais. Os monges nesse lugar se liberam do medo. Cada um em confiana que Deus prover tudo.

- Com o senhor se v depois de um trabalho desse gnero?

Este um filme nico. Por isso, eu sofri muito durante sua montagem: no tinha nenhuma orientao. Porm, deixou-me uma convico: acredito, muito mais do que antes, que a 'ida se encaminha para uma direo na qual tudo em um sentido.