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  • Anais do III Simpsio Gnero e Polticas Pblicas, ISSN 2177-8248

    Universidade Estadual de Londrina, 27 a 29 de maio de 2014

    GT2 Familismo nas Polticas Pblicas- Coord. Regina Clia T. Mioto e Marta Campos

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    A Matricialidade Sociofamiliar do SUAS: dilogo entre possibilidades e limites

    Luciana Marques 1

    Resumo: Este artigo objetiva refletir sobre a matricialidade sociofamiliar que uma

    diretriz do Sistema nico de Assistncia Social. Esta diretriz percebe e orienta a famlia

    na centralidade da oferta dos servios, programas, projetos e benefcios ofertados pela

    poltica de assistncia social. Desenvolve-se uma abordagem terica sobre o significado

    do conceito de matricialidade sociofamiliar identificando os avanos decorrentes e os

    limites apresentados, bem como o risco de prticas conservadoras e ambguas, que

    levam a responsabilizao das famlias muito mais do que a garantia de direitos. Por

    fim, apresentam-se apontamentos concernentes ao risco da manuteno do

    conservadorismo na prtica profissional.

    Palavras-chave: assistncia social, famlia, polticas pblicas.

    1 Introduo

    A centralidade da famlia tem sido objeto de muitos debates no que diz respeito

    s polticas pblicas, como se percebe no momento, em especial a assistncia social, que

    traz tona a discusso acerca do atendimento integral famlia, almejando considerar a

    totalidade das relaes e dinmicas que perpassam a vida familiar. Este debate, no

    entanto, no est concludo.

    O presente artigo insere-se neste debate. Ele fruto das reflexes do cotidiano

    profissional, com relao famlia e a matricialidade sociofamiliar, no mbito da

    poltica de assistncia social e das buscas terico metodolgicas realizadas no intuito da

    produo cientfica, na interlocuo da poltica social e famlia, resultado do processo

    de aprendizado no curso de ps-graduao, nvel de mestrado em servio social.

    Neste texto, abordar-se- a poltica de assistncia social, especificamente a sua

    demonstrao de ateno famlia, na lgica do Sistema nico de Assistncia Social

    (SUAS), que estabeleceu a matricialidade sociofamiliar como um dos seus eixos

    estruturantes. Ao mesmo tempo em que apresenta a assistncia enquanto poltica

    pblica de direito social, tambm elucida as contraditoriedades presentes neste processo.

    1 Mestranda no Programa de Ps-Graduao em Servio Social, pela Universidade Federal de Santa

    Catarina, integrante do Ncleo de Pesquisa Interdisciplinar Sociedade, Famlia e Poltica Social.

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    Ao referenciar a matricialidade sociofamiliar do SUAS o presente artigo realiza

    um dilogo que gira em torno dos avanos e dos desafios e limites desta opo poltica

    em evidenciar a famlia na centralidade da oferta das aes.

    2 A assistncia social enquanto poltica pblica

    A assistncia social ganha estatuto de poltica pblica a partir de 1988, quando

    passa a integrar a seguridade social, juntamente com a previdncia social e a sade. A

    partir deste momento a assistncia social compe o sistema brasileiro de proteo

    social, de responsabilidade do Estado, ofertado como direito social no contributivo,

    para aqueles que dela necessitarem.

    Essa nova perspectiva para a assistncia social precisa ser contextualizada em

    sua historicidade marcada por aes benevolentes e caridosas de ajuda ao prximo,

    ligada filantropia, que se vinculou, por muito tempo, a prticas religiosas, aes

    paternalistas e interesses polticos, sendo at mesmo confundida com estas aes.

    Esta incluso da assistncia social no rol de polticas pblicas de proteo social

    marcada por tenses, que orientaram a trajetria histrica na passagem da prtica

    caridosa para o seu reconhecimento como poltica pblica, de direito do cidado e de

    dever do Estado. Isto garantido na Constituio Federal, artigo 203, que rege: A

    assistncia social ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de

    contribuio seguridade social (BRASIL, 1988, p. 34).

    Para Sposati (2008, p.42) [...] a incluso da assistncia social na Constituio

    repudia o conceito de populao beneficiria como marginal ou carente. O cidado

    passa, desde ento, a ser entendido, pela fora da lei, como portador de direitos e no

    como merecedor de favores e benesses, rompendo com a tradio de caridade e

    assistencialismo. Essa pretenso em construir uma poltica pblica de proteo social

    pela perspectiva do direito social, indicada pelo Constituio demonstra as

    possibilidades de ampliao da cidadania e da proteo social brasileira.

    A assistncia social como poltica pblica de direitos de cidadania e

    dever do Estado, no campo da dvida social brasileira com os

    excludos, portanto, da incluso dos invisveis dentre os brasileiros,

    implica possibilidade de ampliar o alcance da cidadania e da proteo

    social, para uma lgica contrria contributiva, e cidadania

    regulada, pela incluso pelo critrio de cidadania, pelo direito vida,

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    proteo social, independente de contribuio, embora mantenha o

    critrio de necessidade (TEIXEIRA, 2009, P. 256).

    A incluso da assistncia social como poltica pblica provocou a elaborao de

    textos legais e institucionais, regulamentando estas mudanas, como o caso da Lei

    Orgnica de Assistncia Social (LOAS), de 1993, a Poltica Nacional de Assistncia

    Social (PNAS) de 2004, a Norma Operacional Bsica do SUAS (NOB SUAS) de 2005

    e tantas outras normas tcnicas e orientaes prestadas, no intuito de garantir

    legitimidade assistncia enquanto poltica pblica, dever do Estado. Esse marco de

    conquistas acontece no sem inmeras contradies e resistncias. Nesse contexto,

    conforme definiu Potyara Pereira na 1 Conferncia Nacional de Assistncia Social,

    ocorre contradio em implantar uma poltica pblica num reinado de no poltica

    (LOPES, 2006, p. 77).

    Conforme enfatiza Lopes (2006, p. 77) o pressuposto legal no iria significar,

    como no significou, absolutamente, a superao da concepo conservadora e uso

    histrico da assistncia social no campo do assistencialismo, clientelismo e

    benemerncia eleitoreira.

    Segundo Mota (2009, p. 186) mesmo com a Constituio Federal de 1988 e a

    aprovao da LOAS, que so consideradas divisores de guas entre o feitio da ajuda e

    a criao de uma poltica pblica, constitutiva de direitos, estas prticas no foram

    totalmente superadas. E a implantao da LOAS, para Mota (2009, p. 186) revelou

    uma acentuada tendncia focalizao, seletividade e fragmentao, comprometendo o

    princpio da universalidade, continuidade e sistematicidade das aes.

    Apesar das limitaes e dos imensos desafios, a assistncia social encontra

    destaque em alguns aspectos, principalmente no campo poltico jurdico, assegurando a

    partir da legislao, conquistas como a aprovao da PNAS, a implantao do SUAS, a

    definio de equipamentos pblicos de atendimento, que so os Centros de Referncia

    de Assistncia Social (CRAS) e os Centros de Referncia Especializados de Assistncia

    Social (CREAS). Foram avanos importantes e de acordo com Teixeira (2009, p. 257)

    os avanos jurdicos polticos so incontestveis, e as possibilidades de prticas

    profissionais inovadoras, fundamentadas na lei, so grandes. Porm permanecem os

    riscos do conservadorismo, dados os aspectos contraditrios na legislao e no prprio

    campo conceitual utilizado, ou no utilizado, como embasamento destas leis.

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    3 A matricialidade sociofamiliar

    Entre os avanos na Assistncia Social est a matricialidade sociofamiliar,

    compreendida a partir das diretrizes estabelecidas pela PNAS para o territrio nacional,

    com a opo pela centralidade na famlia para concepo e implementao dos

    benefcios, servios, programas e projetos (Brasil, 2004, p.33).

    Como demonstrao direta da opo da PNAS em colocar a famlia no foco do

    atendimento socioassistencial, tem-se a adoo do princpio da matricialidade

    sociofamiliar, entre os que regem o SUAS. Segundo a PNAS (Brasil, 2004, p.40) a

    matricialidade sociofamiliar se refere centralidade da famlia como ncleo social

    fundamental para a efetividade de todas as aes e servios da poltica de assistncia

    social.

    O princpio da matricialidade sociofamiliar constitui um avano na assistncia

    social, que anteriormente aprovao da PNAS e da instaurao do SUAS se detinha,

    mais diretamente, ao atendimento dos indivduos, de forma isolada da famlia. Neste

    sentido a matricialidade sociofamiliar surge como antidoto fragmentao dos

    atendimentos, como sujeito proteo de uma rede de servios de suporte famlia

    (Teixeira, 2010, p. 05). Atualmente, considera-se a famlia, com seus membros, inclusos

    em um contexto social e econmico, que reflete diretamente na forma de organizao e

    dinmicas familiares. Esse avano perceptvel,

    Na matricialidade sociofamiliar, em que se d primazia ateno s

    famlias e seus membros, a partir do territrio de vivncia, com

    prioridade quelas mais vulnerabilizadas, uma estratgia efetiva contra

    a setorializao, segmentao e fragmentao dos atendimentos,

    levando em considerao a famlia em sua totalidade, como unidade

    de interveno; alm do carter preventivo da proteo social, de

    modo a fortalecer os laos e vnculos sociais de pertencimento entre

    seus membros, de modo a romper com o carter de ateno

    emergencial e ps-esgotamento das capacidades protetivas da famlia.

    (TEIXEIRA, 2009, p. 257)

    Esta centralidade dada famlia na poltica de assistncia social justificada

    pelo reconhecimento da responsabilidade estatal de proteo social s famlias,

    apreendida como ncleo social bsico de acolhida, convvio, autonomia,

    sustentabilidade e protagonismo social e espao privilegiado e insubstituvel de

    proteo e socializao primrias dos indivduos (MDS, 2009, p.12).

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    Ao eleger a matricialidade scio familiar como pilar do SUAS, a

    Poltica Nacional de Assistncia Social enfoca a famlia em seu

    contexto sociocultural e em sua integralidade. Neste sentido, para

    realizar o trabalho social com as famlias necessrio focar todos os

    seus membros e suas demandas, reconhecer suas prprias dinmicas e

    as repercusses da realidade social, econmica, cultural vivenciadas

    por elas (SOUZA, 2010, p.02).

    A abordagem que eleva a famlia a encontrar espao central na poltica de

    assistncia social tambm se apresenta fragilizada e contraditria. O arcabouo

    conceitual utilizado para fundamentar a matricialidade sociofamiliar no elimina a

    contradio e o conservadorismo. Neste aspecto cabe um dilogo, observando a

    dicotomia que existe entre os avanos e os retrocessos da poltica de assistncia social

    em relegar famlia a centralidade na poltica pblica. Existem riscos e transgresses

    nesta prtica, como os j identificados, presentes na crtica literria de autores da rea,

    como se percebe atravs do:

    a) Ocultamento das contradies da sociedade de classe, sem o devido reconhecimento dos determinantes scio-histricos e das

    expresses de desigualdades nas demandas para a assistncia social, e

    ainda o vcio analtico e prtico-operativo que consiste em entender a

    ateno famlia como uma via de superao das expresses da

    questo social (...);

    b) Prevalncia do metodologismo e adoo acrtica de referenciais conceituais para o atendimento;

    c) Existncia de prticas que centralizam as demandas nas famlias com trabalho psicossocial de alterao de carter, de comportamentos

    considerados patolgicos, de conflitos internos da famlia, culpando-a

    pelas situaes de vulnerabilidade e riscos, gerando sentimento de

    inadequao;

    d) Regresses conservadoras no trato com as famlias que ampliam ainda mais as presses sobre as inmeras responsabilidades que

    devem assumir, especialmente no caso das famlias pobres.

    (SILVEIRA, 2007 apud TEIXEIRA, 2009, p. 258).

    Da mesma forma, salutar a superao que a PNAS apresenta com relao a

    concepo de famlia, desvinculando-a de um modelo padro, idealizado na sociedade

    diante de um contexto histrico burgus. Nesta perspectiva de superao concebe a

    famlia em seus diversos arranjos, variaes, dinmicas e modelos distintos. No texto da

    PNAS se encontra a referncia definindo que estamos diante de uma famlia, quando

    encontramos um conjunto de pessoas que se acham unidas por laos consanguneos,

    afetivos e, ou de solidariedade (Brasil, 2004, p. 28). Esta definio amplia a imagem de

    famlia projetada pelo modelo padro, reconhecendo que no existe modelo

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    idealizado de famlia, mas sim famlia resultante de uma pluralidade de arranjos e re-

    arranjos estabelecidos pelos integrantes dessa famlia (Teixeira, 2009, p. 260).

    Esta concepo ampliada sobre os arranjos familiares legitima na medida em

    que encontra respaldo nas expresses da realidade. Da mesma forma que a compreenso

    e o empenho em atender a famlia em sua unidade importante e diga-se tambm,

    necessrio, tendo em vista o indivduo na sua integralidade. H, porm, a orientao na

    poltica de assistncia de forma ambgua, pois ao mesmo tempo em que considera os

    processos sociais, econmicos, polticos e culturais, que fragilizam as relaes pessoais

    e familiares, tambm compreende e orienta que a famlia constitui espao privilegiado

    e insubstituvel de proteo social e socializao primrias, provedora de cuidados aos

    seus membros, mas que precisa tambm ser cuidada e protegida (Brasil, 2004, p. 41).

    Portanto, h nesta compreenso um reforo das funes familiares, ao passo que,

    considera a famlia independentemente dos formatos, modelos e feies que tem

    assumido com as transformaes econmicas, sociais e culturais contemporneas

    (Souza, 2010, p.01), a responsvel pela proteo social primria dos seus membros. De

    acordo com Teixeira (2009, p. 259) a contradio entre cuidar e proteger a famlia ou

    fornecer meio para que ela cuide de seus membros, est posta.

    Com base nestas indicaes desenvolve-se o dilogo sobre as formas e processos

    assumidos pelos SUAS para organizar a matricialidade sociofamiliar no mbito dos

    servios, benefcios, programas e projetos elencando elementos questionadores desse

    percurso. A centralidade da famlia na poltica de assistncia social no pode significar a

    responsabilizao da famlia, mas sim uma superao da focalizao das aes

    histricas. Esta responsabilizao, porm, claramente percebida nos servios,

    programas e projetos oferecidos pela poltica de assistncia social.

    Fornecem servios para reforar as tradicionais funes da famlia, de

    proteo social, aumentando a dependncia dos indivduos da famlia

    e exigindo-se delas mais responsabilidades e servios, como condio

    para poder ter acesso a algum benefcio ou servio pblico

    (TEIXEIRA, 2009, p.259).

    Isso demonstra que a matricialidade sociofamiliar aponta para um horizonte de

    responsabilizao das famlias, desvelando seu verdadeiro significado, de ampliar e

    contar mediante estratgias de racionalizao e orientao com a proteo da

    famlia, reforando a tendncia familista da poltica social brasileira (Teixeira, 2010, p.

    10).

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    Esta prtica no exclusividade da poltica de assistncia social. possvel

    identificar expresses semelhantes em diversos momentos do processo histrico do Pas

    na oferta das polticas sociais. Para Pereira (2010), o Estado brasileiro historicamente se

    apropriou do voluntarismo familiar para responsabiliz-los pela proteo social de seus

    membros. Fato este que recebe diversas nomenclaturas e contextualizaes tericas no

    arcabouo conceitual.

    Para Pereira (2010, p.25) esta ao corresponde a formao de um modelo

    misto ou plural de proteo social, denominado pluralismo de bem-estar, o qual,

    paulatinamente, foi colocando a famlia na berlinda, ao tempo que foi exigindo a

    participao direta da famlia no cuidado e atendimento de seus membros.

    Conforme Pereira, percebe-se cada vez mais a tentativa de responsabilizao da

    famlia frente as problemticas sociais, atravs da redescoberta da famlia como

    importante substituto privado do Estado na proviso de bens e servios sociais bsicos

    (PEREIRA, 2010, p. 25).

    neste campo que se delimitam os principais problemas e prejuzos inerentes a

    opo de considerar a famlia como centro das polticas pblicas. Muitas vezes, olha-se

    para a famlia de forma isolada. Conforme Pereira (2010, p. 25) procede-se a uma

    anlise das funes sociais da famlia de forma isolada o que obscurece o

    conhecimento conjunto das condies contemporneas de funcionamento da sociedade

    e do Estado.

    O Estado tem deixado responsabilidades que so de natureza pblica para o

    universo privado, a famlia. A partir da trajetria de centralizao da famlia, conforme

    j descrito acima, observa-se que ao tempo em que o Estado entende a famlia como a

    principal e mais importante esfera social, por vezes tambm a culpabiliza diante das

    situaes e problemticas sociais decorrentes. Isso se demonstra principalmente pelo

    fato de que a famlia constantemente cobrada a realizar as mudanas no universo

    privado, que diz respeito diretamente ao cotidiano, sem considerar o nvel da sociedade

    macroeconmica na qual as famlias esto inseridas.

    Consideraes finais

    A poltica de assistncia social recebeu o seu espao nos debates tericos e

    polticos pela sua relevncia e por constar tardiamente no rol das polticas pblicas de

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    responsabilidade do Estado. Na atualidade, embasada pelas orientaes legais

    disponibilizadas pela PNAS e seguindo a perspectiva do SUAS, tem-se o princpio da

    matricialidade sociofamiliar acompanhando a oferta dos servios, programas, projetos e

    benefcios relacionados a poltica pblica de assistncia social.

    Nesta perspectiva, seguiu-se uma linha de percepo observando o significado

    do conceito matricialidade sociofamiliar para a poltica de assistncia, bem como aos

    desdobramentos que isto tem apresentado para a garantia da oferta dos servios

    populao. preciso considerar que existem avanos na forma da conduo da poltica

    de assistncia, com a adoo do princpio da matricialidade sociofamiliar pela ruptura

    de um modelo de assistncia voltado para os segmentos e da fragmentao no

    atendimento social. No entanto, estes avanos no representam a garantia de uma

    poltica social coerente, pois tambm se apresentam possibilidades de retrocessos e

    conservadorismos, quando no se rompe com a constante responsabilizao das

    famlias.

    Permanecem tambm contradies no arcabouo conceitual da matricialidade

    sociofamiliar, o que tambm oferece um risco ao conservadorismo atravs,

    principalmente, de prticas profissionais que assumem um carter relativo a este

    conceito. Destarte, esta perspectiva, apesar de no fazer parte do escopo deste trabalho,

    permanece como um questionamento inerente s prticas profissionais.

    Por isso, existe a preocupao sobre a compreenso terica do referencial

    famlia, que precisa ser compreendida em sua dimenso crtica, para alm da

    compreenso dos valores e do campo moral, presente nos tcnicos responsveis pela

    poltica pblica. Quanto ao arcabouo conceitual referente famlia presente na PNAS e

    no SUAS perceptvel a modernizao conceitual com relao composio e estrutura

    das famlias, porm, permanece ainda o conservadorismo nas concepes profissionais

    voltadas as s funes da famlia.

    Tendo por referncia o desenvolvimento desta reflexo, torna-se imprescindvel

    ressaltar que no foi pretenso deste trabalho esgotar o tema. Existem questes para

    serem aprofundadas e fundamentadas. Um dos exemplos seria o caso de identificar no

    ordenamento legal do SUAS, nos diversos materiais de orientao e formao, se existe

    alguma relao entre a matricialidade sociofamiliar e a indicao da famlia como

    primeira fonte de proteo social.

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    Da mesma forma, faz-se necessria a discusso no campo profissional sobre a

    apropriao do conceito de matricialidade sociofamiliar e das formas de atuao

    profissional diante deste princpio, observando os processos metodolgicos e

    encaminhamentos polticos executados. Nesta perspectiva, este debate precisa perpassar

    pelos espaos de exerccio profissional das diversas categorias envolvidas na oferta de

    poltica de assistncia social e de forma especial, na atuao do assistente social,

    exigindo deste um olhar crtico e questionador, quanto s aes do Estado, com carter

    poltico e ideolgico.

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