Guia de Mobilização Comunitária para Ações em RRD

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Transcript of Guia de Mobilização Comunitária para Ações em RRD

Universidade Federal de Santa CatarinaCentro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres

Florianópolis 2015

2015. CEPED UFSC

Esta obra está licenciada nos termos da Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 3.0 Brasil, podendo a OBRA ser remixada, adaptada e servir para criação de obras derivadas, desde que com fins não comerciais, que seja atribuído crédito ao autor e que as obras derivadas sejam licenciadas sob a mesma licença.

Universidade Federal de Santa Catarina. Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres. Mobilização comunitária para a redução de riscos de desastres/ [Organização Janaína Rocha Furtado]. - Florianópolis: CEPED UFSC, 2015. 86 p.

ISBN 978-85-68652-19-0

1. Mobilização comunitária. 2. Riscos e vulnerabilidades - Desastres. 3. Redução de riscos. 4. Redes sociais. 5. Participação social. I. Universidade Federal de Santa Catarina. II. Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres. III. Título.

CDU 504.4

Catalogação na publicação por Graziela Bonin – CRB14/1191.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC) Magnífica Reitora da Universidade Federal de Santa Catarina Professora Roselane Neckel, Dra.

Diretor do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina Professor Sebastião Roberto Soares, Dr.

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE DESASTRES (CEPED) Diretor Geral Professor Antônio Edesio Jungles, Dr.

Diretor Técnico e de Ensino Professor Marcos Baptista Lopez Dalmau, Dr.

Organização do Conteúdo Janaína Rocha Furtado

Laboratório de Tecnologias Sociais em gestão de Riscos e Desastres (Labtec)

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA (FAPEU) Superintendência-Geral Professor Gilberto Vieira Ângelo, Esp.

Coordenação Editorial Denise Aparecida Bunn

Revisão de Português e Designer Instrucional Patricia Regina da Costa

Capa e Projeto Gráfico Cláudio José Girardi

Diagramação Cláudio José Girardi

Créditos dos vetores de ilustrações extraídos do banco de vetores Freepik.com sob direitos livres para uso de imagem

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Sumário

Apresentação ......................................................................................................5

Introdução ..........................................................................................................7

Capítulo 1Riscos e Vulnerabilidades: desastres não são naturais .......................................11

Desastres? Onde? Por que é Importante Promover Ações de

Redução de Riscos de Desastres no Brasil? ....................................................... 17

Áreas de Risco e Características da População Nessas Áreas ..............................19

Capítulo 2Redução de Riscos de Desastres (RRD) e Participação Social ...........................25

Tecnologias Sociais em RRD: um caminho para as boas práticas comunitárias ..29

Princípios Norteadores para Atuação Conjunta com as Comunidades ...............32

Mobilizando para Construir Redes .....................................................................36

Comunidades: novas formas de compreender os vínculos sociais e

a participação comunitária .................................................................................39

Capítulo 3Mobilização Comunitária para uma Cultura de Redução de Riscos ...................... 43

Características dos Mobilizadores .......................................................................43

As Etapas da Mobilização Comunitária ..............................................................44

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Identificação das Necessidades e Caracterização do Contexto de Intervenção ....45

Coleta e Organização de Informações sobre a Comunidade ..............................48

Calendário de Desastres .....................................................................................49

Identificação de Atores Sociais e Recursos Disponíveis .......................................51

Informação e Comunicação: definindo estratégias de mobilização .....................54

Sensibilização e Capacitação Comunitária ........................................................58

Percepção de Riscos ..........................................................................................59

Estratégias de Sensibilização ..............................................................................62

Mapa Comunitário Multirrisco: uma ferramenta fundamental na

gestão local de riscos ......................................................................................... 65

Núcleos Comunitários de Redução de Riscos de Desastres (RRD) ......................68

Pense em um Projeto .........................................................................................70

Como Avaliar os Resultados? .............................................................................71

Capítulo 4Atuar para Criar Redes Sociais Organizadas .....................................................75

Redes Sociais em Redução de Riscos de Desastres (RRD) ..................................76

Construções de Redes Sociais ............................................................................76

Desafios e Possibilidades ....................................................................................78

Mobilização para Construção de Cidades mais Seguras e Resilientes ................81

Referências ......................................................................................................83

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ApreSentAção

Sabemos que o resultado de um processo adequado de Gestão de Riscos de Desastres, tanto em âmbito local como nacional, não pode ter como objetivo alcançar um grau de risco zero, mas um nível de risco aceitável para o poder público, as Instituições envolvidas e para as comunidades, do ponto de vista técnico, científico e, também, social. O que deve implicar, portanto, em acordos, diálogos, intercâmbio de conhecimentos, trocas, gestão compartilhada e distribuição de poder entre todos os envolvidos.

As ações de Redução de Riscos de Desastres (RRD), aquelas que visam a minimizar os impactos desses eventos sobre as populações, tendem a ser mais eficazes e permanentes quando atendem às necessidades e às demandas das comunidades que ocupam as áreas suscetíveis e quando são profundamente planejadas e implementadas com o apoio e a participação social. É importante lembrar-se de que as políticas públicas e sociais devem reforçar a condição das pessoas de decidirem sobre as suas próprias vidas, garantindo-lhes a proteção de direitos em um contexto de desigualdades sociais.

Sabemos que os riscos de desastre não afetam as pessoas igualmente, determinadas populações se encontram mais expostas aos riscos e possuem mais dificuldade de se recuperar após a ocorrência desses eventos do que outras. São essas populações mais vulneráveis, e os atores sociais que devem estar intensamente envolvidos nos projetos de RRD, defendendo os seus di-reitos e adotando, por sua vez, a parcela de responsabilidade que lhes cabe nesse processo.

Sabemos, também, que é mais difícil e demorado atuar em conjunto em um contexto de muitas lacunas e passivos de gestão pública sem participação social. No entanto, acreditamos que esta escuta é necessária, mais do que isso, é fundamental para que possamos compreender quais são os problemas, os

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desafios e as soluções possíveis com relação ao cenário de risco de desastres no Brasil.

Sendo assim, o objetivo desta publicação do CEPED UFSC é fornecer subsídios para fomentar e facilitar a mobilização das comunidades nas ações de RRD. Esta obra não deve ser vista como uma receita pronta e estática de etapas e de resultados e também não pretende ser rígida ou acabada. Este ma-terial pretende partilhar com você ideias, possibilidades, alternativas, sugestões, informações e um pouco de conhecimento agregados no percorrer de nosso caminho até aqui.

Prof. Antônio Edésio Jungles, Dr.

Coordenador-Geral do CEPED UFSC

O Marco de Ação de

Hyogo está dispo-

nível em: <http://

www.ceped.ufsc.br/

marco-de-acao-de-

-hyogo-portugues/>.

Acesse o Marco

de Ação de Sendai

(2015-2030) em:

<http://www.

ceped.ufsc.br/

marco-de-sendai-

-para-la-reduccion-

del-riesgo-de-desas-

tres-2015-2030/>.

introdução

No Brasil, as ações de Redução de Riscos de Desastres (RRD) estão centralizadas nos Órgãos de Proteção e Defesa Civil que, ainda, priorizam as ações pós-desastres, de resposta e de recuperação, em modelos hierárquicos de gestão. Entretanto, esse estilo restrito de gerenciamento tem sido exten-sivamente criticado desde a década de 1980, quando começaram a ser exigidas formas mais participativas de atuação e a inclusão de discussões sobre vulnerabi-lidade, desenvolvimento e resiliência* comunitária. A Defesa Civil brasileira, por exemplo, se constituiu nessas bases dentro do contexto pós-guerra, estabelecendo-se oficialmente na década de 1970. Em 1988, a partir da Constituição Federal, o Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC) organizou a Defesa Civil no Brasil. Em 2012, a Lei n. 12.608 instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) e dispôs sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC).

O Marco de Ação de Hyogo (2005-2015), por meio da Estratégia Internacional para Redução de Desastres, consagrou novas concepções de como atuar para reduzir riscos e minimizar os efeitos dos desastres. O docu-mento, assinado por 168 países, ressaltou a importância de atuar localmente, mobilizando as pessoas e as comunidades para agir a partir de seus próprios recursos, diminuindo as suas vulnerabilidades e possibilitando o aumento da sua resiliência (EIRD/ONU, 2004). Recentemente, foi assinado o Marco de Ação de Sendai (2015-2030), que estabelece metas para os próximos 15 anos, sendo uma delas a de aumentar substancialmente o número de países com estratégias nacionais e locais de Redução de Riscos de Desastres até 2020.

Com a Primeira Conferência Nacional de Defesa Civil e Assistência Humanitária (2010), o Brasil se propôs a estabelecer diálogos entre o poder público, profissionais da área e a sociedade civil para fortalecer as ações de

*Resliência – capacidade de um sistema, comu-

nidade ou sociedade, potencialmente exposta à

ameaça, adaptar-se, resistindo ou modificando-se

para alcançar ou manter um nível aceitável em

seu funcionamento e estrutura. Fonte: EIRD/ONU

(2004).

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Redução de Riscos de Desastres (RRD), especialmente as ações de prevenção, mitigação e preparação a desastres, inserindo novos atores sociais no cenário de RRD no país, com ênfase na construção de cidades mais seguras e resilien-tes. A Segunda Conferência Nacional de Proteção e Defesa Civil ocorreu em 2014, resultou em 40 princípios e diretrizes e também abordou a importância da participação popular nas ações de proteção civil.

Sabemos que um modelo verticalizado e centralizado de gestão de ris-cos não faz com que surjam práticas eficazes e permanentes de proteção, pois desastres são fenômenos de caráter multifacetário, cujo enfrentamento exige ações integradas, intersetoriais, interculturais e interdisciplinares. Assim sendo, é fundamental a mobilização de diferentes setores sociais.

A mobilização social para ações de RRD deve consistir em uma pro-posta de construção complexa e abrangente, sustentada em ações efetivas que possibilitem a sua continuidade. Esse processo se inicia com a percepção de cada um como parte importante nas ações de Redução de Riscos de De-sastres, configurando um protagonismo recíproco e mutuamente constituído. Entendemos, portanto, a mobilização como processo-movimento que deve ser permanentemente motivado. Não se finaliza com o envolvimento das pessoas, tampouco se restringe à resposta nas situações de desastres, mas concretiza-se no contínuo de suas ações e das relações entre os diversos atores, promovendo proteção social ampliada e qualidade de vida à população.

Esta publicação tem o objetivo de descrever as etapas para realizar ações de mobilização comunitária, utilizando adequadamente as estratégias de comunicação, sensibilização e capacitação. Além disso, pretendemos abordar os mecanismos para construção de redes sociais, promovendo a articulação entre os diferentes setores sociais, especialmente as comunidades nas ações de RRD. Entendemos que a mobilização social deve buscar o desenvolvimento humano e social, integrado e sustentável, possibilitando melhores condições de vida e fazendo da Redução de Riscos de Desastres uma ação de todos nós.

As diretrizes e pro-

postas estão dispo-

níveis em: <http://

www.ceped.ufsc.

br/2o-conferencia-

nacional-de-prote-

cao-e-defesa-civil-

-2o-cnpdc/>.

Partes deste material

foram, inicialmen-

te, publicadas nos

seguintes docu-

mentos: Gestão de

riscos de desastres.

Coleção Redução de

Riscos de Desastres

na prática – CEPED

UFSC (2012), que

está disponível

em: <http:// www.

ceped.ufsc.br/

colecao-reducao-de-

-riscos-de-desastre-

na-pratica/>. Acesso

em: 24 set. 2015.

Gestão de Riscos e

de Desastres: Con-

tribuições da Psico-

logia - CEPED UFSC

(2010), que está

disponível em: <

http://www.ceped.

ufsc.br/wp-content/

uploads/2009/01/

EaD-Psicologia-Li-

vro_Psicologia-com-

pleto1.pdf>.

Capítulo 1Riscos e Vulnerabilidades:

desastres não são naturais

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 1

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riScoS e VulnerAbilidAdeS: deSAStreS não São nAturAiS

Desastres são eventos com história e passado. No livro Acts of God (Atos de Deus), cuja primeira edição foi lançada em 1961, o autor Steinberg (2000) se propôs a refletir sobre a dimensão humana desses eventos ditos “naturais”. O autor levanta três questões importantes:

•• Qual o papel que o governo tem desempenhado ao permitir a ocupação de áreas sujeitas a desastres?

•• Quais definições de normalidade são consideradas durante o processo de reconstrução e que visão de sociedade está em jogo quando noções de natureza e de cultura se colidem?

•• Como e por que esses eventos são percebidos como acasos e por que se escolheu vê-los como eventos extremos da natureza, ocultando-se as forças e as condições que compelem as pessoas a morarem em áreas de risco?

O debate faz uma crítica às abordagens que superenfatizam os aspectos naturais em detrimento das forças sociais, humanas e econômicas, que são centrais para compreender esses fenômenos. De acordo com a perspectiva dominante das calamidades naturais, esses eventos muitas vezes são aborda-dos por cientistas, pela mídia e por tecnocratas como acidentes inesperados e acontecimentos imprevisíveis.

Nesse sentido, Steinberg (2000) argumenta: a quem interessa enfatizar a concepção dos desastres como fenômenos naturais? Segundo ele, diferente do que pensávamos, esse entendimento não emergiu do conhecimento cien-tífico do século XIX, mas daqueles que estavam no poder de cidades afetadas por desastres e que buscaram normalizar a calamidade e restaurar a ordem,

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Capítulo 1

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restituindo as propriedades e a economia de acordo com os propósitos de uma ascendente trajetória política.

O autor revela como as decisões de líderes empresariais e autoridades governamentais abriram o caminho para as maiores perdas de vidas e de propriedades, especialmente entre os menos capazes de suportar tais golpes – pobres, idosos e minorias. Ver a natureza ou Deus como o principal culpado, explica Steinberg (2000), ajudou a esconder o fato de que alguns são simples-mente mais capazes de se proteger do que outros.

Na grande maioria das vezes, portanto, um desastre se anuncia muito antes de efetivamente ocorrer e revela um conjunto de vulnerabilidades ao qual estava exposta a população afetada. Desvelam escolhas e decisões políticas, econômicas e sociais que provocaram ou produziram condições nas quais determinado território e população se tornou mais vulnerável a esses eventos

Podemos mencionar como exemplo as decisões pós-desastres que aumentam o risco da população, como a contenções ina-dequadas que intensificam processos erosivos locais. As deci-sões relacionadas ao planejamento urbano do município, que estimulam a especulação imobiliária das áreas planas, podem, por sua vez, obrigar as pessoas mais carentes a ocuparem áreas impróprias.

Vale a pena lembrar-se desta equação:

Apresentamos também um quadro com os conceitos de risco, ameaça, vulnerabilidade e capacidade:

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Capítulo 1

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Ris

co

Medida de danos ou prejuízos poten-ciais, expressa em termos de proba-bilidade estatística de ocorrência e de intensidade ou grandeza das consequ-ências previsíveis. É a relação existen-te entre a probabilidade de que uma ameaça de evento adverso ou acidentes determinados se concretize, com o grau de vulnerabilidade do sistema receptor a seus efeitos.

Exemplo: as metodologias de mapeamento e a avaliação de risco de desastre utilizam diferen-tes graus de risco, variando de baixo a muito alto grau de risco. A classificação depende dos crité-rios considerados com relação às características de suscetibilidade, de perigo e de vulnerabilidade lo-cal. Como exemplo, acesse o livro “Capacitação em mapeamento e Gerenciamento de Risco”

Am

eaça

Estimativa de ocorrência e magnitude de um evento adverso, expressa em termos de probabilidade estatística de concretização do evento e da provável magnitude de sua manifestação.

Exemplo: inundação, seca, terre-moto, deslizamento de terra, gra-nizo, erosões, acidentes com pro-dutos perigosos, etc.

Vul

nera

bil

idad

e

Condição intrínseca ao corpo ou siste-ma receptor que, em interação com a magnitude do evento ou acidente, ca-racteriza os efeitos adversos, medidos em termos de intensidade dos danos prováveis. Ou ainda, a relação existente entre a magnitude da ameaça, caso ela se concretize, e a intensidade do dano consequente.

Exemplo: meios de subsistência, idade, gênero, infraestrutura do domicílio, escolaridade, aspectos institucionais e governamentais, etc.

Cap

acid

ade

Combinação de todos os atributos estru-turais e não estruturais, disponíveis den-tro de uma comunidade, sociedade ou organização que pode ser utilizada para atingir a resiliência. A capacidade inclui desde a infraestrutura física, institucio-nal e de mobilização comunitária até o conhecimento e capacidades humanas como atitude, liderança e relações so-ciais. A medida da capacidade abrange as possibilidades de um grupo social em comparação aos objetivos desejados.

Exemplo: a comunidade possui núcleo comunitário de Proteção e Defesa Civil, abrigo, associação comunitária, desenvolve ações protetivas a desastres, etc.

Quadro 1: Conceitos Fonte: Brasil (2011) e CEPED UFSC (2011)

Certos segmentos sociais são frequentemente alocados em áreas mais suscetíveis que outros, por isso, perguntar como e por que desastres acon-tecem é debruçar-se sobre questões técnicas, mas, fundamentalmente, sobre questões políticas e sociais. Tendo em vista que a vulnerabilidade a desastres não é uma característica ou propriedade dos indivíduos ou grupos (a vulne-

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Capítulo 1

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rabilidade não é uma característica das pessoas, mas das suas condições de vida, quando direitos conquistados não são garantidos. Mais do que identifi-car os grupos vulneráveis é preciso compreender as condições que os tornam vulneráveis) e não decorre, unicamente, das características físicas de um dado território (a vulnerabilidade a desastres não está relacionada apenas à infraes-trutura da moradia da ocupação ou do terreno), as interseções entre aspectos sociais e físicos revelam a natureza multifacetada dos desastres. Como aponta o sociólogo Allan Lavell (2000), o local onde se origina o desastre e as áreas em que as perdas são sofridas, frequentemente, não são os mesmos.

Cardona (2008) acredita que a vulnerabilidade a desastres pode ser compreendida como uma lacuna no desenvolvimento, ou seja, depende do nível de desenvolvimento atingido e do sucesso de seu planejamento. Nesse contexto, desenvolvimento é entendido como um processo que envolve har-monia entre natureza e ambiente. Lavell (2000) enfatiza que o desastre é a consequência lógica e inevitável do subdesenvolvimento.

Você deve estar se perguntando: como assim? Não se preocupe, vamos responder a esta pergunta logo a seguir!

Note que as pessoas mais vulneráveis são aquelas que estão mais expostas aos desastres, por um lado, e possuem menos condições de en-frentar e de reconstruir as suas vidas após esses eventos, por outro. Observe a figura a seguir.

Menor

Vulnerabilidade

Maior

Vulnerabilidade

Figura 1: Vulnerabilidades Fonte: Elaborada pela organizadora deste livro

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Então, estamos falando principalmente das pessoas que ocupam áreas com risco a desastres e daquelas com menores condições socioeconômicas, com acesso precário aos sistemas de saúde e de educação, que estão desempregadas ou possuem empregos informais, que possuem casas com baixa infraestrutu-ra, localizadas em áreas também precárias. Estamos falando das pessoas que não possuem informações sobre riscos de desastres, nunca passaram por essa situação, que possuem alguma deficiência, e podem ser idosos com baixa mobilidade, crianças, mulheres chefes de família, entre outros.

Observe que há inúmeros fatores que estão relacionados à vul-nerabilidade a desastres, mas são aqueles relacionados à pobreza (renda, educação, segurança alimentar e nutricional, acesso à saúde e demais serviços, infraestrutura urbana e residencial) os que mais dificultam o processo de recuperação pós-desastre.

O subdesenvolvimento, a insustentabilidade ambiental e a pobreza são as causas imediatas e principais dos desastres. Os desastres não jogam os pobres em um estado de subdesenvolvimento, ao contrário, estão ali antes dos desastres. Sim, o desastre os projeta de um estado de pobreza a um estado de miséria completa, esse não é um problema causado pelos desastres em si. O problema é onde estavam os “pobres” antes do desastre? (LAVELL, 2000).

Por que estamos falando disso e o que podemos fazer? Vamos ver então, pois você está querendo respostas, certo?

Em um processo de gestão de riscos, buscando minimizar os impac-tos dos desastres na sociedade, podemos atuar sobre qualquer um dos eixos relacionados ao risco de desastres (ameaças, vulnerabilidades e/ou capacida-des locais). Durante muitos anos, as organizações focaram as suas ações no gerenciamento de emergências, centrando os seus estudos sobre a dinâmica das ameaças, visando a reduzir a intensidade desses eventos ou aperfeiçoar os métodos de previsão de sua ocorrência. Na década de 1990, iniciou-se uma profunda discussão sobre a participação das comunidades nas ações de Redução de Riscos de Desastres. Percebemos que para agir preventivamente

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aos desastres e minimizar os danos era preciso desenvolver ações de gestão de riscos, cujo eixo principal de intervenção estava sobre as condições de vulnerabilidade das populações frente aos desastres e, também, sobre a sua capacidade de enfrentamento.

Quando trabalhamos com as comunidades em risco, estamos atuando justamente sobre as suas condições de vulnerabilidade. Portanto, precisamos entender de que maneira determinadas comunidades e indivíduos se tornam mais vulneráveis aos desastres do que outros.

Acreditamos que mudanças não vão ocorrer sem uma consistente pressão social de resistências locais e movimentos sociais contra políticas e as práticas que tornam as pessoas mais vulneráveis. Sendo assim, é necessário que haja ampla participação social em diferentes frentes, fundamentalmente na prevenção de desastres e gestão de riscos onde deve haver uma atuação conjunta para, entre outros aspectos:

•• evitar a ocupação de áreas inadequadas ou com risco;

•• garantir que as pessoas e as comunidades tenham os seus direitos protegidos, como o direito à cidade e a uma vida com dignidade e segurança;

•• elaborar e implementar um planejamento urbano que não gere mais risco e mais desigualdade social, incluindo os diferentes interesses que coexistem nas cidades, principalmente, das pessoas menos favorecidas socioeconomicamente;

•• estimular e reivindicar ações preventivas, de contenção, de educação popular e de comunicação de risco;

•• favorecer que as populações estejam protegidas, preparadas e consigam reconstruir suas vidas em um local seguro após a sua ocorrência.

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deSAStreS? onde? por que é importAnte promoVer AçõeS de redução de riScoS de

deSAStreS no brASil?

Estamos falando sobre riscos e vulnerabilidades, mas você sabe quantos registros de ocorrências de desastres temos no Brasil todos os anos? Quantas pessoas moram em áreas de risco em nosso país? Onde estão localizados esses eventos? A seguir, vamos abordar alguns dados a respeito.

De acordo com o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais (CEPED UFSC, 2013), entre 1991 e 2012 foram realizados 38.996 registros de ocorrências, 56% deles efetuados na década de 2000, resultando em 126.926.656 pes-soas afetadas por desastres. As Regiões Nordeste e Sul são as mais impactadas nesse âmbito, a seca e a estiagem são os desastres que mais afetam o país. As cidades brasileiras sofrem com frequentes secas, inundações e vendavais, sendo esses os eventos que mais incidem sobre o Brasil.

No gráfico, a seguir, podemos observar a porcentagem de afetados por tipo de desastre:

Figura 2: Afetados por tipo de desastre Fonte: CEPED UFSC (2013)

O relatório do Banco Mundial (2014), Lidando com perdas: opções de proteção financeira contra desastres no Brasil, mostra que os quatro grandes desastres ocorridos no Brasil entre 2008 e 2011: enchentes e deslizamentos de terra em Santa Catarina, em 2008; em Pernambuco e Alagoas, em 2010; e na região serrana do Rio, em 2011, somente esses provocaram um custo total

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de 15, 32 bilhões de reais e mais de 1.160 vítimas. É importante destacar que a América é a segunda região do mundo mais afetada por desastres, tanto em perdas humanas como econômicas, considerando o período de 1970 a 2014 (EIRD/ONU, 2015).

Na imagem, a seguir, você pode visualizar a localização dos registros de eventos no Brasil entre 1991 e 2012.

Figura 3: Registro do total dos eventos no Brasil de 1991 a 2012

Fonte: CEPED UFSC (2013)

É possível observar que os desastres impactam diferentemente as cinco regiões. Enquanto nas Regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste predominam as inundações e as enxurradas, na Região Sul e Nordeste são as secas e as estiagens os eventos mais recorrentes. A Região Sul e Sudeste se destaca, ain-da, pela ocorrência de movimentos de terra, granizos e vendavais e a Região Norte e Centro-Oeste, pelos registros de incêndios e erosões lineares e fluviais (CEPED UFSC, 2013).

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De acordo com os dados disponibilizados pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, apenas no ano de 2015, até o dia 17 de novembro, foram realizados 2.294 reconhecimentos federais para Situações de Emergência ou Estado de Calamidade Pública, referentes a eventos ocorridos em 1.448 municípios do país. Em 2014, o número de reconhecimentos federais chegou a 2.645 e em 2013 a 3.740 (dados disponíveis em: <http://www.mi.gov.br/web/guest/reconhecimentos-realizados>).

áreAS de riSco e cArActeríSticAS dA populAção neSSAS áreAS

Com relação aos dados das áreas de risco existentes no país e das po-pulações que habitam essas áreas, não há muitas informações disponíveis em nível nacional. Sabemos que poucos municípios do país possuem mapas de risco ou de suscetibilidade a desastres. Em 2012, o Governo Federal lançou o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais (2012-2014), no qual prevê a setorização e o mapeamento de vulnerabilidade das áreas de risco dos 821 municípios prioritários.

Segundo a setorização realizada em parceria com o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), dos 821 municípios prioritários para ação do Governo Federal com relação apenas a inundações e deslizamentos, nos 734 municípios mapeados até julho de 2014, foram identificados, aproximadamente, 7.661 se-tores de alto e muito risco a inundações e deslizamentos, nos quais se encontram 688.443 moradias e 2.892.009 pessoas.

Apesar de os dados não serem exatos, pois em alguns municípios foram utilizados dados de outros mapeamentos, é possível aferir que muito mais de três milhões de pessoas habitam áreas suscetíveis a desastres, se considerar-mos os demais municípios brasileiros, as áreas de risco baixo e moderado e as outras ameaças constantes no país, como a seca, a estiagem, os vendavais, os granizos e as geadas. A setorização realizada focou somente as áreas de alto e muito alto risco em meio urbano, predominando as áreas mais vulneráveis socialmente como ocupações irregulares e assentamentos precários. Isso quer dizer que as áreas rurais, com menor densidade populacional, e as áreas nobres desses municípios prioritários não foram avaliadas.

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Capítulo 1

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Nas áreas urbanizadas, grande parte dos setores identificados correspon-dia a assentamentos urbanos ou a áreas menos valorizadas economicamente, geralmente ocupadas pela população de baixa renda, cujas casas são de baixo padrão construtivo, precárias com relação ao material utilizado, em locais susce-tíveis e sem infraestrutura urbana adequada.

Os problemas frequentemente encontrados estão relacionados:

•• ao local da ocupação (perto de rios, grotas, ou nascentes; topo ou sopé de morros; em terrenos sem cobertura vegetal, com presença de matacões, rochas, fissuras, processos erosivos. etc.);

•• à forma da ocupação (acessos precários, sob aterros; próximo a cortes de talude muito inclinados; sem sistema de drenagem das águas pluviais e sem saneamento adequado, com lixo no entorno, etc.);

•• às condições da moradia (sem calhas, sem vigamento, com materiais inadequados, etc.); e

•• às condições socioeconômicas da população (sem emprego formal ou com baixa renda, com baixa escolaridade, sem informações sobre os riscos de desastres, etc.).

O CEPED UFSC mapeou os setores de cinco municípios de Santa Catarina (Alfredo Wagner, Anitápolis, Balneário Camboriú, Itajaí e Nave-gantes), avaliando as características de vulnerabilidades de 37 setores identificados nestas localidades. Foram aplicados questionários em, aproximadamente, 1.438 edificações. Os dados referentes 1.281 questio-nários aplicados em Itajaí, Alfredo Wagner e Anitápolis, em 29 setores suscetíveis à inundação ou desliza-mento indicam que:

edificAção de bAixo pAdrão, com fundAção comprometidA e ASSentAdA dentro dA cAlhA do rio. defeSA ciVil de AnitápoliS, 2013.

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Capítulo 1

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•• aproximadamente 40% das edificações possuem acesso precário, por caminho ou escada;

•• cerca de 50% das edificações estão em patamar corte de talude ou aterro;

•• em aproximadamente 40% observou-se inclinação de postes ou árvores, e/ou cicatrizes de escorregamento e inexistência de calhas;

•• em 47,70% identificou-se feições erosivas;

•• em 55,50% verificou-se curso de água constante.

É importante destacar que do total de moradores entrevistados (436), mais de 73% não conheciam a Defesa Civil, mais de 64% não consideravam sua moradia em risco e mais de 62% não acre-ditavam estar preparados para enfrentar uma emergência.

Esses dados representam a realidade das áreas avaliadas no Estado de Santa Catarina, por isso cabe uma reflexão de como são essas áreas em outros estados brasileiros e no seu Município.

Para saber quais os eventos afetaram o seu município, faça uma busca na base de dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, aces-sando: <http://s2id.mi.gov.br>. Você também pode procurar o Órgão Muni-cipal de Proteção e Defesa Civil da sua cidade. É possível, ainda, verificar se o seu Município tem Plano Municipal de Redução de Riscos. O Plano Municipal de Redução de Risco (PMRR) é um instrumento de planejamento para a elaboração do diagnóstico do risco de desastre. Contempla uma série de diretrizes técnicas e gerenciais as quais permitem ao Poder Público Municipal a implementação de ações estruturais e não estruturais para a Redução de Riscos de Desastres, considerando:

edificAçõeS em áreA com riSco de deSlizAmento. defeSA ciVil de itAjAí (2013).

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 1

22

•• a estimativa de custos;

•• os critérios de priorização;

•• a hierarquização das intervenções; e

•• as matrizes de ação.

Para acessar diferentes Planos Municipais de Redução de Riscos existentes no país, acesse: <http://www.cidades.gov.br/acessibili-dade-e-programas-urbanos/prevencao-de-riscos/136-secretaria-nacional-de-programas-urbanos/prevencao-e-erradicacao-de-ris-cos/1873-planos-municipais-de-reducao-de-riscos>.

Capítulo 2Redução de Riscos de Desastres

(RRD) e Participação Social

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 2

25

redução de riScoS de deSAStreS (rrd) e pArticipAção SociAl

As ações de Redução de Riscos de Desastres (RRD), visam a evitar (pre-venção) ou limitar (mitigação e preparação) o impacto adverso de ameaças, dentro do amplo conceito de desenvolvimento sustentável. O marco conceitual referente à Redução de Riscos de Desastres se compõe dos seguintes campos de ações, segundo descrito na publicação da EIRD/ONU “Viver com o risco: informe mundial sobre iniciativas de redução de desastres” (2004):

•• Avaliação de risco, incluindo análise de vulnerabilidade, assim como análises e monitoramento de ameaças.

•• Conscientização para modificar o comportamento.

•• Desenvolvimento do conhecimento, incluindo informação, educação e capacitação e investigação.

•• Compromisso político e estruturas institucionais, incluindo informação, política, legislação e ação comunitária.

•• Aplicação de medidas incluindo gestão ambiental, práticas para o desenvolvimento social e econômico, medidas físicas e tecnológicas, ordenamento territorial e urbano, proteção de serviços básicos e formação de redes e alianças.

•• Sistemas de detecção e de alerta preventivo (precoce) incluindo prognóstico, predição, difusão de alertas, medidas de preparação e capacidade de enfrentar.

O Marco de Ação de Hyogo (2004), instrumento mais importante para implementação da Redução de Risco de Desastres adotado pelos Estados-membros, foi desenvolvido entre os anos de 2005 e 2015 e estabeleceu estas prioridades de ação:

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Capítulo 2

26

•• Buscar que a Redução de Riscos de Desastres seja uma prioridade.

•• Conhecer o risco e tomar medidas.

•• Desenvolver mais compreensão e conscientização.

•• Reduzir o risco.

•• Estar preparado e pronto para atuar.

A Redução de Riscos de Desastres deve fazer parte das decisões cotidianas e necessita da colaboração de todos nós para nos tornarmos menos vulneráveis e mais resilientes. Para tanto, os países precisam garantir a participação comunitária como instrumento fundamental nesse processo, satisfazendo as necessidades locais e assegurando a redução de vulnerabilidades frente aos desastres naturais.

Para integrar a RRD nas políticas e nos planejamentos, construindo efe-tivamente uma cultura de redução de risco, é fundamental estabelecer alianças entre as agências governamentais, o setor privado e as diferentes organizações da sociedade civil visando ao desenvolvimento local. Portanto, a mobilização social não é só uma estratégia para envolver a população e efetivar uma pro-posta previamente planejada. A participação social é um caminho para que as ações de RRD sejam eficazes e permanentes, para que possamos não apenas enfrentar os desastres quando ocorrerem, mas, fundamentalmente, reduzir riscos e vulnerabilidade, promovendo maior qualidade de vida. Afinal, são as pessoas nas suas comunidades as primeiras a enfrentar os desastres e a conviver com os riscos cotidianamente, e também são elas que desenvolvem qualquer ação prevista pelas políticas e pelos planejamentos dos diferentes setores governamentais.

A Redução de Riscos de Desastres (RRD) consiste em um ramo de atividades que é parte das ações voltadas para o planejamento sustentável, isto é, com foco em preservação ambiental e desen-volvimento socioeconômico, devendo estar sustentada na proteção de direitos, na igualdade e universalidade de acesso a serviços e bens, na participação social ampliada e no compromisso político.

O desafio nesse processo de mobilização para RRD está no reconheci-mento do caráter intersetorial dessas ações e na necessidade de que elas sejam transversalizadas entre as diferentes esferas: públicas e privadas; municipais, estaduais e federais; diversificadas áreas de atuação profissional; entre outras.

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Capítulo 2

27

O envolvimento das comunidades e das instituições possibilitará ampliar, então, a autonomia e garantir a autogestão para tomada decisões sobre as situações de risco que as afetam.

Uma abordagem centrada na comunidade refere-se a um processo no qual as comunidades em risco são ativamente engajadas em iniciativas de gestão: na identificação, análise, tratamento, mo-nitoramento e avaliação dos riscos de desastres com o objetivo de reduzir as suas vulnerabilidades e de aumentar a sua resiliência.

O que significa que as pessoas são o centro da tomada de decisão e implementação de atividades de gestão de riscos. O envolvimento dos grupos sociais mais vulneráveis é considerado aspecto primordial neste movimento.

A mobilização social e a construção de redes são estratégias importantes para o planejamento de ações em RRD, considerando as diferentes etapas do ciclo de gestão de riscos e desastres:

RISCO

GERENCIAMENTODE DESASTRES

MEDIDAS DE

REDUÇÃO DO RISCO PROJETOS E AÇÕESD

EP

RE

PAR

ÃO

DESASTRE

GES

TÃODO CONHECIMENTO

GESTÃO DO RISCODE DESASTRES

Figura 4: Ciclo de gestão em Proteção e Defesa Civil Fonte: CEPED UFSC (2013)

Em todas essas etapas é possível desenvolver ações com as comunida-des. Observe, a seguir, o quadro com os componentes da Redução de Risco de Desastres e as sugestões de atividades a desenvolver com as comunidades.

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Capítulo 2

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Componentes da Gestão de Risco

de Desastres

Atividades Principais

Antes do Evento Durante o Evento Após o Evento

Análise dos Riscos

Avaliação de vulnerabilidades e capa-cidades; análise de risco e formulação de cenários de impacto;elaboração de mapas de risco; iden-tificação e confecção de mapas de ameaças; confecção de mapa; multia-meaças; confecção de mapas de sus-cetibilidade.

Observação siste-mática das caracte-rísticas dos riscos e dos danos.

Atualização das avaliações de vulnerabilidade e informação sobre riscos, baseados no diag-nóstico pós-evento; análise das observações de ameaça e im-pacto. Atualização dos mapas de ameaças.

Prevenção e Mitigação de Riscos

Incorporação da redução de risco nos novos planos de desenvolvimento; plano de investimento em medidas de proteção; planejamento para o uso se-guro da terra; construções resistentes a desastres; restauração da vegetação nas áreas degradadas e expostas; obras pre-ventivas; ações não estruturais, educati-vas e de comunicação de riscos.

Explorar oportunidades de re-dução de risco como parte de recuperação. Estabelecer cri-térios e metas de desempenho para os setores.

Transferência de Risco

Análise e quantificação de risco. Esta-belecimento de mecanismos de trans-ferência de risco

Avaliação dos danos e reparos. Revisar as decisões sobre o ní-vel de risco aceitável.

Gerenciamento de Eventos Adversos

Comunicação de riscos. Manter atuali-zado o inventário de informação sobre a ameaça e risco.

Monitoramento dos eventos e dos im-pactos. Assegurar a saúde e segurança comunitária. Mo-bilização e entrega de kits assistência. Gestão de abrigos provisórios. Avisos e informações pú-blicas. Coordenação de avaliação de da-nos e necessidades.

Avaliação de atividade de res-posta ao desastre. Preparar as lições aprendidas para melho-rar a gestão de desastres e ati-vidades de identificação e redu-ção de risco. Certificar que as lições aprendidas sejam incor-poradas na recuperação. Fazer diagnósticos para analisar os danos, as possíveis causas e as soluções.

Recuperação

Desenvolvimento de planos de recupe-ração para os setores baseados nos ce-nários reais do impacto. Identificação das partes responsáveis e os critérios de desempenho para a reconstrução.

Monitoramento dos eventos e dos im-pactos. Participação da avaliação de da-nos e necessidades.

Desenvolvimento de planos de recuperação. Mobilização de recursos para recuperação. Implementação de projetos e programas de recuperação. In-corporação da redução de ris-cos nos projetos e programas de recuperação. Divulgação dos resultados e diagnósticos.

Quadro 2: principais componentes da gestão de riscos e de desastres Fonte: Elaborado pela organizadora deste livro

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Capítulo 2

29

O modelo atuação em RRD deve ser desburocratizado e descentralizado, sustentando-se na participação ativa e direta da população e no estreitamento dos vínculos com as comunidades. Deve-se atuar a partir da identificação e reconhecimento dos diferentes grupos que ali existam e de formas fáceis de comunicação e de informação, adequadas aos códigos sociais das comunidades.

tecnologiAS SociAiS em rrd: um cAminho pArA AS boAS práticAS comunitáriAS

A importância de mobilizar pessoas e organizações para as ações de RRD está no fato de que o planejamento para o enfrentamento aos desastres não pode se embasar apenas em soluções técnicas. Pelo contrário, o planejamento das ações preventivas e de enfrentamento precisa ser construído considerando a cultura e a estrutura social, possibilitando que os hábitos e os mecanismos sociais permitam à comunidade mobilizar os recursos humanos e materiais disponíveis em seu próprio contexto social.

Por isso falamos de tecnologias sociais, porque elas se baseiam na par-ticipação das comunidades que desenvolvem por si mesmas soluções sus-tentáveis para os problemas que vivenciam. Gostaríamos de dar visibilidade à publicação Tecnologias Sociais e Políticas Públicas (COSTA, 2013), elaborada pelo Instituto Pólis com resultado de ampla pesquisa realizada no Brasil. De acordo com o documento, as tecnologias sociais e as políticas públicas possuem características comuns, entre as quais destacamos estas:

•• atendem a demandas da sociedade;

•• resultam de interações sociais.

•• envolvem atores públicos e privados.

•• promovem o desenvolvimento e a sustentabilidade socioeconômica e ambiental.

•• fortalecem e estimulam a organização com participação social e política, proporcionando a inclusão social por meio da geração de trabalho e renda; e

•• pressupõem a participação efetiva da comunidade no seu processo de construção e/ou apropriação.

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Capítulo 2

30

Sendo assim, as tecnologias sociais partem do pressuposto de que as comunidades podem conceber e gerenciar instrumentos e metodologias que melhorem as suas condições de vida, promovendo o empoderamento do co-letivo na elaboração de propostas alternativas de desenvolvimento, com foco na distribuição de renda, nos conhecimentos locais e no interesse da maioria. Essas tecnologias, uma vez que estão articuladas aos arranjos sociais locais, são mais aderentes à realidade e aos problemas cotidianos das comunidades.

A publicação divulga várias experiências exitosas desenvolvidas por diferentes comunidades no país afora, algumas estão estreitamente relacionadas à gestão local de riscos de desastres, como:

•• Calha alternativa construída com garrafas pet: microexperiência na Região Metropolitana de Recife (PE) em que um garoto desenvolveu uma tecnologia baseada em calhas feitas de garrafa pet cujo objetivo é reduzir o assoreamento do solo em regiões com risco de desabamento.

•• Cisternas calçadão, pré-molda-das e cilíndricas: ação de uma organi-zação da sociedade civil, com finan-ciamento do Governo do Estado da Bahia, que implanta cisternas para consumo de água e produção de

hortas em escolas públicas sem acesso à rede de abastecimento de água. As cisternas também são usadas como instrumento pedagógico para crianças e seus familiares sobre aspectos da convivência com o Semiárido.

•• Fundos rotativos solidários: os fundos rotativos solidários são instâncias autogestionárias de poupança comunitária e articulação social, muitas vezes, utilizados para a construção de cisternas, bancos de sementes e outras tecnologias sociais.

•• Programa Água Doce: o programa implanta dessalinizadores em regiões onde há água subterrânea salobra. O diferencial é o trabalho realizado para que as comunidades beneficiadas assumam a gestão autônoma dos sistemas e se apropriem

diSpoSição dA cAlhA de gArrAfAS pet no telhAdo dA reSidênciA. foto de neVeS (2008).

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Capítulo 2

pluViômetro nA febf(uerj).

31

de seu funcionamento, reduzindo assim sua dependência do abastecimento pelo “mercado da seca”.

•• Fossas sépticas para o meio rural: duas propostas de saneamento básico alternativo para instalação em propriedades familiares rurais. Os sistemas são simples, podendo ser mantidos pelas próprias famílias. Foram analisadas uma política da Prefeitura Municipal de Caratinga e uma proposta de fossa não contaminadora do lençol freático da Embrapa de São Carlos, SP.

Você também já deve ter ouvido falar:

•• Pluviômetro caseiro: o Pluviômetro é um instrumento de meteorologia usado para medir a quantidade de chuvas, neve e granizo. Essa quantidade pode variar de 0 milímetro a 200 milímetros. O pluviômetro caseiro pode ser confeccionado com materiais simples, como garrafas PET e areia, permitindo monitorar a quantidade de chuva de uma região.

Podemos aprender inúmeras outras experi-ências exitosas em RRD com os povos tradicionais indígenas de nossas regiões que desenvolveram estratégias simples de convivência com os fenôme-nos naturais.

Na publicação “Historias de Éxito de la FAO sobre Agricultura Cli-máticamente Inteligente”, encontra-se um conjunto de práticas exitosas relacionadas à otimização dos recursos locais, oriundas de comunidades tradicionais de quatro países dos Andes tropicais. O do-cumento está disponível em: <http://www.fao.org/3/a-i3817s.pdf>.

O portal “Sistematización de Herramientas de Gestión de Riesgo de Desastres” (<http://herramientas.cridlac.org/about.php>) siste-matizou 71 ferramentas que foram desenvolvidas durante a última década nos países da América nos temas de alerta antecipado, edu-cação, saúde e fortalecimento de capacidades locais de resposta.

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Capítulo 2

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princípioS norteAdoreS pArA AtuAção conjuntA com AS comunidAdeS

Como falamos anteriormente, para reduzir vulnerabilidades frente aos desastres é necessário observar e analisar quais os fatores que tornam pessoas e comunidades mais expostas aos eventos adversos e aqueles que aumentam ou minimizam as suas condições de enfrentá-los. Sendo assim, não basta apenas identificar as pessoas e localizá-las, mas compreender o que as torna mais vulneráveis que outras. Para Acselrad (2006), as pessoas vulneráveis são aquelas vítimas de proteção social desigual, ou seja, de processos sociais que excluem a seguridade de seus direitos.

Ao desenvolver ações de mobilização com foco em RRD com a socieda-de, precisamos saber que estamos promovendo a garantia dos direitos que todos nós adquirimos por segurança e proteção social. Proteção que envolve diferentes aspectos da vida cotidiana (saúde, educação, moradia, bem-estar, acesso a serviços, informação, participação, entre outros) e, também, o com-promisso no que se refere à construção e controle social das políticas públicas que garantem esses mesmos direitos.

Partimos da compreensão de que cada um é potencialmente capaz de intervir sobre os fatores determinantes de sua segurança e proteção, exer-cendo o que se chama de cidadania. Os seres humanos podem transformar a sua realidade ao mesmo tempo em que transformam a si mesmos, inventando outros modos de vida.

Toda prática em RRD deve ser considerada, avaliada e qualificada em sua dimensão ética, social e política e se respaldar nos princípios de cidadania e na garantia dos Direitos Humanos Universais, possibilitando que as pessoas sejam atendidas nas suas diferenças e compreendidas na sua cons-tituição afetiva, cognitiva, criativa, física e biológica.

Sendo assim, é fundamental que se respeite a igualdade de gênero. O desenvolvimento sustentável não é possível sem levar em conta as avaliações de riscos múltiplos ao planejar a vida diária, que afeta diferentemente as pessoas em função, entre outros fatores, dos papéis que ocupam. A integração de gênero em políticas e em medidas de redução de desastres se traduz em identificar as posições que ocupam as mulheres, os homens e os transgêneros, especialmente no que se refere às diferenças de papéis, de necessidades e de poder social em

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Capítulo 2

distintos contextos sociais. É muito importante que dentro dessa compreensão de proteção de diretos seja possível incluir a proteção de gênero em situações de riscos de desastres e de emergência, considerando a igualdade e a equidade de gênero nas práticas de RRD e nas ações de mobilização.

Crianças e jovens devem ser considerados especialmente vulneráveis em situações de emergência, tendo em vista tanto as consequências imediatas de um desastre sobre elas (como o risco de abuso, doenças, desnutrição) como em relação ao seu desenvolvimento futuro, portanto. As pessoas idosas e as pessoas com deficiência igualmente são consideradas mais vulneráveis, umas vez que não encontrando as condições adequadas podem ter mais di-ficuldades para enfrentar situações de emergência. Por isso, crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência e, em alguns casos, mulheres e transgêneros, fazem parte dos grupos mais vulneráveis a desastres e necessitam de mais atenção com relação à proteção de seus direitos.

Outro aspecto fundamental se refere a respeitar, reconhecer e valorizar os saberes dos diferentes povos e culturas, os saberes tradicionais e po-pulares, que nos enriquecem como sociedade, tendo um profundo compro-misso com o presente e o futuro de todos os seres. Para isso, as ações devem ser planejadas de forma sustentável, considerando aspectos culturais, étnicos, ambientais e ecológicos, a partir de uma convivência harmoniosa e equilibrada com a natureza.

O que pode ser feito com relação a isso? Vamos ver a seguir:

•• Devemos facilitar e estimular a participação social de forma ampliada e democrática, considerando todos sem distinção. Assim, as pessoas podem se posicionar com relação às suas próprias necessidades.

•• Temos que desenvolver ações a partir de grupos heterogêneos e equânimes, que representem as diferenças existentes em cada contexto e a participação igualitária de homens e mulheres.

•• Precisamos respeitar e garantir os direitos humanos arduamente conquistados pela nossa sociedade.

•• Podemos envolver as crianças, os jovens, os idosos e as pessoas com deficiência nas ações de RRD; considerar e valorizar os saberes populares e tradicionais relacionadas à gestão de riscos de desastres nas ações de RRD, sem impor o conhecimento científico e técnico sobre os demais saberes existentes.

Acesse o livro Prote-

ção dos Direitos Hu-

manos das pessoas

afetadas por desas-

tres em: <http://goo.

gl/2mbm8E>.

Acesse o Protocolo

Nacional Conjunto

para a Proteção Inte-

gral em Situação de

Riscos e Desastres,

em : <http://goo.gl/

W6zHXq>.

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Capítulo 2

34

•• Devemos impulsionar e disseminar informações e as boas práticas desenvolvidas, compartilhando a experiência com demais atores sociais e favorecendo que sejam multiplicadas.

•• Precisamos desenvolver ações que promovam o bem-estar e o bem viver das pessoas envolvidas.

Com base no vídeo “Breaking the cycle: good practice principles for disaster risk reduction”, apresentamos a seguir os seis princípios para boas práticas em Redução de Riscos de Desastres (RRD):

Princípio 1Entender as raízes

dos desastres

Desastres não são apenas do resultado inevitável de ameaças naturais como terremotos, furacões e vendavais. Os desastres estão relacionados à vulnerabilidade das pessoas, vulnerabili-dade construída ao longo de anos. Precisamos abordar essas vulnerabilidades e identificar como as condições socioeconômi-cas influenciam na capacidade das comunidades para enfrentar esses eventos.Os desastres podem ser reduzidos e evitados se as suas causas e os fatores de risco relacionados forem apro-priadamente entendidos.Responder aos desastres não é suficiente. É preciso investir na educação e na participação para: fazer com que as comunida-des compreendam os riscos e as suas relações; adquiriram co-nhecimentos e recursos necessários para enfrentar os desastres.

Princípio 2Garantir a

participação comunitária

É importante perceber que as comunidades têm capacidades inerentes para responder aos desastres, portanto, precisam ser envolvidas nas ações e decisões que as protegerão durante es-tas ocorrências.Participação é mais do que consultar as comunidades, é engajar as pessoas para a tomada de decisões nas áreas-chave que afetam as suas vidas.Esse processo habilita o conhecimento local para ser utilizado e os membros para decidirem quais ações que devem ser ado-tadas e de que apoio eles necessitam dos governos e de outras organizações durante as emergências.

Princípio 3Garantir a

inclusão social

Os desastres impactam diferentemente os distintos membros de uma comunidade. Mulheres e crianças frequentemente são identificadas como mais vulneráveis. No entanto, é importante reconhecer que outros fatores podem ser indicativos de vulne-rabilidade, como: idade, condições socioeconômicas, habilida-des físicas e mentais, entre outros.Para evitar a exclusão dessas diferenças, é preciso re-conhecê-las e abordá-las nos projetos de RRD.

Você pode assistir

ao vídeo em: <ht-

tps://www.youtube.

com/watch?v=c-

76POEYY3fU>.

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Capítulo 2

35

Princípio 4 Desenvolver

parcerias estratégicas

Desastres resultam da combinação de ameaças, vulnerabilida-des, condições de insegurança, condições de política e econô-micas, dinâmicas ambientais, entre outros aspectos. As soluções necessárias deverão ser, portanto, multifa-cetadas, o que requer um maior número de ferramentas e de recursos diferentes.Nesse sentido, uma abordagem colaborativa, em que as orga-nizações se aliam e trabalham juntas, promoverá um uso mais adequado das ferramentas e dos recursos disponíveis, das ca-pacidades e das experiências existentes nos diferentes grupos.

Princípio 5 Desenvolver meios resilientes de vida

No passado, o foco de trabalho na área dos desastres era tão somente tratar os sintomas e salvar vidas após as ocorrências, distribuindo kits de assistência humanitária, por exemplo. Essas ações se mostraram insuficientes, pois os desastres afetam os meios de subsistência e aumentam a pobreza. Meios de vidas mais resilientes, contudo, podem ajudar pessoas a resistir e a reconstruir mais rapidamente após os desastres.Os projetos de Redução de Riscos de Desastres (RRD) podem ajudar as comunidades a identificar os riscos com os quais con-vivem e a descobrir quais técnicas de proteção, ou adaptati-vas, são necessárias para reduzir a vulnerabilidade e aumentar a resiliência (como as práticas de conservação de água e do solo, os mecanismos alternativos de irrigação para o combate à desertificação e outras tecnologias sociais).Para que as estratégias de RRD sejam efetivas é im-portante ter fortes meios de subsistência com base na combinação de atividades que visem a:• proteger o capital físico, como as casas e os pertences das

pessoas;• proteger o capital natural, como a terra e o meio ambiente; e• reforçar o capital financeiro, por meio de geração de renda

com foco na resiliência.

Princípio 6 Garantir a

Sustentabilidade

O sucesso de ações de RRD deve considerar a sustentabilidade e a proteção ambiental a longo prazo com o objetivo de redu-zir os riscos futuros. Durante as ações de reconstrução e no processo de desenvolvimento em curso, é preciso questionar sobre quais as condições de enfrentar situações de emergência ou desastres sem que haja grandes perdas e prejuízos.Educar as gerações mais novas, as crianças e os jovens, sobre desastres é a chave para desenvolver uma cultura de prevenção de riscos.

Quadro 4: Seis princípios para boas práticas em Redução de Riscos de Desastres (RRD) Fonte: Elaborado pela organizadora deste livro

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Capítulo 2

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mobilizAndo pArA conStruir redeS

O significado comum do verbo mobilizar se refere a “dar movimento a”, “convocar pessoas para”. Semanticamente, o verbo mobilizar nos propõe o movimento de pessoas para atuar de forma conjunta em uma mesma direção, para um mesmo fim. Nesse sentido, ao falar de mobilização social estamos tratando de um projeto que é, antes de tudo, coletivo.

Mobilização social está relacionada ao engajamento e à participação de pessoas para alcançar objetivos específicos. Característica singular desse processo, quando de caráter participativo e democrático, é o envolvimento de diferentes segmentos sociais nas ações e decisões implicadas no projeto comum. Como afirmamos anteriormente, o princípio da diversidade deve permear a construção coletiva que se pretende desenvolver, pois o convite às pessoas de diferentes segmentos sociais, áreas de atuação, crenças religiosas, etnias, classes sociais, entre outros, deve ser um convite às diferenças e, na mesma medida, respeito a elas no processo.

Quando falamos de diferentes segmentos sociais, nos referimos a estes:

•• os decisores políticos;

•• os líderes de opinião;

•• as mídias;

•• os burocratas e tecnocratas;

•• os grupos profissionais;

•• as associações religiosas, do comércio e da indústria;

•• as comunidades; e

•• os indivíduos, entre outros.

O envolvimento dessas pessoas e das organizações que as representam visa à transformação social, ou seja, à mudança de algum aspecto da realidade imediata para outra realidade. Os esforços de todos de forma inter-relacionada e complementar possibilitará esse processo de mudança social. É necessário que todos percebam e identifiquem a necessidade do que se queira mudar, ou seja, estarem motivados. Ademais, é fundamental que as pessoas e os grupos sejam, posteriormente, capacitados para a ação, uma vez que as mudanças são consequências de ações continuadas.

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Capítulo 2

37

Como estávamos dizendo, mobilizar refere-se a gerar o movimen-to para um propósito comum, mas, além de pessoas, é possível mobilizar outros recursos, como: aparelhos, equipamentos e tecnologias disponíveis; infraestruturas; políticas; entre outros.

A divulgação de informações adequadas ao público-alvo mobilizará esses diferentes recursos, promovendo o apoio intersetorial e transversalizado.

Um dos resultados da mobilização é a constituição de redes, integran-do e articulando os diferentes atores, organizações sociais, governamentais e não governamentais, os conselhos profissionais, os conselhos comunitários, entre outros. Para tanto, é preciso desenvolver um olhar sistêmico sobre a sua realidade, identificando os possíveis atores e seus diferentes papéis, conside-rando o contexto de intervenção, sensibilizando-os e articulando-os para atuar coletivamente.

Esse processo de mobilização necessita de muito diálogo, construção de parcerias e um planejamento adequado, incluindo, por exemplo:

•• identificação dos problemas, necessidades e demandas sociais;

•• reconhecimento das particularidades do contexto de intervenção e identificação dos diferentes atores sociais;

•• comunicação e sensibilização dos atores para promover o envolvimento no projeto;

•• realinhamento das demandas e necessidades de acordo com as prioridades, após o processo de sensibilização e contato com a comunidade;

•• capacitação e organização dos recursos disponíveis para a ação;

•• implementação de ações para a consecução dos objetivos;

•• avaliação continuada dos resultados;

•• construção de redes de organizações sociais;

•• manutenção das redes, fluxos e processos de intervenção.

A mobilização social é uma estratégia que exige parcerias com todos os interessados, a partir das quais se constroem as redes de organizações sociais. Essas redes são espaços de troca de experiências, de qualificação de informa-

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 2

38

ção, de articulação política, interinstitucionais e interpessoais. Estratégia que possibilita a otimização de esforços, a potencialização das vontades e das ações (TORO; WERNECK, 1996) e o fortalecimento das organizações envolvidas para o desenvolvimento dos projetos coletivos.

Embora a mobilização social possa ser uma estratégia para a conse-cução de objetivos específicos e, portanto, ser finalizada após a realização de suas metas, temos que ter em mente que muitos resultados do processo não são quantificáveis, repercutindo por longo prazo em determinados contextos sociais. Além disso, com a mobilização social se promove a construção de redes, por isso, esperamos que tenha continuidade e que o envolvimento de pessoas e das organizações ocorra permanentemente, ampliando-se o repertório de ações e contextos de intervenção, complexificando e diversificando as redes e sub-redes, assim como os projetos coletivos e os resultados desejados.

Para Toro e Werneck (1996), a participação em um processo de mobi-lização social é, simultaneamente, meta e meio. A mobilização social requer participação ao mesmo tempo em que promover e amplia a participação das pessoas. O desafio é conseguir, ao longo do processo, crescer em abrangência e profundidade, ter quantidade e qualidade neste envolvimento das pessoas. A participação social é, antes de tudo, um princípio democrático, pois a ordem social não se constitui naturalmente, pois trata-se do resultado das ações das pessoas sobre o meio.

Nós todos participamos, de uma forma ou de outra, da construção da realidade social que vivemos. Para transformar essa mesma realidade é necessário que transformemos a nós mesmos e atue-mos no sentido de promover essas mudanças. Isso não ocorre sem conflitos e dificuldades, os quais precisam ser cotidianamente rearranjados. Além disso, é necessário um processo de educação que promove o empoderamento de muitas e diferentes pessoas envolvidas, convergindo suas ações para propósitos comuns.

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 2

39

comunidAdeS: noVAS formAS de compreender oS VínculoS SociAiS e A pArticipAção comunitáriA

Uma comunidade se caracteriza pelas relações afetivas e funcionais entre as pessoas que compartilham de um mesmo espaço físico, de convicções e/ou de propósitos. Essas relações lhes confere uma sensação de pertencimento ao lugar. Em uma comunidade observa-se, portanto, diversidade de papéis, de funções e de recursos.

A comunidade é o espaço onde vivemos, trabalhamos, partilhamos e interagimos uns com os outros e que deveria ofertar segurança às pessoas. Por isso tem fundamental importância em situações de emergência, uma vez que proporciona suporte e apoio psicossocial ao indivíduo, conectando-o às suas raízes, à sua história particular, aos laços afetivos que lhe constituem. No entanto, o modo como as pessoas convivem, atuam nos espaços coletivos e públicos e como elas experimentam a dinâmica comunitária pode ser bastante diverso, umas vez que existem diferentes formas de organização a nível local e na forma de participação das pessoas nesse âmbito.

Além dos coletivos formais instituídos, há os coletivos informais que atuam, muitas vezes, de forma alternativa e utilizam outros mecanismos de sensibilização e de reivindicação social e que, também, podem e devem ser mobilizados. Devemos ter clareza que nem sempre é possível mobilizar a todos ao mesmo tempo. Mobiliza-se conforme os objetivos e os resultados que se deseja alcançar; e mobiliza-se para definir objetivos e metas conforme a von-tade do próprio coletivo.

É certo que não há modelos únicos de participação social e de orga-nização dos esforços para desenvolver projetos e ações. Por isso, para fazer mobilização social em Redução de Riscos de Desastres é necessário reconhecer e assegurar as particularidades, os recursos, as competências, as diferenças culturais e os conflitos de cada contexto em que se quer atuar. As propostas e a postura das pessoas devem ser flexíveis, com capacidade de se adaptarem aos diferentes arranjos locais das comunidades, sem perder o foco, a vontade e o propósito da iniciativa.

As comunidades não convivem sempre em harmonia. A convivência entre diferentes pessoas, com interesses, personalidades, crenças e hábitos distintos favorece a emergência de conflitos e de disputas, que são comuns e

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 2

40

muitas vezes necessários dentro das comunidades, e entre as comunidades e entidades públicas e privadas. Esses conflitos quando mediados podem esti-mular a reflexão, o debate de ideias e a busca por soluções mais complexas e viáveis aos problemas enfrentados no dia a dia.

Quando um desastre atinge uma comunidade, várias dimensões da sua vida social são impactadas: moradias, serviços, trabalho, renda, segurança, rotina, ambiente, saúde, bem-estar dos indivíduos e dos coletivos, entre outros. A recuperação é mais rápida quando as pessoas se envolvem conjuntamente no processo de reconstrução comunitária pós-desastres. A organização e coe-são comunitária são, também, componentes fundamentais de resiliência frente às emergências e devem ser fomentadas antes de as emergências ocorrerem.

Lembre-se: as relações sociais sustentam as pessoas durante desas-tres e deveriam ser consideradas em todos os estágios de gestão de riscos e resposta. Além disso, os impactos dos desastres incidem de forma desigual sobre as pessoas de uma mesma comunidade. Se não há cuidado e envolvimento democrático no processo de planejamento, a recuperação pode exacerbar as desigualdades sociais existentes.

Capítulo 3Mobilização Comunitária para uma

Cultura de Redução de Riscos

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

43

mobilizAção comunitáriA pArA umA culturA de redução de riScoS

cArActeríSticAS doS mobilizAdoreS

Os mobilizadores devem favorecer, da melhor forma possível, a integração e o relacionamento entre os membros do grupo, facilitar a aprendizagem, a troca de conhecimentos e o engajamento de todos nas ações de RRD. Eles ainda devem exercer várias funções para poder trabalhar com as habilidades, as potencialidades e as atitudes dos atores participantes do grupo, tomando a iniciativa de:

•• favorecer a integração e o relacionamento entre os membros do grupo;

•• mediar os conflitos, resolvendo de forma harmoniosa as situações criadas no grupo;

•• facilitar a aprendizagem e a troca de conhecimentos;

•• multiplicar informações, conhecimentos e experiências;

•• conduzir o grupo a criar respostas adequadas a novas ou antigas situações;

•• sensibilizar o indivíduo quanto à sua importância para o desenvolvimento de ações de RRD;

•• estimular os atores a continuarem as ações de forma autônoma e autogerida, independentemente de sua presença.

É importante lembrar-se de que o mobilizador é antes de tudo um me-diador e facilitador de processos, com a finalidade de criar novas condições de engajamento dos atores em ações que visem à Redução de Risco de De-sastres. Ele deve, portanto, viabilizar que os atores construam e gerenciem as ações e os encontros para que a mobilização não dependa da presença dele. Afinal, ele nem sempre estará disponível para mediar e organizar os encontros e

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

44

as demandas e, assim, os atores sociais passam a gerenciar as ações de acordo com os seus próprios interesses.

A confiança dos atores no mobilizador é muito importante para o êxito em várias etapas do processo de mobilização, uma vez que é por meio dele que esses atores entrarão em contato com o tema abordado, recebendo informações sobre o assunto. O mobilizador precisa, portanto, respeitar e estar familiariza-do com os modos de vida da comunidade ou do público-alvo, comunicar-se com clareza, ser responsável e ético com relação ao compromisso que assume com os atores e, especialmente, saber receber críticas e sugestões, de modo a conduzir o processo como uma construção coletiva.

AS etApAS dA mobilizAção comunitáriA

Nas ações de RRD, a mobilização se materializa de diferentes modos, como campanhas, oficinas, reuniões, capacitações, palestras, gincanas, dentre outras que reúnem, muitas vezes, contingentes de pessoas movidas por um objetivo comum. A escolha das ações e dos projetos a serem desenvolvidos depende de cada contexto, das pessoas envolvidas, dos objetivos, das neces-sidades e de outros aspectos. Para facilitar o processo de mobilização social, algumas etapas podem ser desenvolvidas de forma a nortear a construção de uma proposta ou projeto coletivo. Vejamos:

Formação deRedes Sociais

Identi�cação dasnecessidades

Construção doprojeto coletivo

Capacitação

Sensibilização Comunicação

Identi�cação dosatores sociais

Contextualização

Figura 5: Etapas da mobilização comunitária

Fonte: Elaborada pela organizadora deste livro

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

45

As etapas apresentadas na figura são sugestões de como desenvolver, fo-mentar ou iniciar um processo de mobilização comunitária em RRD. Não são etapas estanques ou, necessariamente, subsequentes de modo que a contextualização pode convergir com a sensibilização e assim por diante. Vamos considerar que as etapas, a seguir, foram organizadas em uma ordem mais didática em relação ao tema.

identificAção dAS neceSSidAdeS e cArActerizAção do contexto de interVenção

Estamos falando que para mobilizar as pessoas, os grupos e as comu-nidades para as ações de RRD é preciso considerar os valores, as crenças, os hábitos, as práticas e as dinâmicas que envolvem as relações sociais em um contexto específico de ação. Em outras palavras, devemos considerar o que se costuma denominar cultura, expressada por meio das práticas sociais e dos modos de produção e de reprodução de significados de uma população.

Isso quer dizer que diferentes comunidades possuem formas próprias de significar os acontecimentos e os fenômenos e de se relacionar com o ambiente. Formas que foram se constituindo historicamente, a partir dos acontecimentos que ali se desenharam e, também, formas que foram se transformando, pois a cultura está em permanente movimento. Palavras e hábitos comuns, em deter-minados contextos, podem ser totalmente estranhos em outros. Há culturas, por exemplo, em que não se pode olhar nos olhos de uma mulher; outras em que o luto é vivenciado com danças e festa. Há culturas acostumadas a construir e a plantar em terrenos íngremes, já que as pessoas sabem ocupar essas áreas; outras que se beneficiam das regiões alagadas para a agricultura.

A cultura media as nossas relações e está implicada no modo como significamos a realidade e como a percebemos, assim como as nossas experiências individuais. Uma pessoa, por exemplo, que já passou por uma situação de incêndio possivelmente é mais sensível à palavra fogo e aos sinais iniciais de um incêndio do que outra pessoa sem essa vivência.

As diferenças culturais interferem nas estratégias de mobilização a se-rem desenvolvidas, uma vez que muitas informações e propostas não farão

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

46

sentido para o público-alvo se não levarmos em conta a maneira como esse público se relaciona entre si e como se dá a comunicação entre as pessoas. As diferenças culturais aparecem na forma como as pessoas se relacionam com suas famílias, nas formas e nos lugares onde constroem suas casas e, também, naquilo que consideram ser risco e/ou perigo. Sabemos, ainda, que é comum encontrar comunidades que veem os desastres como castigos divinos sobre os quais não podemos interferir.

Então, um dos primeiros passos para delinear as estratégias de mobi-lização social se refere ao reconhecimento do contexto de intervenção. Esse reconhecimento ou contextualização local, que pode ser realizado por meio das aproximações iniciais com o público-alvo, documentos, informações disponíveis na mídia e com as pessoas da própria localidade, que podem fazer a mediação entre o mobilizador e a comunidade, caso ele não pertença ao local.

A contextualização é importante para identificar as demandas e neces-sidades das comunidades ou do público-alvo, para se aproximar das pessoas e organizar as prioridades. Após a contextualização é possível realinhar e redefinir as hipóteses e as estratégias de intervenção que, por ventura, fora previamente estipuladas. Além da identificação dos aspectos culturais, étnicos, religiosos, deve-mos fazer o reconhecimento territorial, econômico e político, buscando identificar o território de abrangência da comunidade, aspectos ambientais relevantes, grau de desigualdade social, maiores vulnerabilidades, conflitos e conjunturas políticas.

Com o propósito de mobilizar as pessoas para reduzir riscos de desastres em áreas de encosta, por exemplo, é importante conhecer previamente qual a percepção da comunidade sobre esses riscos e quais os fatores atribuídos.

Cabe fazer as seguintes perguntas:

•• Quais as experiências que as pessoas já tiveram com eventos adversos?

•• O que elas consideram risco?

•• Qual é a história de ocupação da cidade?

•• Quais acontecimentos historicamente aumentaram o risco e a vulnerabilidade a desastres no local?

•• As pessoas acreditam que elas e a comunidade estão preparadas para enfrentar desastres?

•• As pessoas conhecem os órgãos responsáveis por atuar em situações de emergência e desastres?

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

47

•• As pessoas sabem que moram em áreas de risco?

Muito bem, nas páginas a seguir serão apresentadas algumas estratégias para coletar ou organizar as informações sobre a co-munidade.

Ao conviver mais perto das comunida-des percebemos as diferenças entre as crenças, os modos de vida, os hábitos de alimentação e de higiene, o tratamento com relação às mulheres, às crianças e aos idosos, etc. Em uma mesma cidade é grande a diversidade de pessoas oriundas de lugares distantes, com diferentes graus de escolaridade e formas como foram educadas. Embora seja comum estranhar práticas sociais de outros grupos que não são semelhantes às nossas, é preciso respeitá-las sem julgá-las ou depreciá-las. Quando essas práticas interferem diretamente no aumento ou na redução dos riscos e das vulnerabilidades, por exemplo, o lixo jogado nos córregos ou a plantação inadequada de alguma espécie em áreas de desertificação, a mo-bilização social será uma estratégia interessante para desenvolver, neste caso, um processo de educação ambiental na comunidade.

O olhar deve ser, portanto, compreensivo por mais estranho que lhe pa-reça determinadas práticas. Qualquer julgamento de valor sobre essas práticas, assim que percebido pelas pessoas, promoveria um grande distanciamento.

Lembre-se de que todos nós usamos lentes diferentes com as quais interpretamos a realidade e agimos, por isso, somos diferentes e temos pontos de vista distintos. Assim como não há uma lente mais correta que a outra, não temos como avaliar todos os fatores que fazem com que as pessoas sejam como são ou ajam de tal forma.

Com a contextualização, vamos conhecer um pouco mais as pessoas e o ambiente em que elas vivem, ao mesmo tempo em que nos aproximamos da comunidade. Esse momento inicial da escuta e do diálogo possibilita que a

oficinA de SenSibilizAção comunitáriA pArA preVenção de deSAStreS, mAciço do pirAjubAé, floriAnópoliS, 2009.

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Capítulo 3

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comunidade participe do processo de construção da proposta e das ações, a partir das suas necessidades e demandas, respeitadas e valorizadas. Assim, a mobilização será muito mais eficaz e terá mais condições de continuidade, uma vez que não houve imposição, mas uma construção conjunta. As aproximações iniciais favorecem a etapa seguinte: a de identificação dos atores que queremos envolver, as pessoas, a organização, as instituições, governamental e não gover-namental, a sociedade civil organizada e as entidades profissionais, entre outros.

Então, na contextualização, devemos observar alguns dos seguintes aspectos:

•• organizações, entidades e lideranças comunitárias representa-tivas do local;

•• recursos e equipamentos sociais disponíveis que possam agregar as ações de RRD;

•• pessoas que possam mediar a sua relação com a comunidade;

•• hábitos, valores e comportamentos comuns;

•• o que a comunidade pensa e conhece sobre riscos de desastres;

•• veículos de comunicação mais comumente utilizados;

•• abrangência territorial e geográfica;

•• aspectos ambientais, áreas de risco, indicadores de vulnerabi-lidade a desastres;

•• percepções de risco, de participação social, de defesa civil, entre outros;

•• conflitos e desentendimentos entre os atores sociais; e

•• divergências políticas que possam interferir no processo de mobilização.

coletA e orgAnizAção de informAçõeS Sobre A comunidAde

Conforme mencionamos anteriormente, é possível coletar e organizar as informações sobre o público e o local de interesse. Sugerimos que seja uti-lizado o quadro a seguir para registrar as informações sobre riscos e desastres com a comunidade.

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Capítulo 3

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1. Calendário de Desastres: identifique quais os desastres afetam a comunidade. Para cada evento relatado, registre os meses de ocorrência. Dessa forma, o grupo poderá melhor planejar as ações de prevenção e resposta aos desastres.

cAlendário de deSAStreS

Desastres/ Meses

Jane

iro

Feve

reir

o

Mar

ço

Abri

l

Mai

o

Junh

o

Julh

o

Ago

sto

Set

embro

Out

ubro

Nov

embro

Dez

embro

Vendaval

Inundação

Seca

Deslizamentos

Queimadas

Granizo

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2. Perfil histórico da comunidade: o perfil histórico da comunidade permite compreender quais fatos ocorreram ao longo do tempo na comunidade e que podem ter intensificado a situação de risco local. É uma boa oportunidade para saber e compartilhar sobre o processo de constituição da comunidade, a sua história. Para cada fato importante, situe o ano de sua ocorrência. Em seguida, registre o desdobramento do fato que repercutiu na condição de risco ou vulnerabilidade.

Perfil Histórico da Comunidade e seus Desdobramentos

Ano Descrição Desdobramento

1980 primeiras ocupações locais estabelecimento de moradias em áreas impróprias com alta declividade

1991 construção da Rodovia 401impermeabilização do solo e proble-mas na drenagem das águas fluviais, provocando alagamentos

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Capítulo 3

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3. Quadro de identificação de riscos: este quadro pode ser uma importante ferramenta em qualquer atividade que se realize em RRD, seja na elaboração do mapa comunitário de risco, no plano de contingência, no plano de prevenção, entre outros. O grupo deve listar, de acordo com cada coluna, as ameaças, as vulnerabilidades e as capacidades locais.

Quadro de Identificação de Riscos

Ameaças Vulnerabilidades Capacidades

identificAção de AtoreS SociAiS e recurSoS diSponíVeiS

Atores sociais são pessoas, organizações ou coletivos de pessoas que possam, a partir de determinados recursos disponíveis, atuar e transformar a realidade na qual estão inseridos. Como dissemos anteriormente, todos nós somos produtos e produtores da realidade que vivemos, assim como podemos, cada qual à sua maneira e a partir de condições próprias, agir para transformar essa mesma realidade. Somos também capazes de aprender e inventar novas formas de viver e nos relacionar com os outros e com o ambiente, nos tornando protagonistas das nossas condições de existência. Portanto, todos nós somos de modo geral atores sociais. Na Defesa Civil, costuma-se repetir a famosa frase do Dr. Castro: “A Defesa Civil somos todos nós!”.

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Capítulo 3

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Contudo, quando mobilizadas para atuar frente a determinados proble-mas ou situações, as pessoas ou coletivos se tornam atores sociais engajados numa causa específica, ou seja, são atores sociais de projetos particulares ou de etapas nos quais atuam e para os quais disponibilizam os seus recursos. Alguns se tornam importantes lideranças locais. Esses atores costumam ter maior influência sobre alguns processos sociais da comunidade e, por isso, é fundamental mobilizá-los para participarem das ações de RRD. Principalmente porque quando estamos envolvidos e participando do projeto, todos se tornam importantes multiplicadores.

Já dissemos que a mobiliza-ção social tem uma finalidade espe-cífica, isso quer dizer que se mobiliza para alguma coisa. Ter clareza da finalidade da mobilização é primor-dial no envolvimento dos atores sociais, mesmo que os ajustes e os alinhamentos ocorram ao longo desse processo, pois eles precisam avaliar de que maneira e quais recursos podem contribuir com o projeto ou com as ações que queremos desenvolver. A identificação dos atores começa a ocorrer a partir dos primeiros conta-tos com as comunidades, quando o

agente reconhece as pessoas, as lideranças comunitárias, as organizações e as instituições ali presentes, que podem ser relevantes naquele local.

A contextualização deve ter favorecido uma análise preliminar da locali-dade e, também, a identificação de possíveis conflitos entre atores estratégicos que queremos envolver. Quando da identificação desses conflitos é preciso avaliar se haverá uma escolha ou se construirá uma forma alternativa para gerenciá-los. Conflitos e desentendimentos também podem ocorrer durante o processo de sensibilização ou de capacitação, os quais precisam ser negociados em conjunto com todas as partes envolvidas.

Observe que no município, podemos considerar atores sociais es-tratégicos: o prefeito, o secretário municipal da saúde, o presidente

oficinA de redução de riScoS de deSAStreS, bAlneário cAmboriu, ceped ufSc, 2013.

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de associação de amigos de bairro, o presidente de associação comercial, as associações comunitárias, o diretor de escola, os professores, a benzedeira, os representantes de entidades pro-fissionais, os representantes de conselhos tutelares, os agentes de saúde, o representante do instituto de Planejamento Urbano do município, entre muitos outros. É possível mobilizar crianças, jovens, idosos, mulheres, pessoas com deficiência, enfim, todos, cada qual com seus recursos e possibilidades. Os atores atuam e interagem de acordo com os seus perfis e características pessoais.

O mapa de atores deve ser elaborado de acordo com cada realidade, com as organizações ali presentes e as instituições. Por exemplo, se a comu-nidade que será mobilizada já tiver um núcleo comunitário de defesa civil ou uma comissão de gestão de risco e desastre é preciso envolvê-los, mas em outras comunidades pode ser que seja relevante mobilizar o representante de determinada indústria que joga os poluentes no rio. A identificação dos ato-res dependerá do contexto de intervenção ou de mobilização e dos objetivos pretendidos. Pode ser estratégico que o prefeito, como principal representante governamental do município, seja convocado para participar e esteja ciente da mobilização desejada.

A identificação dos sujeitos sociais atuantes, dos perfis e dos recursos disponíveis podem ocorrer, posteriormente, com a mobilização e a articulação em rede no registro desses atores de acordo com a capacidade de mobilizar os recursos e a interferência no desenvolvimento das ações.

Tendo em vista a exigência da intersetorialidade para desenvolver ações em RRD e a necessidade de que essas ações sejam coordenadas e in-tegradas no nível local – entre poder público, setor privado e organizações da sociedade civil –, a identificação e a mobilização dos atores precisam garantir a integração de diferentes instâncias e setores existentes. Se antes eles normal-mente atuavam no mesmo território, mas de forma isolada, agora devem se propor a atuar conjuntamente, construindo práticas alternativas na forma de gestão. A mobilização desses atores possibilitará a articulação necessária para promover a sustentabilidade e a eficácia das ações posteriores. Considera-se, então, fundamental a identificação dos agentes locais e a sua preparação para a continuidade das ações de forma participativa.

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

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O grupo pode utilizar o quadro a seguir para registrar as informações sobre os atores sociais relevantes na comunidade.

Quadro de Atores Sociais para Atuação em RRD

Agentes e agências relevantes Contato Objetivos Recursos disponíveis

informAção e comunicAção: definindo eStrAtégiAS de mobilizAção

O sucesso dos projetos de mobilização social depende muito das estraté-gias de comunicação. Portanto, qualquer processo de mobilização comunitária exigirá que sejam desenvolvidas ferramentas de comunicação adequadas. A diversidade de pessoas e de interesses requer a utilização de vários instru-mentos de mobilização. A divulgação de informações é uma das etapas da mobilização, nas ações de comunicação não se confundem apenas com a transmissão de informação. Por isso, a definição adequada de estratégias de comunicação para mobilizar pessoas e coletivos é aspecto essencial do processo.

Para planejar as ações de comunicação com a finalidade da mobilização social é essencial considerar estes passos adaptados de “Guidelines and tools for developing communication strategies for joint UN teams on AIDS” (WHO/UNAIDS, 2008):

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

55

Passos: Ações: Atividades:

1º Passo Análise de situações

• mapeamento de meios de comunicação e de informação

• identificar desafios e prioridades• descobrir o que funciona no momento

2º Passo Investigar o público

• definir quem é o público-alvo• descobrir o que o público pensa sobre o

tema

3º Passo Desenvolvimento da mensagem

• definir a mensagem• criar mensagens claras, oportunas e adequa-

das

4º Passo Escolhendo opções

• correspondência entre métodos de comuni-cação com o público e mensagens

5º Passo Planejando a comunicação

• atribuição de responsabilidades• orçamento• eventos utilizados

6º Passo Acompanhando e avaliando

• definir metas• atingir resultados

Podemos entender que a análise da situação, primeiro passo, teve início na contextualização quando foram realizados os primeiros contatos com o públi-co-alvo. Já naquele momento, enquanto o local de intervenção era observado, foi possível verificar quais eram os veículos comumente utilizados para a transmissão de informações e meios de comunicação. Hoje em dia, grande parte da popu-lação brasileira tem acesso aos meios de comunicação de massa, como rádio e televisão. Contudo, nem sempre o mobilizador tem condições de acessar a esses veículos para mobilizar outras pessoas, assim como nem sempre tais veículos são os mais eficazes naquela comunidade ou para alcançar certos objetivos.

Na contextualização, já foi possível conhecer melhor o público e o que ele pensa sobre os temas relacionados ao que desejamos abordar. Trata-se de um passo importante, pois a mensagem a ser elaborada no passo seguinte deve considerar os aspectos socioculturais de cada local. Devemos nos certificar de que a comunidade conhece aquilo que desejamos informar. Devemos tirar nossas lentes e vestir as lentes do nosso público-alvo, facilitando a comunicação.

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Capítulo 3

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Em seguida devemos:

•• Construir a mensagem – o conteúdo da mensagem precisa ser claro, adequado e compreensível para os receptores. Mensagens truncadas, mal formuladas, sem as informações adequadas podem levar a mobilização ao fracasso.

•• Ter claro quais os objetivos, quem é o público, de que maneira ele se comunica para formular mensagens objetivas.

•• Divulgar as informações no momento adequado e por tempo suficiente para ter êxito.

•• Reforçar as informações e atentar-se para os retornos e as contribuições recebidas, pois esses feedbacks são importantes para adequar as mensagens à realidade local.

•• Dependendo da mensagem, optar por algum tipo específico de veículo.

•• Observar que o quarto passo se refere justamente a encontrar a melhor correspondência entre as informações que se quer transmitir e o melhor veículo a utilizar. Afinal, é preciso que as mensagens cheguem aos destinatários.

As ações de comunicação devem ser contínuas no processo de mobili-zação social. Ao se desejar que as pessoas e coletivos estejam sempre prontos para atuar com você, nas diversas etapas (prevenção, preparação, resposta e reconstrução), é fundamental que se mantenha o planejamento de comunica-ção continuamente, fazendo as alterações necessárias conforme os objetivos delineados.

Essas estratégias de comunicação possibilitarão a interação recíproca entre todos os envolvidos, promovendo e mantendo a articulação entre eles e a construção de redes sociais organizadas. Aos poucos, é possível fazer a distri-buição de responsabilidades quanto às ações de comunicação entre os atores sociais. Lembre-se de que o planejamento contínuo requer acompanhamento e avaliação dos resultados para verificar se as metas foram alcançadas.

Para elaborar ou plano de comunicação, devemos definir:

Objetivos – Estratégias – Para quem – Quando

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Capítulo 3

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Depois, devemos nos perguntar com relação aos itens adaptados de “Guidelines and tools for developing communication strategies for joint UN teams on AIDS” (WHO/UNAIDS, 2008):

•• Conteúdo: qual é o ponto principal que queremos comunicar para o público? Que ideia esperamos que o seu público tire da mensagem?

•• Língua (refere-se às palavras escolhidas para comunicar a mensagem): a escolha de palavras é clara ou os diversos públicos poderiam interpretar de forma diferente? A linguagem é apropriada para o público-alvo? Por exemplo, seria adequado usar essa linguagem para se comunicar com um público jovem?

•• Messenger ou fonte (refere-se à pessoa que vai entregar a mensagem): o mensageiro tem a confiança do público-alvo? Quantas pessoas ele pode comunicar?

•• Formato ou meio (refere-se ao canal de comunicação utilizado para entrega da mensagem): qual é o formato mais atraente para chegar ao público?

•• Tempo e lugar: quando e onde vai entregar a sua mensagem? Existe alguma ocasião que possa tornar mais receptiva a mensagem? Existem outros acontecimentos que você pode para chamar mais atenção para a mensagem?

Comunicar bem é sempre um desafio, mesmo com os inúmeros dis-positivos que temos hoje em dia para compor as estratégias de comunicação. Ainda mais quando não queremos apenas transmitir informações, mas construir espaços propícios e canais adequados para estimular a participação de atores sociais, promovendo as interconexões e as interações institucionais e informais em rede. Como um dos principais mecanismos para a manutenção de vínculos entre os diversos atores e para estabelecer contato com a população sobre os riscos de desastres, as ações de comunicação não podem ser displicentemente desenvolvidas. É preciso pensar continuamente nas estratégias de comunicação que levem à mobilização.

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

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SenSibilização e cApAcitAção comunitáriA

A sensibilização é o passo para que todas as ações propostas sejam bem-sucedidas. Essa etapa está estreita-mente relacionada com as ações de comunicação, pois é por meio da comunicação que será possível sensibilizar o público-alvo, mobilizando-o para ação concreta. Além

disso, a comunicação é essencial para desenvolver relações de ensino-apren-dizagem e produzir conhecimento.

Nesta etapa, espera-se sen-sibilizar os atores sociais identifica-dos sobre a Redução de Riscos de Desastres e a importância de eles se integrarem nessas ações. Para tanto, é necessário criar espaço de encontro nos quais possamos abordar temas relevantes, promo-vendo uma cultura de redução de riscos e ampliando a percepção de riscos das comunidades. A etapa da sensibilização caracteriza-se, portanto, pela produção coletiva de conhecimento sobre RRD e sobre as vulnerabilidades diante dos riscos.

Você pode utilizar os quadros apresentados na etapa de identifi-cação e de contextualização para coletar e discutir as informações sobre riscos de desastres com a comunidade.

Ao discutir as informações e compartilhar os saberes sobre riscos e desas-tres com a comunidade, você promoverá o engajamento social e a construção

*Sensibilização – a sensibilidade, segundo as de-

finições correntes de dicionários e enciclopédias, é

a faculdade de sentir, de perceber modificações no

meio em que se vive, e de reagir de forma adequada

frente a elas. Está relacionada à capacidade de se

impressionar com as coisas e torná-las fonte de

conhecimento para a vida. Fonte: Elaborado pela

organizadora deste livro.

curSo de SenSibilizAção comunitáriA pArA rrd, coSteirA do pirAjubAé, ceped ufSc, 2009.

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

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de parcerias com todos. É frequente que esses atores não tenham o mesmo entendimento dos técnicos sobre o que é um desastre, não conheçam os di-ferentes tipos de ameaças e riscos ou não saibam exatamente o que faz a Defesa Civil, então, se for possível, sugerimos que você troque experiências e percepções para que eles possam contribuir com aredução de riscos.

Você precisará reunir os atores anteriormente identificados, por meio de estratégias de comunicação adequadas, considerando as características contextuais do local de intervenção, para falar de percepção, redução de riscos e outros temas de interesse geral.

Pergunte a si mesmo: se as pessoas não reconhecem os riscos e as condições que os produzem, por que irão agir para enfrentá‐los? Reflita sobre isso!

percepção de riScoS

A percepção é o processo de interpretar, organizar e selecionar os estí-mulos e as informações que recebemos do ambiente em que estamos inseridos. Todo ser humano tem a capacidade de percepção, a qual está relacionada aos seus processos cognitivos e afetivos, constituindo o seu comportamento. Como processo, a percepção se transforma, se desenvolve e se amplia, a depender da qualidade das relações dos seres humanos uns com os outros e deles com o meio ambiente. Então, não está pronta e nem acabada, pois a percepção muda!

Se ela depende das relações que estabelecemos, de nossa história indi-vidual, do nosso desenvolvimento cognitivo e emocional, dos conhecimentos disponíveis e das características culturais do contexto em que vivemos, não há também uma percepção única, mas várias Percepções.

oficinA de redução de riScoS de deSAStreS, bAlneário cAmboriu, ceped ufSc, 2013.

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

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Nossas percepções sobre a realidade estão relacionadas ao modo como aprendemos a ver o mundo, a partir de nossas experiências anteriores e tam-bém ao modo como fomos educados. Por isso, a percepção é efeito da cultura que determina nossos comportamentos, orientando nossa tomada de decisão referente ao que se percebe.

Ao falar sobre percepção de riscos, estamos tratando do modo como determinadas pessoas interpretam estímulos e contextos ambientais específicos, nos quais determinados riscos se apresentam. Então, não estamos falando de quaisquer pessoas, mas de pessoas situadas em tal comunidade, com essa história, que vivenciaram tais experiências e que vivem vulneráveis a determi-nados riscos de desastre.

O risco não é um mero estímulo físico objetivo que pode ou não ser percebido indepen-dente das pessoas que o veem. Se a percepção é culturalmente constituída, a percepção do risco também o é. Assim, o risco e a percepção de risco são resultados de construções sociais, tendo uma dimensão física, subjetiva e multi-dimensional. Essa percepção está relacionada a: atitudes, valores, crenças, motivações, sentimentos e normas das pessoas, influenciando na forma de entender o risco ou a fonte de risco provável, seja ela tecnológica, ambiental ou social (KUHNEN, 2009).

O modo como as pessoas percebem os fatores de riscos e o quanto elas estão vulneráveis a eles influencia o seu comportamento de autocuidado e de proteção; igualmente influencia no quanto elas se mobilizam para enfrentar os riscos de desastre, atuam para reduzir vulnerabilidades e, num horizonte mais amplo, como elas participam do processo de constituição de uma cultura de redução de risco.

curSo de SenSibilizAção comunitáriA pArA rrd, coSteirA do pirAjubAé, ceped ufSc, 2009.

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

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Por cultura de redução de risco entendemos um conjunto de práticas sociais acerca da proteção social com relação aos riscos de desastre. Trata‐se, portanto, de hábitos e de comportamentos que promovem a redução de riscos, por meio da minimização das ameaças e das vulnerabilidades, potencialização das capacidades e garantia de proteção e segurança social.

Propomos também uma mudan-ça cultural no sentido de inverter a lógica centrada no desastre para uma lógica fundamentada na gestão integrada dos riscos de desastre. Infelizmente, o enfo-que das ações em Defesa Civil, de outros setores e dos meios de comunicação de massa, tem se centrado exclusiva-mente nas repercussões dos desastres. Privilegiar uma cultura de redução e de riscos é promover e valorizar ações que ajudem a reduzir os riscos no contexto local e global, ou seja, em um modelo de desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável, na mi-nimização das vulnerabilidades, na igualdade de gênero, na ocupação e uso adequado do solo, enfim, na promoção de qualidade de vida.

A constituição de uma cultura de redução de risco, refletida em ações permanentes nas comunidades e integradas às políticas intergovernamentais promoverá comunidades e pessoas mais resilientes aos desastres.

Ao tratar sobre percepção de riscos, é importante salientar que não há “pessoas com” e “pessoas sem” percepção de riscos, mas que as percepções são diferentes, por isso um trabalho de mobilização pode construir, coletivamente, percepções amplas sobre o tema, frutos e particularidades a este grupo de pessoas e ao trabalho que foi realizado ali. Muitas vezes, escutamos mobiliza-dores dizerem que o problema dos desastres é que as pessoas não percebem os riscos, ou seja, culpa da falta de percepção delas. Temos que cuidar para que o nosso discurso não culpe as pessoas e omita a responsabilidade do Estado e das instituições, às quais são atribuídas as ações de RRD. Existem políticas

curSo de SenSibilizAção comunitáriA pArA rrd, coSteirA do pirAjubAé, ceped ufSc, 2009.

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 3

62

públicas e leis que determinam quais as atribuições dos órgãos na prevenção e resposta aos desastres.

Apresentamos, a seguir, um breve questionário sobre percepção de riscos que o grupo pode adaptar e utilizar se necessário.

eStrAtégiAS de SenSibilizAção

A sensibilização pode ser feita de várias maneiras, pois se refere aos métodos que o mobilizador utilizará para contatar os atores sociais e mobili-zá-los. As estratégias permitirão criar condições de possibilidade para ampliar as percepções e promover o engajamento. Dependendo da caracterização do contexto e dos temas que decidirá abordar, você poderá fazer a sensibilização por meio de reuniões, eventos, entrevistas, oficinas, dinâmicas, premiação, narrativas fotográficas, cartazes ou outra ferramenta que você inventar.

Para construir a melhor estratégia de sensibilização é preciso ser criativo e observar o que pode funcionar ou não em cada contexto, de acordo com as suas dinâmicas próprias. Lembre-se de que as estratégias de sensibilização e de comunicação estão relacionadas, portanto, considere os elementos de uma boa comunicação para delinear sua estratégia de sensibilização.

Entre outros aspectos, a escolha da estratégia deve considerar:

•• Objetivos: pense nos resultados que você deseja obter com a sensibilização. A sensibilização deve predispor os atores a ações específicas. Você pode querer, por exemplo, que eles desenvolvam um plano de redução de riscos para a comunidade. Nesse caso, introduzir a questão dos mapas de risco e propor uma oficina seria uma boa estratégia de sensibilização.

•• A abordagem temática: o conteúdo da sua proposta pode sugerir uma ou outra estratégia. Se você quiser verificar qual a possibilidade de disponibilizar alguns equipamentos do município para a preparação de desastres, reuniões com os gestores públicos é uma das ferramentas.

•• Os atores sociais: você sabe que não vai mobilizar a todos ao mesmo tempo, ainda mais utilizando a mesma estratégia. Então, para públicos diferentes, estratégias diferentes. Se você

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decidir envolver jovens, por exemplo, dinâmicas e oficinas possibilitarão a permanências e a participação ativa deles nas atividades.

•• Disponibilidade de local, tempo de duração e o horário: verifique se há local adequado para operacionaliza a sua estratégia e quais as suas condições gerais. Determine o tempo das atividades e adapte os horários à disponibilidade das pessoas. Negocie e Informe a todos.

•• Os recursos disponíveis: dependendo da estratégia, você precisará de recursos específicos para gráfica, compra de materiais, convite de palestrantes, etc. Pense em todas as etapas da sensibilização, faça um breve orçamento e adapte sua proposta aos recursos disponíveis. Muitas vezes, os atores ou as instituições que representam podem oferecer contrapartidas, disponibilizando o local ou alguns materiais. Considere o número de participantes em cada atividade para providenciar que todos tenham acesso aos materiais.

Com a sensibilização, você conhece-rá ainda melhor o contexto de intervenção, obtendo mais informações sobre como as pessoas neste contexto significam e identi-ficam os riscos de desastre e como podem atuar para minimizá-los. O processo de sensibilização resultará em demandas de ação e sugestões para construir a etapa seguinte: capacitação. Então, você partirá das necessidades indicadas pelos atores sociais, incorporando-os na construção de um projeto coletivo e favorecendo a mobilização deles. A mobilização social é eficaz quando as ações pretendidas vão ao encontro das necessidades e das demandas dos atores envolvidos. Quando ela faz sentido para cada um, torna-se o objetivo de todos.

curSo de SenSibilizAção comunitáriA pArA rrd, coSteirA do pirAjubAé, ceped ufSc, 2009.

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Novos olhares:

Para estimular a ampliação do olhar sobre o risco, você pode pro-por saídas de campo para conhecer a comunidade. Convide todos para exercitarem os seus olhares, buscando registrar por meio de imagens (fotografias, desenhos, imagens mentais) a realidade da comunidade. Essas imagens representarão as percepções dos atores sobre aquele contexto em que estão inseridos. Faça per-guntas sobre o que eles observam e o que sentem com relação à condição de risco, o que há de novo que não haviam visto antes e quais os riscos visíveis.

Em uma oficina, você pode fazer essa atividade no início e no fi-nal dos encontros, comparando as percepções dos atores antes e depois das atividades e identificando possíveis mudanças no olhar.

Você pode sensibilizar com:

Contatos e conversas: a sensibilização pode ocorrer por meio de visitas e conversas informais ou contatos pessoais – quando uma pessoa soli-cita atendimento individualizado ou quando uma situação requer esse tipo de contato. Essa estratégia favorece contatos mais próximos com os atores e tira dúvidas ou dá esclarecimentos quanto à proposta que se quer desenvolver. Favorece a participação, pois garante uma comunicação direta e faz com que as informações cheguem ao público-alvo.

Reuniões, eventos, campanhas, oficinas: essas atividades geral-mente ocorrem em grupo e, por isso, devem motivar os atores para que parti-cipem ativamente. Nesses casos, faça a comunicação e os convites adequados para a atividade. Para as reuniões, produza uma pauta e a ata da reunião, quando necessário. Garanta a apresentação dos participantes e possibilite que desses encontros se estabeleçam metas para o grupo. Inúmeras atividades podem ser desenvolvidas, ocorrendo em espaços e com públicos diversos. Recomendamos que você leia mais sobre boas práticas em Redução de Riscos de Desastres na escola e na comunidade. A seguir vamos falar mais sobre os núcleos comunitários de Proteção e Defesa Civil, mas antes vamos apresentar sugestões de como elaborar o mapa de risco comunitário.

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Para saber sobre estratégias e características dos processos de aprendizagem para a mobilização social em RRD, recomendamos a leitura do Módulo para Multiplicadores em Proteção e Defesa Civil, disponível em: <http://www.ceped.ufsc.br/wp-content/uplo-ads/2013/02/Defesa-Civil-Modulo-Para-Multiplicadores-em-Prote-cao-e-Defesa-Civil-2ed1.pdf>.

mApA comunitário multirriSco: umA ferrAmentA fundAmentAl

nA geStão locAl de riScoS

O Mapa comunitário de risco é um ins-trumento de planejamento local, que permite à comunidade identificar, a partir de sua própria percepção e das informações técnicas disponíveis, quais as ameaças, vulnerabilidades e recursos caracterizam o espaço socioterritorial em que vi-vem. Nesse sentido, no processo de mapeamento devemos identificar e localizar em uma imagem de fundo (da comunidade, da escola ou do terri-tório que se queira trabalhar) essas informações locais. Outras informações podem ser agregadas conforme a necessidade.

Alguns passos:

•• Passo 1: discuta com o grande grupo os conceitos que serão trabalhados (ameaça, vulnerabilidade, recursos, etc.). Será preciso realizar um levantamento de quais ameaças incidem sobre o local, quais condições de vulnerabilidades existem e, também, quais os recursos disponíveis. Lembre-se do quadro de identificação de riscos que apresentamos anteriormente, ele pode ser agregado ao mapa comunitário. O quadro, a seguir, é outra sugestão para organizar as informações de risco na comunidade.

curSo de SenSibilizAção comunitáriA pArA rrd, coSteirA do pirAjubAé, ceped ufSc, 2009.

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Quadro de Identificação de Riscos e Danos Comunitários

Risco LocalizaçãoExposição (número de

pessoas)

Impactos/Danos

esperados

Áreas seguras

••Passo 2: organize a atividade para que seja realizada em grupos pequenos, com no máximo quatro ou cinco pessoas.

••Passo 3: cartografe a comunidade, você terá de construir ou ofertar uma imagem da comunidade para que os grupos localizem as informações. Assim sendo, você pode solici-tar que os participantes desenhem a comuni-dade, indicando as principais ruas de acesso, as moradias, relevo, vegetação, canais de drenagem, entre outros. Você também pode trabalhar com imagens de satélite da comu-

nidade ou outras imagens disponíveis. Imprima em tamanho grande (no mínimo A3) para que o grupo possa trabalhar em uma escala adequada.

•• Passo 4: solicite que o grupo localize as ameaças, você pode pedir que eles utilizem setas ou façam polígonos, circulem a área com canetas coloridas, utilizando uma cor para cada evento. Você também pode levar cartões pequenos com imagens representativas das ameaças para que sejam coladas. O ideal é que se faça os polígonos de risco, dentro dos quais as edificações vulneráveis serão identificadas.

•• Passo 5: solicite que o grupo identifique onde estão as moradias e edificações mais vulneráveis aos eventos. Você pode utilizar as mesmas cores de referência. Assim, para cada ameaça identificada será possível visualizar as

oficinA de mobilizAção comunitáriA pArA rrd, jArAguá do Sul, ceped ufSc, 2015.

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respectivas áreas vulneráveis. Contudo, os riscos poderão ser hierarquizados conforme o seu grau de severidade. Nesse caso, as cores poderão ser usadas para informar os setores dentro da comunidade conforme o seu respectivo grau de risco. Informações específicas, como número de moradias, número de pessoas, contato, podem ser colocadas em um quadro separado para ser incorporado ao mapa.

•• Passo 6: identifique e localize os recursos disponíveis, a lista de recursos pode ser variada: escola, abrigos, núcleos e associações comunitárias, hospital, posto de saúde, igrejas, entre outros.

•• Passos complementares: agregue outras informações ao mapa de risco, possibilitando que ele seja ainda melhor utilizado durante as situações de emergência, por exemplo: as rotas de fuga.

Apresentamos, a seguir, um exemplo de plano comunitário de emergên-cia que pode ser preparado a partir da elaboração do mapa de risco.

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núcleoS comunitárioS de redução de riScoS

de deSAStreS (rrd)

A finalidade dos Núcleos Comunitários de RRD, como o Núcleo Comu-nitário de Proteção e Defesa Civil, é desenvolver um processo de orientação permanente com a população, tendo como principais objetivos a prevenção e a minimização dos riscos de desastres nas áreas de maior vulnerabilidade dos municípios.

Os objetivos específicos são:

•• estimular a participação dos indivíduos nas ações de RRD e preservação ambiental;

•• buscar soluções locais aos problemas de risco identificados;

•• priorizar as ações relativas à gestão de riscos, fundamentalmente, as preventivas;

•• preparar as comunidades para enfrentarem as situações de emergência;

•• desenvolver um canal de comunicação permanente entre as organizações governamentais, públicas, privadas e a comunidade;

•• promover campanhas educativas; e

•• participar da construção do diagnóstico de risco da comunidade, do planejamento e da execução das atividades.

Quem pode participar?

•• Todos os membros que formam uma comunidade podem se envolver.

Sobre Núcleos

Comunitários de

Proteção e Defesa

Civil acesse o Manual

de Formação de

Núcleos Comunitá-

rios de Defesa Civil

(NUDECs), disponível

em: <http://www.

care.org.br/conheci-

mento/publicacoes/

manual-de-forma-

cao-de-nucleos-co-

munitarios-de-defe-

sa-civil-nudecs/>.

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Onde realizar a formação desses Núcleos? Observe a Figura a seguir:

Comunidades

Escolas e Clubes

Instituições Religiosas

Unidades de Saúde

Associação deMoradores

Figura 6: Locais possíveis para realizar a formação de núcleos comunitários de RRD Fonte: Elaborada pela organizadora deste livro

•• Atividades dos Núcleos Comunitários em RRD:

•• mapeamento de áreas de risco;

•• oficinas de gestão de riscos;

•• planejamento comunitário para gestão local do risco;

•• ações de promoção de qualidade de vida (enfrentamento das condições de vulnerabilidade social)

•• desenvolvimento de campanhas;

•• mobilização e articulação local e institucional, entre os diversos setores da instância pública e privada;

•• vigilância sanitária, ecológica, epidemiológica, Unidades de Saúde; hidrológica;

•• alerta em casos de incêndio, acidentes, poluição, contaminação, ameaças e riscos conhecidos ou previstos;

•• primeiros socorros e apoio nas operações de salvamento;

•• auxílio na administração de abrigos temporários; e

•• apoio psicossocial às pessoas afetadas.

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penSe em um projeto

Como podemos observar, a mobilização comunitária é um processo que visa a desenvolver ações, projetos ou programas coletivos. Neste material, enfatizamos ações relacionadas à Redução de Riscos de Desastre. Para desen-volver essas ações de RRD é importante planejá-las com antecedência. Sendo assim, vamos mencionar alguns aspectos para elaboração de um projeto.

•• Questões norteadoras para elaboração de um projeto:

•• Justificativa: por que fazer? O que move o grupo a tomar esta iniciativa?

•• Objetivo: o que fazer? Quais são os objetivos e metas a serem alcançados?

•• Grupo de trabalho: quem está disposto a fazer parte?

•• Público-alvo: a quem se destina este projeto?

•• Plano de ação: como fazer? Quais são as ações e fases necessárias?

•• Cronograma: quando? Qual o tempo necessário e que será previamente reservado para cada fase?

•• Recursos: quanto é necessário para a realização do projeto – em recursos materiais, humanos e financeiros? Quais serão os parceiros envolvidos?

Para sistematizar as informações, você pode elaborar um quadro con-forme o modelo a seguir:

Quadro de Ações de RRD na Comunidade

Vulnerabilida-des

identificadas

Ações de RRD necessárias

Como desen-volver as ações Responsáveis

Agentes e agências a en-

volver Período Recursos

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Capítulo 3

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como AVAliAr oS reSultAdoS?

Para avaliar os resultados, é importante estabelecer alguns indicadores de monitoramento e de avaliação das ações e dos projetos. Além disso, é ne-cessário pensar como a avaliação será realizada e por quem. Para refletir sobre essas questões, observe o quadro a seguir:

Quadro para avaliação de resultados das ações comunitárias de RRD

Perguntas gera-doras (aspectos a serem avaliados)

O que medir? (in-dicadores)

Onde? (com que público-alvo? To-dos os participan-

tes? amostra?)

Quando? (ao final do projeto ou pe-

riodicamente?

Como medir? (que ferramentas serão utilizadas?

Aplicação de questionário? Discussão em

grupo?)

Quem?

Saiba que alguns indicadores de que o processo de mobilização foi bem-sucedido se expressam em:

•• membros cientes de seus direitos e de suas potencialidades de ação;

•• membros motivados a agir frente aos riscos e às vulnerabilidades;

•• membros que têm conhecimentos práticos para optar de que maneira farão esse enfrentamento e com quem o farão;

•• membros que agem a partir de seus próprios recursos e capacidades e sabem reconhecer e solicitar recursos das instituições e dos agentes públicos relacionados;

•• membros que participam na tomada de decisões de todos os processos e etapas que os envolvem; e

•• população que procura assistência e cooperação sempre que necessário.

Capítulo 4Atuar para Criar Redes

Sociais Organizadas

Mobilização Comunitária para a Redução de Riscos de Desastres

Capítulo 4

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AtuAr pArA criAr redeS SociAiS orgAnizAdAS

As redes sociais organizadas são modelos de organização cooperativa que podem resultar do processo de mobilização social dos diferentes atores. São sistemas organizacionais abertos e dinâmicos onde as pessoas e institui-ções atuam em prol de objetivos comuns, em diferentes áreas temáticas, por meio de mecanismos de comunicação (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2008).

Suas relações podem ser formais e informais e, geralmente, têm uma estrutura horizontal que atua de forma coordenada, a partir da distribuição do poder e das funções. Então, os atores diversificados podem desenvolver ações em nível locais e globais, dialogando e compartilhando informações e conhecimentos.

Isso não quer dizer que não existam conflitos e negociações frequentes nas redes. Contudo, o propósito comum torna-se o caminho para a organiza-ção das ações entre os diferentes atores e objetivos particulares. Por isso, redes são processos em movimento, nos quais as pessoas se articulam e desarticu-lam conforme as necessidades e prioridades. Nos vários nós da rede há elos mais fortes do que outros, tornando-se fundamental o contínuo exercício do empoderamento, especialmente, dos atores que representam a parte excluída da sociedade.

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Capítulo 4

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redeS SociAiS em redução de riScoS de deSAStreS (rrd)

O objetivo aqui proposto é o de que a mobilização social seja potencial-mente capaz de favorecer a criação de redes sociais para atuação conjunta com demais órgãos e instituições que atuem em RRD, com a finalidade de mitigar os riscos de desastre e atuar no enfrentamento deles. Assim, as redes possibi-litariam o estabelecimento de uma cultura de redução de risco e processos de resiliência. As redes sociais possibilitam unir os diferentes setores, promovendo alianças que repercutem em ações contínuas em RRD e em proteção social, fomentadas pelos processos de mobilização da sociedade.

Promovem ações permanentes com a mobilização de recursos, desen-volvendo soluções inovadoras diante da complexidade da gestão de riscos e de desastre. Além disso, as redes possibilitam dividir tarefas entre os atores, compartilhando as responsabilidades. Afinal, nenhuma instituição conseguiria atuar e resolver todas as dimensões implicadas na gestão de riscos sozinha. É preciso que os demais setores sociais atuem na consolidação de uma sociedade e de práticas sociais de proteção e segurança de forma articulada.

conStruçõeS de redeS SociAiS

O processo de construção das redes ocorrerá nos moldes e nas etapas da mobilização social. Na realidade, esperamos que a mobilização, com a identificação de atores, sensibilização e capacitação, promova a configuração de redes sociais com esses integrantes.

Por isso, neste momento vamos nos centrar nos processos de gestão das redes, com a organização dos atores visando à construção de um projeto conjunto em RRD. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (2008), a gestão compreende as seguintes etapas, que devem ocorrer de forma cíclica:

•• Concepção: documento que explicita a finalidade da rede e os atores envolvidos. É um primeiro passo de organização das ideias e interesses das pessoas e entidades que representam.

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Capítulo 4

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•• Ações: formar as equipes iniciais; identificar interesses; identificar fontes e distribuição de recursos; elaborar documento.

•• Proposta: qualifica-se pelo amadurecimento das ideias colocadas na etapa da concepção, na qual se identifica claramente quais os propósitos da rede e resultados que deseja produzir. A proposta deve demonstrar o que a rede pretende fazer, como, com quem e para quem. Nesta etapa devemos descrever os elementos estratégicos e operacionais, por exemplo, organização de recursos, comunicação externa e interna.

•• Ações: formular missão e objetivos; elaborar esboço do modelo de organização da rede; elaborar modelo de comunicação; elaborar plano de ações.

•• Estabelecimento: nesta etapa são realizados acordos sobre os regulamentos, prazos, viabilidades da rede. Lembre-se de que a comunicação entre os atores geralmente é virtual, então é preciso definir esses meios e implementá-los. É importante que nesta etapa os compromissos e as contribuições já estejam definidos e que algumas ações iniciais possam começar.

•• Ações: promover encontro da rede se necessário para acordar a estrutura organizacional; acordar regras e regulamentos; verificar possibilidades de tarefas e contribuições dos atores; elaborar o plano de estrutura organizacional acordado.

•• Planejamento: caracteriza-se pelo desenvolvimento de planos de ação e projetos, com a proposta de distribuição ampla de tarefas e funções. É importante considerar, inicialmente, planos em curto prazo com resultados específicos. Lembre-se de respeitar as diferenças, as dinâmicas e os perfis de cada um. Existem várias formas de participar da rede, de modo mais presente ou eventual. Também é provável que nem todos possam participar desta etapa, então, você como facilitador da rede pode elaborar o plano e solicitar a participação dos atores.

•• Ações: definir instrumentos e processos; planejar rotinas; planejar projetos de ação; planejar a comunicação.

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Capítulo 4

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•• Implementação: trata-se da concentração dos esforços para executar as tarefas do plano de operações. Aqui você tem que se atentar para a condução do processo, observando possíveis conflitos ou desinteresses que possam surgir. Lembre-se de que as redes funcionam de forma descentralizada e que você pode atuar como facilitador, sem controlar os processos e as pessoas.

•• Ações: implementar as ferramentas de comunicação entre os atores; desenvolver o plano operacional; promover a expansão da rede.

•• Avaliação: a avaliação pode ser interna ou externa. De tempos em tempos é necessário saber como os atores estão percebendo a atuação da rede e seus resultados e avaliar de que maneira as ações da rede estão produzindo efeitos no contexto de atuação. Esse momento é primordial para avaliar o passado, reinventar processos e construir cenários futuros.

•• Ações: realizar avaliação interna e externa; revisitar os planos, objetivos e concepções da rede se necessário.

Comunicação das/nas RedesA comunicação é o fundamento das redes, podendo ser presencial ou virtual. A estratégia de comunicação da rede vai depender de seus integrantes, pois nem todos têm acesso aos diversos meios de comunicação existentes. Por isso, procure utilizar diferentes ferramentas, adaptando‐se à realidade de cada um. De qualquer maneira, os “blogs”, fóruns de discussão virtuais e teleconferências podem ser importantes instrumentos de comunicação e formação de grupos de trabalho.

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Capítulo 4

79

deSAfioS e poSSibilidAdeS

Para o gerenciamento dessas redes é necessário que seus integrantes tenham definidos seus papéis, objetivos, metas e ações que precisam desen-volver dentro das suas habilidades e recursos. Se essas questões não estiverem claras surge o desinteresse e os atores se desestimulam.

Ao mobilizador surge a responsabilidade de participar ativamente e fo-mentar a manutenção dessas redes de forma contínua. Certamente as relações na rede e entre as redes se modificarão nas diversas circunstâncias ou objetivos de trabalho na comunidade ou entres comunidades, sendo importante garantir a flexibilidade delas e a sua flexibilidade durante os processos.

Da mesma forma, a demanda de recursos ou ações que serão solicitadas pelo mobilizador dentro da rede também se modificará de acordo com as cir-cunstâncias. Procure estabelecer uma relação de confiança entre os atores e faça planos operacionais prevendo os diferentes cenários de atuação e mobilização da rede, incluindo ações de prevenção, preparação, reposta e reconstrução.

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mobilizAção pArA conStrução de cidAdeS mAiS SegurAS e reSilienteS

O objetivo desta publicação foi apresentar uma metodologia e mobi-lizar comunidades para atuar em RRD, de modo que possamos enfrentar os desastres e, principalmente, reduzir os riscos, aumentar as capacidades e os processos de resiliência das comunidades. O protagonismo social, por meio da mobilização e da formação de redes sociais organizadas, manifesta-se como um importante mecanismo de controle social da gestão das políticas públicas e dos direitos de segurança e proteção já previstos na Constituição Brasileira. Criam-se corresponsabilidades com relação à proteção social e à qualidade de vida.

O resultado desses processos são cidades mais seguras. Como esclarece a campanha Cidades Resilientes: uma cidade resiliente é aquela que tem a capacidade de resistir, absorver e se recuperar de forma eficiente dos efeitos de um desastre e de maneira organizada prevenir que vidas e bens sejam perdidos. Nesse sentido, as ações de Redução de Risco de Desastres são essenciais para garantir a minimização de ocorrências e a preparação da população.

As autoridades políticas e civis, as organizações públicas e privadas, os empresários, os trabalhadores, as classes profissionais e a sociedade devem dedi-car constantes esforços para melhorar as condições de vida, trabalho e cultura da população; estabelecendo uma relação harmoniosa com o meio ambiente físico e natural e expandindo os recursos comunitários para melhorar a convivência, desenvolver a solidariedade, a gestão compartilhada dos recursos e a democracia.

Podemos concluir, então, que para construir cidades mais segu-ras precisamos estabelecer compromissos e atuar coletivamente. Os trabalhos integrados e em rede são a melhor estratégia para avançar na Proteção Civil, exercendo o controle social e consoli-dando políticas públicas adequadas.

Sobre a campanha

Cidades Resilientes,

acesse: <http://

www.unisdr.org/

files/26462_guiages-

torespublicosweb.

pdf>.

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