Guia Economia Comportamental

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Economia Comportamental

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  • Organizado por Flvia vila

    Ana Maria Bianchi

    GUIA DE ECONOMIA

    COMPORTAMENTAL

    E EXPERIMENTAL1 edio

    TraduoLaura Teixeira Motta

    Paulo Futagawa

    RevisoTas Rocha

    EconomiaComportamental.orgSo Paulo 2015

  • Copyright dos autores. Todos os direitos reservados

    Grafia segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil em 2009

    Organizao, Edio e Prefcio Flvia vila

    Ana Maria Bianchi

    Conselho Editorial Carol Franceschini e Felipe A. Araujo

    Capa, Projeto Grfico e Diagramao Jussi

    Catalogao na publicaoBiblioteca Dante Moreira Leite

    Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo

    Catalogao na publicaoBiblioteca Dante Moreira Leite

    Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo

    G943 Guia de Economia Comportamental e Experimental / Flvia vila, Ana Maria Bianchi, organizadores, traduo Laura Teixeira Motta - 1 ed. - So Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015. 400 pginas

    ISBN 978-85-5629-000-7

    1.Economia 2. Comportamento 3.Decises 4. Comportamento do consumidor 5. Finanas 6. Psicologia ExperimentaI I. vila, Flvia, org. II Bianchi, Ana Maria, org, III. Motta, Laura Teixeira, trad

    LC: HB71

    Pedidos de permisso para reproduzir materiais deste guia devem ser encaminhados para [email protected]

    Contm partes traduzidas e adaptadas dos guias The Behavioral Economics Guide 2014 e The Behavioral Economics Guide 2015. Organizador: Alain Samson. Pedidos de permisso

    para reproduzir estes materiais em outras lnguas devem ser encaminhados para [email protected] ou diretamente aos autores. Para reproduo em Portugus

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    Este trabalho est licenciado sob uma Licena Creative Commons Atribuio-NoComercial-SemDerivaes 4.0 Internacional. Para ver uma cpia desta licena, visite

    http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 3

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    Avila, F. e Bianchi, A. (Orgs.)(2015). Guia de Economia Comportamental e Experimental.

    So Paulo. EconomiaComportamental.org. Disponvel em www.economiacomportamental.org.

    Licena: Creative Commons Attribution CC-BY-NC ND 4.0

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    [Autor(es)] (2015). [Ttulo Captulo/Seo]. In Avila, F. e Bianchi, A. (Orgs.)(2015). Guia de Economia

    Comportamental e Experimental. So Paulo. EconomiaComportamental.org. Disponvel em

    www.economiacomportamental.org. Licena: Creative Commons Attribution CC-BY-NC ND 4.0

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  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 5

    AgrAdecimentos

    Esse Guia uma iniciativa pioneira, resultado do esforo de uma grande rede de voluntrios empe-

    nhados em divulgar para os leitores brasileiros o estado da arte da Economia Comportamental e

    Experimental no Brasil e no mundo. So muitas as pessoas que arregaaram as mangas para que o

    projeto inicial chegasse a bom termo. Nosso agradecimento especial aos autores nacionais e interna-

    cionais que se dispuseram a participar de um trabalho realizado em um espao to curto de tempo.

    Agradecemos tambm ao Alain Samson, idealizador dos guias The Behavioral Economics Guide

    2014 e 2015, que desde o incio autorizou o uso e traduo dos guias e fez toda gesto com os co-

    -autores envolvidos. Somos muito agradecidos a outros pesquisadores envolvidos no projeto desde

    o primeiro minuto, em especial ao professor Marcos Avila, por suas valiosas contribuies, bem como

    aos professores Chris Starmer e George Loewenstein, por sua disponibilidade e apoio ao longo do

    projeto. Cabe tambm uma meno especial aos entrevistados, que, alm de darem um panorama

    da rea, fizeram recomendaes valiosas para pesquisadores brasileiros: Richard Thaler, George Lo-

    ewenstein, Paul Dolan, Ravi Dhar, Arianna Legovini, Varun Gauri. Agradecemos tambm a John List e

    Rory Sutherland por suas contribuies valiosas nessa parte.

    Nosso agradecimento dirige-se ainda s seguintes pessoas: a equipe da agncia Jussi, por todo pro-

    jeto grfico do Guia e sem a qual no teramos sequer iniciado a campanha de crowdfunding, muito

    menos ela teria alcanado todo o pblico e dimenso que alcanou, em especial Mariana Migliano

    e Marcos Del Valle; Thas Linero, que foi a grande responsvel pela gesto da campanha; Ariadne

    Borges e Carlos Eduardo Borges, que nos ajudaram na criao e desenho da campanha no seu incio;

    Silvio Augusto Jr, pelas contribuies valiosas na reta final; a plataforma Benfeitoria, em especial a

    Larissa Borba; os membros Louise Torres, Adriana Rodrigues, Isabela Medeiros e Hugo Afonso do

    GEPEC (Grupo de Estudos em Psicologia Econmica e Economia Comportamental) da Universida-

    de de Brasilia pelo apoio nas mais diversas reas; os membros do grupo Psicologia Econmica pelo

    apoio valioso durante o projeto. Agradecemos tambm a Mabel Resende, Mariana Velho e Carlos

    Velho, que voluntariamente nos orientaram na parte legal. Somos gratos tambm a Vincenzo de Mari,

    Caio Piza, Bianca Alves, Jorge Arbache, Luiz Alberto Machado, Geovana Lorena, Guilherme Lima, Ga-

    briela Yamaguchi, Eduardo Werneck, Rafael Batista, Ligia Gumares, Naiara Bertao e Jos Eustquio

    Carvalho que nos deram importante apoio em diferentes etapas do projeto. No podemos deixar de

    manifestar nossa gratido tambm ao comprometimento da tradutora Laura Motta, assim como ao

    trabalho fundamental e incansvel da Tas Rocha.

    Estamos profundamente gratos aos patrocinadores, apoiadores e contribuintes da campanha de

    crowdfunding, sem os quais esse projeto no teria se concretizado.

    Muitas outras pessoas annimas foram de grande ajuda durante o tempo de gestao e execuo

    do projeto. A equipe pede de antemo desculpas por quaisquer omisses e expressa sua gratido a

    todos que contriburam para que essa conquista fosse possvel.

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 7

    orgAnizAo

    ApoiAdores

    pAtrocinAdores

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 9

    SumriopreFcio .......................................................................................................................................................................... 13 Ana Maria Bianchi e Flvia vila

    introdUo ................................................................................................................................................................. 19 ECONOMIA COMPORTAMENTAL: UM EXERCCIO DE DESENHO E HUMILDADE

    Dan Ariely

    pArte i.................................................................................................................................................................................. 25 INTRODUO ECONOMIA COMPORTAMENTAL e Experimental

    Alain Samson

    I. UMA INTRODUO ECONOMIA COMPORTAMENTAL

    i. Escolha Racional.................................................................................................................................................. 27

    ii. Teoria da Perspectiva ........................................................................................................................................ 28

    iii. Racionalidade Limitada .................................................................................................................................... 28

    iv. Teoria do Sistema Dual .....................................................................................................................................30

    v. Dimenses Temporais ....................................................................................................................................... 32

    vi. Dimenses Sociais .............................................................................................................................................. 33

    vii. Outras Discusses Importantes ....................................................................................................................36

    II. FERRAMENTAS E METODOLOGIAS EXPERIMENTAIS

    i. Diferenciando Experimentos ..........................................................................................................................38

    ii. Estruturas Comportamentais e Modelos Integrativos ..........................................................................41

    iii. Nudging e Arquitetura da Escolha...............................................................................................................43

    iv. Testar e Aprender ...............................................................................................................................................48

    v. Minha Interveno Vai Funcionar? ...............................................................................................................49

    III. AVANOS RECENTES

    i. Economia Comportamental e Economia do Desenvolvimento ....................................................... 53

    ii. Recursos mentais e confiana .......................................................................................................................54

    iii. Economia Comportamental e Educao .................................................................................................. 55

    iv. Neuroeconomia ................................................................................................................................................... 55

    v. Experincia do consumidor e adaptao hednica .............................................................................58

  • 10 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    pArte ii

    ECONOMIA COMPORTAMENTAL e Experimental: TEORIA E PRTICA

    I. ENTENDENDO PREFERNCIAS: O que podemos aprender com

    a Economia Comportamental? ..................................................................................................................................................60

    Chris Starmer

    II. INTANGIBILIDADE NA ESCOLHA INTERTEMPORAL ................................................................................... 78

    Scott Rick e George Loewenstein

    III. ECONOMIA COMPORTAMENTAL E A CRISE DA POUPANA PARA APOSENTADORIA .............98

    Shlomo Benartzi e Richard Thaler

    IV. COMPROMETIDO A POUPAR: USANDO A ECONOMIA COMPORTAMENTAL

    PARA MOTIVAR PESSOAS ...................................................................................................................................... 104

    Dean Karlan

    V. NUDGING: UM GUIA MUITO BREVE ................................................................................................................... 109

    Cass Sunstein

    VI. A REVOLUO DA CINCIA COMPORTAMENTAL NAS POLTICAS PBLICAS E EM SUA

    IMPLEMENTAO .........................................................................................................................................................115

    Nick Chater

    VII. A CINCIA COMPORTAMENTAL E A TOMADA DE DECISO PELO CONSUMIDOR: algumas

    questes para os reguladores .................................................................................................................................128

    Daniel Read

    VIII. CONSUMO IRRACIONAL: COMO OS CONSUMIDORES REALMENTE TOMAM DECISES ........135

    Jon Cummings, Ravi Dhar e Ned Welch

    IX. POR QUE A ECONOMIA COMPORTAMENTAL DEVERIA OLHAR MAIS PARA AS EMOES

    E MENOS PARA VIESES COGNITIVOS? .............................................................................................................138

    Eyal Winter

    X. SOBRE A PSICOLOGIA DA POBREZA ............................................................................................................... 140

    Johannes Haushofer e Ernest Fehr

    pArte iii ECONOMIA COMPORTAMENTAL e Experimental POR PESQUISADORES BRASILEIROS

    I. LIES DA ECONOMIA COMPORTAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO E A POBREZA .............156

    Roberta Muramatsu

    II. PSICOLOGIA ECONMICA: MENTE, COMPORTAMENTO E ESCOLHAS ..........................................................165

    Vera Rita de Mello Ferreira

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 11

    III. INTRODUO A FINANAS COMPORTAMENTAIS .......................................................................................................176

    Carol Franceschini

    IV. O PAPEL DO AUTOCONTROLE NAS DECISES FINANCEIRAS ........................................................................... 189

    Bernardo Nunes, Pablo Rogers e Gustavo Cunha

    V. FINANAS COMPORTAMENTAIS: AVERSO MOPE S PERDAS E EFEITO

    DINHEIRO DA CASA .................................................................................................................................................. 199

    Anderson Teixeira, Benjamin Tabak e Daniel Cajueiro

    VI. A ECONOMIA COMPORTAMENTAL APLICADA A POLTICAS PBLICAS .....................................................209

    Fernando Meneguin e Flavia vila

    VII. A TICA NA ECONOMIA COMPORTAMENTAL: UMA BREVE INCURSO ......................................................220

    Ana Maria Bianchi

    VIII. PREFERNCIAS SOCIAIS, JOGOS ECONMICOS E O MTODO EXPERIMENTAL ................................... 226

    Carol Franceschini e Felipe Arajo

    IX. ALTRUSMO, SANES DE TERCEIROS E COOPERAO: UMA INTRODUO

    PESQUISA EM PSICOLOGIA ECONMICA ...................................................................................................................240

    Diogo Ferreira e Anthony Evans

    X. NEUROECONOMIA: UMA VISO GERAL SOBRE O TEMA ...................................................................................... 249

    Ana Maria Roux V.C.Cesar, Paulo S. Boggio e Camila Campanh

    pArte iV DEPOIMENTOS, PERSPECTIVAS E DIFERENTES APLICAES

    I. RICHARD THALER (University of Chicago) ...........................................................................................262

    II. PAUL DOLAN (London School of Economics and Social Sciences) ...........................................265

    III. RAVI DHAR (Yale School of Management) ........................................................................................... 268

    IV. VARUN GAURI (Banco Mundial) ..................................................................................................................271

    V. ARIANNA LEGOVINI (Banco Mundial) ....................................................................................................274

    VI. JOHN LIST (University of Chicago) ...........................................................................................................279

    VII. GEORGE LOEWENSTEIN (Carnegie Mellon University) ............................................................................ 292

    VIII. RORY SUTHERLAND (Ogilvy Group) .................................................................................................................. 295

  • 12 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    pArte V ECONOMIA COMPORTAMENTAL E PSICOLOGIA NA PRTICA

    I. EM BUSCA DE UMA PERSPECTIVA COMUM EM ECONOMIA COMPORTAMENTAL .................................305

    Timothy Gohmann

    II. FLAGRAR OS NUDISTAS DESCUIDADOS:

    A AGENDA DOS REGULADORES COMPORTAMENTAIS ............................................................................................312

    Roger Miles

    III. APRENDENDO COM A EXPERINCIA: COMO GANHAR E PERDER CLIENTES .......................................... 319

    Henry Stott

    IV. NUDGING NO MUNDO DA FORMULAO DE POLTICAS INTERNACIONAIS ...........................................327

    Cristiano Codagnone, Francesco Bogliacino, Giuseppe A. Veltri, Francisco Lupiaez -Villanueva e

    George Gaskell

    V. TRANSFORMAR O CONHECIMENTO DO SER HUMANO

    EM VANTAGEM PARA OS NEGCIOS .............................................................................................................. 334

    John Kearon e Tom Ewing

    VI. O PODER DO RANK: INSIGHTS COMPORTAMENTAIS

    PARA A PRECIFICAO DE PRODUTOS ........................................................................................................ 342

    Henry Stott

    VII. COMO A ECONOMIA COMPORTAMENTAL PODE FAZER AS PESSOAS FELIZES ...................................349

    Elina Halonen e Leigh Caldwell

    VIII. ALM DA ACADEMIA: COMO A PSICOLOGIA ADOTADA

    EM PUBLICIDADE E COMUNICAES ..............................................................................................................357

    Juliet Hodges

    gLossrio ....................................................................................................................................................................362

    Apndice ....................................................................................................................................................................... 386

    PERFIS DOS AUTORES

    AUTORES E COLABORADORES .................................................................................................................................. 386

    ESCOLAS, UNIVERSIDADES E INSTITUIES APOIADORAS ....................................................................... 396

    APOIADORES DA CAMPANHA DE CROWDFUNDING ...................................................................................... 400

    recUrsos ......................................................................................................................................................................401

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 13

    PrefcioAna Maria Bianchi e Flvia vila

    Este guia foi concebido para introduzir o leitor brasileiro vasta temtica da Economia Comporta-

    mental e Experimental. Foram aqui reunidos artigos e depoimentos de pesquisadores mundialmente

    conhecidos por sua contribuio para a rea, que adquiriu grande destaque na literatura econmi-

    ca nos ltimos anos do sculo XX. Um sinal claro dessa projeo a atribuio recente de prmios

    Nobel de economia aos pesquisadores que militam em Economia Comportamental e Experimental.1

    A rea, contudo, ainda est engatinhando no Brasil, e divulg-la aos interessados justamente a

    motivao deste guia. O critrio adotado para a seleo dos textos aqui reunidos foi, alm da exce-

    lncia e do prestgio de seus autores, seu carter introdutrio. O trabalho de edio que resultou na

    definio das partes e na escolha dos captulos que se seguem teve o cuidado de reunir textos aces-

    sveis ao leitor interessado, que tenha como objetivo comear a inteirar-se da temtica abordada.

    Um segundo critrio de seleo de artigos foi o fato de tratarem dos vrios temas pertinentes

    rea, e de abrigarem uma pluralidade de perspectivas. As organizadoras buscaram fornecer ao

    leitor brasileiro um vasto panorama da pesquisa que vm sendo produzida no campo da Economia

    Comportamental e Experimental, com o cuidado de evitar o tom monoltico. A pluralidade de pontos

    de vista caracterstica fundamental da pesquisa na rea, por ser nova e por representar o ponto

    de encontro de pesquisadores de vrias disciplinas cientficas, e no poderia ser desconsiderada na

    organizao de um guia.

    Como ser melhor discutido frente, a Economia Comportamental um campo de pesquisas

    relativamente recente, proveniente da incorporao, pela economia, de desenvolvimentos tericos e

    descobertas empricas no campo da psicologia. A esses se somaram, mais recentemente, as contri-

    buies da neurocincia e de outras cincias humanas e sociais. Parte-se de uma crtica abordagem

    econmica tradicional, apoiada na concepo do homo economicus, que descrito como um to-

    mador de deciso racional, ponderado, centrado no interesse pessoal e com capacidade ilimitada de

    processar informaes. Essa abordagem tradicional, que hoje tende a persistir apenas como padro

    normativo, considera que o mercado ou o prprio processo de convergncia ao equilbrio so capa-

    zes de solucionar erros de deciso decorrentes de uma racionalidade limitada.

    Em contraposio a essa viso tradicional, a Economia Comportamental enxerga uma realidade

    formada por pessoas que decidem com base em hbitos, experincias pessoais e regras prticas

    simplificadas; aceitam solues apenas satisfatrias; tomam decises rapidamente; tm dificuldade

    de conciliar interesses de curto e longo prazo; e so fortemente influenciadas por fatores emocionais

    e pelas decises daqueles com os quais interagem. Na busca de um maior realismo no entendimento

    das escolhas individuais e dos processos de mercado em que se manifestam, os economistas com-

    portamentais tentam incorporar a seus modelos um conjunto heterogneo de fatores de natureza

    psicolgica e de ordem emocional, conscientes ou inconscientes, que afetam o ser humano de carne

    e osso em suas escolhas dirias.

    1 Em ordem cronolgica, os p rmios Nobel foram atribudos a Daniel Kahneman (2002), Vernon Smith (2002) e Robert Shiller

    (2013). Antes disso, o prmio havia sido concedido a Herbert Simon (1978) e Amartya Sen (1998), notveis precursores da rea.

  • 14 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    A ferramenta mais utilizada pelos economistas comportamentais em sua investigao emprica

    , sem dvida, o mtodo experimental. preciso mencionar que a possibilidade de aplicao desse

    mtodo nas cincias sociais foi severamente questionada por autores clssicos como John Stuart

    Mill e Milton Friedman. Na ltima metade do sculo XX, o mtodo foi aos poucos conquistando o

    reconhecimento dos economistas, que passaram a valorizar sua instrumentalidade no teste emprico

    de padres de respostas a estmulos externos. Por exemplo, economistas experimentais passaram a

    analisar, em condies prximas s de um laboratrio, como os humanos se comportam ao repartir

    uma quantia de dinheiro com parceiros annimos. Foram assim capazes de detectar uma srie de

    anomalias da conduta humana, ou seja, respostas incomuns, no esperadas, que no encontravam

    abrigo nas classificaes convencionais. Mais recentemente, os experimentos saram do laboratrio

    e passaram a ser implementados no prprio campo, com o objetivo de reproduzir mais fielmente as

    condies vigentes no mundo real. Mostraram-se, com isso, ferramentas teis na implementao de

    polticas pblicas mais adequadas realidade social.

    Depois dessa breve introduo temtica geral e aos critrios adotados na seleo de textos, discorreremos de forma breve sobre o contedo das partes que este guia abrange e dos captulos

    que o integram.

    No captulo introdutrio, Dan Ariely traz tona, para o leitor leigo, as concepes centrais da

    rea. Pesquisador hoje internacionalmente conhecido por suas contribuies Economia Compor-

    tamental, Ariely tem desempenhado um papel importante em sua divulgao para o grande pblico.

    Ele define a crena na racionalidade e no mercado como pontos cegos, e prope a Economia Com-

    portamental como um exerccio de desenho e humildade. Sejam quais forem nossas deficincias

    como tomadores de deciso, conclui, reconhec-las crucial para orientar decises, criar sociedades

    melhores e consertar nossas instituies.

    A Parte I do guia dedicada a uma introduo geral rea, seus principais conceitos e metodo-

    logias. Alain Samson o autor dessa parte, que foi publicada originalmente nos guias em ingls The

    Behavioral Economics Guide 2014 e The Behavioral Economics Guide 2015.

    A Parte II deste guia voltada para a teoria e prtica da Economia Comportamental e Experi-

    mental. Seus captulos expem diferentes perspectivas dos temas abordados pela pesquisa na rea,

    escritos por pesquisadores internacionais de renome.

    O artigo de Chris Starmer d um panorama das pesquisas na rea realizadas nas ltimas dcadas, com foco em escolha individual e risco. Assim, sugere um conjunto de lies que podem ser retiradas

    dos seus estudos e orientar o trabalho do economista nos dias atuais. Entre outros, destaca que a

    Economia Comportamental pode nos levar a pensar de maneira diferente sobre as qualidades que

    definem uma boa teoria. Embora haja espao para teorias simples e elegantes, como a teoria da

    utilidade esperada, a busca de teorias com melhor capacidade descritiva requer a considerao dos

    mltiplos fatores que explicam os fenmenos, inclusive sua dependncia de contexto.

    Um tema favorito da pesquisa contempornea em Economia Comportamental a escolha in-

    tertemporal, objeto de dois captulos da Parte II, sendo o primeiro deles elaborado por Scott Rick e

    George Loewenstein. Os autores definem a escolha intertemporal como o equilbrio entre dois con-

    juntos de fatores afetivos: emoes imediatas para aes baseadas em custos e benefcios imediatos,

    de um lado, e emoes experimentadas como resultado da considerao sobre as consequncias

    potenciais futuras de tais aes, de outro. Discutem a contribuio que a neuroeconomia traz para

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 15

    a anlise desse segundo conjunto de emoes, em decises que envolvem resultados intangveis.

    O segundo artigo sobre escolha intertemporal de autoria de Shlomo Bernatzi e Richard

    Thaler. Os autores abordam a questo da poupana para a aposentadoria, ou, mais propriamente,

    da arquitetura de escolha dos planos de aposentadoria, em seus quatro ingredientes fundamen-

    tais: disponibilidade, adeso automtica, investimento automtico e escalonamento automtico

    de contribuies.

    O capitulo elaborado por Dean Karlan explora exemplos de mecanismos de comprometimen-

    to, examinando a nfase que as pessoas do ao consumo presente, em detrimento do consumo

    futuro. luz da literatura sobre desconto hiperblico do futuro, Karlan discorre sobre alguns

    experimentos que avaliam produtos bancrios que podem funcionar como estmulo poupana

    em cooperativas de crdito.

    Sobre o tema de polticas pblicas e regulao, a Parte II engloba artigos de Cass Sunstein, Da-

    niel Read e Nick Chater.

    Sunstein expe uma lista de fatores que tem sido explorados em polticas pblicas baseadas

    na ideia de arquitetura de escolha e de mecanismos de nudging, trazendo a discusso para uma

    perspectiva tica dessas intervenes. Argumenta que esses mecanismos podem assumir diversas

    formas, e devem ser examinados de forma concreta, a partir das intervenes sociais que so por

    eles inspirados. Quando os fins so legtimos, e os nudges so transparentes e sujeitos ao escrutnio pblico, dificilmente sero expostos a uma objeo tica convincente.

    No captulo de sua autoria, Chater defende que estaria em curso neste sculo uma revoluo

    comportamental no campo da pesquisa, do desenvolvimento e do teste das polticas pblicas. O

    autor considera que os achados da cincia comportamental levam ao questionamento das for-

    mas tradicionais de se lidar com problemas sociais. O governo precisa empoderar os cidados,

    oferecendo-lhes uma estrutura com a qual possam fazer escolhas de vida adequadas e conve-

    nientemente embasadas.

    O captulo de Read volta-se para uma dimenso estratgica da Economia Comportamental,

    dada por suas implicaes para a psicologia do consumidor e a importncia de reguladores. Aborda

    a desvantagem da Economia Comportamental comparativamente teoria tradicional, decorrente de

    sua pretenso de lidar com a realidade humana em sua complexidade e baguna. Discute em segui-

    da como isso repercute na traduo de seus ensinamentos em polticas sociais adequadas.

    A contribuio da Economia Comportamental nas reas de negcios e marketing objeto do

    captulo de Ravi Dhar, Jon Cummings e Ned Welch. O artigo fala da irracionalidade do consumidor

    e trata de pontos ainda pouco explorados pela empresas, que se beneficiariam de uma mudana de

    mindset para uma viso mais psicolgica do consumidor, suas prioridades e o impacto do contexto

    em decises simples de consumo.

    Eyal Winter traz um viso diferente e crtica de que a Economia Comportamental poderia se be-

    neficiar de ampliar seu espectro de investigao para alm de vieses cognitivos. O autor defende a

    investigao mais cuidadosa das influncias sobre o comportamento e fala do engano de se atribuir

    decises erradas a fatores emocionais.

  • 16 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    J Johannes Haushofer e Ernest Fehr discutem a psicologia da pobreza. Os autores examinam

    resultados empricos que mostram que as consequncias psicolgicas da situao de pobreza po-

    dem desencadear comportamentos econmicos que tornam difcil sua superao, criando-se um

    crculo vicioso. Esse entendimento crucial para melhorar a eficcia das intervenes sociais de

    fomento ao desenvolvimento humano.

    Integram a Parte III do guia artigos de especialistas brasileiros envolvidos na pesquisa de Econo-

    mia Comportamental e Experimental. Antes de apresent-los individualmente, importante registrar

    que se trata de um trabalho pioneiro, empreendido por pesquisadores de formao variada, com

    diferentes filiaes institucionais, cujo empenho em estimular o avano dessa rea no Brasil merece

    destaque. Esses precursores lidam com as dificuldades que qualquer trabalho de desbravamento de

    territrio acarreta. Graas a seu esforo, que ocorre em condies de relativo isolamento, tem sido

    possvel o desenvolvimento da pesquisa no Brasil e sua adequao s condies locais.

    O primeiro captulo da Parte III foi elaborado por Roberta Muramatsu. A autora defende o impor-

    tante papel que a Economia Comportamental desempenha no sentido de oferecer uma explicao

    complementar para os desafios colocados pela pobreza e pelo desenvolvimento humano. A pesquisa

    na rea tem seu foco em heursticas e vieses cognitivos e afetivos potencializados pela condio de

    pobreza e pela privao de oportunidades e direitos. So descritos dois exemplos de experimentos

    randomizados controlados, instrumentos de pesquisa cuja importncia vem crescendo na rea, que

    ajudam a avaliar a eficcia de diferentes formas de interveno.

    Vera Rita de Mello Ferreira, vanguardista na rea de psicologia econmica no Brasil, faz um

    retrospecto histrico da psicologia econmica contempornea, para em seguida compar-la com a

    Economia Comportamental. Do ponto de vista de mtodo, a autora identifica a psicologia econmica

    com a tradio experimental na psicologia, bem como sua afinidade com a psicologia aplicada, que

    tem propiciado a aplicao de seus ensinamentos em diferentes setores da vida socioeconmica.

    Os desdobramentos da Economia Comportamental e Experimental no campo das finanas no

    poderia ser deixado de lado na estruturao deste guia. A rea de finanas comportamentais ob-

    jeto do captulo de autoria de Carol Franceschini. A autora faz uma breve introduo e mapeamento

    das anomalias estudadas pela pesquisa em finanas comportamentais, e apresenta resultados de

    pesquisas com essa orientao feitas no Brasil.

    J Bernardo Nunes, Pablo Roger e Gustavo Cunha examinam o papel do autocontrole nas deci-

    ses financeiras cotidianas. Fazem um apanhado dos desenvolvimentos mais recentes da economia

    e da psicologia sobre o autocontrole, tendo em vista a formulao de polticas de regulamentao

    financeira referentes poupana para aposentadoria, s dinmicas da tomada de crdito e s deci-

    ses de investimento no mercado de aes.

    O captulo de Anderson Teixeira, Benjamin Tabak e Daniel Cajueiro analisa a evidncia experi-

    mental sobre a violao de determinados axiomas da teoria da utilidade esperada em ambientes

    de risco e incerteza. Essa violao seria provocada por dois fatores psicolgicos: averso mope

    perda e efeito dinheiro em casa. Este ltimo termo aplica-se a jogos sequenciais com inmeras

    rodadas, em que os agentes se mostram pouco sensveis ao risco de perda por terem conseguido

    ganhar na rodada anterior.

    O captulo de Fernando B. Meneguin e Flvia vila tem como foco a dimenso aplicada da

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 17

    Economia Comportamental, do ponto de vista de sua contribuio potencial elaborao de

    polticas pblicas. A evidncia emprica disponvel mostra que a forma como os cidados fazem

    suas escolhas bastante afetada por variveis no-monetrias, tais como maneira como lhes so

    apresentadas as opes e o contexto de sua aplicao.

    As questes ticas envolvidas na pesquisa em Economia Comportamental so tema do captulo

    de Ana Maria Bianchi. A partir de um breve retrospecto da histria do pensamento econmico, Bian-

    chi discute as dimenses positiva e normativa da cincia econmica, bem como as implicaes ticas

    da arquitetura de escolha, da aplicao da Economia Comportamental teoria do desenvolvimento,

    e das evidncias de comportamento moral entre animais.

    O foco do captulo de Carol Franceschini e Felipe A. de Arajo de natureza metodolgica. Os

    autores discorrem sobre as caractersticas da pesquisa experimental em seus diferentes formatos e

    discutem questes crticas de validade interna e externa. A partir desse panorama da pesquisa expe-

    rimental, conduzida especialmente em laboratrio, discutem como esses estudos tem sido usados na

    rea de preferncias sociais, descrevendo os jogos econmicos mais utilizados na rea.

    No campo da psicologia econmica, Diogo C. S. Ferreira e Anthony Evans discutem o tema do

    comportamento altrusta, pr-social ou de cooperao. Analisam as explicaes desse comporta-

    mento elaboradas pela psicologia social, pela Economia Comportamental e pela biologia. Os autores

    mostram evidncias de pesquisa sobre a eficcia da punio de terceiros na manuteno e no desen-

    volvimento da cooperao, e abordam a hiptese do altrusmo competitivo.

    O texto de Ana Maria Roux V. C. Cesar, Paulo S. Boggio e Camila Campanh d um panorama da

    rea de neuroeconomia e expe os resultados de um estudo experimental no campo da neuroeco-

    nomia e da neurocontabilidade, realizado por meio de um jogo de metas. Em sua investigao sobre

    os aspectos neurofisiolgicos do processo de deciso, baseada em eletroencefalogramas, os autores

    concluem que o crebro capaz de captar a incongruncia de informao, mas que isso no afeta o

    comportamento de deciso quando esse j est de alguma forma condicionado.

    A Parte IV deste guia rene entrevistas realizadas com personalidades que se sobressaem na

    pesquisa em Economia Comportamental e Experimental contemporneas. O tom informal, como

    convm a depoimentos pessoais sobre a experincia de pesquisa de cada entrevistado, que listam as

    questes que permanecem em aberto e analisam os novos rumos da pesquisa na rea.

    Constam nesta parte os depoimentos de Richard Thaler da University of Chicago, um dos pais da

    rea de Economia Comportamental e principais referncias mundiais no tema. Thaler aborda alguns

    pontos-chave explorados no seu livro best-seller Misbehaving, dando uma viso abrangente da rea

    e dos bastidores do seu surgimento desde o final da dcada de 70. Mais ainda, discute algumas pol-

    micas na rea, trazendo uma viso crtica e abrangente de seu desenvolvimento nos prximos anos.

    Paul Dolan, da London School of Economics, expe sua viso sobre as aplicaes dos estudos da

    Economia Comportamental (EC) para a rea de polticas pblicas, assim como agendas de pesquisa

    importantes que vm emergindo na rea. Mais ainda, fala dos pontos chaves do seu livro best-seller

    Happiness by Design, no qual aborda a temtica da felicidade e como melhor alcan-la.

  • 18 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    A entrevista de Ravi Dhar, da Yale School of Management, aborda as suas aplicaes na rea

    de marketing e negcios e fala do alcance que seus estudos tem ganhado no mundo todo. O

    especialista considera que uma das principais contribuies da EC est em seus estudos experi-

    mentais e na cultura de testar e aprender, que fornecem um modo de pensar melhor e de forma

    mais inteligente sobre os consumidores.

    Duas entrevistas constantes da Parte IV testemunham a importncia assumida pelas pesqui-

    sas de Economia Comportamental e Experimental nos trabalhos do Banco Mundial. A primeira

    delas foi conduzida junto a Varun Gauri, diretor responsvel pelo World Development Report

    2015, MInd, Society and Behavior, a segunda junto a Arianna Legovinni, que acompanhou o au-

    mento do prestgio dos mtodos experimentais na rea de desenvolvimento, e chefia o departa-

    mento responsvel pelos estudos de avaliao de impacto do Banco Mundial.

    Em seu depoimento, Varun Gauri d sua perspectiva da importncia da rea e suas pesquisas

    experimentais e empricas para polticas de desenvolvimento. Fala ainda do espao que a rea

    vem ganhando internamente no Banco Mundial e no campo de desenvolvimento econmico, fato

    que resultou na criao da Global Insights Initiative (GINI) em outubro de 2015. Arianna Legovini

    traz uma abordagem mais metodolgica, contando um pouco sobre o papel da DIME (Develo-

    pment Impact Evaluation unit) no Banco Mundial, seus estudos e como o uso experimentos e

    testes controlados randomizados podem ser ferramentas importantes para trazer subsdios para

    programas na rea de desenvolvimento.

    Outra perspectiva sobre experimentos de campo dada por John List, professor e diretor

    do departamento de Economia da University of Chicago, que, alm de apresentar um panorama

    geral da rea, traz sua viso crtica como um dos pioneiros no uso de experimentos de campo

    como instrumento na teoria econmica e como fonte de informao sobre o comportamento dos

    indivduos em seu habitat.

    Para fechar a seo de depoimentos, uma conversa divertida e informal entre George Loewens-

    tein, professor de economia da Carnegie Mellon University, e o publicitrio Rory Sutherland, original-

    mente escrita como prefcio do The Behavioral Economics Guide 2014, fala sobre o alcance da rea,

    tanto na academia quanto setor pblico e privado nos ltimos anos.

    J a Parte V traz um viso aplicada de pesquisadores em empresas, consultorias e rgos, que

    tm utilizado ativamente os ensinamentos da Economia Comportamental e suas metodologias para

    gerao de novas estratgias e intervenes. Os captulos exploram temas que vo desde nudging,

    polticas pblicas e regulao, at a necessidade de fornecer novas perspectivas e insights para as

    reas de marketing, negcios e publicidade.

    Aps essa breve caracterizao do contedo das partes e captulos que integram o guia,

    queremos reforar seu carter introdutrio e sua inteno de oferecer ao leitor brasileiro um

    roteiro para facilitar sua entrada nessa fascinante rea de pesquisa, seja como pesquisador, seja

    como simples interessado.

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 19

    IntroduoEConomIA ComPortAmEntAl: um ExErCCIo DE DESEnho E humIlDADE 2

    Dan Ariely

    tentador olhar para as pessoas em geral e imaginar que formam um grande conjunto de indiv-duos sensatos e racionais levando a vida de maneira sensata e calculada. Obviamente, essa noo

    correta, em certa medida. Nossa mente e nosso corpo so capazes de aes impressionantes.

    Podemos ver uma bola que foi atirada distncia, calcular instantaneamente sua trajetria e im-

    pacto e ento mover o corpo e as mos para apanh-la. Podemos aprender lnguas com facilida-

    de, especialmente na primeira infncia. Podemos aprender a jogar xadrez. Podemos reconhecer

    milhares de rostos sem confundi-los (embora conforme vou envelhecendo eu me impressione

    cada vez menos com minha memria). Podemos produzir msica, literatura, tecnologia, arte e

    uma lista imensa de coisas do gnero.

    Como exclamou Shakespeare em Hamlet:

    Que obra admirvel o Homem! To nobre na razo, to infinito em faculdades! Na forma e

    movimento, to preciso e admirvel! Na ao, tal como um anjo! Na compreenso, tal como um deus!

    A beleza do mundo! O modelo dos animais!

    O problema que, embora essa viso da natureza humana seja comum a grande parte dos

    economistas, formuladores de polticas e populao em geral, ela no acurada. Tudo bem, somos

    capazes de fazer muitas coisas maravilhosas, mas tambm falhamos de vez em quando, e os custos

    dessas falhas podem ser substanciais. Por exemplo, pense em quem manda mensagem de texto

    enquanto est dirigindo: no preciso digitar e dirigir o tempo todo para que isso seja perigoso e

    devastador. Mesmo que a pessoa faa isso s de vez em quando, digamos, 3% do tempo, ainda pode

    se ferir ou se matar ou ferir e matar outros.

    Digitar e dirigir um problema substancial, mas tambm uma metfora til para nos ajudar a

    pensar sobre alguns dos modos como nos comportamos mal agindo de maneira que no condiz

    com os nossos interesses de longo prazo. Comer demais, poupar de menos, cometer crimes passio-

    nais, a lista vai longe. O grande problema que nossa capacidade de agir tendo em vista nosso inte-

    resse no longo prazo est sendo cada vez mais tolhida. Por qu? Porque o modo como projetamos o

    mundo nossa volta no nos ajuda a lutar contra a tentao e a pensar no longo prazo. De fato, se um

    extraterrestre observasse o modo como projetamos o mundo, a nica concluso sensata a que ele

    chegaria seria a de que os seres humanos resolveram projet-lo de modo a criar cada vez mais tenta-

    es e a se obrigarem a pensar com miopia. Pense bem: a verso seguinte do donut (donut 2.0) ser

    mais ou menos tentadora? A prxima verso do smartphone nos far consult-lo mais ou menos ve-

    zes durante o dia? E a prxima verso do Facebook nos far abri-lo mais ou menos frequentemente?

    Podemos imaginar a vida basicamente como um cabo-de-guerra. Andamos por a com nossa

    2 Traduzido de Ariely, D. (2015) Behavioral Economics: An Exercise in Design and Humility, originalmente publicado no The

    Behavioral Economics Guide 2015.

  • 20 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    carteira, nossas prioridades e nossos pensamentos e o mundo comercial nossa volta quer nosso

    dinheiro, tempo e ateno. O mundo comercial quer nosso dinheiro, tempo e ateno em algum mo-

    mento no futuro distante? Est tentando maximizar nosso bem-estar daqui a 30 ou 40 anos? No.

    Os atores comerciais nossa volta querem nosso dinheiro, tempo e ateno agora. E so muito bem-

    sucedidos em sua misso. Em parte porque controlam o ambiente em que vivemos (supermercados,

    shopping centers), em parte porque permitimos que sua presena em nossos computadores e tele-

    fones (apps, anncios), e tambm porque eles sabem mais do que ns sobre aquilo que nos tenta, e

    porque ns no entendemos de verdade alguns dos aspectos mais bsicos da nossa natureza.

    Um estudo importante e deprimente feito por Ralph Keeney (um colega pesquisador da Duke

    University) mostrou o abrangente impacto da tomada de deciso ruim em nossa vida ou, para ser

    mais preciso, em nossa morte. Usando dados sobre mortalidade do Center of Disease Control,

    Ralph estimou que aproximadamente metade das mortes de adultos de 15 a 64 anos de idade

    nos Estados Unidos so causadas ou ajudadas por decises pessoais ruins, em especial as rela-

    cionadas ao tabagismo, falta de atividade fsica, criminalidade, ao uso de drogas e lcool e ao

    comportamento sexual imprudente.

    Ralph definiu cuidadosamente a natureza da deciso pessoal e o que pode ser considerado mor-

    te prematura. Por exemplo, se algum morre depois de ser abalroado por um carro com um motorista

    bbado, a morte no considerada prematura porque o falecido no tomou a deciso que o levou

    morte. Contudo, se o motorista bbado morre, a morte considerada prematura porque sua deciso

    de dirigir alcoolizado e a morte resultante claramente so relacionadas. Tendo em mente essa noo,

    podemos examinar diversos exemplos em que existem disposio vrios caminhos para a deciso

    (o motorista bbado tem a alternativa de pegar um txi, pedir a algum que dirija para ele ou chamar

    um amigo), e ele no escolhe esses outros caminhos para a deciso apesar de terem menor probabi-

    lidade de produzir o mesmo resultado negativo (ou seja, a fatalidade).

    Para elaborar brevemente sobre apenas um exemplo de uma deciso pessoal que pode levar

    morte, tratemos do consumo excessivo de lcool. Essa deciso pode levar ao aumento de peso

    corporal, o que pode levar obesidade, que pode causar ataque cardaco, derrame, cncer e outros

    problemas de sade fatais. Tambm pode resultar em leses acidentais que, em alguns casos, podem

    ser fatais para quem bebeu. Ingerir lcool pode, ainda, levar o indivduo a fazer sexo sem proteo, o

    que pode lev-lo a contrair uma doena fatal. Outro resultado, embora menos comum, provocar um

    comportamento suicida. E essas so apenas algumas das maneiras como a deciso de ingerir lcool

    pode ser fatal. Existem muitas outras consequncias possveis. Obviamente, o consumo excessivo de

    lcool apenas um exemplo de como decises ruins podem acarretar a morte prematura. Lamenta-

    velmente, medida que a sociedade avana, crescem o nmero e os tipos de decises ruins, assim

    como suas possveis consequncias negativas.

    Ora, se as pessoas fossem criaturas 100% racionais, a vida seria maravilhosa e simples. S preci-

    saramos dar a elas as informaes necessrias para que tomassem boas decises, e elas imediata-

    mente tomariam as decises certas. Comem demais? Bastaria inform-las sobre as calorias. Se no

    poupam, bastaria dar-lhes uma calculadora de aposentadoria, e elas comeariam a poupar s taxas

    apropriadas. Digitam enquanto dirigem? s explicar-lhes o quanto isso perigoso. Jovens abando-

    nam os estudos, mdicos no lavam as mos antes de examinar pacientes. Simplesmente explique

    aos jovens por que devem prosseguir nos estudos e diga aos mdicos por que devem lavar as mos.

    Infelizmente, a vida no to simples, e a maioria dos problemas que temos hoje em dia no se deve

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 21

    falta de informao. E por isso que nossas repetidas tentativas de melhorar o comportamento

    fornecendo mais informao fazem pouco (ou nada) para melhorar as coisas.

    O problema bsico : possumos nossos software e hardware internos que se desenvolveram

    com o passar dos anos para lidar com o mundo. E, embora tenhamos algumas habilidades sensa-

    cionais, em muitoss casos elas so incompatveis com o mundo moderno que projetamos. Esses

    so os casos em que podemos sair perigosamente do caminho e cometer erros graves. Est ficando

    cada vez mais caro viver com esses erros. Por qu? Pense nesses perigos como se eles fossem ter-

    roristas. Mil anos atrs, quanto dano um terrorista poderia causar antes de ser pego? E hoje? Com

    tecnologias como explosivos, guerra qumica e biolgica, at um grupo muito pequeno pode cau-

    sar danos colossais. O mesmo se aplica a cair em tentao. Em um mundo onde no tivssemos ce-

    lulares e carros, os perigos de no prestar ateno no seriam to grandes na pior das hipteses,

    trombaramos com uma rvore quando estivssemos andando. Mas se estamos em um carro a 120

    km/h, qualquer errinho de ateno pode custar muito caro. O mesmo se aplica ao que comemos.

    Em um mundo onde os alimentos no possussem teor calrico to elevado, comer por 10 minutos

    a mais depois de satisfeitas as nossas necessidades nutricionais no faria muito mal. Mas quando

    um donut contm centenas de calorias e podemos devor-lo em menos de um minuto, comer por

    um pouquinho a mais de tempo pode custar caro. Muito caro.

    Existem muitos vieses e muitos modos de cometer erros, mas dois dos pontos cegos que

    mais me surpreendem so a contnua crena na racionalidade das pessoas e dos mercados. Isso

    me supreende particularmente porque at as pessoas que parecem acreditar que a racionalida-

    de um bom modo de descrever indivduos, sociedades e mercados sentem-se bem diferente

    quando lhes fazemos perguntas especficas sobre as pessoas e instituies que elas conhecem

    bem. Por um lado, elas podem citar todo tipo de crenas elevadas sobre a racionalidade das pes-

    soas, empresas e sociedades, mas por outro expressam sentimentos muito diferentes sobre suas

    caras-metades, sogras (e tenho certeza de que essas caras-metades e sogras tambm tm umas

    histrias bem malucas sobre nossos entrevistados) e organizaes em que trabalham. Por alguma

    razo, quando examinamos de perto algum exemplo da vida, a iluso de comportamento sensato

    esmaece quase instantaneamente. E quanto mais examinamos pequenos detalhes da nossa vida,

    mais as nossas decises ruins parecem multiplicar-se.

    Como exerccio, pense em sua vida e anote o nmero de vezes em que voc fez as seguintes

    atividades nos ltimos 30 dias. Tenha em mente mais duas coisas: 1) Se voc no anotar os n-

    meros, ser muito mais fcil manter a iluso de sua prpria racionalidade. Portanto, voc quem

    sabe se prefere confrontar ou no o seu comportamento. 2) Se deixar linhas em branco, a sensa-

    o ser bem diferente do que se escrever zero, ento, se quiser ser realmente honesto consigo

    mesmo, no deixe linhas em branco.

  • 22 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    Nos ltimos 30 dias, o nmero de vezes em que eu...

    Comi demais .................................................................................................................................................................................

    Mandei mensagens de texto enquanto dirigia ...............................................................................................................

    Li e-mails enquanto dirigia .....................................................................................................................................................

    Gastei dinheiro e me arrependi depois .............................................................................................................................

    Gastei tempo demais em redes sociais .............................................................................................................................

    Procrastinei ...................................................................................................................................................................................

    Fui me deitar muito tarde e dormi mal .............................................................................................................................

    Bebi demais ..................................................................................................................................................................................

    No fui to carinhoso quanto devia com minha cara-metade ................................................................................

    No passei tempo suficiente com meus filhos ...............................................................................................................

    No me exercitei tanto quanto queria ...............................................................................................................................

    No tomei meus remdios .....................................................................................................................................................

    Menti (e no uma mentirinha inofensiva) .........................................................................................................................

    Administrei mal o meu tempo ..............................................................................................................................................

    Disse sim para algo ao qual deveria ter dito no ..........................................................................................................

    Disse algo inapropriado e depois me arrependi ...........................................................................................................

    Peguei um voo no timo s para ganhar algumas milhagens extras ................................................................

    [Acrescente abaixo quaisquer outros comportamentos indesejveis]

    .............................................................................................................................................................................................................

    .............................................................................................................................................................................................................

    .............................................................................................................................................................................................................

    .............................................................................................................................................................................................................

    .............................................................................................................................................................................................................

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 23

    Fiz eu mesmo esse exerccio e, durante uns minutos, cogitei em publicar minhas respostas, mas depois fiz a contagem e no quis admitir minhas falhas nem aumentar o nmero de vezes

    em que menti por isso, achei melhor manter na privacidade os meus deslizes. Talvez o grau de

    comportamentos indesejveis seja prevalecente apenas na minha vida, e talvez eu seja a pessoa

    mais irracional do mundo. Dado que existe uma pequena possibilidade de que minha experincia

    esteja altura da experincia humana em geral, quem sabe seja melhor ns todos atualizarmos a

    avaliao das nossas capacidades e pensarmos em como melhorar nossa lamentvel condio. E

    espero que isso acontea o quanto antes.

    A primeira questo que surge diretamente dessa anlise um tanto dolorosa do estado das deci-

    ses ruins e do mundo moderno : devemos ficar deprimidos com todas essas ilustraes e histrias

    pessoais de falhas importantes? A segunda questo, decorrente da primeira, : o que devemos fazer?

    Quanto a ficarmos deprimidos, poderia parecer que a perspectiva racional representa uma viso

    muito mais otimista da vida e que a perspectiva da Economia Comportamental deprimente. Afinal

    de contas, parece maravilhoso seguir pela vida pensando que as pessoas nossa volta so super-hu-

    manos perfeitamente racionais que sempre tomam as decises certas. Alm disso, essa perspectiva

    embute um certo nvel de respeito pela maravilha que um ser humano. Em contraste, parece bem

    triste pensar nas pessoas com quem interagimos no trabalho e na vida social como seres mopes,

    emotivos, vingativos, inseguros sobre o que desejam, fceis de se confundir etc. Mas vejamos uma

    perspectiva diferente sobre isso alicerada no estado do mundo, e no voltada para os indivduos.

    Pensemos no mundo. Somos entre 7 e 8 bilhes de pessoas no planeta e, pelo que eu saiba, as

    coisas esto muito longe do ideal. Temos guerras, alta criminalidade, poluio, oceanos doentes,

    muita pobreza, obesidade, tabagismo etc. Dessa perspectiva, o que mais otimista? Pensar que o

    estado do mundo o resultado de 7 a 8 milhes de pessoas racionais ou de 7 a 8 pessoas irracio-

    nais? Se acharmos que a primeira dessas alternativas, isso significa que esse o melhor mundo

    que podemos esperar. Porm, se pensarmos que o estado do mundo resultado de 7 a 8 bilhes

    de pessoas irracionais, isso significa que podemos fazer muito melhor. Significa que, se compreen-

    dermos o que deu errado, podemos melhorar as coisas. Essa a verso do otimismo e acredito

    profundamente nela. verdade que temos muitos defeitos, e com certeza ao longo dos anos des-

    cobriremos muitos outros aspectos em que somos imperfeitos. Mas isso, para mim, s faz ressaltar

    que h uma grande margem para melhorar. Isso que otimismo!

    Quanto ao que fazer em seguida, a meu ver, os desafios esto, basicamente, no modo de

    projetar nosso mundo. Enquanto construirmos o mundo nossa volta pressupondo que as pes-

    soas possuem capacidade cognitiva ilimitada e nenhuma emoo que interfira em nossas deci-

    ses, fracassaremos frequentemente e em escalas cada vez maiores. Porm, se entendermos

    verdadeiramente as limitaes humanas e projetarmos o mundo com base nessa noo, teremos

    produtos e mercados que sero muito mais compatveis com nossa capacidade humana e que

    nos permitiro, por fim, florescer. Assim como nunca projetaramos um carro supondo que as

    pessoas possuem um nmero infinito de mos e pernas para dirigi-lo, tambm precisamos reco-

    nhecer nossas limitaes sociais, cognitivas, emocionais e de ateno quando projetamos nosso

    ambiente. desafiador, mas tambm um caminho com esperana.

  • 24 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    Por fim, gostaria de deixar um lembrete sobre a sabedoria dos romanos. No auge do Imprio

    Romano, os generais que obtinham vitrias importantes desfilavam pela cidade exibindo seus

    despojos de guerra. Em trajes cor de prpura e tnicas douradas cerimoniais, coroa de louro e

    rosto pintado de vermelho, eles eram carregados pelas ruas sentados em um trono. Eram aclama-

    dos, celebrados e admirados. Mas a cerimnia tinha mais um elemento: durante todo aquele dia,

    um escravo andava ao lado do general, sussurrando repetidamente no ouvido dele: Memento

    mori, que significa mais ou menos Lembrai-vos de que sois mortal.

    Se eu pudesse criar uma verso moderna dessa frase romana, provavelmente escolheria: Lem-

    bre-se de que voc falvel ou, talvez, Lembre-se da irracionalidade. Seja qual for a frase, reconhe-

    cer nossas deficincias um primeiro passo crucial no caminho para tomar decises melhores, criar

    sociedades mehores e consertar nossas instituies.

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 25

    Parte I Introduo economia comportamental e experimental3

    A EConomIA ComPortAmEntAl

    Alain Samson

    Podemos definir Economia Comportamental (EC) como o estudo das influncias cognitivas, sociais e emocionais observadas sobre o comportamento econmico das pessoas. A EC emprega principal-mente a experimentao para desenvolver teorias sobre a tomada de deciso pelo ser humano.

    Segundo a EC, nem sempre as pessoas so egostas, calculam o custo-benefcio de suas aes e tem preferncias estveis. Mais ainda, muitas das nossas escolhas no resultam de uma deliberao cuidadosa. Somos influenciados por informaes lembradas, sentimentos gerados de modo autom-tico e estmulos salientes no ambiente. Alm disso, vivemos o momento, isto , tendemos a resistir s mudanas, a no sermos bons para predizer preferncias futuras, somos sujeitos a distores de memria e afetados por estados psicolgicos. Finalmente, somos animais sociais, com preferncias sociais como aquelas expressas na confiana, altrusmo, reciprocidade e justia, e temos o desejo de ser coerentes conosco e de valorizar as normas sociais.

    As implicaes da EC so abrangentes e suas ideias vm sendo aplicadas em vrias esferas no setor privado e em polticas pblicas, incluindo finanas, sade, energia, desenvolvimento, educao e marketing de consumo. Richard Thaler e Cass Sunstein, autores do influente livro Nudge, comea-ram a participar da formulao de polticas governamentais nos Estados Unidos j em 2008, durante a campanha presidencial do presidente Barack Obama. Em 2010, o governo do Reino Unido montou o Behavioural Insights Team (BIT), uma unidade especial dedicada a aplicar a cincia comporta-mental poltica e aos servios pblicos. Em 2013 veio a notcia de que o governo americano estava formando uma equipe de nudge nessas mesmas linhas.

    A subdiviso das comunicaes do governo do Reino Unido, Central Office of Information (COI), hoje extinta, tambm empregou insights da EC para melhorar suas atividades de comunicao. Pro-fissionais do COI usaram essas ideias para complementar abordagens tradicionais encontradas na Psicologia que tendiam a enfocar a ateno, atitudes e autoeficcia das pessoas na produo de mudanas de comportamento (COI, 2009).

    A popularidade da EC e das cincias comportamentais de modo geral ampliou a caixa de fer-ramentas conceituais dos profissionais da rea prtica, incentivou pesquisas que investigam o com-portamento real e comeou a favorecer uma cultura de testar e aprender entre os governos e as empresas. Quando se pede EC que lide com questes prticas, indispensvel fazer experimentos antes de intervenes prticas.

    No setor privado, a EC reavivou o interesse dos profissionais nas reas da Psicologia, particular-mente Marketing, pesquisa com consumidores, negcios e consultoria sobre polticas. A Parte VI

    deste Guia apresenta uma coletnea de artigos escritos por profissionais dessas reas.

    3 Traduzido e adaptado do The Behavioral Economics Guide 2014 e 2015. As referncias da Parte 1 se encontram ao final do

    livro, aps o glossrio. (N.T.)

  • 26 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    Os economistas comportamentais, em essncia, usam a Psicologia para estudar problemas econ-

    micos e sua abordagem geralmente se alicera no casamento da experimentao com o pensamento

    econmico tradicional, por exemplo, no conceito de utilidade. Entretanto, como a EC uma disciplina

    na interseco da Psicologia com a Economia, nem sempre suas fronteiras so claramente definidas.

    Graas a isso e tambm crescente popularidade da EC, alguns acadmicos e profissionais que no

    passado poderiam intitular-se psiclogos (por exemplo, especialistas em mudana comportamental ou

    psicologia do consumidor) passaram a apresentar-se como economistas comportamentais ou cien-

    tistas comportamentais. Tambm, as vezes, so outros que os chamam assim. Em um artigo no Hu-

    ffington Post, por exemplo, o psiclogo organizacional Adam Grant mencionou que frequentemente o

    apresentam como economista comportamental. Em uma ocasio ele tentou corrigir isso, mas um exe-

    cutivo replicou: Seu trabalho parece mais chique se eu chamar voc de economista comportamental.

    Certamente parece verdade, como observou Daniel Kahneman, que agora se costuma rotular como

    Economia Comportamental as aplicaes da Psicologia Social ou Cognitiva quando o assunto a for-

    mulao de polticas pblicas. Infelizmente, como notou Richard Thaler, isso tem o efeito colateral de no se dar o devido valor ao grande trabalho feito por no economistas em reas de polticas pblicas.

    A importncia da cincia comportamental hoje tambm se evidencia no mercado de trabalho,

    onde organizaes de diversos tipos, como instituies financeiras, agncias de pesquisa de merca-

    do e empresas da rea da sade procuram Chief Behavioral Officers (diretores comportamentais)

    ou, mais modestamente, Behavior Change Advisors (consultores de mudana comportamental).

    Algum poderia argumentar que o interesse em EC apenas uma tendncia passageira em ramos

    propensos a modas e com limiares de ateno reduzidos. Mas essa ideia menospreza a importncia da

    disciplina, pois a busca do conhecimento um processo incremental, particularmente nas cincias so-

    ciais e comportamentais. De modo geral, a EC uma rea ainda incipiente e parece ter vindo para ficar.

    A disseminao do conhecimento acadmico da alta cpula ao pblico geral tem sido ajudada

    por livros de divulgao cientfica escritos por renomados acadmicos das reas de Economia, Psi-

    cologia e polticas pblicas. A Economia Comportamental foi popularizada fora dos crculos acad-

    micos pelos livros Previsivelmente Irracional (Dan Ariely), Nudge (Richard Thaler e Cass Sunstein), e

    Rpido e Devagar: Duas Formas de Pensar (Daniel Kahneman). Muitas publicaes nessas linhas tm

    passado cada vez mais rpido do lado descritivo do continuum para o lado prtico. Mais recentemen-

    te, Uri Gneezy e John List publicaram o livro The Why Axis: Hidden Motives and the Undiscovered

    Economics of Everyday Life, documentando experimentos de campo que mostram como incentivos

    podem mudar resultados no mundo real, e Sendhil Mullainathan e Eldar Shafir publicaram Scarcity:

    Why Having Too Little Means So Much, que reflete sobre como a escassez e nossas respostas ina-

    dequadas a ela moldam nossa vida, nossa sociedade e nossa cultura. O especialista em mindless

    eating [comer sem ateno] Brian Wansink aborda problemas de alimentao em seu novo livro Slim

    by Design: Mindless Eating Solutions for Everyday Life, enquanto o cientista comportamental Paul

    Dolan, em Felicidade Construda: Como Encontrar Prazer e Propsito no Dia a Dia inicia os leitores

    na cincia da felicidade e nos modos de alcan-la. Richard Thaler, em Misbehaving: The Making of

    Behavioral Economics, tambm tem uma perspectiva mais prtica, que aplica a EC a fenmenos do

    nosso cotidiano e fornece aos leitores ideias sobre como tomar decises melhores. Finalmente, o

    ttulo do novo livro de Dan Ariely, Irrationally Yours: On Missing Socks, Pickup Lines, and Other Exis-

    tential Puzzles, mostra como podemos lidar mais racionalmente com as mazelas do nosso cotidiano.

    J Shlomo Benartzi em The Smarter Screen: Surprising Ways to Influence and Improve Online Beha-

    vior revela um kit de ferramentas para entender comportamentos e criar intervenes na era digital.

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 27

    I. umA IntroDuo EConomIA ComPortAmEntAl

    Pense na ltima vez em que comprou um produto que pudesse ser personalizado. Um laptop, por

    exemplo. Talvez voc tenha decidido simplificar a sua tomada de deciso optando por uma marca

    bem conhecida ou por alguma que voc j tivesse possudo no passado. E ento talvez tenha entrado

    no site do fabricante para fazer o pedido. Mas o processo de tomada de deciso no parou por a,

    pois depois disso voc precisou personalizar o seu modelo escolhendo diversas caractersticas do

    produto (velocidade de processamento, capacidade do disco rgido etc.) e ainda no sabia muito

    bem de que caractersticas iria realmente precisar. Nessa etapa, a maioria dos fabricantes de tecno-

    logia mostra um modelo bsico com opes que podem ser mudadas conforme as preferncias do

    comprador. O modo como essas escolhas de produto so apresentadas ao cliente influenciaro a

    compra final e ilustra vrios conceitos das teorias de Economia Comportamental (EC).

    Primeiro, o modelo bsico apresentado para personalizao representa uma escolha padro

    (default). Quanto mais incertos sobre sua deciso estiverem os clientes, mais provvel ser que eles

    fiquem com o default, sobretudo se ele for explicitamente apresentado como a configurao reco-

    mendada. Segundo, o fabricante pode empregar a noo de framing e apresentar as opes de

    modos diferentes, recorrrendo a um modo de personalizao baseado em adicionar ou deletar

    (ou alguma coisa intermediria). No modo adicionar, os clientes comeam com um modelo bsico

    e podem acrescentar mais opes ou melhores caractersticas. No modo deletar ocorre o processo

    oposto e os clientes tm de remover opes ou simplificar um modelo completo. Um estudo mos-

    trou que os consumidores acabam escolhendo um nmero maior de caractersticas quando o mo-

    delo para personalizar est programado no modo deletar do que quando o modo o de adicionar

    (Biswas, 2009). Finalmente, a estratgia de framing na apresentao das opes ser associada a

    diferentes ncoras de preo antes da personalizao, o que pode influenciar o valor percebido do

    produto. Se o produto final configurado terminar com um preo de $1500, provavelmente seu custo

    ser percebido como mais atrativo se a configurao inicial fosse de $2000 (o modelo completo),

    do que se fosse $1000 (modelo bsico). Os vendedores se dedicaro a um meticuloso processo de

    experimentao para encontrar um ponto ideal uma estratgia para oferecer opes de perso-

    nalizao que maximizem as vendas, a partir de um preo padro que encoraje o mximo possvel

    de consumidores a iniciarem o processo de compras.

    Escolha racional

    Em um mundo ideal, defaults, frames e preos-ncora no influenciariam as escolhas dos consumi-

    dores. Nossas decises seriam resultado de uma cuidadosa ponderao de custos e benefcios e se

    baseariam em preferncias existentes. Sempre tomaramos decises timas. No livro The Economic

    Approach to Human Behavior, do economista Gary S. Becker, publicado em 1976, o autor apresentou

    uma clebre srie de ideias conhecidas como os pilares da chamada teoria da escolha racional. A

    teoria supe que os agentes humanos tm preferncias estveis e procuram maximizar o comporta-

    mento. Becker, que aplicou a teoria da escolha racional a esferas to diferentes como crime e casa-

    mento, acreditava que disciplinas acadmicas como a sociologia podiam aprender com a hiptese do

    homem racional proposta pelos economistas neoclssicos em fins do sculo 19. Entretanto, os anos

    1970 tambm viram o surgimento da linha de pensamento oposta, como veremos na prxima seo.

  • 28 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    teoria da Perspectiva (teoria dos Prospectos)

    Enquanto a racionalidade econmica influenciava outros campos das cincias sociais de dentro para

    fora, com a obra de Becker e da Escola de Chicago, psiclogos confrontavam o pensamento econmi-

    co prevalecente com dados da realidade. Entre eles, salientaram-se Amos Tversky e Daniel Kahneman,

    com vrios artigos que pareciam erodir as ideias sobre a natureza humana defendidas pela corrente

    dominante dos economistas. Talvez esses dois autores sejam mais conhecidos por terem formulado a

    teoria da perspectiva (Kahneman e Tversky, 1979), que mostra que nem sempre as decises so timas.

    Nossa disposio para correr riscos influenciada pelo modo como as escolhas so apresentadas (fra-

    med), isto , depende do contexto. Consideremos o seguinte problema de deciso clssico:

    O que voc prefere:

    A) Um ganho certo de $250, ou

    B) Uma chance de 25% de ganhar $1000 e uma chance de 75% de no ganhar nada?

    E que tal:

    C) Uma perda certa de $750, ou

    D) Uma chance de 75% de perder $1000 e uma chance de 25% de no perder nada?

    O trabalho de Tversky e Kahneman mostra que as respostas diferem conforme as escolhas so

    apresentadas (framed) como um ganho (1) ou uma perda (2). Diante do primeiro tipo de deciso,

    grande parte das pessoas optar pela alternativa sem risco (A), enquanto no segundo problema as

    pessoas mostram maior probabilidade de escolher D, a mais arriscada. Isso acontece porque temos

    maior averso perda do que apreo por um ganho equivalente. Abrir mo de alguma coisa mais

    doloroso do que o prazer que sentimos por receb-la.

    racionalidade limitada

    Muito antes do trabalho de Tversky e Kahneman, pensadores dos sculos 18 e 19 j estavam

    interessados nos esteios psicolgicos da vida econmica. No entanto, durante a revoluo neo-

    clssica na virada do sculo 20, cada vez mais estudiosos tentaram emular as cincias naturais,

    pois queriam distinguir-se do campo da Psicologia, ento considerado acientfico (Camerer,

    Loewenstein e Rabin, 2011). A importncia da Economia corroborada pela Psicologia refletiu-se

    mais tarde no conceito de racionalidade limitada, um termo associado ao trabalho de Herbert

    Simon nos anos 1950. Segundo essa concepo, nem todas as decises so timas. Existem res-

    tries ao processamento de informaes pelos seres humanos, porque h limites de conheci-

    mento (ou de informaes) e de capacidades computacionais.

    O trabalho de Gerd Gigerenzer sobre heursticas rpidas e frugais desenvolveu mais tarde as

    ideias de Simon e props que a racionalidade de uma deciso depende de estruturas encontradas no

    ambiente. As pessoas so ecologicamente racionais quando fazem o melhor uso possvel de suas

    capacidades limitadas, aplicando algoritmos simples e inteligentes que podem levar a inferncias

    quase timas (Gigerenzer e Gigerenzer, 1996).

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 29

    Embora a ideia de limites humanos racionalidade no fosse completamente nova em Econo-

    mia, o programa de estudos sobre heursticas e vieses de Tversky e Kahneman trouxe importantes

    contribuies metodolgicas, pois defendeu uma abordagem rigorosa compreenso das decises

    econmicas com base na medio de escolhas reais feitas sob diferentes condies. Cerca de 30

    anos depois, suas ideias introduziram-se na corrente dominante, o que resultou em crescente valori-

    zao pelas esferas acadmica, pblica e comercial.

    Informao Limitada: A Importncia do Feedback

    O princpio da limitao de conhecimentos ou informaes que baseia a racionalidade limitada

    um dos temas abordados no livro Nudge, de 2008. Nessa obra, Thaler e Sunstein ressaltam que ex-

    perincia, boas informaes e feedback rpido so os principais fatores que permitem s pessoas

    tomar boas decises. Pensemos, por exemplo, na mudana climtica, citada como um problema par-

    ticularmente difcil no que diz respeito a experincia e feedback. A mudana climtica um processo

    invisvel, difuso e de longo prazo. O comportamento benfico ao meio ambiente por um indivdio, por

    exemplo, reduzir emisses de carbono, no resulta em uma mudana perceptvel. O mesmo se aplica

    na esfera da sade. Nessa rea frequentemente o feedback insatisfatrio e temos maior probabili-

    dade de obter feedback de opes escolhidas do que de opes rejeitadas.

    Por exemplo, o impacto de fumar mais perceptvel no decorrer dos anos, enquanto o efeito desse

    hbito sobre as clulas e rgos internos geralmente no se evidencia para o indivduo. Tradicional-

    mente, o feedback genrico destinado a induzir uma mudana comportamental limita-se a informa-

    es como os custos econmicos do comportamento prejudicial sade e suas possveis consequn-

    cias ao organismo (Diclemente et al., 2001). Programas mais recentes voltados para a mudana de

    comportamento, como o que usa aplicativos de celular para ajudar o usurio a parar de fumar, hoje for-

    necem feedback comportamental positivo e personalizado, que pode incluir o nmero de cigarros no

    fumados e o dinheiro poupado, alm de informaes sobre melhora da sade e preveno de doena.

    Tomada de Deciso Irracional: o exemplo da Psicologia do Preo

    Encontramos timos exemplos de escolhas limitadamente racionais, tomadas devido s restries

    aos nossos processos de pensamento, especialmente aquelas que fazemos como consumidores, no

    famoso livro de divulgao de Dan Ariely, Previsivelmente Irracional. Boa parte dos estudos que ele

    examina envolve percepo de preos e valores. Um estudo perguntou aos participantes se eles

    comprariam um produto (por exemplo, um teclado sem fio) por uma quantidade de dlares que fosse

    igual aos dois ltimos dgitos do nmero de seu seguro social. Depois lhes perguntaram qual era o

    mximo que estariam dispostos a pagar. No caso do teclado sem fio, um nmero trs vezes maior de

    pessoas com os 20% maiores nmeros de seguro social se disseram dispostas a pagar em compara-

    o com as dos 20% menores nmeros. O experimento demonstra a ancoragem, um processo pelo

    qual um valor numrico fornece um ponto de referncia no-consciente que influencia percepes

    de valores subsequentes (Ariely, Loewenstein e Prelec, 2003).

    Ariely tambm introduz o conceito do Efeito Preo Zero, pelo qual quando um produto anun-

    ciado como grtis, os consumidores o percebem como intrinsecamente mais valioso. Um choco-

    late grtis desproporcionalmente mais atrativo em relao a um chocolate de $0,14 do que um

    chocolate de $0,01 em comparao com um de $0,15. Para um tomador de decises racional, uma

  • 30 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    diferena de preo de 14 centavos sempre deveria fornecer a mesma magnitude de mudana no

    incentivo para escolher o produto (Shampanier, Mazar e Ariely, 2007). Finalmente, muitas vezes o

    preo interpretado como indicador da qualidade, e pode at sugestionar e produzir consequncias

    fsicas, como os placebos em estudos mdicos. Um experimento, por exemplo, deu aos participantes

    uma bebida supostamente benfica para a acuidade mental. Quando pessoas receberam uma bebida

    com desconto, seu desempenho na resoluo de quebra-cabeas foi significativamente inferior ao

    encontrado nas condies de preo regular e de controle (Shiv, Carmon e Ariely, 2005).

    Previsivelmente Irracional e Nudge alertaram o pblico para uma nova estirpe de economistas

    influenciados pelo estudo da tomada de deciso comportamental cujos pioneiros foram os trabalhos

    de Kahneman e Tversky (s vezes citados como escolha sob incerteza). A psicologia do homo eco-

    nomicus um indivduo racional e egosta com preferncias relativamente estveis foi contestada,

    assim como a tradicional ideia de que a mudana comportamental deve ser obtida fornecendo infor-

    maes, convencendo, incentivando ou penalizando as pessoas (Thaler e Sunstein, 2008). O campo

    associado a essa linha de estudos e teoria a Economia Comportamental (EC), que procura mostrar

    que as decises humanas so fortemente influenciadas pelo contexto, no qual se inclui o modo como

    as escolhas nos so apresentadas. O comportamento varia no tempo e no espao e sujeito a vieses

    cognitivos, emoes e influncias sociais. As decises resultam de processos menos deliberativos,

    lineares e controlados do que gostaramos de acreditar.

    teoria do Sistema Dual

    Daniel Kahneman usa uma estrutura terica de sistema dual (consolidada na Psicologia Cognitiva e

    Social nos anos 1990) para explicar por que nossas avaliaes e decises frequentemente no esto

    em conformidade com noes formais de racionalidade.

    As avaliaes influenciadas pelo Sistema 1 tm por base impresses derivadas de contedo men-

    tal facilmente acessvel. O Sistema 2, por outro lado, procura monitorar ou controlar frequente-

    mente sem xito as operaes mentais e o comportamento observvel.

    Disponibilidade Afeto

    O Sistema 1 a casa das heursticas (atalhos cognitivos) que aplicamos e responsvel pelos vieses

    (erros sistemticos) que podemos cometer quando tomamos decises (Kahneman, 2011). Os proces-

    sos do Sistema 1 nos influenciam quando uma exposio prvia a um nmero afeta avaliaes subse-

    quentes, como se evidencia nos efeitos de ancoragem j discutidos (Tversky e Kahneman, 1974). Uma

    das heursticas mais universais a da disponibilidade. A disponibilidade serve como um atalho men-

    tal quando a possibilidade de um evento ocorrer percebida como maior simplesmente porque um

    exemplo nos vem mente rapidamente (Tversky e Kahneman, 1974). Por exemplo, uma pessoa pode

    considerar investimentos em previdncia privada muito arriscados porque se lembra de um parente

    o Sistema 1 consiste em processos de pensamento que so intuitivos, automticos, baseados na experincia e relativamente inconscientes.

    o Sistema 2 mais reflexivo, controlado,

    deliberativo e analtico.

  • Guia de Economia Comportamental e Experimental 31

    que perdeu a maior parte de suas economias para a aposentadoria na recesso recente. Informaes

    prontamente disponveis na memria tambm so usadas quando fazemos avaliaes baseadas na

    similaridade, como se evidencia na heurstica da representatividade.

    Finalmente, outra heurstica multiuso a do afeto, isto , bons ou maus sentimentos que aflo-

    ram automaticamente quando pensamos em um objeto. Aplicar a heurstica do afeto pode nos levar

    ao pensamento excludente, que particularmente evidente quando as pessoas pensam em um ob-

    jeto em situaes que impedem a reflexo pelo Sistema 2, como quando h presso de tempo. Por

    exemplo, consumidores podem considerar poucos os benefcios dos preservativos e grande o custo

    desses produtos, o que acarreta uma correlao risco-benefcio negativa significativa (Finucane,

    Alhakami, Slovic e Johnson, 2000).

    O papel do afeto em situaes de risco ou incerteza tambm se evidencia no modelo do risco

    como sentimentos (Loewenstein, Weber, Hsee e Welch, 2001). Interpretaes consequencialistas

    da tomada de deciso tendem a focar em expectativas juntamente com a probabilidade e o valor

    subjetivo de possveis resultados. A perspectiva do risco como sentimentos explica o comporta-

    mento em situaes nas quais reaes emocionais ao risco diferem de avaliaes cognitivas. Nessas

    situaes, o comportamento tende a ser influenciado por sentimentos advindos de expectativas,

    emoes experimentadas no momento da tomada de deciso.

    Salincia

    Disponibilidade e afeto so processos internos do indivduo que podem resultar em vieses. O equiva-

    lente externo desses processos a salincia, pela qual as informaes que se destacam, so novas ou

    parecem relevantes tm maior probabilidade de afetar nossas aes (Dolan et al., 2010). Por exemplo,

    um dispositivo tecnolgico pode ser apresentado como sendo 99% confivel ou como tendo uma

    taxa de falha de apenas 1%, enfatizando-se, assim, informaes positivas ou negativas. A salincia

    tambm fundamenta julgamentos heursticos que podem se basear em dicas externas. Alguns psic-

    logos concluram que existem heursticas redutoras de esforo que simplificam a tomada de deciso

    dos consumidores. A heurstica do nome da marca, por exemplo, sugere que dicas salientes na forma

    dos nomes de marcas podem ser usadas para inferir a qualidade (Maheswaran, Mackie e Chaiken,

    1992). Quanto aos graus de salincia visual, um estudo encontrou um efeito de congruncia entre

    preo e tamanho da fonte, no qual um preo de liquidao mostrado em caracteres pequenos em

    relao ao preo regular resultou em maior probabilidade de compra do que quando o preo de liqui-

    dao era apresentado em caracteres relativamente grandes (Coulter e Coulter, 2005). Finalmente,

    a salincia de opes tambm pode ser manipulada rearranjando-se o ambiente fsico. Por exemplo,

    demonstrou-se que uma mudana simples como pr garrafas de gua mais perto do caixa em um

    restaurante self-service aumenta a salincia e a convenincia dessa bebida mais saudvel e, com isso,

    eleva significativamente a venda de gua (Thorndike, Sonnenberg, Riis, Barraclough e Levy, 2012).

    Vis do Status Quo e Inrcia

    Embora muitas heursticas e vieses sejam resultado de impresses rpidas, o carter automtico do

    Sistema 1 tambm se reflete na averso humana mudana. Nessa esfera, um aspecto se evidencia na

    formao de hbitos, padres comportamentais automticos que resultam de repetio e aprendiza-

    do associativo (Duhigg, 2012). A preferncia pela permanncia das coisas, por exemplo, a tendncia

  • 32 Guia de Economia Comportamental e Experimental

    a no mudar o comportamento a menos que o incentivo para faz-lo seja forte, chamada de vis

    do status quo (Samuelson e Zeckhauser, 1988). A inrcia uma manifestao da propenso humana

    a permanecer no status quo (Madrian e Shea, 2011) e uma bem conhecida manifestao de inrcia

    est nas baixas taxas de adeso ao plano de previdncia privada quando as pessoas tm de fazer o

    esforo de se inscrever (opo de entrar, ou opt-in). Nesse caso, um modo eficaz de elevar as ta-

    xas de adeso mudar o default o que acontece quando as pessoas no fazem uma escolha ativa.

    Inrcia, procrastinao e falta de autocontrole so problemas que tornam eficaz a estratgia de fazer

    mudanas em opes padro, de optar por entrar para optar por sair (de opt-in para opt-out).

    Desse modo, em vez de precisar agir para inscrever-se (opt-in), agora as pessoas precisam fazer um

    esforo para cancelar sua inscrio (opt-out) (Thaler e Sunstein, 2008). O nudging com defaults

    uma das ferramentas principais do arquiteto da escolha (Goldstein, Johnson e Heitmann, 2008).

    Dimenses temporais

    Outro ramo importante da EC introduz uma dimenso temporal a avaliaes e preferncias humanas.

    Essa rea reconhece que as pessoas tm vis para o presente e no so boas em predizer tendncias,

    percepes de valores e comportamentos futuros.

    Desconto Intertemporal e Vis do Presente

    Segundo as teorias do desconto intertemporal, os eventos do presente recebem pesos maiores do

    que os do futuro (Frederick, Loewenstein e ODonoghue, 2002); quando muitas pessoas preferem

    receber $100 agora a receber $110 daqui a um ms. O desconto no linear e sua taxa no constan-

    te ao longo do tempo. A preferncia das pessoas por receber $100 daqui a uma semana em vez de

    receber $110 daqui a um ms e uma semana no ser igual sua preferncia por receber $100 daqui

    a um ano em vez de receber $110 daqui a um ano e um ms. Embora a diferena seja de um ms em

    ambos os casos, o valor dos even