HÁ LUGAR PARA O BELO NA ARTE CONTEMPORÂNEA

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    Transversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

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    H LUGAR PARA O BELO NA ARTE CONTEMPORNEA?

    MADDALOZZO, SHEILA

    UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU FURBSILVA, CAUANA daUNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU FURB

    RESUMO

    O texto trata de Suetnio Medeiros e relaciona sua pesquisa de materiais na gravura eescultura, e sua potica clssica, contemporaneidade. Pesquisador incansvel, eleprope alternativas inditas aos aspectos instrumentais da gravura e da escultura degrande porte. Concebeu prensas para gravura, com as quais tambm produz livros

    inteiramente manufaturados por ele, criou uma pedra sinttica para litogravura esubstituiu o bronze por fibra de celulose no David, escultura efmera que fez umasrie de intervenes urbanas em So Paulo em Novembro de 2008. No hdificuldade alguma em perceber sua obra, de carter clssico e de intensa harmonia,como Arte Contempornea, pois apesar da esttica, outros aspectos o afirmam: apesquisa contnua, a subverso do material, a proposio de intervenes e deefemeridade.Palavras-chave: Pesquisa de Materiais. Interveno Urbana. Efemeridade.

    ABSTRACTThe text deals with Suetnio Medeiros and relates his research of materials in theengraving and sculpture and his classical poetry to contemporaneity. Tirelessresearcher, he proposes novel alternatives to the instrumental aspects of engravingand the sculpture of large size. He designed presses for engraving, with which he alsoproduces books entirely manufactured by him, he created a synthetic stone forlithographs and replaced bronze by fiber pulp in David, ephemeral sculpture that madea series of urban interventions in So Paulo in November 2008. There is no difficulty inunderstanding his work, of classical character and intense harmony, as ContemporaryArt, as 'despite the aesthetic' other aspects affirm it: the continuing the research, thesubversion of the material, the proposition of intervention and frailty.Keywords: Research of Materials, Urban Intervention, Ephemerality.

    Suetnio Medeiros um jovem artista, nascido em 1970 em Alagoas, e

    radicado em Blumenau (SC) desde 1999. De esprito investigativo, desenvolve

    uma intensa pesquisa de materiais tanto na gravura como na escultura,

    tcnicas que vem revolucionando com o uso de recursos inovadores. Sua obra

    tem alma clssica, elaborada segundo cnones e mtricas pitagorianas, poisque Suetnio acredita na matemtica do universo, e elabora suas figuras a

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    partir desse rigor, chegando sempre prximo perfeio harmnica praticada

    pelos antepassados distintos.

    alma clssica de sua obra, uma atitude contempornea no trabalho e

    na concepo da obra. O artista supera com inventividade todos os limitadores

    instrumentais, descobre materiais alternativos, prope a interveno urbana e

    efemeridade da obra.i

    Diferentes procedimentos em gravura, escultura ou pintura exigem um

    arsenal especfico de materiais instrumentais bsicos necessrios. No caso da

    pintura estes se limitam, geralmente, a pigmentos e suportes, mas tornam-se

    imediatamente mais complexos ao tratar-se da gravura e da escultura.

    A gravura oferece diversas alternativas e para cada modalidade sefazem necessrios recursos caractersticos. O aparato instrumental que requer

    a gravura em metal ou sobre pedra prensas, cidos, reagentes qumicos,

    alm dos prprios suportes, placas caras, pedras rarssimas, fator restritivo e

    limitador ao nefito e ao artista que no dispem de todos esses recursos

    instrumentais. Muitas vezes a Universidade o nico local que permite esse

    tipo de prtica expressivaii.

    Nesse sentido extremamente relevante o trabalho realizado porSuetnio Medeiros no que tange a pesquisa de materiais. Ele desenvolveu

    recursos inditos que possibilitaram-no ampliar procedimentos e tcnicas tanto

    da xilogravura como da litogravura e da gravura em metal.

    Assim como em outras tcnicas que domina com igual desenvoltura,

    Suetnio inicia-se na gravura precocementeiii. Impelido por sua curiosidade

    investigativa, descobriu novas alternativas para o problema das prensas,

    confeccionando modelos seno portteis, de dimenses mais apropriadas a umatelier de mdio porte.iv

    Alm da prensa, investiga a constituio das placas de metal, volta-se

    para a preparao dos cidos e condicionamentos de acidulao da placa.

    Para tanto, fabrica um aplicador de cido, um recipiente movido

    constantemente velocidade desejada, por um motor de ventilador, de forma

    que o cido seja distribudo uniformemente por sobre toda a placa, um trabalho

    que faria manualmente.

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    Na litogravura vem encontrando solues totalmente revolucionrias,

    como ao inventar uma pedra sinttica como suporte semelhante pedra

    litogrfica, extremamente rara, e que produz os mesmos efeitos com resultados

    altamente satisfatrios. O artista mostra-se encantado com as abrangncias

    estruturais que esse novo material permite. Para ele, a possibilidade de

    construir seu maquinrio o faz pensar sobre o exerccio, sobre o ato em si, em

    como a coisa acontece. Dessa forma, define uma postura singular de artista,

    pesquisador e cientista.

    Quando criou a prensa de xilogravura e percebeu que servia para colar

    muito bem as coisas, Suetnio passou inicialmente a encadernar pequenos

    volumes reunindo as centenas de folhas de rascunho que se acumulavam nasgavetas. Em seguida, vislumbrou que a prensa poderia servir para montar no

    somente cadernos de esboo, mas que poderia utiliz-la na encadernao de

    livros.

    Assim surgiu O Livro das Vaidades, uma srie de gravuras em metal em

    que aborda os vcios, virtudes e fragilidades humanas. Vrios professores de

    sua graduao em Artes Visuais posaram para o artista, cada qual relacionado

    a um dos personagens encontrados tambm na Carroa de Feno deHyeronimus Bosch e na Carroa das Vaidades, de Pieter Breghel.

    O projeto encontra-se em andamento, a srie de gravuras sendo

    impressas e reunidas em um livro inteiramente elaborado e manufaturado com

    instrumentos desenvolvidos pelo prprio artista, desde a prensa para gravao

    em metal de encadernao. Para as pginas, aps averiguao entre

    diferentes suportes possveis, optou por utilizar caixas de leite. O material, que

    normalmente descartaria, recebe um tratamento adequado, e por suadensidade, responde bem tanto prensa como ao processo de encadernao,

    que lesaria um papel mais delicado.

    Para o Livro das Vaidades Suetnio pesquisou cada veio possvel e

    hipottico do tema na histria, na mitologia, na arte, desmembrando e

    realando em seus desenhos e gravuras, assim como em textos poticos, a

    aura de cada pecado capital. Exclusivo ao metal, o Livro traz gravuras, poemas

    e sonetos. A srie extensa, alm de tratar dos sete pecados capitais

    apresenta a mitologia, em dois dos trabalhos de Hrcules, ademais de

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    inmeras consideraes em torno da vaidade. Inicialmente o livro estava

    previsto como volume nico, mas os esboos, textos e gravuras se sucederam

    a tal ponto, que o artista j prev um segundo volume. At aqui, j esto

    prontas quatrocentas pginas, entre textos e imagens. O livro a obra.

    Quanto escultura, tambm apresenta muitas possibilidades de

    execuo. Suetnio familiarizou-se com a argila e o concreto desde cedo, e

    com o bronze logo em seguida. Sua constante pesquisa de materiais levou-o a

    desenvolver no ltimo ano, novos suportes e recursos escultricos, como um

    aparato para erguer pesadas peas em concreto e um material que substitui o

    bronze no mtodo de molde para fundio. Sua mais recente obra, um David

    em tamanho natural, foi executada nesse inusitado material, a fibra de celulose.O mtodo escultrico que emprega o processo de molde para

    fundio, que remonta Antiguidade. Nesse mtodo, a escultura, depois de

    modelada em argila recoberta de pequenas placas de gesso, formando o

    molde em negativo que receber o material externo final da escultura. O bronze

    fundido a opo mais tradicional e naturalmente a mais onerosa,

    demandando ainda, recursos como alavancas e pesadas estruturas de

    sustentao alm das questes relativas sua fundio. Esse material caro epesado e a infraestrutura especfica que requer, acaba muitas vezes se

    tornando um entrave para o artista que deseja realizar rplicas de grandes

    esculturas.

    A partir da celulose, Suetnio desenvolveu um material cujas

    caractersticas de textura e conformao, equiparam-se s do bronze em

    muitos aspectos. A massa ou pasta obtida com a polpa de celulose "envolve" o

    interior do molde, adequando-se perfeitamente a este, como o bronze teriafeito, alm de apresentar uma resistncia adequada quando devidamente

    tratado.

    O David apresenta a caracterstica harmonia de propores, prprias de

    Suetnio, e podemos sentir que o heri clssico est todo ali. O ideal do belo

    clssico parece totalmente ntegro, e, no entanto, curiosamente, o David de

    Suetnio no traz na mo uma funda, mas um telefone celular colado ao

    ouvido. Essa transgresso a pitada contempornea que o artista prope, e

    podemos efetivamente pensar que hoje, essa seria a ferramenta de David.

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    Ao servir-se de materiais pobres como o papel, o artista prope uma

    espcie de insurreio aos rigorosos e carssimos mtodos tradicionais da

    grande escultura, criando alternativas absolutamente eficazes, em que o fcil

    acesso, baixo custo e leveza do material viabilizam esse tipo de obra. Alm

    disso, introduz o conceito de efemeridade, to pertinente arte

    contempornea.

    Outra subverso ao clssico, alm do material inovador de que feito, e

    do aparelho inusitado, refere-se maneira como a obra foi apresentada ao

    pblico. A primeira rplica, ainda no tendo recebido a ltima camada de

    proteo que a tornaria imune s intempries, foi levada a So Paulo em

    novembro de 2008, em uma srie de intervenes urbanas, diante daPinacoteca, no Parque Ibirapuera ao lado da 28 Bienal e na Avenida Paulista

    em frente ao MASP, onde acabou permanecendo, livre a seu destinov.

    Se os espaos de exposio da obra nunca so neutros (MEDEIROS,

    2005), a vizinhana o meio em que o signo transita afeta o interpretante. Nos

    casos especficos das intervenes urbanas de Suetnio Medeiros em So

    Paulo, a escultura, bem que prxima de espaos expositivos formais, estava

    colocada extra-muros, decididamente fora daqueles espaos formalmenteconstitudos -Pinacoteca, Bienal, MASP, nada indicando que a pea

    pertencesse a esses espaos adjacentes.

    casualidade do confronto obra X transeunte, comum s trs situaes

    de interveno do David, seguiram-se reaes muito diferenciadas entre si, em

    funo do espao em que ocorreram Estao da Luz, Parque do Ibirapuera,

    Avenida Paulista, e de seus decorrentes freqentadores. Curiosamente, em

    todos os casos, houve quem tomasse a obra por uma escultura viva e todos sesurpreenderam ao v-la sendo carregada ou manuseada sensualmente pelos

    performticos do grupo. A percepo da obra enquanto tal se deu mais

    rapidamente no ptio da 28 Bienal e na Avenida Paulista, sendo

    imediatamente reconhecida como obra de arte, ao contrrio do que ocorreu nas

    adjacncias da Pinacoteca, onde foi primeiramente percebida como estratgia

    de marketingtelevisivo.

    Uma mesma obra sugere diferentes interpretaes em funo do local

    especfico em que se d (MEDEIROS, 2007) e em decorrncia do repertrio

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    prvio do intrprete (FRANCASTEL, 1973). Quem esse sujeito? Que

    conceitos ele j possui no momento que defrontado com a obra ou que

    conceitos est disposto a formular a partir dali?

    Tambm permanecem abertas as questes em torno do David de

    Suetnio, desse David de novembro de 2008, que talvez j nem mais exista. As

    questes em torno da obra ausente no apenas continuam como so

    ampliadas pelo fato desse objeto, concretamente, no mais existir.

    justamente por no haver mais nenhuma realidade fsica, condio sine qua

    non do efmero, e somente assim, em torno da obra ausente, que podem

    surgir reflexes, sempre posteriores, sobre autoria, unicidade, apropriao,

    perenidade, territorialidade, fruio.O interpretante vive alm do cone, no prescinde da obra em si, seno

    dele mesmo. Na arte efmera, um novo interpretante surge a partir da

    alterao, subverso, deteriorao ou subtrao total da obra.

    A arte efmera suscita no leigo uma perturbao, um ilogismo em uma

    sociedade consumista que valoriza o possuir. A arte efmera no permite a

    posse, somente a fruio. Anti-consumista, contrria ao sistema institudo,

    gera, em seu interior, um novo sistema em torno de sua categoria particular:rizomas so estabelecidos entre diversos vetores, desde a concepo da obra

    (artista), a sua execuo (artista ou outras pessoas competentes) e no caso

    das intervenes urbanas, o modo de exposio (artistas performticos), seu

    registro (fotografia, vdeo) e reflexo (produo cientfica, prtica pedaggica).

    A obra, quando deslocada de seu situespecfico, e colocada na rua, cria

    a frceps, um lugar para si, em um espao que no lhe era natural. Em

    contato direto com o transeunte, a obra no se prope, antes, se impe, saltaaos olhos, como uma estranha inesperada no caminho, - torna-se inevitvel,

    pois inevitvel o confronto.

    O sujeito cujo olhar cruzar sua materialidade, o far por acaso, apesar

    dele mesmo, sem intencionalidade, um encontro de caminhadas fortuitas na

    megalpole. Evitamos tratar esse sujeito de espectador, pois que esse termo

    pressupe a inteno de postar-se diante de algo e ali se demorar um pouco.

    Tampouco observador nos parece adequado, pois igualmente sugere uma

    ateno objetiva voluntariamente expressa em relao obra. Em ambos os

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    receptores espectador e observador, h a premeditao e a expectativa de

    um interpretante.

    Ao deparar-se com uma obra deslocada de seu lugar-comum, o sujeito

    transeunte pego desprevenido e por isso levado a reagir rapidamente, se

    tornando participante da obra. A proposta de Suetnio Medeiros ao instalar o

    David em espaos pblicos era estabelecer um contato direto com todos os

    que atravessassem seu caminho. Ele esperava que o outro interagisse com a

    obra, pois s sob essa condio a obra aconteceria de fato.

    Somente com o dilogo entre obra e sujeito este poderia ser tratado de

    fruidor, pois que sua participao efetiva que completa o sentido da obra. A

    interao com a urbe o que, em ltima instncia, caracteriza uma intervenourbana, quer se trate de um happening, de uma performance e at mesmo de

    uma escultura exposta em plena rua. Apesar desse sujeito no ter decidido, de

    antemo, se deter, observar a obra, isso certamente vir a ocorrer, essa a

    aposta do artista, que no deseja apenas exibir sua obra ao sujeito, mas forar-

    lhe o incio de uma situao. A maneira como isso ser estabelecido e tudo o

    que decorrer dessa desejada interao so a posteriori, inesperadas,

    incgnitas para o artista, dentro da prpria lgica da interveno urbana.Nossa questo principal de investigao em torno da obra de Suetnio

    Medeiros era relacionar (i) sua pesquisa de materiais na escultura e na

    gravura, e (ii) sua linguagem expressiva clssica, contemporaneidade das

    artes visuais. Ou: como perceber sua obra de profundo classicismo como arte

    contempornea e de que forma as descobertas instrumentais auxiliam seu

    trabalho?

    A pesquisa de materiais e descoberta de solues inditas propulsaramo trabalho do artista de forma significativa, lhe permitindo autonomia para

    realizar as obras em seu prprio atelier nas mais diversas linguagens gravura,

    escultura, poesia, e dimenses. So as potencialidades tcnicas que permitem

    novas aes, como a prensa de gravura que usada na encadernao de

    livros, a pedra sinttica para litogravura, a fibra de celulose, barata e leve,

    substituindo o bronze na prtica da escultura de grande porte.

    O trabalho de Suetnio Medeiros no se d em superfcie, mas no cerne

    da criaovi. Ele aborda exaustivamente todos os aspectos de um problema

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    que lhe interessa, desde a fabricao dos utenslios de que vai se servir at o

    primeiro trao referente ao personagem, passando por profunda anlise do

    tema, e inmeros esboos e estudos, clculos. Em todo esse processo h

    sempre a concepo classicista da composio, elaborada segundo princpios

    matemticos. O tema destrinchado, desmembrado, desenleado exausto;

    todos esses flancos desfraldados, inmeros rizomasvii.

    Em um momento em que o deleite esttico parece ter sido banido, a

    obra de Suetnio Medeiros, to profundamente bela, parece quase

    contraditria, e poderia nos colocar em um impasse. De fato, a esttica

    contempornea tem nos provocado com vises to divergentes (ARCHER,

    2001), que diante da harmonia da obra de Suetnio poderamos questionar se

    ela contempornea (DANTO, 2006), se corresponde ao que habitualmente

    tem se chamado assim. Ou ainda: h lugar para o belo na arte

    contempornea?

    A obra de Suetnio Medeiros nos prova que sim. certo que ela no

    condiz com a esttica do caos contemporneo, e como isso nos regozija! Sua

    obra respira a solidez dos grandes mestres, percebida na total harmonia da

    composio, nas propores matemticas, sublimemente orquestradas, na

    intensa beleza e expressividade de seus personagens, que nos oferecem um

    verdadeiro deleite de apreciao artstica em que nunca nos desorientamos por

    falcias academicistas, antes, somos arrebatados pela emoo do belo. Sua

    obra demonstra que a arte contempornea, habitualmente de to difcil fruio,

    pode igualmente ser geradora de prazer esttico, to salutar para o apreciador

    (BELTING, 2006).

    No h nenhuma dificuldade em relacionar a obra de carter clssico

    arte contempornea, pois apesar da esttica, outros aspectos podem vincul-

    la ao conceito: a pesquisa contnua, os rizomas, a subverso do material, a

    proposio de interveno urbana e de efemeridade da obra.

    Encontramos isso em Suetnio Medeiros, artista contemporneo

    habitado de hibridismos e especulaes, e ainda mais. O trao justo e preciso,

    a preocupao com as leis internas das propores, a composio regida pelo

    belo, a extraordinria harmonia que se desprendem de sua obra nosreconciliam com a arte contempornea.

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    iToda leitura do passado necessariamente sobrecodificada por nossas referncias do presente. Tomaro partido de tais referncias no significa que tenhamos que unificar ngulos de viso basicamenteheterogneos. (GUATTARI, 1992, p.128).

    ii De maneira um tanto romntica, jovens entram para escolas de arte tentando se familiarizar com astcnicas mais diversas. Mas at que ponto as obras produzidas conseguem ser substanciosas enquantorevelao, inveno formal, e comunicar emoo? (AMARAL, 2006, p. 312).

    iii Foi a partir de habilidades desenvolvidas quando criana que adquiri o discernimento necessrio paraconstruir hoje certas ferramentas e maquinrios. (...) Constru uma prensa para xilogravura quando, nauniversidade, percebi as limitaes dos materiais convencionalmente empregados. Pensei que se seriabom ter uma prensa que exercesse presso em uma nica vez em toda a matriz, para evitar as ranhurassobre a superfcie da folha, que so caractersticas da xilogravura, mas que eu no desejava. (Entrevistaconcedida em maio de 2008)

    iv Utilizo princpios bsicos de construo para a materializao de idias. Dessa forma constru a prensapara as gravuras. No criei e no inventei nada novo. Prensas desse tipo j existiam, mas tambm nocomprei uma, a constru. Tenho para mim que se no gasto eu economizo, eu ganho, diferente do crebro

    que quanto mais se gasta mais se ganha. Consigo uma atividade cerebral mpar, alm de um tremendoesforo fsico. Para mim isso fantstico. No h nada mais interessante do que ter uma idiainicialmente imaterial e concretiz-la e mesmo depois disso, t-la ainda como idia. Qual seria meu mritose tivesse apenas pagado por uma prensa para ter as gravuras? (Entrevista concedida em junho de 2008)

    v Um anseio constante de nossa idade ps-moderna consiste em abolir as fronteiras entre a arte e avida. Suprimir o reda representao, tornar a realidade ou a vida auto-imagticas. [...] Abolir a moldurado quadro e at mesmo o prprio quadro como superfcie distinta. Sair do museu para coloc-lo na cidadee o artista na rua. (DEBRAY, 1993, p. 69, 70, grifo do autor).

    vi Quero saber das molculas, porque o ferro assim? Por que o ao assim? E isso funciona de talforma que abre possibilidades para outras reas. Est tudo interligado. Se voc descobre algo e nessealgo h propriedades que podem ser agregadas a outras propriedades, voc tem outros conceitos, outrosmateriais, um casamento perfeito, e isso que fao. Como disponho de minhas habilidades, minhascuriosidades, minha tenacidade, tudo o que penso eu concretizo. (Entrevista concedida em agosto de2008).

    vii A funo criativa sedimenta certas possibilidades; ao se discriminarem, concretizam-se. Aspossibilidades, virtualidades talvez, se tornam reais. Com isso excluem outras realidades muitas outras que at ento, e hipoteticamente, tambm existiam [...] nesse sentido que no formar, todo construir um destruir. (OSTROWER, 1986, p. 26).

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AMARAL, ARACY A. Textos do Trpico de Capricrnio: artigos e ensaios (1980-

    2005) Vol. 1: Modernismo, arte moderna e o compromisso com o lugar. So Paulo:Ed. 34, 2006.

    ARCHER, M. Arte contempornea: uma histria concisa. So Paulo: Martins Fontes,2001.

    BELTING, Hans. O fim da histria da arte: uma reviso dez anos depois. So Paulo:Cosac Naify, 2006.

    DANTO, Arthur. Aps o fim da arte: a arte contempornea e os limites da histria.

    So Paulo: Odysseus Editora, 2006.

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    DEBRAY, Rgis. Vida e morte da imagem: uma histria do olhar no ocidente.Petrpolis, R. J.: Vozes, 1993.

    FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa: elementos estruturais da sociologia daarte. So Paulo. Perspectiva, Ed. da Universidade de So Paulo, 1973.

    GUATTARI, Flix. Caosmose: um novo paradigma esttico. Rio de Janeiro: Ed. 34,

    1992.

    MEDEIROS, Maria Beatriz de. Aisthesis: esttica, educao e comunidades.Chapec: Argos, 2005.

    ________________________(org.) Espao e Performance. Braslia: Editora da Ps-

    graduao em Arte da Universidade de Braslia, 2007.

    OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criao. 5 ed. Petrpolis, R. J.:Vozes, 1986.

    CURRICULUM VITAE

    SHEILA MADDALOZZO Doutora em Histria da Arte pela

    Universidade de Paris I Panthon-Sorbonne. Professora de Histria da Arte

    no Departamento de Artes da Universidade Regional de Blumenau FURB.

    CAUANA DA SILVA Bolsista PIPe-Artigo 170. Graduada em Artes

    Visuais Licenciatura pela Universidade Regional de Blumenau FURB em

    2009. Professora da Educao Bsica nas redes municipais e estaduais.