Habeas Corpus com Medida Liminar

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65 Revista da EMERJ, v.4, n.13, 2001 A TUTELA ANTECIPADA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES LUIZ FUX Desembargador TJ/RJ I - A TUTELA ANTECIPATÓRIA A reforma processual promovida nos idos de 1990 e motivada pelos escopos de efetividade do processo e da tempestividade da resposta judicial trouxe em seu bojo instrumentos notáveis, dentre os quais destacam-se a antecipação de tutela” e a concessão de poderes ao relator dos recursos para coibir o que poderíamos denominar de “ abuso do direito de recorrer”. No que pertine ao primeiro aspecto, o legislador encartou no sistema processual pátrio norma in procedendo habilitando o “juiz” (leia-se: os in- tegrantes das magistraturas em qualquer grau de jurisdição) 1 a conceder a antecipação dos efeitos práticos pretendidos pela parte através de seu pedi- do antes da decisão final, desde que exibida prova inequívoca conducente à verossimilhança da alegação de que o direito sub judice reclama pronta resposta posto em “estado de periclitação” ou em “estado de evidência”. 2 O novel instituto participa da ideologia que cerca o constitucionalizado princípio do due process of law, porquanto não se pode acenar para a parte 1 Luiz Guilherme Marinoni, na sua festejada obra “Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execu- ção imediata da sentença” em convergente opinião, doutrina: o art. 273 faz referência apenas ao juiz, mas toma a expressão no seu sentido mais amplo, de magistrado, até porque os integrantes dos Tribu- nais de Alçada e dos Tribunais Regionais Federais, como se sabe são denominados juízes, e não teria sido, obviamente, intenção do legislador permitir a antecipação nos Tribunais de Alçada e Regionais Federais e não a admitir nos Tribunais de Justiça . RT 1997, p. 179. 2 Consoante tivemos oportunidade de ressaltar em nosso trabalho, Tutela de Segurança e Tutela da Evidência , Saraiva, 1996: A tutela antecipada reclama pressupostos substanciais e pressupostos pro- cessuais. Genericamente, poder-se-ia assentar que são pressupostos substanciais a “evidência” e a “periclitação potencial do direito objeto da ação” 396 , e processuais a “prova inequívoca conducente à comprovação da verossimilhança da alegação” e o “requerimento da parte”. A esses requisitos a lei os enumera como “grave risco de dano irreparável e abuso do direito de defesa”.(art. 273 do CPC).

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  • 65Revista da EMERJ, v.4, n.13, 2001

    A TUTELA ANTECIPADA NOS TRIBUNAISSUPERIORES

    LUIZ FUXDesembargador TJ/RJ

    I - A TUTELA ANTECIPATRIAA reforma processual promovida nos idos de 1990 e motivada pelos

    escopos de efetividade do processo e da tempestividade da resposta judicialtrouxe em seu bojo instrumentos notveis, dentre os quais destacam-se aantecipao de tutela e a concesso de poderes ao relator dos recursospara coibir o que poderamos denominar de abuso do direito de recorrer.

    No que pertine ao primeiro aspecto, o legislador encartou no sistemaprocessual ptrio norma in procedendo habilitando o juiz (leia-se: os in-tegrantes das magistraturas em qualquer grau de jurisdio)1 a conceder aantecipao dos efeitos prticos pretendidos pela parte atravs de seu pedi-do antes da deciso final, desde que exibida prova inequvoca conducente verossimilhana da alegao de que o direito sub judice reclama prontaresposta posto em estado de periclitao ou em estado de evidncia.2

    O novel instituto participa da ideologia que cerca o constitucionalizadoprincpio do due process of law, porquanto no se pode acenar para a parte

    1 Luiz Guilherme Marinoni, na sua festejada obra Tutela antecipatria, julgamento antecipado e execu-o imediata da sentena em convergente opinio, doutrina: o ar t. 273 faz referncia apenas ao juiz,mas toma a expresso no seu sentido mais amplo, de magistrado, at porque os integrantes dos Tribu-nais de Alada e dos Tribunais Regionais Federais, como se sabe so denominados juzes, e no teriasido, obviamente, inteno do legislador permitir a antecipao nos Tribunais de Alada e RegionaisFederais e no a admitir nos Tribunais de Justia. RT 1997, p. 179.2 Consoante tivemos oportunidade de ressaltar em nosso trabalho, Tutela de Segurana e Tutela daEvidncia, Saraiva, 1996: A tutela antecipada reclama pressupostos substanciais e pressupostos pro-cessuais. Genericamente, poder-se-ia assentar que so pressupostos substanciais a evidncia e apericlitao potencial do direito objeto da ao396 , e processuais a prova inequvoca conducente comprovao da verossimilhana da alegao e o requerimento da parte.A esses requisitos a lei os enumera como grave risco de dano irreparvel e abuso do direito de defesa.(art.273 do CPC).

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    com essa promessa constitucional se, diante de casos em que o direito estna iminncia de perecer ou se revela lquido e certo, posterga-se-lhe a ime-diata prestao de justia. Ambos so casos em que a resposta jurisdicionaldeve ser imediata. Na periclitao, porque o direito no pode aguardar asdelongas da ordinariedade sem realizao imediata sob pena de perecer. Naevidncia, porquanto diante da liquidez e certeza do direito no h necessi-dade de delongas especulativas por parte do juiz, imperiosas apenas nosdenominados estados de incerteza.

    Essa nova modalidade de tutela satisfativa imediata compatibiliza-secom aquilo que denominamos situao de segurana e situao de evi-dncia. Em ambos os casos o processo, para cumprir o seu desgnio, deveinstrumentalizar-se de tal forma que torne rpida e efetiva a proteorequerida.

    Cumprindo essa finalidade maior da prestao jurisdicional, o legis-lador processual brasileiro fez exsurgir no cenrio do processo esta salutarregra in procedendo, segundo a qual, cumpridos determinados requisitos, lcito ao juiz antecipar os efeitos do provimento futuro aguardado pelodemandante.

    A regra inovadora, posto prevista no livro das disposies que soaplicveis a todos os processos e procedimentos, por isso que a tutelaliminar no se restringe mais queles procedimentos aonde a providnciavinha textualmente prevista.

    Em certa medida, a inovao no reclamava qualquer diploma paraautorizar a ousada investida do Judicirio no seu poder-dever de solucionaros conflitos intersubjetivos com celeridade e exatido, em face da previsogenrica do artigo 798 do CPC.3

    Observa-se, de incio, o carter discricionrio da novel regra do arti-go 273 do CPC, tanto que a lei utiliza-se da dico poder, no sentido deque o juiz dispe desse poder avaliatrio da situao de segurana e dasituao de evidncia.

    3 Este, como se sabe, o postulado mximo do princpio da efetividade do processo, retratadoinmeras vezes no corpo da tese. A esse respeito, referiu-se Andrea Proto Pisani em Appuntisulla tutela sommaria in I processi speciali; studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi,cit., p. 309 e s. Na doutrina nacional, Jos Carlos Barbosa Moreira, Temas , cit. Alis, antiqssima a denncia de Carnelutti quanto conspirao do tempo em detrimento de um pro-cesso justo. Segundo o insupervel mestre peninsular, sob o ngulo temporal, trava o juiz umalotta senza posa (Diritto e processo, cit., p. 354). Mais recentemente, na obra constantementedestacada, Cappelletti, Acesso justia, cit.

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    Mantendo-se fiel ao criticado anacronismo de nosso sistema, o legis-lador condicionou a concesso da tutela antecipada ao requerimento daparte, excluindo a possibilidade de incoao estatal4.

    O preceito revela-se aceitvel em termos de tutela da evidncia, m-xime naqueles casos de direitos disponveis, revelando-se acanhado nas si-tuaes de perigo, em que o malogro do direito material da parte se avizinhacom esvaziamento da funo jurisdicional substitutiva. Lavrou-se, nestepasso, fundo voto de desconfiana no Judicirio, merc de manter-se emdiploma to atual uma velha postura homenageadora do no mais convin-cente princpio da inrcia processual.

    O ativismo judicial que hoje se apregoa faz da lei nova um diplomarecheado de vetustez e covardia, sem prejuzo de afastar-se dos mais mo-dernos postulados da efetividade do processo. Esse acanhamento do legis-lador foi to longe que retirou praticamente com a outra mo a sedutoraidia da tutela antecipada, ao dispor no 2 do art. 273, que, verbis: No seconceder a antecipao da tutela quando houver perigo de irreversibilidadedo provimento antecipado.

    que no se atentou para o fato de que, na grande maioria dos casos daprtica judiciria, as situaes de urgncia que reclamam a antecipao da tute-la geram, inexoravelmente, situaes irreversveis, porque encerram casos emque a satisfao deve ser imediata, como, v. g., aquela em que autorizada umaviagem, uma cirurgia, uma inscrio imediata em concurso etc.

    Desta sorte, a redao, como est, serve de instrumento para os queno reconhecem o que denominamos de dever geral de segurana. E, paratanto, basta que se justifique ou motive a deciso, como quer o 1 do art.273, sob o argumento de que a concesso implicar irreverso.4 O dispositivo matriz desse poder do juiz o art. 273, com a nova redao que lhe emprestou a Lei n.8.952, de 13 de dezembro de 1994, assim enunciado: o juiz poder, a requerimento da parte, antecipartotal ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo provainequvoca, se convena da verossimilhana da alegao e....O legislador nacional desperdiou a excelente oportunidade de enfrentar com coragem e ousadia a questoda inrcia jurisdicional. A atuao ex officio do Judicirio, como sustentado na tese, consectrio do devergeral de segurana que se ancora nos poderes instrumentais do juiz para prestar a atividade substitutiva.A fuso das idias de evidncia e de segurana no permitiu ao legislador entrever que, nesta ltima, hcasos notrios de defesa da prpria jurisdio e que por isso no pode ficar espera da custdia parcial.H interesse pblico que recomenda, nos estados de periclitao, que o Judicirio atue incontinenti cum-prindo o seu munus. Calamandrei, na sua magnfica obra acerca dos provimentos cautelares, reiteradamentecitada, observava esse poder jurisdicional, comparando-o ao imperium judicis do magistrado romano e scontempt of court do direito ingls (p. 143). Acerca da temtica da incoao estatal, repisamos tudo quantoexpusemos a respeito com farta resenha das opinies, nos seus mltiplos sentidos.

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    A regra ora in foco melhor disporia se, obedecendo mesma mar-gem de discricionariedade que inseriu para a concesso, a mantivesse mes-mo nos casos de irreversibilidade, que representam grande parte das de-mandas de urgncia.

    Por outro lado, subjaz a certeza de que, no obstante textual adiscricionariedade do magistrado, advir a interpretao autntica dos tri-bunais no sentido de que, preenchidos os pressupostos, direito da partea obteno da tutela antecipada, tal como ocorre, v. g., nas aes possessriase demais procedimentos aonde vem prevista a concesso das liminaresantecipatrias dos efeitos do provimento final.

    Em nosso entender o pargrafo praticamente aniquila a inovaotrazida ao nosso.5

    Na sua essncia, a tutela antecipada regra in procedendo que se conci-lia com o poder-dever que tem o magistrado de velar pela rpida e adequadasoluo dos litgios. Dentre os imperativos jurdico-processuais, caracteriza-secomo um poder, razo pela qual a lei utiliza-se da expresso poder.

    Seguindo a regra de que ao juiz lcito julgar total ou parcialmenteprocedente o pedido, dispe o novo diploma que a antecipao da tutelatambm pode ser parcial ou total, mas sempre nos limites qualitativos equantitativos do pedido. O legislador fez questo de assentar a congruncianecessria entre o pedido e a possibilidade de antecipao, de tal sorte quequalquer atividade fugidia do juzo incorrer em error in procedendo pelaconcesso ultra petita. Esse exagerado apego ao princpio dispositivo ex-clui por completo a aplicao da fungibilidade do provimento.65 Admitir o acesso ao juzo significa pedir a proteo adequada, como bem acentuou Marinoni em Tu-tela cautelar e tutela antecipatria, Revista dos Tribunais , 1992, p. 89. No mesmo sentido OvdioBaptista, para quem a tutela de segurana e de evidncia entrevia-se embutida no procedimento cautelar,no obstante satisfativo-injuncional o provimento dela decorrente (Comentrios, cit., p. 97). A mesmaidia encontra-se em Ada Grinover, que equipara a adequada tutela ao devido processo em Os princ-pios constitucionais e o Cdigo de Processo Civil, cit., p. 18.6 A questo da fungibilidade dos provimentos vincula-se umbilicalmente ao problema da atuao exofficio ; assim como o juiz fica adstrito s provocaes das partes, vincula-se, tambm ao pretendidopelas mesmas, em quantidade e qualidade. Sucede que, no mbito da segurana, subjaz a defesa dajurisdio, a necessidade de no permitir que se frustre um direito submetido ao juzo. Nesse aspecto,inegvel que ao juiz se deveria conceder um poder de adaptao da medida s necessidades da parte,ainda que diverso daquilo que foi requerido. Entretanto, a nica forma de assim proceder-se considerarimplcito o aliud porm minus. Expressivo o exemplo encontradio na obra de Fritz Baur antes citada,p. 9, quanto possibilidade de o juiz, em vez de determinar a retirada de janela colocada com infraoaos deveres de vizinhana, impor a substituio dos vidros, tornando-os foscos e impeditivos da invasoda privacidade alheia. A respeito desse delicado aspecto da atuao fungvel do magistrado, consulte-seo corpo da tese, onde se sustenta, de lege ferenda, essa possibilidade in genere, como meio de se evitarsem resposta um pedido eventualmente atendvel sob forma diversa daquela que foi pedida, como, v. g.,ocorre com um vnculo rescindvel, objeto de uma demanda onde se postulou a sua anulao.

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    Desta sorte, no cabe ao juzo escolher a providncia adequada,como se mostra, em tese, a melhor proposio, seno acolher parcial outotalmente o pedido do autor, quer na sentena final, quer na deciso anteci-pada.

    de se observar que um dos casos de tutela antecipada aquele rela-tivo aos direitos em estado de periclitao, por isso que, se o juiz verificarque uma outra medida diversa daquela pleiteada revela-se suficiente a con-jurar o perigo de dano, no poder adot-la se estiver fora da rbita dopedido. A lei sinaliza, nessas hipteses, com a adstrio do juiz aos elemen-tos da demanda, restando ao magistrado a improcedncia do pedido,malgrado o estado de periclitao do direito veiculado na ao, o que de-monstra o grave equvoco legislativo.

    Perseveramos, assim, no nosso entendimento de que, nos casos detutela de segurana, amplssima a margem de arbtrio do juiz na escolhado provimento sob medida, considerando o provimento adequado comoimplcito no pedido de tutela antecipatria. Para esse fim, o juiz deve aten-tar sempre para o princpio de que no pode conceder a ttulo de antecipa-o aquilo que no concederia como provimento final.

    Objetivamente, luz do dispositivo, uma odiosa interpretao literalimplicaria afirmar que o juiz, diante de um pedido de arresto que alcanassevrios bens, no poderia reduzi-lo quantidade que reputasse suficientepara garantia do crdito exeqendo, ou, em face de um pedido de interdiode vrios estabelecimentos, no poderia conceder a medida apenas de no-meao de um administrador para os mesmos, em razo de no constarreferida providncia do pedido de tutela antecipada, o que se revela inacei-tvel.

    Destarte, a tutela antecipada torna desnecessria, em princpio, a ins-taurao de processo antecedente para obteno de medida prvia antes dainstaurao do feito principal.7

    que o legislador inseriu-a como uma fase do processo principal,estendendo a qualquer processo de conhecimento a possibilidade de con-cesso de liminar antecipatria dos efeitos da providncia principal. Entre-

    7 A tutela antecipada vem prevista como provimento interinal, assim considerado o satisfativo ou cautelarantecipatrio. A esse respeito, expressivas so as lies de Mario Dini em I provvedimenti durgenza,cit. A expresso interinal serve, como serviu a Calamandrei, para especificar as medidas que decideminterinamente uma relao litigiosa sem prejuzo do comando final. Ovdio Baptista as considera satisfativo-provisionais, em Curso, cit., v. 3, p. 61 e s.

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    tanto, no se podem excluir as hipteses em que a relao jurdica digna deproteo apresenta formao gradual e complexa e que numa dessas fases jse faa necessria a tutela de segurana, sem prejuzo de outra que porventurase imponha ao final da constituio completa da relao.

    Assim, v. g., uma deliberao assemblear pode ser impugnada atra-vs de ao com tutela antecipada, sem prejuzo da continuao desse atosocietrio onde outras manifestaes em continuao podem ser tambmobjeto de demandas futuras. Nessa hiptese, a parte no obrigada a aguar-dar o desenrolar da leso ao seu direito para pleitear a tutela principalcom pedido de antecipao. lcito requerer a tutela de segurana de seudireito material antecipadamente, atravs de processo sumrio, passvel,inclusive, de ser revista, posteriormente, quando posta em juzo a pretensofinal. No obstante ocorrncia mais rara, no se pode excluir essa tutelaantecipada antecedente sem cunho cautelar.8

    Entretanto, integrado completamente na esfera jurdica de seu ti-tular o direito para o qual pede a proteo judicial, poder o mesmo,existentes os pressupostos da antecipao, pedir o adiantamento da tu-tela no bojo do prprio processo principal, sem a necessidade de dupli-cao de feitos, como ocorria outrora com a utilizao promscua doprocesso cautelar antecedente ao processo principal, onde se pleiteava adefesa de interesses substanciais e no instrumentais.

    I.1. Pressupostos da Tutela AntecipadaA tutela antecipada reclama pressupostos substanciais e pressupostos

    processuais. Genericamente, poder-se-ia assentar que so pressupostos subs-tanciais a evidncia e a periclitao potencial do direito objeto da ao9,8 Encontram-se nos exemplos da doutrina nacional e da aliengena casos de provimentos satisfativosautnomos sem qualquer dependncia com um futuro processo. Satisfazem de imediato, sem reclamarqualquer processo posterior. o que Ovdio denomina de tutela urgente satisfativa autnoma, como secolhe em Dini, I provvedimenti durgenza, cit., p. 945, t. 2, segundo o qual o juzo defere ao locatriouma permisso para explorao pessoal do imvel rural a que o locador se recusava a conceder, ou,ainda, o exemplo do deferimento da entrega de bem fungvel ao credor, gerando, inclusive, uma situazioneir reversibile, como anota Giovani Verde em La tutela durgenza, cit., p. 93.9 O relevo conferido ao pressuposto serve para distinguir a tutela cautelar da tutela antecipada satisfativa.Consoante repetido inmeras vezes no texto antecedente, assegurar no satisfazer, seno criar condi-es para que a tutela satisfativa de cognio ou execuo seja til. A periclitao para o direito materialda parte situao diversa da periclitao para o processo ou para as condies necessrias para que sepreste justia. Conforme Calmon de Passos, h tutela preventiva substancial e tutela preventiva proces-sual. Na primeira assegura-se um bem da vida que contedo de um interesse de direito material, en-quanto na segunda se d segurana ao processo, no que diz respeito ao seu resultado til (As aescautelares, in Comentrios, cit., p. 44). Giovanni Arieta timbrou a distino na seguinte passagem de

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    e processuais a prova inequvoca conducente comprovao da verossi-milhana da alegao e o requerimento da parte.

    O art. 273, com a sua nova redao, permite a tutela antecipada todavez que a prova inequvoca convena o juzo da verossimilhana da alega-o de que o direito objeto do judicium submete-se a risco de dano irreparvelou de difcil reparao. Ambos os conceitos devem ser analisados luz dapretenso de direito material e do princpio da especificidade, segundo oqual o ordenamento deve dar ao credor aquilo que ele obteria se a condutadevida fosse voluntariamente cumprida pelo devedor. Em prol do prestgiodo Judicirio como atuante substitutivo do comportamento devido pelaspartes, deve o mesmo evitar que o credor sinta os efeitos do inadimplemento,aqui considerados como leso in genere do direito do autor.

    Desta sorte, sempre irreparvel em primeiro plano, para o vence-dor, no obter atravs da justia aquilo que ele obteria se houvesse cumpri-mento espontneo do direito. Assim, a primeira preocupao do magistradono verificar se a conduta devida pode ser substituda por prestaopecuniria, mas antes o alcance da frustrao do credor no descumprimentoda obrigao especfica10.

    O dano irreparvel, nesse sentido, manifesta-se na impossibilidadede cumprimento posterior da obrigao ou na prpria inutilidade da conces-so da providncia, salvo, antecipadamente. O esvaziamento da utilidadeda deciso vitoriosa revela um dano irreparvel que deve ser analisadoem plano muito anterior ao da visualizao da possibilidade de se converterem perdas e danos a no-satisfao voluntria pelo devedor11.

    seu I provvedimenti durgenza, cit., p. 48: ... La dottrina tradizionale ha da tempo introdotto unadistinzione tra due specie di pericula in mora: il pericolo da infruttuosit del provvedimento principale,che si verifica allorch i provvedimenti cautelari si limitano non gi ad accelerare la soddisfazione deldiritto controverso, ma soltanto ad apprestare in anticipo mezzi atti a far si che laccertamento olesecuzione forzata di quel diritto avvengano in condizioni praticamente pi favorabile; ed il pericoloda tardivit del provvedimento principale, che, invece, sorge non dal temuto venir meno dei mezziocorrenti per la formazione o lesecuzione del provvedimento principale, ma dal protarsi, nelle moredel processo ordinario, dello stato di insoddisfazione del diritto di cui si contende nel giudizio di merito.10 Essa tambm a tica da Barros Moreira, Tutela especfica das obrigaes negativas, in Temas ; 2srie, cit., p. 30 e s. Relembra-se por oportuno a antiqssima e ainda insupervel frmula de Chiovendaem Saggi, cit., v. 1, p. 110, de que o processo deve dar a quem tem direito tanto quanto seja pratica-mente possvel, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de conseguir.11 Em expresso muito prpria, Barbosa Moreira refere-se a algumas indenizaes como verdadeirosprmios de consolao, numa aluso ineficincia da resposta judicial diante da leso (Tutelasancionatria e tutela preventiva, in Temas, cit., p. 23).

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    Assim, v.g., a entrega de um imvel pode ser premente para aqueleadquirente que comprou um bem desfazendo-se dos demais que lhe perten-ciam e no tem onde residir com a sua famlia. Entretanto, um determinadocredor pode aguardar o pagamento de direitos autorais diante da inegvelsolvabilidade do devedor e de sua prpria resistncia econmico-financei-ra. No primeiro caso h potencialidade de dano irreparvel e no segundono.

    O dano pode ser tambm de difcil reparao pela insolvabilidade dosucumbente ou porque este se mostre incapaz de recompor o patrimnio dovencedor diante da leso ao seu direito. A entrega imediata de determinadacoisa que pode vir a perecer resulta em utilidade maior para o credor do quea converso em perdas e danos pelo seu mais alto valor.A tutela antecipada,nesse caso, fruto da avaliao do juiz quanto dificuldade de reparao.

    Tendo em vista o sistema hermtico utilizado pela lei tornando a tute-la antecipada excepcional, tanto que no pode ser concedida se gerar efeitosirreversveis, a prova inequvoca h de se referir, tambm, a esse risco dedano, sem prejuzo de engendr-la o demandante quanto verossimilhanade suas alegaes.

    Em resumo, para fazer jus tutela antecipada o requerente h de de-monstrar de forma inequvoca o seu direito e o risco de dano irreparvel oude difcil reparao.

    I.2. A Evidncia do Direito12A tutela antecipada reclama prova inequvoca da verossimilhana da

    alegao e periclitao do direito ou direito evidente, caracterizado peloabuso do direito de defesa ou manifesto propsito protelatrio do ru.

    Conforme se verifica, a idia central da lei demonstrar a expressivaevidncia do direito do autor, de tal maneira que a defesa apenas abusivaou protelatria, com o escopo de postergar a satisfao dos interesses dotitular do direito lquido e certo13.

    12 Ovdio Baptista assentou com muita propriedade que onde h evidncia no se justifica a demora daresposta judicial nem o ritualismo das formas de indagao judicial (Curso, cit., v. 3, p. 46, notas). Maisadiante (p. 56), conclui que os direitos aparentes so objeto da cognio tpica cautelar, ao passo que osdireitos evidentes merecem proteo imediata. Essa tambm a inspirao legislativa ao erigir essesegundo pressuposto da tutela antecipada.13 O paradigma parece ter sido o moderno direito francs no art. 808 do Nouveau Code de ProcdureCivile, que autoriza a concesso das ordonnance des rfer quando a oposio do demandado no serieuse.

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    Observa-se que, em princpio, nessa hiptese de tutela antecipada dodireito evidente, o juzo necessita conhecer a defesa do ru para concluirpela inconsistncia desta, frente ao direito do autor. Entretanto no se podeafastar a possibilidade de o juiz verificar a ausncia de oposio sria luzde comunicaes formais trocadas entre os contendores antes mesmo daao proposta como cartas, notificaes etc., possibilitando a concesso daantecipao initio litis.

    A defesa abusiva a inconsistente, bem como a que no enfrentacom objees, defesa direta ou excees materiais a pretenso deduzida,limitando-se articulao de preliminares infundadas. Assente-se, ainda,por oportuno, que no preciso ao juzo aguardar a defesa para consider-la abusiva, haja vista que nos casos de evidncia lcito atender o requeri-mento de tutela antecipada, tal como se procede quando se analisa o pedidoliminar de mandado de segurana, proteo possessria etc.

    A insubsistncia da defesa exercitvel ou exercitada, em resumo, con-figura, para a lei, caso de direito evidente, passvel de receber a antecipaodos efeitos da sentena, porque injustificvel a espera da deciso final apslongo e oneroso procedimento.

    Uma ltima observao se impe quanto a se considerar repetitiva a lei aoreferir-se a abuso do direito de defesa e intuito protelatrio do ru, por issoque essa segunda modalidade de conduta processual encaixa-se no gnero daprimeira prevista, na medida em que os incidentes processuais suscitveis nessafase do procedimento encontram-se englobados na expresso defesa do ru.

    I.3. Prova Inequvoca14No de estranhar-se que o legislador, acanhado como o foi na insti-

    tuio da tutela antecipada, tenha exigido para sua concesso uma provainequvoca capaz de reduzir a zero a margem de erro que gravita em tornoda tutela imediata. Em princpio, h mesmo contraditio in terminis na uti-lizao dos termos prova inequvoca e verossimilhana, na medida emque aquela conduz certeza. Entretanto, o legislador adaptou-se modernaconcepo de que o juiz trabalha com a lgica do razovel, na expressode renomado filsofo do direito15.

    14 Considerando que a tutela antecipatria engloba a tutela de urgncia, denota-se exagerado o requisito,tanto mais que a tendncia nesse campo de tutela imediata no seno a prpria reduo do mdulo deprova como suficiente a legitimar o julgamento prvio (Gerhardt Walter,Libre apreciacin de la prueba,cit., 10).15 Luiz Recasns Siches, Nueva filosofa de la interpretacin , 1980, p. 277.

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    A prova, via de regra, demonstra o provvel, a verossimilhana,nunca a verdade plena que compe o mundo da realidade fenomnica. Osfatos em si no mudam, porque a prova realiza-se num sentido diverso da-quele que a realidade indica. Ora, se assim o e se o legislador no se utilizainutilmente de expresses, a exegese imposta a de que prova inequvocapara a concesso da tutela antecipada alma gmea da prova do direitolquido e certo para a concesso do mandamus. a prova estreme de dvi-das, aquela cuja produo no deixa ao juzo outra alternativa seno a con-cesso da tutela antecipada.

    Essa prova h de ser pr-constituda se o autor desejar obter a anteci-pao initio litis, ou constituda no curso do processo atravs de justificaoou antecipao da fase probatria. A lei no estabelece o momento de con-cesso dessa tutela, decerto defervel em regra antes da sentena final,para que possa ser considerada antecipatria. Ademais, a correta exegese a de que o juzo aguarde a iniciativa da parte, que pode dar-se inicialmentecom a prpria apresentao da petio inicial em juzo ou incidentemente.

    No que pertine evidncia, o raciocnio, luz do texto legal, claro.A parte deve comprovar de plano o seu direito evidente na inicial e pleiteara antecipao da tutela, de sorte que, muito embora a prova plena possa serencetada mais adiante, a concesso da antecipao fica condicionada a ha-ver pedido na inicial.

    Realizada a prova plena ulteriormente, mister tornar-se possvel a tutelaantecipada, malgrado no pleiteada na inicial, considerando esse pedido comoembutido na postulao de uma deciso para a causa. Essa uma das razespelas quais essa tutela antecipada deveria compor a atividade ex officio do juiz.

    Considere-se, ainda, que se revela em prova inequvoca a alegaocalcada em fatos notrios, incontroversos ou confessados noutro feito entreas partes, bem como aquela fundada em presuno jure et de jure, haja vistaque a presuno relativa admite, em princpio, prova em contrrio e por issomesmo no inequvoca.

    Cabe ao juzo avaliar a prova inequvoca em confronto com a urgn-cia requerida, compondo um juzo de probabilidade que o autorizar a con-ceder a antecipao. Na tutela da evidncia o exame ocorre sem maiorespercalos, porque no se trata de direito em estado de periclitao, senodireito evidente. Ressalte-se, por fim, que qualquer meio de prova moral-mente legtimo pode ser utilizado para a comprovao da verossimilhanada alegao apta a ensejar a tutela antecipada.

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    I.4. Tutela Antecipada - Natureza Jurdica e Irreversibilidade daDeciso

    A antecipao da tutela significa que, sob o ngulo cronolgico, adeciso antecede a sentena final, caracterizando-se, portanto, como deci-so interlocutria, passvel de agravo. A concesso fica ao critrio do juzo,segundo a averiguao da comprovao dos requisitos substanciais e pro-cessuais, ao passo que a denegao sempre obrigatria quando irreversveisos efeitos do deferimento. Trata-se de uma impossibilidade jurdica odiosacriada pela lei, uma vez que, em grande parte dos casos da prtica judiciria,a tutela urgente irreversvel sob o ngulo da realizabilidade prtica dodireito.16

    De toda sorte, a irreversibilidade significa a impossibilidade derestabelecimento da situao anterior, caso a deciso antecipada seja refor-mada. Essa literal percepo do fenmeno da irreversibilidade do resultadopode aniquilar com o novo instituto, haja vista que essa reverso no perten-ce ao mundo das normas jurdicas. verdade que algumas determinaesjudiciais podem ser desfeitas, restabelecendo as coisas ao estado anterior,como, v.g., a devoluo de um bem determinado antecipadamente ou a rein-tegrao num cargo ocupado por fora de deciso liminar. Entretanto, hprovidncias cujos resultados so irreversveis e urgente a necessidade detutela. Sob esse prisma, o juzo, desincumbindo-se de seu poder-dever, hque responder de tal maneira que, malgrado irreversvel o estado de coisas,a deciso no cause prejuzo irreparvel ao demandado. Em essncia, acontrapartida da regra que no permite ao juzo, para conjurar um perigo,criar outro de maior densidade. De toda sorte, merc de ser casustica essaanlise, dever balizar-se o juzo luz da urgncia, da necessidadee da inexistncia de dano irreparvel para o demandado pela irreversibilidadedo provimento.

    16 O legislador no se desgarrou da tcnica cautelar, cuja deciso, provisria por excelncia, deve sersempre reversvel, e adotou-a em sede de tutela antecipada do direito material. de sabena que, emalguns casos, os efeitos fticos so irreversveis, porque essa irreversibilidade no pertence ao planonormativo, consoante anteriormente expusemos. Ademais, a doutrina sempre reconheceu a possibilidadede decises antecipadas irreversveis com possibilidade de reparao pelo beneficirio da medida casorevogada posteriormente. Ultimamente tem sido essa a tendncia, consoante os exemplos da lei de loca-es, com o despejo liminar irreversvel e as liminares do Cdigo de Defesa do Consumidor. Quanto aessa possibilidade de irreversibilidade, leciona Giovani Verde em La tutela durgenza, cit., p. 93, e, nomesmo sentido, Ovdio Baptista, Curso, cit., v. 3, p. 53.

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    A tutela, no obstante antecipatria, no exclui a necessidade de mo-tivao para a sua concesso. Alis, com o advento da Carta de 1988 insti-tuindo a motivao de toda e qualquer deciso judicial, lavrou-se certa dis-cusso sobre se a concesso das liminares deveria ou no ser antecedida defarta motivao comprometedora da deciso final. O novel diploma nodeixa a menor margem a dvidas, tanto que o 1 do art. 273 determina,sob pena de error in procedendo, que o juiz indique de forma clara e preci-sa as razes de seu convencimento quanto verossimilhana da alegao dodireito evidente ou em estado de periclitao. Desaparece, assim, a prticajudiciria da concesso de liminares sem motivao, devendo, agora, a jus-tia esclarecer por que razo o demandante foi acolhido ou rejeitado na suapretenso antecipada17.

    A deciso de antecipao, por seu turno, pode ser, segundo a lei,revogada ou modificada a qualquer tempo, em deciso fundamentada.

    I.5. Revogao e Modificao da Tutela Antecipada18A revogao implica a eliminao da medida anteriormente concedi-

    da e a modificao pode ser quantitativa ou qualitativa. Advirta-se, entre-tanto, que o sistema da lei informado pelo princpio dispositivo, haja vistaque a antecipao pressupe pedido e adstrio do juzo inicial. Distodecorre que tanto a revogao quanto a modificao devem ser requeridas,vedando-se em princpio a atividade ex officio. No campo da tutela da evi-dncia, a sistemtica segue tradio secular, sendo certo que os direitos in-disponveis mereciam tratamento diferenciado, como de resto assim os con-templa o ordenamento em geral19 .17 A necessidade de motivao das decises judiciais permitiu a Barbosa Moreira lavrar belssima pginaacerca do tema, como se verifica em Temas, cit., p. 83 e s., onde se colhem dados histrico-comparativosda necessidade de motivao como garantia do estado de direito. Como bem inspirou-se o renomadoautor Bentham: Good decisions are such decisions for wich good reasons can be given.18 A provisoriedade caracterstica da tutela antecipatria; no aguardo da deciso final, trata-se deconsectrio da impossibilidade de conced-la com carter irreversvel e do comando legal de que o pro-cesso deve prosseguir mesmo com a concesso da antecipao. Provisrio o que aguarda o definitivo,na clssica lio de Calamandrei na Introduo ao estudo sistemtico das providncias cautelares.Idntica idia se encontra em Lopes da Costa, Medidas preventivas, cit., ao nomear o exemplo dosandaimes como instrumentos temporrios e definitivos e a barraca do desbravador dos sertes, provis-ria de uma melhor habitao (p. 10).19 A matria foi discutida em textos anteriores, onde se enuncia a opinio daqueles que no s admitiama incoao estatal em matria de tutela antecipada como tambm dos que limitavam essa iniciativa aosdenominados direitos indisponveis, como, v. g., o professor Calmon de Passos. Inegvel, entretanto, asfendas que se abrem no sistema em matria de famlia e menores, campos fertilssimos do trato dosinteresses ditos indisponveis.

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    Entretanto, no campo da tutela de segurana, luz do dever geral desegurana que tem todo o magistrado a partir da instaurao da relao pro-cessual, no se pode duvidar da necessidade de uma atuao independenteda iniciativa da parte. Consoante afirmamos anteriormente, no se podeconceber que o juiz assista impassvel periclitao de um direito cuja sa-tisfao depende da resposta judicial em razo da impossibilidade deautotutela.

    Verificando o juzo atravs de provas inequvocas que a tutela requeridamerece, v.g., uma ampliao, sob pena de frustrar aquela anteriormente con-cedida, deve atuar de ofcio, ainda que seja para equilibrar as posies daspartes no processo20.

    A questo no resolvida pela lei diz respeito extenso desse poderde o juiz modificar a deciso.

    luz do caput do art. 273, parece limitar-se o magistrado a um minuse a um plus, tudo dentro daquilo que foi pedido na inicial. No sistema rigi-damente dispositivo no h lugar para a criatividade do juiz.

    Ademais, a lei no repisou, na tutela antecipada, a regra do art. 799do Cdigo de Processo Civil, que confere ao magistrado o poder de proversob medida.

    Ao revs, ele deve conferir a providncia dentro do pretendidono pedido inicial, para utilizarmos a expresso do art. 273, caput. Logo,essa modificao tambm fica balizada pelo pedido, encarcerando ojuiz aos seus limites, fazendo com que qualquer modificao da tutelain itinere seja requerida e empreendida nos limites do pedido inicial.Em nosso entender, entretanto, esta no a melhor soluo, tampouco amelhor exegese.

    A modificao da tutela antecipada em sede de tutela de seguranadeve atender, especificamente, s necessidades do caso concreto. A situa-o de periclitao mutvel e pode exigir algo proporcional que no estejaincludo no pedido, at porque superveniente a nova exigncia21.

    20 Relembre-se que Carnelutti referia-se a essa igualdade das partes como motivadora das medidas desegurana. Ademais, os deveres so exercitveis de ofcio, o que no impede a iniciativa da parte masno a obriga. Essa publicizao da jurisdio foi entrevista por Ovdio na obra de Calamandrei, emCurso, cit., v. 3, p. 68-9.21 de Mario Dini a lio de que o provimento cautelar pu essere modificato dal giudice ogni qualvoltasi renda necessario per raggiungere lo scopo che si era prefisso con lemanazione dello stesso inrelazione alle variazione delle circonstanze che eventualmente non potevano prevedersi al momentodellemissione (La denunzia di danno temuto, cit., p. 44).

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    Por outro lado, nesse mister de adaptao da medida s necessidadessupervenientes, preconiza-se a fungibilidade constante do provimento, con-soante exposto anteriormente, porque ao juiz cabe dar soluo adequada aolitgio.

    A modificao e a revogao obedecem regra da necessidade demotivao, que se exige, tambm, para a concesso. Encetada a deciso nocurso do procedimento, a mesma comportar o agravo pela natureza inci-dente da deciso.

    A sentena final que dispe sobre o litgio cassa a tutela antecipada,prevalecendo sobre esta, no ocorrendo, aqui, a controvrsia sobre aprevalncia da liminar sobre a deciso final suspensa por recurso recebidono duplo efeito22 .

    A tutela antecipada, como o prprio nome sugere, antecipao doresultado final e sobre este no pode prevalecer, mxime porque o ltimo adotado aps cognio plena. certo que dificilmente a tutela antecipadamerecer revogao na sentena final, haja vista o requisito probatrio exi-gido para a sua concesso, que no seno o mesmo que se reclama para ojulgamento mesmo da causa.

    Que espcie de prova mais robusta pode a parte produzir para o aco-lhimento de seu pedido seno uma prova inequvoca conducente verossi-milhana de sua alegao? E essa mesma prova a exigvel para a conces-so da tutela antecipada, de sorte que o panorama probatrio, numa causaem que se deferiu a tutela antecipada, dificilmente se modificar do incioao fim do processo23 .

    22 Raciocnio diverso empreende a doutrina em matria de antecipao da tutela cautelar. Exatamenteporque no h satisfatividade antecipada e o mrito vai ser apreciado a posteriori, sustenta-se umadistino entre a eficcia da medida cautelar e a eficcia da sentena, fazendo prevalecer a primeiramesmo aps a definio final sujeita a recurso recebido no duplo efeito. Aduz-se a diferena entreimperatividade do julgado e executoriedade do julgado, esta sim capaz de fazer desaparecer a liminarcautelar, segundo lies de Carnelutti e Alcides Mendona Lima enunciadas no texto. A tutela antecipa-da obedece a uma sistemtica diferente, na medida em que resta absorvida pela deciso final. Ademais,como advertira Tommaseo, assurdo attribuire alla misura cautelare urgente unautorit maggioredella decisione di merito di primo grado (I provvedimenti durgenza, cit., p. 276).23 H uma profunda diferena entre a prova exigida para a concesso da tutela antecipada e aquela que seimpe ao demandante cautelar. Exatamente porque cautela sucede o processo principal, nessa sede olegislador contenta-se com a aparncia, ao passo que para a antecipao a exigncia a da evidncia, ou,para utilizarmo-nos da linguagem da lei, prova inequvoca da verossimilhana da alegao. Essa de-monstrao ainda no a certeza absoluta, a verdade, seno o prprio valor limite com que lida o magis-trado na sua tarefa de definir o direito. Alis, clssica a lio de Calamandrei em Verit everossimiglianza nel processo civile, Rivista di Diritto Processuale, de que anche si siamo convinti

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    Entretanto, no se podem olvidar hipteses excepcionais, nas quais aliminar deva prevalecer sobre a deciso final em razo do estado depericlitao do direito no reconhecido na sentena, mas possvel de s-loem sede de recurso.

    Nestes casos, a permanncia do provimento at o trnsito em julgadoda deciso encontra amparo em algumas vozes da doutrina24.

    Indeferida a tutela antecipada initio litis, impe-se saber se ao juiz lcito, ao decidir a causa, antecipar esses efeitos pendente o litgio de recur-so. Entendemos que sim, porque a prpria lei dispe que concedida a tute-la o processo prosseguir at final julgamento. Logo, ainda que o juiz notenha deferido no curso do processo a tutela antecipada, nada obsta a que ofaa quando da sentena porque, para ele, a prova inequvoca pode ter sidoapresentada apenas na fase de julgamento, revelando-se injusto fazer a parteaguardar o julgamento do recurso recebido no duplo efeito.

    A mesma providncia pode ser requerida ao rgo superior, caso oofcio jurisdicional de primeiro grau no mais permita ao juiz intervir noprocesso. Afinal, as expresses juiz e final julgamento tambm pertinemao tribunal.

    Ademais, a prpria lei prev a modificao e a revogao da anteci-pao a qualquer tempo, o que significa que o rgo ad quem se investetambm da cognio da medida sem prejuzo da anlise do recurso contra asentena final, exegese que se refora na medida em que um dos casos detutela antecipada o de periclitao do direito, e, nesses casos, sempre foida tradio do nosso sistema admitir a competncia do relator diante dopericulum in mora e em face do trmino do ofcio jurisdicional de primeirograu, como, v. g., prev o atual art. 800 do Cdigo de Processo Civil, modi-ficado apenas para explicitar-se que a competncia do prprio rgo dotribunal e no mais, monocrtica.

    che la natura humana non capace di raggiungere le verit assolute, dovere di onest adoprarsicon tutte le forze per cercare di approssimarsi quanto pi si pu alla meta irraggiungibile: cosinel processo, anche se si convinti che la sentenza finale non pu essere altro che un giudizio deverossimiglianza tale da non escludere mai in maniera assoluta lerrore giudiziario, ci nontoglie che tutta la struttura del procedimento debba essere preordinata a rendere il pi possibileapprofondita e controllata la ricarca della verit, in modo che lo scarto tra questa e laverossimiglianza si riduca al minimo.24 Ovdio Baptista, Curso, cit., v. 3, p. 124, com citaes da doutrina francesa e de parte da modernadoutrina italiana.

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    I.6. Execuo da Tutela Antecipada25Mantendo a coerncia com a proibio de tutela antecipada de

    efeitos irreversveis, a nova lei instituiu, como meio para efetivar-se aantecipao, os princpios que regem a execuo provisria. Nesta, como sabido, a satisfao do direito no pode alcanar estgio irreversvelcaracterstico da execuo definitiva. H apenas atos de execuo, ante-cipados. Nesse sentido, a lei determina que a efetivao da medida an-tecipada no importe alienao de domnio, levantamento de dinheirosem cauo idnea, sem prejuzo de implementar-se de uma maneiraque, sobrevindo deciso contrria, as coisas retornem ao estado anteri-or. Mais uma vez, aqui, o legislador esbarrou na sua covardia, tornan-do incua a inovao. Inmeros so os casos em que a medida antecipa-da ou defervel naquele momento ou no mais revelar qualquer utili-dade para a parte. Ademais, fenomnico o grau de irreversibilidadeprtica dos efeitos da deciso. Assim, v.g., uma viagem autorizada, umacirurgia, a determinao de apresentao de um espetculo ou a divul-gao de um documento, chancelados por tutela antecipada, apresen-tam efeitos irreversveis. Nesses casos, de todo impossvel aplicarem-se os princpios da execuo provisria, sob pena de inviabilizar-se aantecipao, com notvel denegao de justia. No h a menor dvidade que a melhor tcnica seria a duplicidade26 das aes onde se verificaa tutela antecipada, permitindo-se ao juiz conferir perdas e danos par-te lesada pela efetivao da antecipao da tutela, como contrapartidaao deferimento daquela, inclusive garantido por cauo, conforme susten-tado anteriormente.

    25 412. A lei utiliza-se de forma promscua do vocbulo execuo, em vez de efetivao. queo sistema exige sentena condenatria para execuo e a tutela antecipada liminar encerra a figu-ra de uma interlocutria. verdade que parte da doutrina sustenta a possibilidade de sentenasliminares e execuo para segurana, como, v. g., Pontes de Miranda e Ovdio Baptista. Entretan-to, o sistema da lei de categorizar essas decises, conforme determinem ou no a extino doprocesso, e o novel diploma claro ao estatuir que a tutela antecipada no encerra a relaoprocessual. Ademais, seria de todo insustentvel submeter o beneficirio da tutela antecipada aosrigores das formas da execuo, por isso que a efetivao da antecipao realiza-se sob o signo damandamentalidade. Melhor a expresso da doutrina italiana, que prefere a provvedimentidurgenza (Tommaseo, I provvedimenti durgenza, cit., p. 331, e Arieta, I provvedimentidurgenza , cit., p. 332).26 A esse respeito remetemos o leitor nossa proposta, de lege ferenda, quanto duplicidade das aes,revelando-se, aqui, sua intensa utilidade em face da irreversibilidade ftica de alguns provimentosantecipados.

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    Contudo, a lei utilizou-se de tcnica diametralmente oposta. O exe-cutante da tutela antecipada, em princpio, est isento da cauo, at porqueesta no pode ser irreversvel na medida em que as coisas devem retornar aoestado anterior caso a deciso seja modificada. Por outro lado, revelando-seirreversvel o provimento, a tutela no pode sequer ser concedida, poucoimportando a prova inequvoca exigida, que, como j vimos, dificilmenteser alterada no curso do processo.

    O 3 do art. 273 do Cdigo de Processo Civil determina a aplica-o, no que couber, das regras da execuo provisria. Na verdade no setrata de processo de execuo autnomo. execuo sem intervalo, namesma relao processual, assemelhando-se o vocbulo execuo efetivao, implementao do provimento no mesmo processo. Ressoaevidente que no teria sentido que o legislador institusse uma antecipaono curso do processo de conhecimento visando agilizao da tutela e asubmetesse s delongas da execuo27 .

    A lei no distinguiu a tutela antecipada da evidncia da tutela anteci-pada nos casos de periclitao. Em ambas, a execuo deve ser provisria ereversvel. Entretanto, de nada adiantaria a previso de tutela antecipada seo cumprimento da medida fosse postergado, tornando letra morta o instru-mento de agilizao jurisdicional.

    Obedecendo regra da reversibilidade, amplos devem ser os poderesdo juiz no af de efetivar a antecipao, aplicando-se analogicamente, paraesse fim, o 5 do art. 461 do Cdigo de Processo Civil, alterado pelamesma lei, que previu a utilizao de todos os meios necessrios pelo juizpara a implementao da tutela especfica, tal como buscas e apreenses,remoo de pessoas, requisio de fora policial etc.

    Ainda sob esse ngulo e mantida a reversibilidade, caracteriza-se de-sobedincia o descumprimento da ordem contida no provimento antecipa-

    27 Aplicvel tutela antecipatria pela sua modernidade constante e porque lavrado tendo em vista osmesmos pressupostos da atual tutela antecipada, o memorvel ensinamento de Liebman no estudo Lunitdel procedimento cautelare, Rivista di Diritto Processuale, 1954, cit., p. 248: La fasi i momenti incui lorgano conosce e quelli in cui eseguisce si seguono, senza soluzione di continuit, in un unicoprocedimento, che perci, almeno nella generalit dei casi, un procedimento misto di cognizione edesecuzione. Il procedimento unico e indivisibile, perch unico e indivisibile linteresse ad agire,e vice-versa. Em obra recente, Marinoni concluiu pela executividade intrnseca dos provimentos de ur-gncia, capazes de produzir efeitos imediatos (Tutela cautelar e tutela antecipatria, Revista dos Tri-bunais, 1992, p. 130). Assim tambm se pronuncia a doutrina italiana moderna acerca do tema, como seobserva em Tommaseo, I provvedimenti durgenza, cit., p. 330.

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    do, porque da essncia deste a mandamentalidade como instrumentoviabilizador da antecipao dos efeitos do provimento final28 .

    Assim, v.g., a realizao de uma assemblia desautorizada em tutelaantecipada ou a recusa entrega imediata de um bem podem gerar, no pri-meiro caso, o impedimento de realizao do ato pela fora policial, semprejuzo da sano criminal pela desobedincia, e, no segundo, uma imissode posse judicial.

    Trata-se, na verdade, de fuso admirvel de instrumentos de origemromano-germnica e de matiz anglo-saxnica, reclamados de h muito pelaeficincia que essa execuo por coao e sem intervalo representa.

    Subjaz sempre a preocupao com relao a essa vedao da tutelaantecipada em casos de irreversibilidade, porque a interdio, nalguns ca-sos, desprotege os direitos e torna impossvel a execuo do provimento.

    II. A TUTELA ANTECIPATRIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORESA represso ao abuso do direito de recorrer incluiu-se na ideologia

    norteadora da reforma que inspirou o exsurgimento da antecipao detutela.Essa novel tcnica decorre do poder de que dotado o relator, e afortiori o colegiado, para negar seguimento ao recurso manifestamente inad-missvel, improcedente ou contrrio aos entendimentos predominantesconsubstanciados em smulas.

    Sob essa tica, por via oblqua, o legislador propicia uma rpida so-luo judicial, obstando que uma parte fique merc da outra, privilegian-do o princpio isonmico-processual e a conduta coram judicem no atuarjurisdicionalmente.29

    28 importante anotar que aqui e alhures discute-se com grande receptividade a adoo das contempt ofcourt como meio moralizador no cumprimento das decises judiciais. Impe-se solidificar a verso deque no plano extrajudicial a negao ao direito atinge a parte e s a ela. Entretanto, aps o desfechojudicial, o descumprimento ao decidido pelo Estado, e a resistncia s decises judiciais, inclusive santecipatrias lavradas diante de um estado de periclitao, revelam flagrante atentado dignidade dajustia. Ademais, a possibilidade de descumprimento da tutela antecipada torna letra morta o instrumen-to em prestgio recalcitrncia do vencido. No direito estrangeiro coaduna-se com o rigor ora proposto adoutrina de Aldo Frignani em conhecido trabalho intitulado Linjunction nella common law e linibitorianel diritto italiano , 1974. No direito brasileiro, Ovdio Baptista, Curso, cit., v. 2, p. 256, e recentementeMarinoni, p. 133-7.29 Lei n 5.869, de 11 de janeiro de 1973 [Cdigo de Processo Civil]Art. 557 - O relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissvel, improcedente, prejudi-cado ou em confronto com smula ou com jurisprudncia dominante do respectivo tribunal, do Supre-mo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

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    A fuso desses dois novos instrumentos viabilizou algo que outroraobservava-se com mais freqncia na instncia a quo, qual seja a conces-so de liminares pelo juzo ad quem. Alis, fruto tambm de recente refor-ma, o artigo 558 do CPC passou a admitir a concesso de suspensividadeope judicis a recursos dotados de dupla eficcia, toda vez que se vislumbrerisco de dano irreparvel.30

    Num primeiro momento a praxe revelou a aplicao literal do novodispositivo, por isso que os rgos fracionrios dos tribunais limitaram-se asustar decises passveis de reviso. Posteriormente, atravs do papelcriativo da jurisprudncia consagrou-se o efeito ativo dos provimentos desegundo grau diante da irresignao quanto aos atos omissivos da primeirainstncia.31

    Hodiernamente os nossos Tribunais praticam os novis institutos comlargueza, ora sustando efeitos das decises recorrveis ora concedendo efei-to ativo aos recursos. Assente-se que, nos Tribunais Superiores usual autilizao de provimentos cautelares com base em dispositivo regimental(como v.g.; o art. 288 do RISTJ) para impedir a execuo de decises sujei-tas aos recursos para esses rgos de cpula que, tradicionalmente, noostentam efeito suspensivo.32

    1 - Se a deciso recorrida estiver em manifesto confronto com smula ou com jurisprudncia dominantedo Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poder dar provimento ao recurso. 1 Da deciso caber agravo, no prazo de cinco dias, ao rgo competente para o julgamento dorecurso, e, se no houver retratao, o relator apresentar o processo em mesa, proferindo voto;provido o agravo, o recurso ter seguimento. 2 Quando manifestamente inadmissvel ou infundado o agravo, o tribunal condenar o agravante apagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposiode qualquer outro recurso condicionada ao depsito do respectivo valor.30 Lei n 5.869, de 11 de janeiro de 1973 [Cdigo de Processo Civil]Art. 558 - O relator poder, a requerimento do agravante, nos casos de priso civil, adjudicao,remio de bens, levantamento de dinheiro sem cauo idnea e em outros casos dos quais possaresultar leso grave e de difcil reparao, sendo relevante a fundamentao, suspender o cumprimen-to da deciso at o pronunciamento definitivo da turma ou cmara.Pargrafo nico - Aplicar-se- o disposto neste artigo s hipteses do art. 520.31 Anotou percucientemente Teori Zavaski que a concesso de eficcia suspensiva ao recurso dela nodotado no era suficiente a reprimir a potencialidade de danos irreparveis. A Adoo da mxima ubieadem res ubi eadem dispositio restou por admitir a consagrao do efeito ativo, inclusive em sede derecursos para os Tribunais Superiores, in Antecipao de Tutela, Saraiva, 1997, p.134.32 Nesse mesmo sentido Teori Zavaski, ob, cit, Cap. VII, Antecipao de Tutela nos Tribunais, p. 117/136; Roberto Armelin, Notas sobre a antecipao de tutela em segundo grau de jurisdio, In AspectosPolmicos da Antecipao de Tutela, RT , 1997, p. 431/455; William Santos Ferreira, Breves reflexesacerca da tutela antecipada no mbito recursal. E. RT 2000, p. 654/693.

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    Acerca dessa recente prtica, mas de diuturno manejo, inmeras p-ginas encontram-se lavradas nas obras versantes sobre a TutelaAntecipada.

    A questo elegante que se pe, em verdade, no a da antecipa-o consistente nessa estratgia meramente processual de sustar ou conce-der o efeito ativo ao recurso em si, seno de antecipar a satisfao do pedi-do no mbito dos recursos superiores.

    Consoante cedio, a antecipao de tutela significa realizao ante-cipada, por isso j se afirmou em belssima sede doutrinria que na tutelaantecipada deferida, o processo comea por onde termina o processo deexecuo, que a satisfatividade plena33 . Esta a questo ora suscitada:Podem os Tribunais Superiores; o Supremo Tribunal Federal e o SuperiorTribunal de Justia concederem a antecipao de tutela com esse espectrode satisfao?

    Algumas questes antecedem a concluso esperada.Em primeiro lugar, cumpre destacar a hiptese em que o recurso

    interposto com o fim de obter a providncia negada na instncia de origeme que se pretende obter antecipadamente, na premissa do provimento dorecurso especial ou extraordinrio. Trata-se, portanto de pedido formuladopelo prprio recorrente.

    Em segundo lugar foroso analisar a pretenso, no mesmo sentido,deduzida pelo recorrido, posto entender abusivo o recurso interposto.

    No primeiro caso, a antecipao da tutela requerida ao relator adreferendum do colegiado depender da verificao da verossimilhana doalegado, luz do contexto recursal.34

    Poder-se-ia objetar essa possibilidade de antecipao sob o argumen-to de que a concesso demandaria anlise da prova inequvoca, cogniointerditada aos Tribunais Superiores que se autolimitaram quanto aprecia-o de elemento probatrio em razo da funo que os recursos que lhes soendereados exercem; vale dizer: a manuteno da inteireza e interpretaodo direito nacional.

    33 Claudio Cecchela; Romano Vaccarella e Bruno Capponi , in Il processo civile dopo la riforme,Torino, Giapichelli, 1992.34 Essa possibilidade de concesso de antecipao chancelada por toda a doutrina, abrindo-se parteprejudicada o agravo regimental para o colegiado a quem toca o conhecimento do recurso superior comotcnica integrativa da deliberao antecipada. Conforme a lio de consulta obrigatria de Moniz deArago, o agravo regimental destina-se a permitir a integrao do pensamento do tribunal, in Revistade Direito Processual Civil , n. 2, p. 70 e 74.

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    Entretanto inegvel que os Tribunais Superiores, merc de no em-preenderem um reexame da causa em terceiro grau de jurisdio, jul-gam-nas, alis, como a prpria Constituio Federal explicita.35

    Destarte, a prova inequvoca exigida para a antecipao de tutela,no seno a liquidez e certeza do prprio direito em jogo,36 e de aferioexemplar pelos Tribunais Superiores, porquanto acodem a essas Cortes ex-traordinrias, devidamente prequestionados.

    No h a menor dvida de que a exausto processual cognitiva aque se submetem as partes antes da chegada do recurso aos TribunaisSuperiores, revela um elemento positivo que a apurao dajuridicidade do que se est discutindo. Ademais, pela eminncia, ex-perincia e cultura de seus membros integrantes, no h rgo julgadormais adequado verificao do direito escorreito, procedente, do queas Cortes Maiores. E este o pressuposto inafastvel da antecipao detutela. Imperioso ainda assentar que afrontaria lgica jurdica, ele-mento inseparvel da hermenutica, admitir-se ao juiz de primeiro grauantecipar tutela e vet-la aos mais eminentes Tribunais Superiores dopas...37

    A segunda indagao parece instigar questes mais delicadas por-quanto o pleito de antecipao, em princpio, obra do recorrente.

    Subjaz, assim, a indagao sobre se possvel ao recorrido pleite-la.A questo deve ser analisada sob o mesmo prisma da prova inequ-

    voca da verossimilhana do direito sub judice.Revela-se possvel que o recorrido, por prudncia e depois de obter

    sucessivas vitrias na justia local, aguarde a remessa dos autos aos Tribu-nais Superiores para s ento pleitear a antecipao.

    35 Constituio da Repblica Federativa do BrasilArt. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituio, cabendo-lhe:I - processar e julgar, originariamente:.....Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justia:I - processar e julgar, originariamente:No sentido de que os Tribunais Superiores no exerccio de suas competncias recursais tutelam direitossubjetivos mediante julgamento, as intransponveis lies de Barbosa Moreira, Comentrios ao Cdi-go de Processo Civil, Forense, p. 566, Ed. 1999.36 Consulte-se a respeito do tema, Luiz Guilherme Marinoni, onde destaca que o conceito de prova ine-quvoca semelhante liquidez e certeza exigvel para o Mandado de Segurana, in A antecipao nareforma do processo civil, 2a edio, So Paulo, Malheiros, 1996.37 No sentido do texto, Teori Zavaski, ob, cit, n. 2 antecipao de tutela na fase recursal, p. 119.

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    Considerando-se que tutela antecipada sinnima de satisfao ante-cipada, tem-se que se vitorioso na instncia ltima, o recorrido poder pro-mover a execuo. Ora, se a execuo de sua iniciativa, a antecipao deseus resultados tambm pode s-lo, e a sede prpria para isso, estando oprocesso nas Cortes Superiores o Tribunal maior.38

    de somenos o fato de que o recorrido poderia ter pleiteado na ins-tncia de origem uma execuo provisria que, como se sabe, diante detodas as suas limitaes, dentre as quais a que impede a satisfao plena,no apresenta a mais tnue utilidade. Afirmou-se com autoridade insuper-vel que a execuo provisria um nada jurdico, no se extraindo qual-quer proveito desse adiantamento levado a efeito pelo vencedor da deman-da39. No por outra razo que as reformas europias admitem a execuocompleta com base em deciso provisria40, soluo que, de lege ferenda,indicia tornar-se brevemente, de lege lata com o advento da reforma dareforma do Cdigo de Processo Civil.

    Ademais, conceder-se antecipao ao recorrente e vet-la ao recorri-do implica violao ao princpio da isonomia, sem prejuzo de conspirarcontra um dos cnones da reforma processual que foi exatamente o de re-primir o abuso do direito de recorrer.41

    38 Sob essa tica, doutrina JJ Calmon de Passos, a circunstncia de estar o processo na fase recursalno empecilho pretenso da antecipao de tutela, eis que, como j se afirmou reiteradamente,antecipar a tutela constituiu no antecipao de uma sentena, mas um adiantamento de atos executi-vos da tutela definitiva, que ainda se encontram reprimidos in, Inovaes do Cdigo de ProcessoCivil , Forense, 1995, p. 21.39 Por todas as vozes abalizadas, ressoa a de Alcides Mendona Lima, in Comentrios, Forense,1996.40 Giuseppe Tarzia informa que a recentssima reforma italiana consagrou a execuo imediata dasentena, ainda que provisria no seu contedo, como regra ao dispor no art. 272 do Codice diPr ocedura Civile: La sentenza di primo grado provvisoriamente esecutiva tra le parti. in Onovo processo de cognio na Itlia, Revista do Instituto dos Advogados do Paran, v. 25, p. 389.Frederico Carpi tambm advertia para a aspirao moderna da execuo completa com base em deci-so ainda que provisria: il potenziamento dell. esecutoriet provvisoria pu essere assai utile nelperseguimento di quei fini di attuazione effetiva del precetto costituzionale del diritto di azione, cheun moderno processo deve perseguire. In la provvisoria esecutoriet della sentenza, Milano, Giuffr,1979, p. 147 e seg.41 O saudoso mestre mineiro Jos Olympio de Castro Filho, na sua tese de ctedra advertia: recorrer um direito de que tambm se pode abusar, e de que amide se abusa largamente com prejuzos parauma das partes, que no pode descansar do incmodo da demanda, e para o Estado, cujos tribunais degrau superior cada dia vem aumentar a influncia dos recursos, a grande maioria injustificvel inAbuso do direito no processo civil, p. 142/143, Imprensa Oficial, BH, 1955).

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    Por fim, a possibilidade de concesso antecipatria nos TribunaisSuperiores desestimula os recorrentes abusivos, que atravs de longapostergao do direito do vencedor, logram arrancar-lhe indesejveisconcesses, merc da leso causada pelo prprio tempo da satisfaojudicial.42

    Reconhecida a antecipao como instrumento de efetividade daprestao judicial, tcnica capaz de vencer a to decantada morosidadeda justia que afronta os mais comezinhos direitos fundamentais da pes-soa humana, nada mais apropriado que deleg-la aos Tribunais Superi-ores, os quais, mantendo a inteireza do direito nacional, logram carrearpara o poder a que pertencem o prestgio necessrio queles que, conso-ante s sagradas escrituras, tm o sumo sacerdcio de saciar os que tmsede e fome de justia43.

    42 Italo Andolina abordando o dano causado pela demora na satisfao de quem tem um direito reconhe-cido concluiu: Questo peculiare tipo di danno pu essere indicato come danno marginale in sensostretto, oppure come danno marginale di induzione processuale, appunto in quanto esso specificamentecausatto, e non soltanto genericamente occasionato dalla distensione temporale del processoinCognizione ed esecuzione forzata nel sistema della tutela giurisdizionale, p. 20, Milano, Giuffr,1983.43 Idntica soluo possvel entrever nas concluses de Teori Zavascki, in ob, cit, p. 135, com expressameno ao STF e ao STJ.