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Habitação social em projetos de reestruturação urbana: o novo e o velho na OUC Água Branca em São Paulo Social housing in urban restructuring projects: the new and the old in Água Branca Urban Operation, São Paulo Pedro Lima 1 , LabCidade FAUUSP, [email protected] 1 Graduando em Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo (FAUUSP), pesquisador do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade FAUUSP), bolsista de Iniciação Científica Fapesp.

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Habitação social em projetos de reestruturação urbana: o novo e o velho na OUC Água Branca em São Paulo

Social housing in urban restructuring projects: the new and the old in Água Branca Urban Operation, São Paulo

Pedro Lima1, LabCidade FAUUSP, [email protected]

1 Graduando em Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo (FAUUSP), pesquisador do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade FAUUSP), bolsista de Iniciação Científica Fapesp.

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DESENVOLVIMENTO, CRISE E RESISTÊNCIA: QUAIS OS CAMINHOS DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL? 2

RESUMO

As operações urbanas têm sido, desde os anos 90, instrumentos protagonistas para implementação de projetos de reestruturação urbana em São Paulo, num contexto de crise do financiamento público e emergência das parcerias público-privadas e do empresariamento da gestão urbana. Entretanto, suas primeiras experiências apresentaram uma dificuldade de promover interesses públicos, sobretudo políticas habitacionais consistentes, desenhadas a partir das necessidades habitacionais dos seus territórios. O artigo apresenta uma análise das mudanças de regulação e implementação recentes do instrumento e discute se realmente representam perspectivas positivas para habitação, como tem sido colocado pelos seus proponentes. A OUC Água Branca (2013) é o estudo de caso e a partir dele, mostra-se que, ainda que promova ações habitacionais, os avanços não tem sido suficientes para promover políticas habitacionais diversificadas, com enfoque em direitos e nas populações de menor renda. Isso porque a incapacidade de contemplá-las está relacionada a estrutura de funcionamento do instrumento urbanístico, que permanece, e subordina usos e ocupações possíveis da cidade somente ao que pode ser rentável. Uma novidade deste caso, neste mesmo sentido, é que permite refletir sobre os impactos dos avanços positivos no fracasso de arrecadação e na inércia do projeto. Continua posta a contradição das operações: ou a sobrevivência financeira e a rentabilidade, ou o interesse público, que também não se sustenta sem recursos. Assim, é questionável a ideia de neutralidade do instrumento e a aposta no desenvolvimento imobiliário e na transformação urbana concentrada como únicas estratégias possíveis de financiamento de políticas habitacionais em projetos urbanos.

Palavras Chave: Operação urbana consorciada; Habitação de interesse social; Projetos urbanos; Instrumentos urbanísticos; Política habitacional.

ABSTRACT

Urban Operations (OUC) have been one of the main instruments to implement urban restructuring projects in Sao Paulo since 1990’s, in a context in which is reinforced a public finance’s crisis and increases a process of urban entrepreneurialism and public-private partnerships propositions. However, earliest experiences had a difficult to promote public interest, especially solid social housing policies, designed since its housing needs. It will be presented an analysis of regulation’s and implementation’s recent changes in urban operation and it will be discussed how much could they represent positive perspectives for social housing, as promissed by its proposers. OUC Água Branca (2013) is our case. Starting from it, we will show that the advances hasn’t been enough to promote diverse social housing policies focused in rights and low-income population, even if operations started recently to develop some housing actions or projects. We relate the incapacity to cover it with the urban instrument’s logic, which subordinate possible city’s uses and ocupations only for what is profitable. In the same direction, something new in this case is the possibility to reflect about the impacts of positive regulation advances in project’s finance fail and inertia. The main contradiction of urban operation still alive: finance survival and profitability or public interest. So, we discuss the idea of urban instrument neutrality and the plan of concentrated urban transformation as the only possible strategy of social housing policies financing in urban projects.

Keywords: Urban operation; Social housing; Urban projects; Urban instruments; Housing policy.

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INTRODUÇÃO 2

Há pelo pelo menos duas décadas, a transformação do território via parcerias público-privadas têm sido proposta como uma das poucas, se não a única possibilidade de grandes intervenções na cidade. Em São Paulo, um dos instrumentos que seguem a lógica de parceria entre agentes públicos e privados e que neste período tem assumido papel de protagonista como ferramenta para os projetos urbanos são as operações urbanas.

A origem do instrumento na cidade data do final dos anos 1980. Insere-se numa narrativa global de empresariamento da gestão urbana (Harvey, 1996; Vainer, 2000), e aparece como o primeiro mecanismo de recuperação da valorização da terra decorrente de investimento público. Também como oportunidade de promover projetos de desenho urbano na escala local financiados com os recursos recuperados. Mas mais importante é que, pragmaticamente, é uma nova fonte de arrecadação para ações públicas em um momento de crise fiscal, imposição de limites ao endividamento do Estado, e orçamento público em queda, principalmente na esfera dos municípios. Mesmo que um olhar com maior acuidade identificaria que se trata, na verdade, muito mais de um processo de estruturação de opções para a fluidez do capital imobiliário-financeiro, isto é, um rearranjo para garantia de novas e maiores rentabilidades ao mercado nas cidades.

Depois das primeiras experiências em São Paulo, de Operações Urbanas, nos anos 1990, e das primeiras Operações Urbanas Consorciadas, no início dos anos 2000, consolidou-se uma importante crítica acadêmica sobre seus resultados urbanísticos reais, mesmo entre autores que, em maior ou menor grau, ainda acreditavam nas suas potencialidades, se aprimoradas. O cerne da crítica está no fato de que estiveram sujeitas a uma lógica dominante de alguns interesses privados, enquanto os interesses públicos que motivam o instrumento acabaram ocupando papel secundário no decorrer do processo de implementação. As operações serviram muito mais para promover a sobrevalorização e concentração de investimentos e esforços públicos em territórios já estruturados e especialmente em novas frentes de desenvolvimento imobiliário. O grande volume de recursos arrecadados, na verdade, foi reinvestido em infraestrutura não-prioritária, mas essencial à valorização da terra e dos empreendimentos. O Estado, sob um novo arranjo que se pretendia inovador, foi parceiro num ciclo de construção de ilhas de valorização imobiliária, com pouco ou nenhum espaço para população de baixa renda e gestão participativa no território e no processo, como sempre foi a regra de construção das grandes cidades brasileiras (Fix, 2000; Ferreira & Maricato, 2002; Castro, 2006; Menegon, 2008; Maleronka, 2010).

A manutenção ou atração de população de baixa renda em seus perímetros, através de políticas de habitação de interesse social que tenham a garantia do direito à moradia como pressuposto real tem sido então uma incapacidade histórica do instrumento. Santoro & Macedo (2014) mostraram que até 2013, as duas operações urbanas mais bem sucedidas em termos de arrecadação, Água Espraiada e Faria Lima, investiram apenas 7% e 8% dos seus recursos em habitação de interesse social, respectivamente. Na OUC Água Espraiada, ainda, muitas famílias moradoras de favelas preexistentes foram removidas para construção de outras obras, e os

2 Esse texto foi redigido a partir dos processos e parte dos resultados de uma pesquisa de iniciação científica intitulada "Desafios e perspectivas do instrumento operação urbana consorciada para a produção de habitação de interesse social". O trabalho foi orientado pela Professora Paula Freire Santoro, apoiado pela Fapesp e desenvolvido no Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade, da FAUUSP, entre 2014 e 2016. Está vinculada a um projeto mais amplo do laboratório que estuda parcerias público privadas no urbano, também coordenado pela Professora Raquel Rolnik, financiado pela Fundação Ford, e que envolve várias pesquisadoras e pesquisadores, importantíssimos para a construção das reflexões que aqui apresentamos.

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atendimentos oferecidos a elas foram completamente insuficientes para que se mantivessem na mesma região, em crescente valorização.

É importante observar esta incapacidade de perto porque representa um dos interesses públicos que não estão sendo atendidos e priorizados. E ao mesmo tempo, porque a habitação social tem sido invocada como motivação e objetivo, e mesmo feito parte dos programas de intervenções previstas nas proposições mais recentes de novas operações, como a OUC Água Branca.

A nova lei desta Operação, publicada em 2013, é parte importante de um processo de revisão gradual do instrumento que tenta dialogar com a crítica, propondo novos mecanismos de regulação, incluindo habitacionais, e no seu posicionamento na disputa discursiva, constantemente reafirmando-se como diferente de suas antecessoras. O instrumento, entretanto, é o mesmo, e foi mantido porque os gestores consideraram que revisadas, bem elaboradas e geridas, as operações urbanas poderiam regular a atividade imobiliária, capturar mais-valias fundiárias e direcionar os recursos arrecadados para a implementação de interesses públicos e garantia de direitos. Mas principalmente porque as prefeituras continuam com dificuldades orçamentárias, e a experiência teria mostrado que o instrumento é, pelo menos, um bom caminho para arrecadação.

A questão é então, se as alterações de gestão, de contexto e de regulação são suficientes para que o mesmo instrumento urbanístico consiga promover interesses públicos, em especial o nó da habitação de interesse social. E, mais longe, se é possível combinar o potencial de arrecadação via mercado imobiliário concentrado, que o legitima, com a promoção de intervenções públicas que não necessariamente contribuem para a rentabilidade do solo urbano.

Depois de mais de dois anos de acompanhamento de perto dos processos da OUC Água Branca - e também acompanhando as outras operações em implementação ou discussão, sobretudo a OUC Bairros do Tamanduateí -, temos como hipótese que não. Por mais que haja avanços e que a pauta habitacional tenha ganhado espaço no debate e na regulação, estruturalmente, as operações urbanas têm grande dificuldade para a promoção de um desenvolvimento urbano que garanta não somente rentabilidade, mas direitos, especificamente a realização de uma política habitacional consistente, inclusiva e diversificada. Isso porque apesar do ganho de espaço, a manutenção do instrumento e de sua essência de funcionamento – a necessidade do desenvolvimento imobiliário e a concentração de investimentos – impedem que o interesse público se sobreponha à sobrevivência financeira e, então, aos interesses privados. Além disso, este caso em específico tem como particularidade o fracasso de arrecadação. O que leva a um desfecho, neste sentido, diferente das operações ‘bem sucedidas’, mas por outro lado semelhante, porque também não efetiva suas intenções e motivações discursivas para habitação.

CONTEXTOS

A Operação Urbana Consorciada Água Branca (OUCAB, Lei Municipal 15.893/2013), é na verdade a revisão de outra operação urbana que vigorava sobre o mesmo território há quase vinte anos. A Operação Urbana Água Branca (OUAB, LM 11.774/1995) foi um dos primeiros projetos implementados em São Paulo, fazendo parte do que se chama ‘primeira geração’ de operações. Mas diferente da OU Faria Lima (1995), um caso icônico deste momento, a OUAB não conseguiu arrecadar muitos recursos na maior parte desses vinte anos de primeira fase, nem conseguiu promover grandes transformações no território, sejam obras públicas ou empreendimentos privados (Castro, 2013). Por isso, desde 2001 já havia esforços dentro da gestão municipal para

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repensar o projeto ou ao menos torná-lo mais atrativo para os investidores (Magalhães Jr., 2005; Andrade Neto, 2006).

Somente a partir de 2007, houve um aumento significativo na venda de potencial construtivo e consequentemente no número de lançamentos imobiliários (Lima, 2015). Nesse momento, todo o estoque para usos residenciais e mais da metade para usos não-residenciais da OUAB foi consumido e totalizou-se uma arrecadação de R$ 545 milhões (Figura 3).

Importante também é que se mantinha um consenso sobre a necessidade de reestruturação desta região da cidade. Ao longo do trabalho de pesquisa, elaboramos uma leitura urbanística em que relacionamos fatores que contribuem para uma situação atual de território desqualificado – ainda parecida com o que era em 1995 -, mas que podem ser também entendidos como potenciais para transformação: a baixa densidade populacional e construtiva, predominância de usos industriais remanescentes, de atividades de logística recentes ou usos terciários com morfologia semelhante, a subutilização de terrenos bem servidos de infraestrutura, o solo pouco parcelado, a abundância de áreas públicas, as discrepâncias de macro e microacessibilidade e a ruptura histórica entre os tecidos urbanos ao sul e ao norte da orla ferroviária (Lima, 2015). Portanto, parece pertinente a intenção do projeto urbano para este lugar e válidas muitas das motivações que justificam a Operação. O que está em disputa é o processo de transformação, seus instrumentos e prioridades, e a ideia de cidade que está por trás.

Assim, a revisão de 2013 acontece num contexto em que a Operação tinha transformado muito pouco o território em qualquer direção, mas havia recursos consideráveis em caixa. As expectativas estavam renovadas sobre o interesse do mercado na região, mas os estoques de potencial construtivo tinham esgotado. E ao mesmo tempo, os esforços de repensá-la concluíram que a regulação de 1995 estava obsoleta quanto aos novos usos desejados pelos empreendedores - residencial vertical principalmente -, que necessitava se adequar às revisões gerais do instrumento e da política urbana, principalmente o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), e minimamente dialogar com a crítica.

Há também uma mudança na gestão municipal. Gilberto Kassab (DEM, 2009-12), identificado com o mercado imobiliário, dá lugar a Fernando Haddad (PT, 2013-16), nome vindo da academia, de partido ligado à esquerda, cuja gestão investiu em bandeiras ditas como progressistas, como a revisão do marco regulatório da política urbana do município, que priorizaria o incentivo à mobilidade por modos ativos, o investimento em transporte coletivo e um compromisso com a produção de habitação de interesse social. Porém, vale pontuar que esta mesma revisão, iniciada pelo Plano Diretor Estratégico (LM 16.050/2014) - elaborado depois da aprovação da OUCAB, mas que muito com ela dialoga - define que quase um terço da área urbanizada, a Macroárea de Estruturação Urbana, seria destinada a reestruturação por projetos urbanos viabilizados por instrumentos relacionados aos mecanismos de parceria público-privado, reafirmando seu protagonismo: Projetos de Intervenção Urbana (PIU) vinculados às Operações Urbanas Consorciadas (OUC), as Áreas de Intervenção Urbana (AIU), dentre outros. Há também uma relação com alterações normativas e institucionais pró-PPPs e empresariamento da gestão nos níveis federal, estadual e municipal (Santoro, Lima & Mendonça, 2015).

REGULAÇÃO

A nova lei da Operação Urbana Consorciada Água Branca (LM 15.893/2013) foi debatida em audiências públicas e publicada em 2013. O projeto e seu processo de revisão foram apresentados

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sempre com afirmação de que aquela operação poderia ser diferente de suas antecessoras. Nossa análise será pautada, portanto, pelos pontos destacados como principais mecanismos que estavam sendo propostos para garantir o interesse público, em especial, habitação de interesse social.

GESTÃO PARTICIPATIVA, MAS COM MUITAS LIMITAÇÕES

A OUCAB foi a primeira operação urbana em São Paulo a ter um grupo de gestão paritário e com representantes da sociedade civil eleitos de forma direta por moradores e trabalhadores do seu perímetro. O grupo se reúne com alguma frequência e as reuniões são abertas. Pela lei da Operação, é atribuição do grupo “deliberar sobre o plano de prioridades para implementação do programa de intervenções elaborado pela SP-Urbanismo [...]” (artigo 62). Nas operações urbanas anteriores, as decisões sobre o projeto eram tomadas em espaços muito fechados. Os conselhos gestores possuíam caráter consultivo e contemplavam uma representação seletiva de grupos sociais envolvidos ou afetados (Castro, 2013). Na OUAB (1995), todos os recursos arrecadados e sua aplicação eram responsabilidade de um conselho técnico composto exclusivamente por representantes da Prefeitura. Considerando então a ausência histórica de uma cultura de participação e transparência na implementação de obras e projetos urbanos, o grupo seria uma perspectiva positiva para o processo de democratização da decisão sobre a produção da cidade.

E até certo ponto foi, tem sido. Este espaço recebeu pautas, leituras e propostas para o debate. A articulação dos representantes da sociedade civil organizada foi muito importante para o acompanhamento, tentativa de entendimento das propostas da gestão, cobrança por transparência, resistência e construção de proposições alternativas.

Contudo, existem pontos determinantes sobre o formato do grupo e seu funcionamento na prática que impedem que seja um espaço mais democrático. A paridade sociedade civil e poder público – nove vagas para cada - é questionável se consideramos que as cadeiras da sociedade são divididas entre uma diversidade de atores, o que inclui representante do mercado imobiliário, enquanto as cadeiras da prefeitura são divididas entre nove representantes setoriais, mas de uma mesma gestão. A pauta dos encontros é definida pela SP Urbanismo, que coordena o grupo, e ainda que se consiga alguma influência, muitas vezes são incluídos assuntos que são absolutamente irrelevantes ou não-prioritários para a maioria da sociedade civil 3.

Mais abrangente, existe um descompasso de tempo entre a necessidade de aprovação rápida de pautas complexas e as necessidades de estudo, entendimento e debate, que é processo demorado, difícil. Tudo isso exige um esforço muito grande da sociedade civil e condiciona uma postura quase sempre reativa. A agilidade, flexibilidade e consenso exigidos pelo planejamento urbano estratégico parece ser incompatível com o tempo e o conflito intrínsecos à gestão participativa (Vainer, 2000). Mais a fundo, o grupo é uma instância em que se discute encaminhamentos de um projeto urbano já desenhado e especialmente de um processo-instrumento já dado.

3 Estes assuntos são mais bem contados em “Faz sentido a Ponte de Pirituba ser prioridade na Operação Urbana Água Branca?”, por Luanda Vannuchi, disponível em: <https://observasp.wordpress.com/2014/10/08/faz-sentido-a-ponte-de-pirituba-ser-prioridade-na-operacao-urbana-agua-branca/> e “A que sonhos atende a Fábrica dos Sonhos”, por Rodrigo Faria G. Iacovini, disponível em: <https://observasp.wordpress.com/2014/09/09/a-que-sonhos-atende-a-fabrica-dos-sonhos/>

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PERÍMETRO EXPANDIDO, MAS NÃO RECONHECE TODAS AS DEMANDAS

O perímetro expandido é uma região delimitada somente para aplicação de recursos, e não para aquisição de potencial construtivo. Aparece pela primeira vez em São Paulo na OUC Água Branca. A crítica já apontava a necessidade de algum dispositivo que possibilitasse que as operações fossem minimamente mais redistributivas, impedindo que seus investimentos públicos ocorressem apenas nas porções de território que são focos de atuação do mercado, o perímetro imediato ou de adesão, e que, consequentemente, os recursos captados contribuíssem unicamente com processos de valorização muito concentrada.

Ampliar a área significaria também, em tese, incluir não só mais território, mas abarcar outras demandas de interesse público e incluí-las no programa de obras. Assim, conforme o artigo 13º, no perímetro expandido, os investimentos só podem ser feitos em drenagem, transporte público, transposições sobre o canal do Rio Tietê e habitação de interesse social.

Mas verificamos problemas no desenho do perímetro expandido da OUCAB que vão justamente contra este raciocínio que o motiva. Primeiro, a definição dos limites do perímetro admitiu uma elasticidade, produto da pressão pela inclusão da Ponte de Pirituba no programa de obras durante a discussão do Projeto de Lei na Câmara de Vereadores. Ainda, neste processo omitiu boa parte dos assentamentos precários englobados pelo perímetro, dificultando seu atendimento com recursos da Operação - questão que será mais bem tratada adiante (Figura 1).

O perímetro portanto exclui demandas que em tese o motivam e foi alargado para abarcar uma demanda que não é central para a transformação urbana desta região. Assim, valoriza áreas onde não seria recuperada a valorização da terra, mostrando-se incoerente e distante do enfrentamento do problema conceitual do instrumento. Novamente reforça ou reproduz internamente lógicas já tradicionais de produção da cidade: um centro arrecadador, ponto focal da transformação, e uma periferia absolutamente coadjuvante no desenho, mas necessária ao processo. Lógica que fica ainda mais clara em outras operações como a OUC Água Espraiada e no projeto de lei da OUC Bairros do Tamanduateí (Lima, 2016).

RESERVA DE RECURSOS E META DE ATENDIMENTOS, MAS NÃO HÁ UM PLANO DE HABITAÇÃO

Embora tenha gasto, até 2013, apenas 7% dos seus recursos com habitação social (Santoro & Macedo, 2014), a OU Faria Lima (1995) foi o primeiro caso em que se previu uma reserva obrigatória dos recursos arrecadados pra este fim: 10%. Depois de um longo período em que esse mecanismo foi deixado de lado nas proposições de novas operações - inclusive na primeira etapa da OU Água Branca (1995), formulada no mesmo momento que Faria Lima -, a OUC Água Branca (2013), retoma-o, aprimorando. O percentual sobe para 22%, podendo ser usado em “construção e recuperação de Habitações de Interesse Social, reurbanização de favelas, programas vinculados ao Plano Municipal de Habitação ou programa público de habitação, [...] os serviços de apoio e custos de atendimento à população assistida, no perímetro da Operação Urbana Consorciada e em seu perímetro expandido” (artigo 12). Destes, 35% (ou 8% do total) deverá ser aplicado na aquisição de terras para produção de novas unidades.

A OUC Água Branca também estipula uma meta de atendimentos habitacionais. Mecanismo que também não é novo, já que aparecia na OUAB (1995) – mas também só apareceu nesta vez. Novamente há um aprimoramento importante, todavia em quantidade: a meta salta de 630 novas

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unidades para 5 mil atendimentos habitacionais, incluídos no programa de obras a partir de pressões dos movimentos sociais de moradia.

Essas mudanças são parte de um processo que influencia outras operações em São Paulo. O Plano Diretor Estratégico (LM 16.050/2014), um ano depois, obriga todas as operações propostas dali pra frente a terem reserva de um quarto dos recursos, no mínimo, para habitação. E um decreto municipal, em 2015, redimensiona a reserva da OUC Faria Lima.

Mas esse avanço é quantitativo, não qualitativo. A Operação não propõe um plano de atendimento habitacional para a população moradora, e isso seria pouco possível porque não faz uma leitura das necessidades habitacionais do território. Em seu Estudo de Impacto Ambiental (EIA), habitação é quase sempre uma questão que tangencia, nunca é tratada a fundo. E a lei aprovada sequer reconhece a totalidade das favelas contidas em seu perímetro.

Nossa pesquisa elaborou uma leitura habitacional que mostrou que ao invés de 17 favelas, como mapeado pela OUC Água Branca, há no perímetro expandido 32 favelas, quase o dobro (Figura 1). Importante ressaltar que esta leitura está baseada, em grande parte, em fontes de informação públicas. Ou seja, a Operação sequer absorve a informação disponível nos cadastros municipais de habitação social.

E para além de uma listagem de assentamentos precários, seria importante que fossem qualificadas as situações de precariedade, fundiária, risco e de infraestrutura, e o histórico de ações públicas nesses assentamentos, para que minimamente pudessem ser apontadas as estratégias para os 5 mil atendimentos previstos considerando suas diferentes possibilidades – urbanização, regularização, melhorias, remoção, provisão – e prioridades de tempo e custo. Tarefa que preliminarmente também foi possível ser feita, durante a pesquisa que serve de base para este artigo, com base nas informações públicas abertas (Lima, 2015).

Figura 1: Perímetro Expandido e assentamentos precários contidos no área da OUCAB. Em preto os reconhecidos pela Operação, em vermelhos os não-incluídos. (elaboração própria, com base na LM 15.893/2013 e dados PMSP/Sehab)

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Além disso, há outras situações de necessidade preexistentes que são sequer mencionadas: conjuntos habitacionais irregulares e superadensados, loteamentos irregulares, cortiços, população em situação de rua. Pela leitura realizada, estima-se – já que os números podem estar desatualizados – que seriam necessários ao menos cerca de 5.900 atendimentos habitacionais, em seus diversos tipos, para que se desse conta das necessidades preexistentes, valor superior aos 5 mil atendimentos previstos. Na verdade, a meta apontada é muito mais uma construção política, de negociação com os movimentos de moradia, do que um número que reflita uma leitura urbana atualizada e cuidadosa, que não foi feita.

Também não é proposto um diálogo da transformação urbana pretendida com o quadro de necessidades habitacionais em escala municipal e metropolitana. Quantas moradias esta área deveria oferecer para colaborar na inversão do padrão de urbanização paulistano centro-periferia? Se é objetivo da Operação o adensamento populacional na região, este poderia prever além de novos moradores de classe média e alta, populações de baixa renda igualmente interessadas em morar no centro.

No caso da OUC Água Branca, a ausência de leitura do território e de propostas habitacionais sólidas é importante, mas não é uma questão isolada. Nesse aspecto ela pouco inova, reforçando uma tradição de que as operações urbanas transformam, mas não desenham diretamente seus territórios.

2.4 PROGRAMA DE OBRAS MAIS DIVERSO, MAS NÃO É UM PROJETO URBANO

É verdade que a OUC Água Branca não contempla em seu programa de obras apenas intervenções viárias, um dos pontos importantes da crítica às primeiras operações. Entendia-se que a obra viária era, por excelência, a infraestrutura pública que mais claramente dava suporte a atividade imobiliária e à valorização da terra - e à lógica de contratação de empreiteiras que estruturaram historicamente o processo eleitoral brasileiro -, e que os túneis, pontes e avenidas para automóveis foram os grandes legados destes projetos.

A OUC Água Branca traz um programa de obras visivelmente mais diversificado, incluindo obras de drenagem, patrimônio histórico, transposições de pedestres, corredores de transporte coletivo, espaços livres públicos. Mas continua sendo um programa, uma lista de obras. Não conseguimos enxergá-lo como um projeto urbano consistente, bem articulado. Possui poucos parâmetros urbanísticos, e não parece trazer uma estratégia de transformação suficiente para enfrentar a complexidade deste lugar, das suas questões e seus processos históricos de ocupação, como está posto nas motivações da Operação. O desenho da transformação continua sendo produto das regras que melhor dialogam com o negócio imobiliário, traduzidas pelo quanto se pode construir, sem regulação de forma ou espaços qualificados, da implantação dos grandes empreendimentos, e da engenharia pontual das obras públicas, quando se concretizam.

Como temos visto, os pressupostos reais – em contraposição aos discursivos – das operações urbanas geralmente não são projetos urbanísticos para enfrentar as questões que motivam a transformação dos territórios, mas estudos de viabilidade e rentabilidade para transformação imobiliária. E ainda que haja desenho, ele é detalhamento de alguns dos projetos; seletivo e concentrado nas áreas de maior valorização prevista ou nas áreas públicas – como nos casos dos projetos de lei da OUC Bairros do Tamanduateí e do PIU Arco Tietê (Lima, 2016). Ou seja, mesmo que exista, o desenho urbano também é uma ferramenta em disputa, e não garante sozinho uma transformação menos direcionada a interesses privados.

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Figura 2: Mudanças na regulação para HIS nas OUCs em São Paulo (elaborado com base nas leis, decretos e projetos de lei específicos de cada Operação - PMSP/SMDU)

Todos os pontos acima descritos fazem parte de uma narrativa de mudanças na regulação das operações urbanas em São Paulo, que no geral, incorpora mecanismos potencialmente positivos para habitação social e para a gestão democrática, criando expectativa que esta operação apresentaria resultados melhores, novos, diferentes das demais – que tiveram apenas diretrizes habitacionais genéricas ou muito menos instrumentos. São avanços a princípio, mas que merecem ser relativizados. Durante a análise desta operação, entendendo-a como parte de um processo maior de outras operações e de dimensão multiescalar, percebemos que é possível, além de relativizar os avanços, estabelecer uma conexão entre esses pontos em que cada novo mecanismo é questionável.

MODUS OPERANDI: MOTIVO DO VELHO

Esta conexão, embora também tenha justificativas de conjuntura e contexto, é o fato de que as mudanças de regulação e gestão continuam ancoradas no mesmo mecanismo de funcionamento, das operações urbanas: a combinação de concentração de recursos e esforços em uma região delimitada, e a transformação urbana de mão única via desenvolvimento imobiliário e rentabilidade da terra com usos, formas e agentes específicos e restritos.

Não há muita novidade na crítica a essa lógica, que já vinha sendo feita desde as primeiras operações. O que nossa análise acrescenta é que a tentativa de aprimorar o mecanismo visando o interesse público parece inócua se sua lógica abriga uma contradição estrutural: só há espaço para o que se enquadra na rentabilidade concentrada, para que não se afete as possibilidades de arrecadar recursos. Ainda, como a arrecadação nesta operação historicamente foi baixa e continuou baixa após a sua revisão (Vannuchi, Borrelli & Santoro, 2015), a questão que se coloca é: será que, dentro de uma operação urbana, quanto melhor a qualidade das soluções e instrumentos voltados para usos pouco rentáveis, como habitação de interesse social, menor o interesse do mercado imobiliário?

Muitas das demandas que eram cobradas na primeira crítica, como o transporte coletivo, os espaços livres públicos e até mesmo a produção de novas unidades habitacionais foram incorporadas ou apropriadas pela lógica de rentabilidade, especialmente nas situações que

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colaboram para a valorização da terra e dos empreendimentos. A questão é que políticas habitacionais diversificadas, manutenção e atração de população de baixa renda para áreas valorizadas, democratização da decisão e recursos distribuídos de forma mais justa pelo território não são passíveis de apropriação, porque são usos urbanos e políticas públicas não rentáveis para o parceiro privado típico. Como os exemplos de mudança de regulação que caminham sempre num sentido quantitativo mostraram, será até possível que se reserve, gaste recurso e se produza habitação, mas não dentro de uma política consistente e prioritária.

IMPLEMENTAÇÃO

É importante ressaltar que esta operação tem trazido novidades também na sua implementação. Novidades positivas, em comparação com suas antecessoras, mas onde também se expressam as contradições do instrumento. Por um lado foram discutidas pautas não prioritárias para a maioria da sociedade civil - como a Fábrica dos Sonhos e a Ponte de Pirituba -, obras viárias e de infraestrutura - como a canalização dos Córregos Água Preta e Sumaré e o prolongamento da Avenida Auro Soares -, mas por outro, já no início estamos discutindo ações habitacionais, como o projeto urbanístico para o Subsetor A1 e a reforma emergencial da Comunidade Água Branca.

PROJETO DE URBANIZAÇÃO DO SUBSETOR A1

O Subsetor A1, ou Área da CET, é uma parte central do território da OUC Água Branca, de propriedade pública, ocupada hoje pela Companhia de Engenharia de Tráfego, por pátios de estacionamento e dois barracões de escolas de samba. Existe há tempos uma promessa de que estes usos poderiam ser realocados ou rearranjados, liberando a maior parte do Subsetor para um projeto urbano e habitacional. Esta promessa, inclusive, foi usada como uma das justificativas para a remoção das duas únicas favelas do perímetro imediato da Operação, em sua primeira fase, a Favela da Aldeinha, em 2008, e a Favela do Sapo, em 2012. As famílias removidas receberiam auxílio-aluguel, e posteriormente seriam atendidas definitivamente no projeto habitacional prometido na CET.

Desde o começo da nova fase da OUC Água Branca (2013), esse projeto tem sido discutido, o que é uma novidade. A demanda habitacional histórica das favelas Aldeinha e do Sapo removidas entre 2008 e 2013, seria atendida em área bem localizada e no início de uma operação urbana.

Um concurso público de arquitetura foi promovido para selecionar um estudo preliminar para um plano de urbanização, entendendo-se que mais que um projeto habitacional, pretende-se para a área ‘o projeto de um bairro’. A lei da OUCAB já indicava percentuais obrigatórios de uso para o Subsetor, o que também é uma novidade de regulação, já que pela primeira vez se prevê setores para projetos especiais, com alguma destinação de uso para habitação.

Art. 47 [...] § 1º O plano de reurbanização deverá destinar, da área total de terreno, as seguintes proporções: I - sistema viário: máximo de 20% (vinte por cento); II - áreas verdes: mínimo de 40% (quarenta por cento); III - áreas de uso institucional: mínimo de 15% (quinze por cento); IV - áreas para empreendimentos imobiliários: mínimo de 25% (vinte e cinco por cento). [...] § 3º A totalidade dos empreendimentos imobiliários a serem implantados nas áreas referidas no inciso IV do § 1º deste artigo deverá atender à proporção

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mínima de 80% da área computável para usos residenciais e de 40% (quarenta por cento) da área computável para Habitações de Interesse Social, conforme definido no plano específico de reurbanização. (LM 15.893/2013)

O termo de referência do concurso quantificou o número mínimo de unidades de HIS, 1360, e apontou quais deveriam ser os usos não-habitacionais - um Território CEU (equipamento de educação, esporte e cultura), uma Unidade Básica de Saúde, um parque urbano, uma passarela para pedestres e ciclistas sobre o Canal do Rio Tietê e um edifício para abrigar as atividades da CET e de outros órgãos municipais de monitoramento, chamado Centro de Gerenciamento e Monitoramento Integrado - CGMI. Este seria, portanto, o programa mínimo para o projeto urbano.

O concurso aconteceu entre fevereiro e maio de 2015, organizado pelo IAB SP. O projeto vencedor foi do Estúdio 41, escritório de Curitiba. A equipe foi então contratada para que desenvolvesse as etapas posteriores - anteprojeto, projeto básico e projeto executivo - junto com a São Paulo Urbanismo e uma comissão intersecretarial da Prefeitura.

O projeto vencedor possui qualidades e tinha como principais pontos positivos a proposição de 363 apartamentos a mais que o mínimo exigido, e um faseamento que priorizava habitação e contemplava na primeira etapa as 630 unidades habitacionais, que podem ser financiadas com os recursos arrecadados na Operação de 1995, nas quais seriam alocadas as famílias das favelas do Sapo e Aldeinha.

Mas em termos de projeto, pouco inova em questões mais profundas como a dificuldade de diversificação e flexibilidade das unidades habitacionais; a distribuição do programa funcionalmente segregada; e a implantação que não estabelece um diálogo consistente com aquilo que a cerca, sobretudo com as áreas públicas vizinhas, a Comunidade Água Branca e as Marginais e o Canal do Rio Tietê. E em termos de política, não supera o modelo único da casa própria financiada, da gestão centralizada e do projeto elaborado com pouca ou nenhuma participação - e nem mesmo indicação - da demanda.

O modelo competitivo de concurso público e o desenvolvimento das etapas posteriores - em andamento - não consideraram as propostas debatidas com a população e com o grupo de gestão, com alguma exceção. As reuniões organizadas, pouco frequentes, tem um caráter muito mais informativo que construtivo, e as propostas e críticas que são feitas em reação não foram acolhidas. Contribui para isso uma indefinição sobre a demanda que será atendida, sempre postergada e delegada à Secretaria Municipal de Habitação (Sehab). Não há um cadastro oficial de todas as famílias removidas nas favelas do Sapo e Aldeinha, e não se sabe exatamente quantas e quais delas poderão ser atendidas. A sociedade civil no Grupo de Gestão organizou, em 2015, um mutirão de cadastramento e informação informal à estas famílias - que estão dispersas pelas periferias da cidade e com situações de atendimento habitacional provisório diversas. Esse cadastramento foi encaminhado à Sehab e tem sido utilizado num processo colaborativo para que se torne oficial e auxilie na definição dessa demanda. O que se sabe, com certeza, é que o número é muito maior que as 630 famílias apontadas na lei da Operação. O problema é que a identificação da demanda está ocorrendo com o processo de projeto já avançado, e a participação, nestes termos, fica muito difícil. Como desenvolver um bom projeto habitacional para uma demanda indefinida? E como esperar que essa demanda incerta se aproprie de um processo participativo?

Existe também uma tensão quanto ao número de unidades habitacionais no projeto em relação ao potencial da área. O Plano Diretor Estratégico de 2014, proposto pela mesma gestão, traz como

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partido principal para a cidade o adensamento populacional em áreas centrais e próximas aos eixos de transporte público, o que é o caso do Subsetor A1. E consideremos também que é área pública. Seria, portanto, uma oportunidade de garantir o maior aproveitamento construtivo possível para usos de interesse público coexistindo, e com qualidade urbana e arquitetônica - um bairro denso e diversificado. O coeficiente de aproveitamento proposto pelo PDE 2014 para áreas como o Subsetor A1 é de 4 vezes a área do terreno, enquanto no projeto, em sua última versão apresentada, o coeficiente da gleba é pouco maior que 1. Por isso, 1.300, 1.400 unidades habitacionais ali parece pouco, ainda mais porque o projeto vencedor, em sua primeira versão, tinha conseguido aumentar significativamente este número.

Há uma barreira de origem, para que se produza mais habitação, que é a legislação que regula o projeto, definindo percentuais de terreno destinados a cada uso. Pensando nas proximidades, onde há um parque urbano recém inaugurado, o Jardim das Perdizes, e o Subsetor A2, vizinho, uma área pública hoje ocupada por centros de treinamento de clubes de futebol, que quando retomada, seria em sua totalidade também parque urbano, consideramos o percentual de 40% para áreas verdes no Subsetor A1 altíssimo. E isso afeta os demais usos. Já na elaboração da Operação, portanto, foram criados mecanismos que diminuíssem a quantidade de habitação social nesta área. Porém, entendemos que esta é uma determinação difícil de ser revertida nesta altura, porque exigiria uma mudança na lei da Operação Urbana.

O projeto, contudo, não tem se esforçado para contornar essa questão - o que seria possível já que os percentuais tem alguma maleabilidade. Ao contrário, ao longo do desenvolvimento do projeto tem se perdido as unidades habitacionais a mais que o estudo preliminar vencedor do concurso propôs. De 1.723 unidades no estudo preliminar, passou-se para 1.386 no anteprojeto consolidado, de fevereiro de 2016, e depois um pequeno ganho, 1.456 unidades, no projeto básico, de outubro de 2016. Mesmo que o percentual de parque no projeto esteja bem próximo do mínimo exigido, o que é positivo, os espaços livres dos equipamentos públicos, que poderiam, não estão computados como área verde; a área de terreno destinada ao prédio do CGMI é muito alta; e foram reservadas duas outras áreas institucionais sem uso definido. Com a leitura do processo de projeto conseguimos enxergar que a densidade construtiva da gleba como um todo diminuiu, e isso explica a queda de unidades habitacionais. Pequenas revisões no projeto de parcelamento do solo e na classificação dos usos poderiam ajudar a diminuir os impactos dos percentuais em lei, resultando em mais apartamentos sem comprometimento à qualidade urbana, aos equipamentos e à diversidade do bairro (Lima, 2016).

O representante do mercado imobiliário, por outro lado, tensiona a discussão no sentido oposto, usando o argumento do ‘projeto de bairro’, para minimizar o fato de que produção habitacional em pouca quantidade, ou mesmo em fases posteriores, seja um problema. A prioridade seria os equipamentos sociais e o parque, porque o projeto pro subsetor deve ser entendido como catalisador de outros investimentos imobiliários, que impulsionem a Operação. Novamente, apresentando que, na visão do mercado, alguns usos de interesse público são mais valorizadores que outros.

Verificamos portanto, que num processo de projeto, a habitação é tolerada, mas com baixas densidades, em projetos onde não é protagonista e quando seus moradores não participam das decisões principais. Porque está bem localizado e próximo aos locais onde se planeja e incentiva a transformação, o Subsetor A1 é palco de disputa. Apela-se na regulação, no projeto e no debate pela substituição e priorização de outros programas de interesse público, como parques e equipamentos sociais, que contribuem muito mais (ou atrapalham menos) a atração e viabilidade

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dos empreendimentos imobiliários, embora, de fato, para a qualidade da cidade esta dualidade não precisaria existir - temos demonstrado que os usos não se excluem.

REFORMA EMERGENCIAL DA COMUNIDADE ÁGUA BRANCA

Depois da remoção das favelas do Sapo e Aldeinha, o único assentamento de baixa renda no perímetro imediato da OUC Água Branca, é a Comunidade Água Branca, composta por dois conjuntos habitacionais verticais, um pequeno conjunto de casas geminadas e um grande núcleo urbanizado de casas-embrião construídas em mutirão. Este lugar é um apanhado de políticas habitacionais de diferentes gestões, com diferentes estratégias, desde os anos 1980. E portanto, carrega pontos positivos de cada uma delas, mas especialmente problemas que, em maior ou menor grau, afetam o bairro como um todo.

Existem questões estruturantes, como o isolamento da cidade, a monofuncionalidade, a irregularidade na propriedade da terra, a coabitação e a ocupação dos espaços livres com atividades comerciais, garagens e algumas casas. E também questões mais simples, como conservação das ruas e das áreas comuns, a captação de águas pluviais e a manutenção dos edifícios, que de certa forma, também tem suas relações com os problemas mais amplos, principalmente porque são recorrentes e cíclicos. Há algum tempo, esses problemas voltaram a afetar muito os moradores, principalmente por que se manifestam em situações de risco à vida. Um relatório foi produzido e o Ministério Público foi acionado para que alguma providência fosse tomada pela Prefeitura.

Assim, uma reforma emergencial foi rapidamente planejada em duas fases. A primeira, que já está em fase final de obras, foi custeada com todos os recursos da primeira venda de Cepacs da OUCAB (2013). A segunda etapa só existe porque não foram arrecadados recursos suficientes na Operação para financiar a obra como um todo. Por isso, a previsão é de que sejam necessários recursos orçamentários da Secretaria Municipal de Habitação.

A reforma emergencial pode ser considerada uma vitória da mobilização dos moradores e de seus representantes e um avanço na gestão da Operação, mas não é um enfrentamento bem estruturado dos grandes desafios que a Comunidade ainda enfrenta.

Amostra disso é que não se conseguiu articular um grupo de trabalho para elaborar um projeto urbano para esta Zona Especial de Interesse Social - Zeis 3 C008, ainda que tenha sido formado um conselho gestor cuja principal atribuição é construir um plano de urbanização. O caso do Córrego Água Branca é um exemplo. Sua margem é o principal caminho de acesso dos moradores às oportunidades da cidade - emprego, transporte, equipamentos - mas muito precário, improvisado. A chance de qualificá-lo estava num processo de recuperação de APP – Área de Preservação Permanente exigido aos proprietários da área, empreendedores que estão construindo condomínios em parte dela. Um grupo de trabalho que foi proposto - com representantes da Prefeitura e da sociedade civil no Grupo de Gestão - seria importante para adequar esse plantio e ressignificá-lo, de forma a qualificar o caminho no curto prazo, e já se pensar na possibilidade de um futuro parque linear - infraestrutura importante de articulação da comunidade, enfrentando pelo menos dois de seus grandes problemas, o isolamento e a monofuncionalidade, o que não aconteceu.

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PRODUÇÃO DE HABITAÇÃO PELO MERCADO

A OUC Água Branca ainda não conseguiu promover produção habitacional de interesse social via mercado, por dois motivos. O primeiro é que a Operação não tem nenhum mecanismo de regulação com este propósito. Este é um ponto em que ela não avança.

Há uma tendência nas propostas internacionais na regulação de projetos urbanos semelhantes, as inclusionary housing policies (Santoro, 2015). Estas políticas serviram de inspiração para inclusão de contrapartidas de interesse público nos novos instrumentos urbanísticos de São Paulo a partir do Plano Diretor Estratégico 2014. Entre elas, a Cota de Solidariedade, que não foi incluída na OUCAB um ano antes.

O único mecanismo de regulação do perfil das unidades habitacionais previsto por esta operação é a unidade residencial incentivada, que exige que um terço do potencial construtivo negociado seja vinculado a apartamentos com até 50 m². Entendemos essa ferramenta como positiva para adensamento populacional, mas definitivamente não é para produção de habitação de interesse social.

Mesmo os mecanismos de outras escalas de planejamento são passíveis de serem distorcidos. Um caso é dos empreendimentos vizinhos a OUC Água Branca, construídos em uma Zeis - Zona Especial de Interesse Social. Este tipo de zona, um dos únicos válidos mesmo em operações urbanas, obriga que no mínimo 60% do que for construído seja habitação de interesse social. Um dos empreendimentos atualmente em construção, o Barra Viva, tem todas as suas unidades enquadradas nos critérios de HIS, no entanto são comercializadas por forma e valor regulares de mercado, não atendendo a demanda por moradia cadastrada pelo município.

O segundo motivo é que muito poucos empreendimentos foram construídos.

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Figura 3: Produção imobiliária na OUC Água Branca (elaborado com base em dados Embraesp, 2013).

PRIMEIRO LEILÃO DE CEPACS

Depois de um aumento repentino na venda de potencial construtivo nos últimos anos de OU Água Branca (1995), que muito tem a ver com o boom imobiliário do final da última década, esperava-se que após a reformulação e a renovação dos estoques o mesmo padrão de aquecimento se manteria.

Mas isso não aconteceu. O primeiro leilão de Cepacs - Certificados de Potencial Adicional Construtivo - aconteceu em março de 2015. Esperava-se arrecadar R$ 90 milhões, cujo destino já havia sido muito discutido no Grupo de Gestão. Entretanto, menos de R$ 10 milhões foram arrecadados, em 10 transações. Descontadas as despesas operacionais, restaram apenas R$ 8,9 milhões de reais no caixa da operação, insuficientes para o custeio integral de alguma intervenção estrutural prevista no programa de obras. Por isso, o projeto do Subsetor A1 só consegue se viabilizar parcialmente e com recursos de 1995, e a obra emergencial da Comunidade Água Branca não tem recursos garantidos para ser executada por completo.

Vannuchi, Borrelli & Santoro (2015) analisaram hipóteses de conjuntura que pudessem justificar a dificuldade de arrecadação da OUCAB neste primeiro momento. As justificativas mais plausíveis

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seriam o contexto de retração do mercado imobiliário e um sobrepreço dos Cepacs em relação ao valor que pode ser pago em outorga onerosa simples, em outras regiões da cidade, sendo mais rentável construir fora da Operação Urbana. Como adendo, podemos considerar esse como mais um avanço de regulação desta operação, no sentido de mais capturar a valorização do solo. Tanto a inserção do Cepac como mecanismo de adiantamento, já que só é negociado em leilões, em datas específicas, quanto o preço mínimo que deve ser negociado, que é o mais alto da história: R$ 1.600 para usos não-residenciais e R$ 1.400 para residenciais.

Os estudos de Sandroni (2008) baseados nas OUCs Faria Lima e Água Espraiada - com valores na época menores que Água Branca hoje - apontavam que o Cepac, embora representasse esperança de captação integral de mais-valias fundiárias ainda estava defasado. Quer dizer, o valor dos certificados poderia crescer ainda um pouco mais. O mercado imobiliário pensa diferente. Tanto que apóia uma proposta muito recente de redução do valor do Cepac para R$ 800 - R$ 900 4, com a justificativa de que se isso não acontecer, passado o momento de crise, a operação continuará estagnada, com o mercado atuando nas vizinhanças. É o Cepac que está caro ou a outorga onerosa simples que está muito barata?

Em momento de desaquecimento da economia e tendo outros lugares para investir, por que o mercado optaria por uma região relativamente deslocada de seus vetores de maior interesse, onde o potencial construtivo é mais caro e o dinheiro gasto com isso pode ser investido em habitação social nas proximidades e estar sujeito aos debates de uma instância presente de controle que cobra por prioridades diferentes?

REFLEXÕES, PROVOCAÇÕES

Embora haja avanços, o estudo de caso da Água Branca, mais recente OUC implantada em São Paulo, não dá evidências que consigam convencer da capacidade real das operações urbanas para a promoção de um desenvolvimento urbano que garanta não somente rentabilidade, mas direitos, especificamente a realização de uma política habitacional consistente, inclusiva e diversificada. As pautas de reforma do instrumento, as resistências da sociedade civil em prol principalmente da habitação, e as modificações de gestão e regulação introduzidas pela nova lei não foram suficientes para reverter à subordinação do projeto ao mercado. E nossa provocação é de que não conseguiriam ser.

O projeto urbano, com este instrumento, torna-se refém do interesse do parceiro privado, sob pena de se manter inerte. Esta é a diferença da OUC Água Branca para as outras operações. A subordinação aqui não se manifesta pela construção especulativa do lugar, mas pela inércia. A Operação tem avanços positivos importantes de regulação e gestão em prol do interesse público, mas ou os avanços estão sempre sendo limitados pela necessidade da rentabilidade ou a sobreposição deles acaba por paralisá-la pela falta de recursos.

Entretanto, não consideramos que o problema seja a escala dos projetos urbanos. O problema está no instrumento, que não é neutro porque determina o modelo e o processo de reestruturação urbana, suas prioridades e seu projeto, condicionando a produção da cidade, os usos, formas e agentes à sua lógica de funcionamento. Lógica que exige a transformação concentrada de territórios a partir da máxima rentabilidade do solo. 4 Apresentada na minuta do Projeto de Lei, do PIU Arco Tietê. Disponível para consulta pública em: <http://minuta.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/piu-act/> Acesso em 28 de novembro de 2016.

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O interesse público passa então a depender dessa lógica, que o financia. Temos assim um jogo discursivo interessante, que apela ao pragmatismo do financiamento para legitimar o avanço das parcerias público-privadas na cidade. O desenvolvimento imobiliário é, em tese, parceiro ou sinônimo do desenvolvimento urbano, ou o único meio possível. Assim passa a ser incontestável e tudo a ele deve se moldar, se adaptar, porque esta é a forma possível.

O que verificamos, entretanto, é que uma política habitacional - leitura, plano, projeto e ação - consistente e diversificada, com a manutenção de populações de baixa renda em áreas centrais, junto às regiões arrecadadoras de recurso, não contribui para a sobrevivência financeira. Aí que está a contradição: a parceria público-privada não equaciona o fato de que o interesse público nem sempre é viável, nos moldes do instrumento.

Uma tendência recente das OUCs em São Paulo que começam a investir quantidades significativas de recursos e esforços em ações habitacionais parece dar de novo novas esperanças quanto à possibilidade de resolução desse impasse. Perez (2016), em trabalho muito recente, mostra que houve um aumento percentual dos investimentos em habitação. Nas OUCs Água Espraiada e Faria Lima, os 7% e 8% apontados por Santoro e Macedo (2014) com dados de 2013, cresceram para 16% e 14% em 2016. Água Branca investiu depois de 20 anos seus primeiros 0,03%.

Mas sob um modelo único - novas unidades, verticalizadas e no modelo de casa própria; quando bem localizadas, recorrem ao bom desenho de escritórios de arquitetura conceituados que valorizam e às baixas densidades que desadensam – que não é a política habitacional desejável, mas a crível, que consegue se enquadrar. Essa lógica claramente não consegue enfrentar as situações mais complexas de necessidade, que por vezes, extrapolam o campo habitacional e a dimensão do bom desenho. Mas por outro lado, parece funcionar bem como indicador quantitativo de que as operações estão evoluindo, reservando muitos recursos e produzindo adequados resultados para habitação. Indicador que legitima os processos de construção desigual da cidade que estão viabilizando, sobretudo num contexto produzido de ausência de alternativas.

É verdade que as operações urbanas têm sido fonte importante de recursos para os cofres do município e hoje já são a principal fonte para as políticas habitacionais. E a projeção é que essa parcela que ocupam só aumente, porque mesmo que cada operação destine pouco para habitação, isso é muito comparado ao orçamento público em crise. Mas como arrecadam as operações? Que cidade está sendo produzida? E ainda, nem todo o dinheiro que se arrecada é redistribuído, e quando é, que conceito de interesse público está sendo utilizado? Este é um conceito sempre em disputa.

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Figura 4: Operações Urbanas e orçamento em São Paulo (elaborado como com base em dados PMSP/Sehab, Caderno para Discussão Pública PMH 2016).

Posto isso, os desafios então estão relacionados, primeiro, a como ocupar os espaços de discussão dentro do instrumento e pressionar para que as possibilidades minimamente se concretizem e gerem impactos positivos, ainda que isolados. É o que tentamos fazer neste trabalho. Isso, claro, sem perder a consciência crítica sobre o que significa este tipo de atuação dentro das dinâmicas mais amplas e os problemas delas. Esse é um ponto muito importante, porque frente às dificuldades cotidianas e à complexidade dos problemas, as mobilizações tendem a ser cada vez mais setoriais e de visão restrita e de curto prazo.

E então, produzir contranarrativas das operações urbanas, para pensarmos em alternativas. Precisamos melhor entender, questionar e revisar os conceitos e os instrumentos pelos quais os projetos de reestruturação urbana são implementados, e suas consequências sociais e territoriais. A fragmentação do território, a concentração de esforços e investimentos, o modelo hegemônico de cidade-empresa e de mercantilização dos processos de projeto, produção, ocupação e decisão no espaço são mesmo a única alternativa possível para o desenvolvimento urbano? Parece-nos que insistir nesses moldes, ainda que com novas aparências, continua levando a caminhos conhecidos: ou a inércia resultante do fracasso financeiro ou a construção especulativa de lugares.

REFERÊNCIAS

ANDRADE NETO, Gustavo Pires. Pensando a cidade no Século XXI: o Concurso Bairro Novo em São Paulo, 2004. Trabalho Final de Graduação. São Paulo: FAUUSP, 2006.

CASTRO, Luiz Guilherme Rivera de. Operações urbanas em São Paulo - interesse público ou construção especulativa do lugar? Tese de Doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2006.

FIX, Mariana. A fórmula mágica da parceria público-privada: Operações Urbanas em São Paulo. Cadernos de Urbanismo, n. 3. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, 2000.

HARVEY, David. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates, v. 16, n. 39, p. 48-64, 1996.

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