Habitantes e Habtat - 2ª Edição

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Traços históricos dos bairros Aeroporto Velho, Bahia, Bahia Nova, Glória, Pista, Palheiral, João Eduardo I e II Habitantes Habitantes Vol. 1 Vol. 1 Habitat Habitat & & 2. edição 2. edição ª ª Reginâmio Bonifácio de Lima Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio (Orgs.) Reginâmio Bonifácio de Lima Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio (Orgs.) Boni Boni

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Este livro é o primeiro da Coletânia Habitantes e Habitat, onde vista o estudo das populações urbanas a partir de suas relações sociais. A metodologia geo-histórica está pautada no tripé sujeito-identidade-lugar, onde as populações da amazônia constituem suas vivências e interagem uns com os outros e com o meio ambiente onde vivem.

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Traços históricos dos bairros Aeroporto Velho, Bahia, Bahia Nova,Glória, Pista, Palheiral,João Eduardo I e II

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Vol. 1Vol. 1Vol. 1

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Direitos responsabilidades reservados aos autores.

Editoração Eletrônica: Reginâmio Bonifácio de LimaCorreção Histórica: Lélcia Maria Monteiro de AlmeidaRevisão:Pedro Bonifácio de LimaCapa: Reginâmio / AndersonDiagramação: Anderson F. da SilvaImpresão:GRAF-SET

H116 Habitantes e Habitat. Reginâmio Bonifácio de Lima e Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio (orgs.). Rio Branco: Boni, 2007.

v. 2. il Coleção Sobre Terras e Gentes.

1. História - Ensaio - Ocupação 1.Título

CDU. 981(813.3)

Rio Branco – Acre2007

Projeto: Sobre Terras e Gentes: Amazônia em FocoLíder de Grupo: Reginâmio Bonifácio de LimaCoordenadoras: Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio, Lelcia Maria Monteiro de Almeida.Pesquisadores: Cleunilde Silva dos Santos, Leila Gonçalves da Costa, Sâmya Teixeira de Alencar, Antônio Vladimir da Silva Barbosa, Regineison Bonifácio de Lima, Pedro Bonifácio de Lima, José Erivan Gomes Cavalcante e Deusimar da Cruz Albuquerque.

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus Eterno, que nos capacitou e permitiu este trabalho, dando ânimo em momentos de angústia, cuidando de seus filhospara que pudessem estar bem e concluir esta obra;A nossas famílias que nos apoiaram em todo o tempo; A Edileuza M. C. Monteiro, membro efetivo desta equipe de pesquisadores, que por motivos alheios a nossa vontade não pôde estar presente na conclusão deste trabalho;Aos funcionários da Biblioteca Pública do Acre por tão prestativamente terem gastado seu tempo, auxiliando na pesquisa das referências;Aos amigos do CDIH e da Biblioteca da UFAC, por tamanha presteza com que nos acolheram;A Reginaldo Bonifácio de Lima, pela prontidão com que contribuiu para a adequação desta obra;A bolsista Selyana Cavalcante pelo empenho nos trabalhos, transcrição de DVDs e coleta de dados;Aos colaboradores Maria Alzerina, Ana Íris e Tiago por ajudarem na coleta de dados para a pesquisa;As escolas existentes nos bairros pesquisados, pelo apoio e prontidão;Aos amigos da Fundação Garibaldi Brasil, pelo acesso ao acervo;Aos amigos do Patrimônio Histórico e Memorial dos Autonomistas pelas fotos cedidas;Aos amigos do Setor de Georeferenciamento da Prefeitura de Rio Branco pelos mapas do setor;Aos amigos do Setor de Cadastro Imobiliário da Prefeitura pela ajuda com os Boletins de Cadastro Imobiliário;A todos os entrevistados que muito contribuíram com a pesquisa;Ao senhor Manuel Rocha, in memorian, por todo o empenho, ajuda e apoio prestado para a execução desta obra;Aos amigos da Miragina, pelo auxílio e prestatividade;A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a conclusão deste trabalho. Muito Obrigado.

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Batalhando por um sonho

Os antigos moradores que vieram pra este localPartiram de muito longe, colônias e seringalMuitos já eram idosos, outros jovens aindaEm busca de melhoria, muitos chegaram aquiApenas com esperanças e com pouca bagagemAcreditavam em um futuro melhor, buscando melhores diasNão buscavam luxo.Uns moravam de aluguel, outros em colônias. Não tinham muitas coisas,Mas o pouco que tinham era trazido “nas costas”.No momento da chegada, tiveram muitas dificuldades a enfrentar:Falta de luz, falta d'água,Ruas não existiam, era apenas atoleiro e matagalCom seu trabalho eles modificaram o localNão tinham exigências com relação a trabalhoO que viesse estavam dispostos a fazerEles acreditavam que aqui era seu lugar Pois estavam no que era seu, por mais simples que fosse.Suas casinhas eram feitas de madeira de construção ou cercadas de paxiúba, algumas nem piso tinham, Eram cobertas de palhasEles são pessoas vividas que têm muito a ensinarContam histórias de suas vidas, bonitas de se escutar.Outros já não têm alegria de viverAcham que já passaram e fizeram tudo o que era pra fazer.Mas também tem aqueles que demonstram muita alegria de viver.A maneira como falam indica que querem ser ouvidosPor mais que a gente queira saber mais coisas

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Eles dizem: “mas, peraí, deixa eu continuar”.E assim continuam contando suas bonitas histórias.E ouvindo suas histórias podemos conhecer nossa culturaPalavras novas e comuns que muitas vezes não sabemosÉ bom saber, conhecer, ouvir como se formou o lugar em que vivemos hojerelembrar suas histórias é conhecer nossa própria história.Eles têm saudades de sua terra, mas aqui é seu lar. Lugar onde construíram suas casas, sonhos e fantasias,Tristezas e alegrias, amores e nostalgias, Lembram sempre do passado, Em busca do sonho encantadoDe ser feliz a cada dia.

Selyana Gomes Cavalcante, 16 anosNeta e filha de migrantes tarauacaenses.

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APRESENTAÇÃO............................................. 091 – Sujeito-Identidade-Lugar .................................. 13

Reginâmio Bonifácio de Lima

2 – De campo de pouso a Aeroporto Velho ............... 25Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

3 – Glória: Sinônimo de conquista da terra ............. 41Lelcia Maria Monteiro de AlmeidaAntônio Vladimir da Silva Barbosa

4 – Bairro da Pista: Um Lugar em Construção ....... 51Lelcia Maria Monteiro de AlmeidaCleunilde Silva dos Santos

5 – Ambiência Física e Social dos Bairros João Eduardo I e II ................................................... 63Leila Gonçalves da Costa

6 – Memórias sociais na Velha Bahia ....................... 73Sâmya Teixeira de Alencar

7 – Bahia Nova: Da formação ao Século XXI .......... 81Regineison Bonifácio de Lima

8 – Palheiral: O Bairro das Palheiras ...................... 95Pedro Bonifácio de Lima

Considerações Finais ........................................ 109

REFERÊNCIAS. .............................................. 113

SUMÁRIO

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Apresentação

O presente livro é fruto da necessidade percebida por esta equipe de professores/pesquisadores em ter algo escrito, ainda que de forma resumida e ensaiada sobre a história dos bairros Aeroporto Velho, Bahia, Palheiral, Glória, Pista, Bahia Nova, João Eduardo I e João Eduardo II. Esse trabalho foi iniciado por mim na graduação em história, tendo continuidade na especialização em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, e no Mestrado em Letras pela UFAC. Não pretendemos escrever uma história completa do local. Nas páginas a seguir estão contidos subsídios para uma compreensão, ainda que parcial da localidade em questão.

Em fins da década de 1960 e seguintes, as terras acreanas estavam ganhando ares de mercadoria. O novo modelo de ocupação produzido pela expansão da pecuária retirava os trabalhadores da floresta e lhes negava as mínimas condições de sobrevivência. As decisões da justiça estavam comprometidas com o modelo de desenvolvimento dos governos militares para a Amazônia, a própria imprensa e os meios de comunicação eram extensões do poder oficial, omitindo-se acerca das questões agrárias e fazendo absoluto silêncio sobre as contradições no meio rural.

Com este livro pretendemos ensaiar de forma geral, sem generalizações, como se deu o processo expansivo daquela área, bem como de que forma os moradores desenvolveram ali, suas identidades, culturas e transformaram a ambiência ocupacional. É certo que nesse primeiro momento nos concentramos no viés historiográfico social, especificando de forma mais detalhada o assunto abrangido na obra intitulada “Sobre Terras e Gentes”, contudo, na continuação dos trabalhos, com a conclusão da segunda parte da pesquisa, desta vez na área de linguagens e identidades, pelo Mestrado em Letras da UFAC, pretendemos dar

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maior suporte para as relações de memórias, culturas e interações da/na dinâmica social.

O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco se deu na área que sai do núcleo central da cidade, que até o fim da década de 1960 era habitado de forma intensiva somente até a Secretaria de Estado de Educação – antigo Centro de Treinamento – indo em direção ao Aeroporto Velho. Limita-se ao norte com os bairros Novo Horizonte, Castelo Branco e Volta Seca; a leste e a sul com o Rio Acre; a oeste e a sudoeste com a Estrada da Floresta. Os bairros pobres dessa área foram formados a partir de três perspectivas: loteamentos, ainda que não totalmente estruturados, invasões e ocupações.

Ao falar de Eixo Ocupacional em Rio Branco precisamos ter em vista que “a compreensão do movimento de formação e transformações da cidade, em sincronia com as etapas e contradições da economia mercantil da borracha, torna-se, então, uma das chaves para desvendar os problemas e conflitos surgidos agora com a aceleração do crescimento urbano” (Oliveira, 1982, p. 32).

Nesse aspecto, identificamos a formação, ainda que parcial, de uma localidade extensiva aos habitantes do que se chama Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco. Esse se constituiu na área próxima ao Centro de Treinamento, atual Secretaria de Educação, envolvendo os 08 bairros formados a partir da expansão da cidade ocorrida na década de 1970 e início de 1980. Quanto à temporalidade, é certo que não tem uma data-marco de formação específica, também não tem uma data final de andanças populacionais. O que percebemos é que a área que compreende o Terceiro Eixo teve o início de sua formação “urbana” aproximadamente em 1971, e o desenvolvimento espacial com uma definição básica próxima ao que é atualmente, por volta de 1982. Também observamos, nesse mesmo território, uma pluralidade de identidades coletivas, envolvendo diversidades em relação a origens, aspectos culturais, trajetórias de vida, que aproximam e distinguem grupos de indivíduos entre si.

Em 1982, em sua obra “O Sertanejo, o Brabo e o Posseiro”, Oliveira citou o Terceiro Eixo, afirmando:

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Um Terceiro Eixo de crescimento da cidade é aquele que segue o caminho em direção ao antigo Aeroporto, desde o núcleo central através da Rua Rio Grande do Sul, a qual até 1970 era habitada só parcialmente, até o chamado Centro de Treinamento. Esta parte, inclusive, se estendia por uma grande superfície de áreas verdes naturais, as quais foram inteiramente derrubadas durante a década passada. (...). Nessa área pontificam os bairros do Aeroporto Velho, Terminal, Bahia e Palheiral, habitados pela população pobre de origem rural e que já somam [em 1982] mais de 15.000 pessoas. Todavia, a invasão e a ocupação de áreas ainda prossegue (sic) nesse eixo e os novos bairros vão se formando, como o bairro João Eduardo (...). (Oliveira, 1982, p. 39).

As pesquisas que deram origem ao presente trabalho foram realizadas na perspectiva historiográfica, a partir da metodologia de Paul Thompson, sendo a vivência dos ex-seringueiros, ex-posseiros rurais, constituinte do foco de interesse do estudo, como matéria de investigação pertinente à compreensão específica das características assumidas à acentuação urbana.

Nos oito bairros acima mencionados foram aplicados questionários aos moradores mais antigos, assim sendo, era necessário que os entrevistados morassem no bairro continuamente há no mínimo 24 anos, ou seja, desde 1982, ou antes dessa data; sendo ele ou ela o “chefe” ou um dos “chefes da casa” na atualidade.

Ao compararmos o momento anterior com o atual, levando em conta o Terceiro Eixo na Cidade de Rio Branco, percebemos que a cidade possui atualmente 154 localidades cadastradas pela Prefeitura – ainda que alguns digam que o número pode chegar a 187 – que os moradores chamam de bairros, embora haja a estimativa que o número dos mesmos seja maior, tendo em vista as recentes áreas de ocupação em situação “irregular”. Atualmente a Prefeitura estuda a possibilidade de formação oficial dos bairros de Rio Branco, fazendo uma junção de localidades em um mesmo setor para a formação dos bairros. De acordo com dados prévios da Prefeitura, Rio Branco terá cerca de 50 bairros oficiais, tão logo seja concluída a demarcação e setorização da Capital acreana.

O IBGE, ao fazer o mapa da malha setorial riobranquense, dividiu a cidade em 83 setores censitários para o recenseamento de 2000. Os bairros que formam o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio

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Branco permaneceram agrupados em alguns setores. Sabemos que os bairros que atualmente formam a área da “Baixada da Bahia” são fruto da expansão do Terceiro Eixo, que antes tinha apenas oito bairros, sendo eles: Palheiral, Bahia, Bahia Nova, Glória, Pista, Aeroporto Velho, João Eduardo I e João Eduardo II. Segundo o Setor de Georeferenciamento da PMRB, atualmente essa região tem em sua área a quantidade de dezesseis bairros; além dos citados anteriormente, foram acrescentados os bairros Boa União, Airton Sena, Sobral, João Paulo II, Plácido de Castro, Boa Vista, Invasão da Sanacre e Floresta Sul.

De acordo com o IBGE, a área referente ao Terceiro Eixo Expandido, ou seja, os dezesseis bairros que compõem a localidade, foi dividida em 09 setores censitários, sendo eles: João Eduardo, Palheiral, Bahia, Pista, Glória, Aeroporto Velho, Ayrton Sena, Sobral e Plácido de Castro. Na pesquisa foi constatada a quantidade de 33.908 pessoas vivendo nesses locais, residindo e convivendo em 14.109 domicílios. Portanto, é certo dizer que o Terceiro Eixo Ocupacional Expandido de Rio Branco representa, na atualidade, 14,98% da população urbana riobranquense, e comporta em sua área 17,14% dos domicílios da cidade. Assim sendo, é clara a super-povoação do local em comparação com o restante de Rio Branco. Uma área que representa menos de 10% da extensão total urbana da Capital acreana comporta quase um quinto de seus domicílios, e um sétimo de sua população.

É importante lembrar que eles não são “coitadinhos”. Eles foram vitimados pelas políticas públicas que não os contemplaram, mas também agem dialogando com os outros e fazendo seus próprios movimentos de resistência e defesa da sobrevivência própria e dos familiares. Muitos dos moradores têm noção dos embates, lutas e expropriações que houve no “campo”, e das pelejas que ocorreram nas interações conflituosas e dinâmicas ocorridas na “cidade”.

Reginâmio Bonifácio de Lima (escrito em uma noite fria de novembro de 2006)

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Fotos de alguns dos 161 entrevistados na pesquisa.

s migrações constituem-se em marcos na vida dos indivíduos, à medida que estabelecem mudanças que Aprovocam rupturas e conflitos, ao mesmo tempo, apontam

para a perspectiva de novos horizontes. É preciso estar atento para o fato de que a mudança espacial implica outras mudanças na vida

Este artigo é um resumo da parte teórica sobre os Habitantes em seu Habitat, contido na obra intitulada “Sobre Terras e Gentes” (2006) deste autor.

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1SUJEITO-IDENTIDADE-LUGARReginâmio Bonifácio de Lima

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das gentes migrantes, relacionadas às novas dinâmicas sociais, diferenças culturais e alteração de hábitos no cotidiano, mudanças que também ocorrem na esfera das relações interpessoais, além dos rompimentos, distanciamentos e traumas decorrentes de situações desse tipo. Ao ter em comum situações de mudanças em suas trajetórias de vida, essas pessoas passam por rupturas, adaptações e resistência aos novos espaços e culturas, modificando no próprio processo de mudança espacial, cheio de rompimentos, a reconstrução de sua identidade individual e coletiva, formando-se gradativamente “uma memória social”. Todo este processo envolve laços afetivos, alegrias, tristezas, conquistas, perdas e, sobretudo, vivências, não mais da mesma forma que antes, mas em um outro espaço, em um outro tempo, em uma outra perspectiva, circunstanciados no desenvolver de afinidades e divergências do que se faz no constituir do local.

A localidade está contida em um lugar maior que é um setor geo-político-social mais abrangente, e esse passa por proposições políticas, econômicas, interesses mercantis e projeções de afinidades com fins, ora especulativos, ora cognitivos, em grande parte, mudando conforme os grupos que estão no controle. Devemos ressaltar que qualquer atividade conflituosa ou ainda, que conduza a um êxodo, impelindo a uma migração afeta não apenas o local de saída, através de um esvaziamento da terra e das relações sociais nela produzidas, mas também, o curso, o motivo, as circunstâncias e o local de chegada.

A ocupação do espaço enquanto território local é resultante da disseminação da propriedade privada da terra. Contudo, do mesmo modo, esse movimento gera privação dos direitos costumeiros daqueles que imaginava tê-los. O processo de expansão se revela problemático e violento, uma vez que a imigração não apenas destinava-se a povoar a terra, mas também expulsava os pioneiros. Toda essa violência pela qual passaram os trabalhadores rurais fez com que se deslocassem das terras ocupadas, em troca de uma pequenina indenização, migrando para a área de fronteira na Bolívia ou “inchando” os centros urbanos, principalmente Rio Branco, onde “estendiam” a fronteira da

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“periferia”, formando uma paisagem de miséria e ambiência urbano-rural, como no caso da parte norte do bairro Aeroporto Velho, que foi formada, em grande parte, por migrantes expulsos do seringal Riozinho, na área do Riozinho do Rolla, município de Rio Branco.

Essas populações andantes, ao chegar à localidade, precisavam recomeçar, fazer derrubadas, cuidar da área, construir o “tapiri”, trabalhar para alimentar a família dentre tantos outros afazeres. Contudo, não eram homens jovens, não em sua maioria; os “chefes de família”, grande parte deles acompanhados por seus cônjuges, tinham os filhos ainda pequenos, sendo que os filhos mais velhos lhes “ajudavam na lida”. O “dono da casa”, muitas vezes, vivia acompanhado por seus pais ou sogros, pela esposa, por quatro filhos em média e, às vezes, por noras e netos. As famílias costumavam vir para determinado local e se afixar próximo a um parente, sendo que, a maior parte dos entrevistados disse trazer consigo seus parentes, ou eles vieram logo depois. Normalmente ficavam sabendo do local para morar através de um conhecido, ou em segundo plano, de um parente e mesmo sem saber de quem eram as terras iam se instalando no local. A necessidade de ter onde morar e abrigar a família era maior que o sentimento de posse do que é alheio ou ética de estar adentrando um lugar que não lhes pertencia.

As visões que aqui apresentamos são partes constituintes das relações estabelecidas, mesmo sabendo que ocorrem imprevistos quando se vai analisar as relações sociais, porque essas têm múltiplas dimensões ao se mostrar relacionadas às fronteiras do lugar. O sentido do corpo da memória que surge se constrói através da cultura, se apresenta de forma fragmentada nas diversas composições da idéia que se têm do espaço, do indivíduo e da própria cultura. Cultura esta que se estabelece em meio a pressões e coações.

Desta forma, ao apreciar a formação das identidades na memória cultural das gentes do Terceiro Eixo, percebemos que elas estão ligadas à questão local/espacial, sujeito/identidade,

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Fonte: Setor de Georeferenciamento da PMRB.

As gentes que habitaram e habitam as terras do Terceiro Eixo, como muitos outros homens, viveram e vivem suas vidas, interdependendo uns dos outros. Eles saíram de seus locais e vieram para o bairro, e em conjunto com outros formam hoje um local, setorizados em um eixo, numa cidade, num estado, numa nação. Se é que essas construções de nomenclatura não são meramente políticas. É bem provável que essas gentes não tivessem idéia da dimensão da intensidade dos atos que praticavam, ou pode ser que tivessem, porque na construção da memória o que se inscreve não é apenas o presente, mas também o representado.

Essas imagens e vivências, que parecem turvas pelo tempo, calcificadas pela lembrança, às vezes, emergem dos “entulhos” da memória como um resgate do que eles viveram ou pensam que viveram, ou foi vivido, mas não exatamente daquela forma que explicitam; embora essa forma explicitada no momento em que é

²CEDEPLAR appud OLIVEIRA, 1982, p. 91.

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apresentada na memória pareça mais prazerosa do que realmente é, e, por isso, quererem tanto ficar com ela.

Então, eles lembram da lembrança construída com um sabor adocicado, mais gostoso que a vivência que tiveram; e, muitas vezes, eles têm noção do “real” e assumem, veementemente, que a lembrança prazerosa “do mesmo fato” melhor satisfaz os anseios. Quanto a isso, Paul Thompson (1992) escreveu: “aquilo que as pessoas imaginam que aconteceu, e também o que acreditam que poderia ter acontecido - sua imaginação de um passado alternativo e, pois, de um presente alternativo -, pode ser tão fundamental quanto aquilo que de fato aconteceu".

Então fica um alerta a todos os que se propõem a estudar pessoas vivas em um local em construção. Existem pessoas que tentam estudar só o território, e outras que tentam estudar só os habitantes de um lugar. Quanto a isso, é certo dizer que ao esvaziar o território de seus habitantes, também se o esvazia dos significantes, logo ele é (ou se torna) espaço meramente físico – quando muito cartográfico, como rabiscos numa estrutura. Também, quando se esvazia os homens de seu território cria-se um vácuo, não um vazio, mas uma “falta que não pode ser preenchida”, porque, ao se tirar o fator tempo-espaço de uma situação, ela não se sustenta em si mesma, pode-se mais facilmente cair no viés do simplismo, o que retira a concretude e lucidez dos fatores envolvidos, tornando a pesquisa um estudo vulgar.

Então, muitas pessoas se questionam até que ponto o lugar é territorializante ou desenraizante? Não vamos tentar definir nada aqui, no sentido de enunciar atributos específicos demarcativos e sentenciantes. O que desejamos é conceituar, buscando representar os objetos pensados e os sujeitos pensantes por meio de suas características gerais, globalizando-os em seu território, sem generalizá-los.

O lugar é territorializante quando deixa de ser espaço ermo ou fronteiriço para ser território local, onde se estabelecem as fronteiras analógicas e dialógicas – no sentido baktiniano – do convívio social; e desenraizante quando faz com que o que a pessoa

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sabe e tem conhecimento pareça banal, não utilizável na forma intelectual, moral ou valorativo do migrante “em trânsito”, que necessita, em grande medida, se separar das coisas com as quais ele convive e conhece, para se deparar com a nova realidade, num constante embate entre o tempo da ação e o tempo da memória.

A identidade desses amazônidas que precisaram se mudar e estão em um outro lugar que não é o seu lugar de nascimento/crescimento é vista aqui na concepção simbólica dos sentidos envoltos em uma materialidade concreta, mas um tanto quanto turva de ser explicitada pelo pesquisador que não a vivenciou. O imaginário está no plano da consciência e embasa a reprodução da vida na perspectiva do lugar pela tríade habitante-identidade-habitat, ou sujeito-identidade-lugar. Em tudo isso percebemos que a memória dessas gentes simples da “periferia” está cheia de lembranças, eles venceram o desenraizamento e prosseguiram a vida.

Para os migrantes, a relação entre o passado e o presente remete a ganhos e perdas vivenciados em suas trajetórias. O passado – que muitas vezes está associado, em parte, a dificuldades, limitações, escassez e estagnação, considerando o quadro cristalizado em seus locais de origem – também representa aspectos positivos, envolvendo laços familiares, hábitos e práticas do cotidiano, tradições e manifestações populares, a vida comunitária, o lazer e a diversão, a riqueza da cultura local. A expansão da fronteira acreana está intimamente ligada ao aumento populacional e aos problemas por ele produzidos. O nascente mercado de terras aos poucos foi se estruturando. Essa expansão é problemática, envolta em violência e dor; as áreas cultivadas pelos antes extratores e agora colonos é apropriada pelos governantes para produção que tenha maior rendimento, uma vez que poucas eram as pessoas que tinham o título das terras. Assim, não apenas os “espaços vazios” são retomados e preenchidos, mas há a expulsão dos velhos pioneiros, que são obrigados a migrar. Com a presença do médio e grande capital agropecuário no Acre, a população expulsa do interior, abandonava as terras ocupadas ou procurava oportunidades de emprego e

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negócios, indo para a “periferia” das cidades. Para se ter em conta, segundo o Anuário Estatístico do Acre de 1977, a renda produzida pela pecuária superava a da borracha. Mesmo os seringais mais produtivos sofriam as constantes pressões para serem transformados em fazendas de criação de gado.

Nas décadas que sucederam a Segunda Guerra Mundial são vistas as muitas facetas dos interesses políticos e econômicos do Centro-Sul para com a Amazônia, e para com o Acre especificamente. O sistema de comunicações foi melhorado, as rodovias abertas, o Território Federal do Acre foi transformado em Estado, no ano de 1962, o que deu mais autonomia a ele. A própria política de colonização oficial, na década de 1970, produziu impacto decisivo sobre o “isolamento” em que o Acre ainda se encontrava, dando continuidade a uma política de “integração”, para beneficiar o capital que estava se estabelecendo no Acre.

Grileiros, migrantes do Centro-Sul e especuladores compraram terras a um preço extremamente baixo. A expansão territorial do Acre se deu de forma diferenciada entre os Vales do Juruá e Purus. Enquanto neste, as BR's 364 e 317 favoreciam a intensificação do contato com frentes demográficas externas; naquele, pairou o isolamento, a falta de estradas, e a inacessibilidade para imigrantes. Isso fez com que o aumento populacional e a concentração de novas fontes de produção permanecessem estreitamente aglutinados no leste acreano.

O propagandeado “futuro fator de desenvolvimento do Acre”, a pecuária extensiva, não alcançou seu objetivo, o governador Wanderley Dantas e seus auxiliares não conseguiram enriquecer o Acre com o progresso e o desenvolvimento. Antes, a concentração de terras nas mãos de uns poucos, a crescente derrubada das florestas para serem transformadas em pastos, a venda das toras por madeireiras vindas ao Acre e o êxodo rural, são mais visíveis como conseqüência da política implementada e do capital especulativo que, propriamente, do ostentado progresso acreano. Por conseguinte, as gentes foram migrando na direção campo-cidade, e assim se formaram os “bolsões” populacionais ao redor das cidades e às margens das rodovias.

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O “inchamento” da cidade de Rio Branco se deu como resultado da urbanização acentuada, intensificando as ampliações dos bairros periféricos e os problemas sociais na área urbana. Como conseqüência do acelerado crescimento, os problemas sociais se acumularam, já que Rio Branco não teve suporte para absorver o contingente populacional que se deslocava da zona rural. Marginalidade, desemprego, falta de moradia, dentre outros, foram constatados como desdobramentos tão palpáveis quanto dramáticos da realidade urbana desencadeada pelas mudanças sensíveis e características advindas a partir da penetração capitalista.

Analisando os dados do IBGE nos censos de 1960 e 1970, percebemos que a população riobranquense quase dobrou. Na década de 1960 eram 47. 437 habitantes, sendo 30.333 na zona rural e 17.104 na urbana; na década de 1970 a população riobranquense era formada por 48. 399 habitantes na zona rural e 35.578 habitantes na zona urbana, totalizando 83.977 habitantes.

A população que foi atingida pela entrada do capital sulista nos anos 1970, já residia há várias décadas nas terras acreanas. Os dados obtidos em uma pesquisa efetuada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) no ano de 1978, em Rio Branco, revelaram que 45% dos chefes de família que migraram para Rio Branco haviam chegado fazia menos de 10 anos, sendo a intensidade do fluxo migratório expressa ao mesmo tempo em que se introduziam as políticas públicas de acumulação de capital. Ou seja, o próprio CEDEPLAR vincula a migração dos chefes de família e as andanças populacionais às políticas públicas praticadas no período.

Então, percebemos que não é apenas a vizinhança, a localidade, não são os bairros, tampouco os 2.795,21m² que cobrem todo o setor. São as vivências, as práticas cotidianas, as relações e interações entre esses homens e mulheres, não mais migrantes, mas ligados ao local, concebido, constituído, construído e reconstruído, que permeiam as relações estabelecidas de amor e desamor, querer e renegar, estar e sair, inerentes aos seres humanos; e, nesse caso, as andanças populacionais diminuíram

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consideravelmente para dar lugar a um “fixar raízes” e viver num espaço que se fez lugar, transformando-se o transformador humano e a própria ambiência no que se pode chamar de “melhores condições de vida”, “sonho de ter um lugar propriamente seu” ou simplesmente “casa”.

Paul Thompson (1992) disse que "A construção e a narração da memória do passado, tanto coletiva quanto individual, constitui um processo social ativo que exige ao mesmo tempo engenho e arte, aprendizado com os outros e vigor imaginativo", e isso fica muito claro na fala de vários entrevistados, quando expressam como era a vida décadas atrás, há um ar de veracidade mesclada com sonhos, sonhos que podem ser reais ou imaginários, mas que de fato ocorreram, ainda que na memória deles.

Os vários migrantes reassentados no Terceiro Eixo modificaram o espaço político-geográfico ao expandir a fronteira limítrofe urbana, do mesmo modo que procuraram naquele local interagir com seus conhecidos, com as pessoas a seu redor e com o território, havendo ou não grau de parentesco, assim, modificaram também as relações no espaço social, o que diretamente refletiu na constituição de aspirações e mecanismos que expressassem um conjunto de atividades sociais na cidade, ou seja, a apropriação do espaço terrestre se processou como transformação do espaço-lugar e dos próprios indivíduos, numa interação contínua e dinâmica.

As andanças populacionais não cessaram com a chegada ao Terceiro Eixo, muitas famílias retiraram-se para outros locais. Entretanto, nunca houve um levantamento “oficial” sobre isso. A própria andança intra Terceiro Eixo é muito grande, com cerca de um terço dos entrevistados mudando-se de um bairro para outro no mesmo setor.

A maioria das gentes que teve suas terras expropriadas precisou aprender a viver em terrenos com pouco mais de duzentos metros quadrados, trabalhar para adquirir dinheiro e com ele comprar comida, uma vez que já não se podia plantar e colher produtos para a subsistência nessa pequena área. Assim como o homem modifica o ambiente, este também o modifica na interação mútua. Porque o homem precisa de um lugar para se relacionar com

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o ambiente e com seu próximo, sendo que ambos se modificam nessa interação, e o lugar se modifica a partir da influência mútua do homem com o outro homem e com o ambiente em que vive. Por isso, nessa mudança de ambiente do que antes era “rural” com porções de terras outrora medidas em alqueires e hectares, agora percebemos que são medidos em pouco mais de duzentos metros quadrados os lotes onde ficam os “pequenos quintais”, assim, não são vistas grandes plantações nos lotes do Terceiro Eixo, mas são comuns plantas, flores, árvores frutíferas e canteiros de hortaliças e leguminosas. Ao passo em o “ambiente rural” é “urbanizado” pelos reassentados, o mesmo ambiente agora “urbano” – se é que podemos chamar assim – é “ruralizado” pelas práticas, inserções e modificações tipicamente dos ambientes rurais de onde os migrantes são provenientes.

A codificação dos significados pelos sujeitos relembrantes não é livre em si, mas ancora a decodificação ao conveniente, e o próprio pesquisador envolvido na turbidez do que está posto, por mais que se esforce, em sua imperfeição, apenas sintetiza o que está posto, analisando, conceituando, definindo, explicando, explicitando, enfim, sem querer, congelando. Daí a necessidade de em muitos dos casos deixar que o sujeito pesquisado fale por si mesmo, porque mesmo uma fala retirada do seu habitat, quando contextualizada, expressa, ainda que parcialmente, o seu intento.

Todos os entrevistados na pesquisa estão no que se convencionou chamar “terceira idade”, sendo que dois terços passam dos sessenta anos. Em todos esses idosos percebemos o desejo de aprender coisas novas e o anseio por ensinar outras que já aprenderam. Suas identidades estão vinculadas não apenas à memória cultural, mas ao território local em que vivem e convivem. A esperança enraizou grande parte deles, que relembram as festas comunais e o trabalho laborioso que executavam com braços que antigamente eram fortes e pernas já não tão firmes. A voz cansada pelo tempo ainda faz surgir nos olhos as lágrimas companheiras das lembranças de tempos nem sempre ternos ou calmos, mas vividos com intensidade. Da plataforma de suas cadeiras de balanço ou da sobriedade de seus bancos

Sujeito - Identidade - Lugar

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“rústicos” de madeira de construção, muitos sonham com um mundo onde não precisem ser substituídos, mas possam interagir com o que é “novo e belo”. Nas fotos amareladas pelo tempo, vêem-se corpos reais, vivos, talvez nem tão vivos como agora, mas que despertam saudades; saudades de poderem ir à igreja sem precisar “implorar” por companhia, de ter forças para encher uma garrafa d'água. Saudades de serem respeitados como seres humanos.

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o migrar, as pessoas buscam novos lugares, transformam o habitat e se transformam no deslocamento. Ao chegar à Acidade, reelaboram novas relações, novo cotidiano, novas

expectativas. Essa é a realidade daqueles que movimentam a vida, que transformam a cidade, colocando-a em movimento a partir dessas múltiplas trajetórias. A experiência da migração atua provocando mudanças de valores e comportamentos, alterando a forma de relacionamento dos habitantes entre si e com seu habitat.

Durante várias décadas, principalmente nas de 1970 e 1980, a esperança de conseguir um “pedaço de chão” impulsionou milhares de pessoas para a área próxima ao antigo Aeroporto Salgado Filho. As populações que para lá migraram possuem uma trajetória de luta, que os levou a construir novas relações com as

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DE CAMPO DE POUSO A AEROPORTO VELHOMaria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

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quais tiveram de lidar na busca de melhores condições de vida, buscavam encontrar trabalho, segurança, educação e moradia.

O processo de ocupação das terras que hoje compõem o bairro Aeroporto Velho é resultante da dinâmica de expansão da fronteira acreana com seus efeitos sobre a estrutura fundiária. A partir da segunda metade do século XX, o crescimento urbano da cidade de Rio Branco, aliado à falência dos seringais acreanos, que foram transformados em grandes fazendas pecuaristas nas décadas de 1960 e 1970, contribuíram para a intensificação do movimento das populações para as “periferias” da cidade. Os seringueiros, expulsos de suas terras foram obrigados a se dirigirem para outros lugares, sendo gradativamente levados à zona urbana, principalmente da cidade de Rio Branco, ocasionando o surgimento de vários “apossamentos”, “invasões” e “ocupações”, que, depois, constituiriam a maior parte dos bairros da capital.

Uma das áreas a receber os primeiros moradores nesse período foi a Rua do Terminal, assim chamada devido ao terminal de combustível da Petrobrás na área próxima à IBRAL. Os moradores foram se instalando no local, que fica à margem do rio, nas terras do Colégio Aprendizado, se ajuntando nesta rua e nas ruelas concorrentes.

Toda a violência pela qual passaram os trabalhadores rurais fez com que se deslocassem das terras que ocupavam há décadas. Muitos foram expulsos e saíram sem nada, outros receberam em troca apenas uma insignificante indenização. Esses homens e mulheres migraram para as áreas de fronteira com a Bolívia ou “incharam” os centros urbanos, principalmente de Rio Branco, onde estendiam a fronteira da “periferia”, formando uma paisagem de miséria e ambiência urbano-rural, como no caso da parte norte do bairro Aeroporto Velho que foi formado principalmente por migrantes expulsos do seringal Riozinho, na área do Riozinho do Rolla, município de Rio Branco. Também, com a desativação da área de um seringal que, depois, foi transformado em Colégio Agrícola, outra leva de migrantes dirigiu-se para a parte sul do Aeroporto, para o bairro da Glória e para a Fazenda Sobral.

De Campo de pouso a Aeroporto Velho

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O nome “Aeroporto Velho” foi dado em virtude de o bairro ter sido formado nos arredores do antigo Aeroporto de Rio Branco, chamado à época Francisco Salgado Filho, posteriormente denominado Santos Drumont. De acordo com dados obtidos na Escola Flaviano Flávio Baptista, em 1939, foi inaugurada a primeira pista de pouso e decolagem para aviões de pequeno porte de Rio Branco.

Conforme informações contidas no Álbum Fotográfico do Território Federal do Acre (1946-1948) que demonstra um relatório das obras iniciadas em governos anteriores e terminadas depois que assumiu o Governador José Guiomard dos Santos, o estado da pista de pouso até 1946 era precário, sendo as instalações dos passageiros uma simples choupana:

Abrigo de passageiros do Aeroporto Salgado Filho Fonte: Álbum do Território Federal do Acre (1946-1948).

Com os investimentos do então governo do Território, várias mudanças foram colocadas em prática para que o Aeroporto atendesse os passageiros vindos de outras partes do país ou de outras localidades acreanas. De acordo com o Álbum Fotográfico

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do Território Federal do Acre (1946-1948), os aviões que aqui chegavam transportavam bois, cabras, porcos, galinhas, enfim, diversos animais destinados a melhorar a produção acreana. Além das matrizes reprodutoras, os aviões transportavam a borracha laminada do Acre para diversas partes país.

A estrutura do Aeroporto Salgado Filho, com a chegada de aeronaves mais modernas tornou-se insuficiente para comportar o fluxo de aviões. No governo de Wanderley Dantas foi construído, então, o Aeroporto Presidente Médici, no Segundo Distrito da Capital, em 1974. Com a desativação da Estação de Passageiros Salgado Filho, as imediações do local passaram a ser denominadas de Aeroporto Velho. Em 1978, o governo de Geraldo Mesquita doou o prédio da antiga Estação de Passageiros para o Instituto Nacional de Pesquisas Amazônica, o INPA. Atualmente, funciona no local o Centro Cultural Lídia Hammes, destinado a atividades da “terceira idade”.

O aumento da população do bairro nas décadas de 1960 e 1970 trouxe a necessidade de se pensar em providenciar uma escola em que as crianças pudessem estudar sem ter que se deslocar até o Centro da cidade ou atravessar a catraia até o Segundo Distrito, o que oferecia muitos riscos aos estudantes, principalmente durante o período das cheias do Rio Acre. Segundo relatos do Sr. Rocha, alguns estudantes morreram afogados no trajeto das canoas até a outra margem, com o intuito de chegar às escolas do Segundo Distrito, daí a necessidade de se construir um colégio para atender aos moradores. Sensibilizado com o problema, o Sr. Rocha, morador do local desde 1945, decidiu doar as terras para a construção de uma escola que viria a ser chamada de Flaviano Flávio Baptista.

Em 1961 foi fundada a primeira Escola do bairro, funcionando nas terras do antigo Colégio Aprendizado com o nome de Escola São João do Prado, pouco tempo depois, essa escola foi desativada e, dez anos mais tarde, foi construída a Escola Flaviano Flávio Baptista (Governo do Estado do Acre, 2004). A construção desta escola nas proximidades do Aeroporto Salgado Filho indica a existência de um número expressivo de famílias no local desde o início da década de 1960. No ano de 1971, o número

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de habitantes no local aumentou, ampliando-se também o atendimento da escola às quatro primeiras séries do ensino fundamental nos turnos da manhã e tarde, e, posteriormente, entre 1975 e 1984, estendendo-se ao turno da noite.

Além das necessidades educacionais, a população que se estabelecia no local precisava de cuidados médicos. O governo Wanderley Dantas, então, iniciou a construção do Hospital das Clínicas de Rio Branco. A construção seria do lado direito de onde, atualmente, funciona o Hospital de Saúde Mental do Acre, o HOSMAC. Embora iniciado, o grandioso hospital, com tamanho equivalente ao do atual pronto Socorro da cidade, nunca foi concluído. Suas colunas e alicerces foram levantados, mas, segundo relatos dos moradores mais antigos do local, por falta de pagamento do governo, a empresa construtora abandonou os trabalhos. A imprensa riobranquense da época, como vemos no trecho a seguir, cobrou providências para o caso, mas nada foi feito:

Na administração Wanderley Dantas (...) o Hospital de Clínicas que seria construído no Aeroporto Velho, teve seu início e foram gastas verdadeiras fortunas, mas não foi concluído, e o que foi feito de nada prestou: o ginásio coberto teve que sofrer várias reformas para dar condições de uso e agora está abandonado, servindo como abrigo para flagelados e esporte que é bom, que é cultura, nada, absolutamente nada. (BATISTA, Sérgio. O Assunto é comentário. O Jornal. Rio Branco-AC,17/11 a 25/11/ 1979, Ano 7, n.º 115, p.3)

Ao perceberem o abandono do local, as pessoas que necessitavam de um lugar para construir suas casas aos poucos foram chegando. Para isso, alguns usaram os próprios materiais deixados pela empresa, erguendo suas habitações de forma “irregular”, num “amontoado” de casas com acesso apenas por entre os próprios quintais. Hoje, com a área completamente ocupada pelas casas, é difícil perceber a grandiosidade da estrutura do hospital, embora ainda existam dezenas de vigas e colunas de concreto esperando a conclusão que não veio. A população que ali

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reside há quase três décadas convive sem as menores condições de infra-estrutura e saneamento. Assim como em outras épocas, é esquecida pelo poder público, que sequer desconfia que ali, próximo ao antigo Hospital Distrital, entre a Estrada da Sobral e a rua Rio Grande do Sul, moram cidadãos que merecem respeito e, pelo menos, condições mínimas de sobrevivência.

Dentre os bairros que compõem o Terceiro Eixo, o bairro Aeroporto Velho é o que detém melhor infra-estrutura, com a maioria das casas construídas em alvenaria. Possui, atualmente, cinco escolas, que surgiram com o impulso da articulação da própria comunidade, tendo em vista a necessidade de oferecer educação às crianças que acabavam de chegar dos seringais ou de outras localidades da zona urbana e rural de Rio Branco. Funcionam, atualmente no bairro: Escola Serafim da Silva Salgado, Escola José Ribamar Batista, Centro Estadual de Educação de Surdos, Escola Flaviano Flávio Baptista e Escola Áurea Pires.

Percebemos, também, que a presença da Igreja Católica no bairro é muito forte, com uma paróquia e duas congregações, o que demonstra a intensa participação das Comunidades Eclesiais de Base para a formação dos bairros que compõem a chamada “Baixada da Bahia”. Através da mobilização dos membros dessas igrejas foram implantadas, em parceria com outras paróquias, as congregações dos demais bairros do setor, numa demonstração da influência das CEB's na articulação dos moradores recém-chegados ao local.

Para melhor compreensão da realidade atual do Aeroporto Velho no período de sua formação, utilizamos dados obtidos na pesquisa realizada pelo professor Reginâmio B. Lima no ano de 2005, da qual também participei como pesquisadora auxiliar, na área que compreende os bairros Aeroporto Velho, Bahia, Bahia Nova, Glória, Pista, Palheiral, João Eduardo I e João Eduardo II. Foram escolhidos, na ocasião, 161 moradores que precisavam morar continuamente no bairro há, pelo menos, 24 anos, isto é, desde 1982, ou antes dessa data, além disso, deveriam ser o “chefe” ou um dos “chefes da casa” no momento da pesquisa. Neste ensaio levaremos em conta principalmente as informações relevantes para

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melhor compreensão do bairro Aeroporto Velho, já que, para a constituição deste livro, existem outros pesquisadores empenhados em coletar informações e elaborar conhecimentos acerca de cada um dos oito bairros do local.

A população que migrava para o Aeroporto Velho era originária de diversas localidades. A maioria era natural da zona rural de Rio Branco, seguidas dos que nasceram nos municípios de Brasiléia, Xapuri e Tarauacá. A trajetória desses migrantes, entretanto, não os levou direto ao bairro Aeroporto Velho, antes de lá chegarem, a maioria dos entrevistados residiu no chamado Segundo Eixo de Ocupação (Oliveira, 1982), composto pelos bairros Papouco, Preventório, Estação Experimental, Aviário, Cerâmica, Cidade Nova, Triângulo I e Triângulo II, Taquari, Oito Placas, São Francisco, Baixada da Cohab, Vila Ivonete e “inchamentos” populacionais dos bairros da Base, Papouco e Quinze. Com a valorização das terras próximas ao centro, as populações que habitavam essas terras foram levadas a sair para que fossem construídos, ainda no Segundo Eixo, os “redutos da classe média”, a saber: Jardim Tropical, Habitasa, Floresta, Cohab do Bosque, Castelo Branco e Bela Vista.

A diversidade de origens e trajetórias desses migrantes fez com que estes construíssem uma forma muito particular de dependência uns dos outros. Eles tiveram que buscar na convivência algo em comum, que os fizesse superar o drama de terem que reconstruir a vida em uma nova localidade. Nesse sentido, as CEB's atuaram de forma decisiva no processo de articulação dessa nova comunidade, que tinha em comum o fato de serem, em sua maioria absoluta, pertencentes à Igreja Católica.

A maioria absoluta dos entrevistados foi morar no bairro com faixa etária entre 26 e 40 anos, o que aponta para toda uma reestruturação de vida gerada com o novo deslocamento dessa população. Essas famílias compostas, em sua maioria, por casais com uma média de 3 filhos, buscavam melhores condições de vida, impulsionados pela perspectiva de oferecer uma moradia para os filhos, tendo em vista que muitos moravam em domicílios alugados.

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No período situado entre os anos de 1975 e 1979 a expansão fronteiriça em Rio Branco aumentou de forma acentuada. O gráfico a seguir, baseado em dados da SUCAM, indica que no ano de 1975 a quantidade de moradores nos bairros do que chamamos Terceiro Eixo era de apenas 10% do total da população que habitava as áreas situadas fora do Núcleo Central. Em 1979, esse total passou para 15%, desconsiderando-se as mais de 2.000 pessoas existentes nos bairros João Eduardo, Glória e Bahia Nova. Se acrescidos a esse total, o índice de pessoas morando naquele setor chegaria a quase 20% da população fora do eixo central. O aumento do número de habitantes no Terceiro Eixo apenas nesses quatro anos vai de 18.176 habitantes em 1975, para 53.935 em 1979.

0

5000

10000

15000

20000

Distribuiçao da População dos bairros Aeroporto, Bahia e Palheiral em 1975

Série1 455 476 1.240 18.176

Aeroporto (2%) Palheiral (2%) Bahia (6%)

Populações fora

do Núcleo

Central (90%)

0

20.000

40.000

60.000

Distribuição da População dos bairros Aeroporto, Bahia e Palheiral em 1979

Série1 2.219 3.935 3.059 53938

Aeroporto (4%) Palheiral (6%) Bahia (5%)

Populações fora

do Núcleo Central

(85%)

Fonte: Levantamento SUCAM/Acre, appud OLIVEIRA, 1982, p. 90.

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Entre 1975 e 1979 os demais bairros que compõem o Terceiro Eixo de expansão ainda estavam iniciando sua ocupação. Por isso, o que Oliveira (1982) chama de Aeroporto, compreende também parte do bairro Glória, Palheiral e parte leste do João Eduardo I; o que ele denomina Bahia compreende Bahia Velha, parte sul do João Eduardo II, parte norte do bairro Bahia Nova e parte oeste do bairro Pista. Todos esses bairros compunham o que o governo, nas décadas de 1970 e 1980, convencionou chamar de Bairro Salgado Filho, embora os moradores não o reconhecessem com essa denominação. A imposição desse nome à localidade demonstra que tanto em tempos passados como atualmente, a opinião dos moradores da localidade tem sido ignorada pelo poder público, tanto no que se refere ao atendimento de suas necessidades básicas quanto no que diz respeito ao simples direito de nomear o local em que habitam. Tanto é verdade que atualmente os governos têm pensado em trocar o nome dos bairros Bahia e proximidades para Baixada do Sol, e os moradores sequer foram consultados a respeito. Esse nome não condiz com o local: primeiro porque existem outros locais mais baixos que a Bahia; segundo porque o sol se põe a oeste, longe da Bahia, se considerada a área urbana de Rio Branco.

De acordo informações obtidas no ano de 2006 por Reginâmio Bonifácio de Lima, junto ao Setor de Cadastro Imobiliário de Rio Branco, acerca do cadastro domiciliar efetuado no bairro Aeroporto Velho, no ano de 1979, percebemos que o bairro contava com 87% de sua área ocupada, com a maioria absoluta dessas construções destinada a residências; suas ruas eram longas com poucas esquinas. Percebemos, ainda, que apenas 13% da área do bairro ainda não havia sido ocupada por construções domiciliares. Além disso, quase todos os domicílios da área pagavam os impostos IPTU e TSU, sendo, “por coincidência”, os que não pagavam, domicílios de caráter público.

As condições do solo do Aeroporto Velho eram favoráveis à construção, quase toda a totalidade de sua área é composta por terras planas, o solo apresenta condições normais, com apenas 16% de áreas alagadiças ou inundáveis, na área que margeia o Rio Acre.

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A maior parte dos terrenos era de propriedade particular, de uso próprio, apresentando cercamento com ripas e casas com as frentes voltadas para a rua.

Quanto às edificações, eram em sua quase totalidade, casas e sobrados de madeira, com fachada alinhada, dispostos de forma isolada, ou seja, sem ligação direta uns com os outros, sem revestimentos, com piso de tábuas; apenas 1/4 das casas possuía revestimento em madeira. Muitas dessa casas eram feitas com sobras de madeira de construção, quase totalidade da cobertura era feita de palha, cavaco e algumas em zinco, sendo raras as cobertas de telhas de barro. Poucas eram as casas que possuíam forro, e as que tinham, pouco mais de 10%, apresentavam forro de madeira.

Em relação às condições de higiene e instalação sanitária, percebemos a quase inexistência no ambiente interno das residências. Observamos, ainda, que, de acordo com a Prefeitura, o estado de conservação da maioria das residências era considerado regular, sendo que apenas um terço apresentava bom estado de conservação. Um terço das casas não possuía instalação elétrica, e, dentre as que possuíam, a maioria absoluta tinha fiação aparente.

Os serviços urbanos na localidade eram precários, apresentando cerca de 1% das ruas atendidas com sarjetas, esgoto, galeria para escoamento de água da chuva, limpeza urbana e calçamento; e pouco mais de dois terços dispunha de rede de água tratada. Esse último serviço se deu, principalmente, por causa da urbanização empreendida de maneira parcial e inacabada pelo então Governo do Estado, em fins da década de 1970.

Quase metade dos logradouros não possuía iluminação pública, e o número de domicílios com telefones não passava de 10%, sendo que, em sua maioria, eram instalados em órgãos do governo ou nas poucas empresas e indústrias existentes.

Quase metade dos domicílios não possuía água encanada nem energia elétrica, e raros eram os que possuíam esgoto ou telefone. Um quarto dos habitantes utilizava água de poço, já que a água distribuída pela SANACRE raramente chegava às casas, e quando chegava, a pressão era insuficiente para dar vazão às necessidades.

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A população que morava no local, além de contar de forma muito tímida com a ajuda do poder público, sempre foi vista de maneira preconceituosa pelos poderosos. Em plena Ditadura Militar, o crescimento da cidade fazia com que a terra se tornasse um bem muito caro. Com isso, os donos do poder cresceram os olhos para também ocupar as terras próximas ao Antigo Aeroporto. Parte das terras situadas nas imediações do Aeroporto pertencia à União, estando sob o domínio da Aeronáutica, parte pertencia ao Estado, parte pertencia a Prefeitura, e, parte era particular.

Com a transferência do Aeroporto para o 2.º Distrito da Capital, o Governo Estadual passou a interferir na organização e distribuição das terras no local, iniciando uma queda de braço pela posse da terra. De um lado estava o governo, tentando promover a “ordenação” do espaço urbano, incentivada de maneira mais eficaz a partir do ano de 1979, e, de outro, famílias que, chegando de outros bairros já superpovoados, da zona rural, ou de outros municípios acreanos, buscavam melhores condições para criar seus filhos. A necessidade de ter onde morar e abrigar a família era maior que o sentimento de posse do que é alheio ou ética de estar ocupando um setor que não era seu de direito.

As raras notícias divulgadas pela imprensa sobre o bairro ora davam conta das “invasões” nas áreas de terra do local, o que era feito de forma preconceituosa, ora tratavam do descaso do poder público com relação à falta de infra-estrutura. Serviços básicos como iluminação pública, saneamento, transporte público decente e policiamento eram insuficientes para atender às demandas dos moradores, que tinham que conviver com falta de água encanada, caminhar um longo percurso da “ladeira do Bola Preta” até a entrada do bairro enfrentando o lamaçal, que na época das chuvas chegava até os joelhos, sem a mínima iluminação e segurança. Muitos trabalhavam no centro da cidade e tinham que enfrentar a longa caminhada até o local, tendo em vista as constantes paralisações dos transportes coletivos que faziam o percurso Aeroporto Velho-Centro.

A situação de abandono em que viviam os habitantes do Aeroporto Velho no final da década de 1970 era motivo de

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mobilização para se alcançar melhores condições de vida em seu habitat. As reivindicações dos moradores chegavam a ganhar espaço nas páginas dos jornais riobranquenses da época, mesmo que de forma tímida. Ainda que não fosse prática dos jornais locais noticiarem fatos que desaprovassem as administrações públicas, pois a aliança com o poder político era o que mantinha e ainda mantém a imprensa local, alguns jornais como Varadouro, o Boletim Informativo Nós Irmãos, da Igreja Católica, e o próprio jornal O Rio Branco informavam acerca da situação em que viviam os moradores dos bairros em formação na década de 1970, como vemos no seguinte trecho:

Aeroporto Velho nega-se a pagar conta de energia e também reclamam da prefeitura que deixou o bairro em condições nunca vista, com ruas totalmente esburacadas. E as ruas não têm iluminação pública e outra reclamação é a falta de policiamento. (O Rio Branco, Rio Branco-AC, 14 de fev. de 1979, n.º 0513).

Grande parte dos entrevistados relata que um dos problemas para a adaptação no novo local era a falta de experiência nos trabalhos ditos “urbanos”. A pesquisa realizada com os moradores mais antigos do local revelou que, para conseguir o sustento logo que chegaram ao bairro, um terço dos entrevistados trabalharam por muito tempo como pedreiros, carpinteiros, ferreiros, “orelhas secas” e outros trabalhos braçais; também as mulheres trabalharam durante anos em “casas de família”, sendo quase um terço o número das que eram empregadas domésticas; pouco mais de um terço ainda “tentou a vida” trabalhando em colônias, na agricultura e coleta de seringa, quando deixavam as famílias nos “barracos” e iam “pra lida”. Como conseqüência da “falta de experiência e estudo”, poucos conseguiram trabalhos no setor público, a maioria ocupou-se em trabalhos autônomos: eram, muitas vezes, biscateiros, domésticas, agricultores, seringueiros, homens e mulheres que chegavam ao local com expectativas de melhores condições de vida, impulsionadas pelo desejo de fixar-se

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em um local que pudessem chamar de seu, próprio, que lhes permitisse proporcionar para os filhos o acesso ao estudo que não puderam ter.

Quase todos dos entrevistados chegaram ao Aeroporto Velho acompanhados de suas famílias. Ficavam sabendo do local para morar através de um conhecido ou de um parente. Embora não conhecessem ou tivessem poucas informações sobre o local, iam se instalando na esperança de verem-se livres da falta de moradia ou do aluguel.

Ao serem perguntados se, havendo condições, teriam continuado no local onde moravam, a maioria absoluta dos entrevistados respondeu que não. Isso demonstra a integração das populações que antes foram tornadas andantes ao seu novo habitat. As condições de vida dessas pessoas mudaram, comparando-se ao período de chegada no local, percebemos que atualmente aumentou o número dos que se tornaram funcionários públicos. No início da década de 1970 eram apenas 5%, na atualidade o total chega a quase 30%. De mesma forma, quase 20% passaram a trabalhar em empresas privadas e cerca de 23% conseguiram aposentadoria; embora, pela idade, o número de aposentados devesse ser o dobro.

De acordo com Lima (2006), percebe-se o relacionamento, ainda que parcial, de vários moradores com a localidade. Assim, sendo, optamos por citar na íntegra o pensamento construído acerca de um dos entrevistados. Ao falar sobre suas vivências, o senhor Manuel, comenta que chegou ao bairro ainda na década de 1940. Sua participação na constituição e organização do local foi muito significativa, pois além de testemunhar todo o processo de formação do bairro, atuou na articulação dos moradores na luta por seus direitos, fez doações de terras para a construção de escola, da primeira igreja católica do local, uma vez que possuía quatorze hectares de terra, onde hoje é o sul do Aeroporto Velho.

Da sobriedade de sua cadeira de balanço, o senhor Manuel fala saudoso de sua ida para o local, suas terras e a ocupação delas, e, a relação de poder na Ditadura Militar:

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Cheguei aqui no dia 06 de janeiro de 1945, vim e fui trabalhar no Instituto Agronômico do Norte – APRENDIZADO, eles ensinavam tudo ali, tinha hora pra moer cana, pra fazer horta, também tinha tudo. O instituto era pra plantio de seringa, nas mesmas terras do instituto, nas terras da Bahia, tudo aqui ao lado [do Aeroporto Velho] era do instituto, e ali naquele lado ali, perto daquele grupo lá [Escola Tancredo Neves] ali pra lá tudo era do instituto, foi plantado 55 mil pé de seringa, aí depois foi extinto, aí eu fui pra Belém, transferido pra lá, aí passei lá três meses, aí pedi demissão do serviço, já tava com cinco anos que eu trabalhava, aí voltei pra cá, cheguei aqui, entrei na Polícia, na qual me aposentei, ela era federal, naquele tempo tudo era federal, o Território. Eu me aposentei da União, trabalhei mais de 30 anos. Ali pertinho da Escola Tancredo Neves, prali tinha uma terra onde plantava eucalipto, era experimental também, era uma colônia. (Lima, 2006, p.146)

De acordo com o Senhor Manuel, através de um acordo que visava proporcionar a construção de um conjunto habitacional em suas terras o Governo executou a desapropriação por um preço muito baixo, iniciou o pagamento parcelado, mas nunca concluiu, tanto que até o ano de 1985 ele ainda pagava o imposto referente a suas terras junto ao INCRA. O conjunto habitacional nunca saiu do projeto, seu Manuel não recebeu completamente o que lhe era devido e as suas terras foram ocupadas por populações tornadas migrantes que necessitavam de um lugar para se reassentar. Segundo ele, pouco pôde fazer no período, os governantes disseram que pagariam pela posse da localidade, mas suas terras nunca foram indenizadas.

As pessoas começaram a chegar aqui nas minhas terras [parte sul do Aeroporto Velho] por volta de 1977 mais ou menos. Agora é cheio de gente. (...) Eu fiz negócio com o governo, (...) Ele foi que distribuiu terras pra fazer política.Bom, eu queria falar sobre o motivo dessa terra aqui,

De Campo de pouso a Aeroporto Velho

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era uma pastagem até uns 20 anos atrás. O regime militar colocou todo mundo “no bolso”, se você tinha uma propriedade eles a invadiam e faziam o que queriam, né? Então, eu vim pra cá na época e ganhei essas terras do Departamento de Produção, e tenho um documento do INCRA que regulariza essas terras, são 14,8 hectares cadastrados. Aí eu tive um aumento de terras e eu cadastrei, já tinha mais terras, mas eles nunca me deram o documento de cadastro, quem fez isso foi o Departamento de Produção, aí depois que veio o INCRA, eu tive de pagar pela terra. Aqui era minha colônia, onde criava meu gado e plantava. Isso porque já tinham desativado o Instituto Aprendizado. (Lima, 2006, p. 147)

Na luta para integrarem-se ao lugar, os habitantes do Aeroporto Velho enfrentaram grandes dificuldades. Ao falar sobre a chegada ao local, os moradores evocam lembranças, reminiscências, relembrando a solidão de estar em um lugar novo, as adversidades pela obtenção de alimentação, moradia digna e dinheiro para o sustento da família. Relembram a precariedade da vida, mas não se arrependem de terem migrado. O local que deixaram traz mais lembranças tristes que agradáveis. Eles venceram o desenraizamento, vindos da zona rural, migraram várias vezes, ora “expulsos”, ora almejando dias melhores, demonstram que no momento de “escolher migrar”, a esperança e, ao mesmo tempo, o medo, foram conselheiros, na busca por melhores condições de vida.

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este ensaio buscamos retratar alguns traços ocorridos na história de ocupação e formação do bairro da Glória. Para Nsua elaboração foram realizadas entrevistas com seus

moradores mais antigos. Acreditamos que seus depoimentos nos permitem entender a dinâmica do processo de constituição do bairro, dos deslocamentos vividos por seus moradores, as razões que os impulsionaram para o local, principalmente sobre as táticas exercidas na luta pela sobrevivência. Temos a intenção de refletir e explorar, através das lembranças dos moradores, o universo de significados produzidos sobre suas histórias e vivências no bairro.

Localizado entre os bairros da Pista, Bahia Nova, Boa União, Ayrton Sena e Aeroporto Velho, o bairro da Glória é

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GLÓRIA: SINÔNIMO DE CONQUISTA DA TERRALelcia Maria Monteiro de AlmeidaAntônio Vladimir da Silva Barbosa

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constituído de uma área territorial de aproximadamente 215.975m², desmembrada do Aeroporto Velho e do bairro Bahia, tendo o pico de sua ocupação entre os anos de 1971 a 1982, sendo o fluxo de maior intensidade os anos de 1976 a 1979. Antes da ocupação da área que o constitui, bem como dos demais bairros que formam o Terceiro Eixo Ocupacional da cidade de Rio Branco, o espaço era constituído de seringais, fazendas, colônias e por último, área destinada ao Aeroporto Salgado Filho, que funcionou até meados de 1974.

Segundo matéria do jornal O Rio Branco produzida em abril de 1996, o bairro originou-se de uma “invasão”. Inicialmente não teve nenhuma denominação, só surgindo como “bairro da Glória” quando o então prefeito Adalberto Aragão resolveu desapropriar a área em favor dos “invasores”, processo que havia começado na gestão do governador Nabor Teles da Rocha Junior, em meados de 1983. Os moradores acabaram por ver essa ação como uma conquista, e traduziram todo o processo de luta pela terra, e a conseqüente conquista da terra enquanto uma glória alcançada, originando-se assim, o nome do bairro.

Na trajetória das lembranças dos moradores, o inicio de toda essa história é difícil de dizer. Os homens e mulheres entrevistados não sabem exatamente quando e como tudo começou, mas são eles que lembram e nos contam que houve um tempo em que as histórias de vida de uns se misturaram com as de outros, e as pessoas foram levadas a lutar juntas como forma de garantir sua sobrevivência.

Para conhecermos par te dessas h i s tó r ias e compreendermos um pouco o jeito de ser e de viver das pessoas que ali residem, basta andarmos por suas travessas, becos e ruas, e ouvir as histórias de seus habitantes para entendermos que são histórias traçadas pelos processos de lutas vividas por um povo na “conquista de um lugar”.

A área que compõe o bairro é pequena, mede apenas 215.975m², subdivididos em pequenos lotes suficientes apenas para construir modestas moradias e desenvolver práticas tradicionais de suas culturas representadas, por exemplo, no ato de plantar árvores frutíferas e cultivar canteiros no fundo do quintal.

Maior que a área, é a força das pessoas que lutam pela posse

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da terra e os significados que por eles lhes foram atribuídos. Sua terra não é tão fértil se comparada com as antigas áreas onde moravam, mas foi ali que encontraram a fertilidade de suas vidas.

Antes de sua chegada ao bairro eles andaram por muitos lugares e passaram por várias terras. Talvez jamais tenham pensado que a ausência destas chegasse um dia fazer parte de suas vidas. Mas, houve um momento em que a falta da terra tornou-se real, e suas vozes tornaram-se vozes sem terra, em decorrência do projeto de desenvolvimento brasileiro que traçou uma política econômica para a região amazônica em substituição ao extrativismo da borracha. O novo projeto de desenvolvimento se tornou responsável pelo desencadeamento de profundas mudanças na estrutura fundiária, provocando êxodos, contendas, prelos judiciais, empates e luta pela posse da terra.

A população acreana durante todo o período correspondente de 1877 a 1950 teve a economia extrativa como seu principal produto e base de sua sustentação, mas com a crise dessa economia, a nova política de colonização foi vinculada à ocupação das terras da região por uma atividade que garantisse o desenvolvimento e a expansão do capitalismo.Silva (1998) diz que esse período pode ser considerado o redescobrimento do Acre pelos brasileiros do resto do país. Ao contrário da necessidade da defesa da floresta no período dos seringais, esse redescobrimento tem a pecuária como a nova exploração “econômica”, prática que muda a forma de utilização da terra e que acaba por provocar situações criticas de tensão social. O autor aponta o ano de 1971 como o marco dessa nova fase, sendo que esse tem seu ponto culminante nos anos de 1972 a 1975.

Nesse período a população do Acre, formada principalmente por ex-seringueiros e agricultores teve que conviver com acontecimentos que não lhes eram tão comuns. Foram atingidos pela pressão sobre a terra, e o acesso a ela, que antes era relativamente fácil, a partir de então se transformou em processo complexo e conflituoso, já que se tornou objeto especulativo, uma mercadoria em rápida valorização que os grandes empresários e comerciantes passaram a negociar. Assim,

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grandes extensões de terra foram submetidas à especulação das imobiliárias, dos investimentos em pecuária extensiva e outras formas de reserva de valor.

Inicia-se assim, uma corrida pela terra no Acre que alterou a sua estrutura fundiária e agravou a concentração, mudando sua forma de posse e uso. Mudanças que provocaram grandes conseqüências nas vidas dos trabalhadores acreanos.

A situação econômica provocada pela expansão capitalista através da implantação da pecuária resultou em uma nova utilização do espaço rural, uma vez que as terras dos antigos seringais foram transformadas em áreas de pastagens. Política que contou com apoio através de incentivos fiscais, tanto do Governo Federal quanto do Governo Estadual. No Acre, o Governador Wanderley Dantas foi o grande defensor e incentivador do desenvolvimento da pecuária. Esse modelo de desenvolvimento acabou por provocar vários conflitos, envolvendo, de um lado, os trabalhadores ex-seringueiros e agricultores que residiam nas antigas colocações e, de outro, os pecuaristas.

O pecuarista para garantir a posse da terra desenvolveu táticas para a “limpeza” das áreas que acabaram por provocar a expulsão de centenas de famílias de seus locais de moradia e a obrigar outras tantas a venderem suas terras por um preço inferior a seu valor. A perda da terra contribuiu para o surgimento de um contingente populacional pobre e excluído que perdeu o direito à moradia, alimentação, costumes e hábitos, e que tiveram que encontrar mecanismos de sobrevivência no meio urbano.

Na busca da sobrevivência, ao chegar às cidades, os trabalhadores se dirigiram para as áreas desocupadas ou com pouca ocupação, construíram suas moradias e acabaram por ampliar o espaço urbano, dando continuidade à expansão das áreas de “periferias”. A cidade de Rio Branco é a que mais sofreu interferência deste processo por ser a capital do Estado.

O bairro da Glória, assim como outros bairros periféricos de Rio Branco, é constituído de trabalhadores que passaram pelas

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mudanças provocadas pelo estabelecimento e desenvolvimento da atividade pecuarista e que foram obrigados a percorrer vários caminhos em busca de melhores condições. Pessoas com histórias de vida provenientes de diferentes lugares, que perseguiram o sonho de reconstrução de suas vidas. Habitantes com costumes parecidos, que acabaram por possuir semelhanças nas condições de existência que lhes foram impostas. Suas histórias foram sendo construídas a partir de experiências diversas dentro de um mesmo universo de oportunidades. Oportunidades nem sempre boas, nem sempre desejadas.

Bairro da Glória 2007. Foto: Reginâmio Lima.

O bairro acabou por se tornar o lugar de refúgio e descanso para aqueles que há muito tempo se movimentavam em busca de um lugar para morar com a família. A maioria de seus habitantes é proveniente dos municípios de Tarauacá, Sena Madureira e Feijó. Alguns saíram de suas terras (muitos deles obrigados) e fizeram no

3 O termo “limpeza” aqui utilizado faz referência ao esvaziamento das terras, retirando as pessoas das áreas que ocupavam para que fossem implantadas as várias fazendas de gado.

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bairro da Glória sua habitação, mas a maioria absoluta de seus moradores residia em outros bairros de Rio Branco, antes de ir para lá.

Segundo Lima (2006), alguns dos moradores residiam até o ano de 1973, numa área no limite da Rua Rio Grande do Sul, em frente ao lugar onde atualmente se situa a Secretaria de Estado de Educação. Esses homens e mulheres foram expulsos do local para a construção do conjunto Castelo Branco, um dos primeiros conjuntos habitacionais da cidade, por isso, se dirigiram para a área onde atualmente estão formados os bairros Palheiral e Glória.

No movimento em busca de moradias se dirigiram para o local que consideraram disponível, formado por uma área alagadiça, onde inicialmente o acesso a muitas casas durante o período chuvoso se dava através de extensos trapiches: estruturas de madeira muito comumente usadas na região amazônica.

Essa característica pode ser identificada no depoimento de uma das primeiras moradoras, J.A., residente no bairro há 48 anos: “O bairro era uma colônia (...) minha casa foi uma das primeiras, era feita de paxiúba, os únicos meios de transporte eram carroças de bois e cavalos”.

Para aqueles que percorreram seus caminhos, muitas vezes a pé, cavalo e carro de bois, através de varadouros pelos muitos seringais acreanos, e mesmo de batelões e canoas pelos nossos vários rios, viver em um lugar com essas características, não significava grandes problemas, desde que tivessem suas casas e através delas as oportunidades de reconstrução de suas vidas, uma vez, que teriam, a partir de então, um lugar onde poderiam construir suas moradias e criar seus filhos.

Hoje, no depoimento de 80% dos entrevistados, lembrar das histórias de saída de onde moravam e da ocupação do bairro quando chegaram é rememorar o sofrimento, já que é assim, que consideram terem sido suas vidas antes de mudar para o bairro. A saída por melhores condições de vida está expressa, para mais da metade dos moradores, no acesso à moradia. Moradias que inicialmente foram construídas em madeira e que representavam o jeito de viver na Amazônia, acabaram por demonstrar a forma de viver das pessoas antes de chegar ao bairro.

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Uma das características do bairro é que, antes de chegar ao local, mais da metade dos seus moradores trabalhavam como agricultores, autônomos, e uma pequena porcentagem de 10% era constituída de funcionários públicos.

Por ser, em grande maioria, representados por trabalhadores da terra, com suas chegadas no espaço urbano e a ida para o bairro, tiveram que se incorporar em outras atividades para sobreviver. Por não ter qualificação e nem um nível escolar que lhes permitisse trabalhar em lugares que lhes proporcionasse um bom salário, passaram então a desenvolver atividades na maioria das vezes de baixa renda. Dos entrevistados um universo de 41,16% teve como primeiro emprego após morar no bairro a função de autônomos, trabalhadores braçais e serventes, seguidos de um terço de funcionários públicos e 11,76% de domésticas.

Outra peculiaridade do bairro pode ser percebida através da formação escolar de seus moradores. Quase 20% deles nunca estudaram, mais da metade está entre os que iniciaram a 5ª série, sendo que nem todos concluíram. Menos de 10% concluíram a 8ª série, pouco mais que isso concluiu o 2º grau e somente 4,54% tem instrução de nível superior (faculdade).

Mesmo com essa realidade da formação escolar da comunidade, somando-se a isso o fato de o bairro não possuir escolas, atualmente mais de um terço das mulheres entrevistadas são donas de casa e 17,64% são moradores aposentados. O número de funcionários públicos se manteve em 29%, e 17% autônomos, serventes e trabalhadores de empresas privadas. Este último aspecto demonstra uma melhoria no nível de trabalho dos moradores.

Da época da ocupação em inicio da década de 70 para hoje muitas transformações ocorreram, alguns benefícios foram adquiridos, outras de suas necessidades ainda permaneceram.

De acordo com o Boletim de Cadastro Imobiliário no primeiro cadastramento realizado pela Prefeitura Municipal de Rio Branco em 1979, o bairro na época era formado por 13 quadras e 355 domicílios. Dessa época, os entrevistados lembram que o bairro apresentava muitas dificuldades, sendo as principais

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representadas pela falta de água, luz, calçamento e esgoto.No ano 2000, segundo pesquisa censitária realizada pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o bairro já tinha uma população estimada em 3.048 habitantes distribuídos em 1.135 domicílios. Estes, porém, a exemplo de tempos passados, ainda hoje têm que lidar com a ausência de políticas pelo poder público para sanar velhos problemas. Apesar do desejo da totalidade dos moradores, quando para lá se mudaram, de encontrar o lugar com adequadas condições de moradia, mais de 20 anos depois de seu processo de ocupação, a falta de condições de infra-estrutura ainda é um dos principais problemas do bairro.

Apesar da existência de rede de água tratada, ela não chega a todas as residências, por essa razão, mais da metade dos moradores consomem água de poço. Somente três ruas são pavimentadas, a Estrada da Sobral, a Rua Rádio Farol e Rua XV, com exceção dessas, é comum ver nas outras ruas o esgoto correr a “céu aberto”. A novidade está em relação ao fornecimento de água, a atual gestão municipal está trocando a estrutura da rede hidráulica, visando à ampliação do fornecimento de água, além de ter iniciado o trabalho de duplicação da Estrada da Sobral .

Outras mudanças também ocorreram, seguindo um caminho natural imposto pela dinâmica da cidade. Com o tempo, muitas casas de madeira com cobertura de palha foram sendo substituídas por outras, construídas em alvenaria; as casas de madeira, que no passado foram predominantes, apesar de muitas ainda existirem, estão cada vez mais deixando de serem construídas. O meio urbano não provocou mudanças somente na forma de construção das moradias, outras características da cultura dos moradores do bairro também foram alteradas. No entanto, muitos de seus hábitos e costumes permaneceram.

Apesar das mudanças que ocorreram, diversas formas de defesa de suas maneiras de viver foram postas em práticas. É o caso das relações de parentescos e amizades que, apesar de terem suas formas alteradas no processo de mudança, são ainda hoje preservadas. Quase todos os moradores vieram com a família,

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encontrando na presença de parentes e amigos a forma de manutenção da organização familiar. Fato que se comprova pela presença de 42.85% dos entrevistados que apresentam quatro ou mais parentes morando ou no bairro ou em bairros ao entorno deste.

Entre idas e vindas alguns elementos permanecem, e reafirmam no dia-a-dia os valores dessa gente moradora do bairro. Um elemento que traduz esses homens e mulheres é a fé: fé em Deus, em tempos melhores, em realizar seus sonhos de “educar os filhos”. Dentre os moradores do bairro, mais da metade são católicos, pouco mais de um terço é constituído de evangélicos e uma porcentagem de 4.54% é formada de adeptos de outras denominações religiosas.

Se a religião é um traço forte dentro do bairro, o lazer apresenta aspectos menos favoráveis. A diversão é traduzida para 27.27% dos entrevistados no ato de freqüentar festas. Para a mesma porcentagem, está no simples ato de jogar bola, e, para 18.18%, em ir a igrejas.

O ponto que não é favorável, no que diz respeito ao lazer, se refere a uma porcentagem de 27.27% dos moradores que dizem nada fazer voltado para a diversão. Aqui, abre-se um aspecto para discussão, pois quem faz uso dessa fala são os entrevistados que estão inseridos na faixa etária dos idosos. O que torna necessário à superação da fronteira do preconceito e da exclusão, no sentido de realização de políticas públicas que os insira e lhes permita usufruir os benefícios básicos que lhes são de direito. A comunidade do bairro da Glória desde o inicio tem uma história construída na busca severa dos direitos de seus moradores. Direitos que quase sempre foram negados pelo poder público.

Além dos pontos que estão expressos neste ensaio, muitos outros aspectos históricos compõem o bairro. Aspectos que devem ser revelados para que conheçamos melhor os espaços e os lugares de nossa cidade. Não se assustem com os bares na avenida principal, nem com os pequenos botequins à frente ou ao lado de muitas casas. Como diz um ditado popular: “as aparências

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enganam”. Apesar de, às vezes, reinar um barulho quase que absoluto a ponto de levar ao observador que chega a tirar conclusões precitadas, e de expressar o lugar enquanto um ambiente de violência, as pessoas ali atendem bem, sentam-se para responder às perguntas que lhes fazem. Lá é um lugar como todos os outros onde há vivências e interações.

São esses senhores e senhoras que nos processos migratórios dos seringais para a cidade e desta para o bairro foram obrigados a mergulhar em uma realidade diferente da que estavam acostumados, tendo, com isso, muito das suas raízes perdidas. São deles os olhos que transmite, às vezes, certa nostalgia do que ficou para trás, e, às vezes, um brilho de alegria na eterna esperança de dias melhores. Apesar de tudo que passaram são feitos de força, coragem e determinação. Hoje, na soma dos caminhos percorridos possuem muitas histórias para contar.

São pessoas que gostam de contar suas histórias e que através de suas lembranças nos permitem uma longa viagem que acaba por nos descrever sentimentos de saudades em relação ao tempo de outrora. Saudades apenas, pois a maioria dos moradores não voltaria a morar no local de onde vieram, e pouco mais de dois terços apontam a vontade de continuar vivendo no bairro e seguindo em frente na conquista dos sonhos.

É deles a história que contamos aqui, pois, é através das lembranças que têm na memória e dos fatos que por eles foram vividos que podemos saber sobre um pedaço da história da cidade de Rio Branco. Pedaço que pode ser mais bem compreendido e desvendado, para isso, basta que sigamos rumo ao bairro.

Então, para aqueles que quiserem aprofundar o conhecimento e escrever mais um pedaço dessa história, basta bater palmas, é bem provável que uma porta se abra e que vos convide a entrar. E todas as vezes que isso acontecer, glória para nós, pois, estaremos conhecendo mais um pouco dos processos de posse e conquistas das terras acreanas.

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erras. Gentes. Homens, mulheres e crianças nos são apresentados. Um contato imediato que, nas muitas falas e Tolhares, nos contam dos seus anseios, sonhos e realizações e

acabam por nos permitir conhecer um pouco do processo de ocupação e formação do bairro. Contato que se deu através de conversas e das entrevistas, e que, somados a outros documentos, contribuíram para a elaboração deste ensaio, no qual, esperamos contemplar algumas das inúmeras histórias dos moradores e suas relações para a construção desse espaço que se faz lugar, denominado bairro da Pista.

As andanças que tanto fervilharam o suor e o sangue dessas gentes fizeram-nas seguir por muitos lugares até se reassentarem

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BAIRRO DA PISTA: UM LUGAR EM CONSTRUÇÃOLELCIA MARIA MONTEIRO DE ALMEIDA

Cleunilde Silva dos Santos

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no setor chamado Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, área em que o bairro está inserido. Oliveira (1982) denomina como Terceiro Eixo a alternativa de crescimento urbano, que segue em direção ao antigo Aeroporto através da Rua Rio grande do Sul, retratando que essa área já em 1982 era constituída por mais de 15.000 pessoas, entretanto, nos anos seguintes este número tenderia a crescer, permitindo o surgimento de novos bairros.

O Bairro da Pista, objeto deste ensaio, está localizado entre os bairros Palheiral, João Eduardo II, Bahia Velha, Glória e Aeroporto Velho, tendo uma extensão de aproximadamente 32.060 m². Seu nome tem origem por ser paralelo à antiga pista do primeiro campo de pouso pertencente ao Aeroporto Francisco Salgado Filho, que em 1939 fora inaugurado para pouso e decolagem de aviões de pequeno porte.

Quanto à trajetória da pista de pouso, os aviões percorriam o local onde atualmente está situada a 6ª USP, indo até as proximidades do Rio Acre, num traçado paralelo à Estrada da Sobral. Os aviões pousavam e se dirigiam ao terminal de embarque

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Campo de pouso do Aeroporto Francisco Salgado Filho.Fonte: Fundação Garibaldi Brasil

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e desembarque que ficava próximo ao rio para descida de seus passageiros, que na década de 1940 utilizava embarcações de acesso até o antigo Aeroporto Salgado Filho.

Essa passagem presente nas lembranças dos antigos moradores do Bairro descreve a instituição de cultura do Município, Centro Cultural Lídia Hammes, como o referencial do Bairro, mesmo este sendo localizado no Bairro Aeroporto Velho.

O Lídia Hammes era a Antiga Estação de passageiros, aí fizeram o novo Aeroporto Presidente Médici, então esse aqui, ficou conhecido como o velho Aeroporto, (...) aqui, se tinha duas entradas uma ao fundo para o desembargue das lanchas ou na década de 60, 70 pela entrada principal, sendo que já se utilizava de carros, (...), a torre era utilizada para dar visibilidade aos novos visitantes, isso aqui é uma história viva. (Entrevista com S.P., realizada em 26/10/2006 por Cleunilde Santos).

É também através das lembranças dos moradores que podemos saber mais sobre a estrutura e funcionamento do Aeroporto Salgado Filho. O Aeroporto funcionou de 1939 até 1974, quando então foi desativado em razão da inauguração do Aeroporto Presidente Médici, o novo Aeroporto da cidade. Em 1939, quando de sua efetiva instalação, toda uma infra-estrutura que envolvia uma torre de identificação e casas para depósitos foi construída para garantir o seu pleno funcionamento.

Após sua desativação, há 32 anos, muitos dos elementos da época foram perdidos, como é o caso da Torre de Identificação da antiga Rádio Farol, que foi ao chão exatamente no mês de agosto de 2006 por estar em uma área ocupada e tornada particular, dela restando somente a lembrança na memória dos moradores mais

4Lima, Reginâmio Bonifácio. Sobre Terras e Gentes: O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971 – 1982). João Pessoa: Idéia, 2006.

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antigos Mas, nem tudo fora perdido no decorrer do tempo, há coisas que conseguem surpreender pela profunda resistência. É o caso que envolve uma pequena casa em madeira e um prédio antigo em alvenaria, que também faziam parte da estrutura montada para o funcionamento do Aeroporto e que subsistiram à ação do tempo representando hoje fragmentos históricos da época.

Com a instalação do novo Aeroporto, a área da antiga Pista foi, aos poucos, se transformando em lugar de construção de moradias, iniciando assim seu processo de ocupação e formação, que se intensificou no início da década de 1980, quando cerca de 75% das famílias residentes fixaram moradia no bairro. É interessante lembrar que na área onde se situa a Estrada da Sobral, de um lado fica o bairro Aeroporto Velho e, do outro, entre as ruas São Salvador e rua XV, fica o bairro da Pista, que se estende até as proximidades da Escola Frei Thiago Maria Matiolli.

A maioria dos moradores do bairro nasceu em outros municípios do Estado, principalmente Tarauacá e Sena Madureira, e com a crise da economia da borracha vieram morar em vários bairros de Rio Branco, se mudando para o local quando de sua ocupação.

De acordo com o levantamento da pesquisa de 2005, no trabalho sobre a formação dos bairros da localidade, realizado por Lima, com pessoas que moram no bairro há pelo menos 24 anos, sem se mudar do local, desde o período de formação, cerca de 38,76% dos moradores chegaram ao bairro com idade entre 26 e 40 anos. A maioria dessas famílias tinha em média cinco membros. Antes de ir para o bairro da Pista trabalhavam como agricultores, seringueiros ou criadores de gado. Essas pessoas vieram em busca de melhores condições de vida, sobretudo, em relação à educação dos seus filhos. Nesse sentido a maioria absoluta dos entrevistados quando perguntados acerca de como era a vida antes de chegar ao bairro, classificaram como sendo uma vida muito ruim, de muito trabalho e sacrifício.

Os novos moradores do “ambiente urbano” tiveram que reelaborar um modo de viver e se adaptar às diversas profissões existentes na cidade. Dados obtidos na pesquisa com os

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entrevistados retratam que quase metade das mulheres que vieram para o local passaram a trabalhar como empregadas domésticas, e os homens trabalhavam como autônomos e biscateiros. Essa realidade é justificada pela falta de formação escolar dos moradores entrevistados, quase metade deles não concluiu o primário, e cerca de um quinto não foi alfabetizado. Essa falta de formação tem sua explicação na origem dos moradores, principalmente os mais antigos que não tiveram oportunidade de estudar, mas que a possibilitaram aos seus filhos, o que corresponde a uma minoria de 15,38% que já concluíram o nível médio.

Hoje cerca de um terço dos moradores entrevistados exercem cargos públicos, principalmente como vigias, serventes e serviços operacionais diversos, mais da metade dos entrevistados trabalham de carpinteiro, pedreiro, ferreiro, “orelha seca” e diarista.

Ainda em relação à formação dos moradores é importante frisar, que mesmo o bairro da Pista assim como o bairro da Glória não possuindo escolas na comunidade, todos os bairros que fazem limite com o bairro da Pista contam com escolas em suas áreas, e é para elas que os alunos do bairro se dirigem.

Se os aspectos apontados acima auxiliam a caracterizar a educação do bairro, é bom, então, conhecermos outros aspectos que revelam a comunidade, como os casos do lazer e da religião.

A comunidade do bairro não dispõe de espaços destinados ao lazer, os habitantes do local, principalmente os jovens e adolescentes, utilizam as estruturas existentes nos outros bairros para lazer, esporte e recreação, como o complexo poli esportivo denominado SEJA e o Ginásio Coberto Álvaro Dantas, ambos localizados no bairro Aeroporto Velho, e, a praça em frente ao Mercado Municipal Luiz Galvez, no bairro Palheiral.

Quanto à diversão daqueles que estão na “terceira idade”, nas muitas falas dos entrevistados, a palavra lazer e diversão foram traduzidas no ato de se reunir em festas de aniversários, visitas a

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velhos conhecidos e encontros realizados nas igrejas. Esse último aspecto acaba por revelar a religiosidade da comunidade. Dentre os entrevistados por Lima, cerca de 46% são católicos, outros 46% são evangélicos de varias denominações, e, 8% praticam outras religiões.

Outra característica abordada no levantamento da pesquisa foi a infra-estrutura. O sonho de todos os entrevistados que foram morar no bairro era de tê-lo encontrado com água, luz, esgoto e calçamento. No entanto, mais de 30 anos após o inicio de sua ocupação, a realidade é que a comunidade ainda conta com um precário serviço de fornecimento de água, uma rede de esgoto que não atende a todos e calçamento somente nas principais travessas. Colaborando, por se tratar de um solo encharcado, para que muitas famílias convivam principalmente no inverno, com quintais e ruas alagadas.

Bairro da Pista 2006. Foto: Cleunilde dos Santos.

Cabe ressaltar que atualmente a Estrada da Sobral, via de acesso principal ao bairro, encontra-se em inicio de pavimentação e duplicação, é bem verdade que muitas outras melhorias de infra-estrutura ainda se fazem necessárias.

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Apesar dos problemas, os moradores afirmam que gostam de morar no local, o que não os faz deixar de identificar suas deficiências e dificuldades diante das poucas melhorias que se teve nos últimos anos. Requerer do poder público as melhorias que o bairro necessita não significa para esses moradores abrir mão de antigos hábitos e costumes. As relações mantidas no bairro por seus moradores ainda são, em grande medida, pautadas em valores do tempo em que moravam nas florestas ou no campo. As relações mantidas entre vizinhos, apesar das diferenças de trabalho ou de moradia, ainda permitem que a maioria se conheça. Tanto os mais novos podem dar informações referentes aos moradores mais antigos, quanto esses conseguem identificar os novos vizinhos que chegam.

É essa dinâmica do viver, do se identificar enquanto sujeitos do passado e transformadores do presente, que faz do Bairro da Pista um local de interação, onde novas famílias surgem, novas casas se constroem e novas amizades acontecem, através das lembranças dos moradores, da alegria de poder contar suas histórias de vida. Os Franciscos, Josés, Raimundos, as tantas Marias evidenciam as passagens transitórias entre o seringal e a cidade; é mais que poder relembrar tantos acontecimentos, é se situar como agente da transformação do próprio bairro no decorrer dos tempos.

Essa história coincide com o surgimento de muitos outros bairros da cidade inseridos no contexto dos anos de 1970, um período marcado por uma nova diretriz governamental onde as políticas de investimentos estavam voltadas para o “progresso econômico”. “Progresso” esse que nunca chegou.

O Bairro da Pista surge nesse período. Seu processo de ocupação “urbana” inicia-se, segundo Lima (2006), justamente na década de 1970, se intensificando na década de 1980, principalmente entre as Ruas XV, São Salvador e Estrada da Sobral.

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A comprovação da intensificação das ocupações pode ser localizada através de matéria jornalística do jornal O Rio Branco do ano de 1980:

Cerca de 200 pessoas estão demarcando uma área de terra localizada entre os bairros da Bahia e Palheiral, próxima do Ginásio Coberto “Álvaro Dantas”... armados de enxadas, terçados e outras ferramentas usadas para limpeza dos terrenos (...) a maioria alega que deixou suas casas nos bairros da Bahia e Palheiral em virtude de assaltos, crimes e presença de pessoas dadas a valentias. “O Palheiral e Bahia - disse um dos invasores - são bairros que não oferecem segurança para as famílias. Não tem luz, água e nem ruas e se alguma coisa acontece ali, somos obrigados a resolver nós mesmos, porque até o acesso da polícia é difícil”. Outros estão demarcando terrenos “porque não têm onde morar” (O Rio Branco, Rio Branco-AC, Ano 10, nº 856, 13 de mar. de1980, p. 1).

Se formos considerar a descrição presente na matéria do jornal, podemos perceber a situação e a angustia em que se encontravam as pessoas que para lá se dirigiram, bem como os conflitos existentes nas áreas próximas, fruto da falta de infra-estrutura adequada nos locais de onde os ocupantes eram provenientes. Ainda é possível, pelo depoimento, identificarmos a expressão “invasores” adjetivo preconceituoso direcionado aos muitos trabalhadores e trabalhadoras que ocupavam as terras devolutas.

Outro fator importante identificado na matéria em 1980, e que foi comprovado em pesquisas realizadas em 2005 por Lima (idem), e por nós em inicio de outubro de 2006, é que, das muitas famílias que se dirigiram ao local, uma parte era composta por pessoas que já dispunham de moradia nos bairros próximos, vivendo em casas de parentes, e outra parte formada por pessoas

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que vieram de outras localidades convidadas e/ou avisados por parentes e amigos.

Quanto à tomada de decisão dos moradores de iniciar o processo de ocupação da área, está, segundo depoimentos dos muitos entrevistados, vinculada ao estupro e assassinato da jovem Hosana, ocorrido em 1979. Tal fato juntou-se às péssimas condições de vida de muitos homens e mulheres que não tinham onde residir, viviam de aluguel ou em casa de parentes, e viram na ocupação da área uma saída, ainda que parcial, para seus problemas de moradia. Estes, através do argumento de que a área era formada por um grande matagal e que não poderia ficar como estava, pois contribuía para a prática de crimes, tomaram então a decisão de ocupá-la.

Essa afirmação fica mais bem clarificada quando traçamos diálogos com base nos depoimentos dos próprios moradores. Suas falas, melhor que qualquer outra coisa, podem, como costumamos dizer, dar luz, iluminar, clarear sobre como era o lugar quando de suas chegadas.

Um dos entrevistados afirma que “no Inicio era uma grande extensão de mata verde, com um açude que se iniciava no que hoje chamamos bairro da Pista e terminava no Bahia, (...)” e outro diz que “(...) há 23 anos atrás, tudo isso era uma colônia, só tinha umas quatro

casinhas, e a rua era um caminho”.

A área territorial onde o bairro da Pista encontra-se localizado, no passado, correspondia parte dela à área de terra cedida ao governo do Território Acreano para o estabelecimento da pista de pouso do Aeroporto Salgado Filho, que funcionou até o início do ano de 1974, quando então foi inaugurado o Aeroporto Presidente Médici.

A Estrada do Sobral até a Rua 15 do bairro da Pista era um campo de aviação isso na década de 60 (...). No Governo de Wanderley Dantas ele se encarregou de dividir lotes para abrigar os novos moradores já no ano de 1974. (Entrevista com J.S.N., realizada em 26/10/2006 por Lelcia Monteiro). 5

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Local onde se construiu a pista de aviação. Fonte: Fundação Garibaldi Brasil

Bem antes de ser um espaço determinado para a aviação, o lugar ficava envolto em uma mistura de fazendas e colônias. Segundo Guerra (1955), faz parte dessa área a antiga Fazenda Sobral comprada em 1943 pelo governo territorial para o fomento da pecuária na região. Nesse sentido, o relatório produzido pela administração de Jorge Kalume através do Departamento de Geografia e Estatística que aponta as realizações desenvolvidas entre os anos de 1857 e 1969, destaca que a transformação da Fazenda Sobral em Colônia Agrícola dá-se em 04 de julho de 1946.

Ainda segundo Guerra, em 1955, a área desta fazenda compreendia uma parte dedicada à pecuária com 38 hectares de campos, e outra de colônias, com 15 lotes. As colônias agrícolas foram desenvolvidas pelo governo como forma de incentivo ao desenvolvimento da agricultura, visando ao abastecimento do mercado local. Assim, tinha-se a Fazenda Sobral, e a Colônia Sobral. Fazia parte dessa área a Fazenda Farol, com uma extensão de 15 hectares, sendo 07 de “capoeira” e 08 de pastos.

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É bom lembrar que nesse período muitas outras fazendas e colônias foram criadas no Território do Acre, como áreas de investimentos experimentais. Ao longo do tempo, muitas dessas áreas acabaram por terem um contínuo aumento do número de famílias e foram crescendo ao ponto de serem transformadas em atuais municípios do Estado. É o caso do município de Senador Guiomard, que derivou da Colônia Agrícola Quinari, e outras áreas da cidade de Rio Branco, que se tornaram bairros, como São Francisco, Estação Experimental, Apolônio Sales, e a área onde se insere o bairro da Pista.

As terras que fazem parte do que é chamado tanto por Guerra (1955) quanto por Oliveira (1982), no passado, quanto por Lima, no presente, de Terceiro Eixo Ocupacional da cidade de Rio Branco, ainda estavam no início da década de 1960 sendo ocupadas com o desenvolvimento de atividades fomentadas pelo governo. Guerra (idem) relata que dentro da Fazenda Farol, nesse período, existiam moradores que viviam à beira do rio e plantavam nas “praias”. Apesar das mudanças na prática das atividades, muito desse período tem sua origem pautada em outros tempos. Tempos que só o exercício do lembrar permite conhecer.

As lembranças dos entrevistados nos levam para uma época em que o rio era o grande condutor da vida e em que as águas tinham como destino os seringais. Nesse processo do lembrar, muitos seringais aparecem como parte que integram a área que compreende o bairro da Pista. Seringal Nova Empresa, Seringal Empresa, Seringal Sobral, Seringal Bagé e outros são apontados como terras nas quais está inserido o bairro. Dentre esses, o mais apontado é o Seringal Bagé; é provável que esteja vinculando ao Estirão de Bagé, onde pousavam os primeiros hidroaviões.

Todos os seringais apontados acima foram importantes na economia extrativa da borracha, e como são muitas as vozes, muitas outras possibilidades de interpretações dessa história podem ser feitas. Esses são alguns dos muitos olhares referentes às histórias desse lugar e dessas gentes, fruto das experiências por eles vividas.

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Para perceber a constante mobilidade de muitos moradores fizemos em entrevista a seguinte pergunta: quais os lugares onde o senhor ou a senhora morou antes de chegar ao bairro? A maioria das respostas dadas a essa pergunta acabam por parecer-se ao depoimento seguinte:

Olhe, antes morei em muitos lugares. Primeiro nasci no município de Tarauacá, depois maiorzinha, fui com meus pais para o rio Muru cortar seringa, depois andamos por outros seringais, fui para Cruzeiro do Sul, ai lá eu casei, depois vim morar em Rio Branco, lá na Cidade Nova, depois fui para outro seringal em Xapuri, só depois é que vim morar aqui no bairro Sobral na Rua Vilhena. (Entrevista com M.M., 60 anos, realizada em 26/10/2006 por Lelcia Monteiro).

Parece que esses homens e mulheres estão sempre em busca de algo que não está somente relacionado à questão de moradia, mas, principalmente, a uma específica forma de viver que busca manter vivos valores herdados dos muitos lugares por onde passaram.

O bairro da Pista não é formado só das informações que estão aqui, para entendê-lo melhor, é necessário que mais estudos sejam realizados, assim, poderá ser analisada de maneira mais profunda a luta travada por essas gentes na busca do acesso à terra, enquanto lugar de construção de moradias, e compreender o que para nós neste ensaio representou o inicio de um longo caminho ainda a ser percorrido.

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partir da década de 1970, Rio Branco passou por um processo “desordenado” de urbanização, marcado Afundamentalmente pela entrada da frente agropecuária no

Estado, onde os empresários do Centro-Sul do país compravam dos seringalistas enormes quantidades de terras a preços baixíssimos,

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AMBIÊNCIA FÍSICA E SOCIAL DOS BAIRROS JOÃO EDUARDO I E II

Leila Gonçalves da Costa

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objetivando derrubar a floresta e implantar pastagens para a criação de gado.

Para os nordestinos que, após a longa e sofrida viagem foram inseridos no trabalho compulsório da produção de seringa, já tinham adquirido o “direito de ocupação” dessas terras desde 1877, serem expulsos pelos novos proprietários dos seringais era algo que destruía suas vidas. Segundo Duarte (1987), a expulsão de seringueiros iniciou-se através da utilização de vários mecanismos, como, por exemplo, indenizações irrisórias de suas benfeitorias, outras vezes sem qualquer indenização, usando de intimidações e mesmo de violências.

Grande parte da população expulsa dos seringais migrou para Rio Branco, causando um verdadeiro “inchaço” na cidade. Esse fluxo migratório foi tão intenso que se em 1970 mais de 70% da população acreana se concentrava na zona rural, em 1980, só a cidade de Rio Branco concentrava mais de 65% da população urbana do Estado do Acre.

A cidade de Rio Branco não estava estruturada para acomodar um contingente tão grande de pessoas em um espaço de tempo tão curto, e paralelas aos conflitos pela posse da terra na zona rural, também começaram a ocorrer, na zona urbana, as ocupações em decorrência das mudanças ocorridas na base econômica extrativista do Acre.

Esse processo de urbanização em diversas direções ocasionou a formação e o desenvolvimento de bairros em antigas colônias próximas à área urbana de Rio Branco, como: Estação Experimental, Aviário, São Francisco e outros, contribuindo para a formação de uma área geograficamente conhecida como “periferia” da cidade.

A sobrevivência dos ex-seringueiros na zona urbana foi marcada por lutas durante os processos de ocupação, sendo estas caracterizadas por despejos, sofrimentos, miséria e pela discriminação de seu modo de falar, de vestir, de viver e até de seus hábitos religiosos.

Suas identidades eram marcadas, anteriormente, por elementos voltados para o meio em que viviam, como as matas, os

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animais, as águas, a roça, a casa, os vizinhos, as festas, o entoado nativo do falar, do viver, do louvar a Deus, dentre outros. Mas, tiveram suas “raízes culturais” fragmentadas, passando a desenvolver um novo aprendizado e uma nova maneira de ser e de viver, de ver e de sentir, exigindo, portanto, novos saberes.Nos novos espaços onde estão buscando sua sobrevivência, esses moradores desenvolvem um jeito de viver próprio, e esses novos saberes foram estabelecidos justamente nas relações cotidianas caracterizadas pelo ato de vizinhar, conversar com os conhecidos, contar “causos” e jogar bola no final da tarde.

Uma das características que marcou os conflitos das ocupações urbanas de terrenos públicos ou privados foi a violência, muitas vezes representada no rigor com que a polícia agia para

retirar os ocupantes, como foi o caso dos h a b i t a n t e s d o Triângulo Novo ou ainda de conflitos entre os próprios ocupantes do bairro J o ã o E d u a r d o quando de sua formação.

E n t r e a s grandes ocupações que aconteceram nos arredores da c i d a d e d e R i o B r a n c o , u m a imensa área sem ocupação entre os b a i r r o s B a h i a , Aeroporto Velho e Palheiral, passou a

5Monitor da Igreja Católica é o mesmo que catequista, pessoa que prega o Evangelho para os jovens, faz reuniões com os pais para batizar os filhos.

Fonte: Memorial dos Autonomistas

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ser habitada por famílias desprovidas de moradia e sem possibilidades econômicas para adquirir, frente ao seu estado de pobreza.Os bairros João Eduardo I e II localizam-se entre os bairros: Floresta Sul, Novo Horizonte, Conjunto Castelo Branco, Palheiral, Pista e Bahia Velha. Seu nome é uma homenagem ao líder comunitário João Eduardo do Nascimento, que foi assassinado no dia 18 de fevereiro de 1981, num conflito durante o processo de demarcação e distribuição de lotes de terras.

A formação do bairro João Eduardo I se deu, aproximadamente, entre os anos de 1971 e 1982, sendo que já existiam fazendas e colônias habitadas naquele local, contudo, pode-se afirmar que o grande fluxo ocupacional deste bairro se deu entre 1974 e 1979.

Segundo a Prefeitura, a faixa de terra compreendida entre as ruas “A” e Campo Grande corresponde ao bairro João Eduardo I, que possui uma extensão aproximada de 426.270m² e originou-se a partir de uma ocupação nas terras de Amélia Araripe, onde houve conflitos e prélios judiciais pela posse da terra, conforme o relato do ex-seringueiro e morador do local, J.A.M, de 74 anos: “aí pegamos um processo de 4 anos da Dona Amélia Araripe, né. Aí quando o Nabor Júnior entrou no governo, ele derrubou o processo e indenizou a terra pra nós”.(Entrevista com J.A.M., realizada em 31/12/2002 por Leila Gonçalves).

Nessa área, o morador do bairro Bahia, que era monitor da Igreja Católica e também fazia parte dos Direitos Humanos da Diocese, João Eduardo do Nascimento, foi escolhido pelo governador Joaquim Falcão Macedo, através do secretário de Comunicação Elias Mansour, como presidente da comissão demarcadora de lotes.

Essa comissão tinha a finalidade de organizar a distribuição dos terrenos. O traçado das ruas foi pensado de forma que a largura de cada quadra fosse de 50 metros, dois terrenos de 25 metros, um de fundo para o outro, tudo devidamente planejado. Dando a cada família o direito de ter apenas um lote medindo 10x25m.

A faixa que se inicia a partir da Rua Campo Grande, do lado direito, corresponde ao bairro João Eduardo II, que sofreu um grande fluxo ocupacional no período de 1979 a 1982. Com uma

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extensão aproximada de 372.780m², o bairro originou-se de uma ocupação nas terras do governo que se destinavam à construção de um estádio de futebol. Segundo o senhor J.A.M: “[o bairro] João Eduardo II era do governo, ele comprou justamente pra fazer um estádio de jogar bola. Essa Campo Grande já era a estrada que ia pro estádio, né, então aí a estrada parou e o estádio não saiu, né” .Até o ano de 1980, a área que ligava o bairro Bahia à Rua Rio Grande do Sul, no bairro Aeroporto Velho, era formada por um grande matagal, cortado apenas por uma estrada, a atual Rua São Salvador. E por se tratar de um local de difícil acesso, os moradores tinham que atravessar toda aquela extensão antes de pegar o ônibus para se deslocarem à escola e ao trabalho. Além disso, ainda enfrentavam outro grande problema, eram constantemente importunadas por pessoas de má índole que se aproveitavam da situação para causar desordem.

Como haviam ocorrido alguns crimes no local, dentre eles, o assassinato de uma moradora do bairro Bahia, chamada Hosana Cordeiro, essas ocorrências causavam medo e revolta nos moradores, que decidiram desmatar a área. Sendo justamente nesse mutirão que surgiu a idéia de se construir casas para as famílias “sem teto”.

A partir desse momento, houve no local uma enorme procura de terras para habitar por pessoas de todas as partes, vindas da zona rural e também pessoas que moravam de aluguel, oriundas de outros bairros. Imediatamente limpavam o terreno e construíam seus barracos. Em cinco meses, aproximadamente, estava ocupada uma área de 2.000 lotes de terra.

Com o desenvolvimento do trabalho de demarcação dos lotes e a tentativa de acabar com a “especulação urbana”, cada família deveria adquirir apenas um terreno, o que seria suficiente para atender a toda a família. Começou a haver alguns desentendimentos entre a comissão e alguns moradores do bairro Bahia Nova. E mesmo sob ameaças, a comissão realizou essa atividade, até que no dia 18 de fevereiro de 1981, João Eduardo foi assassinado com um tiro de espingarda calibre 20, atingindo seu peito.

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Quando Ventinha viu os homens em frente a sua casa disse apenas “saiam daqui”. Os homens não deram importância (...) e Ventinha recolheu-se a sua casa e de lá disparou um tiro com uma espingarda calibre 20, atingindo o peito do líder comunitário. Aldo Lopes, um dos homens conta como ocorreu o assassinato: “nós gritamos: ele está com uma espingarda” e quando João Eduardo, que estava de costa, virou-se, foi atingido (Gazeta do Acre, Rio

Branco-AC, Ano III, nº. 766, 19 de fev. de 1981).

O lavrador Francisco Nogueira Leite, conhecido por “Ventinha”, assassinou o líder comunitário João Eduardo. Este fato causou muito tumulto no funeral do líder comunitário. Os moradores dos bairros mais próximos organizaram uma passeata como protesto contra o homicídio. Essa passeata realizou-se no dia 18 de março de 1981 quando completava um mês da morte do líder João Eduardo. A passeata iniciou na Assembléia Legislativa e dirigiu-se até a entrada do bairro Bahia Nova, onde os manifestantes pregaram uma placa dando o nome do João Eduardo ao bairro que ele ajudara a fundar.

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Fonte: Patrimônio Histórico Estadual.

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João Eduardo juntamente com o Padre Pacífico, Francisca Marinheiro, Nilson Mourão, Dom Moacyr, Padre Asfury, dentre outros, foram pessoas que sempre atuaram em defesa do direito à moradia e melhores condições de vida da população mais carente.

No contexto da Administração do Prefeito Flaviano Melo, no início da década de 1980 fazia-se necessário organizar as Associações de Bairros para que pudessem participar dos programas que a Prefeitura desenvolvia. Então foi fundada a Associação de Moradores do Bairro João Eduardo e registrada no Registro Civil de Pessoas Jurídicas em 08 de julho de 1983 e a Associação de Moradores do Bairro João Eduardo II foi fundada em 22 de julho de 1984 e registrada em 17 de setembro de 1984 que também se registrou com o objetivo de participar do programa de entrega de tíquetes de leite.

A Associação de Moradores do bairro João Eduardo I concebe o nome do bairro como algo justo e honroso por se tratar de uma homenagem a um simples, mas importante cidadão no processo de criação do bairro. Já a Associação de Moradores do bairro João Eduardo II, apesar do respeito e admiração por João Eduardo do Nascimento, já realizou várias assembléias com o objetivo de mudar o nome do bairro, que foi passado para Senador Adalberto Sena, em 28 de abril de 1985, alguns dias depois, tornou a se chamar João Eduardo II.

É importante acrescentar que, atualmente, existe uma área de terra limítrofe ao bairro Floresta Sul, que está sendo ocupada por moradores oriundos do João Eduardo II e Bahia, a essa localidade atualmente estão chamando de João Eduardo III, embora não haja reconhecimento da prefeitura para tal ato.

A implantação das Associações de Moradores nos seus respectivos bairros contribuiu para a organização dos moradores na luta por uma melhor qualidade de vida. A partir da década de 1990, essas Associações não têm sido mais atuantes no desenvolvimento de seu objetivo, que é representar a comunidade junto aos órgãos públicos em busca, principalmente de infra-estrutura urbana que atenda à população local.

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Dentre as ações realizadas pelas Associações de Moradores dos bairros João Eduardo I e II destacam-se: a construção de uma Biblioteca Comunitária, localizada na rua São Luiz, com o objetivo de atender a comunidade escolar dos bairros e adjacências; a construção de pontes sobre os igarapés que cortam os bairros; a implementação do Projeto Habitar Brasil que beneficiou vários bairros daquela localidade, onde foram desenvolvidas obras de pavimentação de ruas, construção de galerias para a captação do esgoto, construção da Praça João Eduardo; a construção de uma quadra poli esportiva na Escola Marilda Gouveia Viana; e a pavimentação de algumas ruas dos dois bairros.

Percebe-se então, que esses moradores primeiramente sofreram com o despejo dos seus locais de origem, depois tiveram que enfrentar a polícia durante as ocupações e instalações de suas moradias, reivindicaram por energia elétrica, por água canalizada e esgoto. A batalha diária continua até os dias atuais, onde lutam por emprego, por saúde, educação, enfim, por uma vida digna.

Nota-se que muitos dos moradores que iniciaram as ocupações dos bairros João Eduardo I e II mudaram para outros locais, aumentando, assim, o índice de migração urbana em detrimento da migração rural, que sofreu uma diminuição do seu fluxo. Menos de 10% dos moradores que “fundaram” o bairro permanecem no local. E outros permanecem através dos descendentes e herdeiros.

Num período de mais de vinte anos ocorreram muitas mudanças no espaço físico, na infra-estrutura e na própria população, onde muitos daqueles que participaram da “fundação” dos bairros já morreram, uns poucos, apenas 3,5% dos entrevistados, concluíram o ensino superior, no entanto, percebe-se um movimento de saída do local por parte desses moradores que ao casar acabam por ir morar em outros bairros.

A maioria dos moradores dos bairros hoje expressa uma espécie de paixão pelo local, passando a se identificar nas relações com as pessoas do bairro, com seus vizinhos e com o espaço. Eles declararam que mesmo tendo a chance ou oportunidade de mudar de bairro preferiram continuar morando lá, porque já se

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acostumaram com o ambiente. E isso reflete o apego dos moradores com o local de moradia.

Esses homens e mulheres que vieram para os bairros passaram a gostar do lugar devido às relações estabelecidas com os outros e com o local, e, em alguns casos, há satisfação de seus anseios, pois na medida em que os mesmos deixaram sua terra natal com certo pesar, ao chegarem aos bairros João Eduardo I e II, eles formaram novos laços de afetividade, transformam o local e a si próprios numa construção contínua de sua memória cultural, sempre em busca de melhores condições de vida.

Quanto aos moradores que durante a formação dos bairros moravam em locais com becos ou logradouros, dois quintos dos entrevistados moram em ruas pavimentadas, por tijolos ou asfalto, uma vez que o asfalto ocorre principalmente nas ruas principais, enquanto nas ruas locais dos bairros há somente o piçarramento das ruas. Quanto ao nível de escolaridade dos moradores entrevistados que permaneceram no local, observa-se o seguinte resultado em 2005: um terço deles têm o ensino fundamental incompleto e menos de um quinto estão cursando ou já concluíram o ensino médio.

A pesquisa realizada nos bairros João Eduardo I e II no ano de 2005, com moradores que vivem no bairro desde o período de “formação”, mostra que um terço dos entrevistados possui idade acima de 60 anos, sendo oriundos principalmente da zona rural de Rio Branco, e dos municípios de Sena Madureira e Boca do Acre (pertencente ao Estado do Amazonas). A maioria desses entrevistados é casada, embora um quinto já seja viúvo.

Mais da metade desses moradores veio para Rio Branco antes de 1971, sendo que, a maioria absoluta veio entre 1980 e 1983, trazendo também seus parentes, ou eles vieram em seguida.

Os entrevistados tiveram conhecimento do local que estava sendo ocupado através de um conhecido e/ou parente. Eram funcionários públicos, domésticas, agricultores, seringueiros, autônomos, biscateiros, eram homens e mulheres que saíram de suas localidades em busca de melhores condições de vida, um lugar seu, casa própria, almejantes de estudos para os filhos.

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Esses personagens estavam inseridos no processo de reprodução do espaço urbano com um excesso de mão-de-obra “desprovida de qualificação profissional” para o mercado de trabalho onde lhe restava a miséria e a desagregação social.

Em geral nem o espaço físico nem os moradores e nem mesmo o meio ambiente permaneceram como estavam, mas sim, passaram por muitas transformações necessárias à sua sobrevivência. As transformações dos moradores se deram no sentido de terem em comum situação de mudanças em suas trajetórias de vida, pois passam por rupturas, adaptações e resistência aos novos espaços e meio a que sua realidade lhes permitia.

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Compreender de que maneira se dá o desenvolvimento de uma sociedade é uma das tarefas mais complexas do ser humano. Contudo, esta pode se tornar apaixonante se estiver próxima de nossa realidade. Entender a formação de bairros como Bahia Velha, nos leva a entender a história de vida de muitos acreanos, que, na busca de dar uma vida melhor a suas famílias, se deslocaram do lugar de sua antiga morada para se “aventurarem” nas regiões “periféricas” de Rio Branco, uma cidade em formação na época e que não lhes oferecia as condições de suprimento das necessidades sociais básicas.

Era visível a forma precária com a qual os primeiros habitantes do bairro Bahia Velha dispunham suas pequenas casas, isoladas da sociedade e construídas muito mais com sonhos do que com materiais reais. Com o passar do tempo, foi vista uma evolução na vida cotidiana desses moradores, a chegada de água

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MEMÓRIAS SOCIAIS NA VELHA BAHIA Sâmya Teixeira de Alencar

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encanada, luz, pavimentação das ruas, coisas inexistentes aos moradores no momento em que vieram para o bairro, trouxe a eles uma nova esperança de continuar no lugar e enfrentar as inúmeras dificuldades que se apresentaram. Todos estes fatores podem ser compreendidos através dos relatos dos moradores mais antigos que ainda vivem no lugar com seus descendentes e que de lá não saíram por amor a sua nova morada.

O bairro Bahia Velha mede 251.595m², segundo dados da Prefeitura de Rio Branco, sua infra-estrutura vem se adequando com o passar do tempo às necessidades básicas dos moradores. Ele vem crescendo aos poucos, levando ao cotidiano de seus moradores, pequenas evoluções.

Hoje em dia, podemos contar com pequenas confecções, farmácia e mercearias, que suprem as necessidades mais simples do cotidiano dos indivíduos. A coleta do lixo urbano é feita três vezes por semana, o que auxilia na higiene da região, evitando doenças e infestações de animais; no que se refere à limpeza dos quintais e higiene das casas, os moradores podem contar ainda com a visita periódica dos agentes de saúde que compõe a Unidade do Módulo de Saúde da Família presente no bairro.

Embora existam ruas atijoladas e com piçarramento, as principais ruas são asfaltadas, nelas encontram-se os pontos de ônibus que fazem o transporte dos cidadãos da localidade e bairros adjacentes. Podemos encontrar também orelhões em quase todas as ruas, o que facilita em muito a vida dos moradores mais humildes que

ainda não contam com o serviço de telefonia fixa em suas residências, pois com os ore-lhões se torna mais fácil localizar o serviço de atendi-mento emergencial – SAMU – e até mesmo o serviço policial nas oca-siões necessárias.

Bahia Velha 2007. Foto: Reginâmio Lima

Memórias Sociais na Velha Bahia

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De acordo com alguns moradores, o bairro Bahia Velha situado no Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, destinava-se à extração de seringa e criação bovina, sendo chamado de Seringal Progresso. Enquanto tratava-se de uma área particular, a localidade não acomodava “inquilinos”, a não ser os trabalhadores necessários para os afazeres necessários ao funcionamento do seringal.

Os primeiros ocupantes do local que se tornaria o bairro Bahia Velha chegaram por volta de 1957, sendo um número bem reduzido de pessoas. Cerca de oito famílias, começaram a modificar o ambiente ocupacional e geográfico da região, uma vez que vinham dos mais diversos locais e pelos motivos mais variados.

As primeiras famílias que passaram a viver no local eram, em sua maioria, vindas de outros municípios acreanos, tais como: Sena Madureira, Xapuri e Tarauacá, além de algumas fazendas mais próximas de Rio Branco. Estas pessoas que aqui chegaram iniciando o processo de povoamento local, o fizeram em grande parte, pela falta de oportunidades de voltar para suas cidades.

Ao virem para Rio Branco, vendiam o pouco que tinham para vir e tentar uma nova vida, por isso, a falta de um trabalho que lhes permitisse uma fonte de renda estável para que pudessem

vo l t a r pa ra o m u n i c í p i o d e origem foi um dos f a t o r e s q u e contribuíram para que os moradores fossem ficando no local. Diante da impossibilidade d e r e t o r n a r , levando algum d i n h e i r o q u e a u x i l i a s s e n a manutenção da Bahia Velha 2007. Foto: Reginâmio Lima

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sua família ou na compra de algum imóvel, por mais simples que fosse, além da falta de emprego e de moradia, é que decidiram se “aventurar” em uma nova situação que lhes rendia mais esperança.

Alguns desses moradores decidiram mudar de sua antiga moradia por vontade própria. A insatisfação com o local ou o desejo de morar em outro lugar que fosse seu os levou a procurar um novo ambiente para viver. Contudo, muitos dos que chegaram ao bairro traziam consigo histórias tristes, de circunstâncias que os forçavam à mudança, algumas dessas histórias estão ligadas à expulsão dos antigos seringais onde moravam ou da invasão de grileiros nas terras que habitavam.

Entretanto a expansão da população formadora do então bairro Bahia velha, iniciaria sua jornada de maneira mais ativa entre os anos de 1971 a 1983. Muitos mudaram-se para o bairro pelos mais diversos motivos, que iam desde acompanhar suas famílias para, dar a chance de estudo aos filhos, até a busca por melhores condições de vida.

De acordo com dados colhidos por Reginâmio Bonifácio de Lima, junto ao Setor de Cadastro Imobiliário da Capital, acerca do levantamento imobiliário ocorrido em fins de 1979, podemos constatar que a infra-estrutura local não disponibilizava aos moradores água, energia elétrica, esgoto ou qualquer outro benefício que lhes remetesse à tão sonhada idéia de melhoria de vida, eles se encontraram em uma situação ainda mais precária do que a de sua moradia anterior. Relatos de moradores antigos demonstram claramente a precariedade do local na chegada dos primeiros ocupantes: “tínhamos que andar até a beira do rio para lavar roupas e pegar água para beber, limpar a casa, tomar banho” comentou uma das ant igas moradoras do local” .

A maioria dos terrenos da região apresentava boas condições para construção das casas, ficando à margem de ruas longas com poucas interseções. Eram poucos os terrenos alagadiços, sendo que pouquíssimos estavam em área inundável, assim, com a maioria da terra era considerada livre de inundações e favoráveis para construção das moradias, atraindo com maior

Memórias Sociais na Velha Bahia

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facilidade os então habitantes.

Os terrenos ocupados eram destinados, em sua maioria, à construção residencial, necessidade predominante entre os ocupantes, sendo uma pequena porção destinada ao comercio local e agropecuária. Esta última constituía um fator interessante, pois, uma vez que os moradores construíam suas casas deixavam ainda seus terrenos abertos pela falta de condição de cercá-los, tendo constantemente a presença de pequenos rebanhos de gado que eram soltos na região para pastar. Assim, era comum que pela manhã que os moradores se deparassem com seus terrenos invadidos pelo gado, o que por vezes os impedia de descer ao quintal, e, principalmente, atrapalhava as mulheres nos seus afazeres diários, como lavar roupas, pois ao estenderem as roupas estas eram sujas ou arrancadas do varal pelos animais.

A ocupação local foi ocorrendo aos poucos, sendo toda a área construída, praticamente não havia ruínas ou construção de outros imóveis. A área que formava o bairro Bahia Velha, foi praticamente toda destinada à construção das habitações.

As ruas até então, não passavam de pequenos ramais esburacados, não davam aos moradores condições de trafegabilidade. Isso se tornava incômodo, principalmente nas épocas chuvosas, quando para sair para o trabalho ou para a escola os moradores tinham que colocar sacolas plásticas nos pés para não irem descalços até um ponto em que conseguissem andar sem problemas.

Os moradores também não encontraram em sua chegada serviços de esgoto ou água encanada, o que os forçava a caminhar até as margens do rio para lavar roupas e buscar a água que seria armazenada, na maioria das vezes, em camburões e potes para o consumo diário e higienização das casas.

Ao mudarem-se encontraram também dificuldades como a falta de emprego, o que deixava a situação ainda mais delicada. Grande parte das pessoas trabalhavam como seringueiros e

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agricultores, pedreiros, carpinteiros, “orelhas secas”, autônomos, empregadas domésticas, dentre outros.

Em decorrência disso, saíram de onde moravam para melhorar suas condições de vida ou acompanhar a família, este último fator sendo de maior predominância no caso das mulheres, que ao se casarem, tinham como obrigação acompanhar seus maridos aonde quer que os mesmos fossem, isso incluía morar em um bairro sem qualquer infra-estrutura de suporte necessário à população.

Vinham, em sua maioria, trazendo filhos, pais, irmãos e outros parentes. Pouco mais da metade da população trazia consigo uma média de três filhos, alguns já traziam seus irmãos, e, aos poucos, toda a família chegava para morar em “casas minúsculas”, que mediam cerca de cinco metros de largura por quatro de comprimento. Essas pequenas moradias, então, passavam a acomodar famílias com uma média de seis pessoas, sendo comum encontrar famílias com até quinze pessoas, em sua maioria crianças.

Historicamente, os indivíduos que passaram a morar nos “fundos” do então seringal progresso, chegaram ao local por indicação de conhecidos ou por terem um pedaço de terra cedido ou doado em troca de votos pratica muito utilizada na época.

A população que viria compor o bairro Bahia Velha era, em sua maioria, formada por seringueiros que tiveram suas famílias expulsas dos seringais próximos, sem recursos financeiros ou parentes que pudessem ampará-los, procuravam os lugares afastados do centro da cidade para “levantar” suas moradias. Sem saber quem eram os donos das terras que passaram a ocupar, construíram seus pequenos casebres, choupanas e tapiris, que por mais precários que fossem, diminuíam suas preocupações, uma vez que, tendo sido expulsos dos seringais, não tinham perspectivas de emprego e, conseqüentemente, não poderiam pagar aluguel na cidade.

Memórias Sociais na Velha Bahia

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A saída forçada dos seringais fez com que os indivíduos das regiões próximas encontrassem como possível solução, a ocupação periférica de Rio Branco. Sendo assim, procuravam os lugares afastados como os bairros ainda em formação que lhes ofereciam certa facilidade na aquisição de moradia por poderem “levantar”, ainda que bem pequena, uma casa que lhes pertencesse e que não lhes fosse cobrado aluguel, já que desempregados e sem perspectiva naquele momento, não teriam como pagar aluguel que imóveis em outras áreas da cidade.

Alguns moradores, porém, relatam que as dificuldades encontradas ao chegarem os levaram a pensar que o lugar onde moravam antes era bem melhor do que o bairro. Um desses fatores foi a mudança de emprego.

A escolaridade dos indivíduos era precária, poucos tinham o primário e ainda assim não conseguiram sequer concluir a quarta série, Em grande parte, os moradores mal sabiam assinar seus nomes, sendo a maioria formada por não alfabetizados, tal fator, os impossibilitava de conseguirem empregos melhores. Com essa dificuldade restava, então, aos homens a prática do serviço braçal – capinagem, auxiliar de carpintaria, entre outros – e às mulheres trabalhos como lavagens de roupas e trabalhos como domésticas. Até mesmo as crianças ajudavam nesse momento, saindo para vender os doces que algumas mulheres fabricavam em suas casas – cocadas, pé-de-moleque - saíam com bacias na cabeça e gritando pelas ruas até venderem toda a produção feita pelas mães ou vizinhas, um comércio informal que ajudava na renda daquelas famílias, que pouco tinham para sobreviver.

A falta de estrutura local os remetia a diversas dificuldades, dentre elas, a falta de lazer, já que não possuíam nenhuma praça, quadra, ou associação que lhes desse alguma forma de diversão. Com isso, os moradores passaram a realizar festas em seus quintais que duravam toda a noite e alegravam os moradores com música, dança e comidas típicas feitas pelas mulheres.

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Na ocupação das terras não tiveram apoio de nenhuma das entidades governamentais responsáveis, e, como não havia liderança nos bairros, reivindicar melhorias ou algum apoio se tornava ainda mais difícil.

De acordo com os moradores, pouca coisa foi feita para melhoria do local no ato de sua chegada, foram abertas algumas vielas e colocados alguns postes de iluminação na rua principal – São Salvador. Segundo relatos de um dos moradores que chegaram ao bairro há cerca de vinte e quatro anos, para que fosse instalada a rede elétrica de sua residência, por volta de 1982, muitos tiveram que comprar o poste para que, posteriormente, o órgão responsável pela condução de energia, fizesse a instalação por eles solicitadas. Contudo, esta era apenas uma das dificuldades pelas quais passavam os moradores.

Muitos dos moradores relatam que não saíram do bairro por terem aprendido a gostar do lugar e por verem em seus vizinhos amigos que lhes acompanharam desde que passaram a morar no bairro, outros, porém, relatam que o medo de não conseguir um lugar melhor ou não adaptares-se a outro local, foi o que os impediu de sair do bairro.

Orgulhar-se do lugar onde se mora, independente das mazelas da vida, é o que tem ocorrido diariamente com as dezenas de moradores do bairro Bahia Velha e adjacências. Podemos perceber que, apesar das dificuldades enfrentadas, os moradores não se deixaram abater e continuaram a lutar pela melhoria de suas condições de vida. Também podemos notar as reais melhorias do bairro, que ocorreram para se adequar às necessidades mais básicas dos moradores, que aos poucos foram contribuindo para esse processo.

A formação do bairro Bahia Velha, veio concentrar em uma das regiões mais carentes de Rio Branco, pessoas das mais diferentes localidades, que vão desde municípios próximos, como os antigos seringais existentes nas proximidades, até municípios vizinhos. Assim, conhecer toda a história que envolve o bairro significa conhecer um pouco da história da formação de Rio Branco e perceber os sujeitos dessa construção com todas as suas dificuldades e força de vontade em ver reconhecida, de uma forma mais digna, sua existência na sociedade.

Memórias Sociais na Velha Bahia

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bairro Bahia Nova é um bom local para se viver, mas nem sempre foi assim. Com este ensaio temos o objetivo de Oampliar o conhecimento por parte da sociedade sobre a

realidade de formação de um dos bairros periféricos da cidade de Rio Branco. Educando e conscientizando a sociedade, mostrando que é importante a criação de laços mais estreitos entre o bairro e as pessoas que residem nele em meio às sociedades riobranquense, acreana e brasileira.

Ao falar sobre a época presente do bairro Bahia Nova, comparando o momento atual com o do período de formação, relembrando o passado de mais de duas décadas, percebemos que mais se parecem dois bairros completamente distintos. Não que nos dias atuais, início do século XXI, este bairro viva em condições bastante confortáveis, mas, é pela forma de crescimento sócio-

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BAHIA NOVA: DA FORMAÇÃO AO SÉCULO XXI Regineison Bonifácio de Lima

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econômico que conseguiu alcançar em torno de si, principalmente, de sua estrutura física, política e geográfica, bem distinta da inicial, que se dá a percepção dessa transformação.O bairro Bahia Nova está localizado na parte sudoeste da cidade de Rio Branco, Estado do Acre. Segundo dados oficiais da Prefeitura Municipal de Rio Branco, o bairro apresenta atualmente uma superfície de 423.405m², fazendo limite ao norte com o bairro Bahia Velha, ao sul com o bairro Boa União, a leste com o bairro da Glória, e a oeste com um cerrado de matas que pertence ao bairro Floresta Sul.

Os primeiros moradores deste bairro já estavam na localidade por volta do ano de 1979, sendo que por volta do ano de 1982, os becos existentes no local foram transformados em ruas. De mesma forma, novas ruas foram abertas por funcionários e maquinários da Prefeitura de Rio Branco, todavia, estas ruas foram construídas de forma muito precária, eram muito estreitas, sem uma definição precisa de loteamento, o que trouxe uma “desordem” à estrutura arquitetônica do bairro uma vez que elas não foram projetadas em forma de quadras.

Atualmente, o bairro conta com uma composição física, um pouco mais “desenvolvida” que antes. Há telefonia pública e privada, energia elétrica, rede de abastecimento de água, coleta de lixo, rede de esgoto em pelo menos três ruas, pavimentação asfáltica, e piçarramento nas ruas em que não circulam os ônibus que fazem a linha Bahia/Palheiral. Há, também, duas escolas de ensino fundamental, uma municipal e uma estadual; um módulo de saúde da família, em outras palavras, uma infra-estrutura um pouco mais “digna” para que a comunidade deste habitat possa viver de forma mais adequada. A população se beneficia muito da energia elétrica, pois, mesmo com as corriqueiras “quedas de força elétrica”, de acordo com os moradores, ela tem sido satisfatória. Os moradores e pequenos comerciantes do bairro são cadastrados como clientes da ELETROACRE, isto implica a legalidade do bairro com relação à empresa de energia elétrica, embora haja residências com ligações irregulares. Com a presença da energia

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elétrica, o cotidiano destes moradores ao longo dos anos foi mudando, logicamente, dentro das condições financeiras da população residente. Foram comprados por grande parte dos moradores, diversos aparelhos eletro-eletrônicos, tais como: televisão, geladeira, ventilador, rádio, aparelho de som, dentre outros. A questão de telefonia móvel foi um avanço. Pessoas estão andando com celulares, a maioria deles só recebendo ligações. Estes aparelhos celulares têm sido uma constante, em meio ao povo, levando ao bom senso o valor que custam.

Através da telefonia fixa e do computador, algumas das poucas residências puderam ter acesso à inclusão digital e à internet. Este avanço fica caracterizado para os dias atuais, levando-se em conta as condições financeiras dos residentes no bairro como algo fantástico, principalmente, quando comparado com início da formação deste.

Qual seria o porquê desta comparação tecnológica de hoje, com o passado de mais de vinte anos? Uma resposta bem clara seria mostrar, pelo menos, duas situações: a primeira é que não havia nenhum computador neste bairro e nem havia também condições financeiras para a aquisição dos mesmos, uma vez que poucos eram os órgãos do governo que o tinham, os preços eram muito altos, e era muito mais válido comprar um fogão que um periférico, já a segunda colocação era a escolaridade e o nível de conhecimento sobre tecnologia que os primeiros habitantes tinham, que era muito restrito. Portanto, a internet e o computador, além de não estarem no cotidiano destes primeiros moradores, também não teriam, naquele momento, a necessidade e a mesma utilidade que têm nos dias atuais.

A rede de abastecimento de água potável distribuída pelo SAERB tem sido uma conquista muito boa para os moradores, uma vez que estes deixaram de lado os poços que possuíam e resolveram aderir ao sistema de água encanada. Atualmente, têm sido construídos no bairro alguns poços semi-artesianos, mas, como forma de economia para não mais utilizar o sistema de

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saneamento de água do município que atinge quase todas as ruas do bairro. A distribuição de água encanada e tratada se dá diariamente em alguns locais, e, em outros, é feita em dias alternados.A rede de esgoto atual é originária de algumas valas, uma espécie de fossa aberta que recolhia as águas provenientes de terrenos úmidos, e de encanamentos hidráulicos por meio dos quais se lançavam os dejetos das casas. Atualmente, esta pequena rede tem sido fundamental para o bairro, existindo como um sistema subterrâneo de canalizações que se destinam a receber as águas pluviais e os dejetos de um aglomerado populacional, que os leva para o “Igarapé do Bueiro”, e este para o rio Acre. É válido ressaltar que cerca de dois terços do bairro ainda não conta com sistema de esgotos.

A pavimentação asfáltica foi muito importe para o desenvolvimento do bairro, uma vez que vieram substituir a poeira e o lamaçal existentes outrora. Antes do asfalto, no período do verão havia muita poeira, já no período de inverno, muita lama. Por várias vezes, devido às dificuldades de trafegabilidade, o bairro deixou de ser abastecido por gás, produtos alimentícios, dentre outros, que necessitavam ser trazidos em veículos que não podiam passar nas ruas por falta de condições físicas. Contudo, o asfalto trouxe um pouco mais de conforto, principalmente no que se refere aos transportes coletivos, o ônibus, por exemplo, tinha a parada final na Rua Mem de Sá, no Bairro Bahia Velha, deixando todos os moradores do bairro Bahia Nova numa posição de desconforto. Alguns moradores tinham que andar mais de dois quilômetros para pegar um transporte coletivo, e isto para quem trabalhava dois horários e estudava à noite era péssimo.

O módulo de saúde existente, tem sido de vital importância, mesmo funcionando em precárias condições, essencialmente, na falta de médicos e enfermeiros. Este módulo tem servido para dar orientação sexual para mulheres e homens, medir a pressão arterial dos pacientes, fazer encaminhamentos para outros hospitais da cidade de Rio Branco, fazer curativos, distribuição de remédios para prevenção de doenças como o cólera e a malária, dentre outros.

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Bahia Nova 2007. Foto: Reginâmio Lima.

A coleta de lixo é feita com regularidade nas terças, quintas e sábados, pela parte da manhã. Os serviços atendem a todos os moradores, mas, no inverno dada a precariedade de algumas ruas ainda sem pavimentação, existe a dificuldade no acesso para que se faça a devida coleta. Outro problema verificado é que os funcionários responsáveis pela coleta do lixo (garis) por ordem da própria empresa em que trabalha, retiram o lixo das lixeiras residências e os jogam amontoados nas margens das ruas. Segundo informações da empresa, é para facilitar a coleta do lixo. Na maioria das vezes, o lixo amontoado é espalhado pelas laterais das ruas pelos gatos e cachorros que rasgam os sacos na procura de restos de alimentos, deixando o bairro com aparência de abandono.

No que se refere ao serviço público que recebe e expede correspondência, os correios, não há agência no bairro, a agência mais próxima localiza-se no centro da cidade, quando há necessidade por parte dos moradores em utilizar seus serviços

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precisam se deslocam até o centro da cidade.Já em relação à compra e venda de produtos, comércio,

mercado, supermercado ou hipermercado, não tem nenhum de grande ou médio porte nas ruas do bairro. O que existe são mercearias, que buscam atender às necessidades diárias. Quando é preciso fazer uma compra em grande quantidade, os moradores se deslocam até os supermercados de outros bairros.

O bairro não possui Box Policial e também nenhuma forma de segurança pública, pois os policiais só aparecem quando há alguma ocorrência ou para fazer ronda, serviço realizado para inspecionar ou zelar pela tranqüilidade pública. De acordo com informações obtidas junto aos, moradores foi mencionado que o tráfico de drogas era muito forte na região e que hoje está menos intenso. Mas, essa questão de drogas já fez o bairro ser muito violento e, vez por outra, está entre as principais páginas jornalísticas de ocorrência policial.

Segundo entrevistas realizadas, a compreensão dos habitantes do bairro em relação à manutenção e melhoria das casas era limitada. Até o momento, não há regularização da situação em que se encontram, como o Título Definitivo e a Escrituração Pública, que deveria ser cedida pela Prefeitura de Rio Branco aos moradores do bairro.

Algumas casas de madeira têm sido construídas pela Prefeitura de Rio Branco para as famílias de baixa renda, estas casas são planos da Prefeitura em parceria com o Governo do Estado do Acre, servindo para auxiliar as famílias carentes dentro da cidade.

O bairro atualmente conta com duas escolas: a Escola Estadual de Ensino Fundamental Tancredo de Almeida Neves e a Escola Municipal Francisco de Paula Leite Oiticica Filho. A escola é um bem público e pertence à comunidade, portanto, a história dessa comunidade tem que fazer parte do currículo da escola, assim como dos valores e da formação dos professores. Segundo os diretores, os professores destas instituições de ensino têm valores engajados com a comunidade e passam uma visão do cotidiano da

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sociedade. Em pesquisa realizada junto à comunidade pela equipe

gestora da Escola Francisco de Paula Leite Oiticica Filho, podemos perceber que se trata de uma comunidade econômico-político e culturalmente pobre, a julgar pelos índices apresentados:

Ao ser perguntado se a comunidade gostaria de participar do Conselho Escolar ou Associação de Pais e Mestres, apenas 10,25% respondem afirmativamente; 21,34% disseram não querer participar e 42,88% não responderam à questão. Na verdade, trata-se de um grande desafio para a escola o envolvimento efetivo da comunidade nas atividades educacionais, surgindo a necessidade não só dos pais se preocuparem com seus filhos, mas com a escola num todo, com seus objetivos e metas maiores, qualidade de seus serviços, etc.. Nesse sentido, buscar parceria constante junto à comunidade é tarefa que a escola não pode deixar de executar.

Apesar da pesquisa não dar com exatidão a extensão dos problemas da comunidade, é bastante significativo o número de crianças que vão para a escola sem tomar café ou almoçar e a maioria tem na merenda escolar o reforço necessário à alimentação diária, indicando que a escola precisa se preocupar com a qualidade da merenda que serve e em não deixá-la faltar, visto que é essencial para o desenvolvimento das crianças de nossa comunidade.

O bairro Bahia Nova é uma extensão do bairro Bahia Velha, formado em fins da década de 1970 e início da década de 1980 por pessoas que emigraram para as áreas de terras que formaram o bairro. Os primeiros moradores da Bahia Nova são pessoas, em sua maioria, com estilo de vida proveniente da zona rural.

O bairro começou a ter “ares de urbanidade” por volta de 1982, quando do mutirão de limpeza e revitalização da cidade implementado pela Prefeitura de Rio Branco em parceria com o Governo do Estado: quando foi “aberta” a primeira rua do bairro – Rua Estácio de Sá.

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Bahia Nova 2007. Foto: Reginâmio Lima

O bairro foi formado sem as devidas infra-estruturas de energia elétrica, rede de abastecimento de água e esgoto, pavimentação asfáltica, transporte público, escola, telefonia, saúde pública, opções de lazer. Em outras palavras, o modo de vida como uma sociedade, ou mesmo uma esfera específica da vida social, está organizada, em função das instituições básicas e das atividades e relações que vigoram entre estas. Muitos dos primeiros habitantes, dos quais grande parte ainda reside no bairro, comentam que foram excluídos, deixados nas mínimas condições possíveis de sobrevivência, e, acima de tudo, naquele primeiro momento, perderam o direito que lhes era mais fundamental, essencial, estável e relevante, a dignidade de poder levar uma vida um pouco melhor.

Durante muito tempo estes moradores viveram sem poder se beneficiar da prestação dos serviços públicos, tanto nas esferas municipal, quanto estadual e federal, por causa da lentidão, do descaso, da falta de projetos e planejamentos viáveis para este setor

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da sociedade. Mas, uma realidade bastante dura, é que o próprio governo em sua estrutura não reconhecia esta área, esta porção de terra, apresentando, a partir daí, uma inversão de valores, pois eles próprios prometiam durante suas campanhas políticas, que iriam proteger o cidadão, dar condições viáveis de sobrevivência, sem se importar com a classe social do mesmo.

O que deve ser mostrado é que naqueles dias, tais governantes, realmente, não quiseram realizar melhorias, não procuraram recursos para serem empregados com as gentes que aqui residiam, não se manifestaram para, pelo menos, tentar viabilizar as reivindicações da comunidade. A grande realidade posta por alguns políticos na esfera legislativa municipal e estadual, era que o bairro que se iniciava não tinha um número expressivo de eleitores.

Mesmo que sem plano de política para o bairro, no início da década de 1980, em época de eleição, o bairro era visitado por vários políticos que faziam promessas de melhoria, lançando suas propostas de desenvolvimento. No entanto, nada ou quase nada era feito. Não havia nenhum trabalho assistencial desenvolvido no local. Segundo alguns moradores, os benefícios sociais do governo não chegavam a estes moradores por causa da falta de regularização do bairro, no Cadastro Municipal. No entanto, o que se dá para constatar de fato é a falta de organização dos próprios políticos para realizar os beneficiamentos nesta região.

Dentre os mais antigos moradores do bairro Bahia Nova que foram entrevistados percebe-se que, em sua maioria, eram pessoas advindas das colônias, seringais e também de municípios do Acre, quando eles venderam suas propriedades a baixo custo, compraram seus terrenos em alguns bairros da cidade de Rio Branco e construíram suas casas. Muitos vieram em busca de melhor qualidade de vida e estudo para os filhos. No entanto, nem todos conseguiram realizar seus projetos: nem casa, nem trabalho e nem estudos para os filhos, assim, passando por diversas dificuldades. Alguns voltaram a morar na zona rural acreana, trabalhando como diaristas nas terras dos novos donos. Dentre os

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que imigraram para a cidade de Rio Branco, quase um terço dos pesquisados, afirmaram que chegaram antes de 1971; sendo que a maioria disse ter chegado em fins da década de 1970 e início da de 1980.

De acordo com os moradores do bairro, os lotes de terras, possuíam alguns donos como os senhores Ciro Facundo, Amilcar Queiroz, Silvino, João Galdino e Santino, estes fizeram vendas de loteamentos desmembrando suas porções de terras, alguns desses homens venderam seus lotes, outros doaram ou trocaram por intenção de votos.

A área que se localiza o bairro Bahia Nova, desde a ocupação, pertencia ao seringal Nova Empresa, segundo alguns relatos, parte pertencia ao seringal Progresso. Essa era uma área da União, que passou para o Estado, depois para o Município. Havia muitos lotes, posseiros e donos nas terras da região, ficando imprecisa qualquer afirmação acerca de quem eram as terras em que foi formado o bairro Bahia Nova.

Os precursores, pioneiros que abriram o caminho através dessa região pouco conhecida eram cidadãos que revelavam, em sua maioria, o sofrimento de ter saído de onde moravam por causa das doenças nas colônias e seringais em que moravam, em busca de melhores condições de vida para si e para a família.

Da expulsão por parte dos sulistas, inclusive alguns destes que foram expulsos participaram bravamente dos empates ao defenderem suas colocações, enquanto puderam. Alguns dos desbravadores que se fixaram, estabelecendo-se neste lugar, se firmaram por falta de moradia, muitos morando de aluguel e sem condições de pagar por este padrão tão elevado de moradia. O desespero por um teto para ter onde colocar a família era real, deixando em estado de agonia e alegria muitos destes habitantes ao adentrarem o novo lugar, embora este apresentasse aparência de abandono.

Os homens e mulheres recém chegados ao novo habitat eram pessoas simples e humildes, muito pobres, pouco favorecidas, não tinham o necessário às condições básicas de vida,

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com posses tão inferiores quanto suas posições e condições sociais. Geralmente, chegavam com seus cônjuges e três ou quatro filhos, poucos pertences pessoais, quase nada de móveis. Esses cidadãos eram seringueiros, agricultores, biscaiteiros, carpinteiros, “orelhas secas”, pedreiros, autônomos, comerciários, domésticas e desempregados. Suas condições financeiras no início dos anos de 1980 eram bastante precárias e insuficientes, um exemplo disso eram os alimentos que costumavam comer, sendo, na maioria dos lares, os mais simples constantes na cesta básica da economia nacional: arroz, feijão, farinha, ovo, etc.

Ao chegar à localidade, esses homens e mulheres tinham em média 40 anos de idade, vindos com suas famílias e, em alguns casos, com parentes, o que fazia de suas pequenas casas, ficassem cada vez mais apertadas. Com uma baixa escolaridade, muitos não sabendo ler nem escrever, a maioria tinha o primário incompleto.

Os lares dos primeiros moradores deste bairro eram diferentes do que podemos encontrar na engenharia moderna, na qual se têm grandes prédios e condomínios com elevadores, sistema de segurança como os alarmes e até mesmo vigilantes; mansões feitas para acolher bem seus proprietários e hóspedes com muito luxo, conforto e requinte. Longe de residirem em luxuosas mansões, suas casas eram feitas de madeiras de várias espécies, tais como paxiúba, mulateiro, castanheira, cumaru. Também tinham casas formadas em seus alicerces de madeira e as paredes revestidas com lonas. Casas em alvenaria, no início dos anos 1980, era algo que não tinha como se ver no bairro, até mesmo pelo alto custo financeiro da construção, que estava fora de alcance por parte dos moradores.

A cobertura dessas casas era bem rústica, existindo em muitos dos lares um teto coberto de palha, o que ocasionava um grande transtorno quando vinham as fortes chuvas com muito vento. A cobertura de algumas destas casas eram tão precária que, quando um vento mais forte ia ao encontro delas, era inevitável não serem descobertas, e, o vento jogava-as para bem longe.

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Outras casas eram cobertas de alumínio, o que ocasionava durante o período de verão intenso uma temperatura muito elevada no interior da casa, chegando muitas vezes a ser do lado de dentro das casas mais baixas em sua estrutura (média de 2,5 metros de altura) mais quente do que em meio ao ar livre.

O interessante entre esses pioneiros que se fixaram nesse bairro através de ocupação, na tentativa de um “lugarzinho” para morar, é que mais da metade ainda mora na localidade. A princípio, o que seria mais um lugar de moradia, sem muitas perspectivas de melhorias foi se modificando, as relações sociais foram se alterando, começando com o que era visto como um simples fato de colocar as crianças para estudar. Vários destes precursores hoje têm filhos e netos, casados e “amigados”, residentes no bairro, que juntos conseguiram melhorar um pouco mais essas relações sociais. Alguns ainda têm saudades daqueles que ficaram para trás, onde viviam, parentes, amigos, vizinhos e ex-colegas de trabalho, mas afirmam que tudo isso ficou no passado e que não desejam mais morar no local de outrora.

Quanto à atividade de grileiros nesta pequena parte da cidade, constatamos um fato muito interessante, pois os entrevistados afirmam não ter havido tal atividade no início da formação do bairro. Mas, em alguns lotes de terra próximos à Escola Estadual de Ensino Fundamental Tancredo de Almeida Neves, que atualmente faz parte do bairro, houve grilagem sim.

Quando os primeiros moradores do bairro mencionam o sobre o espaço de lazer, falam sobre a precariedade vivida neste local de formação, não havia campo de futebol, quadra de vôlei, ciclovia. Uma das únicas opções de lazer eram as festas que eles participavam para se divertir. Nas proximidades do bairro havia uma casa de festa no bar do Santino, sendo por eles requentadas também algumas casas de festas nos bairros da Glória, João Eduardo II, Bahia e Aeroporto Velho.Mas, na realidade, quem são esses homens e mulheres tão valentes em busca da sobrevivência e de um teto para suas famílias? E qual a importância deles? Estes cidadãos são aqueles responsáveis por

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colocar o bairro na posição em que está, atualmente, com sua infra-estrutura um pouco mais organizada.

É através destes moradores que, se reunindo de forma meio que “desorganizada”, e até sem forças para estar conseguindo benfeitorias para o bairro, vai surgir a Associação de Moradores do Bairro do Bairro Bahia Nova, fundada no dia 08 de dezembro de 1986, com sede e foro no Município de Rio Branco – Acre, sendo essa uma entidade civil, sem fins partidários ou lucrativos, sem discriminação religiosa e política. Os seus sócios são todos aqueles que comprovem ter residência fixa no bairro, sendo os mesmos divididos em duas categorias: a primeira sendo composta pelos “fundadores”, inscritos até a data de aprovação do estatuto da entidade; a segunda sendo composta pelos “efetivos”, os inscritos depois da data de aprovação do mesmo.

A Associação de Moradores do Bairro Bahia Nova, tinha o intuito de trabalhar em favor e defesa dos cidadãos residentes no local, sendo o elo entre os moradores da localidade e o governo em toda e qualquer autarquia. Seus principais líderes conseguiram trabalhar de forma organizada, conseguindo algumas das melhorias que o bairro tanto necessitava. É importante observar as mudanças ocorridas no bairro, lançando um olhar crítico sobre a forma como essas pessoas têm sido tratadas e desrespeitadas.

Não é justo que pessoas sejam abandonadas à mercê da caridade, como também não é justo que políticos busquem socorro nestes locais para sua ascensão em cargos públicos. A política habitacional tem que ser pensada levando em conta questões mais humanas, assim como a problemática da distribuição de renda. É importante lembrar que a maior parte da população deste local ganha menos de um salário mínimo, embora a moradia seja um direito de todos, ainda é possível perceber três gerações da mesma família ocupando uma pequena residência.

A população tem se unido em busca de soluções para muitos problemas, principalmente, através da Associação de Moradores do Bairro Bahia Nova, mas ainda encontram obstáculos que dificultam o trabalho comunitário. Enquanto o povo tenta

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resolver as pendências, o poder público se omite.Precisamos acreditar e perseverar na luta por melhorias

para o bairro junto às autoridades competentes, porque, assim, a geração presente e as futuras poderão viver de forma mais feliz e com melhores condições de habitação. Agindo assim, o bairro deixará de ser pensado como suburbano e será um local mais lindo e mais próspero.

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Neste ensaio buscamos comentar a forma como se deu a ocupação das terras do bairro Palheiral, desde o período de sua formação até o auge do crescimento do bairro, no período de 1971 a 1982. Partindo de um ponto de vista da atualidade, para expor o período em questão, afirmamos o objetivo de investigar o processo de ocupação e expansão do bairro Palheiral. Percebemos que o bairro é parte integrante do que Lima (2006) chama de Terceiro Eixo de Ocupação riobranquense, daí nosso intento em compreender o movimento de formação e transformação do bairro, mostrando como os moradores modificaram a ambiência ocupacional.

O bairro Palheiral está localizado na parte sul-sudoeste do Primeiro Distrito de Rio Branco. Sua limitação se dá a leste com o bairro Aeroporto Velho; a oeste com o bairro João Eduardo I; ao

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PALHEIRAL: O Bairro das PalheirasPedro Bonifácio de Lima

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norte com o bairro Volta Seca e conjunto Castelo Branco; ao sul com os bairros Pista e Bahia Velha. Segundo a Prefeitura de Rio Branco o bairro Palheiral tem uma extensão de 147.795m², sendo o menor dos bairros que compõem o setor.

O bairro Palheiral conta com infra-estrutura básica apenas nas ruas principais, a qual só foi adquirida em meados da década de 1980. Nesse bairro podem ser vistos alguns comércios de pequeno porte que atendem às necessidades das populações, além de uma boa distribuição elétrica. O transporte coletivo trafega na Rua Rio Grande do Sul e na Rua Campo Grande, mesmo com os buracos que atrapalham a circulação do trânsito.

A Escola Municipal Raimunda Balbino dos Santos oferece o ensino fundamental para as crianças do bairro e adjacências. Após a conclusão do ensino fundamental, entretanto, o estudante precisa se deslocar para outros bairros para cursar o ensino médio. A localidade dispõe, ainda, do Posto de Saúde Augusto Hidalgo de Lima, que serve à comunidade atendendo as pessoas que estão doentes.

Como espaço para diversão e lazer, os moradores dispõem da chamada “Praça da Sensur”, situada em frente ao Mercado Municipal Luiz Galvez. Percebemos, também, a existência de uma congregação católica e algumas congregações evangélicas. Apesar da infra-estrutura alcançada atualmente no local, percebemos que ainda é preciso que sejam feitos alguns investimentos para melhorar as condições básicas de saneamento e convivência em sociedade, como, por exemplo, melhorar a segurança, saúde, educação, moradia, dentre outros.

Quanto à infra-estrutura das vias de rolamento, em algumas ruas não existe calçamento, pois o poder público municipal não atuou ainda em algumas delas, e, grande parte dos moradores possui baixa remuneração, não tendo condições financeiras para atijolar ou asfaltar, nem mesmo construir calçadas em frente a suas casas.

As principais ruas do bairro são asfaltadas, sendo que muitas estão esburacadas, por causa do fluxo de veículos e a falta de reformas. As ruas com menor movimentação de veículos são

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atijoladas ou aterradas com barro e piçarra. As principais vias de acesso ao bairro são a Rua Rio Grande do Sul e a Estrada da Sobral, por onde passam os transportes coletivos.

A energia elétrica do bairro Palheiral é distribuída normalmente para as casas, comércios, escola, posto de saúde, chegando com voltagem de 127 a 220 quilowatts. Quanto ao nível de eletrodomésticos, a maioria da população tem televisão e rádio, usados para lazer e informação. Existem poucos telefones na via publica, sendo que, apenas algumas casas e comércios têm telefone domiciliar.

A distribuição de água encanada e tratada é fornecida pelo SAERB. Um dos fatores que contribuem para a regular distribuição da água no Palheiral é o fato de o bairro dispor de estação de coleta e distribuição de água. O Palheiral localiza-se em uma área baixa da cidade, sendo que a distribuição para outros setores precisa passar pela encanação que está na localidade. Algumas casas não recebem água encanada, pois elas têm poços semi-artesianos ou cacimba.

A coleta de lixo é feita regularmente nas terças, quintas e sábados, embora, às vezes, atrase alguns dias. Um dos problemas enfrentados pela população é a grande quantidade de lixo nos esgotos e córregos. Esse, entretanto, não pode apenas ser encarado como um problema ambiental, mas também cultural. De nada adiantarão campanhas para retirar os entulhos desses rios ou igarapés se não houver um trabalho junto a essas populações que ao longo do tempo cultivam este hábito.

No bairro não existe agência dos correios, bancos, delegacias ou supermercados. Quando há necessidade de usar um desses serviços, os moradores se deslocam até o “centro” da cidade. Quanto às atividades econômicas, existem comércios de pequeno porte nas principais vias do bairro. O bairro dispõe de salões de beleza, açougues, oficinas de manutenção em moto e bicicleta, mercearias, que visam atender às necessidades diárias dos moradores. Quando é preciso fazer uma compra em grande quantidade os moradores se deslocam até a zona comercial do “centro” ou a outros bairros.

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As residências são simples, tendo casas de madeira, alvenaria e mistas. É comum, na frente de muitas casas, os moradores construírem um comércio para aumentar a renda do lar.

Algumas casas estão muito velhas e precisando de reforma. A Prefeitura construiu algumas casas para as famílias de baixa renda, mas, para isso era necessário que a família tivesse o terreno para a construção.

Nos aspectos gerais, em pesquisas realizadas junto aos moradores, podemos perceber que trata-se de uma comunidade econômico-socialmente pobre. Para se manter, muitas famílias recebem apenas benefícios do governo, como Bolsa Família e Bolsa Escola. Como agravante dessa situação de exclusão social, o nível de escolaridade é baixo, concentrando-se no ensino fundamental e médio, apenas poucas pessoas têm acesso à Universidade.

A escola próximo a localidade, Serafim da Silva Salgado, não estava conseguindo matricular todos os alunos, porque não havia salas de aula suficiente para a quantidade de alunos. Por causa da necessidade de mais uma escola de ensino fundamental que atendesse os bairros João Eduardo I e II, Bahia, Palheiral e parte do Sobral.

Conforme dados contidos no Projeto Político-Pedagógico da Escola de Ensino fundamental Serafim da Silva Salgado, situada próximo à localidade, percebemos que mesmo com cerca de 2032 alunos matriculados, distribuídos em três turnos, não dispõe de vagas suficientes para matricular todos os que a procuram. Tal fato é um indicativo da super-povoação existente no setor, tendo em vista que nem as 17 salas de aula existentes na escola dão conta de atender à comunidade vizinha. Seriam necessárias mais escolas de Ensino Fundamental para atender aos bairros João Eduardo I e II, Bahia, Palheiral e parte do Sobral.

Os moradores do bairro Palheiral, junto à Associação que os representa, fizeram abaixo assinado, reuniões e audiências com o governador para reivindicar a construção de uma escola no bairro. Iniciaram a construção da escola, no ano de 1989. Com uma área total de 5.500m², da qual apenas 560m² é construída, a

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instituição de ensino recebeu o nome da professora Maria Raimunda Balbino dos Santos. Ela foi uma das fundadoras da Associação de Moradores do bairro Palheiral e, à época, era sua presidenta.

Atualmente, este estabelecimento de ensino atende 614 alunos, na faixa etária de seis a doze anos, distribuídos nos turnos matutino e vespertino, de 1ª a 4ª série do Ensino fundamental e, no terceiro turno, uma sala do EJA (Educação de Jovens e Adultos) e cinco turmas do ALFA 100 (Alfabetização de Adultos).De acordo com o Projeto Político Pedagógico da Escola Maria Raimunda Balbino, foi feito um diagnóstico para conhecer a realidade das famílias dos alunos, no qual foi possível perceber que a maioria dos pais das crianças são trabalhadores autônomos, como comerciantes, vendedores de salgados, picolés, mecânicos, carpinteiros, pedreiros, entre outras funções, ou trabalham em empresas particulares. O nível de escolaridade dos pais é baixo, a maioria concluiu a Educação Básica, de 1ª a 4ª série, poucos concluíram ou ainda estão cursando o Ensino Fundamental, de 5ª a 8ª série, e um percentual ainda menor concluiu o Ensino Médio.

As pessoas que habitam o bairro são moradores de classe baixa que vive em residências totalmente em madeira, muitas das casas são antigas e precisam ser reformadas, algumas precisam ser desmanchadas e serem construída outra no local, uma minoria das casas são construída em alvenaria.

Quanto ao abastecimento de água, é fornecida água tratada pelo SAERB, sendo que no verão algumas vezes falta água, pois devido a falta de chuva fica difícil o abastecimento de água na cidade, alguns moradores utilizam o sistema de poço tipo “amazonas”, para seu abastecimento de água.

A maioria dos moradores possui casa própria. A quantidade de pessoas por residência varia, mas, como as famílias são, geralmente, numerosas, moram até 05 pessoas por residência. Os moradores que não têm condições financeiras de ter a casa própria residem junto com os parentes ou em casas cedidas por parentes e/ou amigos.

No que se refere à situação familiar dos moradores, a maioria são casados, uma minoria possui pais divorciados que

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vivem com outro conjugue, mais da metade dos moradores pesquisados possui mais de dois filhos e mais da metade dos casais ganham um salário mínimo por mês ou menos que isso.

Apesar da pesquisa desenvolvida pela Escola Maria Raimunda Balbino não informar com exatidão a extensão dos problemas da comunidade, é bastante significativo o número de crianças que vai para a escola sem tomar café ou almoçar e grande parte tem na merenda escolar o reforço necessário da alimentação diária, indicando que a escola precisa se preocupar com a qualidade da merenda que serve e em não deixá-la faltar, visto que é essencial para o desenvolvimento das crianças da comunidade.

Fazendo esse apanhado inicial de informações, é possível ter uma idéia aproximada de como está o bairro atualmente e seguir em frente. Podemos, então, dizer que parte do bairro Palheiral foi ocupada segundo deliberação dos próprios moradores, oriundos, em sua maioria, dos bairros Bahia Velha, Cadeia Velha e região do Bola Preta.

Eram pessoas que precisavam mudar de local, para não pagar aluguel, para terem sua própria casa. Algumas dessas pessoas moravam em áreas encharcadas da Bahia Velha, estando dispostos a dividir as terras que estavam sendo ocupadas com quem precisasse. Essa motivação e organização entre os moradores contribuíram para que houvesse uma ocupação mais rápida. Muitos moradores vieram expulsos da área onde atualmente está situado o Parque da Maternidade, próximo ao Terminal Urbano. Eles se deslocaram para a parte de cima da ladeira do Bola Preta, mas o governo os expulsou de lá para fazer o Conjunto Castelo Branco e, então, desceram a ladeira se instalando na localidade em que vivem e residem até os dias atuais.

A população que se instalou no bairro é predominante vinda de Tarauacá, Feijó, Sena Madureira e Rio Branco. Os primeiros moradores do local referem-se ao lugar de origem com amor, mas não pretendem voltar para lá, porque há uma dupla identificação com o lugar de origem e com o lugar que escolheram para permanecer. Existe uma relação mais estreita entre os moradores antigos do que com os novos moradores. É uma forma de preservar

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o elo que os une, de compartilhar as lembranças de um tempo difícil, porém, muito saudoso das alegrias de ter lutado e conseguido um lugar para viver.

Há uma relação de afetividade muito grande pelo lugar por parte dos moradores antigos, até o modo de vida deles os distinguem dos outros moradores, uma espécie de orgulho de se pioneiro, de ter conquistado seu lugar. São pessoas já vindas de vários bairros e municípios, vários deles passando pela terceira vez as dificuldades de se adaptarem ao lugar. Eles têm orgulho de contar a história do local, desde o início até os dias de hoje e também têm esperança de que um dia o bairro tenha uma infra-estrutura melhor.

Os moradores desse bairro são simples e têm uma vida humilde, mas se sentem felizes por morar nesse local. Alguns habitantes gostam de morar no bairro e mesmo quando tiveram a oportunidade de mudar para outra localidade permaneceram no local. Outros se acostumaram com o local e resolveram ficar porque todos os seus amigos moravam no bairro. Os mais apegados ao lugar afirmavam que só sairiam do bairro quando morressem.

Em pesquisa realizada pelo professor Reginâmio Bonifácio de Lima no ano de 2005, sobre a formação dos bairros que compõem o Terceiro Eixo, da qual fizemos parte como pesquisador/coletor de dados, percebemos que dentre os entrevistados, a maioria absoluta chegou ao local com mais de 26 anos de idade, sendo que quase um quinto dos imigrantes já tinha idade superior a 40 anos. Em ambos os casos, vinha o entrevistado e sua família, composta por cinco filhos em média.

A família nuclear era formada por pai, mãe, filhos e outros parentes, sendo comum, em grande parte dos casos, morarem com os sogros, cunhados e/ou primos na mesma casa até que esses conseguissem “seu lugarzinho pra morar”. Era comum conviverem até três gerações da mesma família em uma só casa. Muitas das pessoas que moravam em colônias ou em municípios, antes de virem morar no Palheiral, viviam da caça, da pesca, coleta de seringa, coleta de castanha e ou viviam de suas plantações.

A ocupação das terras começou primeiro na ladeira do Bola

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Preta e depois passou-se para a área mais baixa, enquanto a parte alta da ladeira estava sendo ocupada, quase não havia casas na parte baixa. No auge da formação do bairro, em meados da década de 1970, os moradores foram chegando de vários bairros de Rio Branco e de alguns municípios do Estado do Acre, tendo habitado as terras da parte alta da Rua Rio Grande do Sul. Com a construção do Conjunto Castelo Branco, esses moradores que já haviam sido expulsos de outras localidades, como as proximidades do atual Parque da Maternidade ou do bairro Cadeia Velha, para que fosse erguido o Conjunto Habitasa, dirigiram-se para a parte alta do Bola Preta, onde ergueram suas residências. No entanto, também foram expulsos de lá e desceram a ladeira, indo para um lugar onde havia muitas palheiras e lá construíram residências, tapiris, barracos e outros tipos de habitações rústicas.

A ladeira do Bola Preta localiza-se na Rua Rio Grande do Sul e tem esse nome devido a uma boate, que ficava próxima à atual Vila Militar. Esse local era freqüentado por várias pessoas que queriam se “divertir”. Em virtude de existir em frente à casa noturna uma bola preta, daí a denominação do local.

Quando foram pavimentar a Rua Rio Grande do Sul, na parte em que se localiza o Bola Preta, tiveram que aplainar parte da ladeira, porque era muito alta. No início da ocupação do bairro, o “Igarapé do Bueiro”, que passa logo abaixo da ladeira, era utilizado por alguns moradores para lavar roupa, pois a água não era poluída e na região só tinha água encanada na Estrada da Sobral. Os moradores utilizavam água de cacimbas e poços, mas como nem todos tinham cacimbas, eles pediam água aos vizinhos para ser utilizada nas atividades domésticas.

Os moradores passavam por grandes dificuldades para chegar com suas coisas até o seu local de moradia. No verão, alguns traziam seus pertences em caminhão até o local onde iriam morar, o qual oferecia pouco acesso para o tráfego de veículos. O caminhão passava por um caminho estreito onde tinha pedaços de pau, raízes e buracos.

Quando alguns moradores mais antigos chegaram ao local, já havia outros moradores nas colônias da localidade; muitos dos

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antigos moradores não estão mais lá, alguns já morreram, outros se mudaram, e ainda, alguns outros estão com a idade bem avançada e não lembram em que ano chegaram ao bairro. Na década de 1950, chegaram os primeiros habitantes, em torno de quatro famílias, alguns meses após chegaram várias pessoas e começaram a ocupar o local.

O bairro Palheiral tem esse nome por causa das palheiras que havia na localidade. Também se encontrava muita mata na parte sul, inclusive goiabais próximo à atual Rua Campo Grande. Não havia ruas no local, apenas varadouros. Os moradores passavam por um caminho também utilizado por gado, outros caminhos passavam por dentro do mato. Parte do local era uma antiga colônia, outra parte era pertencente ao antigo Aeroporto Santos Dumont. O local onde seriam feitas as ruas tinha muitos buracos e lama, os moradores pediam ajuda à Prefeitura e ao Governo para que ajeitassem as ruas, até que o Estado mandou

Foto do Palheiral, década de 1970. Foto: Patrimônio Histórico Esdadual

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fazer as ruas do bairro. Segundo alguns moradores, por causa da grande

quantidade de buracos que havia nas ruas, muitos cheios de lama provenientes da água da chuva, em determinada ocasião, eles conversaram com o prefeito exigindo que a Prefeitura consertasse as ruas, caso contrário, não iriam votar no candidato do Prefeito para Governador. O Prefeito sabia que precisava dos votos daquelas pessoas para eleger o Governador do seu partido político, e, como aquele era ano de eleição e os moradores ameaçavam não votar em nenhum candidato, o chefe do município aceitou restaurar as ruas do bairro.

De acordo com as informações, obtidas a partir do Setor de Cadastro Imobiliário de Rio Branco, o bairro Palheiral possuía, em 1979, mais de dois mil domicílios, sendo que, predominantemente a maioria dos quintais já tinha residências, algumas ainda estavam em fase de construção. A maioria das casas foi construída de frente para a via pública, havendo também casas em esquinas, normalmente eram construídas sem nenhum tipo de limitação definida como cercas e muros.

As áreas ocupadas no bairro no momento de sua formação eram totalmente de propriedade particular, sendo utilizadas para a construção de casas próprias e também casas para serem alugadas. O terreno tinha varias utilizações sendo que, na maioria dos casos, era de uso residencial, mas também eram desenvolvidas várias utilidades para o uso do terreno como: comércio, serviços, indústria e agropecuária.

As casas eram isoladas dentro do terreno, em alguns casos eram geminadas, na maior parte dos casos eram construídas em madeira e raramente em alvenaria, taipa ou barraco. As edificações eram quase todas sem revestimento, quando havia era feito de madeira ou caiação. Quase todas as casas eram cobertas de palha, embora algumas fossem cobertas de cavaco ou zinco. Os pisos das casas eram construídos de tábuas, sendo que em alguns casos era a própria terra batida. Em pouquíssimas casas o piso era feito de cimento ou cerâmica. O forro era praticamente inexistente,

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havendo poucas casas com forro de madeira. Era comum, no início da formação do bairro, encontrar casas feitas de madeira de tiarana, com paredes feitas de papelão ou palha. Em geral, essas casas eram pequenas, mediam em torno de quatro metros de largura por seis de comprimento.

As instalações sanitárias eram, em sua maioria, externas, sendo normalmente construída uma “privada” no fundo do quintal. Em quase um terço das residências essas instalações não existiam e em uma minoria elas eram internas simples ou internas completas. Aproximadamente metade das casas dispunha do serviço de eletricidade, possuindo estas os fios de eletricidade dispostos de forma aparente. A outra metade da população tinha que viver às escuras, não dispondo do serviço de eletricidade.

Ainda de acordo com os dados do Cadastro Imobiliário de 1979, na maior parte do bairro não havia sistema de esgoto, galeria pluvial, rede telefônica e iluminação publica. Calçamentos só existiam nas principais vias de acesso ao bairro, a coleta de lixo não atendia a maioria das casas do bairro, os moradores jogavam seu lixo em logradouros ou em terrenos baldios, a limpeza urbana era feita em poucas ruas do bairro.

Na maior parte das residências não havia energia/força elétrica, praticamente não existia esgoto nos domicílios, sendo mais comum o que passava na via pública. Poucos eram os telefones residenciais, dado seu alto custo. Na maioria das casas havia água encanada, mas em algumas delas os moradores ainda usavam cacimbas, já que, não havia pressão suficiente na rede de abastecimento de água. A coleta de lixo atendia uma minoria dos moradores, nas residências existiam poucas fossas sépticas.

Os moradores, normalmente, não tinham televisão e quando um deles possuía, a vizinhança se reunia para assistirem juntos, principalmente de noite quando muitos os moradores já tinham chegado do trabalho e iam assistir o Jornal Nacional e a novela das 8 horas. Algumas casas eram tão pequenas que quase não cabiam todas as pessoas. De noite quando as famílias se recolhiam para dormir, atavam as redes umas por cima das outras.

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No ano de 1979 já existia em muitas casas energia elétrica, que chegava através de rabichos que eram feitos de fios de arame farpado.

No final da década de 1970, os moradores freqüentavam a missa na Igreja São Peregrino, no bairro Floresta, depois decidiram fazer uma Igreja no seu próprio bairro. Os moradores que freqüentavam a Igreja fizeram uma “feira” onde vendiam vários produtos com o intento de arrecadar fundos para a construção do primeiro templo. A feira ocorria nos sábados com a venda de produtos como: macaxeira cozida, nescau, café, tapioca, quibe, entre outros.

A primeira Igreja que os moradores construíram era pequena e de madeira, não cabiam todas as pessoas que freqüentavam, uns ficavam em pé, outros do lado de fora. Então decidiram aumentar a Igreja. Depois do aumento ainda não cabiam todas as pessoas dentro do templo. A solução foi fazer um segundo aumento, desta vez, em alvenaria. Nesse período, já havia várias pessoas nos bairros João Eduardo I e Bahia, assim, aquelas comunidades também construíram congregações onde pudessem se encontrar para cultuar a Deus.

As Comunidades Eclesiais de Base (CEB's) se reuniam na Igreja e nas casas. Onde havia monitores, eram eles quem programavam as reuniões, faziam as celebrações, a comunhão, a leitura do Evangelho, rezavam e discutiam assuntos relacionados ao bairro.

Os monitores tinham o mesmo papel – ainda que não oficial – de juiz de paz, de vara da família, da infância e de delegado. Eram muito respeitados pelas pessoas que faziam parte das comunidades. Assim, se o marido batesse na esposa, o monitor ia ao local tentar fazer as pazes do casal. Ele também desempenhava a função de presidente de bairro, reivindicando melhorias para a população, como água, luz, esgoto, telefone. Para ser monitor era preciso fazer um curso na Igreja Católica, estar ligado às CEBs, ser um “cidadão de bem” , a partir daí, fazia o curso de liderança e clemência, onde se estudava a Bíblia e como ajudar as

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comunidades.Logo no início houve alguns conflitos por área de terra, os

moradores usavam terçado e pedaços de pau. As brigas ocorriam com maior freqüência nos finais de semana principalmente nos bares. No bairro João Eduardo também houve conflito, que ocasionou a morte do morador João Eduardo. Este fazia parte da comissão que demarcava os lotes de terras para cada morador. Em homenagem a João Eduardo colocaram o seu nome no bairro.

Os primeiros moradores do Palheiral trabalhavam de carpinteiro, pedreiro, servente, doméstica, picolezeiros, vendedores ambulantes, alguns procuravam trabalho no centro da cidade, etc. Alguns moradores antigos do Palheiral ajudaram na construção do Conjunto Castelo Branco, para ganharem o sustento de suas famílias. De manhã quando alguns moradores iam pro trabalho exercer a função de doméstica tinham que levar o material escolar para depois que saíssem do trabalho fossem para a escola. Hoje em dia muitos estão aposentados.

Como não havia escola no local, tendo em vista que a área não oferecia estrutura por ser uma antiga fazenda e ainda estar em fase de ocupação, muitas crianças começaram a estudar tardiamente. Devido às dificuldades enfrentadas como o fato de precisarem se deslocar para outro bairro para estudarem e necessitarem ajudar os pais no sustento da casa, trabalhando como engraxate, vendendo pão, picolé, etc., muitos acabaram por desistir da escola.

A quase totalidade dos entrevistados não soube dizer de quem eram as terras das quais se apossaram, e mesmo afirmando que não é certo tomar o que é dos outros, precisando escolher entre seu senso ético e a necessidade social básica de um lugar para morar, escolheram proporcionar melhores condições de vida para o marido ou mulher e seus “barrigudinhos”.

A maioria dos moradores entrevistados do bairro Palheiral gosta do nome do seu bairro, e já estão acostumados com o mesmo. Eles não concordam com a mudança do nome do bairro onde vivem para Baixada do Sol, porque o setor é composto por bairros com

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nomes, histórias e localizações diferentes.Este ensaio foi realizado através da sistematização do

conhecimento produzido a partir de depoimentos orais dos moradores mais antigos do bairro e de documentação pertinente sobre a localidade para que se tenha acesso a uma parte dos movimentos ocorridos na direção campo-cidade, que culminaram nas migrações ocorridas dentro da cidade no sentido ao bairro Palheiral.

Esperamos que essa pesquisa venha contribuir na preservação da memória acerca da formação do bairro, observando as transformações do espaço, mostrando o processo de ocupação do bairro, que se deu de forma “desordenada”, e a influencia da Igreja Católica na interação com os habitantes da localidade. Nosso intuito é que os moradores do Palheiral e de outros bairros, escolas e pessoas interessadas possam conhecer, ainda que parcialmente, a historia do bairro e como se deu a implementação das ocupações.

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Escolhemos trabalhar a experiência, por que nos permite entender os percursos vividos e os olhares construídos pelas gentes que fazem parte do processo de ocupação e formação dos bairros que compõem o Terceiro Eixo. Esse é um lugar formado por famílias que têm em comum suas trajetórias, pois é fruto dos processos econômicos e ocupacionais estabelecidos para a região amazônica nos diferentes tempos. São famílias que têm suas origens formadas na grande maioria de migrantes nordestinos que sem grandes recursos deixaram sua terra natal e saíram em busca de melhores condições de vida.

Vir para a floresta amazônica era ir mais além, e isso traduz a força de uma gente que não se dá por vencida. Nessa busca, atravessaram rios, percorreram varadouros, indo até o fim de uma prova cheia de perigos, mesmo que não conhecessem o limite. Nesse caminho, muitos não vieram para ficar, mas poucos retornaram e a maioria jamais conseguiu sair. Os últimos, quando pensavam que haviam encontrado seus lugares, tiveram que reiniciar o percurso, atravessar novos caminhos e perigos em busca de um novo local.

A ter em vista a história acreana, percebemos que o projeto de desenvolvimento pecuarista foi, a partir de 1970, a principal política de investimentos no Estado. Para isso, milhares de hectares de terras foram vendidos, outros simplesmente “perdidos” pelos que lá moravam. Quanto ao progresso prometido, ficou para os novos que chegaram os mesmos responsáveis pela expulsão de milhares de trabalhadores dos seus locais de trabalho e de moradia.

Esse foi um tempo de profundas mudanças. Neste processo de transformações, a cidade de Rio Branco tornou-se uma alternativa, as populações tornadas migrantes, buscavam moradia, brigavam por um lugar, e, encontraram nas chamadas “terras

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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devolutas”, “um pedaço de chão” para construir suas moradias, reconstruir suas vidas e sonhos.

Muitas das famílias moradoras dos bairros que formam o local também passaram por muitos perigos, atravessaram rios e percorreram varadouros antes de chegar a Rio Branco, são assim, de várias localidades. Isso ocorre de três maneiras distintas: primeiro porque vieram de lugares diferentes, ou seja, de várias regiões do Brasil; segundo, porque muitos estiveram por muitos lugares dentro do próprio Acre; e terceiro, porque é intensa a migração dentro dos próprios bairros, sendo que, a explicação para essa última forma de mudança está provavelmente na época do seringal, quando era comum enjoarem a colocação e a trocarem com o vizinho. Prática que muitos no local ainda realizam, agora não em relação à colocação, mas em relação às próprias casas.

Não intentamos encerrar por aqui. Este não é o fim dos estudos sobre os habitantes modificando antropicamente seu habitat. Este trabalho está apenas no começo. Primeiramente trabalhamos o contexto de “Sobre Terras e Gentes”, livro que antecedeu este. Neste volume, agora em equipe de nove professores/pesquisadores, ensaiamos os “Habitantes e Habitat” que formaram aquela região em sua primeira fase, num total de oito bairros. Contudo, já se encontra no prelo a segunda fase de expansão com “Habitantes e Habitat 2”, com os demais oito bairros da localidade, perpassando pelos estudos acerca de memória e identidade a serem efetuados na constituição dos “Traços da Memória Riobranquense”.

Os traços que aqui apresentamos contêm os resultados de estudos e pesquisas realizados na área próxima ao antigo Aeroporto, que fica situada nas imediações da atual Secretaria Estadual de Educação. Nesse local, hoje em dia estão formados os dezesseis bairros que compõem a terceira fase de expansão da cidade de Rio Branco, sendo eles: Palheiral, Pista, Bahia Velha, Bahia Nova, Aeroporto Velho, Glória, João Eduardo I e João Eduardo II, Boa União, Airton Sena, Sobral, João Paulo II, Plácido de Castro, Boa Vista, Invasão da Sanacre e Floresta Sul. Os oito primeiros compõem o setor inicial de formação do local, e os oito

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seguintes, representam a fase de expansão. Nestes 16 bairros moram atualmente mais de 33.908 pessoas, de acordo com o censo do IBGE no ano de 2000.

O Terceiro Eixo representa a área equivalente a menos de 10% da extensão total urbana da cidade de Rio Branco e comporta quase um quinto de seus domicílios, e um sétimo de sua população. O maior dos bairros do setor, com uma área de 655.330m2, é o bairro Aeroporto Velho, que ocupa 24% da extensão total das terras da localidade. A distribuição percentual das terras dos bairros que compõem o setor inicial de formação do local pode ser observada na seguinte tabela:

Fonte: Setor de Georeferenciamento da PMRB.

Nem só de terras vive uma localidade, as gentes são tão importantes quanto aquelas. Assim, percebemos que as falas dos entrevistados são tradutoras das muitas transformações, dos muitos problemas e alternativas ocorridas nos bairros ao longo do tempo. Suas lembranças sobre o passado nos possibilitaram o acesso a um fio condutor, que talvez nos tenha levado a entender um pouco sobre a historia da terra em que essas gentes requereram para si, e que foram a cada dia a reinventando.

A partir da análise dessas condições em que viviam os moradores no final da década de 1970 e início da de 1980, segundo os relatos dos entrevistados, percebemos a importância dada a valores como a honestidade e o trabalho, bem como o extremo

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apego ao local, dadas as relações estabelecidas pela vivência e convivência na localidade. Valores que, apesar das transformações ocorridas, ainda se mantêm nas vidas dos moradores do local.

Foi o movimento dessas transformações que buscamos entender na medida do possível no decorrer desse trabalho. Desta forma buscamos construir os ensaios não só pelas informações, mas também pela experiência de seus moradores, através do que lhes passou, lhes aconteceu e do que lhes toca. Foi na “ordem e desordem” que orientam o fazer e os saberes cotidianos das pessoas desse lugar que buscamos olhar sem velocidade e sem preconceito para não ter pressa diante do turbilhão que nos foi mostrado.

Embora, em sua maioria, os moradores não sejam mais os mesmos da época de formação do bairro, percebemos que, para os que ficaram, estabelecer novas ligações de comunhão social foi fundamental para que aquele espaço representasse mais que um local, representasse um lar. Desse lugar, os pioneiros no processo de formação do bairro só buscam sair para o cemitério, numa demonstração que mesmo com várias oportunidades de se mudarem para outras localidades, eles mantêm uma relação muito forte com o lugar, chegando as suas histórias não apenas a fazerem parte do processo de formação, mas principalmente traduzi-lo, confundindo-se e misturando-se com ele.

Hoje, mais de 30 anos depois do inicio de seu efetivo processo de ocupação, muitos vestígios dessa época de formação ainda podem ser encontrados. São eles que, somados à lembrança dos moradores, mostram a nós que esse lugar tem uma história cheia de retalhos deslineares, fissuras, rupturas, descontinuidades e fragmentos.

A cada momento, a cada minuto de conversa passado, um novo pedaço da história do local surge. Quando pensamos que está para encerrar-se, tudo se reinicia, e começamos a galgar mais um degrau rumo à espiral que delineia as histórias das gentes e das terras da localidade.

Reginâmio Bonifácio de Lima (org.)

(Escrito em uma noite fria de 2007)

Considerações Finais

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Livros:

Álbum Fotográfico do Território Federal do Acre (1946-1948). D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / w w w . b v . a m .gov.br/portal/conteudo/acervo/digitalizado/index.php?a=descricao&v=64>. Acessado em 23 de nov. 2006. BOSI, E. Memória e sociedade. São Paulo: T.A. Queiroz - Editora da Universidade de São Paulo, 1987.CABRAL, Maria da Conceição de Lima; FIGUEIREDO, Maria Lourdes Barbosa; et al. Um estudo de caso do crescimento desordenado da cidade de Rio Branco na década de 70 (1970-1980). Rio Branco: UFAC/DH, 1992.COSTA, João Craveiro. A Conquista do Deserto Ocidental. 2 ed. Rio Branco (Acre): Fundação Cultural do Acre, 1998.COSTA, Leila Gonçalves da. Ocupação e Violência – A Ambiência Física e Social dos Bairros João Eduardo I e II. Rio Branco: UFAC, 2003. Monografia de Bacharelado em História. Diocese da Ordem das Servas de Maria. Livro do Tombo. Rio Branco, 1986.DUARTE, Élio Garcia. Conflitos pela terra no Acre. Rio Branco: Casa da Amazônia, 1987.Governo do Estado do Acre. Histórico da Escola Flaviano Flávio Baptista. Rio Branco: Mimmeo, 2004.________. Projeto Político-Pedagógico da Escola Áurea Pires. Rio Branco: Mimmeo, 2006.________. Projeto Político-Pedagógico da Escola Maria Raimunda Balbino. Rio Branco: Mimmeo, 2006.________. Projeto Político-Pedagógico da Escola Serafim da Silva Salgado. Rio Branco: Mimmeo, 2006.GUERRA, Antônio Teixeira. Estudo Geográfico do Território do Acre. Publicação nº 11 – 1955.

REFERÊNCIAS

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Referências

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disputa pela terra. Belo Horizonte: UFAC/DH, 1998.SILVA, Adelaide Maria Costa; et al. Geografia do Acre. Rio Branco, 1993.SILVA, Altina Moreira da, CASTRO, Francisca Chagas de Lima, et al. Estudo sobre a formação do Bairro João Eduardo de 1970 a 1987. Rio Branco: UFAC/DH, 1988.SILVA, Renato Nunes da. Migrações internas no Estado do Acre: Rio Branco, um caso de urbanização precoce. Belém: UFPA/Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, 1981.SOUZA, Carlos Alberto Alves de. A História do Acre: novos temas, nova abordagem. Rio Branco: Editor Carlos Alberto Alves de Souza, 2002.THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.THOMPSON, Paul. A voz do passado - História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.TOCANTINS, Leandro. Estado do Acre: Geografia, história e sociedade. Rio de Janeiro: Philobiblion; [Rio Branco]: Assessoria de Comunicação Social do Estado do Acre: Banacre, 1984.

Entidades:

Biblioteca da UFACBiblioteca Pública EstadualCDIH da UFACFundação Garibaldi BrasilIBGEMemorial dos AutonomistasPatrimônio Histórico EstadualSetor de Georeferenciamento Municipal

Reginâmio Bonifácio de Lima - natural de Rio Branco –

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Reginâmio Bonifácio de Lima - natural de Rio Branco – Acre, é Bacharel em Teologia, pela FATEBOV, e Licenciado em História, pela UFAC; É Especialista em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, pela UFAC; obteve os graus de Mestre e Doutor em Teologia, pela FATEBOM – SP. Atua como Pesquisador e Policial Proerd na Diretoria de Ensino da PMAC, e é professor de Teologia e Metodologia da Pesquisa, no Seminário Teológico Kerigma, em Rio Branco – Acre. Atualmente cursa Mestrado em Letras/UFAC e lidera o Grupo de Pesquisa Sobre Terras e Gentes: Amazônia em Foco. É o autor de Sobre Terras e Gentes: o terceiro eixo ocupacional de Rio Branco (1971 – 1982); Retorno à Santidade; O Sermão da Montanha; e, Ensaio Sobre Fatos e Datas da Congregação Presbiteriana do Bahia; além de vários outros artigos.

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio – natural de

Tarauacá – Acre, é Licenciada em Letras/Vernáculo; Especialista em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia. Atualmente cursa Mestrado em Letras/UFAC. Atua na rede pública estadual de ensino como professora de Língua Portuguesa e coordenadora do grupo de Pesquisa O Discurso nas Redes do Poder; atua na Faculdade Teológica Batista Betel, como professora de Monografia e no Seminário Teológico Kerigma, como professora de Educação Cristã e de Língua Portuguesa, em Rio Branco – Acre. É autora de O Imaginário Social nos Jornais de Rio Branco (1900-1999); Sonhos em BVA v 1 e 2; Ideologia e Poder, além de diversos artigos publicados em anais e congressos.

?Lelcia Maria Monteiro de Almeida – natural de Cruzeiro

do Sul/AC, graduada em História pela UFAC e Especialista em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, atua como

SOBRE OS AUTORES:

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coordenadora no grupo de pesquisa Sobre Terras e Gentes: Amazônia em Foco. Atualmente desenvolve trabalhos como Coordenadora do Setor de Acervo na Fundação Cultural Garibaldi Brasil. É autora de diversos artigos e capítulos de livros, dentre eles, Osmarino Amâncio: tempo e resistência.

Cleunilde Silva dos Santos – natural do Amazonas, L i c e n c i a d a e m H i s t ó r i a / U FA C ; E s p e c i a l i s t a e m Psicopedagogia/IVE. Atualmente trabalha como Coordenadora de Projetos no Departamento de Patrimônio Histórico do Acre da Fundação Cultural Elias Mansour.

Leila Gonçalves da Costa – natural de Rio Branco – Acre. Licenciada e Bacharela em História. Atualmente é professora em Brasiléia – Acre e Coordenadora de Micro-Rede da Secretaria de Estado de Educação em Epitaciolândia. Publicou em parceria com Reginâmio B. Lima, o artigo João Eduardo I e II e Ambiência Ocupacional nos bairros João Eduardo I e II..

Antônio Vladimir da Silva Barbosa – natural de Rio Branco – Acre. Licenciado em Geografia pela UFAC. Atualmente desenvolve atividades como professor na Secretaria de Estado de Educação. É autor de diversos artigos publicados em Congressos e Seminários.

Sâmya Teixeira de Alencar – natural de Rio Branco – Acre. Licenciada em Ciências Sociais. Atualmente desenvolve trabalhos junto a Clinstran.

Regineison Bonifácio de Lima – natural de Rio Branco – Acre. Licenciando em História. Já atuou na rede de ensino particular. É autor de vários artigos publicados em congressos e seminários.

Pedro Bonifácio de Lima – natural de Rio Branco – Acre. Licenciando em Geografia. Atualmente desenvolve trabalhos junto à Secretaria Municipal de Educação. É autor de vários artigos publicados em congressos e seminários.

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GRAF-SETFone/Fax: (68) 3226-2173 -Celular: 9974-2903

Rua Dourado nº 38 - Tangará - Estação ExperimentalRio Branco - Acre - Brasil

E-mail: [email protected] / [email protected]

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Os traços que aqui apresentamos contêm os resultados de estudos e pesquisas realizados na área próxima ao antigo Aeroporto, que fica situada nas imediações da atual Secretaria Estadual de Educação. Nesse local, hoje em dia estão formados os dezesseis bairros que compõem a terceira fase de expansão da cidade de Rio Branco, sendo eles: Palheiral, Pista, Bahia Velha, Bahia Nova, Aeroporto Velho, Glória, João Eduardo I e João Eduardo II, Boa União, Airton Sena, Sobral, João Paulo II, Plácido de Castro, Boa Vista, Invasão da Sanacre e Floresta Sul. Os oito primeiros compõem o setor inicial de formação do local, e os oito seguintes, representam a fase de expansão. Neste momento falaremos dos oito bairros iniciais do período de formação. Na obra intitulada Habitantes e Habitat 2 falaremos da expansão da localidade e sua representação social.

Na pesquisa constatamos a quantidade de 33.908 pessoas vivendo nesses locais, residindo e convivendo em 14.109 domicílios. Portanto, é certo dizer que o Terceiro Eixo Ocupacional Expandido de Rio Branco representa na atualidade 14,98% da população urbana riobranquense, e comporta em sua área 17,14% dos domicílios da cidade. Assim sendo, é clara a super-povoação do local em comparação com o restante de Rio Branco. Uma área que representa menos de 10% da extensão total urbana da Capital acreana comporta quase um quinto de seus domicílios, e um sétimo de sua população.

São esses homens e mulheres os autores de muitos dos feitos executados em Rio Branco. Seres humanos, como você e eu, dignos de serem tratados com respeito. Não são heróis, tampouco bandidos, são gentes que caminharam longos anos até conseguir suas terras. Foram expulsos de onde moravam e saíram numa jornada em busca de melhores condições de vida.

Maria Iracilda G. C. Bonifácio (Org.)

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