HADDAD, Sérgio DI PIERRO, Maria C. Escolarização de jovens e adultos

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    Haddad, Srgio, Di Pierro, Maria Clara. Escolarizao de jovens e adultos.Revista Brasileira de Educao, n. 14, maio-ago 2000, p.108-130.

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    Escolarizao de jovens e adultos

    Srgio HaddadPontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    Maria Clara Di PierroOrganizao no-governamental Ao Educativa

    Introduo

    No passado como no presente a educao de jovens e adultos semprecompreendeu um conjunto muito diverso de processos e prticas formais einformais relacionadas aquisio ou ampliao de conhecimentos bsicos, decompetncias tcnicas e profissionais ou de habilidades socioculturais. Muitosdesses processos se desenvolvem de modo mais ou menos sistemtico fora deambientes escolares, realizando-se na famlia, nos locais de trabalho, nos espaosde convvio sociocultural e lazer, nas instituies religiosas e, nos dias atuais,tambm com o concurso dos meios de informao e comunicao distncia.Qualquer tentativa de historiar um universo to plural de prticas formativasimplicaria srio risco de fracasso, pois a educao de jovens e adultos,compreendida nessa acepo ampla, estende-se por quase todos os domnios davida social.O texto que segue aborda alguns dos processos sistemticos e organizados de

    formao geral de pessoas jovens e adultas no Brasil, conferindo especial ateno educao escolar. A anlise no abrange, portanto, o vasto mbito das prticasde qualificao profissional, de teleducao, nem a diversidade de experincias deformao sociocultural e poltica das pessoas jovens e adultas que se realizamfora de processos de escolarizao e que, na pesquisa educacional brasileira,vm sendo abordadas pelos estudos de educao popular. O artigo tambm notem a pretenso de compreender todos os nveis e modalidades de ensino,privilegiando a educao bsica realizada por meios presenciais e, no seu interior,as etapas iniciais da escolarizao.O texto oferece uma rpida viso panormica do tema ao longo dos cinco sculosda histria posteriores chegada dos portugueses s terras brasileiras, masdetm o olhar sobretudo na segunda metade do sculo XX, em que o pensamentopedaggico e as polticas pblicas de educao escolar de jovens e adultosadquiriram a identidade e feies prprias, a partir das quais possvel enecessrio pensar seu desenvolvimento futuro.

    Colnia e Imprio

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    A ao educativa junto a adolescentes e adultos no Brasil no nova. Sabe-seque j no perodo colonial os religiosos exerciam sua ao educativa missionriaem

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    grande parte com adultos. Alm de difundir o evangelho, tais educadorestransmitiam normas de comportamento e ensinavam os ofcios necessrios aofuncionamento da economia colonial, inicialmente aos indgenas e,posteriormente, aos escravos negros. Mais tarde, se encarregaram das escolas dehumanidades para os colonizadores e seus filhos.Com a desorganizao do sistema de ensino produzido pela expulso dos

    jesutas do Brasil em 1759, somente no Imprio voltaremos a encontrarinformaes sobre aes educativas no campo da educao de adultos.No campo dos direitos legais, a primeira Constituio brasileira, de 1824, firmou,

    sob forte influncia europia, a garantia de uma instruo primria e gratuita paratodos os cidados, portanto tambm para os adultos. Pouco ou quase nada foirealizado neste sentido durante todo o perodo imperial, mas essa inspiraoiluminista tornou-se semente e enraizou-se definitivamente na cultura jurdica,manifestando-se nas Constituies brasileiras posteriores. O direito que nasceucom a norma constitucional de 1824, estendendo a garantia de uma escolarizaobsica para todos, no passou da inteno legal. A implantao de uma escola dequalidade para todos avanou lentamente ao longo da nossa histria. verdade,tambm, que tem sido interpretada como direito apenas para as crianas.Essa distncia entre o proclamado e o realizado foi agravada por outros fatores.

    Em primeiro lugar, porque no perodo do Imprio s possua cidadania umapequena parcela da populao pertencente elite econmica qual se admitiaadministrar a educao primria como direito, do qual ficavam excludos negros,indgenas e grande parte das mulheres. Em segundo, porque o ato adicional de1834, ao delegar a responsabilidade por essa educao bsica s Provncias,reservou ao governo imperial os direitos sobre a educao das elites,praticamente delegando instncia administrativa com menores recursos o papelde educar a maioria mais carente. O pouco que foi realizado deveu-se aosesforos de algumas Provncias, tanto no ensino de jovens e adultos como naeducao das crianas e adolescentes. Neste ltimo caso, chegaramos em 1890com o sistema de ensino atendendo apenas 250 mil crianas, em uma populaototal estimada em 14 milhes. Ao final do Imprio, 82% da populao com idadesuperior a cinco anos era analfabeta. Desta forma, as preocupaes liberaisexpressas na legislao desse perodo acabaram por no se consubstanciar,condicionadas que estavam pela estrutura social vigente. Nas palavras de CelsoBeisiegel:

    [...] no Brasil, na colnia e mesmo depois, nas primeiras fases do Imprio [...] aposse da propriedade que determina as limitaes de aplicao das doutrinasliberais: e so os interesses radicados na propriedade dos meios de produo

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    colonial [...] que estabelecem os contedos especficos dessas doutrinas no pas.O que h realmente peculiar no liberalismo no Brasil, durante este perodo, enestas circunstncias, mesmo a estreiteza das faixas de populao abrangidasnos benefcios consubstanciados nas formulaes universais em que osinteresses dominantes se exprimem. (Beisiegel, 1974, p. 43)

    Primeira Repblica

    A Constituio de 1891, primeiro marco legal da Repblica brasileira, consagrouuma concepo de federalismo em que a responsabilidade pblica pelo ensinobsico foi descentralizada nas Provncias e Municpios. Unio reservou-se opapel de animador dessasatividades, assumindo uma presena maior no ensinosecundrio e superior. Mais uma vez garantiu-se a formao das elites emdetrimento de uma educao para as amplas camadas sociais marginalizadas,quando novamente as decises relativas oferta de ensino elementar ficaramdependentes da fragilidade financeira das Provncias e dos interesses dasoligarquias regionais que as controlavam politicamente.A nova Constituio republicana estabeleceu tambm a excluso dos adultosanalfabetos da participao pelo voto, isto em um momento em que a maioria dapopulao adulta era iletrada.Apesar do descompromisso da Unio em relao ao ensino elementar, o perododa Primeira Repblica se caracterizou pela grande quantidade de reformaseducacionais que, de alguma maneira, procuraram um princpio de normatizao epreocuparam-se com o estado precrio do ensino bsico. Porm, taispreocupaes

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    pouco efeito prtico produziram, uma vez que no havia dotao oramentriaque pudesse garantir que as propostas legais resultassem numa ao eficaz. Ocenso de 1920, realizado 30 anos aps o estabelecimento da Repblica no pas,indicou que 72% da populao acima de cinco anos permanecia analfabeta.At esse perodo, a preocupao com a educao de jovens e adultospraticamente no se distinguia como fonte de um pensamento pedaggico ou depolticas educacionais especficas. Isso s viria a ocorrer em meados da dcadade 1940. Havia uma preocupao geral com a educao das camadas populares,normalmente interpretada como instruo elementar das crianas.No entanto, j a partir da dcada de 1920, o movimento de educadores e da

    populao em prol da ampliao do nmero de escolas e da melhoria de suaqualidade comeou a estabelecer condies favorveis implementao depolticas pblicas para a educao de jovens e adultos. Os renovadores daeducao passaram a exigir que o Estado se responsabilizasse definitivamentepela oferta desses servios. Alm do mais, os precrios ndices de escolarizaoque nosso pas mantinha, quando comparados aos de outros pases da Amrica

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    Latina ou do resto no mundo, comeavam a fazer da educao escolar umapreocupao permanente da populao e das autoridades brasileiras. Essainflexo no pensamento poltico-pedaggico ao final da Primeira Repblica estassociada aos processos de mudana social inerentes ao incio da industrializaoe acelerao da urbanizao no Brasil.

    Nossas elites, que j haviam se adiantado no estabelecimento constitucional dodireito educao para todossem propiciar as condies necessrias parasua realizao , viam agora esse direito unido a um dever que cada brasileirodeveria assumir perante a sociedade.

    [...] ao direito de educao que j se afirmara nas leis do Brasil, com as garantiasdo ensino primrio gratuito para todos os cidados, vir agora associar-se, damesma forma como ocorrera em outros pases, a noo de um dever do futurocidado para com a sociedade, um dever educacional de preparar-se para oexerccio das responsabilidades da cidadania. (Beisiegel, 1974, p. 63)

    Perodo de Vargas

    A Revoluo de 1930 um marco na reformulao do papel do Estado no Brasil.Ao contrrio do federalismo que prevalecera at aquele momento, reforando osinteresses das oligarquias regionais, agora era a Nao como um todo que estavasendo reafirmada.A inclinao ao fortalecimento e mudana de papel do Estado centralmanifesta-se de maneira inequvoca na Constituio de 1934. A, j se configuravauma nova concepo que,

    superando a idia de um Estado de Direito, entendido apenas como o Estadodestinado salvaguarda das garantias individuais e dos direitos subjetivos, parapensar-se no Estado aberto para a problemtica econmica, de um lado, e para aproblemtica educacional e cultural, de outro. (Ferraz et al., 1984, p. 651)

    Nos aspectos educacionais, a nova Constituio props um Plano Nacional deEducao, fixado, coordenado e fiscalizado pelo governo federal, determinando demaneira clara as esferas de competncia da Unio, dos estados e municpios emmatria educacional: vinculou constitucionalmente uma receita para a manutenoe o desenvolvimento do ensino; reafirmou o direito de todos e o dever do Estadopara com a educao; estabeleceu uma srie de medidas que vieram confirmareste movimento de entregar e cobrar do setor pblico a responsabilidade pelamanuteno e pelo desenvolvimento da educao.Foi somente ao final da dcada de 1940 que a educao de adultos veio a se

    firmar como um problema de poltica nacional, mas as condies para que issoviesse a ocorrer foram sendo instaladas j no perodo anterior. O Plano Nacionalde Educao de responsabilidade da Unio, previsto pela Constituio de 1934,deveria incluir entre suas normas o ensino primrio integral gratuito e defreqncia obrigatria. Esse ensino deveria ser extensivo aos adultos. Pelaprimeira vez a educao de jovens e adultos era reconhecida e recebia umtratamento particular.

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    Com a criao em 1938 do INEPInstituto Nacional de Estudos Pedaggicose atravs de seus estudos e pesquisas, instituiu-se em 1942 o Fundo Nacional doEnsino Primrio. Atravs dos seus recursos, o fundo

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    deveria realizar um programa progressivo de ampliao da educao primria queinclusse o Ensino Supletivo para adolescentes e adultos. Em 1945 o fundo foiregulamentado, estabelecendo que 25% dos recursos de cada auxlio deveriamser aplicados num plano geral de Ensino Supletivo destinado a adolescentes eadultos analfabetos.Ao mesmo tempo, fatos transcorridos no mbito das relaes internacionaisampliaram as dimenses desse movimento em prol de uma educao de jovens eadultos. Criada em novembro de 1945, logo aps a 2a Guerra Mundial, aUNESCO denunciava ao mundo as profundas desigualdades entre os pases ealertava para o papel que deveria desempenhar a educao, em especial aeducao de adultos, no processo de desenvolvimento das naes categorizadascomo atrasadas.Em 1947, foi instalado o Servio de Educao de Adultos (SEA) como servio

    especial do Departamento Nacional de Educao do Ministrio da Educao eSade, que tinha por finalidade a reorientao e coordenao geral dos trabalhosdos planos anuais do ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos.Uma srie de atividades foi desenvolvida a partir da criao desse rgo,integrando os servios j existentes na rea, produzindo e distribuindo materialdidtico, mobilizando a opinio pblica, bem como os governos estaduais emunicipais e a iniciativa particular.O movimento em favor da educao de adultos, que nasceu em 1947 com a

    coordenao do Servio de Educao de Adultos e se estendeu at fins dadcada de 1950, denominou-se Campanha de Educao de Adolescentes e

    AdultosCEAA. Sua influncia foi significativa, principalmente por criar uma infra-estrutura nos estados e municpios para atender educao de jovens e adultos,posteriormente preservada pelas administraes locais. [Nota:1]Duas outras campanhas ainda foram organizadas pelo Ministrio da Educao e

    Cultura: uma em 1952a Campanha Nacional de Educao Rural, e outra, em1958 a Campanha Nacional de Erradicao do Analfabetismo. Ambas tiveramvida curta e pouco realizaram.O Estado brasileiro, a partir de 1940, aumentou suas atribuies e

    responsabilidades em relao educao de adolescentes e adultos. Aps umaatuao fragmentria, localizada e ineficaz durante todo o perodo colonial,Imprio e Primeira Repblica, ganhou corpo uma poltica nacional, com verbasvinculadas e atuao estratgica em todo o territrio nacional.Tal ao do Estado pode ser entendida no quadro de expanso dos direitos

    sociais de cidadania, em resposta presena de amplas massas populares quese urbanizavam e pressionavam por mais e melhores condies de vida. Osdireitos sociais, presentes anteriormente nas propostas liberais, concretizavam-se

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    agora em polticas pblicas, at como estratgia de incorporao dessas massasurbanas em mecanismos de sustentao poltica dos governos nacionais.A extenso das oportunidades educacionais por parte do Estado a um conjuntocada vez maior da populao servia como mecanismo de acomodao de tensesque cresciam entre as classes sociais nos meios urbanos nacionais. Atendia

    tambm ao fim de prover qualificaes mnimas fora de trabalho para o bomdesempenho aos projetos nacionais de desenvolvimento propostos pelo governofederal. Agora, mais do que as caractersticas de desenvolvimento daspotencialidades individuais, e, portanto, como ao de promoo individual, aeducao de adultos passava a ser condio necessria para que o Brasil serealizasse como nao desenvolvida. Estas duas faces do sentido poltico daeducao ganham evidncia com o fortalecimento do Estado nacional brasileiroedificado a partir de 1930.Os esforos empreendidos durante as dcadas de 1940 e 1950 fizeram cair os

    ndices de analfabetismo das pessoas acima de cinco anos de idade para 46,7%no ano de 1960. Os nveis de escolarizao da populao brasileira permaneciam,no entanto, em patamares reduzidos quando comparadas mdia dos pases doprimeiro mundo e mesmo de vrios dos vizinhos latino-americanos.

    De 59 a 64, um perodo de luzes para a Educao de adultos

    Os primeiros anos da dcada de 1960, at 1964, quando o golpe militar ocorreu,constituram um mo-

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    mento bastante especial no campo da educao de jovens e adultos. [Nota:2]J em 1958, quando da realizao do II Congresso Nacional de Educao de

    Adultos no Rio de Janeiro, ainda no contexto da CEAA, percebia-se uma grandepreocupao dos educadores em redefinir as caractersticas especficas e umespao prprio para essa modalidade de ensino. Reconhecia-se que a atuaodos educadores de adultos, apesar de organizada como subsistema prprio,reproduzia, de fato, as mesmas aes e caractersticas da educao infantil. Atento, o adulto no-escolarizado era percebido como um ser imaturo e ignorante,que deveria ser atualizado com os mesmos contedos formais da escola primria,percepo esta que reforava o preconceito contra o analfabeto (Paiva, 1973, p.209). Na verdade, o Congresso repercutia uma nova forma do pensar pedaggicocom adultos. J no Seminrio Regional preparatrio ao Congresso realizado noRecife, e com a presena do professor Paulo Freire, discutia-se

    [...] a indispensabilidade da conscincia do processo de desenvolvimento porparte do povo e da emerso deste povo na vida pblica nacional como interferenteem todo o trabalho de elaborao, participao e deciso responsveis em todosos momentos da vida pblica; sugeriam os pernambucanos a reviso dostransplantes que agiram sobre o nosso sistema educativo, a organizao de

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    cursos que correspondessem realidade existencial dos alunos, odesenvolvimento de um trabalho educativo com o homem e no para o homem,a criao de grupos de estudo e de ao dentro do esprito de auto-governo, odesenvolvimento de uma mentalidade nova no educador, que deveria passar asentir-se participante no trabalho de soerguimento do pas; propunham,

    finalmente, a renovao dos mtodos e processos educativos, substituindo odiscurso pela discusso e utilizando as modernas tcnicas de educao de gruposcom a ajuda de recursos audiovisuais. (Paiva, 1973, p. 210)

    Estes temas acabaram por prevalecer posteriormente no II Congresso, marcandoum novo momento no pensar dos educadores, confrontando velhas idias epreconceitos.

    [...] marcava o Congresso o incio de um novo perodo na educao de adultosno Brasil, aquele que se caracterizou pela intensa busca de maior eficinciametodolgica e por inovaes importantes neste terreno, pela reintroduo dareflexo sobre o social no pensamento pedaggico brasileiro e pelos esforosrealizados pelos mais diversos grupos em favor da educao da populao adultapara a participao na vida poltica da Nao. (Paiva, 1973, p. 210).

    Esse quadro de renovao pedaggica deve ser considerado dentro dascondies gerais de turbulncia do processo poltico daquele momento histrico.Diversos grupos buscavam junto s camadas populares formas de sustentaopoltica para suas propostas. A educao, sem dvida alguma, e de maneiraprivilegiada, era a prtica social que melhor se oferecia a tais mecanismos, no spor sua face pedaggica, mas tambm, e principalmente, por suas caractersticasde prtica poltica.A economia brasileira crescia, internacionalizando-se. O processo desubstituies das importaes realizado no perodo de Getlio manteve um fluxode capitais internacionais concentrado no fortalecimento da indstria de base.

    Agora, o modelo desenvolvimentista do governo Kubistschek abriu o mercadonacional para produtos durveis das empresas transnacionais. A proposta dessegoverno de um desenvolvimento acelerado cinqenta anos em cinco acabouocorrendo paralela crescente perda do controle da economia pela burguesianacional.As contradies desse modelo se agravaram com os governos Jnio-Jango. Aimposio de uma poltica desenvolvimentista, baseada no capital internacional,de racionalidade diferenciada daquela capaz de ser absorvida pela economiabrasileira, acabou por trazer desequilbrios econmicos internos de difciladministrao. Intensificavam-se mobilizaes polticas dos setores mdios departe das camadas populares. A questo da democracia, da participao poltica ea disputa pelos votos ocupavam boa parte do tempo social. O padro de consumoque havia sido forjado pelo desenvolvimentismo j no podia realizar-se emvirtude da crescente insegurana no emprego e da perda do poder aquisitivo dossalrios. Ampliaram-se o clima de insatisfao e as manifestaes populares.

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    Foi dentro dessa conjuntura que os diversos trabalhos educacionais com adultospassaram a ganhar presena e importncia. Buscava-se, por meio deles, apoio

    poltico junto aos grupos populares. As diversas propostas ideolgicas,principalmente a do nacional-desenvolvimentismo, a do pensamento renovadorcristo e a do Partido Comunista, acabaram por ser pano de fundo de uma novaforma de pensar a educao de adultos. Elevada agora condio de educaopoltica, atravs da prtica educativa de refletir o social, a educao de adultos iaalm das preocupaes existentes com os aspectos pedaggicos do processoensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo, e de forma contraditria, no contexto daao de legitimao de propostas polticas junto aos setores populares, criaram-seas condies para o desenvolvimento e o fortalecimento de alternativasautnomas e prprias desses setores ao provocar a necessidade permanente daexplicitao dos seus interesses, bem como das condies favorveis suaorganizao, mobilizao e conscientizao. dentro dessa perspectiva que devemos considerar os vrios acontecimentos,

    campanhas e programas no campo da educao de adultos, no perodo que vaide 1959 at 1964. Foram eles, entre outros: o Movimento de Educao de Base,da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil, estabelecido em 1961, com opatrocnio do governo federal; o Movimento de Cultura Popular do Recife, a partirde 1961; os Centros Populares de Cultura, rgos culturais da UNE; a CampanhaDe P no Cho Tambm se Aprende a Ler, da Secretaria Municipal de Educaode Natal; o Movimento de Cultura Popular do Recife; e, finalmente, em 1964, oPrograma Nacional de Alfabetizao do Ministrio da Educao e Cultura, quecontou com a presena do professor Paulo Freire. Grande parte dessesprogramas estava funcionando no mbito do Estado ou sob seu patrocnio.

    Apoiavam-se no movimento de democratizao de oportunidades deescolarizao bsica dos adultos mas tambm representavam a luta poltica dosgrupos que disputavam o aparelho do Estado em suas vrias instncias porlegitimao de ideais via prtica educacional.Nesses anos, as caractersticas prprias da educao de adultos passaram a ser

    reconhecidas, conduzindo exigncia de um tratamento especfico nos planospedaggico e didtico. medida que a tradicional relevncia do exerccio dodireito de todo cidado de ter acesso aos conhecimentos universais uniu-se ao conscientizadora e organizativa de grupos e atores sociais, a educao deadultos passou a ser reconhecida tambm como um poderoso instrumento deao poltica. Finalmente, foi-lhe atribuda uma forte misso de resgate evalorizao do saber popular, tornando a educao de adultos o motor de ummovimento amplo de valorizao da cultura popular.

    O perodo militar

    O golpe militar de 1964 produziu uma ruptura poltica em funo da qual osmovimentos de educao e cultura populares foram reprimidos, seus dirigentes,perseguidos, seus ideais, censurados. O Programa Nacional de Alfabetizao foi

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    interrompido e desmantelado, seus dirigentes, presos e os materiais apreendidos.A Secretaria Municipal de Educao de Natal foi ocupada, os trabalhos daCampanha De P no Cho foram interrompidos e suas principais lideranasforam presas. A atuao do Movimento de Educao de Base da CNBB foi sendotolhida no s pelos rgos de represso, mas tambm pela prpria hierarquia

    catlica, transformando-se na dcada de 1970 muito mais em um instrumento deevangelizao do que propriamente de educao popular. As lideranasestudantis e os professores universitrios que estiveram presentes nas diversasprticas foram cassados nos seus direitos polticos ou tolhidos no exerccio desuas funes.A represso foi a resposta do Estado autoritrio atuao daqueles programasde educao de adultos cujas aes de natureza poltica contrariavam osinteresses impostos pelo golpe militar. A ruptura poltica ocorrida com omovimento de 64 tentou acabar com as prticas educativas que auxiliavam naexplicitao dos interesses populares. O Estado exercia sua funo de coero,com fins de garantir a normalizao das relaes sociais.Sob a denominao de educao popular, entretanto, diversas prticas

    educativas de reconstituio e reafirmao dos interesses populares inspiradaspelo mesmo iderio das experincias anteriores persistiram

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    sendo desenvolvidas de modo disperso e quase que clandestino no mbito dasociedade civil. Algumas delas tiveram previsvel vida curta; outras subsistiramdurante o perodo autoritrio.No plano oficial, enquanto as aes repressivas ocorriam, alguns programas de

    carter conservador foram consentidos ou mesmo incentivados, como a Cruzadade Ao Bsica Crist (ABC). Nascido no Recife, o programa ganhou carternacional, tentando ocupar os espaos deixados pelos movimentos de culturapopular. Dirigida por evanglicos norte-americanos, a Cruzada servia de maneiraassistencialista aos interesses do regime militar, tornando-se praticamente umprograma semi-oficial. A partir de 1968, porm, uma srie de crticas conduoda Cruzada foi se acumulando e ela foi progressivamente se extinguindo nosvrios estados entre os anos de 1970 e 1971.Na verdade, este setor da educaoa escolarizao bsica de jovens e adultos

    no poderia ser abandonado por parte do aparelho do Estado, uma vez quetinha nele um dos canais mais importantes de mediao com a sociedade.Perante as comunidades nacional e internacional, seria difcil conciliar amanuteno dos baixos nveis de escolaridade da populao com a proposta deum grande pas, como os militares propunham-se construir. Havia ainda anecessidade de dar respostas a um direito de cidadania cada vez mais identificadocomo legtimo, mediante estratgias que atendessem tambm aos interesseshegemnicos do modelo socioeconmico implementado pelo regime militar.As respostas vieram com a fundao do MOBRAL Movimento Brasileiro de

    Alfabetizao , em 1967, e, posteriormente, com a implantao do Ensino

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    Supletivo, em 1971, quando da promulgao da Lei Federal 5.692, que reformulouas diretrizes de ensino de primeiro e segundo graus.

    O MOBRAL

    O Movimento Brasileiro de Alfabetizao foi criado pela Lei 5.379, de 15 dedezembro de 1967, como Fundao MOBRAL, fruto do trabalho realizado por umgrupo interministerial, que buscou uma alternativa ao trabalho da Cruzada ABC,programa de maior ex-tenso apoiado pelo Estado, em funo das crticas quevinha recebendo. [Nota:3]Em 1969, o MOBRAL comea a se distanciar da proposta inicial, mais voltada

    aos aspectos pedaggicos, pressionado pelo endurecimento do regime militar.Lanou-se ento em uma campanha de massa, desvinculando-se de propostas decarter tcnico, muitas delas baseadas na experincia dos seus funcionrios noperodo anterior a 64. Passou a se configurar como um programa que, por umlado, atendesse aos objetivos de dar uma resposta aos marginalizados do sistemaescolar e, por outro, atendesse aos objetivos polticos dos governos militares.

    [...] buscava-se ampliar junto s camadas populares as bases sociais delegitimidade do regime, no momento em que esta se estreitava junto s classesmdias em face do AI-5, no devendo ser descartada a hiptese de que talmovimento tenha sido pensado tambm como instrumento de obteno deinformaes sobre o que se passava nos municpios do interior do pas e naperiferia das cidades e de controle sobre a populao. Ou seja, como instrumentode segurana interna. (Paiva, 1982, p. 99)

    A presidncia do MOBRAL foi entregue ao economista Mrio HenriqueSimonsen. A partir das suas articulaes, criaram-se mecanismos para seufinanciamento e procurou-se vender a idia do MOBRAL junto sociedade civil.Os recursos foram obtidos com a opo voluntria para o MOBRAL de 1% doImposto de Renda devido pelas empresas, complementada com 24% da rendalquida da Loteria Esportiva. Com isso, disporia o MOBRAL de recursos amplos egeis de carter extra-oramentrio.Com esse instrumento, o economista Simonsen e o ento ministro da Educao,

    coronel Jarbas Passarinho, passaram a propagandear o MOBRAL junto aosempresrios, convencidos que estavam de que o programa livraria o pas dachaga do analfabetismo e simultaneamente realizaria uma ao ideolgica capazde assegurar a estabilidade do status quo, permitindo s empresas

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    contar com amplos contingentes de fora de trabalho alfabetizada (Paiva, 1982,p. 100).

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    O MOBRAL foi implantado com trs caractersticas bsicas. A primeira delas foi oparalelismo em relao aos demais programas de educao. Seus recursosfinanceiros tambm independiam de verbas oramentrias. A segundacaracterstica foi a organizao operacional descentralizada, atravs deComisses Municipais espalhadas por quase todos os municpios brasileiros, e

    que se encarregaram de executar a campanha nas comunidades, promovendo-as,recrutando analfabetos, providenciando salas de aula, professores e monitores.Eram formadas pelos chamados representantes das comunidades, os setoressociais da municipalidade mais identificados com a estrutura do governoautoritrio: as associaes voluntrias de servios, empresrios e parte dosmembros do clero.A terceira caracterstica era a centralizao de direo do processo educativo,atravs da Gerncia Pedaggica do MOBRAL Central, encarregada daorganizao, da programao, da execuo e da avaliao do processo educativo,como tambm do treinamento de pessoal para todas as fases, de acordo com asdiretrizes que eram estabelecidas pela Secretaria Executiva. O planejamento e aproduo de material didtico foram entregues a empresas privadas que reuniramequipes pedaggicas para este fim e produziram um material de carter nacional,apesar da conhecida diversidade de perfis lingsticos, ambientais e socioculturaisdas regies brasileiras.Entre o MOBRAL Central e as Comisses Municipais, encontravam-se os

    Coordenadores Estaduais, que se encarregavam dos convnios municipais,responsabilizando-se pela assistncia tcnica epela orientao estratgica. OsCoordenadores Regionais foram institudos em 1972, para harmonizar osprogramas estaduais na mesma regio, com vistas orientao do MOBRALCentral (Paiva, 1982). A funo desses coordenadores e supervisores era a degarantir que as orientaes gerais do Movimento se implantassem. Para tanto,procurou-se firmar uma homogeneidade de atitudes atravs de encontros etreinamentos desses supervisores.

    [...] no quadro da difuso ideolgica que se pode entender os to discutidosencontros de supervisores, trazidos de todas as partes do pas e reunidos scentenas no Hotel Nacional do Rio de Janeiro, numa aparente demonstrao dedesperdcio de recursos. Tais encontros serviam para reforar os laos delealdade para com a direo do movimento, explicando-se deste modo adistribuio entre eles de fotos autografadas do presidente do MOBRAL e aconduo das atividades em clima festivo com declaraes pblicas dos que pelaprimeira vez viam o mar ou viajavam de avio ou visitavam o Rio de Janeiro.Escreve claramente Arlindo Lopes Correia sobre a funo dos supervisores: soeles que mantm intacta a ideologia e a mstica da organizao, possibilitando aomovimento servir como agente da segurana interna do regime. (Paiva, 1982,p.101)

    As trs caractersticas convergiam para criar uma estrutura adequada ao objetivopoltico de implantao de uma campanha de massa com controle doutrinrio:descentralizao com uma base conservadora para garantir a amplitude dotrabalho; centralizao dos objetivos polticos e controle vertical pelos

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    supervisores; paralelismo dos recursos e da estrutura institucional, garantindomobilidade e autonomia.A atuao do MOBRAL inicialmente foi dividida em dois programas: o Programade Alfabetizao, implantado em 1970, e o PEI Programa de EducaoIntegrada, correspondendo a uma verso compactada do curso de 1a a 4a sries

    do antigo primrio, que se seguiriam ao curso de alfabetizao. Posteriormente,uma srie de outros programas foi implementadaos pelo MOBRAL.Alm dos convnios com as Comisses Municipais e com as Secretarias deEducao, o MOBRAL firmou tambm convnios com outras instituies privadas,de carter confessional ou no, e rgos governamentais. Isto ocorreu, porexemplo, com o Departamento de Educao Bsica de Adultos, um dosdepartamentos da Cruzada Evanglica de Alfabetizao, com o Movimento deEducao de Base da CNBB, com o SENAC e o SENAI, com o Servio deRadiodifuso Educativa do Ministrio de Educao e Cultura, atravs do ProjetoMinerva, com o Centro Brasileiro de TV Educativa (FCBTVE), com a FundaoPadre Anchieta, dentre outros.Estvamos em 1970, auge do controle autoritrio pelo Estado. O MOBRAL

    chegava com a promessa de acabar em dez anos com o analfabetismo,classificado como vergonha nacional nas palavras do presidente

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    militar Mdici. Chegou imposto, sem a participao dos educadores e de grandeparte da sociedade. As argumentaes de carter pedaggico no se faziamnecessrias. Havia dinheiro, controle dos meios de comunicao, silncio nasoposies, intensa campanha de mdia. Foi o perodo de intenso crescimento doMOBRAL.Em 1973, o Conselho Federal de Educao reconheceu a equivalncia do PEI ao

    antigo ensino primrio e, no ano seguinte, foi concedida ao MOBRAL autorizaopara expedir certificados referendados pelas Secretarias Municipais ou Estaduaisde Educao. No entanto, em 1976, com a possibilidade de o PEI firmar convnioscom escolas particulares, no houve mais necessidade do referendo. Observa-se,assim, uma progressiva autonomizao do MOBRAL em relao s Secretarias deEducao. O Movimento colocava-se fora do controle dos organismos pblicosestaduais e municipais de administrao do ensino no que concerne prpriaexecuo do Programa de Educao Integrada.

    O MOBRAL foi criticado pelo pouco tempo destinado alfabetizao e peloscritrios empregados na verificao de aprendizagem. Mencionava-se que, paraevitar a regresso, seria necessria uma continuidade dos estudos em educaoescolar integrada, e no em programas voltados a outros tipos de interessescomo, por exemplo, formao rpida de recursos humanos. Criticava-se tambm oparalelismo da gesto e do financiamento do MOBRAL em relao aoDepartamento de Ensino Supletivo e ao oramento do MEC. Punha-se em dvidaainda a confiabilidade dos indicadores produzidos pelo MOBRAL.

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    Em 1974, o engenheiro Arlindo Lopes Correia assumiu a direo do MOBRAL,com a responsabilidade de defender o programa e assegurar sua continuidade,formulando justificativas tcnicas em resposta avalanche de crticas que recaamsobre o rgo. Buscou argumentos para a sua configurao pedaggica e poltica,tentando legitimar o trabalho da instituio perante a opinio pblica nacional e

    internacional.O MOBRAL, ao final da dcada de 1970, passaria por modificaes nos seusobjetivos, ampliando para outros campos de trabalho desde a educaocomunitria at a educao de crianas , em um processo de permanentemetamorfose que visava a sua sobrevivncia diante dos cada vez mais clarosfracassos nos objetivos iniciais de superar o analfabetismo no Brasil.

    O Ensino Supletivo

    Uma parcela significativa do projeto educacional do regime militar foi consolidadajuridicamente na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de nmero5.692 de 11 de agosto de 1971. Foi no captulo IV dessa LDB que o EnsinoSupletivo foi regulamentado, mas seus fundamentos e caractersticas so maisbem desenvolvidos e explicitados em dois outros documentos: o Parecer doConselho Federal de Educao n. 699, publicado em 28 de julho de 1972, deautoria de Valnir Chagas, que tratou especificamente do Ensino Supletivo; e odocumento Poltica para o Ensino Supletivo, produzido por um grupo de trabalhoe entregue ao ministro da Educao em 20 de setembro de 1972, cujo relator omesmo Valnir Chagas.Considerado no Parecer 699 como o maior desafio proposto aos educadores

    brasileiros na Lei 5.692, o Ensino Supletivo visou se constituir em uma novaconcepo de escola, em uma nova linha de escolarizao no-formal, pelaprimeira vez assim entendida no Brasil e sistematizada em captulo especial deuma lei de diretrizes nacionais, e, segundo Valnir Chagas, poderia modernizar oEnsino Regular por seu exemplo demonstrativo e pela interpenetrao esperadaentre os dois sistemas.Quando do encaminhamento do Projeto de Lei ao Presidente da Repblica, em

    30 de maro de 1971, a Exposio de Motivos do ministro Jarbas Passarinhoconcedia ao Ensino Supletivo importncia significativa por suprir a escolarizaoregular e promover crescente oferta de educao continuada. A Lei atenderia aoduplo objetivo de recuperar o atraso dos que no puderam realizar a suaescolarizao na poca adequada, complementando o xito empolgante doMOBRAL que vinha rpida e drasticamente vencendo o analfabetismo no Brasil,e germinar a educao do futuro, essa educao dominada pelos meios de

    comunicao, em que a escola ser principalmente um centro de comunidadepara sistematizao de conhecimentos, antes que para sua transmisso.

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    Trs princpios ou idias-fora foram estabelecidos por esses documentos queconformam as caractersticas do Ensino Supletivo. O primeiro foi a definio doEnsino Supletivo como um subsistema integrado, independente do EnsinoRegular, porm com este intimamente relacionado, compondo o Sistema Nacionalde Educao e Cultura. O segundo princpio foi o de colocar o Ensino Supletivo,

    assim como toda a reforma educacional do regime militar, voltado para o esforodo desenvolvimento nacional, seja integrando pela alfabetizao a mo -de-obramarginalizada, seja formando a fora de trabalho. A terceira idia-fora foi a deque o Ensino Supletivo deveria ter uma doutrina e uma metodologia apropriadasaos grandes nmeros caractersticos desta linha de escolarizao. Nestesentido, se contraps de maneira radical s experincias anteriores dosmovimentos de cultura popular, que centraram suas caractersticas e metodologiasobre o grupo social definido por sua condio de classe.Portanto, o Ensino Supletivo se propunha a recuperar o atraso, reciclar o

    presente, formando uma mo-deobra que contribusse no esforo para odesenvolvimento nacional, atravs de um novo modelo de escola.Na viso dos legisladores, o Ensino Supletivo nasceu para reorganizar o antigo

    exame de madureza, [Nota:4] que facilitava a certificao e propiciava umapresso por vagas nos graus seguintes, em especial no universitrio. Segundo oParecer 699, era necessria, tambm, a ampliao da oferta de formaoprofissional para uma clientela j engajada na fora de trabalho ou a eladestinada a curto prazo. Por fim, foram agregados cursos fundados na concepode educao permanente, buscando responder aos objetivos de umaescolarizao menos formal e mais aberta.Para cumprir esses objetivos de repor a escolarizao regular, formar mo-de-

    obra e atualizar conhecimentos, o Ensino Supletivo foi organizado em quatrofunes: Suplncia, Suprimento, Aprendizagem e qualificao. A Suplncia tinhacomo objetivo: suprir a escolarizao regular para os adolescentes e adultos queno a tenham seguido ou concludo na idade prpria atravs de cursos e exames(Lei 5.692, artigo 22, a). O Suprimento tinha por finalidade proporcionar, medianterepetida volta escola, estudos de aperfeioamento ou atualizao para os quetenham seguido o ensino regular no todo ou em parte (Lei 5.692, artigo 24, b). A

    Aprendizagem correspondia formao metdica no trabalho, e ficou a cargobasicamente do SENAI e do SENAC. A Qualificao foi a funo encarregada daprofissionalizao que, sem ocupar-se com a educao geral, atenderia aoobjetivo prioritrio de formao de recursos humanos para o trabalho. Ofuncionamento dessas quatro modalidades deveria se realizar tomando por baseduas intenes: atribuir uma clara prioridade aos cursos e exames que visassem formao e ao aperfeioamento para o trabalho; e a liberdade de organizao,evitando-se assim que o Ensino Supletivo resultasse um simulacro do EnsinoRegular.Tanto a legislao como os documentos de apoio recomendaram que os

    professores do ensino supletivo recebessem formao especfica para essamodalidade de ensino, aproveitando-se para tanto os estudos e pesquisas queseriam desenvolvidos. Enquanto isto no fosse realizado, dever-se-iam aproveitaros professores do Ensino Regular que, mediante cursos de aperfeioamento,seriam adaptados ao Ensino Supletivo.

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    O Ensino Supletivo foi apresentado sociedade como um projeto de escola dofuturo e elemento de um sistema educacional compatvel com a modernizaosocioeconmica observada no pas nos anos 70. No se tratava de uma escolavoltada aos interesses de uma determinada classe, como propunham osmovimentos de cultura popular, mas de uma escola que no se distinguia por sua

    clientela, pois a todos devia atender em uma dinmica de permanente atualizao.Dentro dessa lgica, a questo metodolgica se ateve s solues de massa, racionalizao dos meios, aos grandes nmeros a serem atendidos e quedesafiavam o dirigente que se propusesse a educar toda uma sociedade.Colocando-se esse desafio, o Ensino Supletivo se propunha priorizar soluestcnicas, deslocando-se do enfrentamento do problema poltico da excluso dosistema escolar de grande parte da sociedade. Propunha-se realizar uma oferta deescolarizao neutra, que a todos serviria.

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    Foi neste sentido a mensagem do presidente da Repblica Emlio G. Mdici aoCongresso Nacional quando do encaminhamento da nova Lei, em 20 de junho de1971, ao justificar as reformas como uma abertura para que possa qualquer dopovo, na razo dos seus predicados genticos, desenvolver a prpriapersonalidade e atingir, na escala social, a posio a que tenha jus. A posiosocial de cada um seria determinada por sua condio gentica e pelo esforoempreendido em aproveitar as oportunidades educacionais oferecidas peloEstado.O Ensino Supletivo, por sua flexibilidade, seria a nova oportunidade dos que

    perderam a possibilidade de escolarizao em outras pocas, ao mesmo tempoem que seria a chance de atualizao para os que gostariam de acompanhar omovimento de modernizao da nova sociedade que se implantava dentro dalgica de Brasil Grande da era Mdici.

    O sentido poltico da educao de adultos no perodo militar

    Em meados de 1972, a Secretaria Geral do Ministrio da Educao e Culturaexpediu o documento Adult Education in Brazil destinado III ConfernciaInternacional de Educao de Adultos, convocada pela UNESCO para Tquio.Nele, traduzia o sentido da educao de adultos no contexto brasileiro, emespecial depois da criao do MOBRAL e do Ensino Supletivo. Sua introduoafirmava ser recente a preocupao com a educao como elemento prioritriodos projetos para o desenvolvimento e que havia tambm uma atitude nova nosentido de encar-la como rendoso investimento. Tais preocupaes, segundo odocumento, haviam sido realadas pela presena dos militares no poder, a partirde 1964, e se refletiam atravs dos seus planos de desenvolvimento e dos PlanosSetoriais de Educao. Os compromissos com a educao objetivavam aformao de uma infra-estrutura adequada de recursos humanos, apropriada snossas necessidades socioeconmicas, polticas e culturais. Para implementao

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    de tais objetivos, o Estado brasileiro se propunha a criar e implementar umsistema de educao permanente, no qual a educao de adultos situava-se nalinha de frente das operaes, por ser poderosa arma capaz de acelerar odesenvolvimento, o progresso social e a expanso ocupacional.O discurso e os documentos legais dos governos militares procuraram unir as

    perspectivas de democratizao de oportunidades educacionais com a intenode colocar o sistema educacional a servio do modelo de desenvolvimento. Aomesmo tempo, por meio da coero, procuraram manter a ordem econmica epoltica. Inicialmente, a atitude do governo autoritrio foi a de reprimir todos osmovimentos de cultura popular nascidos no perodo anterior ao de 64, uma vezque os processos educativos por eles desencadeados poderiam levar amanifestaes populares capazes de desestabilizar o regime. Posteriormente,com o MOBRAL e o Ensino Supletivo, os militares buscaram reconstruir, atravsda educao, sua mediao com os setores populares.Por outro lado, as reformas educacionais propiciaram que os servios de

    educao de adultos fossem estendidos, ainda que apenas no plano formal, aosnveis do ensino fundamental e mdio. Ampliaram-se tambm as possibilidades deacesso formao profissional. Desta forma, a educao de adultos passou acompor o mito da sociedade democrtica brasileira em um regime de exceo.Esse mito foi traduzido em uma linguagem na qual a oferta dos servioseducacionais para os jovens e adultos das camadas populares era a nova chanceindividual de ascenso social, em uma poca de milagre econmico. O sistemaeducacional se encarregaria de corrigir as desigualdades produzidas pelo modode produo. Desse modo o Estado cumpria sua funo de assegurar a coesodas classes sociais.A dimenso formal e os limites dessa democratizao de oportunidades ficavamexplcitos na medida em que o Estado, ao no assumir a responsabilidade pelagratuidade e pela expanso da oferta, deixou a educao de jovens e adultos aosabor dos interesses do ensino privado. [Nota:5]O Ensino Supletivo concebido pelos documentos legais deveria estruturar-se em

    um Departamento no Ministrio da Educao e Cultura, o Departamento deEnsino Supletivo (DESu). Esse Departamento teria uma

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    Direo Geral com o objetivo de coordenar o desenvolvimento de todas asatividades de educao de adultos em nvel nacional, visando, sobretudo, suaexpanso integrada com outras agncias.Apesar da inteno centralizadora no mbito federal, sempre existiram certadisperso e certo paralelismo entre os rgos responsveis pelo Ensino Supletivo.Como vimos, o MOBRAL gozou durante todo o perodo da sua existncia degrande autonomia. No campo da teleducao, faltou coordenao e houveconflitos entre diferentes rgos, conflitos estes que, por vezes, se estendiam adiferentes ministrios.

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    Os programas federais decorrentes da criao do Ensino Supletivo ficaram acargo do Departamento do Ensino Supletivo do MEC (DESU) de 1973 ano desua criao at 1979, quando o rgo foi transformado em Subsecretaria deEnsino Supletivo (SESU) e subordinado Secretaria de Ensino de 1o e 2o Graus(SEPS). Os principais programas de mbito federal desenvolvidos nesse perodo,

    todos eles relativos modalidade de Suplncia, referiam-se ao aperfeioamentodos exames supletivos e difuso da metodologia de ensino personalizado comapoio de mdulos didticos realizada por meio da criao de Centros de EnsinoSupletivo, ao lado de programas de ensino distncia via rdio e televiso.Foi no mbito estadual que o ensino supletivo se firmou, reinando, no entanto, a

    diversidade na sua oferta. A Lei Federal props que o Ensino Supletivo fosseregulamentado pelos respectivos Conselhos Estaduais de Educao. Isso criouuma grande variedade tanto de formas de organizao como de nomenclaturasnos diversos programas ofertados pelos estados. Em praticamente todas asunidades da Federao foram criados rgos especficos para o Ensino Supletivodentro das Secretarias de Educao, cuja interveno privilegiada era no ensinode 1o e 2o graus, sendo raras as iniciativas no campo da alfabetizao de adultos.Na esfera municipal, ao contrrio, raramente foram criados rgos especficos

    responsveis pela suplncia, exceo feita s capitais dos estados maispopulosos. Regra geral, a ao dos municpios no campo da Suplncia se resumiuaos convnios mantidos pelas prefeituras com o MOBRAL para o desenvolvimentode programas de alfabetizao. Em alguns casos raros encontramos prefeiturasque assumiram programas prprios de educao de adultos e em alguns casosmais raros ainda encontramos aquelas que atendiam de 5 a 8 sries do 1 graue do 2 grau.

    A Educao de Jovens e Adultos (EJA) e a redemocratizao da sociedadebrasileira aps 1985

    Os anos imediatamente posteriores retomada do governo nacional pelos civisem 1985 representaram um perodo de democratizao das relaes sociais e dasinstituies polticas brasileiras ao qual correspondeu um alargamento do campodos direitos sociais. Foi um momento histrico em que antigos e novosmovimentos sociais e atores da sociedade civil, que haviam emergido e sedesenvolvido ao final dos anos 70, ocuparam espaos crescentes na cena pblica,adquiriram organicidade e institucionalidade, renovando as estruturas sindicais eassociativas preexistentes, ou criando novas formas de organizao, modalidadesde ao e meios de expresso. Nesse perodo, a ao da sociedade civilorganizada direcionou as demandas educacionais que foi capaz de legitimarpublicamente s instituies polticas da democracia representativa, em especialaos partidos, ao parlamento e s normas jurdico-legais. Esse processo resultouna promulgao da Constituio Federal de 1988 e seus desdobramentos nasconstituies dos estados e nas leis orgnicas dos municpios, instrumentos

    jurdicos nos quais materializou-se o reconhecimento social dos direitos daspessoas jovens e adultas educao fundamental, com a conseqenteresponsabilizao do Estado por sua oferta pblica, gratuita e universal. A histriada educao de jovens e adultos do perodo da redemocratizao, entretanto,

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    marcada pela contradio entre a afirmao no plano jurdico do direito formal dapopulao jovem e adulta educao bsica, de um lado, e sua negao pelaspolticas pblicas concretas, de outro.

    A Nova Repblica [Nota:6]

    O primeiro governo civil ps-64 marcou simbolicamente a ruptura com a polticade educao de jovens 6 Sobre levantamento histrico da educao de jovens eadultos no perodo ps-regime militar, veja tese de doutorado de Di Pierro (2000).

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    e adultos do perodo militar com a extino do MOBRAL, cuja imagem pblicaficara profundamente identificada com a ideologia e as prticas do regimeautoritrio. Estigmatizado como modelo de educao domesticadora e de baixaqualidade, o MOBRAL j no encontrava no contexto inaugural da Nova Repblicacondies polticas de acionar com eficcia os mecanismos de preservaoinstitucional que utilizara no perodo precedente, motivo pelo qual foi substitudoainda em 1985 pela Fundao Nacional para Educao de Jovens e Adultos Educar.Apesar de ter herdado do MOBRAL funcionrios, estruturas burocrticas,concepes e prticas poltico-pedaggicas, a Fundao Educar incorporoumuitas das inovaes sugeridas pela Comisso que em princpios de 1986formulou suas diretrizes poltico-pedaggicas. O paralelismo anteriormenteexistente foi rompido por meio da subordinao da Fundao Educar Secretariade Ensino de 1o e 2o Graus do MEC. A Educar assumiu a responsabilidade dearticular, em conjunto, o subsistema de ensino supletivo, a poltica nacional deeducao de jovens e adultos, cabendo-lhe fomentar o atendimento nas sriesiniciais do ensino de 1o grau, promover a formao e o aperfeioamento doseducadores, produzir material didtico, supervisionar e avaliar as atividades.A diretriz de descentralizao fez com que a Fundao assumisse o papel dergo de fomento e apoio tcnico, privilegiando a modalidade de ao indireta emapoio aos municpios, estados e organizaes da sociedade civil. O objetivo erainduzir que as atividades diretas da Fundao fossem progressivamenteabsorvidas pelos sistemas de ensino supletivo estaduais e municipais. Assim, asComisses Municipais do MOBRAL foram dissolvidas e as prefeituras municipais,herdeiras das suas atividades de ensino, passaram a constituir os principaisparceiros conveniados Fundao, ao lado de empresas e organizaes civis denatureza variada. A Educar manteve uma estrutura nacional de pesquisa eproduo de materiais didticos, bem como coordenaes estaduais,responsveis pela gesto dos convnios e assistncia tcnica aos parceiros, quepassaram a deter maior autonomia para definir seus projetos poltico-pedaggicos.Se em muitos sentidos a Fundao Educar representou a continuidade doMOBRAL, devem-se computar como mudanas significativas a sua subordinao estrutura do MEC e a transformao em rgo de fomento e apoio tcnico, em

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    vez de instituio de execuo direta. Houve uma relativa descentralizao dassuas atividades e a Fundao apoiou tcnica e financeiramente algumasiniciativas inovadoras de educao bsica de jovens e adultos conduzidas porprefeituras municipais ou instituies da sociedade civil.De fato, com o processo de redemocratizao poltica do pas, a reorganizao

    partidria, a promoo de eleies diretas nos nveis subnacionais de governo e aliberdade de expresso e organizao dos movimentos sociais urbanos e ruraisalargaram o campo para a experimentao e a inovao pedaggica na educaode jovens e adultos. As prticas pedaggicas informadas pelo iderio da educaopopular, que at ento eram desenvolvidas quase que clandestinamente pororganizaes civis ou pastorais populares das igrejas, retomaram visibilidade nosambientes universitrios e passaram a influenciar tambm programas pblicos ecomunitrios de alfabetizao e escolarizao de jovens e adultos.Esse processo de revitalizao do pensamento e das prticas de educao de

    jovens e adultos refletiu-se na Assemblia Nacional Constituinte. Nenhum feito noterreno institucional foi mais importante para a educao de jovens e adultosnesse perodo que a conquista do direito universal ao ensino fundamental pblicoe gratuito, independentemente de idade, consagrado no Artigo 208 daConstituio de 1988. Alm dessa garantia constitucional, as disposiestransitrias da Carta Magna estabeleceram um prazo de dez anos durante osquais os governos e a sociedade civil deveriam concentrar esforos para aerradicao do analfabetismo e a universalizao do ensino fundamental,objetivos aos quais deveriam ser dedicados 50% dos recursos vinculados educao dos trs nveis de governo.A vigncia desses mecanismos, somada descentralizao das receitastributrias em favor dos estados e municpios e vinculao constitucional derecursos para o desenvolvimento e a manuteno do ensino, constituiu a basepara que, nos anos subseqentes, pudesse vir a ocorrer uma significativaexpanso e melhoria do atendimento pblico na escolarizao de jovens eadultos. O fato de a Organizao das Naes Unidas haver

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    declarado 1990 como o Ano Internacional da Alfabetizao e convocado paraessa data a Conferncia Mundial de Educao para Todos reforava essaexpectativa que, entretanto, acabou no se confirmando.

    A educao de jovens e adultos em trs planos e duas leis de educao

    Uma das medidas adotadas em maro de 1990, logo no incio do governoFernando Collor de Mello, foi a extino da Fundao Educar. Esse ato fez partede um extenso rol de iniciativas que visavam ao enxugamento da mquinaadministrativa e retirada de subsdios estatais, simultneas implementao deum plano heterodoxo de ajuste das contas pblicas e controle da inflao. Nessemesmo pacote de medidas foi suprimido o mecanismo que facultava s pessoas

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    jurdicas direcionar voluntariamente 2% do valor do imposto de renda devido satividades de alfabetizao de adultos, recursos esses que conformavam o fundoque nas duas dcadas anteriores financiara o MOBRAL e a Fundao Educar.A extino da Educar surpreendeu os rgos pblicos, as entidades civis eoutras instituies conveniadas, que a partir daquele momento tiveram que arcar

    sozinhas com a responsabilidade pelas atividades educativas anteriormentemantidas por convnios com a Fundao. A medida representa um marco noprocesso de descentralizao da escolarizao bsica de jovens e adultos, poisembora no tenha sido negociada entre as esferas de governo, representou atransferncia direta de responsabilidade pblica dos programas de alfabetizao eps-alfabetizao de jovens e adultos da Unio para os municpios. Desde ento,a Unio j no participa diretamente da prestao de servios educativos,enquanto a participao relativa dos municpios na matrcula do ensino bsico de

    jovens e adultos tendeu ao crescimento contnuo, concentrando-se nas sriesiniciais do ensino fundamental, ao passo que os Estados (que ainda respondempela maior parte do alunado) concentram as matrculas do segundo segmento doensino fundamental e do ensino mdio.Nos dois anos que antecederam o impeachment do presidente Collor, seu

    governo prometeu colocar em movimento um Programa Nacional de Alfabetizaoe Cidadania (PNAC) que, salvo algumas aes isoladas, no transps a fronteiradas intenes. Tendo mobilizado representaes da sociedade civil e instnciassubnacionais de governo em sua elaborao, o PNAC prometia, dentre outrasmedidas, substituir a atuao da extinta Fundao Educar por meio datransferncia de recursos federais para que instituies pblicas, privadas ecomunitrias promovessem a alfabetizao e a elevao dos nveis deescolaridade dos jovens e adultos. Desacreditado como o governo que o props, oPNAC foi abandonado no mandato-tampo exercido do vice-presidente ItamarFranco.Em 1993 o governo federal desencadeou mais um processo de consulta

    participativa com vistas formulao de outro plano de poltica educacional, cujaexistncia era requisito para que o Brasil (na condio de um dos nove pases quemais contribuem para o elevado nmero de analfabetos no planeta) pudesse teracesso prioritrio a crditos internacionais vinculados aos compromissosassumidos na Conferncia Mundial de Educao para Todos. Concludo em 1994,s vsperas do final daquele governo, o Plano Decenal fixou metas de proveroportunidades de acesso e progresso no ensino fundamental a 3,7 milhes deanalfabetos e 4,6 milhes de jovens e adultos pouco escolarizados.Eleito para a Presidncia da Repblica em 1994 e reeleito em 1998, o governo

    de Fernando Henrique Cardoso colocou de lado o Plano Decenal e priorizou aimplementao de uma reforma poltico-institucional da educao pblica quecompreendeu diversas medidas, dentre as quais a aprovao de uma emendaconstitucional, quase que simultaneamente promulgao da nova Lei deDiretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB).A nova LDB 9.394, aprovada pelo Congresso em fins de 1996, foi relatada pelosenador Darcy Ribeiro e no tomou por base o projeto que fora objeto denegociaes ao longo dos oito anos de tramitao da matria e, portanto,desprezou parcela dos acordos e consensos estabelecidos anteriormente. A

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    seo dedicada educao bsica de jovens e adultos resultou curta e poucoinovadora: seus dois artigos reafirmam o direito dos jovens e adultostrabalhadores ao ensino bsico adequado s suas condies peculiares deestudo, e o dever do poder

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    pblico em oferec-lo gratuitamente na forma de cursos e exames supletivos. Anica novidade dessa seo da Lei foi o rebaixamento das idades mnimas paraque os candidatos se submetam aos exames supletivos, fixadas em 15 anos parao ensino fundamental e 18 anos para o ensino mdio. A verdadeira rupturaintroduzida pela nova LDB com relao legislao anterior reside na abolio dadistino entre os subsistemas de ensino regular e supletivo, integrandoorganicamente a educao de jovens e adultos ao ensino bsico comum. Aflexibilidade de organizao do ensino e a possibilidade de acelerao dosestudos deixaram de ser atributos exclusivos da educao de jovens e adultos eforam estendidas ao ensino bsico em seu conjunto. Maior integrao aossistemas de ensino, de um lado, certa indeterminao do pblico-alvo e diluiodas especificidades psicopedaggicas, de outro, parecem ser os resultadoscontraditrios da nova LDB sobre a configurao recente da educao bsica de

    jovens e adultos.A Constituio e a Lei de Diretrizes e Bases prevem que o Executivo federalelabore e submeta ao Congresso planos plurianuais de educao. Maisespecficas, as Disposies Transitrias da nova LDB determinaram que a Unioencaminhasse ao Congresso um Plano Nacional de Educao de duraodecenal, consoante a Declarao Mundial de Educao Para Todos. Esse foi oimpulso para que, em meados de 1997, o MEC desse incio a um processo deconsultas que resultou em um Projeto de Plano Nacional de Educao (PNE)apresentado em fevereiro de 1998 Cmara dos Deputados. Simultnea eparalelamente iniciativa do Executivo, uma articulao de organizaesestudantis, sindicais e cientfico-tcnicas de educadores fez convergir para o IICongresso Nacional de Educao (Belo Horizonte: nov. 1997) um conjunto depropostas para a educao denominado O PNE da sociedade brasileira, tambmconvertidos em projeto de lei. Embora no corpo principal os dois projetos de leifossem substancialmente diversos e por vezes francamente conflitivos entre si, aspropostas relativas educao de jovens e adultos no chegavam a ser de tododivergentes, diferindo, sobretudo na abrangncia das metas quantitativas e dosmontantes de financiamento. Em fins de 1999 o relator da matria emitiu umparecer que adere ao paradigma da educao continuada ao largo da vida,entendida como direito de cidadania, motor de desenvolvimento econmico esocial e instrumento de combate pobreza. Desde esse ponto de vista, osdesafios relativos educao de jovens e adultos seriam trs: resgatar a dvidasocial representada pelo analfabetismo, erradicando-o; treinar o imensocontingente de jovens e adultos para a insero no mercado de trabalho; e criaroportunidades de educao permanente. O substitutivo apresentado pelo relator

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    assinala que o analfabetismo e os baixos nveis de escolarizao no podem sersanados apenas pela dinmica demogrfica, sendo necessrio agir tanto sobre oestoque de jovens e adultos analfabetos e pouco escolarizados, como sobre areproduo desses fenmenos junto s novas geraes, indicando ainda anecessidade de polticas focalizadas dirigidas regio Nordeste, populao

    feminina, etnias indgenas e afro-descendentes. Pondera ser insuficiente proveralfabetizao e formao equivalente s sries iniciais, insistindo que o direitoconstitucional e as exigncias sociais de conhecimento impem como mnima aescolarizao equivalente ao ensino fundamental completo. Ao formular osobjetivos, entretanto, foram mantidas as mesmas metas quantitativas propostas noPL do Executivo, restritas alfabetizao e s quatro sries iniciais do ensinofundamental. Aprovado nas comisses do Congresso, o PNE, at maio de 2000,ainda aguardava votao em plenrio.

    A reforma educacional e o FUNDEF

    A reforma educacional iniciada em 1995 veio sendo implementada sob oimperativo de restrio do gasto pblico, de modo a cooperar com o modelo deajuste estrutural e a poltica de estabilizao econmica adotados pelo governofederal. Tem por objetivos descentralizar os encargos financeiros com a educao,racionalizando e redistribuindo o gasto pblico em favor do ensino fundamentalobrigatrio. Essas diretrizes de reforma educacional implicaram que o MECmantivesse a educao bsica de jovens e adultos na posio marginal que ela jocupava nas polticas pblicas de mbito nacional, reforando as tendncias descentralizao do financiamento e da produo dos servios.

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    O principal instrumento da reforma foi a aprovao da Emenda Constitucional14/96, que suprimiu das Disposies Transitrias da Constituio de 1988 o artigoque comprometia a sociedade e os governos a erradicar o analfabetismo euniversalizar o ensino fundamental at 1998, desobrigando o governo federal deaplicar com essa finalidade a metade dos recursos vinculados educao, o queimplicaria elevar o gasto educacional global. A nova redao dada ao Artigo 60das Disposies Transitrias da Constituio criou, em cada um dos estados, oFundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio(FUNDEF), um mecanismo engenhoso pelo qual a maior parte dos recursospblicos vinculados educao foi reunida em cada unidade ederada em umFundo contbil, posteriormente redistribudo entre as esferas de governo estaduale municipal proporcionalmente s matrculas registradas no ensino fundamentalregular nas respectivas redes de ensino. Nesse novo arranjo do regime decolaborao entre as esferas de governo, a Unio deveria cumprir a funosupletiva e redistributiva complementando os Fundos daqueles Estados cujaarrecadao no assegurava o valor mnimo por aluno ao ano, fixado em decretopresidencial anualmente com base na previso da receita e das matrculas. A lei

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    obrigou estados e municpios a implementar planos de carreira para o magistrio,aplicar pelo menos 60% dos recursos do Fundo na remunerao dos docentes emefetivo exerccio e na habilitao de professores leigos, e instituir conselhos decontrole e acompanhamento nos quais tm assento autoridades educacionais,representantes das famlias e dos professores. No contexto fiscal e tributrio

    brasileiro, esse mecanismo induziu municipalizao do ensino fundamental, e foiacionado com base no suposto de que o investimento mais eficaz dos recursosmunicipais nesse nvel de ensino daria maior liberdade aos estados para investirno ensino mdio e Unio para investir no ensino superior. Essa redistribuiodos encargos educacionais entre as esferas de governo, realizada sem umaampliao dos recursos pblicos para o setor, deixou larga margem de dvidasobre as possibilidades de seguir expandindo o sistema pblico de ensino demodo a atender ao novo perfil demogrfico da populao e cobrir os elevadosdficits de vagas, reduzindo os dramticos ndices de evaso e repetncia quecaracterizam o sistema educacional, melhorando a qualidade da educao e ascondies de trabalho do magistrio.A operacionalizao do dispositivo constitucional que criou o FUNDEF exigiuregulamentao adicional. Embora tenha sido aprovada por unanimidade doCongresso, a Lei 9.424/96 recebeu vetos do presidente, um dos quais impediuque as matrculas registradas no ensino fundamental presencial de jovens eadultos fossem computadas para efeito dos clculos dos fundos, medida quefocalizou o investimento pblico no ensino de crianas e adolescentes de 7 a 14anos e desestimulou o setor pblico a expandir o ensino fundamental de jovens eadultos.Ao estabelecer o padro de distribuio dos recursos pblicos estaduais emunicipais em favor do ensino fundamental de crianas e adolescentes, oFUNDEF deixou parcialmente a descoberto o financiamento de trs segmentos daeducao bsica a educao infantil, o ensino mdio e a educao bsica de

    jovens e adultos. Com a aprovao da Lei 9.424, o ensino de jovens e adultospassou a concorrer com a educao infantil no mbito municipal e a com o ensinomdio no mbito estadual pelos recursos pblicos no capturados pelo FUNDEF.Como a cobertura escolar nestes dois nveis de ensino deficitria e a demandasocial explcita por eles muito maior, a expanso do financiamento da educaobsica de jovens e adultos (condio para a expanso da matrcula e melhoria dequalidade) experimentou dificuldades ainda maiores que aquelas j observadas nopassado.

    Trs programas federais de educao de jovens e adultos

    A dcada de 1990 tem sido marcada pela relativizao nos planos cultural,jurdico e poltico dos direitos educativos das pessoas jovens e adultasconquistados no momento anterior. [Nota:7] A continuidade do processo dedemocratizao, que implicava transpor para as polticas pblicas efetivas osdireitos educacionais conquis-

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    tados formalmente no plano jurdico, foi obstada pela crise de financiamento epela reforma do Estado. As polticas de estabilizao monetria e ajustemacroeconmico condicionaram a expanso do gasto social pblico s metas de

    equilbrio fiscal, o que implicou a redefinio de papis das esferas central esubnacionais de governo, das instituies privadas e das organizaes dasociedade civil na prestao dos servios sociais. Consolidaram-se a tendncia descentralizao do financiamento e dos servios, bem como a posio marginalocupada pela educao bsica de jovens e adultos nas prioridades de polticaeducacional.Um dos fatos associados a esse processo o recuo do Ministrio da Educao

    no exerccio de suas funes de coordenao, ao supletiva e redistributiva naproviso da educao bsica de jovens e adultos. Na verdade, o governo federalno se retirou totalmente da proviso desses servios, pois outras instnciasgovernamentais acabaram por tomar a iniciativa ou acolher demandas desegmentos organizados da sociedade civil, assumindo para si a tarefa depromover programas de alfabetizao e elevao da escolaridade da populao

    jovem e adulta. Tudo indica que a combinao de dois processos a capacidadediferencial de expresso pblica das demandas educativas por parte dedeterminados segmentos da sociedade civil, de um lado, e as diferenciaesinternas do aparato burocrtico pblico, de outro possibilitou a promoo dodeslocamento dos programas de formao de pessoas adultas dos organismos degesto educacional para outros setores da administrao, de que resultou a atualdisperso dos programas federais. De fato, ao longo da segunda metade dos anos90 foram concebidos e tiveram incio trs programas federais de formao de

    jovens e adultos de baixa renda e escolaridade que guardam entre si pelo menosdois traos comuns: nenhum deles coordenado pelo Ministrio da Educao etodos so desenvolvidos em regime de parceria, envolvendo diferentes instnciasgovernamentais, organizaes da sociedade civil e instituies de ensino epesquisa.O Programa Alfabetizao Solidria (PAS) foi idealizado em 1996 pelo Ministrio

    da Educao, mas coordenado pelo Conselho da Comunidade Solidria(organismo vinculado Presidncia da Repblica que desenvolve aes sociaisde combate pobreza). Com o objetivo declarado de desencadear um movimentode solidariedade nacional para reduzir as disparidades regionais e os ndices deanalfabetismo significativamente at o final do sculo, o PAS consiste numprograma de alfabetizao inicial com apenas cinco meses de durao, destinadoprioritariamente ao pblico juvenil e aos municpios e periferias urbanas em que seencontram os ndices mais elevados de analfabetismo do pas. Implementadodesde 1997, o Programa teve uma expanso rpida que parece estar associada engenhosa parceria envolvendo o co-financiamento pelo MEC, empresas edoadores individuais, a mobilizao de infra-estrutura, alfabetizandos ealfabetizadores por parte dos governos municipais, e a capacitao e a supervisopedaggica dos educadores realizadas por estudantes e docentes deuniversidades pblicas e privadas. A Coordenao afirma que nos trs primeirosanos de funcionamento o PAS chegou a 866 municpios e atendeu 776 mil alunos,

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    dos quais menos de um quinto adquiriu a capacidade de ler e escrever pequenostextos, resultado atribudo pelas universidades ao tempo demasiadamente curtoprevisto para a alfabetizao. Manejando um conceito operacional de alfabetismomuito estreito, o PAS corre o risco de redundar em mais uma campanhafracassada de alfabetizao se no conseguir assegurar que os egressos tenham

    oportunidades de prosseguir estudos nas redes pblicas de ensino, o que dificultado pela orientao da poltica educacional mais geral que direciona efocaliza os recursos somente para o ensino de crianas e adolescentes.O Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria (PRONERA) guarda a

    singularidade de ser um programa do governo federal gestado fora da arenagovernamental: uma articulao do Conselho de Reitores das UniversidadesBrasileiras (CRUB) com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)foi capaz de introduzir uma proposta de poltica pblica de educao de jovens eadultos no meio rural no mbito das aes governamentais da reforma agrria.Coordenado pelo Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA),vinculado ao Ministrio Extraordinrio da Poltica Fundiria (MEPF), o Programafoi delineado em 1997 e operacionalizado a partir de 1998,

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    envolvendo a parceria entre o governo federal (responsvel pelo financiamento),universidades (responsveis pela formao dos educadores) e sindicatos oumovimentos sociais do campo (responsveis pela mobilizao dos educandos eeducadores). O alvo principal do PRONERA a alfabetizao inicial detrabalhadores rurais assentados que se encontram na condio de analfabetismoabsoluto, aos quais oferece cursos com um ano letivo de durao, mas seucomponente mais inovador aquele pelo qual as universidades parceirasproporcionam a formao dos alfabetizadores e a elevao de sua escolaridadebsica. Mesmo sem dispor de fonte estvel de financiamento, o PRONERA vemsubsistindo aos riscos de descontinuidade: em 1999 chegou a 55 milalfabetizandos e pelo menos 2,5 mil monitores nas 27 unidades da Federao.

    Coordenado pela Secretaria de Formao e Desenvolvimento Profissional doMinistrio do Trabalho (SEFOR/MTb), o Plano Nacional de Formao doTrabalhador (PLANFOR) no um programa de ensino fundamental ou mdio,destinando-se qualificao profissional da populao economicamente ativa,entendida como formao complementar e no substitutiva educao bsica.Desde sua concepo em 1995 a SEFOR/MTb delineou um perfil de formaorequerido pelo mercado de trabalho que, ao lado das competncias tcnicasespecficas e habilidades de gesto, compreende a educao bsica dostrabalhadores, motivo pelo qual comportam iniciativas destinadas elevao daescolaridade de jovens e adultos do campo e da cidade. Financiado com recursosdo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o PLANFOR operadodescentralizadamente por uma rede heterognea de parceiros pblicos e privadosde formao profissional, composta por secretarias de educao e outros rgos

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    pblicos estaduais e municipais, instituies do Sistema S, organizaes no-governamentais, sindicatos patronais e de trabalhadores, escolas de empresas efundaes, universidades e institutos de pesquisa. O financiamento e a articulaodessa malha difusa de agentes de formao profissional foram parcialmentedescentralizados, mediante assinatura de convnios com os estados, nos quais a

    coordenao foi atribuda s secretarias de trabalho e emprego. A participaodos segmentos sociais e agentes de formao na gesto da poltica foiassegurada pela constituio de comisses deliberativas nas instncias estadual emunicipal, que se somaram ao Conselho Deliberativo do FAT, de mbito nacional.O Plano visou ampliar e diversificar a oferta de educao profissional com vistas aqualificar e requalificar anualmente 20% da PEA por intermdio dos PlanosEstaduais de Qualificao (PEQs) e as Parcerias Nacionais e Regionais. Entre1996 e 1998, quase 60% dos cinco milhes de trabalhadores atendidos peloPLANFOR receberam cursos em habilidades bsicas, mas o baixo nvel deescolaridade dos cursistas continuou a ser apontado como obstculo eficcia doPrograma. Contraditoriamente, vem ocorrendo uma escassa articulao entre apoltica nacional de formao profissional consubstanciada no PLANFOR e asredes estaduais e municipais de ensino, que constituem os principais agentespblicos na oferta de oportunidades de educao bsica de jovens e adultos.

    Desafios presentes e futuros

    Democratizao da educao e superao do analfabetismo

    Ao longo da segunda metade deste sculo houve um importante movimento deampliao da oferta devagas no ensino pblico no nvel fundamental que transformou a escola pblicabrasileira em uma instituio aberta a amplas camadas da populao, superandoem parte o carter elitista que a caracterizava no incio do sculo, quando apenasalguns poucos privilegiados tinham acesso aos estudos. Neste momento em quese inicia um novo sculo, porm, essa oferta de vagas ainda se mostrainsuficiente, pois um grande nmero de crianas e adolescentes no estestudando.

    A ampliao da oferta escolar no foi acompanhada de uma melhoria dascondies do ensino, de modo que, hoje, temos mais escolas, mas sua qualidade muito ruim. A m qualidade do ensino combina-se situao de pobrezaextrema em que vive uma parcela importante da populao para produzir umcontingente numeroso de crianas e adolescentes que passam pela escola semlograr aprendizagens significativas e que, submetidas a experincias penosas defracasso e repe-

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    tncia escolar, acabam por abandonar os estudos. Temos agora um novo tipo deexcluso educacional: antes as crianas no podiam freqentar a escola porausncia de vagas, hoje ingressam na escola mas no aprendem e dela soexcludas antes de concluir os estudos com xito.Essa nova modalidade de excluso educacional que acompanhou a ampliao

    do ensino pblico acabou produzindo um elevado contingente de jovens e adultosque, apesar de terem passado pelo sistema de ensino, nele realizaramaprendizagens insuficientes para utilizar com autonomia os conhecimentosadquiridos em seu dia-adia. O resultado desse processo que, no conjunto dapopulao, assiste-se gradativa substituio dos analfabetos absolutos por umnumeroso grupo de jovens e adultos cujo domnio precrio da leitura, da escrita edo clculo vem sendo tipificado como analfabetismo funcional.De fato, ao longo do sculo XX o percentual de analfabetos absolutos no

    conjunto da populao veio declinando continuamente, alcanando na metade dosanos 90 um patamar prximo a 15% dos jovens e adultos brasileiros. Em 1996,entretanto, quase um tero da populao com mais de 14 anos no haviaconcludo sequer quatro anos de estudos e aqueles que no haviam completado oensino obrigatrio de oito anos representavam mais de dois teros da populaonessa faixa etria. Pesquisa recente mostrou que so necessrios mais de quatroanos de escolarizao bem-sucedida para que um cidado adquira as habilidadese competncias cognitivas que caracterizam um sujeito plenamente alfabetizadodiante das s exigncias da sociedade contempornea, o que coloca na categoriade analfabetos funcionais aproximadamente a metade da populao jovem eadulta brasileira. [Nota:8]Esses dados demonstram que o desafio da expanso do atendimento na

    educao de jovens e adultos j no reside apenas na populao que jamais foi escola, mas se estende quela que freqentou os bancos escolares mas nelesno obteve aprendizagens suficientes para participar plenamente da vidaeconmica, poltica e cultural do pas e seguir aprendendo ao longo da vida. Cadavez torna-se mais claro que as necessidades bsicas de aprendizagem dessapopulao s podem ser satisfeitas por uma oferta permanente de programas que,sendo mais ou menos escolarizados, necessitam institucionalidade e continuidade,superando o modelo dominante nas campanhas emergenciais e iniciativas decurto prazo, que recorrem a mo-de-obra voluntria e recursos humanos no-especializados, caractersticas da maioria dos programas que marcaram a histriada educao de jovens e adultos no Brasil.A estruturao tardia do sistema pblico de ensino brasileiro, suas mazelas e osequvocos das polticas educacionais no parecem suficientes, porm, paraesclarecer as causas da persistncia de elevados ndices de analfabetismoabsoluto e funcional e de uma mdia de anos de estudos inferior quela de paseslatino-americanos com nveis equivalentes de desenvolvimento econmico. Essadescontinuidade entre as dimenses econmica e cultural da modernizao torna-se compreensvel quando percebemos a estreita associao entre a incidncia dapobreza e as restries ao acesso educao. A histria brasileira nos oferececlaras evidncias de que as margens da incluso ou da excluso educacionalforam sendo construdas simtrica e proporcionalmente extenso da cidadaniapoltica e social, em ntima relao com a participao na renda e o acesso aos

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    bens econmicos. A tese corrente que converte associaes positivas em nexoscausais, afirmando que a elevao da escolaridade promove o acesso ao trabalhoe melhora a distribuio da renda, apenas uma meia-verdade elevada condio de certeza com base em certa dose de ingenuidade sociolgica eotimismo pedaggico. A inverso dessa mesma equao nos leva a crer ser

    improvvel a elevao da escolaridade da populao sem a simultnea ampliaode oportunidades de trabalho, transformao do perfil da distribuio da renda ede participao poltica da maioria dos brasileiros.

    Os jovens e a nova identidade da educao de adultos

    Estreitamente relacionado ao tpico anterior, emerge um segundo desafio para aeducao de jovens e adul-

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    tos, representado pelo perfil crescentemente juvenil dos alunos em seusprogramas, grande parte dos quais so adolescentes excludos da escola regular.H uma ou duas dcadas, a maioria dos educandos de programas dealfabetizao e de escolarizao de jovens e adultos eram pessoas maduras ouidosas, de origem rural, que nunca tinham tido oportunidades escolares. A partirdos anos 80, os programas de escolarizao de adultos passaram a acolher umnovo grupo social constitudo por jovens de origem urbana, cuja trajetria escolaranterior foi mal-sucedida. O primeiro grupo v na escola uma perspectiva deintegrao sociocultural; o segundo mantm com ela uma relao de tenso econflito aprendida na experincia anterior. Os jovens carregam consigo o estigmade alunos-problema, que no tiveram xito no ensino regular e que buscamsuperar as dificuldades em cursos aos quais atribuem o carter de acelerao erecuperao. Esses dois grupos distintos de trabalhadores de baixa rendaencontram-se nas classes dos programas de escolarizao de jovens e adultos ecolocam novos desafios aos educadores, que tm que lidar com universos muitodistintos nos planos etrios, culturais e das expectativas em relao escola.

    Assim, os programas de educao escolar de jovens e adultos, que originalmentese estruturaram para democratizar oportunidades formativas a adultostrabalhadores, vm perdendo sua identidade, na medida em que passam acumprir funes de acelerao de estudos de jovens com defasagem srie-idadee regularizao do fluxo escolar.

    O direito educao e o papel do Estado na oferta de ensino aos jovens eadultos

    Nesse breve histrico pudemos constatar que a responsabilidade pela oferta deescolarizao de jovens e adultos no Brasil sempre foi compartilhada por rgospblicos e por organizaes societrias. A partir de 1940, o setor pblico,particularmente o governo federal, assumiu o papel de protagonista da oferta

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    educacional dirigida populao adulta, tomando a iniciativa de promoverprogramas prprios e acionar mecanismos de induo e controle sobre outrosnveis de governo. Foi assim com as campanhas de alfabetizao da dcada de1950, com o MOBRAL ou com a Lei 5.692 de 1971 que institucionalizou o EnsinoSupletivo. O ponto alto do movimento de reconhecimento do direito de todos

    escolarizao e da correspondente responsabilizao do setor pblico pela ofertagratuita de ensino aos jovens e adultos ocorreu com a aprovao da Constituioem 1988. As polticas educacionais dos anos 90, porm, foram delineando umatransio na direo do esvaziamento do direito social educao bsica emqualquer idade, ao qual correspondeu um movimento da fronteira que delimita asresponsabilidades do Estado e da sociedade na proviso dos servios deeducao de jovens e adultos.Premida pelas polticas de ajuste das contas pblicas, a reforma educacional

    implementada pelo governo federal na segunda metade dos anos 90 acabou porfocalizar recursos no ensino fundamental de crianas e adolescentes de 7 a 14anos em detrimento de outros nveis de ensino e grupos etrios, como as crianaspequenas e os jovens e adultos com baixa escolaridade. O que se observa ao finaldos anos 90 na ao do governo federal uma pulverizao de projetos dealfabetizao e elevao de escolaridade em diversos ministrios, com a rennciado Ministrio da Educao em assumir responsabilidades pelo atendimento diretoe exercer o papel de liderana, coordenao e induo dos governossubnacionais. Ao mesmo tempo, o Conselho da Comunidade Solidria assumiu ainiciativa de reproduzir velhos modelos ineficazes de campanhas emergenciais dealfabetizao de jovens e adultos, implementando o Programa AlfabetizaoSolidria com recursos de doao de empresas e indivduos, ficando aresponsabilidade pelo financiamento de um direito bsico da cidadania ao saborda filantropia ou da boa vontade da sociedade civil.Observa-se, assim, que o ensino fundamental de jovens e adultos perde terreno

    como atendimento educacional pblico de carter universal, e passa a sercompreendido como poltica compensatria coadjuvante no combate s situaesde extrema pobreza, cuja amplitude pode estar condicionada s oscilaes dosrecursos doados pela sociedade civil, sem que uma poltica articulada possaatender de modo planejado ao grande desafio de superar o analfabetismo e elevara escolaridade da maioria da populao.Por outro lado, o veto presidencial contagem das matrculas no ensino

    fundamental de jovens e adultos

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    para efeito dos clculos do FUNDEF representou a transferncia aos estados emunicpios da responsabilidade de responder crescente presso de demanda,sem que lhes fossem oferecidas as condies de atend-la de maneirasatisfatria. Esse um dos motivos pelos quais estados e municpios tmprocurado alternativas de reduo dos custos para satisfao da demanda poreducao de adultos, seja mediante o incentivo a iniciativas de organizaes da

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    sociedade civil, seja recorrendo aos meios de ensino distncia, mesmo quandoessas alternativas metodolgicas no produzem os resultados esperados nosnveis de aprendizagem, permanncia, progresso e concluso de estudos.

    A difuso das parcerias e o debate sobre servios pblicos no-estatais

    Ao mesmo tempo em que as polticas educacionais constrangem o papel dosorganismos governamentais na proviso de oportunidades de formao para

    jovens e adultos, crescem a visibilidade e a importncia relativa das iniciativas dasociedade civil, difundindo-se as prticas de parceria envolvendo universidades,movimentos sociais, organizaes no-governamentais, associaescomunitrias, sindicatos de trabalhadores, fundaes privadas, organismosempresariais e rgos pblicos das trs esferas de governo no desenvolvimentode projetos de alfabetizao, elevao de escolaridade e/ou de formaoprofissional. A disseminao de distintas prticas de parceria configura um terrenode experimentao de diferentes concepes do que possam vir a ser, numcontexto de reforma do Estado, os servios pblicos no-estatais.

    A educao continuada ao longo da vida

    Um movimento em sentido oposto ao esvaziamento do direito dos jovens eadultos escolaridade bsica vem sendo observado em pases desenvolvidos daEuropa, Amrica do Norte e Sudeste Asitico, onde a populao adulta passa adispor de oportunidades crescentes de formao geral, profissional e atualizaopermanente. A extrema valorizao da educao nas sociedades ps-industriaisest relacionada acelerao da velocidade de produo de novosconhecimentos e difuso de informaes, que tornaram a formao continuada umvalor fundamental para a vida dos indivduos e um requisito para odesenvolvimento dos pases perante a sistemas econmicos globalizados ecompetitivos. O paradigma de educao continuada emergente nessas regiesconcebe como espaos educativos mltiplas dimenses da vida social, inclusiveos ambientes urbano e de trabalho, as associaes civis, os meios decomunicao e as demais instituies e aparelhos culturais. Nesse marco, asinstituies escolares respondem por apenas uma parcela da formaopermanente dos indivduos, que se apropriam de conhecimentos veiculados poroutros sistemas de informao e difuso cultural.O Brasil que ingressa no sculo XXI est integrado cultural, tecnolgica e

    economicamente a essas sociedades ps-industriais, e comporta dentro de sirealidades to desiguais que fazem com que as possibilidades e os desafios daeducao permanente tambm estejam colocados para extensas parcelas denossa populao. O desafio maior, entretanto, ser encontrar os caminhos parafazer convergir as metodologias e prticas da educao continuada em favor dasuperao de problemas do sculo XIX, como a universalizao da alfabetizao.

    SRGIO HADDAD doutor em Educao, professor da Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo, presidente da Associao Brasileira de Organizaes No-

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    Governamentais (ABONG) e secretrio executivo de Ao Educativaassessoria,pesquisa e informao. E-mail: [email protected]

    MARIA CLARA DI PIERRO doutora em Educao e assessora da organizaono-governamental Ao Educativa. E-mail: [email protected]

    Referncias bibliogrficas

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