Hajasaude! janfev 2015 suplemento

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O lado solidário do Judo Suplemento à edição JaneiroFevereiro do HajaSaúde! Joana Silva, 3.º ano e Sofia Milheiro, 4.º ano

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Suplemento à edição de Janeiro e Fevereiro do HajaSaúde!

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O  lado  solidário  do  Judo

  Suplemento  à  edição  Janeiro-­‐Fevereiro  do  HajaSaúde!

  Joana  Silva,  3.º  ano  e  Sofia  Milheiro,  4.º  ano

2 Suplemento à edição Janeiro e Fevereiro

Numa sociedade que se tem vindo a

assumir como uma sociedade cada vez mais

egoísta e pautada pelo individualismo, surgem

iniciativas que nos mostram o quão errado é

assumir um estereótipo.

Um desses exemplos foi a ação levada a

cabo pela equipa de Judo da Universidade do

Minho. Em Fevereiro de 2015, saiu um calendário

peculiar que veio agitar a vida da Academia e da

cidade: o calendário dos judocas da UM, cujos

intervenientes tiraram a roupa, “vestindo a

camisola” (metaforicamente apenas) por uma

causa maior. Este calendário, que conta com a

participação de doze judocas que se despiram do

seu pudor e preconceitos, pondo-se ao serviço

dos outros, teve como objetivo a angariação de

verbas para o Fundo Social de Emergência. O

sucesso foi tal que teve um grande impacte

mediático, alcançando jornais nacionais e

esgotando os 400 exemplares inicialmente

impressos. No entanto, se ainda quiseres adquirir

um, não te preocupes, haverá uma nova remessa

de calendários.

Assim, nesta sequência, também o

HajaSaúde! decidiu entrevistar o fotógrafo

responsável pela idealização do calendário (Nuno

Gonçalves) e uma das judocas que participou na

iniciativa (Ângela Carvalho).

Judo teaches us to look for the best possible course of action, whatever the individual circumstances, and helps us to understand that worry is a waste of energy Jigoro Kano (fundador do Judo)

O Judo Solidário

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HS: Antes de mais, os nossos parabéns por esta magnífica e ousada iniciativa.

NG: Obrigado.

HS: Gostaria de explicar, por palavras suas, em que é que consiste esta iniciativa e o que é que vos motivou a fazer algo assim?

NG: Esta ideia surgiu… Ou melhor, eu já tinha esta ideia de fazer um calendário já há algum tempo. Já há alguns anos que gostava de fazer algo deste género devido à minha profissão de fotógrafo. Além disso, sempre gostei bastante desta ideia de um grupo de pessoas se unir e tirar a roupa e fazer um calendário com uma causa por trás. Já diversas equipas olímpicas o fizeram; atletas sempre com uma causa por trás. A nós faltava-nos, aqui no Judo, número suficiente de atletas e também uma causa. Como no ano passado os números do Judo aumentaram substancialmente - como vocês podem

ver temos aqui mais de vinte pessoas -, e como também comecei a reparar que já havia alguns alunos meus a pedir para pagar a mensalidade mais tarde ou no mês seguinte (porque a crise também já tinha chegado), comecei a falar com alguns dos meus alunos que eram mais próximos, pois alguns são amigos pessoais, e sugeri a ideia: “o que é que vocês acham de fazermos um calendário assim e assado…?” e eles acharam a ideia engraçada. Além disso, foi na altura em que eu também tomei conhecimento do Fundo Social de Emergência e, portanto, estava ali encontrada a causa. Então, quando lancei o repto aqui ao resto dos atletas que ainda não sabiam, a resposta foi positiva. Aliás, foi tão positiva que inicialmente estava previsto eu e o José posarmos mas depois, no final, quando começamos a contar, tínhamos já doze voluntários. Outro aspecto engraçado é que as mulheres foram as primeiras a candidatar-se.

O Judo Solidário

ENTREVISTA A NUNO GONÇALVES

4 Suplemento à edição Janeiro e Fevereiro

O Judo Solidário

HS: E quais foram as principais dificuldades que surgiram quer a nível d e re a l i z a ç ã o q u e r a n í v e l d e concretização do projeto?

NG: É assim, nós não vamos estar aqui a falar de coisas negativas porquebasicamente não houve nada negativo. Desde logo, quando, em termos de apoio, eu falei com os responsáveis dos SASUM, e pedi autorização para fotografarnas instalações, eles disseram que sim; quando falei com a AssociaçãoAcadémica, eles disseram logo que sim, que estavam a 100% por trás de nós paranos apoiar nesta iniciativa; os atletas também estavam; o fotógrafo tambémestava disponível… Portanto foi só dizer “Olha… Dispam-se e está a andar!”. Alguns nem foi preciso muito incentivar que já andam assim meios nus pela cidade a correr…

HS: E quais as coisas engraçadas que descobriram quer acerca uns dos outros, quer acerca do processo em si?

NG: Nós aqui basicamente não precisamos de tirar a roupa para nos conhecermos ou descobrir coisas engraçadas porque alguns de nós já andam aqui há bastantes anos, outros andam há menos tempo, mas o ambiente aqui é bastante informal. Há momentos em que temos de ser rigorosos, faz parte da arte marcial, faz parte do processo de crescimento enquanto atletas e enquanto artistas marciais; mas também temos um ambiente bastante informal e isso é que acaba por cativar as pessoas e por manter as pessoas aqui já com alguma prática regular. Portanto, em termos de descoberta, ficamos a saber que um outro tinha mais pêlo, um outro tinha mais celulite,… Tirando isso…

HS: E a nível das reações das pessoas, quais foram as mais vos fascinaram, acharam diferente ou que vos marcaram?

NG: Sinceramente, eu estava à espera que a reação fosse positiva porque nós tínhamos uma causa, tínhamos gente gira,… Tudo indicava que ia ter sucesso. Até mesmo em termos mediáticos, às vezes as pessoas perguntam se nós estávamos à espera de ter tido tanto impacte mediático... Eu estava à espera de ter este impacte mediático, não estava era à espera de que tivesse sido tão repentino; foi tudo um bocado assim de “enxurrada”. Relativamente ao

f e e d b a c k p e s s o a l , n ó s f o m o s a c o m p a n h a n d o o p ro c e s s o n o Facebook, com os comentários muito positivos. E o próprio calendário, a forma como a fotografia está feita, não tem uma conotação erótica; não está orientado nesse sentido, tanto que as pessoas apenas apreciam ali a arte pela arte e isso também foi decisivo para que tivesse sido um sucesso. A coisa que

me metia mais medo, e não vou mentir, era a reação das pessoas da Academia, porque, quer queiramos quer não, a universidade é uma máquina pesada que envolve muita gente. Há pessoas com algumas certas idades, com umas mentes mais formatadas… Mas a surpresa foi boa porque tivemos gente de todos os quadrantes e estamos a falar mesmo de chefias e de presidentes de escola, catedráticos,… Toda a gente a dar os parabéns, toda a gente a fazer piadas, a tirar fotos com o calendário,… Portanto, a única coisa que me podia meter algum medo, que era a reação de algumas pessoas com algum peso dentro da universidade, foi extremamente positiva.

HS: Como disse antes, há um certo ambiente de informalidade, mas pensa que esta iniciativa modificou, de alguma forma, a sua maneira de interagir com os seus alunos?

NG: Não. Porque é o seguinte: eu os gajos vejo-os todos nus no balneário, portanto não houve nenhuma alteração, tenho de levar sempre com eles todos nus no final do treino. As miúdas eu não as vejo nuas mas pronto… Uma das coisas boas que o Judo tem é que há muito contacto corporal, o que faz com que as pessoas ganhem um certo à vontade e um certo conforto com o seu corpo porque nós interagimos muito, andamos muito enrolados uns com os outros e acabamos por fazer as pazes com o nosso corpo, não há aquela questão de “ai como é o meu corpo?”… Há a aceitação por parte das pessoas relativamente ao corpo, por isso essa questão da nudez não veio alterar em nada.

HS: Pensa que esta iniciativa se relaciona com uma frase de Jigoro Kano (fundador do Judo) que é “É somente através da ajuda mútua e das concessões recíprocas que um organismo agrupando indivíduos em grande ou pequeno número pode encontrar a sua harmonia plena e realizar verdadeiros progressos”?

NG: Sim, isso vai de encontro ao Princípio da Prosperidade e Benefício Mútuo que diz que nós

“Tudo  indicava  que  ia  ter  sucesso”

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temos que ser mais-valias para a sociedade. E esse princípio começa logo aqui dentro do tatami. Nós aqui temos os nossos ensinamentos, o nosso código moral, os nossos valores: a honra, a coragem, a disciplina, companheirismo,… São tudo valores que nós temos de cultivar aqui e depois transportar para fora do tatami. Se esses valores não são aprendidos aqui dentro: se eu não sou amigo do meu amigo, se eu não respeito a pessoa que está do outro lado, se eu não sou corajoso, se eu sou bruto e só penso em mim,… Eu vou chegar a uma altura em que ninguém vai querer treinar comigo e eu não vou crescer, não vou evoluir porque as pessoas têm medo de mim. E esses valores têm de ser aprendidos e também transportados lá para fora. São as questões de civismo, tornar um indivíduo uma mais-valia para a sociedade. Ou seja, nós estamos aqui não só a formar atletas mas também a formar cidadãos conscientes dos seus direitos – que as pessoas hoje em dia só falam em direitos -, mas também dos seus deveres e isso também é importante. E isso foi o que Jigoro Kano também quis dizer, tanto que ele foi um intelectual da mais fina flor no Japão e conseguiu que o Judo fosse incorporado no currículo japonês entre 1910 e 1920 - ele foi o

primeiro asiático a ser convidado para o Comité Olímpico Internacional. Antes de ser judoca, ele era um pedagogo.

HS: Agora tenho uma pergunta que certamente perturba largamente o público feminino… Para o ano, vai haver uma nova edição?

NG: Vai existir sim senhor uma nova edição! Eu vou posar porque muita gente tem perguntado porque é que eu não posei, por isso para a próxima edição eu vou estar. Vamos ter também mais pessoas, não vão

ser os mesmos. Vamos ter pessoas diferentes, pessoas mais velhas, também se calhar pessoas mais novas e vai ser um calendário com o mesmo intuito: arranjar ve rbas pa ra o Fundo Soc i a l de Emergência. Algumas caras vão-se repetir, outras caras vão ser novas; outras caras e outros corpos, com mais pêlo, com menos pêlo, mais barriga, menos barriga,… Mas vamos ter aqui muita gente.

HS: E para finalizar, gostaria de deixar alguma mensagem aos estudantes?

NG: Vou deixar uma frase que me foi dita por um grande amigo meu, um senhor que é um grande treinador e que um dia me disse assim: “Nuno, a solidariedade não pode ser uma palavra vã”. E nós não podemos apenas dizer ser solidários da boca para fora, temos que colocar isso no papel, na acção; temos depois que ajudar a pessoa que está ao nosso lado, nem que seja com uma simples palavra, com um simples gesto porque há pessoas que às vezes não podem mais do que isso. Mas sermos solidários, tentarmos ajudar. E é importante sobretudo nos tempos em que correm, nos tempos de crise em que às vezes vemos tantas pessoas ao abandono e às vezes uma palavra amiga, um empurrão, um “chamar para nós” pode ser o suficiente se calhar para ajudar aquela pessoa. Se tivermos posses, podemos contribuir, comprar um calendário, fazer voluntariado,… É importante contribuirmos para a sociedade. E é isso que eu deixo: sejam solidários, ajudem quem precisa.

HS: Numa sociedade que se assume cada vez mais como uma sociedade que pode ser considerada egoísta e individualista é bom ver que surgem iniciativas destas que nos fazem acreditar na Humanidade e na bondade humana. A si, e a todos os que contribuíram para esta iniciativa, o HajaSaúde! deseja tudo de bom e a maior sorte do mundo.

O Judo Solidário

“a  solidariedade  não  é  uma  palavra  vã”

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O Judo Solidário

HS: Bom dia, antes de mais, os nossos sinceros parabéns por esta excelente iniciativa.

 n g e l a C a r v a l h o : M u i t o obrigada.

HS: Gostaríamos de perguntar o que é que sentiu quando lhe foi lançado este desafio?

AC: Eu aceitei logo porque achei muito interessante. Aliás, a ideia já tinha sido partilhada no grupo, o mestre já tinha conversado connosco que gostava de fazer este tipo de trabalho e quando decidiu foi muito rápido: as datas para as fotos foram marcadas c o m u m a s e m a n a d e antecedência. As meninas - eu e a Marta - fomos as primeiras a aceitar logo o desafio e depois foram os meninos; acho que nós é que fomos as mais corajosas. Além disso, achei mesmo muito in te ressante porque é um projecto para ajudar o Fundo Social de Emergência. Muitos alunos não têm conhecimento deste fundo, e muitos são alunos carenciados - eu conheço alguns -, e acho que foi uma boa iniciativa, sem dúvida.

HS: Qua is as p r inc ipa is limitações que surgiram durante o processo?

J: Não surgiu nenhuma limitação porque o Mestre é o fotógrafo, portanto já há uma grande amizade entre nós, o que tornou o processo mais fácil. Logo, limitações não houve. A sessão foi aqui no pavilhão; já conhecíamos o espaço, já conhecíamos o fotógrafo,… portanto foi tudo muito fácil.

HS: Qual a reação dos seus pais ou amigos perante a sua aparição no calendário?

J: Eu avisei a minha mãe, no Natal, que íamos fazer esta sessão de fotos e acho que ela se calhar não

percebeu [risos]. Não, ela percebeu e disse que achava giro, que a decisão era minha. Quando as fotos saíram, antes de serem divulgadas, eu mostrei a algumas amigas mais próximas e elas ficaram histéricas porque eu não gosto muito de  me ver em fotografia, por isso fiquei muito contente com a reação delas. A minha mãe viu só quando passou na televisão e disse que estava muito bem.

HS: Esta iniciativa contribuiu em alguma coisa para o seu crescimento pessoal?AC: Sem dúvida que contribuiu. Eu formei-me aqui em Biologia e Geologia, frequentei o Mestrado aqui na Universidade do Minho e tive bolsa durante toda a

ENTREVISTA A ÂNGELA CARVALHO

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minha formação. Estou na minha segunda licenciatura e infelizmente não tenho nenhum apoio do Estado, por isso percebo perfeitamente as dificuldades de um estudante. Eu agora trabalho para pagar as minhas despesas e é tudo mesmo contado até ao último tostão, por isso era um projeto no qual eu queria mesmo participar.

HS: Esta experiência mudou, de alguma forma, a maneira como interagem nos treinos?

AC: Não, por acaso não porque nós somos um grupo muito unido. É engraçado porque há uma amizade muito grande no grupo. Apesar de sermos colegas, e de ser uma modalidade individual, nós precisamos do colega para treino; ele é o nosso principal adversário, ou seja, permite-nos crescer dentro do grupo. Além disso temos alguns amigos próximos, com quem saímos, fazemos jantares,… Somos mesmos muito unidos.

HS: Para finalizar, gostaria de deixar alguma mensagem aos estudantes?

AC: Sim, se tiverem conhecimento de algum colega que esteja numa situação económica complicada – porque não é uma situação facilmente partilhada mesmo com algum colega próximo - devem ajudá-lo, devem incentivá-lo, devem ajudá-lo a procurar ajuda… Dizermos que estamos bem é sempre fácil e também é fácil escondermos

quando estamos com dificuldades. Por isso se sentirem que têm algum colega com dificuldades, ajudem-no.

HS: Citando Jigoro Kano, “cada ação do corpo é tão importante quanto o elo de uma corrente” e, na verdade, sendo que um dos objectivos do Judo é fortalecer o espírito e a mente, é bom ver que vocês conseguiram tornar esse “elo” (a mente e o espírito) forte pela solidariedade e pelo serviço aos outros, e que esse espírito não é um elo fraco pelo qual a corrente se pode quebrar. Assim, os nossos parabéns e votos de uma vida com sucesso.

O Judo Solidário

“É  um  projeto  no  qual  eu  queria  

mesmo  par<cipar”

NEMUM  -­‐  Núcleo  de  Estudantes  de  Medicina  da  Universidade  do  Minho

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Escola  de  Ciências  da  Saúde

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