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    HANNAH ARENDT:

    ENTRE A HISTRIA, A POLTICA E A NARRAO

    Andr Luiz de Souza Filgueira*

    A poltica

    com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano; e esta insero comoum segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato original esingular do nosso aparecimento fsico original1.

    Hannah Arendt

    A questo que nos leva a refletir sobre os possveis nexos existentes entre as trs

    categorias (histria, narrao e poltica) que iro conduzir este texto, est situada em torno

    do acontecimento, ou nos termos de Arendt, no rastro do novo2. Assim, tomemos como

    referncia s prprias palavras da autora: o prprio pensamento emerge de incidentes da

    experincia viva e a eles deve permanecer ligado, j que so os nicos marcos por onde

    obter orientao3.

    Desta forma, pergunta-se, que experincias histricas so essas a que Arendt

    dedicou parte de sua vida para pens-las, a ponto de estas experincias provocarem umaruptura com a tradio do pensamento ocidental? Essas experincias histricas,

    referenciadas pela autora, so o totalitarismo e, portanto Arendt nos chama ateno para um

    importante detalhe deste feito humano: (...) o fio da tradio foi rompido. Ora, o que

    rompe com a histria no um acontecimento de pensamento, mas uma experincia

    histrica e antropolgica, e esta rotura tornou-se patente, caiu no domnio pblico.4

    Da a nfase de Arendt recair na no separao entre a atividade do pensar e os

    eventos histricos, porque estes so os nicos marcos pelos quais podemos obterorientao, em meio a uma situao que no se sabe ao certo o que fazer, como por

    exemplo, o totalitarismo do sculo XX.Assim, uma das principais conseqncias trazidas

    por essa ruptura foi, justamente, quebra do elo que existia entre a tradio de pensamento,

    *Graduado em histria, UCG, membro do GED (Grupo de Estudos da Democracia), ligado rede FAPEG.1ARENDT, Hannah.A condio humana, p. 189.2Grifo nosso.3ARENDT apudFELCIO.HANNAH ARENDT: histria e acontecimento, p. 01.4ARENDT apudAMIEL.HANNAH ARENDT: Poltica e acontecimento, p. 08.

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    que outrora ligava o passado e o presente. Por esse aspecto, o passado, que antes, iluminava

    o presente, a ponto de fornecer elementos usuais de compreenso dos fatos oriundos da

    ao dos homens, que por sua vez, subsidiava a atividade do pensar, foi anulado, em face

    ao fenmeno da ruptura, no sculo XX. Deixando, deste modo, os homens a vagar na

    escurido5. Isso porque a tradio de pensamento, que trazia consigo todo o registro da ao

    humana, atravs do passado, foi assolada pelo espectro do terror, que sucumbiu com o elo

    que unia o passado e o presente. Deixando, assim, os homens a deriva no mundo. Portanto,

    essa a primeira faceta trazida pelo novo histria, qual seja a quebra do fio entre o

    passado e o presente, que antes, orientava os indivduos pelo caminhar no mundo. Apriori,

    o novo, manifestado nosculo passado, veio sob a gide do mal, trazendo conseqnciascatastrficas ao mundo, pois dizimou diversas minorias, dentre elas judeus, homossexuais e

    negros; extraiu a cidadania destes grupos, a ponto de transform-los em seres suprfluos6,

    sem lei, sem direitos, sem liberdade poltica, enfim, como nos diz o antroplogo polons

    Zygmunt Bauman, os grupos fora da lei que no se enquadravam nas leis do

    totalitarismo , foram transformados em lixo humano7.

    Por este aspecto, a esfera pblica, hoje em declnio, era concebida, no passado,

    como sendo um local privilegiado, pois nele se manifestava a ao ou a liberdade humana8,

    ficando para ns, homens e mulheres da contemporaneidade, a lembrana capturada por

    Arendt. Nas palavras da autora: A polis grega foi outrora precisamente a forma de

    governo que proporcionou aos homens um espao para aparecimento onde pudessem agir

    uma espcie de anfiteatro onde a liberdade podia aparecer,9pois os homens inseridos

    neste campo esto abertos s virtudes cvicas (ao dilogo, compreenso mtua e

    persuaso) que possuem como horizonte, as pautas de interesse da coletividade que prima

    pelo bem comum.

    5Sobre esse assunto, considerando o suposto de Tocqueville ele nos diz: (...) como o passado j no iluminao futuro, o esprito avana nas trevas (TOCQUEVILLE apudAMIEL, 1996, p. 09).6 Uma anlise mais detida sobre o regime totalitrio como sendo o provedor da superfluidade humana,conferir em: CORREIA, Adriano. Os campos de concentrao e a fabricao da superfluidade. In.:Fragmentos de Cultura, 2003, p. 201-216.7Essa expresso recorrente na obra do antroplogo intitulada de: Vidas desperdiadas, Rio de Janeiro. Ed.Jorge Zahar, 2005.8Arendt contempla a liberdade e a poltica como termos intercambiveis, tendo em vista que a existncia deuma prescrevia a outra. A liberdade como fato demonstrvel e a poltica coincidem e so relacionadas uma outra como dois lados da mesma matria. (ARENDT, 2002, p. 195).9Idem.Entre o passado e o futuro, p. 201.

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    Esse registro, tal como o fizemos , qual seja o de resgatar o momento histrico

    poltico em que a ao poltica foi desenvolvida, uma tarefa emergencial tendo em vista

    que; no tempo presente, a poltica, apresentasse com uma configurao tenebrosa em face a

    insero do novo na histria , na esteira do pensamento de arendtiano, essa lembrana

    deve ser feita se, o que se quer, de fato, encarar o espao pblico como sendo o local

    destinado apario ao mundo, onde, as aes, nele desenvolvidas, possam ser transmitidas

    para a posteridade, tendo como horizonte o bem comum. Deste modo, s geraes futuras

    contemplaram um outro sentido da vida a vida imortal que somente experimentado na

    esfera pblica. Sobre esse aspecto (histria e imortalidade), veremos, a seguir, o que os

    caminhos que as reflexes de Hannah Arendt aponta.

    A histria

    A responsabilidade pelo mundo tambm responsabilidade pela histria, pelahistoricidade do mundo comum10.

    Anne-Marie Roviello

    Em seu artigo: O conceito de histria antigo e moderno, publicado na obra

    Entre o passado e futuro, que rene uma coletnea de textos, dedicada a temas diversos,

    como por exemplo, educao, cultura, histria, poltica, entre outros, Arendt, inicia a

    caracterizao da histria tambm tendo como pressuposto o mundo antigo. Deste modo, a

    priori, suas consideraes se assentaram em duas questes: mortalidade e imortalidade.

    Tendo em vista que homens e mulheres so seres mortais, posto que nasceram em

    um mundo que existia antes deles e que continuar a existir ao trmino do ciclo de vida de

    cada um, a humanidade anseia pela imortalidade11. Esta nsia advm da vontade em se

    fazer eterno, mesmo estando ciente de que homens e mulheres so mortais. nesta

    perspectiva, de atingir a imortalidade, que a humanidade lana mo do uso dos elementos

    imortais, oriundos da natureza, ou seja, do mundo, para assegurar a sua imortalidade.

    Com efeito, conforme pontua Arendt,

    10ROVIELLO, Anne-Marie. Senso comum e modernidade em Hannah Arendt, p. 71.11Tomando de emprstimo as palavras de Arendt, sobre a imortalidade, entendemos que: Imortalidade oque a natureza possui sem esforo e sem assistncia de ningum, e imortalidade , pois, o que os mortaisprecisam tentar alcanar se desejam sobreviver ao mundo em que nasceram, se desejam sobreviver s coisasque nos circundam e em que cuja companhia foram admitidos por curto tempo. (ARENDT, 2002, p. 78).

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    No incio da Histria Ocidental, a distino entre a mortalidade dos homens e aimortalidade da natureza, entre as coisas feitas pelo homem e as coisas que existempor si mesmas,era o pressuposto tcito da Historiografia. Todas as coisas que

    devem sua existncia aos homens, tais como obras, feitos e palavras, soperecveis, como contaminadas com a mortalidade de seus autores. Contudo, se osmortais conseguissem dotar suas obras, feitos e palavras, de alguma permanncia, eimpedir sua perecibilidade, ento essas coisas ao menos em certa medida entrariamno mundo da eternidade e a estariam em casa, e os prprios mortais encontrariamseu lugar no cosmo, onde todas as coisas so imortais, exceto os homens.12

    Destarte, cabvel uma indagao: qual a contribuio que Arendt traz sobre

    mortalidade e imortalidade, possibilitando, assim, pensarmos o objeto de estudo da histria,

    bem como o ofcio do historiador?

    Para Arendt, o objeto de estudo do historiador o fato singular, pois, ele, consegue

    romper com toda cadeia de fatos edificada por homens e mulheres e que, at ento,

    permanecia em vigor. Mas esse processo rompido atravs da corrente subterrnea da

    histria que, por intermdio da natalidade13, traz consigo a possibilidade de experimentao

    de algo novo que, at ento, no havia ocorrido antes. Esse desconhecido a possibilidade

    de realizao de novos feitos, os quais revelam o seu esgaramento em face ao processo

    anterior. Segundo Arendt,

    O que para ns difcil perceber que os grandes feitos e obras de que so capazesos mortais, e que constituem o tema da narrativa histrica, no so vistos comoparte, quer de uma totalidade ou de um processo abrangente; ao contrrio, a nfaserecai sempre em situaes nicas e rasgos isolados14.

    Contudo, se o objeto de estudo do historiador a identificao do novo, posto que,

    desta forma, ele estar garantindo a imortalidade do homem no mundo por meio do resgate

    de suas aes empreendidas no espao pblico, j engolfadas na histria, ento, logo se

    conclui que o ofcio do historiador a captao do evento singular, para garantir a

    imortalidade. Por isso, Arendt convida o historiador a se deter quando este estiver

    envolvido com as interpretaes das aes humanas, ou seja, com a atividade investigativa

    12Idem.Ibidem, p. 72.13A natalidade um assunto que Arendt concede grande primazia, porque, somente por ela, a autora v achance de realizao da histria e da poltica. Porque ao pensarmos em natalidade, logo de imediato, vem atona um outro termo correlato, a singularidade. Isso, do ponto de vista geral e essencial, a singularidadeque distingue cada ser humano de todos os demais, a qualidade em virtude da qual ele no apenas umforasteiro no mundo, mas alguma coisa que jamais este a antes. (ARENDT, 2002, p. 239).14Idem.Ibidem, p. 72.

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    dos fatos - ao dado singular dentro da histria, tendo como horizonte a poltica. Isto porque,

    a ao humana, exercida livremente nos espaos pblicos, corrobora a imortalizao dos

    grandes feitos humanos.

    Assim, Arendt, inspirada em Herdoto, consagrado pela historiografia ocidental

    como sendopater historiae, conclui como sendo atribuies do historiador:

    [...] preservar aquilo que deve sua existncia aos homens, [...] para que o tempo noo oblitere, e prestar aos extraordinrios e gloriosos feitos de gregos e brbaroslouvor suficiente para assegurar-lhes evocao pela posteridade, fazendo assim suaglria brilhar atravs dos sculos.15

    Inspirada nas proposies histricas levantadas por Walter Benjamim16, elaargumenta que o historiador deve ficar atento ao novo17. Porque ele, no momento de sua

    apario humanidade, traz luz o que estivera, at ento, oculto aos olhos dos homens, o

    que, simplesmente, era considerado como passado. Contudo, esse passado que era dado

    como algo encoberto se faz presente, e o presente, propriamente dito, passa a assumir a

    posio de passado, at que surja, novamente, algo novo para que o presente, que passou a

    ser visto como passado, possa reaparecer. Assim, Arendt, se pronuncia dizendo que,

    O novo o domnio do historiador que, ao contrrio do cientista naturalpreocupado com os acontecimentos sempre recorrentes, lida com eventos quesempre ocorrem somente uma vez. O que o evento iluminador revela um comeono passado que at ento estivera oculto; aos olhos do historiador, o eventoiluminador s pode aparecer como um final para esse recm-descoberto incio. Squando, na histria futura, um novo evento ocorre, que esse final ir revelar-secomo um incio aos olhos dos futuros historiadores. E os olhos do historiadorrepresentam somente o olhar cientificamente treinado da compreenso humana; spodemos compreender18 um evento como o final e a culminao de tudo o queaconteceu antes, como preenchimento dos tempos; somente que cabalmenteavanamos com relao ao conjunto transformado de circunstncias que o eventocriou, isto , tratamos esse evento como um comeo. 19

    por esse particularismo, inerente ao exame dos fatos histricos, que Arendt pode

    ser, de fato, considerada como uma storyteller. Mas, o que seria, afinal, um storyteller e

    15Idem. Ibidem, p. 70.16As teses de W. Benjamim, sobre a histria, foram publicadas no livro Obras escolhidas: magia e tcnica,arte e poltica. Ed. Brasiliense, 1994. Vale a pena salientar que, aps a morte de Benjamin, Arendt esteve coma posse de parte do seu esplio.17Grifo nosso.18Grifos da autora.19ARENDT, Hannah.A dignidade da poltica, p. 49 e 50.

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    qual a ligao e o peso que essa nomeao pode acarretar de significativo ao pensamento da

    autora, que por sua vez, pode contribuir ao ofcio do historiador? As linhas que se seguem

    procuram apontar na direo destas inquiries.

    A narrao

    (...) todos os desgostos e tristezas so suportveis se deles se faz um conto, ou se ocontamos20.

    Isak Dinesen

    interessante notar o seguinte aspecto no pensamento arendtiano, mesmo diante de

    uma situao em que parece que a humanidade est situada em um caos absoluto, o

    caminho indicado pela autora, para inspirar as pessoas a refletirem sobre as alternativas a

    serem tomadas, mesmo perante o esgaramento da tradio filosfica, a via do storyteller.

    neste aspecto que se faz evidente a importncia da narrao como categoria interpretativa

    luz do pensamento arendtiano. Segundo Felcio, trata-se de:

    Narrar a experincia, ao contrrio de escrever uma histria do totalitarismo. Nolugar de afirmar, ento, em Origens, que o totalitarismo podia ser explicado luz

    da histria, o que Arendt fez foi analisar em termos histricos os elementos que secristalizaram neste acontecimento que, em seus termos, o acontecimento centralde nosso mundo21.

    Por este vis, o foco central desta empreitada de Arendt consiste em narrar o

    fenmeno totalitrio, a partir do suposto de que ele o fator que tributrio ao humana,

    desenvolvida no espao pblico. E essa , portanto, a via em que se vincula a corrente

    narracional, que, por sua vez, trata-se de uma metodologia epistemolgica emoldurada por

    Arendt que por sua vez, possu suas marcas vinculadas ao legado do filsofo alemo

    Walter Benjamin , j que a terica poltica no pde contar com o auxlio da tradio

    filosfica Ocidental e posto, ainda, que esta havia sido esfacelada frente ao imperativo

    totalitrio. Se o caminho encontrado por Arendt atravs do mtodo narracional

    (storyteller) deita suas razes no espao pblico, para rever a situao em que a

    humanidade viu-se situada, diante do mal, ento, a reverso deste dado o de neutralizar o

    20Isak Dinesen apudKristeva. In.: O GNIO FEMININO: A vida, a loucura, as palavras, p. 91.21FELCIO, Carmelita Brito de Freitas.HANNAH ARENDT: Histria e acontecimento, p. 01 e02.

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    fenmeno do terror tambm est locada no espao pblico. Por essa via, qual seja, a de

    recontar a histria do totalitarismo, a partir da narrao, que Hannah Arendt entendida

    como sendo uma narradora. E o exerccio da funo do narrador, encarado aqui, aos moldes

    das reflexes de Walter Benjamin : (...) retirar da experincia o que ele conta: sua prpria

    experincia ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas experincia dos

    seus ouvintes.22

    Por isso, o principal objetivo de Arendt, ao recontar a histria do totalitarismo o

    de: (...) recuperar aqueles tesouros polticos no tematizados filosoficamente, aqueles

    fragmentos preciosos e preteridos que, hoje, restariam ocultos por entre os destroos da

    tradio (...)23

    . por este caminho que a pensadora no descarta a via da busca dealternativas de fuga, dos tempos sombrios, tendo como ponto de partida situao catica

    do tempo presente. Porque, ela vislumbra, nessa circunstncia, a possibilidade de

    reconciliao com o passado esquecido, em que tal esquecimento atribudo ruptura da

    tradio ocidental de pensamento, que foi consolidada a partir do totalitarismo. H de se

    ressaltar que Arendt no estava interessada em captar o cerne que elevou o totalitarismo ao

    poder, para que pudesse assim compreend-lo, mas, antes, ao ser adepta ao estilo narrativo

    benjaminiano, o que a inquietava no totalitarismo e que fez com ela recuasse narrao era

    porque,

    A narrao no est interessada em transmitir o puro em si da coisa narradacomo uma informao ou um relatrio. Ela mergulha a coisa na vida do narradorpara em seguida retir-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador,como a mo do oleiro na argila do vaso.24

    Destarte, o rumo que orientou a teoria de Hannah Arendt pode ser visto a partir do

    mapeamento das situaes em que o novose manifesta. Esse diagnstico engendrado pelo

    historiador e pelo romancista e muito pode oferecer os lampejos da poltica, humanidade,

    no instante em que o novo veio tona. Porquanto, ao chamar ateno ao poltica,

    entendida aqui, como sendo intercambivel com a liberdade, de acordo com a teoria de

    Hannah Arendt, a pensadora estava convicta de que somente o retorno ao passado, poderia

    22BENJAMIN. Walter. O narrador. Consideraes sobre a obra de Nikolai Leskov. In.:Magia e tcnica, artee poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura/Walter Benjamin, p. 201.23DUARTE, Andr. HANNAH ARENDT ENTRE HEIDEGGER E BENJAMIN: A crtica da tradio e arecuperao da origem poltica. In.:HANNAH ARENDT: Dilogos, reflexes, memrias, p. 78.24BENJAMIN. Walter. O narrador. Consideraes sobre a obra de Nikolai Leskov. In.:Magia e tcnica, artee poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura/Walter Benjamin, p. 205.

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    garantir a recuperao dos fragmentos polticos, a partir do suposto de que historiadores e

    romancistas, atravs da narrativa, poderiam autorizar os homens ao. A funo poltica

    do narrador de estrias (storyteller), seja ele historiador ou romancista, a de provocar

    uma catarse que libere os homens para a ao e para o juzo25.

    nesse horizonte, que Arendt recua ao filsofo Walter Benjamin, para dizer que, os

    romancistas e os historiadores, so de fato, pescadores de prolas, porque eles se detm

    funo de apanhar os estilhaos do passado, rompido com quebra do vnculo da tradio.

    Entretanto, esse caminho, indicado pela autora, s possvel se o pensarmos26pelo

    vis do acontecimento. A histria constituda por acontecimentos, ou seja, por aquilo que

    interrompe processos, sendo propriamente o imprevisvel, o indedutvel27

    .

    Consideraes finais

    A maneira encontrada por Arendt para encarar o advento do mal, no sculo XX,

    mediante a ruptura que houve com a tradio de pensamento, e assim compreend-lo, o

    contar estrias. Segundo, Aguiar, para alm de uma perspectiva de visualizao de

    Arendt como sendo uma contadora de estrias, a autora pode ser entendida como (...)

    uma storytellerdo mundo contemporneo. Em todos os seus escritos, possvel perceber

    que ela est perseguindo uma luz que ilumine o que o homem est fazendo na atualidade, o

    que pretende com as suas instituies e seus modos de vida28. Essa a outra face que o

    evento singular/novopode manifestar humanidade visto sob o ngulo da esperana, que

    pode ser creditada ao poltica, e a ela, a expectativa de algo novoacontecer. Pois, afinal,

    a lembrana de Arendt, que nos fica, sobre o agir humano, desenvolvido no espao pblico,

    - recuperada no mundo antigo - respaldado pela liberdade de ao, calcada na compreenso

    mtua e na persuaso, o de que: somente a ao humana capaz de feitos imensurveis.Sob este mbito temos uma dupla face da ao. De um lado, como foi acenada, a ao, vista

    25ARENDT apudDUARTE. O PENSAMENTO A SOMBRA DA RUPTURA: poltica e filosofia em HannahArendt, p. 270.26Ao longo destas consideraes viemos afirmando, enfaticamente, que a Arendt clama a humanidade para opensar. Mas, sumariamente, o que significa o pensar terica? Ela nos diz que trata-se de: Pensar com amentalidade alargada significa treinar a prpria imaginao para sair em visita (ARENDT apudAGUIAR,2001, p. 225).27AMIEL, Anne.HANNAH ARENDT: Poltica e acontecimento, p. 49.28 AGUIAR, Odlio Alves. Pensamento e narrao em Hannah Arendt. In.: Hannah Arendt: dilogos,reflexes e memrias, p. 218.

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    aqui sob a gide da imprevisibilidade, foi capaz de promover, no sculo passado, algo

    indito na histria, a ascenso ao poder feita pelo totalitarismo (que carimbou a introduo

    da violncia na poltica). Mas, por outro lado, tambm entendido sob a espreita do

    acontecimento/novo, a ao poltica, foi capaz, outrora, de lanar raios de luzes

    humanidade e evidenciar que a poltica , por excelncia, o antdoto para combater a outra

    face malfica do novo. Um exemplo disso, que muito inspirou Arendt a pensar a existncia

    da poltica, em nosso tempo, so os sistemas de conselhos, porque atravs dele os homens

    recuperaram o gosto pela ao. E tambm, por meio desses conselhos, foram

    desencadeadas outras manifestaes, genuinamente, de forte cunho poltico, tal como no

    passado havia, um exemplo disso foram as Revolues Modernas. Sobre o sistema deconselhos Arendt nos diz,

    Organizao espontnea de sistemas de conselho ocorreu em todas as revolues:na Revoluo Francesa, com Jefferson na Revoluo Americana, na Comuna deParis, nas revolues russas, no despertar das revolues na Alemanha e ustria,no fim da Primeira Guerra Mundial e finalmente na Revoluo Hngara29

    Esse foi, ento, o propsito deste texto, o de apontar a dimenso da histria, da

    poltica e da narrao, tendo como pressuposto o novo ou o acontecimento singular na

    histria da humanidade, para de fato, possamos resgat-lo, nos tempos sombrios.

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