Hannah Howell - [JARDIM MÁGICO] - O pomar mágico (PtBr)

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1 O pomar mágico O pomar mágico O pomar mágico O pomar mágico Hannah Howell Clássicos Históricos Especial nº 240 3 histórias: A Laranjeira Mágica Linda Madl O pomar mágico Hannah Howell O cesto mágico Jo Goodman Este Livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos. Sua comercialização é estritamente proibida.

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O pomar mágicoO pomar mágicoO pomar mágicoO pomar mágico

Hannah Howell

Clássicos Históricos Especial nº 240

3 histórias:

A Laranjeira Mágica Linda Madl

O pomar mágico

Hannah Howell

O cesto mágico Jo Goodman

Este Livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos.

Sua comercialização é estritamente proibida.

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Copyrigh 2002 by Joanne Dobrzanski / Hannah Howell / Linda Madl Originalmente publicado em 2002 pela Kensington Publishing Corp.

Título original: Magically Delicious Kisses

2006 Editora Nova Cultural Ltda.

DIGITALIZAÇÃO : PALAS ATENÉIA

REVISÃO: PALAS ATENÉIA

Rose sabia que muitos a consideravam dotada de poderes incomuns e acreditavam que os pratos que preparava, com produtos recém-colhidos do

pomar, inspiravam intensa paixão em quem deles provasse. E quando Adair, depois de experimentar a deliciosa torta doce que ela acabara de fazer,

mostrou-se mais interessado no gracioso corpo de Rose do que em seus quitutes, ela própria se perguntou se existiria, afinal, alguma força oculta em

ação!

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Capítulo I Escócia Verão, 1390 Ele não deseja me mandar enforcar. Só quer uma sobremesa. Rose Keith repetia

essas palavras, enquanto tirava as tortas de maçã do forno. Devia ser a centésima vez que dizia isso, mas não estava adiantando. Repetiu-as enquanto passava mel sobre as tortas, mas as mãos ainda tremiam. Se não conseguisse se acalmar, nunca chegaria ao castelo. Alguém a encontraria estatelada na estrada, desmaiada, as tortas esmagadas e espalhadas a seu redor.

— Por que o lorde deseja me encontrar? — perguntou ela ao gato malhado de branco e preto, esparramado sobre a mesa da cozinha, mas ele apenas abriu um pouco um olho, bocejou e virou-se de costas. — Pequenino, você só serve para comer. Ela tirou o avental e o pendurou no gancho da porta de trás de seu chalé. Quando o dia amanhecera brilhante e quente, ela tivera certeza de que seria um dia bom. Então o pequeno Peter chegara com uma mensagem do castelo, avisando que o novo lorde desejava que ela lhe levasse algumas de suas deliciosas tortas de maçã. Rose havia sentido o coração acelerar e ainda não voltara a seu ritmo normal, não importava o que dissesse a si própria para se reconfortar.

Visitar o velho lorde jamais a perturbara tanto. Desde pequena, ia ao castelo, diversas vezes por semana, para levar alimento ao velho lorde. Ele sempre fora muito bondoso e, três anos antes, havia se entristecido quando sua mãe, Flora Keith, morrera. Ela tinha certeza de que fora o velho lorde quem deixara o cesto de gatinhos à sua porta numa tentativa para alegrá-la. Mas ele estava morto e seu filho voltara para casa e assumira seu lugar.

Enquanto trançava os cabelos, tentou se lembrar do menino que havia conhecido. Moreno, lembrou, sorrindo de leve. Cabelos e olhos de cor cinza-escuro e pele morena. Sempre se mostrara muito tolerante e gentil com ela, quando criança. Quase dez anos antes, ela se havia entristecido quando ele partira para lutar na França. Suas visitas à família haviam sido raras e breves e, nessas ocasiões, ela nunca o vira. Assim, a imagem clara que tinha era de um jovem de quase dezenove anos. Agora ele estava beirando os trinta, sua juventude fora passada na guerra e ele era o último sobrevivente da família. Não era de estranhar seu mau humor, pensou ela, mas logo se repreendeu por dar ouvidos a boatos e tagarelices.

Os homens cresciam. Jovens gentis e sorridentes, transformavam-se em lordes austeros e solenes. Era um fato triste da vida que a doce alegria da juventude se desvanecia. Ela fora uma criança feliz, protegida e abençoadamente inocente. O tempo e o entendimento haviam roubado essa ignorância jubilosa. A mãe não havia conseguido emudecer todos os boatos desagradáveis sobre as mulheres Keith ou deter os rompantes de medo e raiva contra elas. Rose entendia os receios das pessoas, pois ela própria os sentia, de vez em quando, mas jamais conseguiria entender por que seu medo as tornava cruéis.

Acomodou as tortas com cuidado no cesto e rezou para que o lorde fosse uma daquelas raras pessoas que nada sentiam ao comer o alimento preparado por ela. Ou que aceitasse o apaziguamento ou o levantamento de seu espírito como apenas o resultado de ter ingerido algo delicioso. Rose já tinha problemas suficientes em sua vida e a última coisa de que precisava era que o novo lorde a considerasse com suspeita ou medo.

— Bem, jovens, desejem-me sorte — falou ela enquanto vestia a capa. Rose abanou a cabeça quando apenas dois dos quatro gatos escarrapachados

pela cozinha se dignaram a olhar para ela. Era muito triste, refletiu, enquanto pegava o

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cesto e se encaminhava para a porta, que uma mulher de apenas vinte e um anos falasse com gatos. Ainda mais triste era o fato de que, desde a morte da mãe, ela raramente tinha alguém mais com quem conversar.

— Psiu! Rose! Então refletiu que, às vezes, era preferível conversar com gatos do que com certas

pessoas. Ralhou com ela própria por ser indelicada e sorriu para a menina que tropeçou à sua frente, saindo da moita de arbustos emaranhados atrás da qual estivera se escondendo. Meg estava na idade estranha em que não era mais uma criança, mas tampouco mulher. E o pior era que ela tinha uma mente vivaz que não estava sendo cuidada. Infelizmente, essa mente se havia fixado em Rose, em sua família e em seu jardim.

— Receio não poder receber visitas agora, Meg — disse Rose, quase sorrindo pelo jeito como a menina costumava afastar o cabelo escuro e espesso do rosto. — Preciso ir ao castelo.

— Já sabia — contou Meg começando a acompanhar Rose. — O lorde quer ver você e testar seu alimento.

— Como soube disso? — Rose franziu a testa de leve. — Está sendo comentado em toda a aldeia. — Oh! — Sim. Parece que o velho lorde escrevia um diário. Achava que ia ajudar seu filho

a se estabelecer como lorde se mantivesse registros claros de tudo o que era dito e feito no castelo, na aldeia e em todas as terras de Duncairn.

— E o velho lorde escreveu sobre Rose Cottage, as mulheres Keith e o jardim. — Fez isso. E elogiou suas tortas de maçã — explicou Meg. — Bem, é muito simpático, mas eu preferia que ele não tivesse feito isso. — Por quê? O jovem lorde viveu aqui quase vinte anos de sua vida. Acho que já

tinha ouvido falar sobre tudo isso. — Verdade. — Rose suspirou. — Entretanto, talvez ele tenha esquecido. — Hum, mesmo se tivesse esquecido, logo ia ser informado de tudo. — Meg

abanou a cabeça, depois precisou afastar o cabelo do rosto fino outra vez. — É verdade, a sra. Kerr já se queixou, como costuma fazer.

— Ela já foi visitar o novo lorde? — Tão depressa quanto possível. Você sabe, o lorde chegou há quinze dias. Ela

arrastou a pobre Anne para o castelo antes da poeira de seu cavalo se assentar. Ele não tem esposa, tem?

Estava ficando cada vez pior, pensou Rose desconfiada, ao avistar as muralhas sólidas de Duncairn. Joan Kerr a detestava como havia detestado sua mãe e era a voz mais constante e maldosa contra as mulheres Keith. Ela havia desposado um Kerr, mas voltara para casa depois de enviuvar. A mãe de Rose gracejava com freqüência que, provavelmente, os Kerrs comemoraram quando a mulher havia partido. Joan era prima distante do velho lorde e se aproveitava dessa conexão muito mais do que poderia esperar, considerando quantos outros do clã podiam reivindicar o mesmo. Por alguma razão, Joan havia sempre desgostado das mulheres Keith. Rose sentia que a mãe conhecera a razão para essa animosidade, mas nunca havia compartilhado tal informação.

— Seria um bom casamento — murmurou ela, sem entender por que o pensamento do novo lorde com Anne a irritava. — Apesar da mãe, Anne é uma moça delicada.

— Demasiado delicada — comentou Meg. — Acho que o lorde a aterrorizou. A sra. Kerr ralhou muito com ela quando foram para casa. A mãe a chamou de ratinha tímida. Anne ficou na sombra e, as poucas vezes em que falou ao lorde, foi num sussurro estremecido.

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— Você ouviu por um bom tempo, não foi? — Elas quase me pegaram uma ou duas vezes — contou Meg, sem revelar

nenhum remorso. — O lorde fez algo em particular para ameaçar Anne? — Não, elas não mencionaram nada. — Meg franziu a testa e levantou de leve o

queixo. — A mãe não parava de se queixar sobre filhas ingratas e tudo o que Anne conseguiu dizer foi que ele era demasiado grande, moreno e fogoso.

— Fogoso? — repetiu Rose diminuindo o passo ainda mais ao se aproximar dos portões elevados de Duncairn.

— Oh, bem, não prestei muita atenção a isso. Anne é delicada, como você diz, mas também é uma covarde. Basta um coelhinho mostrar seus dentes e ela desmaia.

Rose olhou para o lado para esconder a risada. Não era correto ouvir a tagarelice de Meg, mas não conseguia resistir à tentação. Também era, infelizmente, a única oportunidade para ela se inteirar do que estava acontecendo com aqueles que cruzavam seu caminho.

— Começo a compreender a pobre Anne — murmurou ela, parando na frente dos portões.

— Não, você é muito mais corajosa — garantiu Meg. — Anne nunca conseguiria viver sozinha, embora eu suspeite que, às vezes, ela sonhe com isso.

Desta vez Rose não conseguiu reprimir um sorriso. — Meg, como você é maldosa. — Mas ela logo ficou séria e suspirou ao olhar,

através dos portões, para as espessas muralhas do castelo. — Não me sinto muito corajosa neste momento. — Ela olhou para a cesta de tortas que estava segurando. — Não entendo por que o lorde quer minhas tortas de maçã. Será que deseja descobrir se são tão deliciosas quanto seu pai achava? Ou está procurando uma prova de que sou uma bruxa e devo ser expulsa de Duncairn?

— Chega, você está pensando demais nisso. — Meg foi para trás de Rose e a empurrou com delicadeza até ela atravessar os portões. — Pelo menos, você pode fugir e se esconder, não é? Melhor acabar com isso. E o alimento que você prepara não torna as pessoas felizes e as deixa à vontade, transformando carrancas em sorrisos atraentes? Um lorde calmo, sorridente não vai querer enforcá-la nas ameias das muralhas.

— Obrigada. — Rose livrou-se da mão de Meg, que continuava a empurrá-la, e se virou zangada. — Eu estava me recuperando muito bem até você dizer isso.

— Ah, bom, você chegou, Rose — disse um jovem magricela chamado Donald, correndo na direção da moça.

— Ai, aqui está ela — falou Meg. — Você é tão inteligente por descobri-la aqui no pátio.

— Este ninho de cabelo de rato pendurado na ponta de uma vara não foi convidado. Vá para casa, criança — disse Donald fitando Meg.

Quando a mocinha devolveu o insulto com outro impressionante, Rose suspirou. A diferença de idade entre Donald e Meg era de apenas quatro anos, mas os dois estavam sempre brigando ou se insultando. Sua mãe achava graça no par, até comentava que eles praticavam uma dança de acasalamento. Flora Keith sempre havia revelado grande habilidade em julgar esse tipo de pares, mas Rose às vezes se perguntava se os dois sobreviveriam às confrontações.

Respirando fundo, Rose endireitou os ombros e caminhou para o castelo. Donald e Meg não necessitavam de outros para assistirem à sua estranha forma de se fazerem a corte. Meg estava certa ao aconselhar que o confronto com o lorde fosse logo terminado. Antecipar, pensar em tudo o que podia dar errado só a fazia ficar agitada. Rose estava tentada a comer uma de suas próprias tortas, porém não o fez. Seu estado mental agitado podia ser desconfortável, mas a mantinha alerta. Isso era mais importante do que saudar o novo lorde com um coração calmo e um sorriso agradável.

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Ela parou na porta do grande salão para observar os dois homens sentados à mesa principal. Com seus longos cabelos grisalhos, Robert, o superintendente, era fácil de reconhecer. Rose desviou sua atenção, com cautela, para o novo lorde, sir Adair Dundas.

Os longos cabelos negros, os olhos cinza-escuros e a pele morena revelavam que o homem ao lado de Robert devia ser o novo lorde. Um olhar mais de perto revelou os traços do velho lorde na linha firme da mandíbula de Adair e de seu nariz longo e elegante. Lutar pela França havia desenvolvido os músculos que o rapaz de dezenove anos não tivera, embora as formas esguias, quase graciosas do corpo alto ainda fossem claras. Entretanto, pouco restava do menino que ela havia conhecido. Não havia nenhum vestígio de sorriso na boca bem formada, nenhum sinal de suavidade em seus traços finamente esculpidos. A França e suas guerras haviam levado o rapaz que ela havia conhecido e enviado de volta um estranho.

— Miss Keith! — exclamou Robert ao percebê-la. — Venha, sente-se — convidou ele, levantando-se, junto com seu senhor. — Lembra-se de sir Adair?

— Sim, milorde — murmurou ela e fez uma reverência. — Onde está Donald? — perguntou sir Adair. — Eu o enviei para encontrá-la junto

aos portões. — Meg veio comigo, lorde. — Oh, céus. — Robert franziu a testa, tentando decidir se devia sair e salvar seu

filho, enquanto os três se sentavam. — Meg? — perguntou sir Adair intrigado. — A filha do Coxo Jamie? — Sim — confirmou Robert. — Ela e meu filho esquecem de tudo quando se

encontram e começam a trocar insultos. — Ele sorriu furtivamente para Rose. — Sei que sua mãe dizia que eles vão se casar, mas imagino se sobreviverão um ao outro o tempo suficiente para perceber essa possibilidade.

— Também tenho a mesma dúvida. De fato, estava ponderando sobre esse enigma quando os deixei gritando insultos um ao outro. Rose colocou a cesta sobre a mesa. — Parece mais uma batalha do que uma corte.

Enquanto Robert e Rose conversavam, Adair observava a mulher que fora uma criança magricela e desalinhada quando a avistara pela última vez. Seus seios fartos, a cintura fina e os quadris levemente arredondados a declaravam uma mulher crescida, mas ele ainda percebia a menina meiga e divertida no rosto delicado em forma de coração. Seu cabelo brilhante havia escurecido para um tom de cobre vivo e caía atrás das costas, até a cintura, em ondas tentadoras. A maioria das sardas havia sumido da pele, deixando apenas uma trilha esparsa sobre o pequeno nariz e as faces macias. Cílios escuros espessos e sobrancelhas levemente arqueadas realçavam seus belos e grandes olhos verdes. A boca cheia estava curvada num sorriso enquanto ela e Robert comentavam sobre o estranho comportamento dos dois jovens que estavam no pátio. Ele sentiu um leve aperto em seu corpo e não ficou surpreso por desejá-la.

Entretanto, faltava algo e ele levou um momento para perceber o que era. A criança que ele havia conhecido fora um espírito alegre, sempre pronta para sorrir ou dar risada. Essa alegria havia esmaecido e isso lhe causava pesar, embora desconhecesse a razão de tal coisa ter acontecido. Na verdade, a alegria e a capacidade de rir que Rose possuíra haviam sido postas de lado junto com sua infância. Haviam nascido da ignorância e da inocência cega. Em algum momento, durante os anos em que ele estivera afastado, Rose havia finalmente visto o mundo como na verdade era, um lugar de grande miséria, dor e tristeza.

No íntimo ele se amaldiçoou ao perceber que o bom senso não havia banido seu desapontamento. Adair havia mantido a esperança de que Rose ainda possuísse o dom de fazê-lo sorrir como acontecia quando criança. Sempre que pensava em Duncairn, lembrava-se dela sorridente e feliz. Já era mais do que tempo de enterrar essa memória

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insensata. — Soube da morte de sua mãe e lamento muito — disse ele, quando Rose o fitou.

Depois, se repreendeu por essa tentativa desalentadora de conversa. — Obrigada, lorde — agradeceu ela. — Ainda sinto muita falta de minha mãe. — Sim. Meu pai me escreveu sobre sua morte exprimindo grande tristeza. — Ele sempre foi muito bondoso conosco e sua falta também é muito lamentada. — Meu pai costumava falar sobre as habilidades culinárias suas e de sua mãe.

Apreciava muito as tortas de maçã — comentou Adair tocando a cesta. Rose esboçou um gesto para pegar a taça de vinho que Robert havia enchido para

ela e percebeu que suas mãos tremiam. Depressa, as entrelaçou apertadas sobre o regaço. Adair tinha uma bela voz, profunda e levemente rouca. Sua imaginação vivida a fazia vê-lo condenando-a como bruxa e ela sentiu um calafrio. Tentou encontrar conforto no fato de que Robert estava à vontade. Certamente ele não agiria desse modo se ela estivesse, de algum modo, em julgamento.

— Quando seu pai as saboreava, no rigor do inverno, comentava que eram um toque da primavera — contou ela.

— Meu pai também dizia que as tortas o reconfortavam e levantavam seu ânimo, livrando-o de uma disposição sombria. Falava com tanta freqüência sobre elas, que senti vontade de verificar por mim mesmo. Espero que meu pedido não a tenha incomodado.

— Não, milorde. — Rose conseguiu sorrir. Quando ele puxou a cesta para mais perto, Rose tentou manter uma aparência

calma. O menino que havia conhecido jamais seria uma ameaça para ela, mas aquele menino se fora. Rose ficou um pouco surpresa por se sentir tão atraída por esse homem moreno, mas isso não significava que estivesse em segurança. A mãe lhe havia ensinado que desejar e até amar podiam anuviar o pensamento e embotar os instintos de uma pessoa. Quando ele escolheu uma torta e a aproximou da boca, ela rezou para que, se o alimento provocasse algum efeito, apenas trouxesse vida ao espírito daquele jovem homem que uma vez conhecera.

Doce e cítrica, Adair pensou ao mastigar a torta de maçã. A mistura era perfeita. Até a textura do alimento era impecável. Era estranho que algo tão simples pudesse provocar tanto deleite na boca. Adair pegou outro pedaço.

Devagar, ele relaxou na cadeira. Sentiu-se atravessado por uma onda de calor suave, relaxando a tensão muscular que sempre o afligia, inclusive durante o sono. Embora sempre tivesse pensado em Duncairn como lar, pela primeira vez, em muito tempo, sentia-se bem acolhido. Olhou para Rose, percebeu sua palidez e as mãos apertadas no colo e sentiu uma vontade premente de tomá-la nos braços. Adair queria beijá-la e afastar o medo estampado em seu rosto.

Pegou sua caneca de estanho e tomou um grande gole de cerveja escura. Não foi o suficiente para banir aqueles desejos. Seu pai dizia que o alimento feito pelas mulheres Keith produzia sensação de conforto e era exatamente o que ele estava sentindo. A sensação era a mesma que o invadia quando sua falecida mãe afagava-lhe a testa e o beijava na face. Ele devia sentir-se alarmado com isso, mas não estava. Se fosse obra de bruxaria, como suspeitava a sra. Kerr, com certeza era de algum tipo benigno.

Se a pequena Rose preparava um alimento que trazia conforto a um homem que há muito tempo desconhecia essa sensação, de quais outros estratagemas seria ela capaz? Observpu o rosto encantador da moça e sentiu-se culpado por suas suspeitas. Não havia maldade em Rose, nenhuma sombra escura. Na pior das hipóteses, era mal-orientada.

— O doce é muito bom — elogiou ele afinal, resistindo ao impulso de comer outro pedaço. Vou guardar o resto para mais tarde.

— Como quiser, milorde — murmurou ela. — Você mesma cultiva as maçãs?

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— Sim. Rose Cottage tem um jardim encantador. Ela se amaldiçoou por suas palavras. A última coisa que desejava era atrair a

atenção para seu jardim. As pessoas que lançavam um olhar temeroso e supersticioso sobre Rose Cottage, concentravam-se, sobretudo, nas mulheres Keith. Raramente o olhar se voltava apenas para o jardim. Rose preferia dessa maneira. O jardim não era apenas sua herança, mas era muito mais vulnerável do que ela própria. Poderia ser atingido e danificado pela raiva e o medo das pessoas.

— A sra. Kerr falou sobre seu jardim quando esteve aqui. — Ela fez isso? — Desta vez Rose sentiu-se grata pela indignação que sempre

sentia por aquela mulher, pois esse sentimento enfraquecia o medo. — Acho que ela o invadiu uma ou duas vezes. — Com uma tocha na mão, acrescentou Rose em silêncio.

Adair percebeu o tom de ira na voz da jovem e notou que suas mãos não tremiam mais quando ela pegou sua taça e tomou um gole de vinho. A sra. Kerr havia feito diversas observações disparatadas sobre Rose Keith durante suas visitas. Fizera algumas acusações nada sutis. Seu pai havia escrito sobre a longa animosidade da viúva Kerr contra as mulheres Keith, de Rose Cottage, mas nada relatara sobre a causa da mesma. Estava claro, pela reação de Rose à menção do nome da mulher que o ressentimento ainda era vivo e forte.

— Venha, vou acompanhá-la a sua casa — ofereceu ele, levantando-se. — Não é necessário, lorde. No momento em que ele pegou sua mão para ajudá-la a se levantar, Rose

percebeu que o fato de sir Adair andar com ela até sua casa era não apenas desnecessário como acabaria sendo desastroso. A pontada de atração que ela sentira ao olhá-lo aumentou dez vezes ao toque de sua mão. Surpreendida pelos sentimentos que a invadiam, Rose permitiu, resignadamente, que Adair a levasse embora.

A mãe a havia alertado a respeito de tais sentimentos. Flora Keith não acreditava que moças solteiras deviam ser mantidas na ignorância sobre os assuntos relacionados ao desejo. Rose tinha consciência de desejar sir Adair e de que sua antiga afeição pelo jovem que ele fora havia perdurado em seu coração e estava ameaçando se transformar em algo mais. Ela não podia permitir isso. Sir Adair era seu lorde, um homem tão distante de seu alcance que a simples idéia de uma aproximação maior era risível.

— As mulheres Keith estão em Rose Cottage há muito tempo, não é? — perguntou sir Adair, dizendo a si próprio que não havia nada de errado em sentir tanta curiosidade sobre Rose, pois ela vivia em suas terras e era uma das pessoas que ele havia jurado proteger.

— Sim, desde que um lorde da região pertencente à família Dundas reivindicou estas terras — confirmou ela. Sentia que devia soltar a mão, mas resolveu permitir-se essa pequena e inofensiva gratificação. — Segundo as narrativas, a primeira mulher Keith estava fugindo de um homem e procurou abrigo num pequeno arvoredo — continuou ela a explicar. — O lorde de Duncairn sentiu-se tocado por seus problemas, ofereceu-lhe refugio e disse-lhe que poderia construir seu lar em suas terras. Ela construiu Rose Cottage com a ajuda de alguns homens a serviço do lorde e começou o jardim. Desde então, as mulheres Keith têm vivido aqui. Sempre conservavam o nome Keith, mesmo quando se casavam. A família cresceu o suficiente após isso, de modo que, se uma mulher Keith se casava, outra mulher Keith vinha cuidar do jardim.

— Sua mãe permaneceu uma Keith. — Sim, ela se casou com um homem dessa família. Meu pai morreu quando eu era

muito pequena e não me lembro dele. — E quando as mulheres se tornaram tão famosas por seu alimento? — Acho que isso aconteceu quando o jardim, pela primeira vez, deu-nos

ingredientes em quantidade suficiente para cozinharmos. — Ela suspirou. — Minha mãe nunca me contou a razão de tudo isso. Acho que ela pretendia, mas a febre a levou muito

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depressa. Ficou doente e morreu sem ter tempo para cuidar de assuntos que foram deixados inacabados. Ainda preciso me ocupar de seus escritos. A narrativa pode estar relatada neles.

— Você sabe ler e escrever? — Sei. Há muito tempo as mulheres Keith têm se dedicado a curar. Consideravam

prudente guardar anotações sobre ervas e poções. Quando se experimentava algo novo, isso era logo anotado, bem como o sucesso ou o fracasso. — Ao se aproximarem de seu chalé, ela livrou a mão. — Obrigada, lorde. — Foi muito gentil acompanhar-me até em casa.

Adair tentou ignorar a sensação de perda que o invadiu quando ela soltou a mão. — Imagino que agora esteja escuro demais para ver o jardim. — Oh, sim. Só aparecem sombras. — Ela abriu a porta de seu chalé e fez uma

careta quando os quatro gatos saíram e se enrascaram ao redor de suas pernas. — Quatro gatos? — Logo depois que minha mãe morreu, alguém deixou um cesto com quatro

gatinhos à minha porta. Seu pai negou, mas tenho certeza de que foi ele. Há três machos e uma fêmea.

— Não é demais para você? — Ele se inclinou para afagar, atrás das orelhas, um grande macho de cor amarela avermelhada e quase sorriu ao ouvir o profundo ronronar do animal.

— Tenho uma gaiola pequena, mas muito confortável, onde tranco a fêmea quando está no cio. — Ela pegou uma gata cinzenta muito lustrosa. — Lady aceita seu afastamento ocasional. Já teve uma ninhada, que distribuí aos aldeões. — Rose franziu a testa ao fitar o gato maior. — Pequenino já derrubou a porta. Agora a gaiola tem uma entrada mais forte. — Olhando outra vez para Adair, ela percebeu o esboço de um sorriso curvando seus lábios.

— Pequenino, você chama esse monstro de Pequenino? — Bem, ele era uma coisinha minúscula quando o ganhei. O amarelo avermelhado

se chama Resmungão, pois sempre arreganha os dentes e o listado de cinza é Preguiçoso, pois é o que ele ainda é.

— Vivendo sozinha, você deveria ter algo mais do que gatos para protegê-la. — Bem, Geordie, o filho do ferreiro, descobriu que eles são um obstáculo feroz, ao

tentar entrar aqui, furtivamente, uma noite. É claro que não podia contar a outros ter sido expulso por quatro gatos e a mentira que propagou provocou-me inúmeros problemas durante algum tempo.

A viúva Kerr havia chamado os gatos de Rose de demônios disfarçados. Adair suspeitava que as mentiras de Geordie haviam alimentado essa tolice. Muitas pessoas temiam gatos. Até aquelas que os tinham para controlar os ratos, com freqüência, sentiam-se pouco à vontade perto dos animais. Ele tinha certeza de que os boatos sobre Rose apenas haviam reforçado as maledicências murmuradas sobre seus bichinhos de estimação.

Adair sentia-se inseguro em relação a tudo o que fosse relacionado a mágica. Na maioria das vezes não acreditava. Nas raras ocasiões em que se percebia imaginando se ela existia de fato, a idéia não lhe agradava. Rose não fizera menção ao assunto e ele esperava que ela tampouco acreditasse nisso.

Ele decidiu que seria necessário passar algum tempo com Rose para descobrir a verdade, ignorando a voz interior que desprezava essa fraca desculpa. O pai escrevera sobre mágica e as dificuldades que causara às mulheres Keith. Os problemas de Rose estavam sendo fermentados pela viúva Kerr, como ocorrera antes com a mãe, e também por outros, como Geordie, o filho do ferreiro, que desejava desviar os olhos críticos da própria tentativa vergonhosa de atacar Rose. Ele não ia permitir essa tolice supersticiosa em suas terras.

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Ao voltar a atenção para Rose, ela e os quatro gatos o fitavam, as cabeças inclinadas no mesmo ângulo. Era fácil imaginar como esse tipo de coisas podia provocar superstição no ignorante. Adair achou isso encantador e divertido. No momento, não era difícil entrever a criança alegre que ele uma vez conhecera. Passou os nós dos dedos na face macia da jovem.

— Talvez você não tenha mudado tanto como pensei — murmurou ele. — Boa noite, Rose.

Ela o observou afastar-se. Com um leve tremor na mão, tocou o lugar ainda cálido na face. Fora uma carícia tão suave e, no entanto, ela a sentira descer até os dedos dos pés. Adair representava, definitivamente, uma ameaça.

— Robert, alguém andou comendo as tortas? — perguntou Adair ao superintendente.

Ao voltar ao grande salão, ele se acomodou confortavelmente em sua cadeira e serviu-se de cerveja. Havia colocado o cesto de Rose a sua frente, pretendendo saborear o doce. Embora tivesse ficado muito distraído por ela, tinha certeza de que restavam oito tortas quando saíra.para acompanhá-la a sua casa. Havia apenas seis agora. Ele as contou outra vez, para se certificar, depois olhou para Robert que estava enrubescendo.

— Comi uma, milorde — confessou Robert. — Seu pai sempre me permitiu comer uma e acho que me servi por força do hábito.

— Ah, e depois você ficou tentado a comer mais uma. Compreendo. Elas são mesmo muito tentadoras.

— Sim, elas são, mas só comi uma. Meu filho comeu outra antes que eu pudesse impedi-lo. Ele estava agitado depois de confrontar Meg e, enquanto se indignava e vociferava, pegou uma torta e a comeu. Eu o repreendi com severidade, milorde, e ele sente muito. No entanto, ajudou a acalmá-lo.

— É claro que sim. Nenhum problema — murmurou Adair franzindo a testa ao fitar a torta que segurava na mão. — Elas são muito saborosas. Rose é uma excelente cozinheira.

— Tanto quanto a mãe, lorde. — Você acha que há algum tipo de mágica em seu alimento ou em seu jardim? — Não desejo usar a palavra mágica — Robert fez uma careta. — É uma palavra

que pode provocar muita agitação e falatório sobre demônios. Acredito que as mulheres Keith têm verdadeira habilidade para cozinhar alimentos que agradam tanto ao paladar quanto ao coração. Acho que elas agiram com sabedoria quando escolheram sua terra, selecionando um lugar de solo rico e água abundante, que realça o sabor do que cultivam.

— Bem falado. No entanto, ainda vou dar uma boa olhada naquele jardim. — Suspeita de mágica ou, bem, de bruxaria? — Robert sussurrou a última palavra

como se o simples fato de pronunciá-la lhe provocasse medo. — De modo geral, não acredito em nenhuma dessas duas coisas. Entretanto,

muitos outros o fazem e a viúva Kerr está determinada a provocar esse tido de suspeita. Se eu der uma boa olhada naquele jardim, estarei em condições de inverter o medo e a superstição mediante fatos claros. Preferia dizer à viúva para calar sua boca e parar com suas mentiras.

— Seria mais fácil fazer o vento parar de soprar ou o rio parar de correr — murmurou Robert.

— Com muita probabilidade — replicou Adair, levemente divertido com o súbito arroubo do tolerante Robert. — Entretanto, o jogo que ela pratica é perigoso. Poderia levar a pobre Rose a ser machucada ou morta. Vou tentar enfraquecer o poder de seu veneno, mas, se eu não conseguir, farei que ele cesse. Não vou tolerar esse tipo de idiotice em Duncairn.

Palavras corajosas, refletiu ele, mais tarde, ao se deitar, depois de ter saboreado a

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última das tortas de maçã. Superstição e medo eram inimigos difíceis de se combater. Especialmente quando Rose cozinhava coisas deliciosas como essas tortas, pensou, ao desfrutar a sensação de paz e bem-estar que o invadia. Qualquer tolo sabia que um alimento, não importava o quão delicioso fosse, não devia produzir tal efeito sobre o humor de ninguém. Adair ainda resistia a usar o termo "mágica", mas ele precisava reconhecer que esse fato era incomum. Se não estivesse se sentindo tão contente, tal reação, ao comer uma torta de maçã, poderia deixá-lo pouco à vontade.

Cruzou os braços embaixo da cabeça, fechou os olhos e não se surpreendeu quando visões de Rose Keith povoaram sua mente. Ela havia se tornado uma mulher bela e encantadora. Ele a havia desejado de imediato e sabia que um longo celibato nada tinha a ver com isso. Havia algo em Rose que o provocava de um número maior de modos do que ele conseguiria contar. Queria arrebatá-la, do mesmo modo como queria protegê-la de todas as palavras ásperas. Queria que ela negasse qualquer mancha de mágica, no entanto, achava intrigante o mistério que a cercava e a seu jardim. Só pensar nela lhe dava vontade de sorrir e, entretanto, fazia muito tempo que não via ou sentia algo que valesse a pena fazê-lo sorrir.

Apesar de sua confusão, ver Rose, em seus sonhos, era preferível àquilo que costumava assombrá-lo. Adair suspeitava que esta noite não ia ser acometido por sonhos sombrios. As memórias dolorosas e o pesar que o dominavam há tanto tempo ainda estavam presentes, mas sem tanta insistência, sem serem avassaladores. Ele havia perdido vários amigos, jovens corajosos que haviam partido para a França em busca de glória e fortuna e só haviam encontrado a dor e a morte. Embora ele tivesse ganhado alguma riqueza, esta nunca lhe compraria de volta o tempo que perdera junto a sua família, todos os seus membros mortos agora.

A dor em seu coração ainda lhe pesava, mas somente um pouco. Era como se alguma mão invisível houvesse refreado aquele demônio. Pensou, pela milésima vez, que seu próprio orgulho e arrogância o haviam mantido na França, que deveria ter visto com mais clareza como o tempo estava passando. Uma voz suave, em sua cabeça, alertou-o de que a verdadeira arrogância consistia em pensar que podia prever a vontade de Deus. Culpa, outro demônio contra o qual havia longamente lutado, se manifestou antes de ser afinal subjugada.

Memórias sinistras, sangrentas, de batalha e captura, ainda estavam presentes. Ele podia ver suas sombras como pesadelos, movendo-se furtivos em sua mente, ansiosos por deixar cicatrizes nos sonhos e perturbar-lhe o sono. Mas elas não aumentaram, como sempre ocorrera antes. Ficaram no passado, como uma voz abrandada, que soava muito semelhante à da mãe falecida.

Isso era um pouco alarmante, porém, ele não se sentia alarmado. Tinha a sensação de conforto. Adair quase experimentava o toque da mãe, seu beijo suave e a ouvia dizer, Ai, meu jovenzinho esplêndido, foi um período triste, carregado de pesar e dor, mas está no passado. Você está vivo, está em casa e encontrou uma jovem atraente. Deixe essas verdades encherem seu coração e sua mente, meu jovem. Adormeça.

Uma jovem atraente, capaz de preparar tortas de maçã que o faziam ouvir a voz de sua mãe, pensou ele, sem conseguir reunir força ou vontade para ficar perturbado por isso. Decidiu que podia cortejar Rose. Já estava na hora de se casar e gerar um herdeiro. Rose era a primeira mulher que provocara essa idéia em sua mente.

Por um breve momento, temeu que tudo isso fosse resultado das tortas de maçã, mas apenas por um breve momento. Adair sentia que os sentimentos provocados por Rose eram causados por Rose e apenas por Rose. Provavelmente, a semente fora plantada anos atrás pela criança afetuosa que ela fora. Ele a teria para si próprio, mas primeiro a faria afastar-se de toda aquela insensatez perigosa sobre mágica.

Ao ser invadido pelo sono, Adair imaginou ouvir a voz da mãe outra vez. Estava ralhando com ele por pensar que podia aceitar apenas uma parte quando a felicidade

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verdadeira e o prêmio que buscava só lhe viriam quando aceitasse o conjunto. Adair estava demasiado cansado para compreender o que isso significava.

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Capítulo II Você não vai se livrar, usando seus estratagemas de feiticeira com o lorde. Rose

suspirou, depois respirou fundo, várias vezes, para tentar controlar a raiva. A voz da sra. Kerr bastava para provocar esse sentimento. Após anos suportando o veneno da mulher, não lhe restava mais paciência. Entretanto, precisava tomar cuidado. Cada palavra que ela dizia precisava ser pesada com atenção ou poderia retornar para assombrá-la. Não era justo, mas Rose precisava se manter calma e cortês. Era culpa sua precisar agüentar essa confrontação. Estivera muito absorta em seus pensamentos sobre sir Adair e, por isso, sem dúvida, havia perdido diversas oportunidades para evitar o encontro irritante.

— Perdão, senhora? — perguntou ela em voz educada ao se virar para enfrentar a mulher.

— Você me ouviu. — A sra. Kerr cruzou os braços e fitou Rose com uma expressão zangada no olhar. — O homem mal aqueceu o lugar do lorde e você já está se exibindo lá com sua comida amaldiçoada. E então você enfeitiçou o jovem fazendo-o segui-la até sua casa.

— Você faz nosso lorde parecer um cachorrinho perdido. E posso lhe perguntar como sabe que ele me acompanhou até em casa?

— Geordie viu vocês dois caminhando de mãos dadas. Você já deve tê-lo atraído para sua cama.

— Está insultando o lorde e a mim. Nosso lorde é um cavaleiro galante e não gostou da idéia de eu caminhar para casa sozinha. Como Geordie estava, obviamente, espreitando no bosque, outra vez, fica claro que a proteção era necessária.

— Se você não tivesse enfeitiçado o pobre jovem, ele não a incomodaria. — Mãe — sussurrou Anne, exprimindo choque e condenação em sua voz. Rose olhou para Anne, que estava em pé, atrás da mãe. Ficou um pouco

embaraçada por não ter percebido, até esse momento, a presença da moça. Depois disse, a si própria, que não tinha razão para se sentir culpada. Anne havia desenvolvido uma grande habilidade para se esconder sempre que a mãe estava próxima. O fato de Anne conseguir fazer isso a poucos passos da mulher era surpreendente. Também era um pouco triste.

— Geordie não está enfeitiçado — disse Rose, surpresa por falar com calma e mostrar-se razoável, pois estava furiosa. — Ele é um mau caráter, que encara uma jovem sozinha como presa fácil. Acho que ele é quem merece ser muito mais vigiado do que eu.

— Oh, sim, você bem que gostaria que eu parasse de observá-la — rebateu a sra. Kerr. — Isso a deixaria livre para envolver o lorde numa cilada.

— Lorde Adair sobreviveu a dez anos de lutas na França. Não acho que seja possível ele ser dobrado por uma jovem minúscula de cabelos ruivos.

— Preste atenção, Rose Keith. Pretendo que minha Anne se torne esposa do lorde.

— Não quero isso — protestou Anne, afastando-se alguns passos da mãe. — Fique quieta, sua boba — repreendeu a sra. Kerr. — Vai fazer o que lhe for

mandado. E pode começar a parar de bajular o tolo do Coxo Jamie. — O lorde também não quer se casar comigo. A sra. Kerr ignorou a filha e voltou a atenção a Rose. — Estou falando a sério, Rose Keith. Tenho planos para o lorde e ficarei muito

zangada se você interferir neles. Rose observou a sra. Kerr ir embora, Anne andando alguns passos atrás. Como a

sra. Kerr estava sempre zangada com ela, Rose não fazia idéia de como essa interferência poderia mudar alguma coisa. Suspirou e começou a sair da aldeia e a andar para casa. Mesmo que fugisse para um convento no dia seguinte, se a sra. Kerr não

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conseguisse que a filha desposasse o lorde, Rose sabia que seria censurada pela mulher do mesmo jeito. Deveria levar muito a sério as ameaças, mas era um lindo dia ensolarado e não pretendia estragá-lo com pensamentos sombrios e desagradáveis sobre o que poderia acontecer.

Em vez disso, se concentrou no que a sra. Kerr havia deixado escapar sobre a filha. Anne queria o Coxo Jamie, o pai de Meg. Rose fez uma careta, pois não lhe agradava o adjetivo que haviam acrescentado ao nome do homem. Ele só apresentava uma leve hesitação no andar, devido a uma perna quebrada que não fora curada corretamente. Por azar, havia, ao redor de Duncairn, meia dúzia de homens que se chamavam Jamie. Por isso as pessoas haviam atribuído um apelido a cada um e o pai de Meg não se importava com isso.

Ela franziu a testa ao refletir sobre quais eram as objeções da sra. Kerr em relação ao Coxo Jamie. Este tinha apenas trinta anos, era viúvo, possuía um belo chalé e apenas uma filha. Não era rico, mas estava longe de ser pobre. E, à diferença da precária alegação de parentesco da sra. Kerr com o velho lorde, o Coxo Jamie era primo em segundo grau de sir Adair. Não era o lorde, é claro, pensou Rose, sentindo pena da pobre Anne. Esta era dois anos mais velha que Rose e, embora fosse livre para escolher o próprio marido, todos sabiam que lhe faltava coragem para se libertar das garras da mãe.

— Se eu fosse uma bruxa, faria uma poção para dar à pobre Anne um pouco de coragem. — murmurou Rose ao subir o caminho para seu chalé.

De repente, parou e apoiou o cesto no chão com cuidado. Precisou de um momento para compreender o que havia chamado sua atenção. A porta da frente estava um pouco aberta. Não era causa para preocupação, pois Pequenino era capaz de abrir a porta. Entretanto, ele só fazia isso quando algo do lado de fora chamava sua atenção. Ela tentou não se alarmar. O interesse de um gato podia ser provocado por uma folha caindo, mas, ainda assim, ela olhou ao redor com muita cautela. Geordie ainda andava atrás dela, espreitando escondido.

Seu coração disparou de medo quando viu que o portão para o jardim estava aberto. Pequenino não conseguiria fazer isso. Apenas mãos humanas poderiam abrir o pesado portão preso com corrente de ferro. Pegando um dos grandes porretes que guardava em diversos lugares estratégicos, Rose entrou furtiva no jardim. Foi só quando chegou perto das macieiras que viu quem era o intruso.

O lorde estava caminhando ao redor. De certo modo, podia fazer isso, pois ela estava nas terras Duncairn, apesar dos direitos hereditários concedidos às mulheres Keith. No entanto, ficou irritada por ele não ter esperado por um convite pessoal. Foi essa irritação que dominou sua vontade de rir pelo modo como seus gatos o seguiam, parando quando ele parava e observando quando ele observava. Entretanto, foi impossível refrear um sorriso, ainda que breve, quando ele se agachou para pegar um punhado de terra e os gatos o imitaram remexendo e fungando o chão.

Os anos de sir Adair como guerreiro se revelaram pela rapidez com que a ouviu se aproximar. Retesou o corpo e aproximou a mão da espada. Ergueu-se, esfregou a terra fora das mãos e inclinou a cabeça de leve, à guisa de saudação. Quando olhou para a mão de Rose, sorriu. Ela corou, percebendo que ainda segurava o porrete.

— Uma arma resistente — murmurou ele. — Pelo jeito como a segura deve saber usá-la.

— Sei — Ela apoiou o porrete numa macieira, dando uma palmadinha no tronco, como costumava fazer, pois a árvore fora plantada pela mãe quando ela nascera.

— Você tinha um porrete ao alcance da mão quando Geordie a atacou? — Sim, mas meus gatos o pegaram primeiro. — Eu não os deixei sair. — Ele olhou para os gatos no chão, ladeando-o. — Sei disso. Pequenino consegue abrir a porta. — Ela sorriu. — Faz isso quando

algo atrai seu interesse. Entretanto, sei que não consegue abrir o portão do jardim.

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— Ah. Vim aqui na esperança de você me mostrar o jardim tão comentado, mas como não apareceu depois de quase meia hora, decidi introduzir-me por conta própria. — Está muito bem organizado e o muro que o cerca é alto e resistente.

Ela concordou e começou a segui-lo quando ele recomeçou a caminhar. — Levou vários anos — contou Rose. — Uma parte foi feita pelas mulheres Keith,

outra por seus maridos e outra paga por alimento quando as colheitas na região eram insuficientes ou foram destruídas.

— E suas colheitas nunca sofreram nada disso? — Ele parou perto de amoras-pretas que cresciam junto ao muro e apanhou algumas maduras.

— Algumas vezes minhas colheitas foram prejudicadas, mas meu jardim é bem planejado, o muro o protege de ventos danosos bem como de intrusos e tenho bastante água. Não temos grandes campos e, ao longo dos anos, fizemos tudo o que conseguimos para preservar o que é cultivado aqui. Algumas pessoas adotam nossos métodos, quando seus próprios jardins são pequenos ou ficam numa área limitada por campos maiores, onde aram e plantam. Às vezes, o fato de nosso jardim ainda germinar enquanto outros malogram tem nos causado problemas. O que faz tudo florescer aqui se deve, sobretudo, a bom planejamento, tamanho adequado do terreno e água em abundância dentro dos muros.

— E como o que é plantado aqui produz uma sensação de conforto? — Adair mudou de lugar, de modo que Rose ficou entre ele e o tronco de uma macieira. — Eu gostaria de não fazer caso do efeito sobre as pessoas, mas não posso. Tampouco podem os outros. Sobre isso todos estão de acordo.

Essa era uma pergunta que Rose desejava, de coração, que ele não tivesse feito. O alimento que provinha de seu jardim provocava algo que outros alimentos não o faziam. A maioria das pessoas dizia que era uma sensação de conforto, de calma, até de paz. Sua mãe não havia, na verdade, explicado a razão disso. Flora Keith havia comentado sobre uma bênção de fadas e que, algum dia, em breve, ela contaria tudo a Rose. Tristemente, a morte roubara à mãe a chance de falar. Entretanto, sir Adair não era o tipo de homem que aceitaria uma narrativa sobre fadas.

— E apenas alimento bom, fruta madura e doce, legumes e grãos saborosos e fortes. Nada mais — explicou ela.

— No fundo sei que você acredita em algo mais. Pensa que há mágica neste jardim, como tantas outras pessoas acreditam.

— Você está imaginando muita coisa — murmurou ela. — Talvez necessite de mais trabalho para se ocupar.

Adair colocou uma amora na boca para esconder o sorriso que se formava em seus lábios. Saboreou a doçura que o invadia e continuava a aliviar as arestas agudas de suas memórias sombrias. Embora fosse impossível negar o efeito que sentia ao comer algo do jardim de Rose, não queria atribuir isso a mágica. Algo na água ou até no solo devia provocar isso. Era sua explicação preferida. Adair não cessaria de comer qualquer coisa que ela lhe permitisse, pois ansiava pela calma que o alimento lhe brindava e pela capacidade crescente de olhar para o passado com mais compreensão e aceitação.

— Neste momento, meu trabalho é descobrir por que o alimento deste jardim afeta o que as pessoas sentem — declarou ele, aproximando-se um pouco mais e colocando as mãos no tronco da árvore, de cada lado da cabeça de Rose.

— Por que isso é tão importante? É o que é. Faz o que faz. Não prejudica ninguém.

— Faz mal a você. — Não… — Faz mal a você. Causa falatório, é perigoso. Boatos sombrios de mágica e

bruxaria. — Nem todos pensam assim.

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— Agora não, mas ambos sabemos que, às vezes, tais boatos ganham força, excitam as pessoas e colocam as mulheres Keith em perigo. Quero que os rumores parem. Não me agrada a idéia de poder ser arrastado de minha cama, uma noite qualquer, porque alguns tolos ficaram apavorados e estejam decididos a exterminar o demônio em Rose Cottage. Desagrada-me, em particular, a idéia de que sejam muito grandes as chances de eu chegar aqui demasiado tarde.

Rose respirou fundo para se firmar e sentiu seus seios roçarem o amplo peito de Adair. Ele se havia aproximado muito e essa proximidade a impedia de pensar com clareza. Estava muito consciente de sua força, de seu tamanho e de sua própria atração por ele. Rose sabia que deveria se mover, que ele, provavelmente, não tentaria detê-la, mas faltava-lhe vontade para isso.

— Se vierem em meu encalço, farei o melhor possível para não permitir que o acordem — disse ela.

— Este não é um jogo, Rose. — Acha que não sei disso? Talvez melhor do que você? — Era estranho como ela

se sentia, ao mesmo tempo, tensa de embaraço e trêmula de prazer quando ele roçava sua face. — Não posso fazer os boatos pararem. Não posso refrear o medo e a superstição. Não passo de uma moça insignificante, que tenta ganhar a vida com o que cultiva em seu jardim e, de vez em quando, com o que cozinha. Não faço mal a ninguém e, na verdade, ajudei a muitos. Não há nada mais que eu possa fazer.

— Ah, jovem, isso não basta e nós sabemos. Você deve negar abertamente que haja mágica aqui. Deve mostrar às pessoas que há razões para seu alimento ter mais sabor e para seus jardins permanecerem florescentes, mesmo quando outros atravessam períodos de dificuldades.

Adair observou o rosto de Rose com atenção. Era evidente que ela não estava tentando nem negar nem admitir que havia alguma mágica em Rose Cottage. Ele queria a negação, mas começou a suspeitar que não ia conseguir. Isso o perturbou, pois ele também queria Rose.

Ele olhou a boca da jovem. De momento ia se dar um pouco do que queria. Todas as outras complicações poderiam ser deixadas para mais tarde. Adair quase sorriu quando a viu abrir os olhos, devagar, enquanto abaixava a boca na direção dela. Como ela não fizesse nenhuma tentativa para se mover, afastá-lo ou negar, ele considerou esse silêncio como sinal de aquiescência e a beijou.

Rose sentiu seus lábios surpreendentemente macios e quentes tocarem os dela e ficou encurralada pelo próprio desejo. O calor atravessava seu corpo, excitando uma impetuosa reação de acolhida. Uma minúscula parte sua ficou chocada quando ela envolveu os braços ao redor de seu pescoço, mas desapareceu, quando apartou os lábios e ele começou a explorar o interior de sua boca com a língua. Todo o corpo dela estremeceu pela força do deleite que estava sentindo. Isso era o que ela queria, o que necessitava, apesar de todos os seus instintos a alertarem contra aspirar tão alto. Ou contra almejar um homem que estava determinado a fazê-la negar a mágica que recebera como herança.

Esse pensamento deu-lhe força para se afastar, quando ele começou a beijar-lhe o pescoço. Ela o encarou, viu como a paixão havia obscurecido e excitado seu olhar e quase se atirou em seus braços outra vez. Respirando fundo, numa vã tentativa de se acalmar, endireitou as costas e o fitou honestamente. Apesar dela própria sentir confusão sobre mágica, se existia e, caso existisse, de onde provinha, tudo estava emaranhado com sua herança, com aquilo que ela era. Precisava se acautelar de um homem que desprezava tudo isso, desgostava disso e desejava que ela fizesse o mesmo.

— Foi uma imprudência — afirmou Rose, amaldiçoando, em silêncio, a rouquidão em sua voz.

— Sim? — Ele afagou-lhe a face e a sentiu tremer, mesmo quando ela se encostou

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outra vez à árvore, longe dele. — Você não me impediu. — Eu deveria ter impedido — disse bem alto. — Foi apenas um beijo. O mais doce que já experimentei e sei que vou ficar

ansiando por outro, mas foi apenas um beijo. Não representou uma grande mancha em sua honra.

— Sei disso, no entanto sou uma jovem que vive sozinha. Devo guardar minha honra com mais vigilância do que qualquer outra donzela. Como não tenho um guardião, se alguém souber que você me beijou, vão logo presumir que há muito mais entre nós. Não posso me permitir esse tipo de boato. Ele a deixou livre com relutância.

— É estranho que você guarde sua reputação com tanta firmeza em relação à virtude, mas permita que continue um boato muito mais perigoso sobre mágica.

— Espera que eu me coloque no meio da aldeia e jure que não faço nenhuma mágica, nunca a pratiquei e não acredito nela? E por que alguém me daria atenção? Eles acreditam no que querem.

— Mas você alimenta essas crenças. Todas as mulheres Keith fizeram isso. Você não parece tão perigosa quanto as outras.

— Tem havido mulheres Keith aqui desde que o primeiro lorde Dundas reivindicou estas terras. — Rose colocou as mãos sobre os quadris e o encarou. — Nunca lhe ocorreu que apenas isso seja suficiente para produzir boatos? Poucas mulheres possuem terras e nós não apenas temos algumas, como tem sido assim por mais anos do que a maioria consegue contar.

— Sua mãe nada fez para refrear os boatos. Na verdade, com freqüência, ela falava ou agia como se fosse tudo verdade.

— Sim, ela fez isso e não vou desonrar sua memória renegando tudo o que acreditava só para tornar minha vida mais fácil. — Rose começou a se encaminhar em direção ao chalé. — E não estou certa se também não acredito. Alguns dias acredito. Outros não. — Chegou à porta e voltou a encará-lo. — Você é meu lorde, mas não tem o direito de me dizer o que posso e o que não posso pensar, sentir ou acreditar. Bom dia — cumprimentou ela ao entrar na casa e fechar com firmeza a porta atrás de si.

Adair fitou a porta fechada em seu rosto. Não estava acostumado a esse tipo de coisa, em particular quando estava no meio de uma conversa. Rose podia pensar que havia terminado, mas ele não concordava. Enquanto refletia sobre a prudência de segui-la para dentro da casa, observou Pequenino alongar-se, manipular o fecho da porta com destreza e abri-lo. Abriu bem a porta e entrou, seguido pelos outros três gatos. Adair sorriu quando Rose se virou e o fitou surpresa.

— Seu gato me deixou entrar — explicou ele, enquanto seguia os gatos para dentro da cozinha.

— Traidor! — Rose exclamou. Indiferente, Pequenino se esparramou junto à lareira e começou a se lamber.

— Eu ainda não havia terminado de conversar com você, Botão de Rosa. — Adair sentou-se numa cadeira, junto à mesa, e começou a olhar ao redor.

Rose ficou aborrecida por ter se comovido ao ouvi-lo pronunciar o nome que ele lhe havia dado quando pequena.

— Eu já havia terminado — divergiu ela. — Só porque não disse o que você desejava ouvir, não significa que eu não havia terminado de conversar.

—Você é uma jovem teimosa. Este é um chalé muito bonito. Pouca gente tem lareiras tão boas e você tem duas. Ou mais? Lá em cima também? — Rose concordou com um gesto de cabeça. — E bom chão de pedra. Imagino que haja outro chão desse tipo na casa, como no sótão.

— E vidro nas janelas — contou ela, enquanto começava a cortar alguns alhos-porós para o ensopado que estava preparando. — Alguns anos foram muito lucrativos e pudemos nos permitir esses toques de conforto em nosso lar. Algumas coisas foram feitas

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por aqueles que receberam ajuda das mulheres Keith. Nunca pedimos nada, mas as pessoas têm orgulho. Acho que, embora um homem fique muito contente por haver alguém pronto a alimentar sua família, ainda assim ele prefere pagar. O fato de ter sido uma mulher a ajudar só aumenta essa necessidade. Por isso vivemos num chalé tão confortável.

— Sim, um homem necessita diminuir o tamanho de seu fracasso mesmo que saiba não ter sido culpa sua.

— Algumas coisas foram feitas por meio de troca. O homem que assentou a lareira no quarto de minha mãe caçoou sobre o fato de a mulher o estar atormentando por querer uma também. A pedra que está à direita foi difícil para ele encontrar. Minha mãe sabia onde havia um bom suprimento de pedras, bem no lugar onde ela queria ampliar o jardim, nos fundos do chalé. Nós duas teríamos necessitado de vários anos para limpar aquele pedaço de terra, mas o homem e seus filhos não precisaram de muito tempo. Ainda melhor, lá havia o tipo de rocha que dá um bom muro. Assim, conseguimos nosso jardim, um bom começo para o muro e sua esposa conseguiu uma bela lareira.

— E todos ficaram satisfeitos. — Exatamente. E nenhuma mágica foi usada. — Você sabe que é muito perigoso deixar o boato sobre a mágica continuar. Ele a

olhou com atenção e serviu-se de uma maçã de uma grande fruteira de madeira entalhada sobre a mesa. Mordeu a maçã sem se surpreender pelo modo como se sentiu.

— O jeito como o alimento faz a pessoa se sentir… — Nunca senti nada diferente ou incomum — interrompeu ela, olhando a cenoura

que havia começado a cortar, pois não conseguiria encará-lo nos olhos contando uma mentira tão grande.

— Você nunca soube mentir direito, Botão de Rosa. Ela lançou-lhe um olhar mal-humorado, aborrecendo-se por ver que sua única

reação foi um sorriso. — Sinto alguma coisa, mas não muito — contou ela. — Minha mãe dizia que isso

acontece porque, na maioria das vezes, estou contente comigo mesma e com minha vida e tenho poucas cicatrizes em meu coração. Quando minha mãe ficou triste porque sentia muita falta de meu pai, ela disse que se sentia confortada pelo alimento, que podia sentir o espírito do amor que meu pai tivera por ela. Desde a morte de minha mãe, com freqüência, sinto o mesmo.

— Também sinto algo semelhante. É como se minha mãe me acalmasse. Até já pensei ter ouvido sua voz em minha cabeça — confidenciou ele.

— Ah, sim, você é uma alma perturbada, por isso sente com mais força. A maioria das pessoas sentem-se bem, apaziguadas. — Após o desentendimento no jardim, ela decidiu que seria tolice continuar falando como se não houvesse nada estranho lá.

— E por que acontece isso? — Já lhe disse, não sei. Na verdade nem sei se teria acreditado no que minha mãe

ia me contar, se tivesse vivido tempo suficiente. Ela abanou a cabeça. — Talvez seja apenas a água — murmurou, enquanto punha os legumes cortados no caldeirão do ensopado no fogo. — Não importa o que eu faça ou no que acredite, isso não muda as coisas. Repito, o que quer que seja, é o que é e faz o que faz. Sou apenas aquela que planta e colhe.

— Bem, não acho que seja muito simples. — Sua opinião é bem-vinda. — E gentileza sua. — Ele fungou o ar enquanto ela mexia o ensopado. — Cheira

bem. — Tenho certeza de que sua cozinheira já começou a lhe preparar uma ótima

refeição — disse Rose com delicadeza, enquanto se sentava e servia para ambos uma caneca de cidra doce e fria.

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—Não tenho tanta certeza. Sabia que a velha Helga morreu? — Oh, sim. E quem cozinha para você? — Meghan, a sobrinha da velha Helga. — Ele quase deu risada da careta que ela

não conseguiu reprimir. — A moça foi ensinada pela velha Helga, por quase dez anos, mas está claro que nunca ouviu uma palavra.

— Já ouvi isso a respeito dela. — Rose sentiu pena dos moradores de Duncairn, pois Meghan conseguia arruinar até uma cenoura crua. — Você não pode mantê-la como cozinheira. Sei que essa é uma posição importante, mas, talvez, você consiga encontrar uma outra para ela. Comece a observar quais homens raramente aparecem nas refeições. Isso significa que estão sendo bem alimentados em outro lugar. Poderia encontrar uma nova cozinheira desse modo.

— Um bom plano. — Ele sorriu. — E você não vai me convidar para comer com você, vai?

— Não posso. Quando a comida estiver pronta e você acabar de comer vai ser muito tarde e você já ficou aqui muito tempo. Isso vai provocar boatos desagradáveis como o da mágica do jardim.

Adair terminou a cidra e se levantou. — Não tenho tanta certeza disso — murmurou ele e saiu da cozinha. — Mande Donald aqui dentro de uma hora — disse Rose. — Vou lhe enviar

ensopado suficiente e algumas outras coisas para você, Robert e Donald fazerem uma refeição. Só tome cuidado com Donald. O estômago do rapaz parece um poço sem fundo. — Ela se repreendeu como uma tola após ter dito essas palavras. Mas era tarde demais para voltar atrás.

— Provoquei sua piedade, não foi? Perguntou ele em voz arrastada, enquanto parava na soleira da porta e a fitava.

— Bem, sim. E agora entendo por que Donald vagueia por aqui com mais freqüência do que antes e sempre perto da hora em que vou me sentar para comer.

— Rapaz inteligente. — Ele a prendeu pelo queixo e segurou seu rosto com firmeza enquanto ela se inclinava. — Um beijo de despedida, querida.

— Alguém pode estar olhando — sussurrou um pouco antes de ele roçar seus lábios pelos dela.

— Você se preocupa demasiado para uma pequenina atraente. Ele a puxou para dentro de seus braços e deu-lhe um beijo que a deixou com os

joelhos fracos. Rose encostou-se à porta e o observou partir, enquanto lutava para recuperar a calma e o ritmo da respiração. Preocupava-a pouco o fato de ele não parecer igualmente afetado, pois seu passo era confiante.

— Bem, aquilo foi ardente. Rose apertou a mão no peito enquanto seu coração parecia subir à garganta,

depois fitou Meg, que estava a sua frente. — De onde você surgiu? — perguntou ela. — Bem, eu estava para bater a sua porta quando o lorde saiu — replicou Meg. —

Então, deslizei para dentro das sombras ao lado do chalé. — Você não podia apenas ter nos cumprimentado e se juntado a nós? — Eu podia, mas aí me perguntei por que ele estava aqui. Depois me lembrei que

você estava assustada quando foi ao castelo. Isso me fez pensar que você talvez estivesse certa de ter medo e que os problemas tivessem aumentado muito. Achei que talvez fosse precisar de ajuda.

— Bem, como pode ver, não preciso. — Não estou tão certa disso —r murmurou Meg. — E posso lhe perguntar por que você está aqui tão tarde? — Ah, bem, meu pai foi a uma feira para vender mercadorias. Ele vai ficar fora dois

dias, talvez um pouco mais se o tempo não estiver bom. Eu lhe disse que podia ficar com

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você. Rose abanou a cabeça e quase deu risada. — Você é uma pirralha péssima, mas entre. Na verdade, ficarei contente com sua

companhia. A sra. Kerr disse uma coisa hoje que comprovou que aquele amaldiçoado Geordie deve estar espreitando por aí outra vez.

— Alguém devia dar uma lição naquele patife. — Meg praguejou ao entrar e colocou sua bolsa sobre uma cadeira.

— Deviam, mas não vai ser você. — Bem, eu poderia… — Não — interrompeu Rose. — Se o tolo me agarrar outra vez, bem, por mais que

deteste a idéia, contarei ao lorde. — Boa idéia — aprovou Meg seguindo Rose para a cozinha, onde se sentou à

mesa. — Certamente ele não ia gostar de alguém passar o tempo espreitando sua mulher.

Rose suspirou, pegou uma cesta de bom tamanho e começou a enchê-la de coisas de que Adair e os outros gostariam para o jantar.

— Não sou a mulher do lorde — contestou ela. — Ele estava beijando você. — Eu sei. Isso não significa muito, em absoluto, Meg. Homens gostam de beijar

mulheres. Para ser honesta, gostei de beijá-lo. No entanto só foi isso, um beijo. Ainda que eu sinta que foi algo mais, não importa. Ele é o lorde e não passo de pouco mais de uma arrendatária em suas terras.

— O lorde não sai por aí beijando qualquer uma. — Meg riu com desdém e abanou a cabeça. — Fato é, ele chegou há quinze dias e não dormiu com nenhuma moça, apesar de todas as ofertas. Não, pense o que quiser. Não vou contar a ninguém sobre tudo isso, mas acho que é mais do que apenas um beijo.

— Talvez ele tenha decidido que precisa de uma amante para passar seu tempo enquanto procura uma esposa — disse Rose, detestando falar sobre a suspeita súbita que magoava seu coração.

— E acho que o aroma do alhos-porós que você colocou no ensopado deve ter confundido seu cérebro — prosseguiu Meg. — As mulheres Keith podem não ser filhas de lordes, mas todas nasceram melhor do que qualquer filha de um arrendatário. O lorde não a escolheria para amante. Você pode clamar parentesco com muitos dos Keith bem-nascidos para torná-la uma escolha de peso. Mas eu não passo de uma magricela minúscula. Suspeito que você precise de alguém mais velho e mais sábio para explicar-lhe tudo melhor.

— Meg, você acha que é o alimento que o faz querer me beijar? — Se o alimento que você prepara fizesse as pessoas se sentirem amorosas, nós

estaríamos sempre tropeçando com tolos excitados pela estrada. — Meg! — Rose tentou mostrar-se chocada e severa, mas logo cedeu à vontade

de dar risada. — Ah, bem, estou apenas confusa. Exceto aquele tolo do Geordie, que fica sempre querendo me agarrar, nenhum homem mostrou muito interesse por mim. É muito estranho o lorde ser o primeiro.

— A maioria dos homens, em Duncairn, sabe que você está acima de seu alcance e acho que você os assusta um pouco. Não por causa da mágica, mas porque você sabe ler e escrever e possui essas belas terras. Acho que o lorde é um homem que não pode ou não quer acreditar em nada que ele não possa ver, tocar ou sentir e, mais ou menos, é dono destas belas terras. Aquilo que intimida os outros rapazes, para ele não faz diferença.

— Ai, pode ser verdade. — Por que está preparando essa cesta de alimentos? — Oh, parece que a cozinheira em Duncairn é Meghan, a sobrinha da velha Helga.

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— Estou surpresa que algum deles ainda esteja vivo por lá. — Meg fez uma careta. — Sei disso. — Rose riu. — Fiquei com pena pelo lorde e disse-lhe para enviar

Donald para cá a fim de pegar comida suficiente para ele, Robert e Donald fazerem uma boa refeição. Não se preocupe. Há o suficiente para nós duas comermos.

— Não estava preocupada com isso, e sim por causa daquele rapaz excitado que está vindo para cá.

— Rapaz excitado? — Ele tem rolado no feno com Grizel, a filha da dona da cervejaria. Isso explicava parte da intensidade que, nos últimos tempos, estava por trás dos

insultos de Meg. A menina estava com ciúme, embora Rose duvidasse que Meg soubesse disso ou admitiria no caso de saber. Devia ser difícil para Meg, pois tinha muita idade para ignorar o que se passava, mas pouca para compreender por que isso a perturbava tanto. E, se compreendesse, era demasiado jovem para competir com Grizel pelas atenções lascivas de Donald.

— Bem, todos os rapazes necessitam se testar dessa maneira. Acho que Grizel tem sido a oportunidade de teste para vários rapazes. — Rose sorriu quando Meg deu risada. — É injusto, mas duvido que muitos homens cheguem a seu leito matrimonial tão inocentes como exigem de suas esposas. Algumas vezes imagino se eles sentem mais necessidade. E a primeira vez, para eles, não machuca, embora eu suspeite que possa ser embaraçadora de vez em quando.

— E eles não precisam se preocupar com gravidez. — Muito certo. Grizel não corre esse risco. Ela toma uma poção, você sabe. Não é

uma das minhas. Não gosto de tratar desse tipo de coisas, exceto no caso de alguma mulher casada me pedir, pois ela pode necessitar de um pouco de descanso de seus partos. Mas sei o que Grizel toma e não gosto. Disse-lhe isso, mas ela não me deu atenção. Receio que ela jamais consiga ter um filho. Provavelmente agora ela já nem precise mais tomar a poção.

— Oh. Ela provocou danos em si própria! — Sim. — Rose colocou várias conchas de ensopado num recipiente e depois o

cobriu. — Assim, se Donald atingiu a idade de testar sua masculinidade, ao menos ele não vai deixar uma trilha de bastardos atrás de si. E talvez não seja tão ruim assim que os rapazes se testem, algumas vezes, antes de se casarem. Assim, quando isso ocorrer, ao menos um dos noivos saberá o que fazer. — Ela compartilhou uma risada com Meg, contente por ver que a sombra de mágoa havia desaparecido dos olhos da menina.

— Deve ser Donald — Meg disse ao ouvir uma batida na porta. — Você fica aqui. Não desejo que comece uma briga entre vocês dois, pois a

comida pode esfriar. Enquanto ela se apressava para a porta com o cesto que havia preparado, reconheceu que ia ser muito bom ter a visita de Meg por alguns dias.

Era tarde quando Rose foi para a cama. Fechou os olhos e ficou zangada quando sua mente se encheu de pensamentos sobre Adair. Só pensar nos beijos fazia seus lábios doerem pela vontade deles se repetirem. Havia ajudado um pouco falar sobre seus temores com Meg, mas a menina estava certa. Ela realmente necessitava de alguém mais velho para conversar sobre tudo isso. Entretanto, não havia ninguém, por isso estava condenada a tentar esclarecer sua confusão sozinha. Sentia medo de permitir a seu coração conduzi-la para uma situação repleta de problemas.

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Capítulo III — Rose? Onde está você? Rose estava tentada a não responder, mas a curiosidade venceu ao perceber que

se tratava de Anne Kerr, à sua procura. Ela não havia reconhecido a voz da moça imediatamente, pois nunca tinha ouvido Anne falar em tom de voz acima de um sussurro. De fato, a voz de Anne era agradável e clara.

— Estou aqui, Anne — chamou ela. — Estou sentada debaixo de uma macieira. Desfrutando de um momento de paz, pensou, depois se repreendeu por estar

sendo egoísta. Não fazia muito tempo, ela se lamentara da falta de companhia ou de uma pessoa com quem conversar. Era tolice se queixar, somente por que era de sua conveniência ficar sozinha nesse momento. Anne raramente falava com ela ou com qualquer pessoa. Nunca viera visitá-la, mas, com toda probabilidade, isso não ocorrera por vontade própria. Na verdade, Rose não se lembrava de jamais ter visto Anne sem a mãe.

— Ah, aí está você. — Anne apressou-se. — Nossa! Está muito quente. — Sente-se na sombra, Anne e beba um pouco de cidra. — Quando Anne se

sentou, Rose estendeu-lhe o odre que ela havia enchido de cidra. — Vai se refrescar em um ou dois minutos.

— Oh, acabo de beber algo que você preparou! — exclamou Anne, após tomar a bebida.

— Não se preocupe. Você não vai se transformar numa salamandra. — Rose mal conseguiu esconder sua surpresa quando Anne deu risada.

— Nunca pensei que isso aconteceria. Não, só receei que mudaria meu humor o suficiente a ponto de minha mãe perceber a mudança.

— Não, isso não vai acontecer. — É tão agradável aqui. Fresco e sombreado. Isto é surpreendente, pois os muros

são tão altos. Mas há também uma brisa agradável. Rose rezou para Anne não perguntar a razão disso, pois não tinha nenhuma

explicação. Anne entrelaçou as mãos no regaço e fitou Rose nos olhos. — Eu pretendia chegar aqui mais cedo, para não pedir algo e depois ir embora

depressa, mas precisei esperar Meg sair. Eu gostaria de uma poção do amor. — Uma o quê? — Rose sentou-se ereta. — Uma poção do amor. — Ah, Anne, acho que isso não existe. — Por um momento desejou poder preparar

uma poção instantânea, ao ver o modo como Anne ficou desapontada. — Ouvi falar que todas as mulheres Keith deixaram escritos e livros de receitas.

Pensei que uma delas conhecesse esse tipo de coisa. — Anne bebeu mais um pouco de cidra e pareceu relaxar um pouco. — Tem certeza de que isso não existe?

— Anne, posso fazer uma poção para aliviar a dor que uma mulher às vezes sente no mês. Posso fazer algumas poções para soltar intestinos presos e prender os soltos. Não posso fazer uma poção para levar um homem a se apaixonar por você ou você por ele. E esse seria um falso amor, não seria?

— Eu não havia pensado nisso. Mas tenho certeza de que vendem poções do amor em alguma feira.

— São falsas, nada mais do que trapaças e mentiras e algumas até podem ser perigosas. Na melhor das hipóteses podem dar-lhe algo para fazer você ou o homem se sentirem amorosos por um curto período. O amor deve vir do coração, Anne ou não vai durar.

— Você não me perguntou para quem eu quero — comentou Anne com

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serenidade. — E para o Coxo Jamie. Ouvi sua mãe ralhar com você, dois dias atrás. — Ela

sorriu de leve quando Anne corou. — Você tem vinte e três anos, Anne. Não precisa da aprovação de sua mãe para se casar.

— Sei disso. Entretanto, preciso saber se ele me quer. Eu o amo há anos. No entanto, minha mãe está sempre por perto e, quando ela soube onde meu coração está, exprimiu sua desaprovação com muita clareza.

— Como você se livrou dela hoje? — Ela pensa que estou com o padre. — Oh, minha nossa! — Ela tentou não olhar ao redor para ver se uma enraivecida

Joan Kerr estava por perto. — Eu sei, sou egoísta, pois acho que vou lhe causar muitos problemas. Mas estou

desesperada. Como você disse, tenho vinte e três anos. Quero Jamie desde que consigo me lembrar.

— Os anos se passam e nada de mudanças. Estou presa ao lado de minha mãe e não posso sequer falar com ele. — Ela abanou a cabeça. — Algumas vezes acordo à noite, suada de medo de precisar viver e morrer na sombra de minha mãe. Ou, talvez pior, ver o homem que amo desposar outra.

— Anne, só você pode interromper esse destino. É você que tem de se libertar. Muitos podem lhe dizer para fazer isso, mas apenas você pode de fato fazê-lo.

— Sei disso. Às vezes choro pensando na covarde miserável que sou. Quando minha mãe ralhou comigo e deixou transparecer para você meu segredo, quis vir aqui imediatamente para ver se podia me ajudar, mas levei dois dias para criar coragem. — Ela franziu a testa, fitando o odre. — Fiquei quase doente de medo.

— Cidra fria pode ser muito calmante. — Rose sorriu. — É claro — murmurou Anne, mas seu olhar para Rose exprimia incredulidade. —

Tenho certeza de que, se conseguisse algum sinal de Jamie de que meu amor é correspondido, eu me afastaria de minha mãe. Afinal de contas, se eu me arriscar e ele não gostar de mim, estremeço só de pensar no escárnio e ridículo que minha mãe jogaria sobre meus ombros quando eu voltasse para casa.

— Ah, sim. Acho que eu também hesitaria. Comece devagar. — Como? — Comece aos poucos. Quando tiver certeza de que sua mãe não está olhando e

você vir Jamie, sorria para ele. — Isso seria tão descarado. — Anne parecia horrorizada. — Não, é apenas um sorriso. É o suficiente para contar-lhe que você o acha

agradável. O modo como ele responder a seu sorriso lhe exprimirá um pouco sobre seus sentimentos por você. Não leve muito a sério se ele ficar confuso ou até sobressaltado. Tente outra vez. Um sorriso não custa nada e não é suficiente para fazer você parecer uma tola perdida de amor. Precisa fazer alguma coisa, Anne ou aqueles sonhos horríveis que você mencionou vão se realizar — acrescentou Rose ao perceber a hesitação da moça.

— Você está certa — concordou Anne. — Devo dar o primeiro passo, por menor que seja. E acho também que devo dar um pequeno passo para longe de minha mãe, de vez em quando.

— Vai deixar, aos poucos, de ficar agarrada às saias de sua mãe? — Sim. — Anne suspirou enquanto torcia as mãos juntas e, apressada, tomou

outro gole de cidra. — Minha mãe é uma mulher muito forte e, temo, não muito generosa. Tenho passado a vida inteira suportando isso e não sei como mudar minha situação. Mas logo farei vinte e quatro anos e, de repente, percebi que nunca serei livre. Ela quer que eu me case com o lorde, mas isso não vai acontecer. Sim, posso ser covarde o suficiente para subir no altar, apesar de amar outro, mas o lorde não tem interesse por mim, graças

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a Deus. — Ao menos essa preocupação não pesa em seus ombros. — Verdade. Quero filhos, Rose. Quero uma família. Quero amor e ser amada.

Preciso criar coragem para alcançar tudo isso, mas não sei se conseguirei. — Mantenha seu olhar voltado para o que você quer. — Rose deu uma palmadinha

na mão de Anne. — Pergunte-se, de vez em quando, se Jamie não vale o esforço. Ele é um bom homem, muito generoso. Se corresponder a seu amor, você será muito feliz, mesmo que sua mãe continue a desaprovar. Tente permitir ao amor que você sente por ele dar-lhe a coragem que você busca.

— Isso pode funcionar. — De repente Anne ficou pálida e saltou em pé. — Oh, não.

O olhar de horror no rosto de Anne contou a Rose quem estava se aproximando. Ela suspirou e olhou na direção de Anne. A sra. Kerr estava mais zangada do que nunca.

— Como ousa atrair minha filha para este jardim do pecado? — acusou a sra. Kerr enquanto agarrava a mão de Anne e a puxava atrás de si.

— Anne buscou um pouco de alívio do calor — disse Rose sem se dignar sequer a se levantar.

— Ela não precisa vir aqui para isso. — Joan Kerr fitou irada a filha. — E você mentiu para mim. Não foi encontrar o padre. — Ela voltou a atenção para Rose. — Você já começou a envenenar seu coração e sua mente, ensinando-lhe o pecado da desobediência. — Ela olhou para o odre e deu um grito sufocado. — E lhe deu essa infusão de feiticeira!

— Ufa! Hoje está muito quente para lidar com suas tolices — disse Rose calma, mas sua disposição já alterada. — Encontrou sua filha; agora

parta. Anne foi bem-vinda aqui. Você não é. — Você a ouviu — falou Meg asperamente, aparecendo detrás de uma macieira e

sentando-se próxima a Rose. — Você preste atenção, Rose Keith — sibilou Joan. — Nunca esquecerei ou

perdoarei isto. Você vem tentando roubar minha filha de mim. Isso não pode ser tolerado. — Mãe — protestou Anne. — Silêncio — gritou Joan. — Você e eu vamos conversar sobre isso quando

estivermos em segurança em casa. Rose observou a mulher arrastar a pobre Anne para longe, suspirou e fechou os

olhos. Desejava poder fazer algo por Anne, mas a força para mudar sua vida precisava vir do interior de Anne. Ela precisava quebrar o controle estreito da mãe sobre si própria ou jamais seria livre por completo. Abriu um pouco os olhos e olhou para Meg.

— De onde você veio? — Vi aquela velha assustadora entrar em seu jardim e deslizei a seu redor, ficando

nas sombras. Não foi difícil evadir-me, pois os olhos dela estavam fixos em você e na filha. O que Anne estava fazendo aqui?

— Procurando respostas. — Tal como que tipo de veneno pode silenciar aquela mãe horrível à qual ela está

acorrentada? — Anne é muito infeliz, Meg. — Rose sorriu, depois ficou séria. — Ela é covarde e

sabe disso, mas a mãe a tornou desse jeito, moldou-a no que ela é desde o dia em que veio ao mundo. Não vai ser fácil mudar. No entanto, ela mentiu para a mãe e veio aqui. Um pequeno passo, mas de qualquer modo, um passo.

— Mas o que ela acha que você pode fazer? Por um momento ela observou Meg, depois decidiu que a menina era digna de

confiança. — Vou lhe contar, mas só se você jurar não dizer nada a ninguém. — Juro.

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— Anne está apaixonada. — Ela franziu a testa quando a notícia pareceu preocupar Meg.

— Por quem? — Ela ama seu pai, Meg. — Por um momento fiquei preocupada. — Meg suspirou de alívio e tomou um gole

de cidra. — Você não se importa? — Oh, não. Acho que meu pai sente algo especial por Anne. Ele sempre conta

quando a vê, até diz como ela estava atraente. Duvido que tenham trocado duas palavras entre eles, por causa da vigilância constante da sra. Kerr. Também meu pai é acanhado.

— Então há esperança. — Como pode haver, se ela não vai deixar a mãe e meu pai é demasiado tímido

para se aproximar? — Se Anne fizer como lhe disse, logo vai dar a seu pai um pequeno sinal de que o

aprecia. Aconselhei-a a sorrir para ele sempre que puder fazer isso, sem a mãe ver. Anne precisa de alguma esperança para dar-lhe força. Se seu pai sorrir de volta, bem, talvez ela consiga essa força.

— Vou tentar ficar por perto quando ele voltar — decidiu Meg. — Acho que você não deve interferir demasiado. — Oh, não. Não farei isso. Entretanto, vou garantir que ele esteja olhando na

direção certa quando Anne conseguir a chance de sorrir e, talvez, eu lhe dê um beliscão para responder. Sei que ele gosta dela e, bem, ele é solitário. Tem apenas trinta anos e acho que necessita de uma esposa.

— Tenho certeza de que ele valoriza sua companhia. — Rose se surpreendeu com a sensatez de Meg.

— Ah, sim, mas não é a mesma coisa, é? E ele gostaria de ter mais filhos, mas precisa de uma esposa para isso. Sei que há uma ou duas outras coisas pelas quais ele gostaria de ter uma esposa também, embora a gente nem sempre aprecie pensar no pai fazendo essas coisas. No entanto, isso é preciso para se ter filhos e eu não me importaria de ter alguns irmãos e irmãs.

— Você tem bom coração, Meg. — Só quero que ele seja feliz e ele sempre me parece assim quando fala de Anne.

Acho que eu poderia levar algumas de suas maçãs, se você não se importar. Talvez eu possa dar uma a Anne, furtivamente, de vez em quando. Podem ajudá-la. Se ela se sentir calma, um pouco do medo que a mantém amarrada à mãe pode diminuir.

— Mas cuidado para não ser pega. — Rose fechou os olhos. — Preciso descansar um pouco. Resolver problemas e enfrentar mulheres más deixam meu corpo muito cansado.

— Vou ver se há ervas daninhas brotando no jardim. — Meg deu uma risadinha. Rose murmurou seu agradecimento e ouviu Meg afastar-se. Ela esperava que

Anne e Jamie pudessem encontrar seu caminho juntos. Seria uma união boa para ambos. Mas a sra. Kerr não aprovaria. Ao contrário, seria um enorme obstáculo.

E traria problemas. As advertências de perigo estavam crescendo em número e força. Se Anne e Jamie se casassem, a sra. Kerr ia censurar Rose. Ela precisava se preparar para isso. Se Meg decidisse que o pai e Anne deviam se casar, Rose acreditava que isso ia acontecer. Às vezes, Meg era quase perigosamente criativa.

Não havia nada que ela pudesse fazer para deter os problemas que viriam para seu lado. Não havia como raciocinar com uma mulher como Joan Kerr. A mulher olhava tudo com a mente distorcida. Ela não compreendia o que faria sua filha feliz ou, mesmo que compreendesse, não lhe importava.

Pensando no que Anne lhe dissera, Rose compreendeu. Estava claro para Anne que, na realidade, a mãe não a amava. Anne havia dito que queria amar e ser amada.

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Isso implicava, com certeza, que jamais se sentira amada. A sra. Kerr corria o perigo de perder sua única filha e não parecia perceber.

E eu serei censurada por isso também, pensou Rose, suspirando. Ela apoiou a mão sobre o tronco da macieira à sombra da qual estava sentada e que fora plantada quando a mãe nascera. Em ocasiões como essa, sentia imensa falta da mãe. Flora Keith compreenderia toda a situação muito melhor do que ela.

Uma parte de Rose desejava que Anne nunca tivesse vindo procurá-la, atraindo-a para o meio de seus problemas, mas ela disse a si própria para não ser egoísta. Ao menos três pessoas ficariam felizes se Anne e Jamie se casassem. Esse era um ganho que valia qualquer contratempo que a sra. Kerr trouxesse para sua vida.

— Afinal nos encontramos, Iain, seu belo tolo. — Mary? Mary Keith? — Iain fitou a mulher que o cumprimentava com um sorriso. — Sim. — Mary piscou. — Ora, não mudei muito, mudei? — Oh, não. — Ele deu alguns passos aproximando-se mais da cerca que fechava

aquela parte de suas terras e enxugou o rosto na manga da camisa. — O que você está fazendo aqui?

— Bem, senti necessidade de vir. Alguém está cortejando minha sobrinha? — Ah, bem, correm boatos de que o lorde está interessado nela. — Então é isso. Acordei no meio da noite, duas semanas atrás e senti que era hora

de eu ir a Rose Cottage. Não pude vir logo, pois meu filho estava para se casar. Mas tão logo ele se casou e eu me recuperei da grande comemoração, preparei meu pônei e parti.

— Seu marido? — Morreu há quase seis anos. Sua esposa? — Morreu há quase oito. — Ah, uma pena. Fiona era uma boa mulher. Não posso dizer o mesmo do tolo

com quem me casei, mas ele me deu três belos rapazes. — Nenhuma moça? — Não. — Mary suspirou e se inclinou sobre a cerca de Iain. — Nasceram poucas

mulheres Keith nas últimas duas gerações e, no momento, restam poucas. Eu, Rose e uma outra, uma prima. Não sei como encontrar a prima.

— Mas por que você precisa fazer isso? — Ainda não tenho certeza, mas deve ser feito. Virá para mim. — Ela sorriu para

Iain. — Você não mudou muito, seu bruto cabeludo. — Estou mais velho. — Iain riu. — Perto dos quarenta e cinco anos. Tenho cinco

filhos e eles ajudam o velho homem aqui. Fiquei surpreso por você não ter vindo quando Flora morreu.

— Nada me chamou. Por quê? Rose está com problemas? — Ali está o problema. — Iain acenou para a mulher descendo a estrada. — Maldição. É aquela infame Joan Kerr? — Sim e ainda é uma víbora de língua afiada. Desde que Flora morreu, a sra. Kerr

voltou sua atenção para a jovem Rose. — Quem é aquela pobre moça que ela está arrastando atrás de si? — Sua filha Anne. E, como elas estão vindo do caminho para Rose Cottage, tenho

o mau pressentimento de que a moça escapou para visitar Rose. Isso pode provocar uma tempestade ou algo pior. A mulher mantém a moça presa e pretende que ela seja a noiva do lorde. — Ele abanou a cabeça. — Ela já viu você.

— O que está fazendo aqui? — inquiriu Joan Kerr ao parar à frente de Mary. Seus olhos se arregalaram quando ela percebeu todos os pacotes sobre o pônei. — Céus, você está se mudando para Rose Cottage?

— Sim, estou — replicou Mary e depois sorriu para Anne. — E você deve ser Anne. Sou Mary Keith, tia de Rose. — E traz mais problemas para Duncairn — cortou Joan antes que Anne pudesse

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fazer mais do que um aceno de saudação. — Bem, não vou tolerar isso. — Então espere sentada. — Mary piscou para Anne quando a jovem começou a

sorrir, mas a moça logo ficou séria quando a mãe olhou em sua direção. — Você sempre foi a pior das mulheres Keith — disse Joan. — Aproveite sua curta visita a sua sobrinha. — Não é uma visita. Pretendo ficar. — O que você pretende e o que lhe será permitido fazer são coisas muito

diferentes. Eu não seria muito amigável com esta mulher, sr. Iain. Ela não vai ficar aqui muito tempo.

— Essa mulher não melhorou nada. — Mary abanou a cabeça enquanto olhava Joan afastar-se, ainda arrastando a filha.

— Continua a mesma praga pretensiosa de sempre. — Ela sorriu para Iain ao vê-lo dar risada.

— Tome cuidado, Mary. Uma vez ela conseguiu reunir uma multidão contra a pobre Flora. O velho lorde deteve aquilo, mas foi muito desagradável. Ela pode fazer o mesmo outra vez.

— Sei disso. — Ela se inclinou para mais perto e beijou-o no rosto. — Não fique longe, Iain.

— Nunca, Mary. — Ele a observou afastar-se na direção de Rose Cottage por um momento, depois se endireitou e percebeu que estava cercado pelos cinco filhos. — Não têm trabalho para fazer? — perguntou ele, fingindo-se zangado.

— Quem era essa mulher? — indagou Nairn, o mais velho. — Bem, você sabe que eu amava sua mãe e sempre fui fiel a ela. — Todos os

filhos anuíram. — Se eu tivesse encontrado aquela mulher até um dia ou dois antes de me casar com Fiona, provavelmente vocês a estariam agora chamando de mãe.

— Ah. Uma bela mulher. Mas você ainda não contou quem é ela. — Mary Keith, tia de Rose Keith. — Bem, não é de se admirar que a sra. Kerr tenha saído daqui com os olhos em

fogo. — Nairn sorriu e cutucou o pai. — Então, você vai fazer-lhe a corte? — Você não se importa? — Não — disse Nairn e seus irmãos murmuraram de acordo. — Acho que ela o estava convidando a fazer isso também. — Então, sim, seu velho pai vai fazer a corte e todos nós vamos manter os olhos

abertos sobre as mulheres Keith. — Há problemas em vista? — Há e não quero que perturbem minha corte. — Ele sorriu quando os filhos

deram risada e, depois de um último olhar de relance na direção de Rose Cottage, ele retornou ao trabalho.

— Aquela mulher a cansou, não foi? Rose franziu a testa, certa de ter reconhecido a voz meiga e rouca. — Tia Mary? — indagou ela, antes de abrir os olhos bem devagar. — Sim. Vim para ficar — Mary riu ao ver Rose saltar em pé e abraçá-la com força.

— Você se tornou uma mulher atraente, querida, elogiou ela enquanto segurava Rose um pouco afastada de si. Depois ela percebeu Meg aproximando-se para ficar ao lado de Rose. — E quem é esta?

Rose apresentou Meg1 à tia e levou um momento para se firmar. Ela se parecia tanto com a mãe, com seus olhos verdes e cabelos ruivos brilhantes, que era ao mesmo tempo uma dor e um prazer vê-la. A chegada da tia parecia uma resposta a suas orações.

Com a ajuda de Meg, ela acomodou a recém-chegada no velho quarto de Flora. Enquanto Mary desfrutava seu banho, Rose e Meg prepararam uma refeição. Rose não via a hora de conversar com a tia. Talvez Mary pudesse lhe responder algumas

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perguntas. Já era tarde quando Rose ficou sozinha com a tia. Ela sentia necessidade de falar

e, no entanto, estava insegura sobre o que dizer. Embora tivesse muitas perguntas, não sabia quanto queria contar a Mary.

— Venha, criança, vamos dar uma volta no jardim — convidou Mary, pegando Rose pela mão e levando-a para fora. — Vou começar pedindo desculpas por não ter vindo visitá-la depois do enterro de sua mãe. Receio não ter uma desculpa real, exceto que meus três filhos encontraram suas amadas e casaram um após o outro. E assim três anos se passaram.

— Não precisa se desculpar, tia Mary — disse Rose. — Você tinha uma família e seu próprio lar. — Ela olhou ao redor do jardim ao começarem a percorrê-lo. — Acredite, compreendo bem a rapidez da passagem dos dias.

— Bem, estou aqui agora. Fui chamada, por assim dizer. Tive um sonho que me contou para ajudar a casar e a estabelecer o último filho e vir para Rose Cottage.

— Por que foi chamada? — Porque você logo vai se casar. — Perdão? — perguntou Rose chocada, parando e fitando a tia. — Você me ouviu. Logo vai se casar. Falei com um velho amigo na estrada aqui

perto e ele me contou que o lorde tem andado atrás de suas saias. É verdade? — Tia, ele é o lorde. Acima e além de mim. — Bah! Você tem bom sangue nas veias, querida. Quase tão bom quanto o dele. É

inteligente, instruída e bela. Daria uma boa esposa e suspeito que gostaria muito. — Gostaria, mas não estou certa da razão pela qual ele me procura. — Rose

suspirou. — Receio que, de algum modo, a comida que fiz para ele… — Não — interrompeu Mary com firmeza. — Recuso-me a acreditar nisso. — Ele não gosta dos boatos sobre mágica, não acredita em mágica e não quer que

eu acredite. — Bem, esse é um problema real. Rose, a pobre Flora chegou a lhe contar sobre o

jardim? — Não. Ela disse umas poucas coisas, fez alusões e deu sinais da verdade, mas

nunca, na realidade, sentou-se comigo e me contou algo. — Este jardim é abençoado pelas fadas, menina. A primeira mulher Keith a vir para

cá salvou as vidas de diversas fadas, escondendo-as de alguns mortais idiotas. Em troca, elas lhe perguntaram se desejava algo. Ela lhes contou que queria um jardim, um jardim que trouxesse paz às pessoas, que as apaziguaria em períodos de perturbação e aliviaria as feridas do coração. Acho que ela só estava pedindo um jardim bonito e bom para plantar. As fadas a levaram ao pé da letra. Depois de a terem feito caminhar pelos limites da terra que o lorde lhe dera, abençoaram tudo. Ela ainda não fazia nenhuma idéia do que lhe haviam dado, mas convidou-as a fazerem seu lar em suas terras. Ela prometeu que, enquanto alguma mulher Keith estivesse apta, uma ficaria aqui para guardar este lugar, conservá-lo e mantê-lo seguro.

— E, de novo, elas a levaram ao pé da letra? — Sim. Você nunca as viu? — Sim — admitiu ela relutante. Rose suspirou e cruzou os braços no peito. — Já

as vi. Em algumas noites mais claramente do que em outras. Vejo algumas agora, seu brilho está ao redor das macieiras.

— Sim, sua mãe contava que elas amavam as árvores mais do que tudo. Você não pode negar essa herança, menina. Mesmo que tentasse, a verdade ia surgir. A mágica está em você, bem como nesta terra e em tudo que cresce nela. Está em todas as mulheres Keith descendentes da primeira. As fadas necessitam que as guardiãs do jardim acreditem nelas. Por isso, cada guardiã é tocada pela mágica. Nem sempre é um presente fácil ou um fardo agradável, mas é nosso destino e devemos aceitá-lo.

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— Sei disso — murmurou Rose e foi afagar o tronco da árvore da mãe. — Vamos ficar aqui, tia? Às vezes, juro que sinto a presença de minha mãe neste lugar.

— Oh, sim, todas estão aqui de certo modo, inclusive a primeira. É por isso que uma árvore sempre é plantada quando uma mulher Keith nasce. Esta é de sua mãe. — Mary tocou a árvore oposta. — E esta é minha. A sua está ali adiante.

— Sim. — Rose tocou a árvore do outro lado. — E esta pertenceu a uma certa Margareth Keith. Mamãe tinha medo que ela tivesse morrido, pois ela desapareceu. Não sei a quem esta pertence. — Ela tocou a árvore que a mãe havia plantado treze anos antes. — Mamãe disse apenas que precisava plantá-la. Algo lhe disse para plantar esta árvore. Você não parece surpresa.

— Não. Não estou aqui para ser guardiã depois que você se casar, mas para encontrar aquela que deve me seguir.

— Oh, não vou ter uma filha? — Prevejo vários rapazes esplêndidos para você e apenas uma moça, mas ela terá

um destino diferente. Não, esta árvore é a que pertence à guardiã que me seguirá. Só espero não ser forçada a buscar demasiado longe. A maioria das mulheres Keith sabe quando é chegada a hora de vir para cá, mas esta poderia ser uma moça que desconheça sua herança e ignore o que seus sonhos tentam lhe transmitir.

Rose sentou-se sobre um banco de pedra dentro de um grupo de árvores e sorriu fracamente quando a tia acomodou-se a seu lado.

— Este não é um lugar ruim para se ficar — comentou a moça tristemente. — Oh, não. Você tem tido problemas com Joan Kerr? — Sim. A filha escapou de suas saias e veio me visitar. Queria uma poção do

amor. — Ela sorriu quando a tia deu risada. — Anne ama um homem com o qual a mãe não lhe permitirá casar-se. A mãe quer que ela seja esposa do lorde. Anne quer o pai de Meg. Anne tem idade suficiente para fazer o que lhe agradar, mas… — Rose interrompeu-se dando de ombros.

— Ela está há demasiado tempo sob o domínio de Joan. — Exatamente. — Rose contou à tia o que aconselhou Anne a fazer e o que Meg

planejava fazer. — Bom conselho, mocinha. E a menina Meg vai fazer bem sua parte. Ela é astuta.

E, embora sua língua seja tão afiada quanto a minha, tem um coração terno e amoroso. Tudo isso é bom, mas não para você.

— Oh, não. Com o lorde preocupado com o que a sra. Kerr lhe contou e agora Anne tentando se livrar do controle materno, tornei-me a pior das inimigas. Gostaria de saber o que o lorde pretende, além de roubar beijos e de tentar provar que não há mágica aqui. Não penso que o alimento tenha provocado seu interesse por mim e tenho quase sempre certeza de que ele só está atrás de uma experiência passageira, mas não sei ao certo.

— Quando você tenta julgar o valor dos sentimentos de um homem, pode levar algum tempo para chegar à verdade. — Mary enlaçou a sobrinha e beijou-lhe a face. — Vou lhe dar apenas um conselho. Não permita que ele a faça negar o que você é. Essa estrada a levaria à miséria. Ele deve aceitá-la como é ou deve deixá-la ser como é.

— Sei disso. Não queria, mas sei de verdade. Posso não ter certeza sobre nada mais, exceto do que sou. Compreendi isso durante uma de nossas discussões. Senti que, no mínimo, se eu negasse a mágica, seria como cuspir sobre a memória de minha mãe, inclusive sobre a de todas as outras anteriores a ela. Ainda posso hesitar em minha crença ou, talvez, seja mais uma hesitação em relação à minha vontade de acreditar. A vida seria tão mais fácil sem essas complicações.

— Ah, mas não tão interessante. — Verdade. — Rose riu. — Você tem alguma idéia de como lidar com a sra. Kerr? — Além de costurar a boca dela, não. — Ambas deram risada. — Devemos nos

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preparar. Ela vai tentar nos ferir de algum modo. Sua filha vai conseguir aquele homem que ela busca e isso vai fazê-la espumar pela boca.

— Então, Anne vai ficar com Jamie? — Acredito que sim. — Mary franziu a testa. — Afirmar com certeza é difícil para

mim, pois senti muito conflito e medo da parte da moça, quando a encontrei na estrada. Mas Meg está certa. Seu pai é tímido e se Anne tiver coragem suficiente para mostrar-lhe seu interesse, será melhor alguém estar por perto para garantir que ele corresponda.

Rose concordou, depois colocou depressa a mão sobre a boca para esconder um grande bocejo.

— Não fiz muita coisa hoje, mas sinto-me muito cansada — contou Rose. — Você sofreu muita agitação e ficou aflita com a amargura e raiva de Joan. As

emoções desgastam uma pessoa tanto quanto o trabalho pesado. — Mary se levantou, pegou Rose pela mão e a levou de volta para casa. — Espero que seu jovem rapaz apareça logo, pois estou ansiosa para conhecê-lo.

— Oh céus! — Não vai ser tão ruim. — Mary riu. — Talvez eu encante o tolo. — Oh céus! Você pode ser muito encantadora quando deseja ser, mas é muito

franca em relação à mágica. — Ele vai precisar enfrentar isso, querida. Ninguém está pedindo que ele se torne

um crente, mas que apenas pare de recusar-lhe seu direito de acreditar. — Ele está muito preocupado com os problemas que isso pode me trazer. — Um bom sinal. — No entanto, os problemas que estão vindo em nosso caminho têm uma fonte

muito clara: Joan Kerr. Na verdade, a maior parte dos problemas ocasionais que ocorreram às mulheres Keith só têm vindo de uma pessoa. Triste dizer, em geral é de uma mulher ciumenta. Nós, mulheres Keith, somos simplesmente demasiado belas e encantadoras para algumas mulheres aceitarem.

— Estou contente por você ter vindo. — Rose riu e beijou a tia no rosto. — Meg é inteligente e boa companhia, mas nos últimos tempos tenho sido assediada por problemas sobre os quais eu desejava conversar com outra mulher.

— Compreendo. Você sabe que pode conversar comigo sobre qualquer coisa. — Sim, sei. Até minha mãe costumava rir e dizer que você era uma língua afiada e

que nunca se embaraçava com nada. — Ela gostava muito de mim. — Uma vez dentro do chalé, Mary fechou a porta

enquanto Rose foi alimentar o fogo. — Esta casa é muito bonita — elogiou Mary, olhando ao redor. — Vai ser fácil chamá-la de lar. Bem, vou me deitar. Eu a verei pela manhã, querida.

Rose deu boa noite à tia e, após fechar a casa, foi para a cama. A tia era vivaz, encantadora e, às vezes, falava sem rodeios, mas era bom tê-la em Rose Cottage. Embora uma parte sua sentisse deleite pela previsão da tia, de que ela e Adair se casariam, Rose forçou-se a não confiar demasiado nisso. Havia ainda muito que a deixava insegura e havia a aversão dele pela mágica. Nenhum obstáculo era pequeno.

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Capítulo IV Adair desmontou na frente de Rose Cottage. Sentia-se embaraçado por sua

ansiedade em ver Rose. Já fazia uma semana que não a via. Ainda que a semana tivesse sido repleta de trabalho árduo, ela estava sempre presente em sua mente. Houvera um tempo em que ele acordava, com freqüência, banhado de suor pelo medo causado por pesadelos. Agora acordava, com freqüência, banhado de suor pelo desejo por Rose. Há uma semana ela enviava, todos os dias, uma refeição para ele, Robert e Donald.

Havia seguido seu conselho e seguido os homens que costumavam faltar à refeição no salão e encontrara uma nova cozinheira. Era justo contar a Rose que não precisava mais de todos os pratos extras. Isso também lhe propiciava uma razão excelente para visitá-la.

No momento em que estava pronto para bater à porta, percebeu os quatro gatos em várias posições, no alto do muro do jardim banhado de sol. Uma pilha ordeira de barris empilhados revelava como haviam subido tão alto. Ele havia conhecido alguns homens que tratavam seus cães de caça melhor do que seus filhos, mas Rose mimava seus animais num nível exagerado. Ela tinha um coração demasiado bondoso.

Então ouviu uma voz meiga e familiar subindo por trás do muro. Andou até o portão do jardim e encontrou Rose no meio de um de seus lotes cultivados, logo abaixo do muro onde os gatos estavam deitados. Ele sorriu ao entrar no jardim e se encaminhou em direção a ela, por trás, sem ser visto. Suas saias estavam levantadas, expondo um belo par de pernas esbeltas até um pouco acima do joelho. Quando percebeu o que Rose estava dizendo, precisou se refrear para não rir.

— É a última vez que eu o alerto, Pequenino — murmurou Rose, usando a pequena pá de jardim — Você vai parar de usar meu jardim para suas necessidades. Sei, esta terra é boa e macia e você nunca machuca as plantas, mas não quero mais encontrar isso. Já não lhe reservei um grande lote de terra boa no jardim atrás do chalé? Use aquilo, seu travesso. — Ela bateu a terra, de leve, no pequeno buraco que havia feito.

— Acho que ele não a está ouvindo — disse Adair. Rose deu um gritinho e tropeçou ao tentar virar-se. Adair se moveu depressa para pegá-la pela cintura e a levou nos braços para fora do jardim. Depois a colocou no chão, mantendo as mãos em sua cintura e sorriu. O rosto de Rose estava sujo de terra. Longas mechas de cabelo haviam escapado da trança que ela havia prendido ao redor do rosto. Seu rosto e o pescoço brilhavam levemente de suor.

— Não pretendia assustá-la — disse Adair. — Você não devia se aproximar desse modo, sem ser visto. — Eu não pretendia entrar furtivamente. Você não me ouviu, pois estava muito

ocupada ralhando com seu gato. Não foi fácil, mas Rose conseguiu controlar a vontade de blasfemar. Estava

consciente de sua aparência, suja e desarrumada. Isso já era embaraçoso o suficiente. Perceber que a ouvira falar com o gato era quase insuportável. Ela se livrou do aperto de seu braço e foi até o poço no centro do jardim. Se conseguisse limpar-se um pouco, poderia recuperar algum vestígio de dignidade.

— Por que veio aqui? — perguntou enquanto puxava um trapo macio do bolso da saia e usava a água do balde do poço para limpar o rosto.

— Você acreditaria em mim se eu dissesse que senti sua falta? — perguntou sorrindo pelo modo como ela rolava os olhos. — Senti. Entretanto, também achei que devia saber que Duncairn tem uma nova cozinheira. Você estava certa. Quando me dei ao trabalho de notar aqueles que não vinham comer no salão e depois os segui, encontrei uma cozinheira. É Sorcha, a filha mais velha do pastor Colin. Ela e sua família consideram

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que lhes dei uma grande honra. — Oh, sim, e isso é verdade. — Inclinando-se ao lado do poço, Rose passou o

pano úmido nas mãos e no pescoço. — A irmã vai ajudá-la. — Ele deu um passo para mais perto, colocando as mãos

na beira do poço, de cada lado de Rose e prendendo-a ligeiramente. — Ofereci a Meghan vários outros lugares, mas ela não os quis. Não pareceu se importar por ter sido substituída.

— Será que ela pensa que pode ficar vivendo em Duncairn sem fazer nada? — Não. Ela foi trabalhar na cervejaria. — Adair sorriu ante o choque de Rose. —

Parece que Meghan possui uma habilidade. Como Sorcha me contou, a moça passa mais tempo deitada de costas que um besouro morto. — Sorriu quando Rose deu risada. — Sorcha acha que Meghan pretende ganhar algumas moedas com isso.

— Oh, céus! Grizel não vai gostar. Então, veio me contar que meu plano funcionou e que não preciso mais continuar cozinhando suas refeições. — Ela engasgou ao pronunciar a última palavra, pois Adair se aproximou tanto que seus corpos se tocaram e ele começou a beijar-lhe o pescoço.

— Só quero um beijo. Para mostrar-lhe que estou muito grato por não ter me deixado morrer de fome.

Mesmo quando ela abriu a boca para informá-lo que um simples obrigado bastaria, ele a beijou. Rose perdeu a vontade de objetar, bem como a capacidade de pensar sobre qualquer das várias razões pelas quais devia afastá-lo. Ao contrário, enlaçou os braços ao redor do pescoço dele e correspondeu ao beijo.

— Bem, então este é o novo lorde. O som alegre da voz da tia sobressaltou Rose tanto que teria caído para trás,

dentro do poço, se Adair não a tivesse segurado com força. Ela se afastou logo e ficou ao lado dele. Ao abaixar as saias e alisá-las, apresentou Adair à tia.

— É bom que Rose não esteja mais sozinha no chalé — disse Adair, notando que as mulheres Keith envelheciam bem, pois Mary Keith ainda era uma bela mulher.

— Oh, Rose nunca esteve de fato sozinha aqui — murmurou Mary. Adair decidiu ignorar a resposta e olhou para Meg, que estava em pé, perto de

Mary. — Encontrei seu pai na aldeia, menina, e como eu estava vindo para cá ele me

pediu para dizer-lhe para ir para casa agora. Disse que lamenta ter ficado longe mais tempo do que havia planejado, mas está bem. — Adair sorriu de leve quando Meg balbuciou sua gratidão por tudo o que as duas mulheres Keith lhe haviam oferecido e saiu correndo.

— Ela estava começando a ficar preocupada com o pai — contou Rose. — Ele receava que isso acontecesse. Também me pediu para transmitir seu

agradecimento profundo por tomarem conta dela enquanto esteve fora. — Meg é extremamente prestativa e não nos trouxe nenhum problema. — E tem muito jeito para o jardim — comentou Mary. — Este é um dos melhores jardins que já vi — elogiou Adair. — Além de belo é útil. — E muito mais. Não sente nada disso, lorde? Rose suspirou, pois estava claro que a tia pretendia intimidar Adair sobre o assunto

relacionado a mágica. Talvez não fosse uma má idéia ser franca, falar a verdade, fosse ela boa ou má. Só queria que a tia a tivesse alertado que ia confrontar Adair e tentar obrigá-lo a mudar seu ponto de vista. Como ainda estava sofrendo o efeito do beijo recente, Rose não sentia nenhuma vontade de discutir.

— E um lugar muito agradável para se visitar — elogiou Adair com moderação, começando a achar contraprodutiva a insistência da tia.

— Teimoso, rapaz teimoso. Seu pai nunca se importou, de um modo ou de outro. Mas você se importa, não é?

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— Meu pai não ficou muito satisfeito com os problemas que isso tudo provocou. — Ele sabia muito bem que os problemas não provinham de Rose Cottage. Adair olhou para Rose e percebeu que ela o olhava com tristeza estampada nos

belos olhos. Se havia feito algum progresso junto a Rose para convencê-la a pôr de lado toda aquela tolice sobre mágica, Mary Keith ia anular seus esforços. Isso o deixou zangado. Decidiu partir, mas não antes de conseguir que essa mulher teimosa visse os riscos que estava correndo e que estava colocando em perigo a si própria e a sua sobrinha.

— Quando os problemas batem à sua porta, não faz a menor diferença onde começam — respondeu ele asperamente.

— É bom que você se preocupe com o bem-estar de Rose. — Você se recusa a raciocinar — acusou Adair, pensando que a tia de Rose era

uma daquelas mulheres que conseguiam fazer um homem ansiar pelo esquecimento da embriaguez.

— Oh, sempre raciocino. — Mary sorriu fracamente. — O problema é que você se recusa a aceitar que algumas coisas desafiam a razão e várias são inexplicáveis. Eu o desafio a me dizer que não sente a maravilha deste lugar ou o sabor no alimento que provém dele. É um jardim mágico, meu belo jovem e você pode franzir as sobrancelhas, murmurar, praguejar e grunhir quanto quiser, nada disso vai mudar esses fatos.

— Falar de mágica e de fatos ao mesmo tempo é insensato. Provoca receio, sra. Keith. Receios sombrios, profundos. Poderá lhe custar muito se continuar a cuspir nos olhos dessa verdade.

— As mulheres Keith, de Rose Cottage, já enfrentaram problemas antes e venceram.

— Muito bem, então. Continue a falar e permita que os problemas caiam sobre suas cabeças. Mas não espere que eu apague o fogo depois que colocarem os gravetos ao redor de seus pés.

Enquanto observava Adair sair do jardim, a raiva visível em cada linha de seu corpo, Rose precisou morder a língua para impedir-se de chamá-lo de volta. Percebeu quão perto estava de desistir de sua herança, de uma grande parte de si própria, apenas para torná-lo feliz. Não era bom ou prudente querer um homem a ponto de se dispor a mudar tudo o que se era. Mary a olhava com preocupação e simpatia e Rose suspeitou que a tia estava quase rompendo em lágrimas. Também ela sentia a mesma vontade.

— Bem, isso acerta tudo, não é? — murmurou ela. — Não, criança, foi apenas uma discussão — disse Mary. — Ele ficou muito zangado, tia. — Sim e suspeito que ficará zangado outras vezes até adquirir bom senso. É um

homem teimoso. Ele sabe que o alimento deste jardim o ajudou a curar o coração e a se livrar da escravidão das memórias sombrias que trouxe da França, mas não vai chamar isso de mágica.

— Como sabia a respeito de sua alma perturbada? — As cicatrizes ainda estão visíveis. Vai demorar um pouco antes de ficar

completamente livre, mas agora ele já consegue dormir. E consegue isso por causa do alimento deste jardim e sabe disso.

— Mas ele não deseja reconhecer que seja por obra de mágica. — Adair vai acabar desejando isso, querida. — Talvez. Como você disse, é um homem muito teimoso. — Rose suspirou. —

Acho que vou dar uma caminhada. — Caminhar é muito bom para refletir. Aonde você vai? — Até o rio que marca o limite a leste. Acho que vou entrar nele. — Como? — Não por razões obscuras, mas porque hoje é um dia quente e estou suja. —

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Rose sorriu. — Ah, é claro. — Mary a seguiu para fora do jardim. — Não demore a voltar ou vou

ficar preocupada. — Duncairn é um lugar tranqüilo, tia. Estarei segura. — Mesmo lugares tranqüilos têm seus perigos — observou Mary dando de ombros. Após caminhar alguns momentos Rose começou a pensar se a tia havia sentido

algo para fazer aquela advertência sutil. Abanou a cabeça e continuou. Talvez a tia não tivesse o hábito de andar, mas ela costumava percorrer Duncairn e nunca se deparara com nenhum perigo. A região era tranqüila de modo incomum. Talvez as fadas tivessem algo a ver com isso pensou ela com um sorriso.

Rose reconheceu que acreditava, de verdade, em toda a mágica de Rose Cottage. Apesar dos momentos em que tentava ignorar tudo por desejar tanto ser como qualquer outra pessoa, ela sempre havia acreditado. Quando criança havia até dançado no jardim, à luz das fadas.

Naturalmente, tivera poucas amigas com quem brincar. As mães de Duncairn relutavam em deixar seus filhos se aproximarem das moradoras de Rose Cottage. Ela blasfemou em silêncio. Esse pensamento lembrava ressentimento e precisava reconhecer que tais sentimentos haviam ganhado força sobre ela ao longo dos anos. Era verdade que o jardim, às vezes, era um fardo, uma pesada responsabilidade, mas era também uma bênção que as mulheres Keith haviam compartilhado, de bom grado, com os habitantes de Duncairn. Se ia ficar ressentida com alguma coisa devia ser com a ignorância e a ingratidão dos moradores de Duncairn.

Rose sentia-se melhor por ter enfrentado a verdade sobre si própria, mas duvidava que algo pudesse fazê-la sentir-se melhor em relação aos problemas entre ela e Adair. Mesmo que afastasse todas as outras dúvidas sobre seu relacionamento, ainda haveria o problema da mágica. A resposta zangada de Adair à conversa da tia a respeito do jardim e de suas maravilhas deixava claro que seu desconforto a respeito da mágica era mais profundo do que uma simples preocupação com a segurança.

Rose chegou perto do rio e sentou-se para tirar os sapatos. Levantou-se, arregaçou as saias para cima e, cautelosamente, enfiou os pés na água. Estava muito mais fria do que havia imaginado, mas decidiu que chapinhar um pouco lhe faria bem.

Mal havia colocado os pés na água, alguém agarrou sua trança e a puxou para trás com tanta força, que ela temeu que seus cabelos fossem arrancados e ficasse calva. Sua primeira reação foi pegar a trança e libertá-la ou, ao menos, agarrar o suficiente para diminuir a dor no couro cabeludo. Tropeçou, ficando face a face com seu atacante.

De modo estranho, Rose refletiu que ser pega sozinha por Geordie era quase esperado. O dia havia começado mal e estava para terminar muito pior. Apesar das lágrimas escorrendo por sua face, pela dor que ele lhe infligia, ela o encarou ferozmente.

— Você nunca fica em sua casa para ajudar seu pobre pai? — inquiriu ríspida e quase sorriu ante o choque do rapaz, pois Geordie não havia esperado que ela o repreendesse por preguiça.

— Eu sabia que, se esperasse tempo suficiente, ia encontrar você sozinha — retorquiu ele.

— Como você é inteligente! Diga-me, seu bruto, como pretende explicar meu estupro? Não lhe ocorreu que vou gritar esse crime do alto dos telhados?

— E você acha que vai ganhar alguma coisa com isso? Vou dizer que você me enfeitiçou, que fui vítima de um encanto. A sra. Kerr vai se apressar a me dar todo o apoio.

Havia verdade nesse argumento, mas Rose tentou ignorá-lo. Podia fazê-la perder parte de sua força. Deu um chute em Geordie e quase o atingiu na virilha, fazendo-o urrar e praguejar enquanto a jogava no chão. Rose conseguiu se livrar quando ele tentou prendê-la debaixo de seu corpo musculoso, mas não escapou por completo.

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Enquanto lutava com Geordie, Rose pensava em Adair. Como desejava que ele viesse salvá-la, como um cavaleiro galante num canto de trovador, mas sabia que as chances para isso eram mínimas. Também pensou que, se Geordie conseguisse aquilo que procurava, ela só se lembraria do horror de sua primeira vez com um homem em vez do amoroso intervalo de tempo que teria desfrutado com Adair.

Alguns quilômetros antes dos portões de Duncairn, Adair suspirou. Sua raiva havia desaparecido. Ele não se conduzira bem no confronto com a tia de Rose. As duas acreditavam nos contos sobre o jardim a vida inteira. Não era razoável, de sua parte esperar que crenças irracionais, há tanto tempo mantidas, fossem postas de lado só porque ele disse que deviam ser. Desacostumar Rose do domínio dessas lendas e fantasias, ia requerer tempo e paciência. No jardim ele havia mostrado pouco dessa última virtude.

Adair decidiu que devia se desculpar. Fez a montaria virar de rumo e começou a voltar para Rose Cottage. Ao menos conseguiria passar algum tempo com Rose, como fora sua intenção antes, e não ia permitir que uma discussão com a teimosa tia lhe roubasse isso.

Ao se aproximar do chalé, ficou surpreso por encontrar Iain, da Fazenda Syke, em pé, junto ao portão do jardim, conversando com Mary.

— Saudações Iain. Não esperava encontrá-lo aqui. — Vim buscar algumas ervas — explicou o homem. — Ah! — Adair inclinou a cabeça de leve para Mary. — Peço desculpas por minha

exibição de ira há pouco. — Não precisa se desculpar, jovem — disse Mary. — Sou conhecida por fazer os

outros perderem a paciência. Era claro que Iain tentava não dar risada, mas Adair estava mais interessado em

ver Rose do que em discernir o que havia entre a tia e Iain. — Eu esperava falar com Rose — explicou ele. — Ela foi dar uma caminhada até o rio. — Sozinha? — Sim. Ela me contou que costuma fazer isso e que é seguro. — Nenhum lugar é seguro — murmurou Adair, enquanto virava a montaria e

cavalgava em direção ao rio. — Esse rapaz se preocupa muito com minha Rose — murmurou Mary, ao observar

Adair afastar-se a galope. — Sim — concordou Iain. — Talvez ele nem saiba disso, mas acho que vamos ter

um casamento entre aqueles dois. — Haverá. E por que você lhe contou que veio aqui por algumas ervas? Tem

vergonha de me conhecer? — Não. Ocorreu-me que vai nos ser útil se as pessoas não souberem, durante

algum tempo, que você tem um aliado por aqui. — Ah, você está certo. — Ela deu um último olhar na direção seguida por Adair,

depois deu de ombros. — Vai dar tudo certo entre eles. Devo tentar não meter o nariz nos assuntos deles em demasia. Ele precisa resolver seus problemas por si próprio.

— Sim. É sempre melhor deixar um homem pensar que chegou sozinho aonde você queria que ele chegasse. — Iain apenas sorriu quando Mary deu uma risada.

Adair percebeu a situação perigosa antes de vê-la. Um grito feminino penetrante, de fúria e medo, chamou sua atenção. Ficou mais preocupado ao perceber que o grito provinha do rio para o qual Rose se dirigira. Esporeou a montaria para aumentar a velocidade, examinando a área enquanto cavalgava. Não havia sinal de outras pessoas além das duas que conseguia agora ouvir, por isso devia se tratar de uma confrontação.

Ao atravessar um grupo de árvores e ver o que estava acontecendo, ele fez a montaria parar. Choque e raiva crescente o imobilizaram por um momento enquanto

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lutava para controlar ambos os sentimentos. Então Geordie prendeu Rose sob seu corpo e Adair decidiu que estaria mostrando mais do que suficiente controle ao não desembainhar a espada e matar o agressor imediatamente.

Ele desmontou, encaminhou-se para junto do par e agarrou Geordie por baixo dos braços. Viu de relance os olhos de Rose, enormes no rosto pálido, enquanto atirava Geordie para o lado. Estendeu a mão para ela, que já estava se esforçando para ficar em pé.

— Não está machucada? — indagou a Rose. Ela negou com um gesto de cabeça, perturbada por sentir-se muda pelo choque.

Entretanto, havia tanta fúria no rosto de Adair, que ela sentiu uma pontada de medo. Quando Geordie gemeu, Adair virou-se e foi em sua direção. Rose respirou fundo, várias vezes, lutando para recuperar o controle sobre suas emoções confusas. Eram grandes as chances de que ela necessitasse de toda a sua sagacidade para impedir uma morte.

— Ousa atacar uma mulher em minhas terras? — perguntou Adair enquanto um Geordie pálido se esforçava para ficar em pé.

— Ela me enfeitiçou! — exclamou Geordie, a voz falhando pelo medo. — Não pude me conter, lorde.

Adair sentiu Rose se aproximar e tentou se refrear. Respirando fundo, deu um soco na boca de Geordie, arremessando o jovem corpulento no chão. Na verdade, desejava surrá-lo quase à morte, mas nunca havia acreditado nesse tipo de violência. Porém, neste momento, compreendia melhor os sentimentos que podiam levar um homem a cometer um ato de tanta brutalidade.

— Vá para casa. Vou me entender com você mais tarde. É melhor eu não fazer isso agora. Não devo sair por aí matando minha própria gente, não importa o quanto uma ou duas pessoas mereçam isso — acrescentou em voz calma, enquanto observava Geordie correr tropeçando em direção à aldeia.

— Nunca imaginei que Geordie podia se movimentar tão depressa — murmurou Rose. Depois ficou tensa quando Adair voltou-se para encará-la. Ele ainda estava zangado.

— Você não tem nenhum bom senso? — repreendeu ele com aspereza. — Não devia andar por aí sozinha. Nunca, em particular quando já foi atacada uma vez por aquele patife. Duncairn é muito mais segura do que vários outros lugares, mas nenhuma parte é livre de perigo, de verdade, para uma moça que vagueia por aí sozinha.

O tempo todo em que ralhava com ela, aproximava-a, com gentileza, do regato. Ajoelhou-se, puxou-a para baixo, fazendo-a ajoelhar-se a seu lado e, tirando a camisa, usou-a para banhar-lhe a face e as mãos. Rose queria protestar por ser tratada como uma criança aterrorizada, mas estava encontrando dificuldade para pensar com clareza. Não conseguia afastar os olhos daquele peito amplo e moreno. A pele de Adair era macia e seus músculos estavam em ótima forma.

Ela se abandonou ao desejo de tocá-lo e, estendendo a mão, passou os dedos sobre uma cicatriz saliente no lado direito.

— Você não retornou intacto da França, não é? — Não. — Ele se sentiu tremer sob o toque da moça. — Fiquei com diversas

cicatrizes. Nem todas de batalhas. Uma vez fui aprisionado pelos inimigos. Não foram generosos. Perdi dois companheiros, que foram torturados. Eu e três outros escapamos.

— É muito triste. Já é doloroso que homens jovens morram em batalhas, mas ter uma vida preciosa perdida para inimigos contra os quais não se pode reagir é, de fato, deplorável.

Adair sentia-se atônito por ter contado a Rose tudo aquilo. Havia sido forçado a relatar um pouco sobre seus anos na França, mas nunca havia confiado a ninguém sobre os oito meses que ele e outros cinco companheiros de armas haviam passado num buraco escuro, seus dias cheios de dor e humilhação. No entanto, de repente, deixou

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escapar tudo para Rose. Era um comportamento estranho de sua parte e não se sentia à vontade com isso.

— Tem certeza de que não está machucada? — perguntou Adair. — Sim. Fiquei apenas com algumas contusões e senti medo dele puxar todo o meu

cabelo e eu ficar calva, nada mais — redargüiu ela. — Preciso pensar em como vou lidar com aquele tolo, mas acho que necessito

esperar um pouco mais antes de fazer isso. Ainda tenho vontade de matá-lo. — Por alguns momentos, se eu tivesse tido uma faca, teria feito isso eu mesma. —

Ela se inclinou para frente e beijou-lhe o peito. — Botão de Rosa? — Você sabe em que pensei ao compreender que não conseguiria vencer aquele

tolo? — disse sorrindo, pois ele havia chegado perigosamente perto. — Não. Em que você pensou? — perguntou Adair, atraindo-a para seus braços. — Que ele ia tornar um pesadelo minha primeira vez com um homem e eu

desejava muito ter feito isso antes com você. — Oh, droga. Rose viu-se de costas no chão, de novo, mas desta vez a posição a agradava.

Naquele momento em que sentira muito medo de que Geordie ia conseguir estuprá-la, havia tomado uma decisão. Podia não confiar, por completo, na paixão de Adair por ela, até questionar suas razões, mas tinha certeza de que ele a queria. E ela também o queria. Agora que percebia como era fácil tornar-se vítima de um homem e sofrer a imposição da luxúria de outro, escolheu assumir o controle. Não tinha a menor dúvida de que fazer amor com Adair lhe traria prazer.

Quando ele a beijou, Rose enlaçou os braços ao redor de seu pescoço e correspondeu ao beijo com ardor. A paixão pulsava através de seu corpo. A fome por seu toque a fez mudar de posição. Corou quando ele começou a tirar suas roupas, mas nada fez para impedi-lo.

— Ah, Botão de Rosa, você é tão bela — murmurou Adair ao acabar de tirar o resto das roupas e olhando-a da cabeça aos pés.

— Sou pequenina — sussurrou, abrindo mais os olhos quando ele começou a tirar as próprias roupas.

— Pequenina, mas perfeita. Ela arfou de prazer quando Adair voltou a seus braços e seus corpos se tocaram.

Esse deleite foi logo superado pela sensação dos toques de seus dedos e de seus lábios contra sua pele. Tentou corresponder a todas as carícias a seu alcance e, logo, só um pensamento ficou claro em sua mente. Ela o queria.

— Vou tentar não machucá-la — murmurou ele em voz rouca, enquanto mudava seu corpo de posição e se preparava para possuí-la.

— Sei que deve doer um pouco pela primeira vez. Ah, mas a ânsia de que padeço agora deve ser semelhante.

— Não haverá caminho de volta, meu amor. — Não diga nada. — Ela o beijou. — Sou sua. Aqui. Agora. Quer mesmo fazer

uma pausa e conversar sobre os aspectos positivos e negativos disso tudo? — Não. Rose reprimiu um grito quando seus corpos se uniram. A dor foi aguda, mas

passageira. Por algum tempo permitiu a Adair abrandá-la com palavras suaves e carícias excitantes, mas, depois, sua necessidade cresceu demasiado para distrações. Ela envolveu as pernas ao redor de seus quadris esbeltos, arqueou o corpo, estremecendo de deleite quando Adair penetrou-a mais fundo, começando a se mover, cada investida graciosa de seu corpo inflamando-a sempre mais.

Adair gemeu quando Rose moveu as mãos ágeis, de longos dedos, sobre seu corpo. Estava lutando para ir devagar, para não assustá-la com a ferocidade de seu

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desejo e necessidade. Então acariciou-lhe a nádega, segurou-a em suas mãos pequenas e deixou muito claro que não sentia menos ardor do que ele. Adair perdeu o controle, entregando-se à paixão selvagem que zumbia através de suas veias. Quando Rose gritou de alívio, seus movimentos tornaram-se impetuosos. Segurou-a de perto e se deixou ser levado por ela.

Passou-se muito tempo antes de Adair encontrar a força ou a vontade para sair dos braços de Rose. Ele molhou a camisa no rio e limpou a ambos. Seu rubor o divertiu, mas seu silêncio começou a preocupá-lo.

Aliás, sua própria mudez não estava, provavelmente, ajudando a diminuir a estranheza da situação. Havia tanto que ele queria dizer, porém, ainda persistiam obstáculos entre os dois. Ele a queria como esposa, a seu lado, dia e noite. Necessitava disso. Porém, não desejava nenhum tipo de mágica em Duncairn e Rose não dava sinais de desistir disso. Adair receava que, se falasse sobre seu futuro nesse momento, antes de terem resolvido aquele problema, estaria lhe comunicando que aceitava tudo. A última coisa que queria eram mal-entendidos seguindo-os ao altar.

— Botão de Rosa… — começou ele, enquanto Rose se levantava e terminava de se vestir.

— Você não precisa me fazer promessas nem pronunciar mentiras delicadas Adair — murmurou ela.

Depois de arrefecer o atordoamento da paixão, ele não falou nada sobre amor ou um futuro para ambos. Por isso Rose decidiu também não oferecer indício de seus sentimentos. Senti-se profundamente comovida pelo ato de amor e sabia que ele era o parceiro ideal para seu corpo, alma e coração. Era doloroso não ouvir ou perceber que ele sentia o mesmo. Entretanto, era um triste fato da vida que os homens não precisavam sentir muita emoção, em absoluto, para se entregar ao ato do amor. Rose tinha orgulho e não ia arriscar a se humilhar diante de um homem que encarava tudo isso como pouco mais do que um momento de deleite num belo dia de verão.

Ele se levantou e guardou a camisa na bolsa da sela de sua montaria. — Nunca fui bom com palavras doces, querida — reconheceu ele, enquanto

voltava para seu lado, levando o cavalo. — Começo a acreditar que a maioria dos homens seja assim. — Bem, você não precisa se preocupar com palavras doces de nenhum outro

homem — resmungou quando ela começou a caminhar para Rose Cottage e ele passou a acompanhar seu passo.

— Não, suponho que não. Cheguei aos vinte e um anos e nunca ouvi nenhuma. Duvido que, de repente, nas próximas semanas, homens comecem a se apinhar ao meu redor, prontos e ansiosos para sussurrar lisonjas em meus ouvidos.

— Rose, você é minha. — Sou? É como você encara a situação? — Sim — confirmou ele. Estava dando tudo errado, pensou Adair. No entanto, apenas ouvi-la falar sobre

vários homens desconhecidos cortejando-a, despertou seu ciúme até sentir dificuldade de pensar. Tinha certeza de uma coisa, Rose era sua. Quando se entregara a ela perto do rio, aquilo apenas selara o elo entre ambos. Aborrecia-o que Rose não se sentisse do mesmo modo.

— Entendo. E você é meu? — Sim. — Isso, ao menos, podia confessar. O que quer que ocorresse entre eles,

ele era dela, não queria nenhuma outra mulher e, suspeitava, jamais quereria. — É justo. — Rose pegou sua mão. — Nós temos dificuldade em concordar a

respeito de várias coisas, mas é bom saber que pensamos do mesmo modo neste assunto.

— Eu gostaria de pensar que podemos concordar sobre muitas outras coisas se

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nos decidirmos a isso. — Talvez. Vai depender de quanto o assunto em questão se refira à razão ou à

emoção. — Estavam chegando e Rose franziu a testa ao perceber que Meg havia voltado e estava em pé, na frente do chalé, conversando excitada com Mary e o sr. Iain. — Espero que nada tenha acontecido ao Coxo Jamie. — Mal acabou de falar ela precisou quase correr, pois Adair havia se apressado para sua casa.

— Oh, Rose — exclamou Meg, adiantando-se para abraçar a amiga. — Você não adivinha o que aconteceu. Fui correndo para casa para encontrar meu pai e deparei com Anne junto à porta.

— Anne estava lá? — Sim, acho que sua mãe deve ter sido muito dura quando a estava

repreendendo. Bem, ela olhou para mim, e dei-lhe algumas das amoras-pretas que levei para casa para dar a meu pai. Depois disse a ela para parar de ficar lá em pé, como um poste, e fazer algo antes da mãe vir procurá-la.

Rose ouviu Iain e Adair reprimirem uma risada. — É isso que você considera ser útil? — Funcionou. E também as amoras. Ela parou de tremer, fitou-me nos olhos e

disse que eu precisava da orientação de uma mãe. Eu disse que podia ser verdade e perguntei se eu estava olhando para alguém que podia exercer esse papel. Depois ela se acovardou outra vez. — Meg abanou a cabeça.

— Mas você a ajudou a se recompor, não foi? — perguntou Adair. — Ajudei, lorde. Disse a Anne que a melhor coisa a fazer era apenas dizer o que

precisava dizer, porque esta era a segunda vez que havia conseguido escapar das garras da mãe e era certo que ia ficar presa até não conseguir dizer uma palavra mais. Quase precisei bater na porta para ela.

— Anne bateu na porta afinal? — perguntou Rose. — Sim, depois de comer mais amoras — replicou Meg. — Então ela fitou meu pai e

meu pai a fitou e eu já estava começando a ficar muito entediada. Assim eu disse a Anne que se não tinha coragem de falar, por que apenas não o beijava? Achei que ela ia desmaiar ali mesmo, mas meu pai teve mais presença de espírito. Ele a beijou. Eu os deixei sozinhos por um pouco de tempo.

— Muito inteligente — murmurou Adair, mas todos, exceto um Iain sorridente o ignoraram.

— Bem, eles se lembraram, afinal, de que havia uma criança em pé, do lado de fora. Acho que foi o fato de eu cantar que lhes contou. — Ela sorriu quando Iain e Adair deram uma grande risada. — Está confirmado. Vocês estão todos convidados para o casamento. Vai ser daqui a dois dias. Meu pai acha que é o prazo máximo que ele vai agüentar lidando com a sra. Kerr, que vai tentar conseguir a filha de volta.

— Anne não vai para casa? —— indagou Rose. — Não, não quer ir. E acho que meu pai está muito feliz que ela esteja longe da

mãe. — Meg piscou para Rose. Em particular porque em minha casa há somente a minha cama e a cama dele e Anne não vai dormir comigo. Então, vocês irão?

— Sim — garantiu Mary e beijou a face de Meg. — E vamos levar todo o alimento que pudermos carregar.

— E um pouco de nossa bebida especial à base de mel para os noivos — completou Rose.

— Diga a seu pai que eu e meus filhos iremos — pediu Iain. — E eu vou contar a todo mundo em Duncairn. Vou contribuir com a cerveja. —

Adair deu uma palmadinha furtiva no traseiro de Rose, depois montou em seu cavalo e estendeu a mão para Meg. — Venha comigo, menina. Vou levá-la para casa.

— Nunca andei a cavalo até agora — contou Meg, enquanto montava atrás do lorde com agilidade. — Encontrarei vocês no casamento — falou ela enquanto o cavalo

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começava a trotar. Quando Rose se recuperou da surpresa pelo toque íntimo e descuidado de Adair e

se virou para a tia, Iain já havia partido. — Nunca pensei que Anne ia agir com tanta rapidez — comentou ela. — Acho que Meg tem o mérito do que aconteceu. Aquela tola da Joan deve ter dito

coisas horríveis. Como a idéia de ir embora já estava na cabeça da moça, o veneno não a influenciou. Ela deve ter falado muito mal do pai de Meg. — Mary olhou com atenção para a sobrinha. — Você está bem desalinhada, moça.

Ao entrarem no chalé, Rose contou à tia sobre o ataque de Geordie. Uma parte sua ansiava compartilhar a novidade de que ela e Adair haviam se tornado amantes. Seria bom conseguir conversar a respeito do assunto com uma mulher mais velha, alguém que já havia conhecido um homem.

Entretanto, no momento, Rose queria guardar o segredo para si. Se contasse agora, todas as dúvidas e perguntas que a assolavam iam aflorar. Por algum tempo, ao menos, queria se lembrar daquele momento na relva macia, junto ao rio, através do atordoamento do desejo e do amor, imaculados pela realidade. Logo chegaria a hora para enfrentar as conseqüências.

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Capítulo V — Uma bela cerimônia — elogiou Mary quando ela e Rose voltaram ao chalé. — Não consigo acreditar que a sra. Kerr tenha sido tão cruel a ponto de recusar-se

a presenciar o casamento da própria filha — murmurou Rose ao ir acender o fogo. — Ela devia ficar feliz por Anne. Não que Jamie seja um homem pobre, um coitado de estrebaria.

— Ele não é o lorde. — Mary serviu para ambas uma taça de cidra doce e, após estender a Rose uma, sentou-se numa cadeira em frente ao fogo. — Mas Joan não estava longe. Não, nem tampouco aquele tolo do Geordie. Ele tem muita sorte por sua punição ter sido tão leve.

Rose fez uma careta ao sentar-se na outra cadeira diante do fogo. Geordie havia recebido quinze chibatadas e o chicote fora brandido por seu pai enraivecido. Considerando a ira de que Adair fora acometido, fora uma punição misericordiosa. No entanto, ela sempre sentira desgosto por chibatadas.

— Onde estava a sra. Kerr? — perguntou Rose. — Perto. — Tia? — Ela estava na esquina, sentada na frente da cervejaria, com Geordie. Na

verdade, quando saímos, havia quase umas doze pessoas com eles. — Oh, céus! — Ela jogou toda a culpa em mim, não foi? — Em voz alta e várias vezes. É por isso que decidi ser prudente sairmos mais

cedo do que na verdade eu desejava. — Notei que você estava se entendendo bem com o sr. Iain. — Rose quase riu

quando a tia enrubesceu. — Ele é um belo homem, Rose e ainda não estou em meu túmulo. — Muito longe disso, rezo eu. — Rose franziu a testa, sentiu uma pontada de

medo e tomou um grande gole de cidra para abafar o sentimento. — Você acha que vai haver agitação?

— Não tenho certeza, menina. Meu dom amaldiçoado às vezes é incerto. Sinto que haverá, mas meus pressentimentos estão mesclados a indícios de felicidade iminente. Só consigo pensar que talvez ocorra alguma agitação, mas não vai nos custar muito. E, em alguma parte da confusão, uns poucos problemas serão resolvidos ou mágoas curadas.

— Acho que é melhor nos prepararmos para algum tumulto. Você percebeu a sra. Kerr destilando seu veneno e viu um bom grupo reunido para ouvi-la. Esse é um forte alerta. Prefiro ficar preparada para a agitação e assistir à ameaça se desfazer a ser apanhada de surpresa.

— É prudente. — concordou Mary. — Logo que tivermos terminado nossa cidra, vamos sair e espalhar baldes de água ao redor.

— Sim. — Rose abanou a cabeça. — Alguém devia costurar os lábios daquela mulher. — Anne estava muito atraente, não estava?

— Sim, e Jamie parecia muito feliz. Meg está contente pelo pai e acho que gosta de Anne. Vai dar tudo certo. Ela logo vai ter todos os irmãos e irmãs que desejava — comentou Mary.

— Sei como Meg se sente. Com freqüência desejei ter irmãos e irmãs. Entretanto, minha mãe não quis outro homem depois que meu pai morreu.

— Algumas pessoas só amam uma vez. Como você. Como aquele teimoso rapaz Adair.

— Você sabe que ele é o lorde, não é? — perguntou Rose em voz arrastada. — Sei disso. — Mary sorriu e piscou ao se levantar. — Provoco o rapaz, é só isso,

e sei que ele, de fato, não se importa. Nem tenho certeza de que perceba o que faço. —

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Venha. — Ela pegou Rose pela mão e a ajudou a ficar em pé. — Vamos espalhar os baldes ao redor e depois poderemos dormir. Foi um dia longo e cansativo.

Rose apoiou o último dos baldes, cheio de água até a borda, próximo à macieira de sua mãe. Ao se levantar tentou afastar uma pontada de dor nas costas. Nos dias anteriores à cerimônia, ela preparara todo o alimento servido na festa. Estava muito cansada e espalhar a água em pontos estratégicos fora algo extra que não previra fazer. Tentou melhorar de humor, dizendo a si própria que se não ocorresse nenhum problema nesta noite, regar o jardim pela manhã seria muito mais fácil, pois a água já havia sido extraída do poço. De repente, se sentiu tensa e um som que ela temia cortou a calma da noite.

— Ah, os tolos estão chegando — murmurou Mary aproximando-se de Rose. — Vamos encontrá-los no portão.

Seguindo a tia, Rose estremeceu ao som das vozes iradas. Ela ficou em pé, ao lado da tia, do lado de dentro do portão e, com tristeza, observou mais de vinte pessoas andarem a passadas largas. A sra. Kerr marchava na frente como um herói conquistador. Rose desejou, inutilmente, ser uma pessoa mais violenta, pois ali estava uma mulher que gostaria de surrar e jogar na lama. Então ela avistou Geordie na porta de seu chalé.

— Saia de minha casa, seu covarde — gritou ela. — Controle-se moça — aconselhou Mary, mas sorriu quando Rose se desculpou

com o olhar. — Na verdade, diga o que quiser. Não vai fazer nenhuma diferença para esse bando de tolos. A maioria tomou cerveja demais e não reconheceriam a razão mesmo se ela caísse sobre sua cabeça.

—Bruxa! — exclamou Joan Kerr. — Você enfeitiçou minha filha única e a virou contra mim.

— Acredita mesmo que alguém necessite de mágica para se virar contra você, mulher asquerosa? — inquiriu Mary.

— Muita calma, tia — murmurou Rose, olhando fixamente a sra. Kerr. — Você não a deixou escolher o homem que ela queria. Se Anne a deixou, não é culpa de ninguém, mas somente sua.

— Ela só devia dar atenção a mim e ignorar todos os demais, inclusive você — disse Joan apontando para Mary. — E sei bem que você envenenou sua mente e seu coração contra mim por meio dos alimentos aqui plantados. Bem, nós já deixamos os instrumentos do demônio viverem em segurança dentro destas paredes por tempo demasiado longo.

Quando diversos homens se adiantaram para dar pancadas nos portões, Rose viu três de seus gatos saírem correndo da casa. O medo por seus bichanos a distraiu tempo suficiente para que os portões fossem abertos à força, quase derrubando-a no chão. A tia golpeou os dois homens que tentavam entrar no jardim com um grande porrete, mas um menino, que segurava uma tocha, escapou a seu lado.

Blasfemando, Rose correu atrás do menino, agarrando-o no momento em que ele tentava pôr fogo na árvore de sua mãe. Ela usou o balde de água para molhar o menino e a árvore. Agarrando-o pela orelha, arrastou-o de volta aos portões, onde a tia esperava de porrete na mão. Rose empurrou o menino para fora, imaginando quanto tempo levaria para os seguidores da sra. Kerr, embriagados, compreenderem que, ainda que ela e a tia pudessem se defender por algum tempo, não poderiam impedi-los de forçar sua entrada.

— Oh, céus! — exclamou Mary. — Alguns estão começando a avaliar suas possibilidades.

— Isso poderia nos causar problemas — concordou Rose, depois franziu a testa quando três de seus gatos correram para dentro do jardim e ficaram debaixo de suas saias e das da tia.

— Se eles nos empurrarem e conseguirem passar, concentre-se em apagar todos os focos de fogo que começarem. Eu e as outras vamos cuidar de golpear algum senso

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nessas cabeças. Antes que Rose pudesse perguntar quais outras, Joan Kerr a encarou irada. — Essa bruxa roubou minha filha tão certamente como se a tivesse arrastado para

um altar de sacrifício. Vocês vão deixá-la a salvo até ela ir atrás de seus filhos? — Receio que a vadia tenha encontrado um argumento convincente — resmungou

Mary. — Está dizendo que devo me preparar para uma luta de verdade? — perguntou

Rose. Mary pegou a mão da sobrinha e segurou o porrete com mais firmeza na outra

mão. — Sim. E também comece a rezar. — Lorde! Adair olhou para Donald quando o jovem tropeçou ao entrar no salão, gritando por

ele. Chegara em casa, da cerimônia de casamento de Jamie, sentindo-se triste por si próprio. Havia uma mulher que ele havia escolhido para ser sua esposa, mas o destino e a irracionalidade os mantinham separados. Apenas pedira que ela parasse com toda aquela conversa sobre mágica. Não percebia que pedira demasiado. Ponderou sobre o problema, sem cessar, até sua cabeça começar a doer. Quase recebeu de bom grado o alarido de Donald. Isso o manteria ocupado demais para pensar, ao menos por algum tempo.

— Calma rapaz, estamos sendo atacados? — perguntou ele, vendo o pai de Donald, Robert, segurar o jovem antes que ele tropeçasse.

— Não. — Isso não me preocuparia tanto como o que está acontecendo. — O que foi? — Durante a cerimônia de casamento da filha, a sra. Kerr passou todo o tempo

atiçando um bando de pessoas. Ela não parou de dizer que as mulheres Keith haviam enfeitiçado a filha e a instigado a escapulir por meio de mágica.

— A moça se casou. Quase toda a aldeia estava lá. Algum tolo deu-lhe atenção? — Com a cabeça enevoada por muita cerveja, alguns homens a ouviram —

replicou Robert. — Talvez o senhor devesse ter deixado as mulheres Keith trazerem cerveja além

do alimento — disse Donald. — E o quê de bom resultaria disso? — perguntou Adair. — Bem, se a cerveja fosse tomada junto com a comida preparada por elas,

ninguém daria atenção à conversa da sra. Kerr. Quero dizer, sua comida torna as pessoas felizes, não é?

— Sim — concordou Adair com um pouco de relutância. — Então acho melhor eu ir à aldeia e tentar trazer os tolos de volta à realidade.

— Eles não estão lá. — Fale rápido, rapaz. Onde estão eles? — Adair sentiu um calafrio percorrer seu

corpo. — Foram para Rose Cottage. Tentei detê-los, até ofereci algumas tortas que eu

havia guardado para mais tarde, mas isso só deteve alguns. Por isso achei melhor vir para cá e contar-lhe tudo. Eles estavam levando tochas e a sra. Kerr estava dizendo que já era hora de se livrarem da fonte de poder da bruxa. Não compreendo. Nem as mulheres nem a comida que preparam não fazem mal a ninguém. Se for mágica, é de um tipo muito pacífico.

— Eu devia ter feito algo antes para calar a boca daquela desocupada — indignou-se Adair, levantando-se e saindo do salão. — Vou levar seis homens comigo, Robert. Você e Donald devem cuidar para que sejam substituídos em seus postos.

— Sim, lorde — disse Robert. — Vou buscar seu cavalo — Donald se prontificou, já correndo em direção aos

estábulos.

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— Embora fosse muito melhor para Duncairn, acho que não Seria prudente matar a sra. Kerr — comentou Robert em voz arrastada, depois de Adair gritar suas ordens aos seis homens que havia escolhido para acompanhá-lo.

Adair ficou surpreso pela possibilidade disso acontecer, mas deu uma risada curta e tinha certeza de que era isso que Robert havia pretendido. Esse momento de leveza havia diminuído a força assassina de sua fúria. O simples fato de, ainda que por um breve momento, ele ter considerado a possibilidade de matar uma mulher, o deixou mais zangado com Joan Kerr, pois ela o arrastava a tais pensamentos sombrios. Se havia algum demônio em Duncairn estava no coração e na mente de Joan Kerr.

— Não vou matar aquela mulher — disse Adair. — Foi apenas um pensamento breve, mas agradável. Nada mais. Eu gostaria de bani-la de minhas terras, mas isso poderia prejudicar Anne e ela é uma boa moça. Entretanto, sei como tirar o veneno daquela língua de víbora.

— O senhor sabe? — Sei. Também vai prejudicar Anne, por isso, não posso usar a arma. Vai

depender do quanto aquela mulher infame me pressionar. — Provavelmente, ela vai pressioná-lo muito. — Robert estendeu uma maçã. — É

do jardim que aquela louca busca destruir. Duvido que acalme sua ira, pois é justa, mas pode ajudá-lo a recuperar seu controle.

Adair pegou a maçã e a fitou. Ajudaria. Não podia negar essa verdade. O alimento proveniente do jardim diminuíra seus pesadelos, apaziguara sua dor e levara embora sua culpa. Tudo o que crescia nos jardins de Rose Cottage era incomum e muito mais do que um produto de solo rico e água de boa qualidade.

Era mágico. Ele havia lutado contra essa verdade, pois não a compreendia e isso o perturbava, deixando-o pouco à vontade. Bem, pensou ele, Mary Keith estava certa. Havia coisas que não podiam ser explicadas e era preciso apenas aceitá-las.

Deu uma mordida na maçã ao montar o cavalo que Donald lhe trouxera e foi invadido por uma sensação de calma. Não foi o suficiente para banir sua fúria, mas deu-lhe forças para pensar com clareza. Isso só confirmou sua convicção crescente de que estivera errado e, de modo limitado, ele também havia cedido ao medo pelo desconhecido. O alimento não o mudava como pessoa de nenhum modo. Algo nele apenas apaziguava a dor ou o pesar, acalmava a agitação e o medo. Por mais estranho que fosse, não implicava nem perigo nem algum tipo de feitiçaria maléfica.

Seus homens estavam prontos e Adair partiu com eles de Duncairn. Precisava alcançar Rose antes que ficasse machucada ou seus amados jardins fossem destruídos. O medo que o assolava a respeito de sua segurança trouxe-lhe outra compreensão. Ele a amava, de todo o seu coração, corpo e alma. Neste momento, compreendia o que a voz de sua mãe havia sussurrado em sua mente na noite em que ele havia decidido que Rose seria sua. Enquanto censurasse a mágica em Rose Cottage e exigisse que ela fizesse o mesmo, jamais a teria de fato. Estava lhe pedindo para desistir de algo que era uma parte muito grande sua, algo que havia ajudado a torná-la a mulher que ele amava.

De repente, não se importou mais com a mágica ou sua origem. Tampouco se importava se Rose a trouxesse dentro do coração para Duncairn, contanto que ela viesse para ele. Esporeando seu cavalo para aumentar a velocidade, rezou para encontrá-la fora de perigo e poder contar-lhe sobre as mudanças em seu coração e sua mente.

No momento em que Rose Cottage surgiu, Adair assinalou a seus homens para pararem e desmontarem. Era tentador cavalgar no meio da turba que carregava tochas e dispersar todos como ratos, mas isso não resolveria, realmente, o problema. Há muito tempo uma confrontação já devia ter ocorrido. Enquanto andava a passos largos para o portão do jardim, viu a turba começar a se mover para frente e esperou conseguir controlar-se o tempo suficiente para forçar os tolos a recobrarem o juízo.

— Parem!

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Rose segurou a mão da tia com força e agradeceu a Deus enquanto a figura alta de Adair forçava caminho entre a turba. Seis de seus homens o seguiram, viraram-se e ficaram entre seu lorde e os invasores, as mãos apoiadas em suas espadas. Ela sorriu fracamente para Adair quando este se aproximou e a fitou.

— Você está bem? Não está machucada? — perguntou ele, olhando de relance para a tia. — As duas estão bem?

— Sim, Adair — respondeu Rose. — Estavam tentando queimar o jardim. Eu e minha tia não íamos conseguir detê-los. Não sozinhas.

Adair olhou para a turba. Ficou satisfeito ao constatar que várias pessoas já pareciam pouco à vontade, até embaraçadas. Quando se preparava para falar, viu o Coxo Jamie, Anne e a jovem Meg se aproximarem correndo, com porretes na mão e forçarem seu caminho entre a turba.

— Vocês não estão sozinhas, minha linda Rose — disse Adair. — Estão machucadas? — perguntou Meg, correndo para perto de Rose e depois

se virando para encarar, zangada, a turba. — Pai, você já pode começar a bater nas cabeças — disse ela ao Coxo Jamie, que estava perto do portão danificado do jardim, com Anne a seu lado.

— Vou tratar disso, pirralha — disse Adair tocando o cabelo de Meg de leve. Fez um sinal para o Coxo Jamie. — Entretanto, elogio seu pai pela rapidez em vir ajudar as mulheres Keith. É bom saber que nem todos tiveram a mente confundida pela língua disparatada de uma mulher amarga. — O modo como olhavam para Joan Kerr deixava claro que era ela quem estava por trás daquela loucura. Ela se postou diante da turba, rígida e feroz como uma autoridade, inconsciente de que a lealdade de suas tropas já começava a se extinguir.

— Essas mulheres enfeitiçaram minha filha, puseram-na contra mim — acusou Joan Kerr. — Anne nunca me desobedeceu. No entanto, bastou uma visita a este chalé amaldiçoado para frustrar todos os meus desejos.

— Qual a idade de Anne? — indagou Adair. — Vinte e três. — Muito além da idade de se libertar de seu domínio. — Ela se casou contra minha vontade! Saiu de minha casa e foi procurar aquele

homem! — Joan Kerr apontou para o Coxo Jamie. — Acho que você deveria ficar contente que uma moça de vinte e três anos tenha

encontrado sozinha um marido. O Coxo Jamie tem um belo chalé, um bom nível de vida e é meu primo em segundo grau. A maioria das mães estaria dançando de alegria por um casamento tão bom. — Ele cutucou Meg de leve, quando a menina mostrou a língua para Joan Kerr, mas as risadinhas que a impertinência da menina provocou, exprimiram a Adair que ele havia conseguido silenciar aquela acusação.

Um uivo lúgubre chamou a atenção de todos. Geordie estava caminhando em direção ao grupo, segurando, pelo cangote, Pequenino, que se retorcia e sibilava. Rose se moveu para ajudar seu gato, mas Adair a segurou pelo braço e a fez retroceder. O Coxo Jamie já estava se encaminhando para o jovem, de porrete na mão.

— Peguei um dos companheiros da bruxa — disse Geordie e, logo em seguida, praguejou e deixou o gato cair, pois Jamie batera em sua cabeça com o porrete. — O bicho fugiu! Vocês não ouviram os barulhos endemoniados que ele fez e como estava feroz?

— Você estava quase estrangulando o pobre animal, seu idiota — acusou Jamie. — Ele estava lutando por sua vida. Aonde foi? — Jamie olhou ao redor. — Está machucado?

— Ele está bem, Jamie — replicou Rose, sentindo seu gato tremer encostado a sua perna.

Adair olhou para baixo e viu o rabo de Pequenino saindo debaixo das saias de

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Rose. — Calma, demônio feroz — brincou Adair. Ele ouviu um murmúrio de risadas se

elevar do grupo e, rapidamente, olhou sorrindo para todos. — Como você explica este jardim? — perguntou Joan Kerr, a voz estridente

mostrando que ela percebia que seus aliados a estavam desertando. — Solo rico e água abundante — replicou Adair. —E preciso mais do que isso para fazer as plantas crescerem quando, em lugares

próximos, outras murcham. — Iain! — Adair chamou um homem corpulento, que ele imaginava ser um aliado

de Mary e ele deu um passo, rapidamente, à frente. — Você é considerado um fazendeiro muito qualificado, não é?

— Acredito que sim, milorde — replicou o homem. — Rose, pegue um punhado de terra e mostre a Iain — pediu Adair e franziu a

testa quando ela abanou a cabeça. — Não posso me mover — explicou ela. — Pequenino e Resmungão estão

enrolados em meus tornozelos. Lady e Preguiçoso estão debaixo das saias de minha tia. — Vou buscar a terra, milorde — ofereceu Meg. — Pegue um pouco lá no canteiro onde crescem ervilhas — instruiu Rose quando

Meg saiu correndo. Um momento depois a menina estendeu um punhado de terra para Iain. O homem

a pegou na mão, inspecionou-a com atenção, até a cheirou. Seus olhos se arregalaram. — Céus! Pode-se cultivar qualquer coisa, com facilidade, nesta boa terra. — Ele

olhou para Rose. — Você acrescenta coisas a ela? Sinto cheiro de peixe. — Venha aqui amanhã cedo, sr. Iain — convidou Mary — e ficaremos muito

contentes por lhe contar o pouco que sabemos. — A água… — começou Joan Kerr. — Aqui está, sr. Iain — disse Meg que já buscara uma Pequena gamela cheia de

água. Iain tomou um pequeno gole de água, saboreou-a na boca um momento, depois a

cuspiu. Ele a cheirou, mexeu-a no recipiente e a fitou enquanto a deixava escorrer entre os dedos. Finalmente, bebeu a gamela inteira.

— Leve, límpida e não sinto nada de estranho — declarou Iain. — Não está crescendo um rabo em mim, está? — perguntou ele piscando para Rose.

Isso provocou uma onda de pilhérias dos demais. Iain aproximou-se dos filhos sorridentes e deu um palmadinha na cabeça de cada um. Joan Kerr fitou o grupo e cerrou os punhos. Ninguém mais estava perto dela.

— Tolos! Não percebem como ela enfeitiçou seu lorde? — vociferou Joan. — Mãe! — Anne protestou, mas as palavras lhe falharam e ela abanou a cabeça. Adair viu umas poucas pessoas baterem em retirada, hesitantes, e franzirem a

testa para ele. Tinham vindo para esse lugar para erradicar o demônio, incitados por uma mulher perturbada. Era óbvio que esperavam por algum sinal de que não haviam sido feitos de tolos.

— Ah, bem, talvez haja alguma verdade nisso — disse Adair e piscou para os homens, antes de pegar o queixo de Rose e virar seu rosto para vê-lo. — Como pode algum homem olhar esta face atraente e não se sentir um pouco enfeitiçado? Olhos da cor do mar e pele como um creme macio. — Ele pegou um punhado do cabelo ruivo, levantou-o e deixou as mechas caírem devagar. — E desafio qualquer homem aqui a me contar que esta recompensa não seja suficiente para roubar a razão de um homem. Não vou elogiar sua beleza, pois não desejo todos vocês tolos olhando de soslaio para minha noiva. — Ele colocou o braço ao redor dos ombros finos de Rose e beijou-lhe a face antes de voltar a encarar o grupo.

— Talvez haja um pequeno toque de mágica aqui, talvez a terra seja abençoada de

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algum modo. Certamente, foi destinada a ficar sob os cuidados atentos das mulheres Keith. Desafio qualquer um de vocês a me dizer o nome de alguém ferido por uma mulher Keith. Elas estão aqui desde que um Dundas se tornou lorde, no entanto, vocês não podem me referir qualquer mal praticado por alguma delas, podem? — Muitas pessoas abanaram a cabeça em resposta. — Mas podem me contar sobre mãos sempre estendidas para ajudar, sobre ninguém ser permitido a passar fome enquanto houvesse um único alho-poró neste jardim que vocês procuraram destruir.

— Vão para casa e tentarei esquecer que vocês ameaçaram as vidas da moça que amo e de sua parente. — Ele sentiu Rose estremecer sob seu braço, mas manteve o olhar no grupo. — Vou também tentar esquecer que vocês deixaram que as mentiras venenosas de uma mulher amargurada os voltassem contra mulheres que só têm sido gentis e generosas.

— Mentiras? Só tentei… — protestou Joan Kerr. Adair percebeu que não estava escondendo sua fúria contra a mulher, pois ela

empalideceu quando a fitou. — Chega, mulher. Esta noite, você quase teve sucesso em destruir uma das

poucas e quase contínuas fontes de alimento em Duncairn e não levou em consideração que duas mulheres inocentes poderiam ser machucadas ou assassinadas. Já era mais do que hora da verdade ser contada. Eu estava curioso sobre sua animosidade persistente contra Rose e sua falecida mãe, por isso andei buscando respostas. Descobri que seus murmúrios e acusações venenosos não são provocados por razões morais, mas sim por ciúme, talvez até inveja. Você se casou com um pavão vaidoso, um homem infiel e ele voltou sua atenção devassa sobre Flora Keith. Não deve ser surpresa para ninguém. Ela era uma bela mulher. Não quis nada com aquele tolo, desprezou-o abertamente, mas você precisava criticar alguém pelos erros dele. Por isso, censurou Flora Keith. E talvez você estivesse zangada por ela poder ver com tanta clareza o que seu marido era e você não queria enxergar. Você continuou zangada e deixou esse sentimento crescer depois de ter deixado Duncairn com ele. Ao retornar, começou a vomitar seu ódio por aí e o transferiu para a filha quando Flora não estava mais a seu alcance. Sugiro que procure um padre, sra. Kerr. Talvez uma confissão e uma penitência aliviem um pouco essa bílis. — Quando a mulher saiu enfurecida, Adair olhou para Anne. — Lamento, jovem. Ela não ia ser aplacada de outro modo e eu precisava diminuir a mordacidade de suas palavras.

— Não precisa se desculpar, lorde — disse Anne. — Era uma verdade que deveria ter sido contada há muito tempo.

Depois de observar Anne partir com o braço forte do Coxo Jamie ao redor de seus ombros esbeltos, Rose viu que a maioria das pessoas já havia partido e ela fitou Adair.

— Você falou a sério? Eu compreenderei se você só tiver dito essas coisas para… Adair a silenciou com um beijo breve, mas intenso.

— Falei tudo aquilo a sério. Eu a quero como minha noiva, eu a amo e não me importa que seja mágica, obra de fadas, bênção divina ou apenas lavoura habilidosa.

— Tem certeza de que não foi o alimento que o fez sentir-se desse modo? — perguntou ela, incapaz de serenar seu medo.

— Não, não é o alimento. Na verdade, decidi que a queria antes de dar a primeira mordida em qualquer coisa que veio daquele jardim.

— Oh, Adair. — Quando soube que vocês corriam perigo, compreendi que nada mais importava,

exceto salvá-la. Na primeira noite em que você me deu aquelas tortas de maçã, juro que ouvi a voz branda de minha mãe ajudando-me a mitigar meus pesadelos. Quando fui dormir, decidi que você seria minha noiva, mas que, antes, eu ia fazê-la negar toda a mágica. Em minha cabeça ouvi minha mãe me repreender como um tolo, contando-me que eu jamais teria o prêmio que procurava a menos que aceitasse o conjunto. Eu não compreendia, até há pouco. Amo-a por tudo o que você é. Tudo o que peço é que, se

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você decidir dançar nua sob a lua cheia, deixe-me olhar. — Sorriu quando ela ralhou com ele enrubescendo. — Então moça, você me aceita?

— Oh, sim, Adair. — Ela roçou os dedos em sua face. — Eu o amo tanto. Acho que o amo desde pequena.

— Não vai se arrepender querida. — Ele a segurou com força, muito emocionado por um momento. Deu um passo para trás e entrelaçou as mãos de ambos. — E não vou afastá-la de seu jardim. Sei que faz parte de você.

Rose olhou ao redor e sentiu uma pontada de tristeza. Em todos os dias de sua vida, até este momento, o jardim fora o centro de seu rnundo e ela sentiria sua falta. Não seria uma perda completa, pois poderia visitar o lugar sempre que desejasse renovar seus laços com a terra que havia nutrido gerações de mulheres Keith e sempre que sentisse necessidade. Ela sorriu para Adair.

— Faz parte de mim e sempre precisarei vir aqui, mas apenas para uma visita — explicou Rose. — Meu tempo aqui está encerrado. Agora é a vez de minha tia. Ela sabia que este momento logo chegaria e por isso veio — acrescentou em voz suave, para os outros não ouvirem. Adair e outros talvez conseguissem aceitar a mágica do jardim, mas os sentimentos da tia eram um assunto inteiramente diferente.

— Ah, entendo. Então venha, meu amor. Iremos a Duncairn e conversaremos sobre nosso futuro.

— Acho melhor ficarmos aqui. Ainda não estamos casados. — Rose olhou para a tia, enrubescendo.

— Vá, querida — disse Mary, com um grande sorriso. — O rapaz já contou a quase toda a aldeia que você é sua noiva e que ele a ama. Vá e irei vê-la pela manhã para ajudá-la a planejar a cerimônia do casamento. Tenho certeza de que será uma grande comemoração.

— Sim, muito grande — concordou Adair, mas quando pegou a mão de Rose, ela não o seguiu. — Botão de Rosa?

Soltando a mão, Rose levantou as saias um pouco, para revelar dois de seus gatos.

— Ainda estou presa por Pequenino e Resmungão. Adair rolou os olhos e, ignorando a risada de seus homens, agradou os gatos e os afastou. A diversão aumentou quando outros dois gatos botaram a cabeça para fora debaixo das saias de Mary e, cautelosamente, olharam ao redor antes de saírem. Entretanto, a risada foi uma boa coisa. Esses homens nunca veriam aqueles animais como espíritos com forma de animais, como demônios disfarçados andando furtivos ao redor. Ele pegou Pequenino, que logo se pendurou em seu ombro. Rose pegou Resmungão e o aninhou nos braços.

— Venha, amor, vamos levar esses animaizinhos teimosos e mimados para Duncairn — pediu ele enlaçando Rose pelos ombros.

Ela deu apenas alguns passos antes de olhar de relance para trás, parando ao perceber que seus outros gatos não a estavam seguindo.

— Lady? Preguiçoso? — Ela olhou para a tia quando os gatos não se moveram. — Não vão partir?

— Ainda não. — Mary sorriu para os dois gatos e depois piscou para Rose. — Só depois que lady tiver sua ninhada e o orgulhoso pai tiver certeza de que seus filhotes estão desmamados, fortes e robustos. Então eles voltarão para você e deixarão os pequenos aqui para tomar seus lugares.

— Preguiçoso é o pai? — Está claro que ele consegue se mexer de vez em quando — murmurou Adair.

Depois beijou Rose no rosto. — Venha, amor. Não vejo a hora de lhe mostrar quanto a amo — sussurrou ele. — De repente sinto-me ansiosa para lhe mostrar quanto o amo também. Mary observou os dois apaixonados se afastarem caminhando. Seus olhos se

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arregalaram quando Pequenino levantou a cabeça do amplo ombro de Adair e piscou-lhe. Ela riu e piscou de volta. Depois saiu do jardim e fechou o portão danificado. Ela fitou o jardim que, de agora em diante, era responsabilidade sua.

— Foi muito perto desta vez, Mary — disse Iain, aproximando-se. — Achei que ia precisar nocautear algumas cabeças.

Ela sorriu para o homem que logo viria a desposar. — Sim, mas bons resultados ocorreram de tudo o que se passou. Pouca gente vai

dar atenção ao veneno de Joan Kerr a partir de agora e o lorde abriu seus olhos e viu o que de fato é importante.

— E fez uma bela encenação, sr. Iain — cumprimentou Meg, que se aproximou e ficou ao lado de Mary.

— Não se dê ao trabalho, Iain — disse Mary quando o homem esboçou uma tentativa de negar a artimanha. — Nossa Meg é muito astuta. — Ela olhou para a menina. — Pensei que você tinha ido para casa.

— Não. Anne estava triste e magoada e meu pai vai precisar acalmá-la. Senti que deviam ficar sozinhos por algum tempo. Pensei em visitar Rose, mas ela e o lorde devem estar ocupados dizendo tudo o que não disseram antes por timidez ou embaraço. Então, vocês me ganharam.

— E é muito bem-vinda para ficar por algum tempo. Daqui a pouco vamos entrar todos e saborear tortas de amoras-pretas.

— Então a partir de agora você assume aqui — disse Iain — Vai ocupar o lugar de Rose.

— Oh, Rose vai ter uma menina, além de oito meninos, mas o destino da criança não será por aqui — contou Mary.

— Mas se você não tem filhas e a menina de Rose não virá para cá, será o fim de Rose Cottage para as mulheres Keith?

— Não, vai aparecer uma. Sinto isso, embora não possa dizer de onde nem quando.

— Oh, sra. Mary, olhe todas as luzes dançantes — Meg exclamou. — Acha que o jardim está feliz por nossa Rose?

Depois de trocar um olhar de surpresa com Iain, Mary fitou Meg. — Você está vendo luzes dançantes? — Sim — replicou Meg. — Não pode vê-las? — Eu posso e Rose pode. — Mary pegou o queixo de Meg, com gentileza, e

levantou sua cabeça para olhá-la de frente. Ao enxergar um par de olhos verdes característicos, ela praguejou contra si mesma, em silêncio, por sua estupidez ao não ter percebido aquilo antes. — Você conheceu sua mãe, menina?

— Não. E ela morreu quando eu nasci, quase treze anos atrás. — É muito triste, mas o que eu queria saber era o nome dela. — Oh, sim. Seu nome também era Margaret. Margaret Keith. Sempre achei que

podia ser uma prima de Rose. Mary riu, abraçou Iain com exuberância, depois segurou Meg pelos ombros. — Você é sua parenta. Sua mãe era minha prima em primeiro grau. Não acredito

que nunca pensei em procurá-la aqui, quando ela desapareceu, há tanto tempo. — Quer dizer que sou uma mulher Keith? — Sim, mocinha, você é e será a próxima a tomar conta deste jardim. Você já tem

uma macieira plantada por Flora, para você, no dia em que nasceu, embora, na ocasião, ela não tivesse certeza para quem estava plantando.

— Mas, Rose… — Acredite-me, mocinha, você não vai roubar o lugar de ninguém — interrompeu

Mary. Há muito tempo tenho estado à sua procura. Agora conte-me o que vê no jardim e não sinta receio de falar na frente do sr. Iain. Ele sabe de tudo.

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Meg fitou o jardim e, devagar, seus olhos se arregalaram. — As luzes! São mais do que luzes! — Ela olhou para Mary. — É verdade, então é

tudo verdade. O jardim é abençoado pelas fadas. Há mágica aqui. Passando um braço ao redor dos ombros delicados da menina, Mary anuiu. — Sim, é e logo vou lhe contar como isso aconteceu. Também preciso ensiná-la o

que é necessário para manter viva a mágica. — Acho que já sei. Amor, não é? — Sim, minha pirralha sagaz, pois o amor também é uma mágica estranha e doce.

O amor é a mágica mais poderosa. Você se sairá bem, mocinha. Muito bem, mesmo.

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