HANSEN Agudezas Seiscentistas

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AGUDEZAS SEISCENTISTAS 1 João Adolfo Hansen Nas práticas de representação do século XVII que ainda vão sendo classificadas dedutiva e anacronicamente com a categoria neokantiana “barroco”, de Heinrich Wölfflin, prescrevia-se que as metáforas inventadas pela faculdade intelectual do engenho deviam ser, antes de tudo, agudas, como o “belo eficaz” de um efeito inesperado de sentido que maravilhava. Acreditava-se então que o espírito cai, literalmente, quando é posto em contato direto com a chateza da verdade nua, louvando-se as agudezas como dicção e ação próprias de discretos, opostos a vulgares, convencionalmente rústicos e sem engenho. Robert Klein (1998, p. 117-140) demonstrou, ao estudar os livros de empresas italianos do século XVI, que seus autores teorizavam as imagens por meio da comparação do intelecto humano com o intelecto angélico. A comparação é corrente também nas doutrinas seiscentistas da metáfora aguda, que a propõem para saber se o Anjo pode conceber imagens ou se pode comunicá-las a outro do mesmo modo que o homem. Afirma-se nelas, invariavelmente, que os Anjos podem, sem recorrer a nenhum meio sensível, produzir a imagem espiritual de seus pensamentos em outro espírito, tornando-se um e outro ora pintor, ora pintura. É bizantino para nosso positivismo, mas é metafísica escolástica: o Anjo fala não com os signos dos conceitos, mas com os próprios conceitos, de maneira que para ele uma mesma coisa é Floema Especial - Ano II, n. 2 A, p. 85-109 out. 2006 1 Publicado em Letras, Santa Maria-RS, v. 24, p. 57-72, 2002.

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    Joo Adolfo Hansen

    Nas prticas de representao do sculo XVII que ainda vosendo classificadas dedutiva e anacronicamente com a categorianeokantiana barroco, de Heinrich Wlfflin, prescrevia-se que asmetforas inventadas pela faculdade intelectual do engenho deviamser, antes de tudo, agudas, como o belo eficaz de um efeito inesperadode sentido que maravilhava. Acreditava-se ento que o esprito cai,literalmente, quando posto em contato direto com a chateza daverdade nua, louvando-se as agudezas como dico e ao prprias dediscretos, opostos a vulgares, convencionalmente rsticos e sem engenho.Robert Klein (1998, p. 117-140) demonstrou, ao estudar os livros deempresas italianos do sculo XVI, que seus autores teorizavam asimagens por meio da comparao do intelecto humano com o intelectoanglico. A comparao corrente tambm nas doutrinas seiscentistasda metfora aguda, que a propem para saber se o Anjo pode conceberimagens ou se pode comunic-las a outro do mesmo modo que ohomem. Afirma-se nelas, invariavelmente, que os Anjos podem, semrecorrer a nenhum meio sensvel, produzir a imagem espiritual deseus pensamentos em outro esprito, tornando-se um e outro ora pintor,ora pintura. bizantino para nosso positivismo, mas metafsicaescolstica: o Anjo fala no com os signos dos conceitos, mas com osprprios conceitos, de maneira que para ele uma mesma coisa

    Floema Especial - Ano II, n. 2 A, p. 85-109 out. 2006

    1 Publicado em Letras, Santa Maria-RS, v. 24, p. 57-72, 2002.

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    significante e significada. Como na elegia de Rilke, o Anjo terrvelporque no conhece a representao. Segundo os preceptistas do sculoXVII, ela que define a humanidade do homem, que s se comunicapor meios indiretos e, de preferncia, agudamente indiretos. NenhumAnjo poeta, uma vez que a significao de uma coisa por outra ametfora que fundamenta a poesia e a representao em geral. Porisso, os retores seiscentistas tambm afirmam, com Aristteles, queuma inteligncia superior se caracteriza pela capacidade de estabelecerrelaes rpidas e inesperadas entre conceitos. Alm disso, sendo catlicoscontra-reformistas, lembram sempre que Deus demonstra, na Bblia,que a natureza humana no anglica, quando inventa um Po voador,uma Escada que sobe ao Cu, um Livro fechado com Sete Selos e outrasimagens, como maneira metafrica ou alegrica de agir na mente extticade seus Profetas, pois Ele sabe que prprio do homem amar o queadmira, mas s admirar a verdade vestida, no a verdade nua (TESAURO,1670, p. 17). Logo, o amor das imagens causa eficiente e instrumentalda agudeza.

    No sculo XVII, ela tem vrios nomes: concetto, argutezza,acutezza, spirito, vivezza; argcia, conceito, conceito engenhoso; concepto, conceptoingenioso; wit; Witz; pointe. E, genericamente, entimema, silogismo retrico,ornato dialtico, ornato dialtico enigmtico. Basicamente, seu pressupostodoutrinrio a afirmao aristotlica, exposta no De anima, de quequalquer discurso metafrico por natureza, uma vez que os noeta,conceitos, so imagens mentais que substituem aistheta, os objetos dapercepo. Segundo o pressuposto, todo signo verbal, plstico, musical,gestual uma imagem exterior de imagens mentais; logo, metforade metfora. Na Potica, Aristteles (1410b) diz que so prprias doorador e do poeta as metforas que tornam a fala agudamente eficaz:Agudas, pois, so as expresses do pensamento que permitem umaprendizado rpido. Aristotelicamente, a agudeza astia, termotraduzido pelo latim urbanitas.

    Nas prticas das monarquias absolutistas catlicas dos sculosXVI, XVII e XVIII, os usos da metfora adaptam essa acepo antiga

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    de urbanidade centralizao monrquica que transforma a antiganobreza de armas, orgulhosa do sangue, da fora guerreira e daignorncia, em uma nobreza de letras civilizada e erudita,subordinada mais e mais ao rei em uma corte. Nesta, a identidade definida como representao e pela representao, deduzindo-se opoder da aparncia e a posio, da forma da representao. Comomodo de pensar e enunciar assimetricamente partilhado, a metforaaguda define a representao decorosa do melhor, o corteso,proposta como modelo para todo o corpo poltico do Estado. Suadoutrina formulada nas principais preceptivas retrico-poticasque circularam, nesse tempo, nas cidades italianas, na PennsulaIbrica e nas colnias americanas de Portugal e Espanha, como IFonti Dell Ingegno Ridotti Ad Arte; Delle accutezze, chealtrimenti spiriti, vivezze e concetti volgarmente si appellano(1639), de Matteo Peregrini; Agudeza y Arte de Ingenio (1644),El Discreto (1646), Orculo Manual y Arte de Prudencia (1647),de Baltasar Gracin; Arte dello Stile, ove nel cercarsi l Idealdello scrivere insegnativo (1647), de Sforza Pallavicino; Ideadelle perfette imprese esaminata secondo gli principii diAristotele (1629), Il Cannocchiale Aristotelico (1654), do CondeEmanuele Tesauro; Nova Arte de Conceitos (1718), de FranciscoLeito Ferreira.

    Reciclando Aristteles em chave neo-escolstica, principalmenteo Livro III, da Retrica, que trata dos tropos e figuras da elocuo,alm de autores latinos, como Ccero, Horcio e Quintiliano, e gregoslevados de Bizncio para a Itlia no sculo XV, como Longino, DemtrioFalereo, Dionsio de Halicarnasso e, principalmente, Hermgenes,fundamental para o estilo sublime da poesia de Gngora e para a prosade Cervantes, definem suas vrias espcies, propondo que a principaldelas a agudeza de artifcio ou artificiosa, que busca a formosura sutil.2

    Em Agudeza y Arte de Ingenio, Gracin d a seguinte definio dela:

    2 O primeiro sinnimo do termo agudeza dado no Tesoro de la lengua castellana, editado emMadri em 1611 por Sebastin de Covarrubias Orozco, , alis, sutileza .

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    Consiste, pois, este artifcio conceituoso em uma primorosaconcordncia, em uma harmnica correlao entre dois ou trscognoscveis extremos, expressa por um ato do entendimento(GRACIN, 1960, p. 239).

    Conforme Gracin, h trs espcies de agudezas artificiosas: 1.agudeza de conceito, que supe a sutileza do pensar, ou,especificamente, o ato do entendimento que descobre correspondnciasinesperadas entre coisas; 2. agudeza de palavra ou verbal, queconsiste nas correspondncias inesperadas estabelecidas entre asrepresentaes grficas, sonoras e conceituais; 3. agudeza de ao,relativa a sentidos agudos produzidos por gestos engenhosos.

    Como exemplo da primeira espcie, pode-se lembrar o que contado por Baldassare Castiglione em Il Cortegiano (1528). Umfidalgo v entrar um casal nobre na sala do trono da rainha Isabel, aCatlica, ele fessimo, ela belssima, ambos vestidos de damasco. Ofidalgo diz rainha Esta a dama, aquele o asco, decompondo onome do tecido para quase que simultaneamente sintetiz-lo em duasmetforas adequadas circunstncia. Como exemplo de agudeza verbal,veja-se um exemplo de Gracin (1960, II):

    [...] juntou [...] Ovdio, em uma pedra chamada nix em latim, e nonosso castelhano cornarina, este mote: Flamma mea, e a enviou assimsobrescrita, querendo dizer: O, nix, flamma mea!, que ainda emromance diz agudeza: Oh, neve, chama minha.

    Ovdio agudo porque, decompondo o nome da pedra, onix,como vocativo O, nix, com que se dirige amante, Nix, /neve/, eescrevendo, na mesma pedra, flamma, chama, termo associados noes de /fogo/ e /calor/, em oposio a nix, termo associado snoes de /brancura/ e /frio/, compe uma harmonia de dissonncias /quente/frio/, /negro/branco/ adequada a Eros. Como exemplo deagudeza de ao, veja-se o do msico de Bolonha que, tendo idoassistir apresentao de outro, estrangeiro, que passava por umnovo Orfeu, depois de longa espera ouviu uma voz fraca e desafinada.

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    Imediatamente, ps uma capa de chuva no ombro e saiu do teatro, oque significou para todos os assistentes O tempo de chuva porquea r coaxa, caso em que a capa, como uma metfora, tambm umentimema satrico (TESAURO, 1670, I).

    Dizia-se, no sculo XVII, que as palavras so gestos semmovimento e que os gestos so palavras sem rumor: todo o corpo uma pgina escrita com gestos prescritos segundo gneros (TESAURO,1670, p. 24), como se pode ver na escultura religiosa de ento, emque as vrias posies do corpo figuram paixes da conformatio, omomento do contato exttico do corpo do santo com o corpo msticode Cristo. Em 1641, o oratoriano Snault dedicou a Richelieu umtratado, De lusage des passions, em que ensina ao Cardeal umaretrica de gestos que efetuam afetos politicamente adequados smais variadas circunstncias hierrquicas, lembrando o dito de Tibriocitado por Tcito nos Annales: Qui nescit fingere, nescit vivere3

    (SNAULT, 1987). Como na oratria, alis, em que as palavras soprprias e metafricas, naturais e vulgares, comuns e engenhosas.Quintiliano chamou de agudas as mos de Hortnsio. E tambm erametafrico o gesto de erguer sobrancelhas, afetadamente severo eorgulhoso, do dumviro de Cpua, que Ccero interpretou aguda eironicamente como modo de fazer crer que sustentava a Repblicacom a sobrancelha, como Atlas sustenta o cu com os ombros.Conforme Tesauro, agudssimo discurso de gestos metafricos foi adisputa do sbio grego com o romano estpido que contada porAcrcio, o jurista. Falando um ao outro com gestos, equivocavam-se; e do equvoco nascia o prazer dos observadores:

    Antes de os Gregos concederem as leis aos Romanos, mandaram umde seus sbios investigar se os romanos eram dignos de leis. Estes,depois de se aconselharem, enviaram um homem estpido ao encontrodo sbio grego [...]. O Grego comeou a disputa e ergueu um dedopara significar Deus um s. E o nscio, acreditando que ele quisesselhe furar um olho, ergueu dois, junto com o polegar, como

    3 Quem no sabe fingir no sabe viver.

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    naturalmente ocorre, para furar os dois olhos do Grego. Acreditoueste que o Romano, com os trs dedos, quisesse dizer Deus Trino, emostrou a palma da mo aberta para significar Tudo est nu e abertofrente a Deus. O estulto, pensando que ele queria dar-lhe um bofeto,levantou o punho para retribuir pancada com pancada. O Gregoimaginou que quisesse dizer Deus segura tudo na mo e, admirando aagudeza do engenho romano, julgou que aquela Repblica era dignade leis (TESAURO, 1670. p. 25-26).

    Segundo Gracin, a agudeza que resulta da comparao deconceitos a mais perfeita, encontrando-se na base da inventio retrica:ela raio e luz gerados pelo entendimento do autor discreto,cujo juzo compara conceitos para decomp-los dialeticamente, nosentido dado ao termo dialtica no sculo XVII, anatomia ouanlise, e estabelecer semelhanas e diferenas entre eles. Ela preferencialmente hermtica e deve ser formulada num timo, pois stem efeito se a premeditao do artifcio no evidente. O juzo perspicaz e penetra, sutil e velozmente, nas mais recnditas partes dosconceitos. Simultaneamente, a versatilidade do autor sintetiza assemelhanas e as diferenas em uma forma nova e inesperada, queespanta e maravilha. A forma uma metfora e, quando continuada,alegoria. A agudeza resulta de uma operao dialtica, como anlise, ede uma operao retrica, como tropo ou figura, por isso os retoresseiscentistas costumavam cham-la de ornato dialtico. Agudamente,Tesauro a compara s estrelas, que necessitam da escurido para seremvistas, afirmando que ela exige a macia noite do conceito para brilhare passar sob o arco do triunfo do clio admirador.

    Sabe-se com a lingstica e a psicanlise que a metfora umsignificante que recalca e desloca outro na cadeia do discurso e que arelao estabelecida entre eles no apenas semntica, necessariamente,pois basta a diferena, que estrutura a linguagem em todos os nveis,para haver a substituio. No sculo XVII, contudo, pensava-se emsemelhanas recnditas da significao dos conceitos, quando sepropunha que a rapidez da formulao metafrica obtida pelaeliminao do conectivo da comparao, a prtase da similitude,

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    como. Suponha-se uma comparao algo inusitada, como: Essepapagaio do Brasil verde como o ms de abril da Europa, em que secompara a ave e o ms por meio do conceito /verde/, gnero comum aambos. A comparao implica 3 termos: A (papagaio) B (verde) C(abril): Esse papagaio verde como abril. Sem a prtase da similitude,pode-se dizer: Esse papagaio abril, e, pela equivalncia, substituirA (papagaio) por B (abril): Esse abril (= esse papagaio). Comoabril condensa papagaio, pode-se dizer: Abril organizado (e maismetforas dessa metfora, como ramilhete de plumas, primaveracom ps etc.), como acontece em A um papagaio do Palcio quefalava muito, poema da grande antologia portuguesa da poesia aguda,Fnix Renascida (1716-1728) (HANSEN, 2002):

    Iris parlero, Abril organizado,Ramilhete de plumas con sentido,Hybla con habla, irracional florido,Primavera con pies, jardin alado [...].

    As metforas agudas relacionam duas coisas semelhantes entresi, ambas fsicas, ou uma fsica e outra moral, ambas animadas, ouuma animada e outra inanimada etc. Para definir e operar a prpriasemelhana pela qual um signo trocado por outro, os retoresseiscentistas recorriam s trs espcies da analogia escolstica, atribuio,proporo e proporcionalidade, como relao simultaneamente lgica,retrica e metafsica dos conceitos. Por atribuio, tem-se a semelhanade dois conceitos que participam em uma nica forma, chamadaunvoca (A:B:C); por proporo, a semelhana de dois conceitos queno tm uma forma comum, mas duas formas proporcionalmenteanlogas (A:B::C:D); por proporcionalidade, tem-se a mesma relao deproporo, mas aproximando-se conceitos distanciadssimos, comefeitos entendidos como alegorias fechadas ou enigmas correspondentess anamorfoses da pintura. Pela primeira dessas relaes, os poetasseiscentistas aproximavam coisas diferentes em essncia, massemelhantes segundo uma propriedade qualquer em comum; por

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    exemplo, o fogo, fisicamente impetuoso, e o amor, impetuosomoralmente. Pela transferncia de espcie a espcie, falavam do amorcomo fogo do peito etc. Entre as metforas, no entanto, preferiam ametfora de proporo, pela qual o copo o escudo de Baco assim comoo escudo o copo de Marte, como se l na Potica. As metforas deproporo e proporcionalidade evidenciam a erudio de coisasdistantssimas, como se dizia, pois exigem maior engenhosidade edo mais prazer intelectual ao destinatrio apto para entender asoperaes artificiosas que condensam em um sentido inesperado duassignificaes distantssimas. Na Bahia do final do sculo XVII, emum conjunto de sermes chamados Frutas do Brasil, Numa Nova eAsctica Monarchia, o franciscano Frei Antnio do Rosrio pregou adoura do amor da Senhora do Rosrio em forma de metforas devinte e cinco frutas tropicais, propondo por proporcionalidade assemelhanas entre anans e a expresso latina Anna nascitur:

    [...] porque ha de ser o Anans, & no outro fruto do Brasil, ametfora do Rosario? Porque em todo o mundo no ha fruta, quemais tenha da Senhora do Rosario, do que o Anans. O nome o diz,Anans val o mesmo que, Anna nascitur. Anna quer dizer graa;cento & sincoenta vezes se nomea no Rosario a filha de Anna cheade graa; & se os nomes so sinaes das naturezas que os tem, oAnans he o fruto que melhor significa a Senhora do Rosario,porque contem a origem da sua chea de graa, de que est cheyo oRosario (ROSRIO, 1701, p. 20-21).

    Como ocorre com toda metfora, a imagem resultante era algononsense, mas agradava justamente pela dificuldade inicial de estabelecera relao imediata entre os conceitos. A imagem aguda obtida umentimema ou um silogismo retrico, como diz Quintiliano, quandoretoma os Analticos (I, II, 27, 70a 10) de Aristteles: uma deduobaseada na semelhana de dois termos com um terceiro. Funcionacomo uma condensao rpida deles ou metfora engenhosa operadapor atribuio, A:B:C, ou por proporo, A:B::C:D. De novo,Aristteles: para estimular o pathos em si mesmo e nos ouvintes, oorador que pretende qualificar determinada matria produz

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    representaes chamadas phantasiai (ARIST., Retrica, I,3,1358 b). OAnnimo da Retrica para Hernio (IV, 19) e Ccero (Partitionesoratoriae VI, 18, 22; De oratore III) escrevem que o discurso ilustreou brilhante das phantasiai obtido pelo uso de palavras escolhidas(delecta), de metforas (traslata), de hiprboles (supralata) e de sinnimos(duplicata). Tais palavras produzem a evidentia, a visualizao imaginosada matria tratada. Retomando Aristteles e Ccero, Quintilianoexplica, na Institutio oratoria (6, 2, 29), que a evidentia produzidapelo engenho, que cultivado com o exerccio de imitao dasauctoritates dos vrios gneros. A evidentia aplicada como descriodetalhada ou enumerao ornada das particularidades reais e fantsticasde lugares-comuns dos vrios gneros. No sculo XVII, mantm-se asua tcnica na inveno da poesia e da prosa, prescrevendo-se que apoesia faz ver, como a pintura, por meio de metforas agudas.

    Tesauro e outros retores afirmam ento que a pintura, pondofrente aos olhos os simulacros das coisas, pela imitao materialproduz o engano da maravilha que agrada, pois consiste em fazercrer que o fingido o verdadeiro, de modo que cenas horrveisdeleitam. Comentando um verso de Petrarca, que figura um soldadosedento bebendo a gua de um rio onde escorre o sangue dos mortosde uma batalha, o cardeal Sforza Pallavicino reitera, em seu tratadoArte dello Stile, o intelectualismo da doutrina do conceito engenhoso,ao afirmar que a vista, no o intelecto, que tem necessidade debeleza. O principal gosto do intelecto maravilhar-se, afirma, e nocom a maravilha que decorre da ignorncia das causas do efeito, casoem que a agudeza uma imperfeio ou um tormento da razo, mascomo meio de fazer ver o que antes se ignorava (PALLAVICINO, 1647,p. 181). A poesia, feita como imitao metafrica, serve-se da pinturado que se v para significar o que no se v. Assim, se a imitaofeita pela pintura agrada pela maravilha de que um leo fingido sejaverdadeiro, a imitao potica produz a maravilha pela qual um leoverdadeiro um homem forte, como quando se diz Aquiles um leo(TESAURO, 1670, p. 16).

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    Para figurar personagem vivo ou ao, ensina Aristteles, asmetforas representantes so mais agudas que as significantes, pois com aao figuram a coisa como prosomaton, na frente do olho. correntenos tratados seiscentistas o topos da admirao de Aristteles pelo engenhode Iscrates que, tendo de dizer a Grcia deve estar tristssima pelamorte de seus cidados em Salamina, disse a Grcia deve cortar oscabelos sobre o tmulo dos seus cidados em Salamina. Por sermetfora continuada, a formulao uma alegoria e poderia serrepresentada na pintura pela imagem de uma mulher que corta oscabelos sobre o tmulo dos filhos. Nas letras do sculo XVII, esse usoera valorizadssimo na pintura de tipos, aes e cenas em que a imagem sempre elemento da argumentao formulado como visualizaodramtica dos temas. Na medida em que a metfora representanteimplica a ao, pode ser usada como um entimema retrico, umaagudeza que funde o dito com o fato.

    No final do sculo XVI e incio do XVII, redefiniu-se a naturezamesma da metfora, passando-se a afirmar no s que a agudeza metfora, mas, principalmente, que a metfora o fundamento daagudeza e de toda representao:

    [...] Grande Me de todo engenhoso Conceito: clarssimo lume daOratria, & Elocuo Potica: eprito vital das mortas Pginas:agradabilssimo condimento da conversao Civil, ltimo esforo doIntelecto: vestgio da Divindade no nimo Humano (TESAURO, 1670).

    Neste sentido, fez-se novamente a distino entre as espcies deengenho: natural, exercitado e furioso. A cada um deles foi atribudoum modo especfico de inveno, propondo-se sempre que o homemnaturalmente engenhoso, o discreto, capaz de fingir os modos queno tm discrio, como o furioso. Como se viu, a fantasia do engenhoimplica dois talentos, a perspiccia, faculdade de penetrao ediscernimento dos conceitos, e a versatilidade, faculdade detransferncia e condensao dos elementos conceituais obtidosdialeticamente. Aplicando um lugar-comum aristotlico, os retores

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    seiscentistas afirmam que as imagens so formadas na mente segundotrs modos. O primeiro deles consiste em inventar uma imagem semque a fantasia interfira no ato, a no ser como fornecedora das matriaspara o juzo. O segundo modo consiste em unir o juzo e a fantasiasegundo propores adequadas a cada estilo como meio-termo dedialtica e ornato. O terceiro o da fantasia que fabrica as imagenslivremente, sem o critrio corretor do juzo. Esquematicamente: juzosem fantasia; juzo com fantasia; fantasia sem juzo. Salvo em gnerosdidticos, em que o estilo medocre se impe visando a utilidade darepresentao, o primeiro modo tido como pedestre, cho ourido. O segundo implica a proporo adequada como verossimilhanae decoro em todos os gneros. Quanto ao terceiro, especfico dovulgar, que no tem juzo, mas pode, obviamente, ser operado pordiscretos, que sabem fingir com proporo a falta de proporo deuma fantasia sem controle.

    Assim, os retores propem que, pelo primeiro modo de inventara representao, o entendimento primeiro julga e seleciona as imagensfornecidas a ele pela fantasia e deduz novas imagens que a imaginaono tinha inventado. Por exemplo, lugar-comum da abstraocompositiva antiga, Zuxis seleciona as partes mais belas das jovensque lhe foram apresentadas e inventa com elas o corpo de uma deusa.No caso, o entendimento age abstrativamente sobre imagens deinmeros seres e, juntando-as, concebe outra, que antes no existia eque figura uma qualidade humana qualquer em abstrato. Como ossentidos no podem produzir tal imagem, evidencia-se que oentendimento ajuizado que as inventa, apresentando-as depois fantasia.Pelo segundo modo, a fantasia recorre ao juzo e, orientada por ele,expe as imagens que apreendeu por meio dos sentidos; quando elasso unidas ou separadas, a fantasia confere ser e forma a novas imagens,que antes no possua. O terceiro modo ocorre quando a fantasia mandaabsolutamente com imprio na alma, como dizia Francisco LeitoFerreira. Por outros termos, sem aconselhar-se com o juzo, semiluminar-se com sua luz discreta, sem buscar sua aprovao prudente.

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    Como o juzo no governa, a mo da fantasia que empunha ento ocetro e rege a seu modo o reino das imagens (FERREIRA, 1718, I-II). Taisimagens so as que ocorrem nos sonhos, nos delrios, nos afetosveementes, nas hipocondrias que desordenam a mente.Convencionalmente, tais imagens tambm so as da opinio do vulgare especificam seu gosto confuso e irracional.

    Quando a fantasia livre, tem-se o furor, alterao da mentecausada ou por paixo, ou por inspirao ou por loucura. Furor atraduo feita por Ccero do grego melancholia, cuja causa a atra bile,o humor negro, que torna a expresso atrabiliria, como se l nos usosseiscentistas do topos lgrimas de Herclito e riso de Demcrito.Ambos excessivos e irracionais, tm o nimo perturbado pelo humormelanclico: Herclito chora mesmo com as coisas ridculas,Demcrito ri mesmo das dolorosas. Grande parte da eloqncia dor,como afirma Sneca, o Retor, pois a paixo agua o engenho quandofaz adormecer o juzo. O furor de Herclito e Demcrito loucura,que tem interpretao anloga da psicanlise hoje:

    [...] melhor que os sos [...] os loucos so condicionados a fabricar nasua fantasia metforas facetas e smbolos argutos; pois a loucuraoutra coisa no que metfora, a qual toma uma coisa por outra(TESAURO, 1670, p. 93).

    O furor da paixo, da inspirao e da loucura tambm especificaa vulgaridade seiscentista: como os possudos da divina mania e osloucos, o vulgar no domina a prpria fico, ao contrrio do discreto,que engenhoso e, por isso, capaz de afetar retoricamente a paixo eseu descontrole. Como prope Tesauro sobre os caprichos de pintorescomo Bosch, nada mais artificioso que pecar contra a arte, nada maissensato que perder o senso, prescrevendo para o tipo discreto a tcnicailusionista da contrafaco, prpria da dissimulao honesta catlicaoposta simulao maquiavlica (TESAURO, 1975, cap. XX). Faz-se,aqui, a distino de duas espcies de engenhos, de duas espcies derepresentaes e, ainda, de duas espcies de destinatrios: engenhosose furiosos, discretos e vulgares.

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    Matteo Peregrini, um dos primeiros a sistematizar a agudezadoutrinariamente no sculo XVII, critica os que a exercitam senzarte quasi del tutto, senza prudenza e senza giudicio, classificando-oscomo vulgares (PEREGRINI, 1960a, p. 179). A vulgaridade uma categoriaintelectual e poltica evidenciada no uso indiscriminado de agudezascomo indiscrio e afetao que infringem os decoros da hierarquia.A afetao vulgar , justamente, a hiperdeterminao do modelocorteso. Ridcula pelo exagero, ela evidencia os limites da convenode discrio que pretende ser naturalmente fundada.

    Assim, na regulao retrica dos usos da agudeza, pressupe-seque o intelecto um espelho sempre idntico a si mesmo esimultaneamente sempre vrio, que exprime imagens dos pensamentosdas coisas postas sua frente. Logo, o discurso interior do pensamento entendido como um contexto ordenado de imagens, fantasmas, queexistem na mente antes da representao exterior. Quando soexteriorizados, a representao definida como ordem de signossensveis copiados das imagens mentais como tipos do arqutipo.4

    Obviamente, as representaes da agudeza no so cartesianas, porisso no fazem distino entre conceito e imagem. Todo signo definioilustrada, como se l no Prlogo do tratado de Cesare Ripa,Iconologia, de 1593. Definido como metfora, n de conceito-imagem, o signo relaciona o pensamento e a sua representao exterior.As formas exteriores pintura, escultura, poesia, msica, dana, gestos,roupas, cores etc. so classificadas segundo o sentido antigo degraphein, verbo relativo faculdade do desenho, significando-se com anoo de desenho a forma interior ou o desenho interno produzidona conscincia quando, no ato do livre-arbtrio do autor que inventa asagudezas, seu juzo aconselhado pela luz da Graa inata. Resultandoda aplicao ajuzada da tcnica latina de evidentia por meio de letras,sons, linhas, massas, volumes, cores e gestos, as metforas exteriorespem em cena o desenho interno como a virt visiva dos preceptistas

    4 Arqutipo o nome que os preceptistas seiscentistas do agudeza do pensamento antes daexpresso exterior.

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    italianos do sculo XVI. Fala-se ento que a pintura realiza o desenhointerno por meio da aritmtica, da geometria e da ptica, comocommensuratio ou proportio, para produzir o fingimento de sombras, corese volumes que enganam a vista do espectador pela perspectiva que fazcom que coisas distantes paream menores e vice-versa, da mesmamaneira como a poesia e as outras artes do discurso calculam, comproporo, os efeitos visualizantes que movem os afetos.

    Um exemplo doutrinrio rotineiro o do pintor grego Timantes,que teria figurado o dedo do p de Polifemo com a mesma altura dascolunas de um templo, com uma sindoque engenhosamente aguda.Vendo apenas a parte monstruosa, o observador imaginaria a dimensototal do corpo ausente do cclope e o espanto lhe proporcionava prazerintelectual, pois tambm se maravilhava com o engenho e o artifciodo pintor. Outra alegoria doutrinria a anedota da cabea de PalasAtena, encomendada pelos atenienses a dois escultores concorrentes,Fdias e Alcmene. Quando prontas, os juzes riram muito da peaesculpida por Fdias, que era muito deformada, e escolheram a deAlcmene, que tinha todas as partes harmnicas. Mas Fdias lembrouque a pea tinha sido encomendada para ser posta sobre uma colunaalta e, quando a sua foi elevada a trinta metros de altura, ficou toproporcionada sua beleza que espantou a todos, ao passo que a deAlcmene, to formosa quando vista de perto, sobre a coluna pareciaum borro informe e sem arte. Como diz Tesauro, Fdias tinha oengenho to agudo quanto o escalpelo e calculou, no estilo da obra, aexata distncia da sua observao adequada, esculpindo-a segundo umaarte cenogrfica que calcula, nas deformaes da forma, a posio exatada sua recepo (HANSEN, 1995).

    A alegoria dos escultores doutrinria, como foi dito, sendoaplicada pelos retores seiscentistas para significar que os estilos agudoscompem o ponto de vista do destinatrio cenograficamente, comoreproduo da excelncia do juzo do autor no estabelecimento derelaes inesperadas entre coisas e palavras. Ou seja, o destinatriorefaz o processo de inveno da agudeza visvel nas vrias perspectivas

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    de recepo encenadas na tcnica aplicada e , por isso, to engenhoso,perspicaz e verstil como o autor. Logo, as prticas seiscentistas daagudeza no eram barrocas, como so classificadas, nem informais,excessivas, acumuladas, desproporcionais, fteis, pedantes eoutras generalizaes neoclssicas, romnticas e positivistas correntes.Nelas, a representao exterior imita as articulaes do pensamento,que so as das coisas, as res da inventio. As artes que operam com agudezaspressupem uma lgica da imagem, sempre definida como imagem retricaque funciona, nas obras, como um argumento sensvel aplicado aodesenvolvimento das tpicas. No ato da inveno, quando o poeta improvisaoralmente ou escreve, a forma do conceito interior da sua mente recortadaem uma matria, som da voz ou letra escrita com pluma de ganso. Oconceito representado exteriormente o resultado de um juzo que atuano engenho como causa eficiente da imagem mental. A forma exteriortambm poderia ser recortada em uma substncia plstica, como pinturaou escultura, desde que obedecesse aos mesmos preceitos mimticos dognero aplicado. Os processos da inventio e da elocutio fundamentam nouma esttica, que pressupe a psicologia, a contemplao desinteressadae a livre-concorrncia das obras como a mercadoria originalidadeapropriada por pblicos dotados de autonomia crtica, mas uma tcnica,que um saber-fazer ou uma cincia retrica dos preceitos, procedimentostcnicos e efeitos verossmeis e decorosos especfica da racionalidade no-psicolgica da mmesis aristotlica reciclada neo-escolasticamente. Segundoesses critrios, as preceptivas seiscentistas so formuladas como uma lgicade tpicas da inveno e da disposio e uma tcnica da sua elocuo aguda(KLEIN, 1998, p. 117-140).

    Em 1639, em Delle Acutezze, che altrimenti spiriti, vivezzee concetti volgarmente si appellano, Matteo Peregrini props muitominuciosamente 25 cautelas para o uso das agudezas, teorizando alindiscreta affetazione delle acutezze, a indiscreta afetao das agudezasou seu uso indecoroso, segundo a oposio indiscreta afetao/discriojudiciosa. Novamente, a discrio definida como racional, justa,decorosa, avaliadora das situaes, ao passo que a afetao irracional,

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    injusta, indecorosa e imprudente. O uso indiscriminado da agudeza vulgar, prope Peregrini, quando, para atingir a turba popular, seusautores fazem uma coisa ser outra, misturar-se com outra, produzindoentes a partir do nada, como aparncia e multiplicidade ilusrias, compretenso de simulacro. Alm disso, pondera, a fama e a honra atribudasaos autores sempre agudos pela turba popular so desonras, pois amesma turba destituda de juzo e, assim, incapaz de conferir honra.Como norma geral dos usos, Peregrini relaciona a agudeza com o gnerocmico, para prescrever que, nos ditos espirituosos, que visam o delectare,ela mais tolervel que nos argumentos srios (PEREGRINI, 1960b, cap.XII). Assim, tratando do decoro dos gneros baixos, afirma que lcitoo uso de agudezas empoladas e frias, evidentemente premeditadas, parafazer rir. Adverte, porm, que o defeito do juzo ou a inpcia domotejador, de um lado, e a feira da coisa motejada, de outro, tornam aagudeza mais desprazerosa que o mero prazer da sua novidade.Composies viciosamente agudas no so agradveis, exceto para osque so privados de juzo e se deleitam com elas; por isso, a agudeza sempre louvada pela turba popular. Levada apenas pelo efeito danovidade, a plebe incapaz de ajuizar seu artifcio e sua adequao.Tambm os adeptos do estilo moderno, como Peregrini chama odiscurso dos praticantes do conceptismo engenhoso hoje classificado debarroco, os infarinatti di lettere, pedantes com a pretenso de tudosaber, louvam a agudeza sempre, porque, com a sua presuno, aplicam-na a torto e a direito, demonstrando que tm o juzo muito corrompidoe que efetivamente pouco ou nada sabem. Nos dois casos, ignorncia dovulgo e afetao de letrados, a agudeza criticada segundo o critrio dodecoro, que implica necessariamente o do juzo. Os que no tm o juzoperfeito admiram-na pela novidade, que grande, e que sempre produzo efeito de grandemente agradar. A feira do caso cmico necessita,contudo, para ser bem conhecida, de uma discretezza giudiciosa, umadiscrio judiciosa. Passo a comentar brevemente as 25 cautelas parao uso das agudezas, supondo o interesse das prescries para especificarhistoricamente os usos seiscentistas da metfora:

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    1. Devem ser evitados todos os gneros de agudezas viciosas. No caso,Peregrini leva em conta o decoro interno e externo na qualificao devcio. O vcio uma inpcia que fere a verossimilhana.

    2. Deve-se evitar o excesso: guardarsi dalla copia. O preceito valeprincipalmente nos gneros baixos. No caso, Peregrini cita Ccero: Arareza dos ditos agudos distingue o orador do bufo.5

    3. Deve-se evitar a afetao: lacutezze hanno de esser lungi da ognicolore daffettazione. A agudeza decorre da rapidez do engenho; naafetao, evidencia-se o estudo ou a premeditao do dito agudo, quefica frio e perde a graa. Obviamente, em gneros baixos, a afetaoest prevista como ironia e sarcasmo; por exemplo, na composio detipos vulgares, como o palhao sem tato, que no pra de produzirditos agudos e maledicentes.6

    4. Deve-se manter o decoro. Esta prescrio nuclear e Peregrinicita Quintiliano com ela: quem e sobre o qu e de quem e contra quem e oqu diga.7 tambm o caso do sermo sacro transformado em cenade Plauto ou Terncio quando as agudezas so dissociadas da teologia,segundo Vieira, no sermo da Sexagsima, de 1655: Pregam palavrasde Deus, mas no pregam a palavra de Deus.

    5. Deve-se evitar a agudeza nos lugares-comuns afetuosos. No caso,Peregrini refere as agudezas que evidenciam a preocupao de serengenhoso ou que tm sabor de zombaria. No sculo XVII, o uso deagudezas com esse sentido uma tpica corrente na constituio detipos infames, que preferem perder amizades a perder a oportunidadedemonstrar sua baixeza com ditos agudos que ferem. , por exemplo, omodo como o Licenciado Rabelo compe a personagem Gregrio deMatos como infame, em seu Vida do Excelente Poeta Lrico, o DoutorGregrio de Matos Guerra, na anedota em que o poeta, conversando

    5 PEREGRINI, op. cit., cap. XII. Cf. CCERO: raritas dictorum distinguet oratorem a scurra, Deoratore II, 60, 247; cf. tambm ARISTTELES, tica, IV.6 Cf. CCERO: [...] ea quae meditata putantur, minus ridentur, De or. II, 56. Esta uma razopor que a agudeza na resposta mais saborosa que em outras circunstncias. Cic. De oratoreII, 56, 230: celeritas ingenii maior videtur. Cf. tambm SNECA, Retor. Controversiae et suasoriae,VII: Nihil tam inimicum quam manifesta praeparatio.7 QUINTILIANO. De inst. orat. VI, 3: quis et in qua causa et apud quem et in quem et quid dicat.

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    com um senhor de engenho pernambucano, v um boi com um nicochifre. O animal pertence ao fazendeiro e Gregrio diz que seu destino ser acusado de satrico, porque assim ser interpretado se, naquelemomento, disser que o animal boi de um corno s. Segundo Peregrini,a brincadeira nos lugares-comuns de afeto no s torna seu autor ridculoe indecoroso como tambm impede a comoo e estraga totalmente oefeito pretendido pela arte.8 Como ironia, no entanto, a agudeza produzida muito eficaz, por exemplo, em declaraes de amor jocosas ou emstiras nas quais se finge a amizade para melhor agredir.

    6. Deve-se usar a agudeza para fim relevante. Ccero distingue obufo do engenho desdenhoso pela freqncia do uso das agudezas.9

    7. Idem. Pessoas prudentes e graves usam pouco as agudezasjocosas; e somente na conversao, quando respondem. SegundoPeregrini, produzi-las o tempo todo ndice de engenho ventoso.

    8. Deve-se evitar a agudeza em composio grave. Grave, no caso,aplica-se especificao da matria do discurso. Por exemplo, na oratriadeliberativa e na judiciria, gneros geralmente srios, a agudeza no to prpria quanto no gnero demonstrativo, que grave, como louvor,e no-grave, como vituperao.

    9. No gnero demonstrativo ou sofstico, de assunto ameno eligeiro, ad ostentationem compositum, e que s demanda a audientiumvoluptatem, impe-se a agudeza jocosa. O que tambm acontece nastira; por exemplo, em Quevedo, Caviedes, Sor Juana, Lord Rochestere na poesia atribuda a Gregrio de Matos.

    10. Evita-se a agudeza no gnero doutrinrio puro (ou didtico),porque o mestre sustenta uma persona grave, alheia a brincadeiras;contudo, admite-se a agudeza sria.

    11. Evita-se a agudeza no discurso narrativo, ou histrico, porqueprejudica o provvel e, logo, o verossmil. Se Plutarco escrevesse a vidade Alexandre com agudezas jocosas, o argumento herico seria ridculo.Na obra histrica, vetada a agudeza como obra do narrador, mas no

    8 QUINTILIANO. De inst. orat. XI, I, 52: tudo que se junta simples linguagem dos afetosdestruir toda a sua fora.9 CCERO. De orat. II, 60, 247: totum diem et sine causa.

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    a agudeza das prprias coisas narradas, devendo-se estabelecer diferenaentre o objeto e a qualidade da sua eloqncia. Na narrativa fantstica,contudo, admite-se, quase que por definio.

    12. Admite-se a agudeza como exerccio, como as composiesfeitas por jovens para adquirir destreza tcnica do engenho e da arte.

    13. A comdia, segundo a qualidade das personagens, admitetodos os gneros de agudezas, principalmente as jocosas e as pungentes.

    14. Agudezas srias so prprias de composies srias e soconvenientes para ensinar e comover.

    15. As agudezas jocosas convm moderadamente na conversao;caso contrrio, tem-se a bufonaria.10

    16. Usam-se as agudezas pungentes em todos os lugares em quese acuse, repreenda ou coisa do gnero. Lembro o poema atribudo aGregrio de Matos que, atacando Antnio Sousa de Meneses, governadorda Bahia entre 1682-1684, explicita o uso da variante cmica maledicentia: j velho em Poetas elegantes/O cair em torpezas semelhantes. Ognero demonstrativo no s admite tais torpezas agudas, mas as exige;no caso, Peregrini d como exemplo o Apocolocyntosis, de Sneca,em que o imperador Cludio vira abbora.

    17. As agudezas puras, ou graciosas, no tm lugar em temaque no seja por natureza apto para jogos e brincadeiras. Alis, inpciano us-las quando o tema ldico.

    18. mais tolervel a abundncia de agudezas pungentes que oexcesso de puros chistes, pois estes fazem do homem que os enunciaum tipo de engenho vo.

    19. Os motes e os ditos agudos ridculos devem ser usados commuita circunscpeco no s quando escritos, mas em toda ocasio.Agudezas lascivas ou obscenas so prprias para pessoas vis11.

    20. Composies breves, como epigramas, sonetos e madrigais,exigem agudeza proporcionada ao seu tema, grave se o tema grave;jocosa, se jocoso; irnica, se irnico; e ridcula ou maledicente, se o

    10 A caracterizao do tipo satrico como bufo faz Gregrio de Matos ser O Boca do Inferno,na Bahia, e Caviedes, Diente del Parnaso, no Peru.11 Quintiliano. De inst. orat. VI, 3, 28: lascivia humilibus.

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    tema baixo. O que longo tem lugar para outros ornamentos e afalta da agudeza pode ser suplementada por eles. Assim, nos discursosbreves, a agudeza se impe porque, se no ocorre, o discurso parece tersido feito s para dizer a coisa, no para evidenciar o engenho.12

    21. Quando o principal fim mover com o riso, as agudezasfrias ou viciosas podem ser usadas, mas deve ser claramente evidenteque se destinam ao riso.

    22. O peso do afeto pode justificar o vcio da figura que porventuraesteja na agudeza. No caso, Peregrini discute a paronomsia ou trocadilho,dando como exemplo um de Ccero contra Verres: Deverias ter exigidoum navio que navegasse contra os predadores, no com a presa.13

    23. As partculas temperadas podem justificar ou purgar ovcio no uso e na substncia das agudezas: quase; como; talvez;diria que; seja-me permitido; parece; por assim dizer etc. Comoum remdio para o excesso, as partculas indicam o posicionamentoda enunciao quanto ao tema e circunstncia do uso do discurso,revelando o conhecimento do defeito por parte da persona.14

    24. Nas composies longas, escusvel algum tipo de agudezaviciosa. Lio de Horcio, que afirma que nas composies longas permitido insinuar o sono.

    25. Nos recitativos, principalmente os feitos por jovens, tolera-se alguma licena na qualidade e na quantidade dos ditos agudos. Odefeito do juzo, se a agudeza viciosa, facilmente perdoado, poisalega-se a idade juvenil, naturalmente imprudente, segundo Peregrinie outros preceptistas.

    Em 1644, Baltasar Gracin formulou magnificamente, emAgudeza y Arte de Ingenio, vrias crisis, anlises, definies e

    12 No caso, Peregrini critica epigramas sem agudeza de Ausnio e Marcial, hipervalorizando oepigrama 32 do Livro IV, de Marcial, considerado pelos letrados seiscentistas como um dosmais altos exemplos de conceito engenhoso agudo.13 Cf. CCERO. In Verrem, II, 5, 23, 59: Te exigere oportuit navim quae contra praedones, non cumpraeda navigaret. No caso, Ccero fala da nave Cibea, doada a Verres pelos mamertinos paraconduzir a Roma as riquezas que Verres tinha roubado na Siclia. Cf. tambm QUINTILIANO. Deinst. orat. IX, 3, 74: quando esta afetao ftua e vazia aplicada a pensamentos penetrantes,parece natural, no conseguida.14 Cf. ARIST. Retrica III, 4-5.

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    exemplos de gneros, espcies e circunstncias da agudeza. Mas certamente Tesauro, em Il Cannocchiale Aristotelico (1654), quedilata a proposio modelar das tpicas, sistematizando a doutrinacomo teoremi pratici, teoremas prticos, que permitem produzir e usaras metforas agudas com proporo. Para formular seus teoremi pratici,Tesauro compe um ndice categrico, que uma tabela com as dezcategorias aristotlicas e regras para sua aplicao dialtica s matriasa serem representadas.15 A aplicao engenhosa das categorias permiteformular ditos agudos, pois o engenho a capacidade intelectual depenetrar nas coisas da inventio por meio delas: substncia, quantidade,qualidade, relao, ao, paixo, situao, tempo, lugar e hbito. Ou seja:cada categoria aplicada a um tema determinado permite fazer umadefinio, achar uma semelhana ou uma diferena, e, ao mesmo tempo,operar uma variao elocutiva delas, combinando-as. Por isso, a agudeza definida por Tesauro como ornato dialtico ou imagem produzidacomo a sntese rpida de uma ou de vrias anlises categoriais dosconceitos.

    Tesauro explica que, sob a categoria de substncia, vem Deus,ainda que esteja acima de toda categoria: as divinas pessoas da Trindade;a Idia; os deuses fabulosos. Os deuses celestes, areos, marinhos,terrenos, infernais; os heris, homens deificados. Anjos e demnios. Ocu e as estrelas. Os signos celestes e as constelaes, ou imagens daoitava esfera. O Zodaco e todos os crculos e esferas imaginrios. Osquatro elementos, os vapores, que so fumos quentes, e as exalaes,frios. O fogo, a esfera gnea, os fogos subterrneos. O ar e seus meteoros,estrelas cadentes, cometas, raios, ventos, neves, chuvas. A gua e osmares, rios, fontes, lagos. A terra, campos, prados, solides, montes,colinas, promontrios, vales, precipcios. Os corpos, mistos inanimados,pedras, mrmores, gemas, metais, minerais, plantas, ervas, flores,rvores, arbustos, corais. Animais terrestres, feras, e aquticos, e areos,pssaros, e os monstros. Homem, mulher, hermafrodita... Existe

    15 Cf. ARISTTELES. Organon I. Catgories. II. De linterprtation. Trad. de J. Tricot. Paris :Librairie Philosophique J. Vrin, 1936.

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    tambm a substncia artificial, ou as obras de toda arte: nas cincias,livros, penas, tintas; na matemtica, globos, mapas-mundi,compassos, esquadros. Na arquitetura, palcios, templos, tugrios,torres, fortalezas. Na arte militar, armas, escudos, espadas,tambores, tubas, cornetas, bandeiras, trofus. Na pintura eescultura, quadros, pincis, cores, esttuas, escalpelos. Alm dasubstncia fsica, o engenho tambm considera a substncia metafsica,como o Gnero, a Espcie, a Diferena, o Prprio, o Acidente emgeral: o nome, o cognome e noes semelhantes. Aqui, Tesauro dum pequeno aviso: as metforas de acidente so mais convenientesque as de substncia, porque implicam relaes mais adequadas representao visualizante prpria da evidentia.

    Sob a categoria de quantidade, o engenho deve considerar aquantidade do tamanho: pequeno, grande; longo, curto. A quantidadenumrica: nenhum, um, dois etc., muitos, poucos. A quantidade depeso: leve, pesado. A quantidade de apreo: precioso, vil. E a quantidadeem geral: medida, parte, todo: perfeito, imperfeito: finito, infinito,divisvel, indivisvel, proporcionado, desproporcionado, maior, menor,igual etc. Pela categoria qualidade, so inventadas imagens quepertencem viso: visvel, invisvel, aparente; belo, disforme; claro,obscuro: branco, negro, prpura etc. Ou que pertencem audio:som, silncio, harmnico, desarmnico. Ao olfato: suave, forte. Aogosto: saboroso, insosso etc. Ao tato: quente, frio, seco, mido, liso,spero etc. Aqui, temos tambm as qualidades figurais: direito, torto,redondo, quadrado, agudo, obtuso etc. E o que Tesauro chama dequalidades exteriormente denominantes: fama, infmia; honra, desonra,fortuna, infortnio. Ou as qualidades internas naturais: so, doente,prazeroso, doloroso. Tambm existe a qualidade de paixes: alegria,tristeza, amor, dio, esperana, medo. E qualidades intelectuais:sabedoria, ignorncia, arte, inpcia. E, obviamente, qualidades morais:a virtude e a infinitude dos vcios.

    A categoria relao d conta do parentesco e da companhia, daamizade e simpatias, das inimizades e antipatias, dos semelhantes, dos

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    contrrios, dos opostos, do superior, do inferior e tambm das causas dascoisas: causa eficiente, efeito, causa material, forma, causa final, privao,nomes, ttulos, verdade e falsidade. Com as categorias de ao e paixopodemos pensar em: potente, impotente; fcil, difcil; nocivo, inofensivo;til, danoso etc. E em operaes naturais: nutrir, produzir. Em operaespolticas: reinar, julgar, guerrear, tiranizar. Em aes mecnicas: fazer, desfazer,cansao, cio, calma. Em aes cerimoniais: festivas, fnebres, sagradasetc. Quanto categoria situao, lembramos: alto, baixo, plano, jacente,pendente, cruzado, direito, esquerdo, mdio, dentro, fora etc. E com acategoria tempo: momentneo, durvel, novo, velho, principiar, acabar.Quanto categoria lugar: pleno, vazio. Movimento: veloz, lento, direito,oblquo: de um lugar, por um lugar, perto de um lugar, em direo a umlugar etc. Quanto ao ter, ou posse: rico, pobre; vestes, empresas, divisas,armas, ornamentos, instrumentos etc.

    A aplicao das dez categorias aristotlicas a um temadeterminado permite inventar dez definies ilustradas ou conceitosbsicos do mesmo; simultaneamente, a versatilidade do autor encontra,para cada um dos conceitos obtidos, uma metfora adequada parafigur-lo por atribuio, proporo e proporcionalidade, produzindo oespanto no destinatrio. Como dizia Marino com um hiprbato tambmmaravilhoso, do poeta o fim a maravilha para far stupire, espantar.O espanto pode ser intensificado, pois a combinao das categoriaspermite traduzir cada uma das dez metforas iniciais por outrassemanticamente mais distantes, por assim dizer laterais, emformulaes agudssimas. Imagine-se que vamos compor um poemade gnero baixo e que resolvemos aplicar o termo ano para caracterizaro personagem como tipo ridculo. Quando se examina o termorepassando-o pelas categorias por exemplo, a categoria quantidade, que a primeira das acidentais possvel achar inmeras metforas de coisaspequenas em coisas elementares, como tomo e gro de areia; emcoisas humanas, como pigmeu e unha; em animais, como formiga,pulga, mosca, caro, escama de peixe; em vegetais, como grode trigo, e, ainda, em objetos; entre eles, os militares, como umbigo do

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    escudo etc. Por meio da categoria quantidade, pode-se dizer, por exemplo,Esse umbigo do escudo para significar Esse ano.

    Quando so repassadas todas as coisas pequenas necessrias parainventar metforas adequadas representao do tema, convenientefazer uma formulao ainda mais engenhosa, mais aguda e de maiordificuldade. Por exemplo, junta-se a um termo inventado pela categoriaquantidade outro termo, que inventado por meio das outras. Assim,quando j se repassou o ndice pequeno por todas as classes que foipossvel achar da categoria quantidade, pode-se cruz-lo com outrasclasses obtidas por meio das outras categorias. Com termos da mesmacategoria quantidade, pode-se dizer, na comdia ou na stira, que Esseumbigo do escudo mais parece um caro ou Esse umbigo uma pulga. Osgneros baixos admitem, por definio, essas incongrunciasinverossmeis que se tornam verossmeis para figurar a desproporodos vcios e tipos viciosos. Os seiscentistas as chamavam deinconvenincias convenientes e despropsitos propositais. A mesmametfora pulga, por exemplo, pode ser a base de novas metforas oude novos poemas. No de John Donne, The Flea, o corpo negro doinseto figurado pela metfora escuro templo, obtida por meio dascategorias substncia material e qualidade. Porque sugou o sangue dohomem que fala mulher tambm picada e porque o casamento fuso de sangues e os sangues de ambos esto misturados no interiorda pulga, Donne conclui que esto casados; e como o casamentocostuma ser oficiado em lugares consagrados, o inseto que os picou um templo, escuro templo.

    Tesauro acompanha as receitas de duas advertncias: a primeira a de que nem todas as partes encontradas pela aplicao das categoriasso sempre combinveis entre si de modo prazeroso, til e persuasivo,devendo-se evitar a mala affectatio, a afetao e a decorrente frieza.Como Peregrini, lembra que se deve efetuar a afetao nos gnerosbaixos ou cmicos, pois neles a inverossimilhana aplicada depropsito, uma vez que o excesso verossmil para representar a faltade unidade dos vcios. Como em um poema contra o governador Sousa

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    de Meneses atribudo a Gregrio de Matos e Guerra, em que a personasatrica afirma: O que te vir ser todo rabadilha/ dir que te perfilhauma quaresma, chato percevejo, que figura o tipo como rabadilha,metfora que significa o cccix da galinha. A evidentia, no caso, umafigurao srdida, que faz o leitor ver um cccix que anda encolhido,chupado que vai por uma quaresma ou percevejo. A metforarabadilha corresponde categoria aristotlica substncia material, queo poema combina com outras para efetuar novas monstruosidades.

    A segunda advertncia de Tesauro complementar: no se deveficar totalmente preso ao ndice e ordem das partes das categorias,pois elas podem ser misturadas, antepostas ou pospostas. No caso, s o juzo dos autores das agudezas que deve ser o companheiroindivisvel do engenho (TESAURO, 1670, p. 112). Por exemplo, o mesmopoema atribudo a Gregrio mistura as categorias hbito, qualidade,quantidade e relao para figurar o governador como tipo vulgar,subserviente e puxa-saco, o tpico porteiro de palcio nosso conhecido:O rabo erguido em cortesias mudas/Como quem pelo cu tomavaajudas. Versos que ficam mais agudamente obscenos, se nos lembramosde que, no sculo XVII, o termo ajuda tambm significava clister.