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HEGEL

Para explicar e analisar a obra de um filósofocomplexo como Hegel, nada melhor do que aclareza e a lucidez de François Châtelet. Con-sidera-se usualmente que a apresentação deum filósofo requer um relato de sua vida. Masapresentar Hegel desse modo poderia parecerinadequado. Não só a vida de Hegel foi relati-vamente tranqüila e rotineira, como ele própriomostrava-se avesso, por temperamento e porconvicção, a permitir que as peculiaridades desua vida e personalidade se intrometessem emseu pensamento filosófico.

Em outras palavras, o que este livro expõe é aobra do inventor da dialética, ou seja, do in-signe assassino da filosofia. Isso significa que

Châtelet atribui mais significado à inter-pretação lógica dos textos do que destaca seualcance existencial e humano. Sobre o homem,muito se tem falado desde a morte de Hegel.Mas pouco se disse do Espírito, da cultura (oudo pensamento) como sistema, como realidadeteórica que em sua realização esgota suanatureza real e produz seus efeitos próprios.É importante interrogar-nos sobre até ondeHegel foi nesse empreendimento insensato(para o senso comum): realizar a Ciência, odiscurso absoluto.

Um dos objetivos precfpuos deste livro é esta-belecer o que é — na concepção hegeliana —a dialética, e mostrar que não ê, nem poderiaser, senão num sentido deturpado, um método.Essa atitude significa, de saída, que se exclui,a possibilidade de "resumir" o hegelianismo,pois, no que se refere a Hegel, toda exposiçãosimplificadora se baseia na idéia de que a dia-lética é um método, uma via de acesso (tantoa Hegel como ao Ser), um procedimento dopensamento (o melhor, dentre outros).

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François Châtelet

HEGEL

Tradução:Alda Porto

Revisão técnica:Geraldo Frutuoso

mestrando em Filosofia, IFCSNFRJ

Jorge Zahar EditorRio de Janeiro

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Sumário

Tradução original:Hegel

Tradução autorizada da sevntla edição francesa,publicada em 1992, por t itions du Seuil,de Paris, França, na .coleção tcrivains de Tcujours

Copyright O 1968 e junho de 1994, Éduma du SeuilCopyright O 1995 da edição em língua portuguesa:Jorge Zahar Editor Ltda.rua México 31 sobreloja20031-144 Rio de Janeiro, RjTel.: (021) 240-0226 / Fax: (021) 262-5123Todos os direitos reservados.A reprodução não-autorizada desta publicação, no todoou em pane, constitui violação do copyright (Lei 5.9881

Capa: Gustavo MeyerMarmorização: Mariana Zahar

aCIP-Brasil, Gtalgaçaoasfwaek to Nacional Aos (domes de LiNm, RI.

Chalrei«, Danceis, 1925- Io333C437h Ilegel 1 Porfio'. Chibas; (sedoso, Alda Pano; ra-

risotécnira, Geraldo Frutuoso- — Ris de Janeiro:Ja¡ge 2ahar Ed., IP25.

209p. - (alMlokca de filosofia)

Tradçb de: MeteiContém dados biográficosInclui biblbpaluIS9N.85-1119-33 3-8

1. Nego', Gexg 5N51heãn FrbdkM1, 117041931. 2.f ilosofia abona. 1. Titulo. II. SNie.

coU 19395-1666 . CDU1 (4 31

Introdução 7

1.A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMAOs trabalhos de juventude 21Hegel, a metaflsica e a história 23O contexto intelectual 26O projeto metafísico 35Questionamento e tealizaçeo da metafsica 55

2. O SISTEMA: Da Consciência ao EspiritoExperiência e nacionalidade 69Da "Consciência" ao Espirito 72

3. O SISTEMA: O Saber absoluto 81

4. O SISTEMA: A Vida históriaA atividade flsia 101As "Ciências humanas" 103A atividade anistia 108As atividades religiosas 112A família, a sociedade e o Estado 123Racionalidade e história 138O "fim da História" 152

Conclusão 155

Cronologia 172

Notas 189

Bibliografia 195

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Introdução

Trataremos aqui de Hegel, ou seja, do triunfo e da consumação dafilosofia clássica, ou, caso se prefira, da metafisica. Vale dizer queo objeto a ser evocado é de tal importância que convém especificarantes de tudo o que pretende o texto a seguir e o que deve esperaro leitor.

Falaremos pouco da biografia de Georg Wilhelm FtiedrichHegel. nascido a 27 de agosto de 1770, em Stuttgart, morto decólera aos sessenta e um anos, amigo — na primeira juventude —do poeta Heilderlin, aficcionado pela carreira universitária, discípuloexaltado nos primeiros anos de aprendizagem do jovem Scbelling,corrigindo os originais de sua primeira grande obra quando troavamos canhões de Iene, professor bem-sucedido e bastante dogmáticoem Berlim apóacompletar cinqüenta anos. Não tentaremos recons-tituir o devir de uma subjetividade às voltas com as palavras e osfatos. A empreitada, claro, não deixa de ser interessante — estu-diosos apaixonados a realizaram com sucesso —, mas tem umobjetivo demasiado restrito quando se trata de um pensamentofundamental. A paciência e o ardor do pesquisador podem semdúvida remediar a contingência da informação. Além disso, no quese refere a Hegel, Aristóteles, Spinoza ou Kant e, mais em geral,a todo teórico que pretendeu — por motivos inconfessos e talvezinconfessáveis — constituir-se como tal, o essencial está não nasmotivações pessoais, mas nos textos. É o discurso e. - mais exata-mente, os escritos, que permanecem. e que devem ser compreen-didos como momentos decisivos da cultura.

Esta análise, portanto, não terá por objeto Hegel como "alma',aquela alma definida no Resumo da enciclopédia das ciências/ìluifcas como sendo ainda apenas °o sono do espirita"'; tam-

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8 HEGEL INTRODUÇÃO 9

pouco se situará no nível da simples "consciência"; tentará colo-car-se imediatamente na perspectiva do que Hegel chama de Es-pirito, isto é— permitamo-nos, nesta introdução, uma aproximação— na perspectiva da cultura concebida como totalidade sistemáticadas obras.

Tampouco insistiremos nas etapas da formação do sistemaObras notáveis e contestáveis foram consagradas a esse assuntopor G. Lukács, J, Wahl, J. Hyppolite, para citar apenas os maissignificativos', que mostram em função de qual curricula n intel-lectualis vitae se forjaram progressivamente os conceitos em tomodos quais se estabeleceu o discurso científico de Hegel. Sem dúvidavale a pena tratar do assunto: é importante que sejam determinadasas questões efetivas às quais o jovem Hegel julgou ter de responder,e quais respostas lhe pareceram pertinentes, e este texto não deixaráde remeter-se aos estudos que acabam de ser citados. Mas não sedeterá nisso. Há dois motivos para essa negligência voluntária: oprimeiro é de ordem formal —as dimensões desta obra não permitemque se reflita sobre uma gênese que só tem sentido quando postaem relação com seu resultado, a Ciência, ciência cuja amplitudeexige a quase totalidade do presente trabalho; o segundo refere-seao conteúdo: o pensamento do "jovem" Hegel, comado "jovem"Marx ou 'do "jovem" ICant, é equivoco: aceita — tributo pago àépoca — uma expressão lírica, toma emprestadas uma terminologiae uma temática nem sempre dominadas; por isso se presta a inter-pretações múltiplas e também bastante contingentes.• E legitimo, claro, considerar que o interesse em Hegel está nas -

pesquisas que ele fez antes de saber-se o pensador que fazia apassagem da filosofia à Ciência, e de ver nele, por exemplo, uminvestigador romântico presa dos dramas da existência (ou umcristão pouco seguro de sua vocação teórica, ou um "revolucioná-rio" que a influência da época logo fez. recair na tradição). Nãofoi o caminho que escolhemos aqui: vamos tentar compreenderHegel como o teórico que escreveu A ciência da lógica, que elevouao mais alto grau a vontade de nacionalidade sistemática, e quenão hesitou em deduzir dela todas as conseqüências nos diversosdomínios do pensamento, da estética à política.

Em outras palavras, o que tentaremos apresentar é a obra doinventor da dialética, ou seja, do respeitoso assassino da filosofia.Isso significa confessar que atribuiremos mais significado à inter-pretação lógica dos textos do que às que destacam seu alcance

existencial e humano. Sobre o homem e do homem, muito se temfalado desde a morte de Hegel. Do Espirito, da cultura (ou dopensamento) como sistema, como realidade teórica que em suarealização esgota sua natureza real e produz seus efeitos próprios,pouco, enfim, se disse. É importante interrogar-nos sobre até ondefoi Hegel nesse empreendimento louco (louco para o senso comum,que sabe o que falar e escrever não querem dizer) — realizar aCiência, o discurso absoluto. Muito interessantes, sem dúvida, sãoas circunstâncias intelectuais que deram a Hegel o projeto e o meiode constituir-se como pensador do Absoluto. Mais interessanteainda ê o sistema desse pensamento que se pretende pensamentodo Absoluto, e que — como tal — define teoricamente as moda-lidades de sua elaboração.. A Pólis grega, o Deus dos judeus, aRevolução Francesa: são apenas acontecimentos, isto é, vestígiosideológicos. O importante é saber como se transformam em con-ceitos.

A obra hegeliana — a da maturidade —, que versa sobredomínios que desfrutam de um interesse maior para nós hoje(sobretudo a Arte, a Religião, o ptado), tem uni duplo caráter osdesdobramentos particulares são muitas vezes de grande dificulda-de; e no entanto a articulação dos conjuntos demonstrativos é deextrema clareza: organiza a diversidade de seu conteúdo segundouma ordem rigorosa que se afirma e legitima constantemente. Daiser grande a tentação do resumo, um resumo do qual sabemos quetalvez peque por omissão, mas que não perderá de vista o essencial.Temos vontade de simplificar o que Hegel disse de maneira com-plicada, mas num discurso bem amarrado. Essa tem sido, desde oexcelente Augusta Vera', a tradição francesa, até .1. Wahl soar ovibrato existencial. Essa tradição se apresentou em inúmeros livrosdidáticos e teses universitárias: Hegel at aparece como o criadorde um método para toda obra, o manco passando a perneta, a pordemais célebre trilogia dialética: tese-antítese-síntese.

Um dos objetivos deste livro será estabelecer o que-é — naconcepção hegeliana — a dialética, e mostrar que não é, nempoderia ser, senão num sentido deturpado, um método. Essa atitude— que será preciso embasar — significa, de salda, que se excluia possibilidade de "resumir" o hegelianismo, pois, no que se referea Elegei, toda exposição simplificadora se baseia na idéia de quea dialética é um método, uma via de acesso (tanto a Hegel quantoao Ser), um procedimento do pensamento (o melhor, entre outros).

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INTRODUÇÃO I IIll NEGO.

Este texto não é de Hegel; remete-se a ele, nele repousa e, aomesmo tempo, nele se defende.

Terá pois bastante lacunas, e quem julgar, lendo-o, que podedeixar de ler Hegel, ou que encontrará aqui um "guia" que lhepermitirá mover-se alegremente por entre os milhões de páginasque o filósofo de Berlim nos legou, se enganará redondamente.Este livro não visará sequer a ser uma "introdução à leitura deHegel", tarefa cumprida de sobra pelo admirável e surpreendentelivro de A. Kojève: tentará, de modo mais simples, e talvez, nófundo, mais audacioso, determinaro lugar que ocupa o hegelianismona constituição da racionalidade contemporânea, compreendidoaqui o termo conslitrdção não só como noção histórica, mas tambémcomo conceito genealógico. Isso quer dizer: alguém pode ser he-geliano hoje, e que significa na verdade um tal compromissoteórico?

De qualquer modo, esse compromisso é significativo: atesta-otoda a história do pensamento desde 1831. Hegel pretendeu-se opensador da modernidade. Julgou — com ou sem razão — que suaépoca era "propicia à elevação da Filosofia à Ciências". Essaconcepção, temos de levá-la a sério aqui, e usá-la como hipótesede trabalho. E é bem verdade, mesmo se recusamos a interpretaçãoque lhe dá Hegel, que esse período de quarenta anos, do momentoem que o estudante começa a compreender, em Tübingen, a im-portância dos acontecimentos que se produzem então, e aquele emque morre em Berlim, é de uma riqueza histórica excepcional. NaFrança, o povo, deliberadamente, se constitui como nação, mataseu rei — e, matando-o, realiza o holocausto instaura a Repú-blica na Inglaterra, a máquina industrial, posta em movimento háalguns decênios, acelera-se e. impõe efetivamente ao homem umanova imagem da sua atividade; na Alemanha, na Itália, o tormentoda unidade. nacional deixa de ser um sonho e começa a tornar-seuma reivindicação que os fatos legitimam.

Logo a paranóia napoleônica lança sobre esses movimentosexplosivos ou subterrâneos; sempre dispares, sua luz ofuscante: oEstado, com sua administração, polícia, exército, poderes de con-trole e centralização, ergue-se como referência última. O êxito daorganização napoleônica é tal que é preciso, caso se queira fazeroposição a ela eficazmente, imitá-la de alguma maneira. Mais queo Reino Unido, protegido por sua insularidade, a Prússia, depoisde lena, cede á tentação. Paradoxalmente, a Revolução Francesa.

que queria libertar os individuos, suscita uma organização maisracionalizada, isto é, de outro modo repressiva, da existência. Debom ou mau grado, compondo-se desajeitadamente com suas tra-dições, os reinos tornam-se Estados e obedecem enfim ao modelojacobino, composição brutal de robespierrismo e napoleonismo(deixemos de lado o bonapartismo, que hoje quer dizer algo total-mente diferente e que não tem nada a ver).

Enquanto esses dramas jogam os povos contra os povos e oshussardos contra as searas, a tradição intelectual, subvertida de altoa baixo, mantém sua vontade de elucidação. De Smith a Schelling,passando por Kant e pelos discípulos políticos de Rousseau eGoethe, o pensamento, instruido pela Idade das Luzes, obstina-seem nada perder, nem do acontecimento nem do conceito. Diantede uma novidade que o arrebata e, ao mesmo tempo, o aterroriza,inventa novas perspectivas, expressões originais, domínios inex-plorados... Áulklarer extremado, Hegel nada quererá perder do quese passa nessa profusão de acontecimentos, ideologias e pensamen-tos. Será seu arquivista genial. E isto eta necessário? Não teriavalido mais a pena ser um desses inventores originais que, atendo-sea um determinado campo, tentam esgotar suas significações? .Porhumildade talvez, ou pelo sentimento de impotência mal conscienteque lhe dava sua situação de professor-alemão de filosofia, Hegelpreferiu ser coletor, não apenas das ideologias de seu tempo e dosacontecimentos nos quais elas pretendem encontrar sua justificativa,mas também das raizes antigas dessas ideologias múltiplas.

Seja ou não inventor da dialética, Hegel é, de qualquer modo,uma testemunha extraordinária. Nada do quetevesentido e alcance,em seu tempo de pensamento, escapa ao seu saber. A extensão eprecisão de sua informação quer se trate de química, filosofiapolítica ou história da arte — são admiráveis. Mesmo que fosseapenas esse coletor cientifico, teríamos a obrigação — nós, queaceitamos tão facilmente a idéia de que o saber é compilação cien-tifica — de compreender em tomo de que princípios se organizae reúne a coleção hegeliana Em outras palavras: mesmo que Hegelfosse um filósofo entre outros, aquilo pelo que se interessou forçadopelo seu tempo o situa numa óptica que faz dele um filósofodiferente dos outros.

Aliás a posteridade imediata ou quase imediata não se enganounesse ponto. Em vida - pelo menos a partir de 1818. Hegel erabastante célebre. E continuou sendo, após sua morte, ao menos

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INTRODUÇÃO 13

durante dez anos, até impor-se, com a ascendo de Frederico Gui-lherme IV ao trono da Prússia, a reação dirigida por Schelling. De1831 a 1840, o ensino oficial da Alemanha reivindica o hegelia-nismo. Victor Cousin, após uma visita a Heidelberg, mantém como filósofo uma copiosa correspondência, em que pede explicaçõessobre um sistema que ele não compreende e que o fascina. Porém,mais importante que a sensibilidade dos professores (muito maistributária da moda do que eles crêem; foi preciso, por exemplo,um século para que houvesse de novo um interesse sério por Hegelna França, e em 1945, apesar das obras e das traduções de A.Kojéve e 1. Hyppolite, o ensino de História da Filosofia, na Sor-bonne, parava em Kant), ê a atitude dos pensadores.

Pelo menos três dos teóricos que estão na base da pesquisacontemporânea tomam o hegelianismo como referência principal.Foi contra a pretensão hegeliana de reduzir a subjetividade a ummomento da constituição finita do Espírito infinito que se construiuo protesto de Kierkegaard; para ele, Hegel foi o professor publicasordinarius' que, por seu desregramento dialético, trapaceou nosdados, tornou impensável e inviável a existência vivida, conside-rando-a apenas abstratamente e sub specie aeterni, eliminou o valorexaltante do desespero, compreendendo-o como simples momentoparcial e'provisório no caminho do Saber absoluto, fez a idêia deimortalidade perder seus recursos mais belos, identificando-a coma onitemporalidade da Idéia, e que destruiu, com sua obstinaçãoem estabelecer o império da Razão, a necessária e perturbadoratensão que está no coração do homem, ou seja do Ser, a tensão doFinito e do Infinito. Hegel é o professor que tudo pensou e que,finalmente, acreditou que tudo se acabava, após a dura semana,nos "domingos da. História". Retoma sempre, no entanto, cadamês, cada ano, o tom cinzento das "segundas-feiras existenciais".Mas quem teria então podido viver o reencontro com a segunda-feirase não se houvesse apresentado primeiro uma teoria da semana edo seu desenrolar? A pendia de Jó se alimenta da riqueza intelectualde Hegel.

É também a pletora teórica que o jovem Manr condena É emfunção dela que ele se situa e desenvolve a critica que, muitosanos depois, o levará 'a definir essa ciência da história que é omaterialismo histórico. Provavelmente é justo dizer, com L. Alt-husser. que Marx jamais foi, propriamente falando. hegelianor.Numa primeira etapa, ele foi, com seus amigos que se diziam

"hegelianos de esquerda", kantiano, ou pelo menos discípulo deum voluntarismo moral e político herdado da Idade das Luzes;mm segundo momento, é à crítica feuerbachiana que ele se apega;e só quando realmente se liberta Os o terá feito algum dia comple-tamente?) dos a priori ideológicos da filosofia da história hegeliana.d que pode tarar-se marxista.

Nem por issoé menos verdade que é quando ele se inscrevena perspectiva de Feuerbach, quando critica, por referência à rea-lidade social efetiva, a sistemática hegeliana, que prepara a rupturadecisiva. Refletindo — como leitor instruído pelo realismo bege-limo — sobre a interpretação enõnes e moralizante que seuscompanheiros não-hegelianos do aos Princ4nos da filosofia dodireito, descobre os conceitos, graças aos quais vai elaborar suateoria revolucionária do Estado... E, cima, é simples "coquetismo"de Marx forçar a marcha dialética begeliana do Capital. Mas,mesmo sendo "coquetismo", é bastante significativo. Implica —como lembrará Lenin, nem sempre tão feliz em suas formulaçõesteórico — que toda análise científica, toda produção de conceitosque garante uai efeito de conhecimento legitimo e eficaz passapela lógica hegeliana', mesmo que seja apenas para ultrapassá-la(ou mesmo ir contra).

Mais sêria, mais significativa, mais eloqüente ainda parece arelação — negativa, também ela — que Nietzsche introduz; tudose passa, no tirado, como se um dos princípios de avaliação —talvez omais importante—adotado porNietnehe seja-o julgamentoque se deve Cear sobe Sócrata-PWBo, de um lado, e sobre oidealismo kantiano e soba Hegel, do outro. O platonismo —primeiro elo da carente — e o hegelianismo e seus epígonos —o último — são os elementos determinantes desse devir que levam advento do niilismo. G. Delemd tem muita razão ao salientar:"O aati-hegelianismo atravessa a obra de Nietzsche, como o fioda agressividade." Na obra hegeliana, realiam-se e organizam-selogicamente os meios de_fazer triunfar o ressentimento, as forçasCativas e equalizadoras que estão na origem da vontade filosófica:melhor que todos os idealistas, Hegel, para o autor da Gaia Ciência,pôs em ação as fraudes que presidem os exercícios rituais dostaumaturgos da razão dominadora.

A dialética, como estrutura do discurso, é o procedimentopelo qual o filósofo julga assegurar a integral transparência doSer, dialética que tem a mágica virtude de estabelecer a corres,-

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pendência correta entre os momentos do pensamento e a diver-sidade sistemática da existência Desempenha o papel da tragédia,insistindo na presença das contradições:- não passa de um jogo,que não tem nem mesmo a seriedade dos jogos infantis, poislogo retorna ao otimismo originário dos pregadores morais, certosem sua suficiência universal de que terão sempre a última palavra,aqui chamada: síntese. Ela, que pretende eliminar todos os pres-supostos, pressupõe a realidade (isto é, a possibilidade) de umacompleta revelação da verdade da existência. Deus compreendeuoutrora que, se queria : sobreviver, devia descer à terra: fez-seRazão. Com Platão, com o cristianismo, falou grego; com Hegel,emprega o jargão dialêtico.

Ora, Deus sempre esteve morta p o fantasma finalmente amá-vel de Deus que o Saber absoluto hegeliano veicula. A oposiçãode Nietzsche a Hegel ê•brutal, sem meios-termos; e certamente nãoé observando analogias terminológicas e as ressonâncias nacionaisque poderemos reduzi-la. Mais que Kierkegaard, e tanto quanto oMarx da maturidade, Nietzsche está em ruptura com o hegelianismo.

Poderíamos dizer -de uma forma esquemática, e utilizandoo próprio vocabulário da Ciência da lógica — que a ótica deKierkegaard é a negação abstrata da de Hegel: o que ela nega, ofaz com os meios tomados emprestados à concepção que rejeita;por isso, o subjetivismo do Tratado do desespero corre o risco deser apenas — apesar da profundidade e verdade de sua contestação— um elemento do sistema a que se opõe: o filósofo hegelianoestará sempre em seu direito, porque Isso faz parte da lógica dadoutrina admitir, integrar, isto é, reduzir o protesto do indivíduoinebriado de infinito: não demonstre o sistema que está precisa-mente na natureza do indivíduo protestar, e dessa maneira?

A negação de Nietzsche —como a que a obra de Marx implica— é efetiva. Situa-se deliberadamente fora dos valores que estãona origem do discurso hegeliano. Constitui este último não comoerro ou afirmação, mas como tolice, aberração ou violência (aceitae inaceitável). Contudo; essa mesmáexterioridade radical, definidapor ela, e cujas conseqüências desenvolve, não pode deixar de tera ver com o que nega. Não é que as teorias de Marx ou de Nietzschenão possam ser compreendidas jamais como elementos da teoriahegeliana. Elas não dependem logicamente do saber como o defineHegel: estão ligadas a ele ideologicamente ou; caso se prefira, his-tericamente.

Em suma, Hegel nos interessaporque provocou a cólera ingênuade Kierkegaard, mestre pensador de tudo que • há de existencial ehumanista na pesquisa contemporânea: Interessa-nos mais aindaporque sistematizou os conceitos segundo os quais esses "inven-tores" que são Marx e Nietzsche julgaram ter de definir sua vontadede ir além, além dessa repetição enfadonha que é a história con-cebida segundo as normas da racionalidade-rnetafisica.

Hegel não é apenas a ocasião, para Kierkegaard de se queixar,• para Marx de realizar, para Nietzsche de recusar: ele determinaum horizonte, uma língua, um código dentro do qual ainda nosencontramos hoje. Hegel, portanto, é nano Platão: aquele quedelimita — ideológica ou cientificamente, positiva ou negativa-mente — as possibilidades teóricas da teoria

Depois de evocar essas relações determinantes, nos permitire-mos deixar de lado as 'filiações propriamente filosóficas. É certoque a obra hegeliana leve uma grande influência: sobre Taine,Bradley, Craca, entre outros..Isso não nos interesse. O que interessae nos dá vontade de ir mais adiante é de outra ordem. -A recusaabstrata de Kierkegaard, as recusas efetivas de Marx e Nietzscheassinalam um problema, cuja compreensão é essencial não somentepara o entendimento da evolução intelectual no século XIX, mastambém da situação contemporânea do pensamento; Hegel realizouó sonho do Saber absoluto. Explicitemos: realizou-o, não se limitoua visá-lo, esperá-lo ou prometê-lo. O discurso hegeliano englobasistematicamente o conjunto dos conhecimentos testados, analisasua autenticidade, fundamenta suas relações ejustifica, a cada etapado percurso, seu próprio estabelecimento. O ideal cartesiano demathesis universolir atualizou-se numa obra, numa teoria, que éao mesmo tempo uma prática, pois se constitui como teoria daprática e se constrói, assim, como prática teórica legitimada.

Poderíamos ter, claro, dúvidas sobre a pretensão e a seriedadedo empreendimento e, de qualquer modo, sobre o sucesso. Múltiplosindícios, se prestarmos atenção, bem depresso nos desviam desseceticismo. Trata-se, primeiro, de que essa pretensão não é nova: éinerente à própria decisão filosófica e já Platão achava que épossível ser sábio- ou seja articular um sistema de respostas atodas as perguntas essenciais que um homem pode se colocar. Semadmitir as virtudes de um devir cumulativo do pensamento, pode-mos supor como não absurda a idéia de que Hegel elaborou talsistema. Observemos também que pelo menos dois teóricos — fora

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INTRODUÇÃO 1716 HEGEI

Platão e Hegel — também pensaram que possuíam o Saber sufi-ciente: Aristóteles e Spinoza. E notemos que o autor de A ciênciada lógica, se não pára de pensar em Platão, não cessa de referir-sea esses dois mestres do classicismo metafisico.

Um devaneio acrescentado a outros três não é prova, dirão.Ainda assim, a vontade filosófica não se desmentiu durante vintee quatro séculos, e é, com. muita exatidão, coextensiva a essa civi-lização ocidental na qual sabemos que ela é, hoje, direta ou indi-retamente dominante. Também devemos rejeitar como fúteis as;objeções daqueles que alegam e diversidade, a especialização e a'positividade das ciências para invalidar a noção de um Saberabsoluto. As disciplinas experimentais — mesmo quando militam,em nome de suas modalidades de desenvolvimento, contra a técnicademonstrativa adotada pelo filósofo — permanecem situadas naótica dessa razão metailsica, cujas categorias e fundamento Hegelquis (e talvez soube) Jetenninar. O Saber absoluto não ê da ordemdo devaneio:. corresponde a uma decisão. Essa decisão, outroratomada pelo ateniense Platão, teve uma oportunidade excepcional;conjugou-se com outras decisões, as de Cristo e dos cristãos, emparticular. Assentou-se na racionalidade contemporânea. Não sepoderia rejeitar suas conseqüênciás em nome de "Mos" que ascoutradistessem, pois o estabelecimento desses "fatos" é funçãoprecisamente da decisão intelectual constituindo-os como tais.

A obra de Hegel articula-se sobre a de Platão. É sua culminação.Ora, o que ela realiza teoricamente, a civil ização contemporânea,em sua atividade cientifica, técnica, administrativa, efetua pratica-mente. Evidentemente, ê do mais alto interesse, para nós, cotejarrealização teórica e efetividade prática, determinar as. correspon-dências e as discordâncias entre a representação que a "ciência"dá da "realidade" e esta, de modo a podermos de fato compreen-dê-la Esse relacionamento que impõe a obra hegeliana, e sobre oqual precisaremos discutir aqui, será, cada vez menos, um meiode provar a validade.de does hipóteses conexasf aquela segundo aqual o estado industrial é ama conseqüência — através de váriasmediações genealógicas — de filosofia (isto é, do idealismo pla-tônico), e a que pretende que o hegelianismo seja, ao mesmo tempo,a realização (teórica) da filosofia e o pensamento da modernidade— em sua essência.

Assim, tentar compreender o que Hegel quis, como falar doque quis Platão (num outro sistema referencial), é falar da origem,

da significação, do destino de racionalidade, no seu devir contin-gente e bizarro, que o põe de frente ora a uma coisa— a prédicade Cristo —, ora a outra — o desejo de conhecer e dominar o quese denomina a natureza —, ora a ainda essa outra coisa — darvalor ao fragmento biológico que é o homem. Mas há a obrarealizada. Através dela, essa vontade se manifesta; mas sem dúvida,nela, aparece outra coisa, que temos de reexplorar e cuja indicaçãopode ser preciosa.

Sejamos precisos: quando evocamos a possibilidade de umtexto — completo ou com lacunas — que, entre as linhas da escritahegeliana, seria dado ao leitor atento, não queremos de modo algumfalar de um material oculto que mostraria, uma vez revelado, asmotivações profundas do escritor (conscientes ou inconscientes).Não se trata de uma pseudopsicanálise, mas de um fato r rdsiamo-lógico. Tomemos um exemplo: os Princípios da filosofia do direitodão a descrição do Estado moderno — um Estado monárquico,burocrático e técnico, do qual somos obrigados a reconhecer, comosalientou Éric Weil 10, e qualquer que seja o desdém que por eletenhamos, que essa descrição tinha então um valor "prospectivo".Os Estados contemporâneos menos mal organizados realizam, maisou menos habilmente, mais ou menos canhestrameme, a "realidadepolítica" como a compreendia Hegel. Em certo sentido, podemosdizer que "Hegel tinha razão" — uma razão que recorreu ao mesmotempo às normas da ciência filosófica aos critérios da positividadeempírica —, pois ele descreveu o que devia advir (historicamente)e determinou por que razões (lógicas) não podia deixar de serassim.

Essa "razão", que os fatos confirmam, nós não podemos sim-plesmente tomá-la como tal. Na verdade, a concepção hegelianado Estado faz parte de um sistema; é em relação a este que elaencama sua legitimidade. Os "fatos" evocados — que em simesmos, como fatos, nada provam — adquirem seu significadoapenas de sua integração a um conjunto conceitua) mais amplo. Aidéia do Estado, mesmo que se visse revelada pelas realidadesnapoleônica e prussiana (e, para nós, pela estrutura dos paísesmodernos), extrai sua eficácia teórica — sua legibilidade — apenasda referência a outros conceitos, o do trabalho, da propriedade, dodesejo, do reconhecimento, do sentido da história, entre outros..Ora, não é absolutamente certo que os "fatos" que atestam a va-lidade da análise hegeliana da essência política confirmem esses

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conceitos, sem os quais esta corre o risco de continuar sendo umaretórica vazia promovida à posição de teoria. É o contrário o que,aos poucos, se assegura: em relação ao desejo ou ao trabalho, paranos atermos apenas a esses dois exemplos, a pesquisa hegelianafica no horizonte do classicismo renovado, característico da Idadedas Luzes que chegava ao fim; mas é francamente inovadora quandoreflete sobre a natureza do Estado...

Talvez esteja ai a lacuna do discurso sustentado pelo filósofo.Estamos diante de um sistema, ou seja, um conjunto onde tudodeveria se manter e onde tudo, realmente, segundo a exigênciateórica mínima, se mantém. Ora há elementos dessa totalidadediscursiva cuja validade se impõe empiricamente (queremos dizer:seqüências conceituais cuja legitimidade nossa experiência teóricaatual nos permite reconhecer), e outros cujas carências é fácilavaliar. Pode uma boa resposta à pergunta "Que ê o Estado?" viracompanhada de uma resposta zombeteira a uma pergunta malcolocada sobre a essência do trabalho? Como podem coexistirteoricamente com problemas e soluções falsas as perguntas boase ruins, eis um dos enigmas que a tentativa de compreender osentido da filosofia hegeliana deve aceitar salientar, sem esperançatalvez de decifrar.

O sistema teórico de Hegel parece um pouco truncado. Oque acabamos de dizer da questão política se aplica, sem dúvidaà Arte ou 8 Religião. O discurso que tudo quer dominar se perdeem sua loucura imperialista: acaba confundindo o argumento ea prova, a informação e a razão, o encadeamento (lógico) e acausa (epistemológica). Assim, no texto, insinuam-se lapsos queteremos de desvendar e que serão significativos da natureza edos limites não apenas do pensamento de Hegel, mas talveztambém da filosofia especulativa em geral. E, nessa operação delevantamento de pistas, os três pensadores que acabamos 'delembrar nos fornecerão muitas indicações. Na verdade, Marx emseu período de formação não fez outra coisa senão apontar o quea teoria hegeliana do Estado implica e o que ela não vê — opapel real da propriedade privada; Kierkegaard, por seu lado,insistindo na função da subjetividade, destacou o caráter diale-ticamenre insuficiente da tentativa de redução efetuada por Hegel;Nietzsche, enfim, revelou o que o sistema não fala o que calae não pode deixar de calar: a vontade que está na origem dopróprio sistema e da síntese dialética.

Há pelo menos, ao que parece, um interesse triplo em ler Hegel.Herdeiro do Aufklãrang, ele pensa também uma época em que sedesenvolveram as condições determinantes de nossa atualidade, emque se constituíram a "sociedade civil" (que chamaremos de "mun-do da produção"), o Estado nacional, a Ciência (libertada por Kantda dupla hipoteca dogmática e cética), a Técnica, administrandocokas e pessoas. Filósofo, ele recolhe, com a vontade de não deixarescapar nenhum fio da tradição da metafisica ocidental, e constrói,audaciosamente e com uma espécie de fervor lógico, a' ciênciasistemática que realiza essa tradição. Pensador, veicula — comocontra a vontade — as perguntas, pratica os deslocamentos con-ceituais, produz os lapsos (ou o lapso) que indicam a significação,a essência e a carência da lógica da filosofia; como realiza plena-mente uma vontade, Hegel nos permite apreender o sentido dela eapreciá-la. Dissemos desde a primeira frase deste ensaio: quandose trata de Hegel, é da natureza e do destino do ato de filosofar(e de suas conseqüências) que se trata.

É pois a idéia da filosofia como a concebe Hegel —sobretudonessa obra de maturidade que é A ciência da lógica — que tenta-remos apreender em primeiro lugar, compreendendo-a como mo-mento decisivo do devir da racionalidade ocidental: tentaremosmostrar que a dialética hegeliana é o modo discursivo que implicanecessariamente a realização da filosofia. Examinaremos em se-guida as conseqüências do "sucesso" de Hegel: acompanharemos,recorrendo a alguns exemplos privilegiados, o trabalho dialético esua força expressiva. Indicaremos, enfim, no que culmina essaexpressão.

Numerosas, sem dúvida, são as concepções filosóficas atuaisque ignoram o hegelianismo, seja porque endossam o empirismológico ou um naturalismo cientista, seja porque se entregam àsressalvas husserlianas. Estão na falsa significação dos começosabsolutos e, ademais, se privam de um bom ponto de apoio. Émelhor — como Marx e Nietzsche — começar por Hegel, vistoser ele um fim.

Quanto a saber o que existe de vivo e mono em Hegel", étarefa de um esquartejador, não de um filósofo.

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A constituição do sistema

Os trabalhos de juventudeFala-se da árvore da liberdade, que, dizem, Hegel e seu jovemcompanheiro de universidade, Schelling, plantaram em Tubingenpara celebrar a Revolução Francesa. Isso pode ser urn começo: emtodo caso, lendária ou não, jamais o autor de A ciência da lógicaa renegou ou negou.

Háas pesquisas apaixonadas do jovem professor que se conferiua tarefa de "pensar a vida' r". Dos vinte e três aos trinta e um anos— quando preceptor em Berna, e depois em Frankfurt — Hegel,ainda inteiramente mergulhado em seus estudos de teologia, esfor-ça-se por definir a significação do cristianismo e compreender,através dele, a essência do mundo modera. A questão logo seamplia. Não se trata mais apenas de apreender o sentido da vidade Jesus, mas de elucidar a profunda relação que une Cristo e odestino do povo judeu. Em termos mais amplos, impõe-se o pro-blema filosófico e histórico da passagem do mundo pagão para ouniverso cristão, da Pólis harmoniosa e livre, mas limitada pelohorizonte de sua finitude, à subjetividade, inquieta e portadora doinfinito, às voltas com os atalhos da história conquistadora. Maisamplamente ainda, há — enquanto atuam as múltiplas e ainda malcontroladas influências de Montesquieu, Oibbon, Rousseau, AdamSmith, Steuart, Herder, da Revolução Francesa e de seu inimigodeclarado, !Judie — a vontade de capturar na armadilha da inteli-gibilidade essas forças profundas que movem a humanidade, e quenão poderiam ser nem as decisões contingentes dos indivíduosempíricos nem os desígnios da razão fria. Já existe a descobertada 8/1tlichkeir — dessa rede complexa e muitas vezes pouco cons-

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ciente de valores, motivações e recusas, que animam, numa deter-minada época, a tradição se mesclando à novidade, a vontade deum povo, e lhe conferem seu "espírito" —Sittlichkeit mais pode-rosa, de fato, que a moralidade, cujo ideal os filósofos julgaramter de determinar. Aos resultados que obtém então, Hegel será fiel.Ele os integrará à Fenomenologia do espírito e às Lições sobre afilosofia da história.

Há, a partir de 1801, o ingresso na arena teórica, com apublicação em julho desse ano do texto sobre a Diferença entreos sistemas filosóficos de Fichte e Schelling em relação a umavisão de conjunto mais livre sobre o estado da filosofia no começodo século XIX, com a fundação, com Schelling, do Jornal Críticode Filosofia, onde apareceram, em 1802 e 1803, artigos importantes,entre os quais Fé e Saber, com o subtítulo: Filosofia da reflexãoda subjetividade na integralidade de suas formas, enquanto filosofiade Kant, Jacobi e Fichte. Hegel apresenta-se então como defensore discípulo de Schelling. Uma leitura atenta — esclarecida pelosescritos posteriores — revela no entanto que a adesão do maisvelho ao mais novo não.é total. Já aparecem um outro método eum outro rigor. klegel não deixará de apoiar a crítica radical a Kante a Fichte (que acredita ser seu continuador) e o questionamentoa Schelling —. que se tomará, pouco depois, uma oposição aberta.Como testemunha o prefácio da Fenomenologia do espirito, ele ée continuará sendo o adversário decidido ao mesmo tempo dafilosofia crítica, para a qual "o que se denomina medo do erro sefaz antes conhecer como medo da verdade°', e da intuição ro-mântica, que impõe, brutalmente e sem prova, o sentimento neces-sário do Absoluto.

Há os célebres textos do outono de 1806 e do inverno de1806-1807; a carta a Niethammer: "Vi o imperador — essa abrado mundo —sair da cidade para fazer reconhecimento: é realmenteuma sensação maravilhosa ver um tal indivíduo que, concentradoaqui num ponto, montado num cavalo, se estende sobre o mundoe o domina!': a carta a Zellmann: -

Graças ao banho de sua revolução. a noção francesa nãofoi libertadaapenas de instituições que o espirito humano saído da infinda haviaultrapassado, e que por conseguinte pesavam sobre ela, como sobreas outras, como absurdos grilhões; mas além disso o individuo sedespojou do medo da morte e do ritmo habitual da vida. ao qual a

mudança de circunstancias retirou toda a solidez; eis o que lheproporciona a grande força da qual ela dá prova diante das outras.Ela pesa sobre a estreiteza do espírito e a apatia desses últimos que,obrigados enfim a abandonar sua indolência em favor da realidade,sairão de uma para entrar na outra, e talvez (como a profundidadeIntima do sentimento se conserva na ação exterior) vençam seu se-nhor."

A. Kojéve compreende Afenomenologia daespirito e, a partirdela, toda a obra de Hegel, como um panegírico — no sentido deIsócrates — do herói Napoleão, executor das mais elevadas obrasdo Espírito e administrador, até na derrota e pela marca que lhedeixou, do devir da Idéia. E tem razão. O Estado burguês, revo-lucionário e napoleônico, em sua essência e evolução continuarásendo um modelo até o fim para o professor das Lições sobre afilosofia do direito.

Hegel, a metafísica e a históriaE no entanto, mesmo que esclarecesse nossa leitura, nenhumadessas referências a doutrinas ou acontecimentos, próximos oudistantes, nos permite chegar a uma boa compreensão do queconstitui o gênio especifico de Hegel. Ele encontra suas raízesem outra parte, num lugar cuja determinação remete ao destinomesmo da metafisica, isto é. do pensamento no Ocidente (ou,caso se prefira, da Lógica, no sentido forte e preciso do termo).No que diz respeito às doutrinas, Lucien Herr observou clara-mente: "A evolução (de Elege') foi autônoma e inteiramentepessoal. Mostram-no habitualmente como continuandd e concluin-do o pensamento de Schelling, que continuou e desenvolveu adoutrina de Fichte, continuador ele próprio do pensamento deKant. Talvez essa concepção do valor sucessivo dessas doutrinastenha uma verdade esquemática: É certo que não é uma verdadehistórica. Quando Hegel deixa Tübingen, conhece superficialmen-te o kantismo moralista e vulgar; mal se conhecem os escritosde Kant. A formação e o desenvolvimento de seu espirito, ini-ciados em Rema, quase sem livros, completam-se em Frankfurt:lemos mais ou menos certeza do que ele conhecia da doutrinade Fichte e da produção filosófica de Schelling; essas leituras

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estimularam, mas não dirigiram a marcha de seu espírito. Quandochega a lenta, tem trinta anos, e já redigiu todo um sistema quedenota uma clara consciência da estrutura essencial e definitivade seu pensamento. A adesão completa e refletida que deu àsidéias de Schelling foi para ele uma oportunidade de receberuma disciplina técnica e metódica que seu espírito ainda nãoconhecera. Foi para ele um exercício dialético e um jogo útil; aFenomenologia prova que o conteúdo dc seu pensamento não foipor isso nem modificado profundamente nem obstruído por muitotempo. Mais tarde, foi preciso que ele acreditasse e demonstrasseque seu sistema supunha, absorvia e concluía o de Schelling;sem dúvida, jamais . imaginou que descendesse dele por gênesedireta'^." Renunciemos, já que os textos a isso nos obrigam, àidéia, clássica na França, segundo a qual Hegel foi uma espéciede super-Kant, integrando e fazendo frutificar, à sua maneiradialética, as duas partes da herança do pensador de Koenigsbergque o idealista Fichte e o romântico Schelling haviam utilizado,cada um ao seu modo e contraditoriamente. Hegel não "concilia"nem "ultrapassa" mais Fichte e Schelling do que Platão dispõeretrospectivamente as relações de Parmênides e Heráclito, ouKant as de Wolf e Hume. É teórico e, como tal, esforça-se teóricae empiricamente para resolver problemas dispostos na tradiçãoe no presente, e que vão além, de qualquer modo, de disputasdoutrinais.

Quanto á experiência pessoal, quer se trate da experiênciaintelectual de .um jovem fascinado pela tragédia da "consciênciainfeliz" ou pela imagem da cidade grega, quer de sua reação diantedas perturbações de sua época, ainda Mo ê da ordem do saber. Elamanifesta motivações e não razões; define uma realidade, não umaverdade. É interessante, mas não demonstra nada. Interessa a Regei— que está morto — não ao hegelianismo, que está vivo. Alémdisso, por mais surpreendentes que tenham sido as capacidades doestudante de Tübingen e do docente particular de Iene, ela pertenceao domínio do lugar comum. Mais precisamente, só ganha seuverdadeiro alcance quando unida a uma experiência mais ampla,que não é mais própria de Hegel, a experiência da intelligentsiaalemã àquela época.

Esquematizemos mais um pouco: esse gênio especifico deHegel, a que nos consagramos, tem um lugar preciso; o que de-termina esse lugar é o encontro, a intersecção de uma situação

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— claro, histórica — e de um hábito da cultura. Essa tradiçãoé a da metafisica, geradora tanto da racionalidade grega e dodiscurso teológico quanto da revolução científica, cujos arautosforam Galileu e Descartes; ela definiu, apesar de sua aparentedisparidade, não apenas o espaço da atividade teórica, mas tambémsuas modalidades de funcionamento e o seu fim. Voltaremos a elait situação é a da Alemanha que, depois de Lutem, se tornouempiricamente teórica, que se debate entre conceitos admiráveisde rigor e profundidade, de ideologias plenas de sedução ou dearrogância, e uma prática que, aqui e ali, resplandece por umaação notável ou um personagem exemplar, mas não consegueorganizar-se como prática ordenada, eficaz e significativa. AAlemanha, nostálgica e inquieta, integrou a Idade das Luzes: eo fez tão bem que lhe deu seu patronímico oficial, AuJkldrung.Resistirá tão bem a uma outra novidade, a que Impõem a revoluçãoindustrial dos ingleses e a revolução política dos franceses, no-vidade que se manifesta nas práticas que todo pensador mais oumenos atento pressente não serem desprovidas de conceitos?

Adiantemos nossa hipótese de pesquisa: Hegel pensou que atradição por ele escolhida — a da metafísica - devia permitir-lhe,desde que ele a concluísse e superasse, "reduzir a situação, com-preendê'-la, no duplo sentido desse verbo: tomá-la ' inteligível edominá-la de fato, indicando que atitude é legitima e inteligenteadotar para seu objetivo". Hegel é a metafísica, compreendidaenfim em sua essência, ou seja, como lógica rigorosa do Espírito(ou do Ser); erguida contra as revoluções inglesa, americana e.francesa, é a racionalidade consciente de seu verdadeiro objetivo,colhida entre seus próprios produtos, contra os quais se insurge,despreza e teme, e uma paternidade cujas conseqüências não podeeludir. Como se pode, ao mesmo tempo, acreditar que com Platão,Aristóteles, Spinoza e Leibniz, progressivamente, a humanidade serealizou, e aceitar, como pertencendo à mesma necessidade, aindústria manufatureira, Robespierre e Napoleão inspecionando ospostos avançados? É a quadratura hegeliana. Esse problema, naaparência insolúvel, Hegel o resolveu na Ciência da lógica, etambém nas Lições sobre a filosofia da história.

Como conseguiu? Para tentar sabê-lo (e, ao mesmo tempo,verificar essa hipótese de pesquisa), vejamos em primeiro lugar deque modo se apresenta a situação alemã como foi dado a Hegelapreendê-la.

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O contexto intelectual

Outubro de 1818. A Europa está pacificada e a Santa Aliança impõesua organização. A Alemanha, que foi profundamente convulsio-nada, reencontra sua ordem, seus sonhos, e a realidade. Na Prússia,a tradição, solidamente reinstalada, reintegra as "liberdades" comque teve de consentir no momento de perigo. Das margens do Nevaà embocadura do Tejo, em toda parte, restaura-se. Hegel — quebeira os cinqüenta anos —já está de posse de seu sistema DeixouHeidelberg, onde foi professor durante dois anos, e atinge a con-sagração. Acaba de ser chamado a Berlim, para a cátedra defilosofia, a mais cobiçada da Alemanha. Pronuncia seu discursoinaugural:

Ao me apresentar hoje pela primeira vez nesta Universidade naqualidade de professo- de filosofia função para a qual fui chamadopelo favor de S.M. o Rei, permitam-me dizer neste prólogo o quanto,no que me diz respeito, considero particularmente desejável e agro-dóvel dedicar-me a uma atividade académica mais importante, exa-tamente neste momento e neste lugar. Quanto ao momento, pareceterem-seprodhaido circunstancias em favor das quais a filosofia podede novo prometer despertar a atenção e a simpatia, e essa ciência,quase reduzida ao silêncio, pode ter esperanças de novamente elevara voz. Na verdade, ha pouco tempo ainda, era, de um lado, a misériada época que atribula grande importdncia aos interesses mesquinhosda vida cotidiana e, de outra parte, eram os grandes Interesses darealidade, o interesse e as lutas para restabelecer antes de mais nadae salvar em sua totalidade a vida política do povo e do Estado, quese apoderavam de todas as faculdades do espírito, das forças de todasas classes, assim como dos meios exteriores, a tal ponto que a vidainterior do espírito não podia ter um pouco de tranqüilidade. O espíritodo universo, tão ocupado com a realidade, atraído para o exterior,via-se impedido de recolher-se ao interior e a si próprio, para devol-ver-se à sua pátria'e nela usufruirde si mesmo. Hoje, quando essatorrente de realidade se partiu e a nação alemã sahma de maneirageral, sua nacionalidade, fundamento de toda vida verdadeiramentevivente, chegou também a hora do livre império do pensamento flo-rescer no Estado, da maneira que lhe é própria, ao lado do governodo mundo real. E a pujança do espirito se fez valer nessa época, atal ponto que só as idéias individuais, e o que lhes é conforme, são

o que pode hoje, de maneira geral, se manter, e o que quer ter algumvalor deve justificar-se diante da whndoria e do pensamento. Foiespecificamente este Estado que me acolheu que por sua preponde-tia intelectua{ se elevou à impondncia que lhe convém no mundoreal e político, tornando-se igual em poder eindeperdéncia a Estadosque lhe teriam sido superiores por seus meios externos.

Neste Estado, a cultura e o florescimento das ciências são umelemento dos mais essenciais na vida do Estado. É preciso tambémque nesta Universidade a Universidade do centra o centro da culturado espírito, de toda ciência e de toda verdade, a Filosofia, encontreseu espaço e seja por excelência um objeto de estudo.

Não é apenas de uma maneira geral, a vida é espírito queconstitui um elemento fundamental da existência deste Estado, porémmais precisamente, essà grande luta do povo unido a seu príncipepor sua independência, pela ruiva de uma tirania estrangeira e bdb•.

-bata e pela liberdade extraiu sua origem de mais alto, ou seja, daatina. Foi a força moral do espírito que, tendo sentido sua energialevantou sua bandeira e deu ao seu sentimento o valor de um podere força reais. Devemos considerar como um bem Inestimável quenossa geração tenha vivido, agido e obtido resultados que têm essesentimento, sentimento em que se concentra tudo que é direito, morale religioso. — Numa ação profunda e universalmente abrangentedesse gênero, o espírito eleva-se em si mesmo até sua dignidadeprópria; a trivialidade da vida e a banalidade dos interesses desapa-recem, e a superficialidade da Inteligência e das opiniões revela-seem sua nudez e se dissipa Essa seriedade profunda quê penetrou aalma é o verdadeiro terreno da /Régia losdfia. O que, por um lado, se opãeà filosofia, é a atitude do espírito que mergulha nos interesses e nanecessidade cotidiana, e por outro, a vaidade das opiniães; a almaque sofre essa influência não tem lugar algum para a razão, que nãobusca o interesse particular. Essa frivolidade deve dissipar-se em seunada, quando para o homem tornou-se uma necessidade esforçar-sepelo substancial, e quando se chegou ao ponto em que só esse elementosubstancial pode se fazer valer. Ora, vimos nosso tempo concentrar-senesse elemento, vimos formar-se a semente cujo desenvolvimento pos-terior, sob todos os pomos de vista, político, moral, religioso. cienirico, foi confiado a nossa época.

Nossa missão e nossa tarefa consistem em consagrar nossosesforços ao desenvolvimento filosófico desse fundamento substancial,atualmente rejuvenescido e fortificado.

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Sem dúvida, trata-se de um discurso solene. Hegel o compõecom os hábitos universitários. Nem por isso diz menos exatamenteo que quer dizer em tais circunstâncias'. E o que quer dizer, oque quer definir, é sua própria atitude — isto é, a atitude do teóricoque elaborou o saber que permitiu à filosofia tomar-se Ciência —diante da "realidade dos fatos". Assim, indica não apenas que,segundo ele, ou seja, segundo o saber conseqüente, se estabeleceentre a atividade teórica e a situação histórica uma relação neces-sária, mas também determina como compreende essa situação emseu conteúdo. É esse o ponto no qual devemos, no momento, nosdeter. A situação de 1818, em Berlim, na Prússia, na Alemanha,mas também em toda a Europa (Europa que aos olhos de Hegel,numa demonstração que teremos de analisar, a Alemanha "simbo-liza"), é entendida cómo resultado. E o que rendia, após umatensão dramática, é um apaziguamento. O apaziguamento, se lermosbem, estende-se a dois domínios, que aliás remetem um ao outro.Num primeiro sentido, a `realidade" está agora acalmada: nãoapenas é legitimo devolver à trivialidade aqueles que se deixamlevar pelos dramas e desvios da existência cotidiana, mas é justoreconduzir às suas proporções nonnais aqueles que, dedicados àsalvação de seu povo ou do Estado, se consagraram às necessidadesque, por serem heróicas, nem por isso eram menos particulares.Em segundo lugar, e ao mesmo tempo, a opinião se apaziguou, eisso na medida em que não pôde deixar de manifestar a simplicidadede sua natureza profunda: quase não pode mais negar, agora queo curso do mundo se tomou sensato, que sua essência se diluiupor entre os cálculos do interesse pessoal e os caprichos da paixãosubjetiva.

Em suma, a situação não permite mais levar a sêrio a prodigiosatormenta ideológica que abalou o pensamento alemão desde o Stunnund Drang, talvez mais ainda desde. 1789. Entenda-se: não levara sério não significa aqui não levar em consideração - Hegel,segundo toda evidência, a leva em consideração e dela se nutre—, significa não crer que no seio dessa ideologia discordante tenhapodido despontar a flor da verdade. É verdade — deixemos Hegelprovisoriamente - que o quase meio século alemão desde a re-presentação do drama de Klinger, em 1777, até o término das guerrasnapoleônicas, fervilha de gênio. A invenção teórica e poética talvezjamais tenha sido tão densa, tão diversa e, ao mesmo tempo, tãoestreitamente ligada aos problemas sociais e políticos.

Há sobretudo esse Suor und Drang que se ergue contra ouniversalismo abstrato da Idade das Luzes, que nega à França eà língua francesa o direito de administrar a razão e organizar ofuturo da humanidade. O movimento é pré-romântico: exalta,tanto a propósito da forma literária quanto do conteúdo das obrase dos atos, os direitos da subjetividade criativa, ao mesmo tempoaquém e além da Razão racional, da inteligência polemica. Porém,mais profundamente, faz valer o gênio especifico dos povos edas línguas, interpreta a evolução da humanidade, não como umasucessão mecânica de opções boas ou ruins, mas como uma flo-ração imprevisível, e no entanto compreensível, de forças pro-fundas que, como as do cosmos, despontam, brilham, avançam,depois esmaecem, dando lugar a novas cores. Apaixona-se peladiversidade do mundo e dos homens. Apega-se a toda novidade,Seja ela histórica, geológica ou geográfica. Ocupa-se em pesquisarPacientemente provas, experiências e documentos, e manifestaessas descobertas poeticamente em construções grandiosas e semcontrole.

Mais vigorosamente ainda, inicia uma polêmica contra a in-terpretação intelectualista que a Idade das Luzes dá à religião. Aodeísmo, às diversas variedades de religiões naturais, opõe a solidezda tradição, quer se refira à tradição do Norte — a luterana - ouà do Sacro Império romano-germânico. Contra as deduções doentendimento que tema reduzir a transcendência e legitimá-la pon-do-a ao alcance do homem, tende a restaurar os direitos do senti-mento e a força do sagrado. Torna a mergulhar assim no. antigoâmago místico da metafísica alemã, e reencontra, além do com-

. prometimento do século XVIII, uma filiação essencial.Essa orientação de pensamento, no entanto, só adquire seu.

valor pleno e descobre seus temas fundamentais com a RevoluçãoFrancesa Esta irá forçá-la ao radicalismo e, com suas reviravoltas,progressos e dramas, irá submetê-la a provações que não demo-ram muito a revelar seus verdadeiros objetivos. Os intelectuaisalemães acolhem 1789 com entusiasmo. É significat*a, a esterespeito, a atitude de Klopstock, que lê, por ocasião do primeiro.aniversário da tomada da Bastilha, uma ode, da qual eis aquialguns trechos:

Tivesse eu mil vozes, é Liberdade dos Gauleses-E ate poderia cantar-te:

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A CONSTI7 ("AO DO SISTEMA 3130 HEGEL

Meus tons continuariam demasiado fracos, ó Divina!Que não fez ela? Mesmo de todos os monstros,O mais odioso, a guerra, foi por ela acorrentado.Cérbero tinha . ires goelas, e a Guerra milQue uivam no ruído, Deusa, de seus fenos!Ai! b meu pais! Quantos males sobre a terra!Mas o tempo os curou: não sangrarão mais.Uma única dor que ele não pode aliviarAinda sangrará, mesmo que renascesse minha vida!Ai! Não és Tu, Tu não, 6 minha pátria!A primeira a galgarOs cumes da Liberdade,Exemplo radiante aos povos em volta!Foi a França, e tu, tu não matasteTua sede saboreando a honra mais jubilam,E o ramo sagrado de uma glória eternaNão foste tu que a colheste!"

A admiração é grande, mas percebe-se que evocaum certopesar (além disso Klopstock não hesita. na continuação do poema,em fazer da Reforma luterana, gerada na pátria alemã, a condiçãoda Revolução Francesa). Bastará que aumentem as violências naFrança, e que os franceses respondam militarmente à coalizão, paraque se opere uma completa mudança de atitude. Ouçamos maisuma vez Klopstock, alguns anos depois:

Ai! Infelizes de nós! Os que outrora domaramA besta monstruosa destronam eles mesmosA mais santa das leis, a deles: em suas batalhasTomaram-se conquistadores!Se conheces palavras para amaldiçoar, palavrasJamais ouvidas: amaldiçoa-os!Nenhuma outra lei a essa lei seassemelhava:Mais terrível que tudo seja também o anátemaAos transgressores da lei santaAos traidores da humanidade!E vós. proferi-as em vossas lágrimas de sangue,Que chorais agora por terdes sabido preverOu chorareis amanhã quando o destino bater.Minha bem-amada está moa e meu único filho, -O cético deixou de julgar-se imortal.'°

No fundo, a maioria dos intelectuais alemães —que não podiamdeixar, a princípio, de acolher favoravelmente um acontecimentoque anunciava a renovação pela qual eles clamavam com todos osseus votos e vozes — esperava apenas uma oportunidade paratomar distanciamento tanto da França quanto de um dinamismopolítico tão profundamente marcado, ao menos no aspecto externo,delas Luzes. Essa oportunidade lhes foi fornecida pela políticajacobina e pelo imperialismo da República Com exceção de Kant- que, apesar de sua inquietação, continuou indefectivelmenteligado à obra e à significação da Revolução, mesmo que ela fossea expressão anedótica de um "doce sonho3°" — e Fichte — queao menos até o Discurso à nação alemã considerou 1789 a terceiraetapa, e talvez a mais importante, depois de Jesus e Lutero, nocaminho que leva à emancipação da Humanidade"' —, o pensa-mento alemão, sob a bandeira do Romantismo, se lança ao ataqueda França revolucionária*

Essa reação antijacobina — mas talvez seja também legitima-mente compreendida como reação antifrencesa, anti-Aujkldrrmg (esua concepção da religião natural) ou antiimperialista — não sedesenvolvei lógico, de maneira ordenada. Mas pode-se, ao esque-matizá-la, indicar suas linhas de força. Quer ela se ligue — porintermédio do ensino de Hamman, "o mago do norte" — aopensamento luterano, quer retome, por um movimento de regressãoainda mais decidido, à tradição católica e romana do Sacro Império,acaba exaltando, em todos os domínios, a virtude germânica. Osdesvarios da Revolução Francesa, as violências que ela exerceinterna e externamente, os reveses que não deixa de sofrer, são aconseqüência de um erro fundamental: o do século XVIII. Assimcomo a experiência profunda exige que se substitua o racionalismode inspiração matemática pela pujança da vida, o combinatório quepassa por pensamento pela espontaneidade subjetiva, o métodoanalítico e suas falsas clarezas pelo esforço criador do gênio indi-vidual, a vontade de sistema pelo dinamismo eternamente inacabadoda inspiração poética, também assim a realidade histórica prova ainutilidade do humanismo abstrato que as tropas da Repúblicaexportam com a ponta de suas baionetas e impãe o reconhecimentode uma realidade determinante: o Povo.

Ora só os alemães constituem um povo, no sentido rigorosodo termo. À noção de Estado como fato contratual, que juristas eteóricos políticos tentavam definir, á ilusão da Nação à qual o

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fanatismo francês tenta dar, pela força, uma consistência, opõe-sea evidência concreta do povo. Pois os ingleses e os franceses nãoformam realmente povos: eles romperam com suas tradições pro-fundas, não compreenderam a essência histórica delas, e aboliramtolamente o passado, em favor de um presente mal dominado;estilo, desde então, como cortados de suas raízes e seguem ao sabordos acontecimentos. Assim, no povo alemão, que se manteve pró-ximo de suas origens — apesar de Frederico o Grande, e graças àlembrança sempre efetiva do Sacro Império, graças à prédica lu-terana e à religiosidade interior que ela engendrou —, deposita-sea esperança da humanidade.

O nacionalismo de Herdar, do Athenaeum, dos irmãos Schlegel,de Arndl, de Novalis não tem ainda a vocação imperialista que iráadquirir mais tarde: a Alemanha exemplar tem de servir à huma-nidade, mas não dominá-la; ela resguarda um destino que, nasoutras dações, se desfia; e dessa assunção faz uma promessa, a darealização de uma humanidade superior:

Vejo em todas as grandes ações dos alemães, sobretudo no domíniodo saber, o germe de uma grande época que se aproxima, e creio quese passarão no interior de nosso povo coisas como nenhuma geraçãoMimam; jamais viu. Atividade sem descanso, aptidão para penetrarprofundamente no dmago dar colgas, multa disposição para a mora-lidade e a liberdade, eis o que encontro em nosso povo. Por toda aparte, vejo os vestígios de alguma coisa que se prepara22

1806. A derrocada do exército prussiano radicaliza a ideologiaromântica. Desta vez, não é mais o sentimento que reivindica, é adura exigência da sobrevivência que se impõe. Os foscos acampa-mentos do exército francês iluminam com outro luar o sonho dagrandeza alemã. As Lições sobre a história universal, expostas em1807 por Fr Schlegel, os Elementos da arte política, de AdemMuller, publicados em 1809, os artigos de A. von Amim manifes-tam, entre outros, com os escritos de Amdt, essa vontade demobilizar e realizar as potencialidades germânica contra a estre-pitosa, absurda e irrisória vitória napoleônica Sem dúvida o povoalemão é o primeiro; mas, no momento, é no nivel dos conflitosentre Estados que ele deve combater. A atualidade obriga-o amodernizar-se, a romper com os hábitos políticos tranqüilos, cujaatividade de Cante, ministro em Weimar, serve como modelo:Bonaparte relegou Frederico o Grande ao museu. O romantismo

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entra em sua fase de ativismo polaco: apóstolo em breve de urnarenovação católica, esboça o desenho, cujos traços Bismarck, eapós ele muitos outros, ainda mais monstruosos, acentuarão.

Nesse concerto, uma voz concordante e que, no entanto, vemde outra parte e visa um outro objetivo. Manifesta-se aquele doqual os românticos se apoderaram para torná-la seu teórico, e quenão tardara a tomar distância. De 13 de dezembro de 1807 a 20de março de 1808,1-G. Fichte, diante de um público essencialmente.mundano, profere seus quatorze Discursos à nação alemã. O textodessas conferências contém uma polêmica --furiosa — contra abanalidade do Aufkldnag e uma crítica — não menos furiosa —da exaltação romântica; contesta a pretensão francesa de administraro destino do homem; faz valer os múltiplos direitos do povo alemãoa pretender-se Urvoá — povo originário, povo por excelência —,contanto que saiba no que está se empenhando ao assumir suatarefa regeneradora. Entre os ideólogos românticos que se entregamAs furiosas ingenuidades do ressentimento e a agressividade autên-tica do teórico Fichte, há uma completa ruptura de tom. De umlado, o sentimento que, ferido, se rebaixa à propaganda, do outro,a filosofia que, deliberadamente, se recosa a deixar-se superar pelofato e esforça-se para definir uma inteligibilidade que permita umaprática efetiva...

Os Discursos à nação alemã — cuja platéia imediata, afinal,era medíocre — serviram de pretexto a muitas operações, dentreas quais a do socialista Lassalle, que os utilizou, meio século depois,para destacar a função diretora do proletariado alemão na emanci-pação da humanidade. Eles traduzem, mais profundamente, umestado de espirito em que se entremeiam, num conjunto onde édifícil distinguir a lógica e a retórica, as contingências políticas ea exigência conceituai. Hegel, d iretor de ginásio em Nuremberg,teve sem dúvida alguma relação direta com esse estado de espírito.Devemos crer que, para o autor da Fenomenalogla do espirito, issoera ensino. E podemos compreender um pouco melhor a signifi-cação teórica que ele dá, em 1818, a esse apaziguamento histórico,apaziguamento que é a seus olhos a condição empírica não apenasda elaboração da Ciência, mas também de sua intelecção.

O. pensamento alemão — teórico no mais profundo de si —acaba de ser aprisionado numa tormenta. histórica que autorizoutodas as perveisões especulativas. Enquanto o Aujkldrung, em Kante em Fichte, manifestava, juntamente com verdades essenciais, seu

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34 HEOEL A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA 35

erro profundo, o Romantismo, do qual Schelling iria revelar-se opensador mais profundo, confessa, pelo lirismo descontrolado e asescolhas pueris, sua leviandade teórica Entre Napoleão, adminis-trador da Revolução, vencido, e a Prússia irrisoriamente vitoriosa,entre a Alemanha filha de Lutero e a Alemanha neta do SacroImpério,, entre o romantismo, dedicado ao pseudoconcreto e àsfantasmagorias da intuição, e a filosofia da reflexão coagida àbanalidade por seu próprio vigor critico, não há o que escolher. Épreciso ir além e definir um novo tipo de inteligibilidade.

'O drama histórico foi necessário: nele, e graças a ele, surgiramnovas formas da existência e da consciência Mas é preciso rompercom os debates ideológicos que gerou, se quisermos compreendero presente (e o passado que o originou), se desejarmos pensarcorretamente o futuro. Agora as colheitas brotam. A noite cai sobreos campos de batalha. A coruja de Minerva pode alçar seu vôo,segura de não ser mais ofuscada pela falsa luminosidade dos acon-tecimentos e das paixões.

Mas a calma dos tratados e a ordem das alianças não bastam:para compreender o recente tumulto das armas e opiniões, dar-lheseu sentido total e remetê-lo ao seu lugar, para entender, de modomais profundo, essa torrente de lágrimas, sangue, discursos e gritosque há séculos oprimem a humanidade e a conduzem para si mesma,para conceber a Revolução, as guerras napoleônicas, o nascimentodo Estado moderno (ao mesmo tempo princípio, povo e nação),não como acontecimentos brutos, mas como manifestações da duranecessidade, é preciso um instrumento. Esse instrumento, Hegel oescolhe, e essa escolha é decisiva: para si, isto é, para nós que ten-tamos captar quais poderiam ser as motivações teóricas do filósofoHegel, e em si, ou seja, para nós que não podemos deixar deinterpretar a obra hegeliana como momento da racionalidade eu-ropéia. O meio que Hegel utiliza pare pensar é o mesmo que lheoferece a tradição ocidental: a metafísica.

É a essa decisão que conduzem suas meditações de juventude:a reflexão sobre a vida de Jesus o convence — e a nós — de quea visão teológica é insuficiente; os estudos sobre o espirito docristianismo (e do judaísmo) ou sobre a essência da Cidade gregao obrigam a encarar uma visão do devir mais sistemática e maiscoesa, onde o conceito circula como em seu lugar privilegiado; aanálise dos filósofos contemporâneos — Fiche, Schelling, Rein-hold, Jacobi — permite-lhe constatar que, onde o conceito esta

presente, o tratamento que lhe infligem o toma teoricamente ine-ficaz: será que lhe apresentam o dilema, caro à época, dos respec-tivos direitos do saber e da fé? Reconhecemos rapidamente que osdois fatos não são seriamente pensados pelos que se aventuraramdessa polêmica

Os políticos (e os militares) perderam a partida: é a mediocri-dade calculista de Metternich que acaba triunfando. Os juristas seesfalfam para fundamentar em direito o que se impõe de fato. Oseconomistas descrevem, mas não sabem ao que sua descrição, f m-damentalmente, remete. Os poetas,. alquebrados, tomados surdosàs suas vocações, poetizam na "contingência" do verbo. Os filó-sofos ensinam, os historiadores descobrem, os físicos experimentame "inventam" planetas, dos quais, com bom senso, poderíamosprescindir. Quanto à prática comum, sufocada na interpretaçãoideológica que tem de si mesma, continua a ignorar aquilo paraque tende, aquilo que quer profundamente.

Bastaria uma metafísica adequada para que essas autenticidadese essas carências parciais se organizassem e, destruindo-se mutua-mente, se completassem. O modelo metafísico legado pela tradiçãoMo poderia, contudo, ter essa função: Ele está inteiramente im-pregnado de divagação e incerteza. É preciso definir uma novametafísica que, precisamente. não seja metafísica

O projeto metafísicoO que antes se chamava metafisica foi radicalmente extirpado edesapareceu da série das ciências. Onde pois se poderia perceberainda os ecos da antiga ontologia, da psicologia racional, da cosmo-logia, e mesmo da velha teologia racional? Como pesquisas sobre aimaterialidade da alma as causas mecânicas e as causas finais,despertariam algum interesse? Paralelamente, as provas tradicionaisda existência de Deus quase não são mais mencionadas. a não ser atllulo histórico, ou pelas necessidades de enallecimento e elevaçãoda sentimento. É indiscutível que o interesse dado à forma, ao conteúdoda amiga meafisica, ou até aos dois ao mesmo tempo, se perdeuInteiramente. /..J

A velha metafísica tinha, a esse respeito, um conceito de pensa-mento mais elevado que o que se tornou corrente hoje. Dizia naverdade que o que o pensamento conhecia das coisas e nas coisas é

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o que há de verdadeiro nelas, na medida em que não são maisapreendidas em sua imediatidade, mas elevadas à forma do pensa-mento, tornando-se portanto alguma coisa de pensado. Essa metafísicajulgava que o pensamento e suas determinações fundamentais nãoeram estranhos ao objeto, mas sim constituíam a sua essência; queas coisas e o pensamento das coisas — como de resto o indica nossalinguagem — concorda em si é para st; e que o pensamento, emsuas determinações imanentes, forma com a natureza verdadeira das'coisas um único e mesmo conteúdo.[...]

A lógica objetiva toma o lugar da velha metafísica, que formavaum coreus angico consagrado ao mundo e jeito apenas de pensa-mentos — Se lançamos um olhar à fase última que essa ciênciaatingiu, temas Imediatamente que a lógica objetivo toma primeiro olugar da ontologia — ramo da metafísica -que devia examinar anatureza do eu —; o eis compreende tanto o Ser quanto a Gssémtapara os quais nossa língua muito oportunamente conservou opressõesbastante distintas. — Mas a lógica objetiva compreende igualmenteas outras partes da metrglsica, na medida em qw esta buscava al-cançar, com os foras puras do penummnto, substratos paladares,tomados de empréstimo acima de tudo à representação, como a almao mundo e Deus, e na medida em que as determinações do pensamentoconstruíram o essencial & sua forma de considerar as coisas. A lógicaestuda essas formas sem se referir aos substratos e aos sujeitos darepresentação, e examina a natureza e valor delas e m si e para si A'metafísica, pie desprezava esse exame, atraía com justa razão acensura de utilizar suas formas sem critica, sem pesquisar previamentese, e como, elas podiam ser determinações da coisa-em-si (segundoa expressão kantiana), ou apenas determinações da reão. A lógicaobjetiva é, conseqüentemente, a verdadeira crítica dosas determina-ções, uma crítica que não as considera de um ponto de vista abstrataopondo o a priori ao a posteriori, mas antes se liga a das em seuconteúdo particular.23m

Estes três trechos foram extraídos do primeiro Prefácio e daIntrodução da Ciência da lógica. Aparentemente não se conciliam:no primeiro, Regei constata o desinteresse do pensamento de seutempo pelos problemas e objetes dos quais se ocupava a metafisicatradicional; no segundo, enfatize a excelência dessa mesma meta-fisica pelo menos quanto à sua perspectiva de conjunto; no terceiro,define sua lógica como ciência que, realizando mais seriamente osobjetivos do trabalho metafisico, deve legitimamente substitui-lo.Em suma, a metafisica caiu em desuso; no entanto, constitui a

forma mais elevada da ciência, e é chegada a hora de sua realizaçãocorreta

Não poderíamos compreender o que significam exatamenteessas fórmulas se não nos lembrarmos, antes de tudo, do sentidoque tomou a vontade metafisica no âmago do pensamento ocidental,e que obstáculos seu desenvolvimento teve de enfrentar. Pois,deve-se repeti-lo, é na relação com essa vontade que se determinao projeto hegeliano; é a propósito dela que se coloca o problemada modernidade de Hegel: também é preciso lembrar preliminar-mente sua natureza profunda. E não esqueçamos algumas banali-dades essenciais: a primeira — e a mais importante, sem dúvida—, é que a metafisica não é, jamais foi, durante todo o seu tempode vida, uma parte da filosofia, aquela que vem no fim, depoisque se falou de tudo, que se tocou em tudo, e ainda há algo a dizerou alguma realidade a apreender. Ela é um modo, uma maneira,rigorosamente determinada em seu objetivo, diversificada, segundoseu devir, ein seus métodos de exposição e suas interrogaçõessingulares, de tratar a filosofia, de colocar e resolver os problemaspelos quais esta se interessa Ser metafisico é decidir filosofar deuma determinada maneira, por achar que não será nem bom nemjust filosofar de outro modo.

A partir dai, do problema da metafísica, somos remetidos aoda filosofia, ou melhor, á decisão de filosofar. No âmago do sistemahegeliano e de seus desmembramentos múltiplos, a estética e apolítica em particular, surge constantemente toda uma inquietaçãooculta, a inquietação de que a filosofia não tenha sua vez, comose diz, que a lógica da filosofia para retomar a expressãoadmirável de Éric Weil — seja um delírio bem organizado, e avontade de filosofar uma fraude. Que vontade é esse então, e oque visa?

É ela que a obra platônica define, pele primeira vez na históriada cultura ocidental, de urna forma inequívoca: É dela que se treta,sempre quando um texto qualquer se inscreve deliberadamente soba rubrica "filosofia". É sobre ela que todo hegeliano deve refletir,acima de tudo. Platão parte de duas constatações - a carta VII oatesta, pelo menos simbolicamente —: a primeira é a de que osseres humanos, joguetes de seus interesses e caprichos, são. presasda violência, que se entregam apaixonadamente a essa dialéticados conflitos e combates que parece exigir toda sua energia e todasas suas esperanças, mas que, no fundo, sofrem desse mal radical

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A CONSTEI UIÇA() DO SISTEMA 3938 HEGEL

que é o medo, o medo de perder a vida ou a dignidade, que nãosabem realmente o que querem e desconhecem sua tendência pro-funda à ordem e à paz — lançam-se no "seja o que for" dosimpulsos individuais ou coletivos; a segunda é a de que no âmagodessa confusão se projeta um rigor contestador e inelutável, o dalinguagem, do discurso, as conversas que um ser humano, segundosua situação e vontades confessas, não pode deixar de ter com ovizinho, com esse outro com quem fala, que o escuta, e que tambémlhe fala, quando nada para manifestar sua concordância, com umasó palavra...

A violência e a palavra: a partir dessa ambígua bipolaridade,institui-se a decisão de filosofar. O filósofo aposta que a exigênciada palavra e a necessidade do discurso são capazes de eliminar,ou pelo menos reduzir e canalizar, a realidade da violência. Vejamoso senso comum e aqueles que o instituem — políticos, poetas,retóricos e sofistas — e o tratamento que infligem á linguagem:esta não passa para eles de reflexo e instrumento; exprime, no dizerdeste, o que este acredita e quer (ou acredita querer), e lhe permite,contanto que seja hábil no uso que dela faz, levar vantagem sobreoutros nesses certames de oratória em que implica a sociedadepolítica. O senso comum está, parcialmente, no verdadeiro: o dis-curso pode ser apenas o meio culto, até mesmo refinado, de exercera violência e impor, por processos mais sutis que o simples recursoà força bruta, caprichos, interesses ou as paixões daquele que fala.No entanto, "o violento" que se põe a falar (ou que julga engenhosofazê-lo) se desarma no momento em que pensa adquirir uma forçanova. Ele não sabe, quando começa a dialogar para dizer o quequer, que já procura legitimar, fazer valer — perante os demais— o objeto e a ordem de sua vontade (seu capricho, paixão einteresse). Não sabe, faça o que fizer, ao menos que tenha o estranhodom de Caneles, último interlocutor de Gdrgias, que se ofereceaos golpes do filósofo.

Esses golpes são modestos, mas eficazes e precisos. Sócrates,no início, não declara nada de positivo. Contenta-se em interrogar,em perguntar aos que discutem com ele o que querem dizer,exa-temente, e se são capazes de legitimar as opiniões que proferem,em geral, com muita presunção. E, pouco depois, vão-se eviden-ciando a inconsistência de seus discursos, as contradições que elesdesajeitadamente ocultam, as distorções que se impõem, as lacunasencobertas pela falsa plenitude de seus discursos. Ironicamente,

Sócrates submete seus interlocutores a um novo exame; na verdade,condena-os a não mais falar, a não mais falar até saberem o quesignifica falar. Encerra-os numa alternativa simples: ou reconhecemque as opiniões de que se prevalecem exprimem, com mais oumenos habilidade, suas paixões e interesses; ou confessam que alinguagem tem outro sentido, e que até então não disseram nadaque valha a pena. No primeiro caso — é a eventualidade queCâlicles aceita corajosamente —, eles preferem a força como juizde última instância; no segundo, não negam mais que é necessáriauma outra educação e que uma nova disciplina se impõe, aquelasque o filósofo define...

Que diz o filósofo? Apenas que, com o diálogo, se oferece aohomem, fascinado e torturado pela violência e pelo medo, umasaída. Quando se estabelece o desprezo das opiniões, quando nadamais resta além das ruínas incoordenáveis de opiniões contraditó-rias. subsiste a palavra. No sulco dessa extrema pobreza, encontraseu curso o grande rio que fará desabrochar todas as colheitas: esterio se chama Ciência; sua torrente é o discurso. Como o homemfala e quer falar, que consinta em pretender-se, deliberadamente,e independentemente da dificuldade ou perigo que enfrente, umanimal cuja essência é falar, isto é, dirigir-se a outrem; que seinstale na palavra como em seu bem e que se esforce a obter delao que espera: não mais ter medo.

Este é o sentido da aposta filosófica: no diálogo, graças aopoder de exaltação que suscita, vai-se irtsstituindo pouco a pouco,apesar dos obstáculos engendrados pela volta dos interesses, umtipo de discurso que cada um, seja qual for sua situação de origeme o que tenha subjetivamente, seja obrigado, enfim, a aceitar comoo único discurso que se pode sustentar corretamente, sobre esse ououtro assunto. Esse discurso foi qualificado, mais tarde, de univer-sal.

A universalidade, que recebeu outras (e mais precisas) deter-minações quando, mais tarde, no devir da cultura, se definiram asnormas do- racionalismo experimental, é acima de tudo: o fato deque, de réplica em réplica todo interlocutor real e logo, possível,deve convir que não pode dizer de outro modo o que acabe de serdito. esse dito que. desde logo, se torna texto ou, caso se prefira,ciência. Sobre esse aspecto, a universalidade é a categoria funda-mental ou'quase fundamental. De qualquer modo. na ordem dacompreensão, é anterior à da verdade. que a metafísica clássica

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erigiu como seu principio. Será talvez preciso convir que, aindamais profundo que o ro iverSal, existe o sentido? Que significaria,na verdade, essa exigência de aceitação, se não houvesse, comoleito originário, essa realidade da ordem humana, ávida por fazer-sereconhecer como tal, com e contra os deuses, com e contra a physis,com e contra a transcedência ou a história? Mas isso é, precisamente,um tema hegeliano, e retornaremos a ele.

O importante para nós agora, ao tentarmos recuperar a idéiaoriginária do projeto filosófico — momento primeiro da metafísicaocidental —, é definir a prática que tem as. melhores chances deatualizar esse objetivo teórico do discurso universal. Essa prática4 a da legitimação, e seu ato é,. precisamente, o diálogo. Aparen-temente, no diálogo se exerce um poder restritivo. A argumentaçãonão se organiza mais em tomo de lugares comuns, em tomo dabanalidade de experiências reduzidas a seu menor múltiplo comum.Na verdade, no $mago do mais medíocre intercâmbio, assinala-sealguma coisa mais profunda, que vai se tornar o método da ciência.Com efeito, aquele que argumenta não poderá contentar-se emexprimir seu pensamento; em afirmá-lo; a frase que enuncia deve,em seu próprio enunciado, explicar por que se enuncia assim, nessevocabulário, nessa sintaxe, e, ao mesmo tempo, por que vale maisque toda outra frase enunciada sobre o mesmo assunto. Donde:não é por acaso nem por motivos estilísticos contingentes que opensamento filosófico, senhor de si, se manifesta pela primeira vezcomo diálogo. Este (e a dialética que ele implica) é, por assimdizer, a forma necessária na e pela qual se constitui a universalidade.

Eis a filosofia, mais elaborada forma da cultura, organizadaem função de sua teoria. e da prática teórica que ela exige. Dodiscurso universal, o filósofo espera — não se trata, no momento,de saber se esse projeto tem chances de ser bem-sucedido — ofim da violência, ou seja, a definição de uma organização social emoral que proporcione a satisfação natural à qual o ser humanoaspira, através de suas paixõese apesar delas. Graças a esse discurso,o louco, o criminoso; o bárbaro ("aqueles que do ser humano sótêm o aspecto exterior") podem ser comodamente assinalados,compreendidos e reduzidos. Mas, na verdade, do que fala essediscurso? Qual é, no fundo, seu objeto? Na origem das questõesque ele coloca há sem dúvida as motivações dos homens que nãopodem mais exercer ou suportar a sua violência; mas sobre o que,na verdade, finda suas respostas? Não poderia ser na experiência,

desigual e contingente. Esta é, na verdade, o material de que senutrem as opiniões contraditórias, e onde se alimentam os falsosdiálogos nos quais cada um só faz reafirmar aquilo em que acredita

Os fatos — como os entendemos banalmente — não podemser evocados como testemunhos: seu sentido depende da interpre-tação, isto é, das paixões e interesses daquele que os evoca. Adecisão de filosofar consiste exatamente em jamais admitir semcritica a eficácia teórica do fato: não há prova que não possa serintegrada ao sistema do discurso universalmente admissivel. Tam-bém convém, de salda, recusar o empírico e suas lições. Aindaassim, discernimos mal, nessa perspectiva, o alcance de uni discursoque tem como única justificativa a adesão que lhe concede ointerlocutor. Um tal discurso tem pouca chance de ser sustentadose apenas pode opor ás opiniões — quantas alimentadas de refe-rências empíricas e exemplos — o simples fato de que o ouvintede boa fé não pode negar sua correção. Basta decidir não ser deboa fé, ou dar mais importância ao silencio que à palavra, ou, maismediocremente ainda, considerar a linguagem um instrumento queesgota em seu uso todo o seu significado, que tudo desmorona!

Cálicles — ao dizer que as considerações de Sócrates (que, nadisputa dialética, o venceu) não mais lhe interessam, e que sereserva um outro tipo de dominação — obriga o filósofo a tornar-semetafisico, a passar da idéia da universalidade para a da verdade.Este mundo, aquele de que fala o homem Jia opinião e que se dána percepção, não é, nem poderia ser, o mundo real: o senso comumestá dilacerado por contradições, reflete a disparidade, a confusão,a desordem essencial dos fenômenos. É preciso supor que existeoutro mundo além desse, um transmundo, objeto do discurso uni-versal. Aliás o ser humano, quando consegue livrar-se de suaspaixões, o experimenta. Mas o que toma sua existência necessáriaé menos uma experiência que uma exigência É preciso que, alémdessa realidade que se mostra espontaneamente, exista uma reali-dade estável e ordenada, à qual não se chega, sem dúvida, facil-mente, mas cujo peso de ser confere consistência ao discursofilosófico: caso contrário, só nos resta entregarmo-nos à injustiçae à violência.

Assim desenvolve-se a lógica da decisão filosófica: ela conduz— por unia reflexão sobre o status da palavra — da recusa áviolência á. afirmação metafísica. O discurso que, acarretando aadesão de cada um. consegue reconciliar. os homens e organizar

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suas condutas, extrai sua eficácia do fato de ser verdadeiro, deexprimir corretamente o que é. Sua universalidade é um indicio:o indicio de que rompemos com o mundo da percepção e da paixão,de que compreendemos seu falso ser e de que estamos abertos aum outro mundo, cuja estabilidade, transparência, harmonia e con-sistência própria permitem enunciar julgamentos claros, distintos,e que permanecem válidos sejam quais forem as circunstâncias.

Como já dissemos: a descoberta desse transmundo exige umamudança radical, não apenas do pensamento, mas também da con-duta. A educação platónica, por exemplo, que continuará sendoum modelo, obriga o filósofo aprendiz a pôr seu corpo e afetividadeem xeque, a exercitar-se na pesquisa com a disciplina das "ciênciasdespertadoras", em suma a operar uma completa perversão datendência natural. É possível ser um bom médico e ficar doente.um excelente psicólogo especializado na atenção e ser mais dis-traído que Casino:. defeitos desta ordem, nesses campos, não sãosinais de carência intelectual; no entanto não é possível ser filósofoe injusto, isto é, destituído de bom senso. Esta é pelo menos aexigência filosófica original...

A metafisica é pois a Ciência. Constrói um discurso univer-salmente admissivel que, dizendo exatamente o que é tal como é,permite a cada um e a todos definir, individual e coletivamente, aprática correspondente á promessa mais profunda da humanidade,embora a menos confessada: a realização da Razão. A racionali-dade: até agora fizemos apenas alusão a esta categoria. É que defato ela vem depois das de sentido, universalidade, legitimação,verdade. Mas graças a ela os conceitos anteriores tomam-se maisclaros. A razão é, na filosofia grega, logos, que significa, antes detudo, a palavra e o conjunto das palavras agrupadas que têm umsentido: o discurso. Mas significa também razão. A indicação épreciosa, sublinha a necessidade dessa implicação: não poderíamossustentar um discurso digno desse nome se não fôssemos capazesde explicar a razoo, legitimar a seqüência de seus enunciados. Maslogo a razão se hipostasia: ordem e obrigação imanentes ao exercíciodaquele que fala (e quer falar seriamente). não tarda a ser tida contouma propriedade real que o locutor possui.

Aristóteles que, de modo genial, quer atrair o homem da ex-periência para o terreno da filosofia-metafísica, brinca com essaambigüidade, ao definir a humanidade como uma espécie que"possui o logos". À primeira vista, faz uma constatação simples:

o ser humano fala mas indica, mais profundamente, que esse atoo constitui na ordem natural como um ser à parte, possuindo umaqualidade especifica que lhe confere privilégios. A metafísica pos-terior reforçará mais essa ambigüidade: dirá, igualmente, que o serhumano é razão (que a possui) e razoável (grie não a tem e podetê-la). Ainda assim, quaisquer que sejam essas cômodas obscuri-dades, a decisão filosófica é melhor explicitada quando se revelaum de seus axiomas importantes: o fato de que o ser humano falae deseja que os sons por ele emitidos sejam aceitos como interes-santes por seus congêneres, significa que em todo ser humanodigno desse nome reside uma potência — ou urna faculdade —que lhe permite não apenas convencer outrem, mas ainda chegarao que é fundamentalmente.

A filosofia tomada metafisica está, pelo menos em relação ápesquisa das raizes da empreitada hegeliana, suficientemente defi-nida. Seu projeto, a Ciência, que diz o que é, tal como é; sua prá-tica teórica: a constituição de um agente, locutor ou escritor, capazde legitimar o que apresenta; seu objetivo: reduzir a violência emostrar que ela não passa de estupidez; seu objeto: o Ser; seuinstrumento: a Razão; seu método empírico: o diálogo (que logose transforma em cursos, que dão lugar a livros, fixando as palavrasdos diálogos ou dos cursos).

Definir-se assim é impor-se tarefas. A primeira, se assim épossível dizer, é uma atividade interior: expor o sistema da realidademetafisica, descrevê-la segundo sua ordem e hierarquias e, apóstê-la contemplado, representá-la. A esse trabalho, ao mesmo tempológico e ontológico, o pensamento ocidental tem se dedicado aolongo dos séculos, com uma sutileza e uma constância que lherenderam os mais admiráveis êxitos. E, neste aspecto, quaisquerque sejam as gozações que possam fazer os diversos partidáriosda empina, os sistemas metafisicos. de Tomás de Aquino a Spinoza,dominam, pela amplitude e rigor de sua construção teórica, todasas contestações que os defensores da "experiência" apresentaramagdi e ali, ao sabor das circunstâncias. O senso comum encontrasempre, em suas argúcias e em sua técnica de exemplos, razões;jamais tem razão...

Mas precisamente a oposição que o senso comum oferecedefine uma limitação que obriga o metafisico a usá-la de outromodo com o. discurso. Deixemos Cálicles, que está de má vontade.Aceitemos o interlocutor de boa fé — Adimanto em 4 República.

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44 IffGH A CONSUMIÇÃO DO SISIFMA 45

ou melhor, o estudante que assiste aos cursos de Attstóteles. Oaluno, ingenuamente, está pronto para aceitar a argumentação fi-losófica. Mas dificilmente encontra um ponto de apoio que lhopermita. Poucas coisas, no seu contexto, o inclinam a acreditar quealém do mundo da percepção e da paixão existe uma realidademais verdadeira Na verdade, as provas que conferem eficácia àdecisão de filosofar são fracas: Sócrates não consegue convencerseus juizes e obriga-se a morrer; Piarão fracassa em seus empreen-dimentos políticos; a Polis, que apesar da aparente animosidadeque tinha em relação à vontade filosófica a trazia no fundo de simesma, é vencida. Como, a partir dal, fazer valer a significaçãoda operação filosófico-metal(sia?

A. passagem de Platão para Aristóteles — que dá, vinte etrêsséculos depois, sentido ao hegelianismo — atualiza teoricamenteesse problema. Platão, é Aristóleles que o revela, julgava quebastava estabelecer, axiomaticamente, que deve existir um mundodiferente do da percepção; e, quando se via embaraçado pelo in-terlocutor, contentava-se em evocar experiências espirituais, asquais, se deve convir; são excepcionais, como a de Alciblades nofim do Banquete. Que acontece com quem não gosta de Sócrates?Deve, apesar de tudo, curvar-se ao duro programa pedagógicodefinido pela Academia? Terá até mesmo a força de endossá-lo,se não tem nenhuma motivação séria para fazê-lo? Aristótelesapìeenden tão bem esse conjunto de problemas que decidiu rompercom a doutrina platônica (ou atribuída a Platão) do transmundoseparado deste mundo aqui, estranho a ele, transcendente. Segundoele, como á legitimidade da decisão filosófica ê evidente, o filósofodeve ser capaz de manifestar, aqui e agora, sua eficácia teórica eprática: é necessário que o que é essencialmente tenha uma relaçãocom o que aparece, e que de conta dele de alguma maneira.

O transmundo das essências não é apenas o objeto do discursouniversal; tem também como função conferir ao existente, ao quecada um percebe e deseja imediatamente, uma inteligibilidade que,como tal, restabeleça a ordem, A essência é razão do existente;mas, por sua vez, a essência precisa do existente para manifestar-se,testemunhar seu ser-essencial. Eis aí a outra tarefa à qual a meta-física se vê obrigada por sua lógica: restabelecer o elo entre aexperiência fundamental que ela propõe e a experiência à qual cadaum, segundo a contingência, é submetido.

O pensamento ocidental também realiza exemplarmente essesegundo trabalho. A força teórica definida pela raciona idade gregaé ao poderosa que permite às formas novas e sucessivas da culturaintegrar ao seu domínio a densidade do direito romano, a dramáticada. visão ju $co-cristã, a invenção Raia e social do Renascimentoeuropeu. A operação reducionista não se realiza sem dificuldade econtradição: a filosofia hegeliam da história sublinhará, ademais,os pontos salientes desse conflito renovado. Ainda assim, ela per-manece teoricamente vitoriosa (e, ao mesmo tempo, historicamenteeficaz): o proprietário se julga obrigado a legitimar racionalmenteseu direito de possuir, o creme de justificar a sua fé, o fisico vito-rioso de fundamentar seus cálculos. E é sempre em referência maisou menos matizada, mais ou menos pura, à realidade metafísica,que se constituem • doutrina do direito e a teoria política, a teologiae • concepçio Rsica

Nesse triunfo, a razão se esgota; tomando tantos empréstimos,comproonete-se. O peso das experiências torna-se cada vez maior.A teologia — san dúvida por estos predisposta — é integrada commuita facilidade á metafísica; com a fisica, as coisas sio um poucodiferente. O Rsico, na verdade, introduz um tipo de experiênciaque rala tem a ver com a da contemplação e pouco a ver com ada intersubjetividade. A partir de entro uma outra contestação se(manifesta ~lamente à de Cilicie — que permanece estranhai.em sua forma e cada vez mais eficaz. Estranha, de fato: de um la-do, participa da mesma vontade de nacionalidade que o empreen-dimento filosófico; como este, visa assegurar ao mesmo tempo quea inteligibilidade natural, um poder ao ser humano, tido comodepositário do pensamento; atualiza, dando-lhes mais força, osconceitos e os projetos fundamentais do filósofo (claramente, idéiascomo as de "radio","causa", "lei ,,, "ordem", "harmonia", ""gê-nese", "diferença" "identidade "oposição" encontram, no quecostumamos chamar ciência, desde Galileu e Descartes, melhoresexpressão e definição). Mas esse êxito, ela só o obtém de maneiraindireta: ao masmotempo, com maior ou menordiscriçSo, questionaos critérios do juízo filosófico; exatamente como um não-filósofo,invoca os fatos, a experiência cotidiana, o testemunho do objeto.Sabe — toda a obra de Hume o prova — que a inteligibilidade éum problema teórico, mas recusa-se a crer que essa inteligibilidadejá esteja ali, no seu sistema fechado, que tem motivos para estarsatisfeita consigo mesma e para sempre, que ela é, imediatamente

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e aconteça o que acontecer, dominante. Ela é exigente; pretende-semais racionalista que a razão.

O surgimento da fisica, em seu duplo status de disciplina teóricae pesquisa empírica, põe de novo a metafísica — e, dessa vez, deuma maneira muito mais séria —em desequilíbrio. Há muito tempo,as diversas formas de pensamentos que por hábito chamamos cé-ticos, e que são, de fato, a expressão das angústias da razão, colhidaentre a amplidão de suas ambições e a pouca eficácia de seuspoderes, já o apontara. Esse desequilíbrio, Kant, de forma decisivae bastante peremptória, o compreende, explica e ultrapassa. ACritica da razão pura administra — mais como um prefeito ad-ministra um departamento do que um tabelião uma herança — oracionalismo experimental. Em suma, estamos numa modernidadeque não precisa mais nem de Deus nem da Natureza para legitimarsua força conquistadora: basta que se desenvolva rigorosamenteuma crítica que ponha cada obra e cada decisão em seu lugar. quesaiba distribuir, em cada caso, o que cabe ao pensamento (puro) eao conhecimento (alimentado pela empina).

Os resultados da análise kantiana são conhecidos. O empirismotem razão: não há saber absoluto no qual o homem se possa re-conhecer e identificar. Erra, no entanto, quando tira disso a con-seqüência de que o Absoluto não é. Resta, na verdade, a hipótesede que o Absoluto "existe", mas não se trata do Saber. Uma soluçãosemelhante dá á filosofia um novo impulso: assinala, ao mesmotempo, o declínio da metafisica e sua renovação. De um lado,denuncia com vigor a "ilusão transcendental" que levou o pensa-mento, cedendo à esperança da Razão, a erigir em Idéias ou es-sências os produtos da imaginação e do raciocínio; a partir domomento em que se deixa o terreno da experiência, nenhum juízopoderia ser dito verdadeiro, já que não podemos, de maneira alguma,verificá-lo: a melhor prova disso é que se pode demonstrar a igualvalidade de duas formulações metafisicas contraditórias. A propó-sito da alma, do mundo, de Deus, podemos multiplicar os enun-ciados sem encontrar a mínima contradição interna: isso não se dá,no entanto, porque em cada um-deles dizemos alguma coisa deverdadeiro, mas porque não dizemos, de fato, nada.

Nem por isso a conseqüência cética que se extraiu desse fra-casso da metafisica continua sendo menos ilegítima: a perfeiçãomuito cedo atingida pela matemática, a solidez e os avanços dafísica provam que o homem pode conhecer alguma coisa, e conhe-

cê-la objetivamente. Mas o objeto de sua aplicação, então, é apenasa existência fenomenal, que se dá na percepção, e não a coisa emsi, cuja essência o metafisico julgava apreender: o saber da ciêncianão é saber do Absoluto. Este escapa sempre ao conhecimento,pois na relação cognitiva será transformado e lhe será conferidoum status relativo ao ser humano.

Importa pois, para filosofar com seriedade, refletir, criticar arazão e mantê-la nos limites de seu uso legítimo: nesse domínioteórico, a reflexão recomenda — uma vez que se fundamentou aobjetividade do saber fenomenal —desenvolver experimentalmentea ciência — a de Newton e Lavoisier — continuando convencidode que ela será para sempre incapaz de oferecer uma posse integraldo ser em Si.

A Razão, todavia tem outro uso. Há um domínio onde ela sedesenvolve segundo sua vocação: atesta-o a filosofia popular. Essedomínio é o da vida moral. O Absoluto, negado ao homem nonível teórico, se entrega com toda sua riqueza, na ação e noexercício da liberdade. Constituindo-se como vontade' livre, livran-do-se, pela escolha de um destino humano das determinações mun-danas, o indivíduo eleva-se para alêm dos domínios dos fenômenos.Fazendo-se "legislador e sujeito", livra-se de sua situação relativae conquista a "determinação integral As obras da ciência bemcomo as ambições do saber parecem diminutas comparadas a essatarefa grandiosa e perigosa de ser a razão' no ato, ou, mais preci-samente, de ser ele mesmo a razão agindo. Ser metafísico, o homemse realiza apenas no domínio prático: nenhuma prova, ademais,pode ser dada do sucesso desse empreendimento. a não ser aquelaque o sujeito dá a si mesmo ao se conhecer como efetuação da leimoral. Não há por que procurar, no mundo fenomenal. indícios doêxito de tal empreitada: o Absoluto torna-se enfim o que semprefoi, uma "tarefa infinita". um ideal. Assim sendo, o homem podeencontrar a plenitude e tem o direito de esperar. como ser livre, enão como ser cognoscente. o Soberano Bem.

Na verdade, essa concepção kantiana permite lançar sobre o. futuro do pensamento metafísico um olhar retrospectivo que escla-rece o seu sentido profundo. Por trás das contradições abstratas.dos sistemas e do projeto teórico do discurso universal, projeta-sea exigência moral. Este é. sem dúvida, o significado da funçãoconferida por Platão à Idéia do Bem na hierarquia das essências;e o fato de que a metafisica. depois de Aristóteles. tenha distinguido

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cada vez mais nitidamente o teórico e o prático, de que tenha atémesmo feito deste uma simples aplicação daquele, não chega amascarar o caráter naturalmente determinante dessa exigência mo-ral. É também esta última que atua confusamente na "moral po-pular", na atividade jurídica, na história da humanidade; é ela quea criação artística imita, e é com ela que a harmonia da naturezaganha valor simbólico. Finalmente, é de sua realização que dependea realização do homem.

Por mais elaborado que seja, e precisamente por introduziruma ótica radicalmente nova, por revelar a atividade filosófica deuma forma diferente da conhecida até então, o sistema kantiano ésubmetido ao instrumento crítico que ele mesmo construiu. Ametafísica como teoria não aceita bem, na verdade, ver-se assimreduzida . Daí lançar-se numa contestação excessiva; não tem muitadificuldade, é verdade, para descobrir na argumentação do filósofode Koenigsberg falhas e imprecisões. Aproveita-se disso para min-sair nela sua tradição discursiva A alternativa, ademais, é simples:ou bem depende efetivamente do homem para que se realize oAbsoluto, caso em que não é legítimo que seu poder seja de algumaforma limitado ao domínio teórico .singularmente; ou então éabsurdo pensar, que a realização do Absoluto possa ser função daatividade humana O jacobino Fichte desenvolve, numa sistemáticaque nela vai se aprofmdando, a primeira dessas hipóteses; chegaa suas conseqüências extremas — pelo menos é esta a ótica quelhe empresta atualmente o . antropocentrismo kantiano, e, de qual-quer modo, a que Hegel conservou" decide, como tende a lógicaexterna do sistema, conferir ao sujeito transcendenW a capacidadeinfinita de se colocar e se negar a si mesmo, e impõe-lhe a funçãocriadora que antes ocupava Deus nas construções dos metafísicosclássicos. Jacobi, Schleiennacher e depois Schelling, que, depoisde Fichte ter desempenhado esse papel", se vê erigido por sua veza teórico do Romantismo, tomam o outro caminho: como o Absolutoé necessário e não pode ser conhecido, ele ê experimentado, sentido,intuído, no seio de uma relação fundamental que é da natureza,não do saber discursivo, mas da crença

Será preciso, para salvaguardar a metafisica, chegar a taisexcessos? Será que se deve, para não renunciar ao Absoluto, tratartão superficialmente as condições que prevalecem na elaboraçãodo Saber? No fundo, os sistemas pós-kantianos, quer se filiem àcritica ou ao Romantismo, mantêm, a contragosto, a cisão kantiana

do Absoluto e do Saber — e só chegam a superar o axioma queaceitam e fingem ignorar por um golpe de força, que logo põemem pratica. O Eu —Eu de Fichte, o Absoluto intuído de Schellingatestam a contingência a que se reduziu o pensamento quando tema coragem teórica de não mais fugir à exigente solicitação meta-fisica. Kant acredita salvar os direitos da filosofia repondo a me-tafisica em seu lugar, mas, restringindo-a a um uso não teórico,.desconhece a autoridade que visa instaurar a decisão `de filosofar..A hipérbole fichteana e romântica lembra-o oportunamente. Masos discursos desenvolvidos por ela não. realizam nada que possaimpor-se contra a acuidade da crítica kantiana..

Decididamente, Hegel não é um Kant que, tendo lido Fichte,Jacobi e a primeira obra de Schelling, teria permitido à filosofiametafísica acrescentar um novo capítulo à sua tranqüila história.Hegel se decidiu a continuar filosofando, apesarada revoluçãoeconômica feita pelos ingleses, da Revolução Francesa, da"reno-vação" pós-kantiana na Alemanha; a se expor, a encarar aquiloque a conjuntura teórica o destina: a reavaliação profunda dametafísica; a retomar e compreender, de maneira radical, sua mo-tivação intelectual. Kant, anunciando a "metafísica finura", definiuo que ela não pode ser. A Hegel coube, a'partir da!, a tarefa dedeterminar o que ela pode ser... Os tiros de fuzil de Valmy, os decanhão de lena: entre esses acontecimentos desmorona um mundoe outro se ergue. Cumpriu-se a mudança radical como pensoutecnicamente Kant (como pensou, segundo sua técnica particular,uma multidão de teóricos, de Adam Smith a Babeuf, de Lavoisiera Condorcet). Importa dar-lhe suas bases teóricas, isto é, metafi-sicas.

O hegelianismo — inútil carrega-10 de um sentido existencialque não possui! — é a realização da metafísica no seio da moder-nidade. Está aí seu peso e privilégio; não é preciso "atrai-lo' parao que somos, como o fazem inúmeros intérpretes contemporâneos,que com isso pensam servi-lo; somos nós que temos de nos reconhecert prospectivamente, nele,. e não ele, retrospectivamente, re-conhecer-se em nós. ..

Nós o anunciamos: é com a ajuda da metafísica que Hegel vaisair das contradições nas quais se esgotam o kantismo e o antikan-tismo. Por intermédio de uma metafisica conseqüente, isto é, deuma metafisica negada. Mas, de fato por que, além das contestações

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feitas por Fichte, Jacobi e Schelling, não retomar a Kant? Aargumentação é clara:

É natural supor que, antes de enfrentar em filosofia a própria coisa,isto é, o conhecimento efetivamente real do que é na verdade, devemospreviamente nos entender sobre o conhecimento, que consideramos oinstrumento com o auxilio do qual nos apoderamos do absoluto, oucomo o recurso graças ao qual o percebemos. Uma tal preocupaçãoparece justificada, em parte, porque poderia haver diversos tipos deconhecimento, e dentre eles um poderia ser mais adequado que outropara atingir essa meta final —justificada portanto pela possibilidadede uma escolha equivocada entre eles —, em parte também porque,por ser o conhecimento uma faculdade de uma espécie e de um alcancedeterminado, sem determinação mais precisa de sua natureza e limites,podemos nos deparar com as nuvens negras do erro, em vez dealcançar o céu da verdade. l...j

Contudo, se o medo de cair no erro introduz uma desconfiançana ciência, ciência que sem esses escrúpulos se põe por si própriaem ação e conhece efetivamente, não vemos por que, inversamente,não devemos introduzir uma desconfiança a respeito dessa descon-fiança, e por que não devemos temer que esse medo de errar já nãoseja o erro. Na verdade, esse medo pressupõe alguma coisa, pressupõeaté mesmo muita coisa como verdade, apóia seus escrúpulos e suasdeduções nessa base que seria preciso antes de mais nada ele próprioexaminar, para saber se consiste na verdade. Pressupõe precisamenterepresentações do conhecimento como um instrumento e um meio, pres-supõe também uma diferença entre nós e esse conhecimento: pressu-põe, sobretudo, que o Absoluto está de um lado, e que o conhecimento,estando de outro, por st e separado do Absoluto, é no entanto algoreal. Em outros lermos, pressupõe que o conhecimento. estando dolado de fora do Absoluto, está sem dúvida fora da verdade, sendo noentanto ainda verídico, admissão pela qual o que chamamos de medodo erro se faz antes conhecer como medo da verdade."

A concepção kantiana dos poderes da teoria é excessivamentemodesta. A do sentido e alcance da prática, exorbitante e abstrata:"Só o puro dever é absoluto", declara Kant.

Mas em sua realidade essa abstração utmgru a significação do Euconsciente de si. O espirito certo de si repousa como certeza moral

imediata (boa consciência) em si, e sua universalidade real, ou seudever, reside na sua pura convicção do dever. Essa convicção puraé, como tal, tão vazia quanto o dever puro, puro no sentido de quenada contém, e de que nenhum conteúdo determinado é dever. Paraa boa consciência, a certeza de si mesma é a pura verdade imediata,e essa verdade é pois sua certeza imediata de si representada comoconteúdo, ou seja, de uma maneira geral, é a arbitrariedade do sersingular e a contingência de seu ser natural inconsciente.

Esse conteúdo vale ao mesmo tempo como essencialidade moralou como dever De fato, o puro dever — resultado já adquirido apropósito do exame das leis — é completamente indiferente a todoconteúdo e tolera qualquer conteúdo. Aqui, o puro dever tem ao mes-mo tempo a forma essencial do ser-para-si, e essa forma da convicçãoindividual não passa da consciência da vacuidade do puro devei, dconsciência de que esse puro-dever é . só momento, de que sua suó5-tancial idade é um predicado que tem seu sujeito no indivíduo, cujolivre arbítrio dá o conteúdo a esse puro dever e pode unir todoconteúdo a essa forma, e ligar a um conteúdo qualquer seu sentimentode ser consciencioso.r'

O absoluto do qual Kant é o arauto reduz-se pois ao seguinte:a convicção inteiramente interior do ser consciencioso. O destinoda "metafisica futura" não poderia ter uma posição tão irrisoria-mente contingente. É pois sobre essa banalidade de bom gosto etradição honesta que devia concluir-se a empresa critica! Semdúvida é preciso para sair de um impasse tão grave — do qual nãoconseguem se desembaraçar nem o hipercriticismo fichteano nemo Romantismo — refletir mais seriamente sobre o status da "me-tafisica passada".

"Prolegômenos a toda metafísica passada", é um bom tituloque se poderia dar ao prefácio da segunda edição da Ciência dalógica — datada de 7 de novembro de 1831 —, cujos trechos jácitamos. Dá-se ai. pela primeira vez na cultura ocidental — esque-çamos provisoriamente Spinoza —, a separação com rigor entre aCiência que pretende realizar a decisão filosófica e a operaçãometafisica. E, ao mesmo tempo, desvela-se o postulado implícitode toda metafisica passada, presente e futura.

O conceito no qual está fundada a prática teórica da metafísicaé o de verdade: é a exata correspondência, a adequação entre o

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Pensamento e o Ser que garantem finalmente a validade do discursoe o lastreiam com seu peso. Quando o pensamento é reflexão oureflete (no sentido ótico) o Ser, o discurso então — manifestaçãodo sistema das idéias (ou das representações) — diz o que é, talcomo é. A grande questão desde então — testemunha-o a buscaininterrupta da metafísica durante vinte e três séculos — é definiros indícios incontestáveis graças aos quais possamos reconheceraidéia adequada. Ora, a empresa fracassa: o problema metodológicopor excelência, o do critério da verdade continua sem soluçãoaceitável... Todavia não convém extrair consequências abusivasdesse fracasso. É preferível analisá-lo e evitar inferir, como Kante Comte, cada um à sua maneira, que não poderia haver neste casouma verdadeira teoria, no sentido rigoroso.

O objetivo da metafísica — a adequação final entre o Pen-sahiento t o Ser -revela um axioma implícito: a teoria metafísicaaceita como evidente a idéia de que imediata ou inicialmente, Sere Pensamento,. objeto do discurso e discurso, são separados, queestão de saída na alteridade, que há de um lado aquilo que pensa(e que em última instância não pensa nada), e aquilo que se dáa pensar (e que, fora do pensamento, se limita a ser). Instituem-sedois registros (quando a cultura ocidental deixa de tomar ao péda letra, como conviria, o que Platão e Aristóteles. explicam): odo ser cognoscente, que tem o poder de conhecer, mas que —por seu pecado ou inabilidade congênita — só chega a usar essepoder desajeitadamente, e o . do ser a conhecer, que, erigido emsua independência natural, se oferece, com direito, a ser apreen-dido, mas com mais frequência se recusa a fazê-lo. Em suma, ametafísica, que sonha com a imanência, institui a transcendên-cia.

Hegel propõe uma aposta ambígua: exige —. e é necessáriopelo menos a Fenomenologia do espírito para justificar essaexigência, exorbitante para a tradição filosófica'— que se neguea implicaçãoo estabelecida entre a noção do Saber; compreendidacomo discurso universal que diz o que temos a dizer de essencial,e a da verdade, interpretada como adequação entre o Ser e oPensamento, concebidos como originariamente distintos. Ele de-fine, ao mesmo tempo, uma idéia do Absoluto da qual se excluiuqualquer transcendência A função e o status da lógica se vêemcom isso profundamente subvertidos. Para o pensamento metafi-

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siso, a lógica é o instrumento que, revelando, independente doconteúdo, as leis do entendimento, permite transpor o fosso quesepara objeto conhecido e objeto cognoscente. Tomando-se assimessa atividade teórica, nos impedimos todo verdadeiro acesso àfilosofia:

•Se consideramos que a Lógica é a ciência do pensamento eis geral;queremos dizer com isso que esse pensamento constitui apenas aforma de iam codtecimenta que a Lógica abstrai todo conteúdo, eque o segundo elemento constitutivo do conhecimento, a matéria, devejá Ser dada; a Lógica, da qual essa matéria é totalmente independente,só pode fornecer as condições formais de um conhecimento verdadei-ro, mas não é, em st. umaverdade real, não é o caminho para averdade real, pois o essencial da verdade; isto é, o conteúdo, está,fora dela.

No entanto, em primeiro lugar, já é bastante desastroso afirmarque a Lógica abstrai todo o conteúdo, que ensina apenas as regrasdo pensamento, sem poder empenhar-se ela própria no que é pensadoe examinar seu modo de ser. Pais se o pensamento e suas regras sãoseu objeto, ela já possui por isso, imediatamente, um conteúdo quelhe é próprio; possui esse segundo elemento constitutivo que se diziafaltar-lhe, tem uma matéria cujo modo de ser a preocupa [...]

O conceito tradicional da Lógica baseia-se na separação de formae do conteúdo do conhecimento, ou da verdade e do certeza; essaseparação foi aceita de uma vez por todas pela consciência ordinária.Supãe-se em primeiro lugar que a matéria do conhecimento é dadafora do pensamento, em si e por si, como um mundo consumado; opensamento chega à matéria de maneira puramente exterior, comouma forma; ele é por si mesmo vazio; enchendo-se de matéria, adquireum conteúdo e torna-se um conhecimento real.

Supãe-se em segundo lugar que esses dois elementos constitutivos—pois devem ter a relação d dois elementos, e o conhecimento deveedificar-se a partir deles de uma maneira puramente mecánica, ouquando muito química — se relacionam um com q outro da seguintemaneira: o objeto é alguma coisa consumada, dcabada em si, quepode perfeitamente se privar do pensamento na que diz respeito a suarealidade efetiva, enquanto o pensamento permanece necessariamenteuma coisa Inacabada, quesópoderealtzar-seaocontaar uma matéria,à qual deve juntar-se como uma forma mole e indeterminada. Averdade é a concorddncia do pensamento e do objeto, e o pensamento,

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para realizar essa concordância —que não é dada em si e por si —deve ajustar-se ao objeto e regular-se por de.

Em terceiro lugar,

quando a distinção da matéria e da forma. do pensamento e do objeto,não é deixada nessa indetermina" nebuloso mas é apreendida demaneira um pouco mais precisa, estima-se em geral que cada umadessas determinações forma, por si mesma, uma esfera à pane. Re-cebendo a matéria e dando-lhe formo o pensamento não sai de simesmo; toda sua atividade consistindo numa modificação puramenteinterior, na qual ele não se torna seu outro; o ato de determinar,consciente de si, lhe é próprio, e nada mais; em sua relação com oobjeto, ele não chega por si mesmo ao objeto; ene permanece. en-quanto coisa em si, para além do pensamento

Essas considerações sobre a relação do sujeito e do objeto 'ex-primem as determinações que constituem a natureza de nossa cons-ciência cotidiana e fenomenal; transportados ao domingo da razão,como se uma relação semelhante pudesse estar em seu lugar e ter,em si e por si, uma verdade qualquer, esses preconceitos são os anosdos quais a filosofia é a refuta" continua, em toras at portes dountverso espiritual e natural, ou que, antes, devem se rejeitados desalda pela filosofia, porque lhe bloqueiam o acessos

A Lógica, se é realmente a disciplina da verdade, é ao mesmotempo e indissoluvelmente ciência do Ser e do Pensamento. E seuconteúdo articulado só pode ser o Pensamento articulando-se en-quanto pensamento do Ser e o Ser articulando-se enquanto ê pen-sado. A metafisica, a despeito de sua vontade de ruptura, continuousendo tributária das representações do senso comum. Trata-se, sequisermos dar decisão de filosofar seu significado pleno, de iralém e chegar à perturbadora evidência de que nenhum pensamento— e é necessário atui tomar esse terno no sentido amplo, integrarnele as atitudes existenciais, as práticas sociais, as obras culturais- poderia ser desqualificado como sendo pensado fora do Ser, ede que é absurda a idéia de um setor ou de um modo do Ser queseria sem ser da alguma maneira pensado.

A partir dai,. se continuamos refletindo com as categorias dametafisica, devemos concordar nesse ponto: tudo é "verdadeiro".da teologia á concepção materialista, do cidadão guerreiro da Pólis

grega ao asceta medieval, de Afrodite ao Crucificado. Essa idéiaque temos o costume de atribuir ao relativismo cético é legitima:nenhum discurso tem jamais o direito de invalidar um outro discursosob o pretexto de que. tendo levado mais longe sua reflexão, refletealguma coisa do Ser, enquanto o outro é a imagem do Nada. Esteúltimo, pelo menos, reflete a paixão daquele que o enuncia, e épreciso ser muito dogmático e bem pouco moderado para acreditarque a reflexão é capaz de deslindar o que há de "verdadeiro" nojogo da paixão e da reflexão.

Como uma luva que se vira pelo avesso, a metafisica, desdeque a persigamos em suas conseqüências últimas, se inverte: aconfiguração é a mesma, mas o sentido e o material tomam-seradicalmente outros. O herdeiro transforma-se em executor. O autorda Ciência da lógica torna-se o assassino da imagem secular legada.pelo fundador da Academia. Deixemos à sophia, sabedoria-saber,o questionamento, a utopia teórica e prática! Doravante, trata-sede Ciência, da mais elevada das ciências, que como tal deve elaprópria poder justificar sua constituição interna, seu método, seuobjeto e seus objetivos. E essa ciência só pode ter por missãoorganizar, segundo a ordem e a inteligibilidade, as múltiplas ma-nifestações do Pensamento, as múltiplas expressões. do Ser, todasverdadeiras — todas tão igualmente verdadeiras quanto falsas. Tão:este advérbio que acabamos de repetir assinala que estamos aindaequivocados, que jogamos ainda, obscuramente, como os metafi-sicos, o jogo da diferença e da semelhança. Afrodite é tão "ver-dadeira" quanto o Crucificado! Para sair desse impasse, temos dereinventar a dialêtica.'

Questionamento e realização da metafísicaO problema é teórico. Na aparência, apresenta-se em termos sim-ples: Conto pode a decisão de filosofar, segundo projetada por

• Na versão em português, em nome da fluência e melhor inteligibilidadedo texto, o advérbio °aussi ', na presente passagem, é traduzido ora por tio.ora por quanto. Essa escolha nos parece feliz. pois faz prevalecer a idéia deoscilação indetenninação e equivocidade encerrada no jogo da diferença eda semelhança partilhado pelos metafísicos. (N R T.)

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Platão, tomar-se efetiva sem realiza-se como empreendimentometafísico, empreendimento cuja inanidade Kant estabeleceu deuma vez por todas? Como escapar às regressões céticas ou român-ticas impostas pela reflexão critica?

Na verdade, a mutação que ele exige incide sobre o status doconceito, que é o material usado pela metafísica até então paraconstruir seu edifício. Para esta última, o conceito é uma mediação:fabricado pelo entendimento, ou a ele dadó, é aquilo pelo qualpodemos abolir a alteridade do sujeito que conhece e do objeto.Enuncia-se num determinado tipo de linguagem: o discurso filo-sófico. Caso reflita corretamente aquilo de que é o conceito — aomesmo tempo, o pensamento que o detém e o objeto a que visa—, então é verdadeiiro. Caso contrário é falso (ou inadequado).Quanto aos conceitos confusos, aos pseudoconceitos, às noçõescomuns, são deixados aos gêneros inferiores, isto é, não-filosóficos,de conhecimento.

Se renunciarmos—como conduz a isso o fracasso da metafísicae como convida a justa conseqüência que Hegel tira disso — aessa definição da verdade (e do erro), em que sé transforma entãoo conceito? A que status será reconduzido? Exatamente àquele aque jamais deixou de remeter: a ele mesmo. Não é outra coisasenão o ponto nodal em tomo do qual se deve organizar enfimtoda linguagem, toda imagem, toda representação; nada mais quea relação de sentido que mantém com as efetividades cuja validadeê justificada: o sistema de todos os outros. conceitos. Deixemos,nós que falamos (e escrevemos), de acreditar que existe uni alhuresda linguagem, um objeto — "Idéia", "essência" "natureza ver-dadefra e imutável", da qual o conceito teria de ser a cópia — ouum sujeito, do qual de seria a expressão, mais ou menos bem-su-cedida A. linguagem, em suas manifestações diversas e, singular-mente, em suas formas mais elaboradas, das quais a mais elevadaé a filosofia, constitui o todo do Espirito (diríamos hoje: da cultura)

à idéia de que uni "ser" (por exemplo, a natureza) possajulgar a""verdade" dê' Espírito, chega mesmo ao absurdo! Queseria pois esse "ser" ao qual iríamos querer nos referir? Seriatomado, "objetivamente", como substância-coisa, ou, "subjetiva-mente", como substância-eu — que não poderia ser dita e seriarazão do dizer (e da escrita)?

Não é nem mesmo o 'nada' que, como tal, já quer dizermuito! É o "unicórnio"" de Aristóteles. É abracadabra, é o in-sensato. O elemento do espírito - no sentido em que se fala de"elemento marinho", e no de "elemento químico" — s6 podeser a linguagem na medida em que se pretende rigoroso, se organizaem ~cebos. É a aceitar esse fio condutor que nos convidam asprimeiras páginas demonstrativas das duas obras fundamentais de.Hegel: a Fenomenologia do espí rito e a Ciência da Lógica.

Sigamos esse fio condutor, tão esticado, na aparência, que jáo vemos romper-se, e façamos, rapidamente, a experiência daprática teórica que ele indica. Comecemos pelo menos fácil eleiamos este, que está bem no início da primeira parte do livro 1da Ciência da Lógica:

A DETERMINIDADE (QUALIDADE): "O Ser é o imediato in-determinado; ê livre de toda detenninidade em relação à essência,ou a toda outra determinidade que possa ter em si. Esse ser isento

•de reflexão é o Ser MI como ele é imediatamente em si mesmo.

A. O SER: O Ser, o Ser puro

sem qualquer outra determinação Em sua imediatez indeterminada,é apenas igual a si mesmo, não é «rente de outra coisa, e ignaratoda diferença tanto dentro quanto fora de si. Uma determinação.qualquer ou um conteúdo que lhe introduzissem . diferençar, ou oapresentassem como diferente de outra coisa, não o conservariam emsua pureza originária Ele é o puro vazia a pura indeterminidade.—Nada há a intuir nele, se é que se pode falar aqui de intuição; sópode ser uma intuição pura e vazia. Da mesma forma, não há nadaa pensar nele, ou então se trata apenas de um pensamento vazio. Oser, o Imediato indeterminado, é de fato um Nada, não mais nemmatos que um nada.

• O termo alemão usado por Hegel na passagem suprachada da Ciência dalógica é nleha, "nada". No presente comentário, Chiltelet ora faz uso doteimo francês Sn ora do termo néanr. Quando ncminalizados referem-se ámesma idéia, à idéia de uma indeterminaçlo absoluta, de uma infinitudepotencial. Nesse caso, a verso brasileira optou por "nada". (N.R.T.)• "Bouc-cerf" Literalmente "Bode-cervo", exemplo convencional de ani-mal fabuloso. Do grego tragelagod. Ver: Platao, Á República, 488a; Aristá-teles, Primeiros Analíticos, 1, XXXVIII, 49a (N.R.T.)

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58 HE(Er.

B. O NADA: O Nada, o puro Nada,

é uma simples igualdade consigo mesmo, a vacuidade, a indetermi-nação e a falta de conteúdo absoluto; indiferenciação em si mesmo.Na medida em que se pode folar aqui de pensamento (ou de intuição),há uma diferença entre penar (ou intuir) alguma coisa ou nada. Nadapensar, nada intuir, isso tem pois uma significação; os dois são distintos.e assim o nada é (existe) em nosso pensamento ou nossa intuição; ouantes, mata-se de um pensamento e de uma intuição vazios, como nocaso do ser puro. — O Nada tem aqui a mesma determinação, ou amesma ausência de determinação, que o Ser puro, sendo portanto amesma celsa que ele.

C. O DEVIR: I. A unidade do Ser e do Nada.O Ser puro e o Nada puro são pois a mesma coisa.

A verdade não é nem o Ser nem o Nada, mas o fato de que a Serpassou (e não passa) ao Nada e o Nada ao Ser. Contudo, do mesmomodo, a verdade não é a indiferenciação deles, mas sua não identidadee sua diferença absoluta e apesar disto, mais uma vc. eles são unidose inseparáveis, e cada um deles desaparece imediatamente no seuoposto. A verdade deles é pois esse movimento de desaparecimentoimediato de um no outro: o Devir. Movimento no qual eles estãoambos bem separados, mas por ima diferença que é imediatamenteanulada."

Trata-se aqui dos textos iniciais da Lógica cientifica Estasabemos, tomou o lugar da antiga metafísica Além disto, Hegelestabeleceu que o ponto de partida dessa ciência só pode ser "oSer puro que constitui a verdadeira expressão dessa imediatidadesimples. Do mesmo modo como o saber puro não é nada mais queo Ser, em geral, nada mais, sem outra precisão nem definição3''.Mas não é isso o que nos interessa aqui: aquilo para que devemosdirigir nossa atenção é a maneira como se organiza esse primeirodiscurso. manifestação exata do saber absoluto. isto é. a linguagemque transcreve adequadamente o movimento através do qual Ser eEspírito experimentam uma unidade que, apesar das aparências,nunca deixou de ser a deles. Aceitemos, para torná-la mais inteli-gível, fazer pedagogia e apresentar, neste texto. uma paráfrasequase psicológica.

A coNSroutçÃo DO SISTEMA 59

Alguém, não importa quem, quer dizer, dizer alguma coisa —um sentimento, unia idéia, um objeto — que ele constata, imagina,ordena, deseja: refere-se sempre,. de alguma maneira, ao ser, oumais precisamente ao "é", como imediato indeterminado que,qualquer que seja sua função gramatical, constitui — ao menospara nossas civilizações baseadas na palavra dialogada (ou pseu-dodialogada) e na escrita — o fundo de toda enunciação. Esse "é"ê "infletido... indiferente em sua relação com a Essência": nãodetermina nada. Isso se dá porque diz apenas ele mesmo e não diznada de si mesmo. Ele não é o zero da linguagem, mas a unidade— o 1 — a partir do qual a elipse e redundância, todo o grandejogo simbólico, vão desenvolver-se...

O "é" — unidade do nosso código racionalista — é pois oelemento de toda enunciação ou, como se prefere dizer desdeDescartes e Kant, de todo juízo. O Aristóteles lógico o estabelecera,desde há muito tempo. Observemos que, na língua francesa, "é"remate a um sujeito gramatical. "É", corno imediato indeterminado,diz-se "ele é". Mas esse sujeito é apenas gramatical; mais preci-samente, é anónimo. O "ele" se esgota por inteiro no fato de queé posto em relação imediata, sem exterioridade nem interioridade,com o ser, do mesmo modo, "ele é" assinala apenas que nesse"ele", ê reclamada uma determinação, e nada mais.

A metafisica passada não quis perder muito tempo com taisquestões. Como se incubira da tarefa de fornecer representaçõesexplicativas, estrava sem demora nos jogos das atribuições. Emvez de perguntar-se o que poderia significar — no sentido preciso— "ele é", preferiu procura predicados; "ele é (há) Deus", "eleê (há) a Natureza", "ele ê (há) Eu", "ele é (há) o "indiferenciado".Não pensou, pois isso arriscava comprometer sua missão de por-tadora da verdade, que é necessário persistir, com paciência eexigência, nesse "ele é", fundamento de toda realidade discursiva.

Ora, desde o momento em que aquele que fala aceita nãoapenas reconhecer que a cópula "é" é necessária para a constituiçãode todo discurso, mas também para experimentas o significado doque diz, sobrevêm então conseqüências inesperadas. Estas, a mesmatradição metafísica por assim dizer as repeliu, tanta era a pressade responder. Embora fosse sensível â obrigatoriedade do desvio,não quis ir até seu fim: não compreendeu que desviar é igualmenteperverter - conduzir à unidade postulada.

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A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA 610 uma

Experimentemos pois o "ele é" como tal, ou para falar demodo mais clássico, como o "ser puro". Que querem dizer osfilósofos quando, sistematizando a experiência comum de todaenunciação e dela extraindo o. fundamento, libertam, como absolutoinicial ou final, o Ser, no esplendor de sua indeterminaçeoe desua infinitude potencial? Com certeza o discurso deles diz algumacoisa, mas o que diz é, muito exatamente, o Nada. Aqui a demons-tração hegeliana é bastante clara para que seja preciso comenta-la..

Ficaríamos mais satisfeitos se começássemos por esse conceitodo Nada, que outros- filósofos tambêm evocam baseando-se emoutras experiências ou, ao menos, constatando ofracasso com oqual se defrontam? Aqueles que se referem ao Nada sabem, segu-ramente, que não , dizem coisa nenhuma, que designam uma outratotalidade abstrata, da qual está ausente toda determinação; masnão se dão conta do fato de que, ao dizerem Nada, visando-o, dizemalguma coisa, que seu enunciado, que não diz coisa nenhuma, é.

Impõe-se uma primeira consequência como lei a todo aqueleque vincula uma significação à atividade discursiva, falada ouescrita., A metafísica e a lógica que esta envolve efetuaram umaextrapolação ilegítima: do fato de que os termos ou expressões —"existe... não existe", "existe algo... não existe corsa nenhuma","ser... nada" - são opostos gramaticais, que não se podem fazerrepresentar ao mesmo tempo, sob a mesma relação, na mesmafrase, extraíram conseqüências ontológicas: concluírem que o Sere o Nada, por exemplo, eram realmente contrários, não podiam ser"verdadeiros" ao mamo tempo. Com isto, impediram o discursode se desenvolver segundo suas articulações específicas. Não viramque a relação imediata (ou aparente) de contrariedade remetia auma identidade oculta, que a contrariedade envolve uma diferença,que ela própria supde iun fundo comum. Dizemos que Ser e Nada,conservemos este exemplo, excluem-se ontologicamente; no entan-to, aquele que diz o Ser anuncia diferencialmente o Nada, como.aquele que diz o Nada anuncia diferencialmente o Ser. Dizer cemOu outro. dá no mesmo. Em suma, avalia Hegel, se pomos entreparênteses a teoria-da physis aristotélica, que está caduca, e noscolocamos na perspectiva daquele que consideramos o fundadorda ontologia e da lógica identitárias, a oposição dos contrários éimpensável (indizível), se não se projeta contra o fundo da iden-tidade deles.

No entanto, Ser e Nada, que são da ordem do mesmo, não sãoo mesmo. O discurso imediato que os opõe tem base para fazê-lo,pelo menos na imediatidade. É a reflexão que. evidencia o fato deque o Ser, desde que o pensemos seriamente, tona-se Nada, e oNada torna-se Ser. Imediatamente, os dois conceitos estão numarelação de alteridade; mediatamente, introduz-se uma relação deidentidade. Ora, não há motivos para privilegiar mais o momentodo imediato que o do resultado da mediação. O privilégio retomapois ao movimento que permite passar de um a outro, movimentoque, desde então, constitui a verdade de um e de outro. Esse movimentoconsiste na operação da própria mediação. E, no caso que nos ocupa,o da relação entre o Ser e o Nada, o discurso que efetua essa mediaçãodá a si mesmo um novo conceito, que podemos designar como verdadedo Ser e do Nada: o de*.

O devir é a superação do Ser e do Não-Ser, "que, ao mesmotempo que ressalta a diferença entre eles, a redra e a suprime".Mas pouco importa, aqui, a significação ontológica desse resultado.O que nos interessa é o modelo lógico aqui determinado, a meto-dologia implicada. Metodologia! O texto que acabamos de citar eo comentário que acabamos de fazer mostram que esse "método"não poderia, de nenhuma maneira, ser concebido como um proce-dimento que o pensamento, em sua interioridade, tivesse elaboradoantes de entrar em contato com seu objeto. É simplesmente oconhecimento dos momentos necessários, segundo os quais o pen-samento se organiza quando tenta saber o'que pensa efetivamentee o que é aquilo que pensa

Ora, a experiência que acabamos de fazer é clara: todo conceito(todo pensamento de qualquer coisa) não chega ao fim de si mesmo,não adquire sua transparência, senão quando se reflete; mas só sereflete corretamente em seu contrário, que, imitando-o, o determina;nessa medida, é seu contrário, pois nele bebe sua significação.Contudo, não se esgota nisso. Refletido em seu contrário, continuasendo ele mesmo. É então, na sua verdade, o' movimento que oconduz de si ao outro: E o que ele pensa é paecisamente essemovimento de fazer-se verdadeiro, movimento no e pelo qual con-segue definir-se mais uma vez de outro modo, enriquecer-se comnovas determinações, compreender-se como síntese de si e de seu

Essa necessidade, que é a mesma do pensamento, repetimo-lo,podemos apreendê-la sob uma luz diferente, que torna talvez as

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A CONSTITUIÇÃO 00 515 TEMA 6362 r1EGEL

coisas mais fáceis, na medida em que se aplica a um velho hábitodo senso comum: a consciência. O objeto da Fenomenologia doespírito — voltaremos a ela — é apresentar a experiência daconsciência se fazendo Espírito e analisar as representações suces-sivas que ela toma ao longo de sua ascendo dramática. Em suaprimeira fase, a consciência é "saber do imediato ou do ente": écerteza sensível, isto é, "o isto e minha visito disto".

É nessa certeza que se detém o realismo ingênuo; é nela quefundamenta sua crença, e é a ela que invoca quando nela chamaa inelutável brutalidade dos fatos. Que acontece, no entanto, quandoa consciência experimenta em sua apreendo imediata e sensível oque se dá a ela? Num primeiro momento, ela se experimenta comoa plenitude na qual se expande a totalidade do real; confunde-secom o que sente. Mas, logo, por menos que queira exprimir essainfinita riqueza aparente, é reduzida a Uma constatação: há isto queé, há o eu que sabe isto que é:

A coisa... é; está al o essencial para o saber sensível, e esse ser puroou essa simples imediatidade constitui a verdade da coisa A certeza,igualmente, enquanto relação é uma pura relação imediata. A cons-ciência é eu, nada mais, um puro isto. O singular sabe um isto puroou sabe o que é singular.32

Ora, "esse singular que sabe" extrai todo seu ser do que sabe:ele é apenas enquanto experimenta seu objeto. Conseqüentemente, "oobjeto é; ele é a verdade e a essência, ele é, indiferente ao fato deser ou não, continua sendo, mesmo se não é sabido, mas o saber nãoé se o objeto não é33 ". Qual o status de ser do que é assim colocadocomo o ente fundamental? Que é o isto sensível? É o que se dá aquie agora. Mas que é então o que se dá agora?

À pergunta: que é o agora? responderemos, por exemplo: o agora éa noite. Para experimentar a verdade dessa certeza sensível, bastauma simples experiência. Anotamos por escrito essa verdade; umaverdade não perde nada sendo escrita e Igualmente pouco sendoconservada Remetamos agora essa verdade escrita ao meio-dia, nasdeveremos dizer então que ela se alterou.

O agora que é a noite é conservado. isto é, tratado como aquiloporque se fez passar. como um ente: mas se demonstra antes comoum não-ente. Sem dúvida o agora se conserva. mas como um agoratal, que não é a noite: assim coma em relação ao dia que ele é

atualmente, o agora se mantém, mas como em agora que não é o dia,ou como um negativo em geral. Esse agora que se conserva não épois imediato, mas mediatirado; pois é determinado como o quepermanece e se mantém pelo fato de que não é outra coisa, a saber,o dia e a noite Contudo, é ainda tão simples quanto antes, agora, enessa simplicidade indiferente ao que ainda se passa perto dele;tampouco a noite e o dia ralo seu ser. tanto ele é ainda dia e noite,não foi em nada afetado por seu ser-outro. Um tal momento simples,que pela mediação da negação não é nem isto nem aquilo, mas apenasum não isto, e que também é indiferente a ser isto ou aquilo, nós ochamamos um universal. O universal é pois, de fato, o verdadeiro dacerteza sensível11

Assim, "a certeza sensível é em si mesma o universal como averdade de seu objeto35 ". O aqui-agora toma-se inessencial; sua verdadeestá na visada que o constitui como tal, no eu que o visa. Com efeito:

O desaparecimento do aqui e o agora singulares visados por mim éevitado porque sou eu que os retenho. O agora é dia porque eu ovejo; o aqui é dia porque eu o vejo; o aqui é uma árvore pela mesmarazão. Mas nessa relação, como na anterior, a certeza sensível fazem si mesma a experiência da mesma dialética Eu, um isto, vejo aárvore e a afamo como o aqui; mas um outro eu vé a casa e afirmaque o aqui não é uma árvore mas uma casa. As duas verdades têma mesma autenticidade, precisamente a imediatidade do ver, a segu-rança e certeza dos dois eu sobre seu saber: mas uma desaparece naoutra

O que não desaparece nessa experiência é o eu enquanto un i versal,cujo ver não é nem a visão da árvore nem a dessa casa, mas o versimples, mediatizado pela negação dessa casa etc., e permanecendo,contudo, simples e indiferente em relação a tudo que ainda está emjoga a casa, a árvore, etc. O eu é apenas universal, como o agora,o aqui ou o isto, em geral. Eu viso um eu individual, porém too poucoposso dizer o que vejo no agora e no aqui quanto o posso dizer noeu. Dizendo isto, aqui, agora, ou um ser singular, digo todos os isto,aqui. agora, seres singulares. Igualmente quando figo eu, esse euindividual-aqui, digo em geral todos os eu: cada um deles é exatamenteo que digo: eu, esse eu singular-aqui". [...]

4 certeza sensível constata pois que sua essência não está nemno objeto nem no eu. e que a imediatidade não é nem uma inrediandadedo um nem uma imediatidade do outro Pois nos dois o que viso éantes um não essencial, e o objeto e o eu são os universais nos quais

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64 HEGEL A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA 65

esse agora, esse aqui e esse eu que eu viso .iâo subsistem, não são.Chegamos com isso a colocar a totalidade da própria certeza sensívelcomo sua essência, e não mais apenas um momento desta comoocorria nos dois casos anteriores, em que devia ser sua realidadeprimeiro o objeto opostoao eu, em seguida o éa É pois apenas todaa certeza sensível que, persistindo em si mesma como imediatidade,exclui de si toda oposição que se encontra nos momentos precedentes. st

•Está claro, portanto, "que a dialética da certeza sensível rada

mais é que a simples história é movimento dessa certeza ou desua experiência, e está claro que a própria certeza sensível nadamais é que essa história'''.

Voltemos aos realistas, que acreditam que, para provar a rea-lidade do pudim, basta assinalar que o pudim pode ser. comido:

Eles falam do ser-ai' dos objetos exteriores, que podem ser determi-nados mais exatamente como coisas efetivamente reais, absolutamentesingulares, inteiramente pessoais e individuais, das quais nenhumatem Igual absoluto; esse Ser-aí teria absoluta certeza e verdade. Elesse referem a esse pedaço de papel no qual escrevo isto, ou melhor,já escrevi; mas ao que eles se referem, eles Ido dizem. Se de umamaneira efetivamente real quisessem dizer esse pedaço de papel, quevisam, se quisessem propriamente dize-lo, isso seria uma coisa im-possível, porque o isto sensível que é visado é inacessível à linguagemque pertence à consciência, ao universal em si. Durante a tentativaefetivamente real de dizê-lo ele se decomporia Os que houvessemcomeçado sua descrição não poderiam terminá-la mas deveriamdeirá-la a outros que admitiriam no fim falar de uma coisa que nãoé. Eles visam esse pedaço de papel que é aqui uma coisa totalmentediferente daquela outra ali, mas falam ire coisas efetivamente reais.de objetos exteriores ou sensíveis, de essências absolutamente singu-lares"etc., isto é, dizem deles somente o universal. Portanto, o que

• O temer referido no texto alemão é "Descia". A versão francesa "etre -m",diferentemente do termo alemão, não encontra no uso ordinário da linguagemqualquer similar. Trata-se, no caso francês, de uma invenção do vocabuláriofilosófico. No uso ordinário da língua alemã, "Dasein" designa a existênciaQuando Hegel lança mio de tal termo, visa designar o Articular, o singular,o determinado. Recentemente, as traduções brasileiras decidiram-se por tra-duzir "Dasein" por "Ser-determinado". (N.R.T.)

se chama de inexprimível é apenas a não-verdadeiro, o não-racional,o apenas visado: Se não se diz de alguma coisa nada de diferente, anão ser que é uma coisa efetivamente red. um objeto exterior, entãose diz apenas o que há de mais universal, e com isso pronuncia-semuito mais sua igualdade com tudo que sua diferença. Se eu digo:uma coisa singular, exprimo-a antes como inteiramente universal, poistoda coisa é vera coisa singular; e igualmente esta coisa-aqui é tudoo que se quer Determinemos mais exatamente a coisa' como essepedaço de papel, então rodo e cada papel é um esse pedaço de papelaqui, e em sempre disse somente o universal. Mas se quero ir emsocorro da palavra, que tem a natureza divina de inverte imediata-mente minha opinião para transformá-la em alguma outra coisa, eassim não deixá-la expressar-se verdadeiramente em palavras; possoentão indicar esse pedaço de papel aqui e experimento pois o que é,Ias verdade, a verdade da certeza sensível: indico-o como um aquique é um aqui de outros aqui, ou em si mesmo um conjunto simplesde muitas aqui, ou seja um universal; tomo-o assim como ele é naverdade, e em vez de.saber um imediato (eu o tomo na. verdade),percebo-o.sc

Qualquer importância que tenha o conteúdo dessa demonstra-ção, não será nele que nos deteremos: é a dinâmica do discursoque devemos, no momento, analisar. No texto da Ciência da lógicaque acabamos de ler, estávamos no domínio do Saber absoluto, de

. um saber que sabe quão longo e dramático caminho o homem tevede percorrer para abolir e compreender os atalhos da subjetividadee do fato, mas que está de agora em diante além dessa problemática.'ratava-se "apenas" do movimento interno de conceito. constituindo,pelo jogo de sua própria determinação intelectual; sua definição esuperação. Em suma, tratava-se da linguagem conhecendo-se comoespaço universal onde se efetua, na identidade e contradição; a unidadejá. presente -do Pensamento e do Ser.

Não chegamos ainda à Fenoinenologia do espírito. Nela Hegelparte da ficção: imposta pedagogicamente, por assim dizer,. peloseu tempo, de uma consciência, mas de. uma consciência, abrigadapela exigência do dizer, a revelar o. que ela experimenta na suacerteza quando se julga presa da verdade. Num primeiro momento,essa consciência que sente se entrega à sua plenitude imediata ese deleita com a indefinida riqueza de suas determinações. Noentanto, a partir do instante em que busca definir-se. isto é. enunciar

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66 HEGEL

o que experimenta, em si, introduz-se a desigualdade. Ela se des-cobre como "eu" puro e vazio que não encontra como únicofundamento para seu ser além desse objeto — o "puro sentirimediato" que experimenta. Está segura de , si; sua verdade, noentanto, está fora dela mesma, no isto, no aqui-agora que lhe dárealidade. Mas que realidade? Pode-se considerar o Isto como real?Se nos interrogamos sobre seu status, percebemos que ele própriose desfaz. Dele resta apenas a universalidade abstrata — para todoisto, todo instante pode ser um agora, todo lugar um aqui. Somospois remetidos ao sujeito da sensação: ao eu. Mas, por sua vez,este se revela ser apenas um universal abstrato, uma determinaçãosem verdade. A verdade da consciência sensível está, pois, emoutra parte; a verdade da sensação que sinto se encontra na coisaque percebo.

Aqui encontramos. o movimento que constitui a estrutura di-nâmica do capitulo inicial. da Ciência da lógi ca. Também aqui oimediato se mediatiza e julga reencontrar sua verdade no termomediato que descobre. Este, porém, não resiste quando tentamosdeterminá-lo com mais precisão. Sua verdade está em seu contrário.E esse mesmo contrário não tem outra verdade a não ser a queextrai do termo que o engendra, e que por sua vez não possuiabsolutamente nenhuma O discurso deve legitimamente ir alêm,

.se não quiser esgotar-se nesse vaivêm abstrato.Não nos estendamos mais nessa análise. Insistindo nela, cor-

rerlamos o risco de apresentar a dialética como "um procedimentodo pensamento", como um método — o que provavelmente é naobra de. Platão (na República) e de Marx (em O Capitai), e queno entanto nunca foi na de Hegel; isso poderia acarretar a leituraao mesmo tempo deplorável e falsa que faz de Hegel o taumaturgoda trilogia tese-antítese-síntese. "A verdade é o movimento delamesma em si mesma, enquanto o método é o conhecimento exteriorá matéria"." Não existe, repitamos, método dialético; existe arealidade do discurso que, confrontado com o que designa, é obri-gado a desenvolver-se segundo uma lógica que tem de conferir àsoposições — imediato-mediação, identidade-contrariedade, subs-tância-sujeito — sua significação efetiva.

Assim, Hegel realiza a metafisica. Leva a bom termo, com origor e a amplitude de sua exigência, essa tentativa furiosa deintroduzir a transparência integral na comunicação, obrigando aque-

A CONSIITUIÇÁO DO SISTEMA

le que fala a aceitar como norma última o status próprio da palavra,a adotar, até as últimas conseqüências, a definição do homem comoanimal que tem sua essência no discurso. A dialética, já nos diziaPlatão, é a arte de saber o que significa falar. Aristóteles, por suavez, definia a ciência como subsunção lógica do um e do múltiplo,do idêntico e do diferente, do mesmo e do outro. Essa duplaindicação, Hegel a recolhe e administra, como herdeiro mais res-peitoso que insolente. Acrescenta simplesmente — é isso queconstitui sua invenção e o situa como teórico que fecha e ultrapassaa metafísica — que, se a linguagem é o ser do homem, deve-seconcebê-la não como um meio indiferente, mas como o lugar ondea identidade, sempre diferenciada, do Ser e do Pensamento, serealiza, e a partir daí seguir com fervor e paciência suas determi-nações articuladas.

Mais realista que o rei, mais metafísico que. Platão, mais lógicoque Aristóteles, mais apaixonado pela universalidade que Descartese Leibniz, mais preocupado em descobrir a ilusão do que jamais •foi Kant, Hegel decide submeter-se a esse "empirismo lógico", aessa experiência do discurso integralmente controlado... Não apenasnada deve escapar a esse controle, como também nenhum dosempreendimentos humanos pode ficar fora do império desse dis-curso. O Saber absoluto — aquele que a metafísica tradicionalatributa a Deus — ele o tem de real izar. Esse saber, Spinoza já oapresentara: faltava-lhe — e essa ausência falsificava o sistema -"a seriedade, a dor, a paciência e o trabalho do negativo""Faltava o homem, o homem empírico, como o concebe o ultrame-tafisico Hegel.

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O sistema:Da Consciência ao Espírito

Experiência e racionalidadeO discurso verdadeiro — a Ciência que, culminando e realizandoa metafísica, introduz a transparência integral e permite conhecero que é tal como deve ser conhecido — é o sistema das transfor-mações necessárias que afetam o próprio discurso quando se cons-titui como discurso, e como discurso visando recolher a totalidadeda experiência humana. É pois a um duplo empirismo que nosconvida a obra de Hegel. Convida-nos, de um lado, a experimentar,até suas conseqüências extremas, o fato da linguagem, que é oelemento e assim como a "prova" do pensamento e de sua serie-dade; convida-nos também a conceber o sistema da linguagemcomo retomada transcendental, como colma obrigatória e organi-zadora, da desordem aparente da experiência dramática que fez ahumanidade. Pois o debate entre os que crêem que "no princípioera o Verbo" e os que professam "que no princípio era a Ação"é falso. No princípio, nêo há nada, nada além do sofrimento e daenergia do desejo e o ruído dissonante das palavras que tentamfixá-lo. Que o homem saiba que está agora no fim, um fim que,precisamente porque se sabe como tal, não acabará jamais! Queele se retome, de uma vez por todas, e se pense como animal queé e não é um animal, como animal que tem a linguagem, e aamplitude de seu destino lhe surgirá! Ele saberá o`que é, com-preenderá como e por que veio a ser Isso que ele vive e praticacotidianamente; e, em vez de se lamentar desse ou daquele com-promisso empírico, terá o poder de decidir o que deve fazer em-piricamente para que cesse sua discordância.

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DA CONSCIÊNCIA AO ESPÍRITO 7170 - HEGEL

É necessário, contudo, que se realize essa dupla experiência.O homem, que é sensato, não pode, de uma só vez, tornar-seracional. É por isso que as receitas éticas ou pedagógicas, que emgeral apresentam os resultados de suas análises como preceitos aaplicar, são ineficazes. Seus resultados não podem valer senãocomo resultados. Só quando estão no fim do desenvolvimento queos originou é que adquirem seu significado. Portanto, se é verdadeque esse projeto de Ciência é legítimo, ele deve. apresentar, àexperiência de cada uni, uma rememoração suficiente e necessáriatal, na própria ordem do discurso, que cada um possa nele sereencontrar, reencontrar, se situar e decidir se tem razão ou nãode estar satisfeito. ou descontente.

Em suma, o sistema da Ciência propõe -uma obra unificada,um discurso escrito (ou ensinado, o que supõe a escrita daquele a -quem ensinamos — são esses, de qualquer modo, os hábitos naépoca de Hegel) no qual está exposto o império do homem queescreve e fala, que se tomou agora capaz-de dominar não apenasas teorias (ideologias) que professa, mas também as práticas, oscomportamentos empíricos que escolhe. A Ciência, que é ciênciada diferença e da contradição, visa abolir, organizando-as segundoseu lugar legítimo, diferenças e contradições empíricas.

O empreendimento é grandioso e, talvez, desvairado. Descartes,.Leibniz, Kant e, mais recentemente, Fichte e Schellnrg, solicitados,uns e outros, por soluções diferentes, não deixaram de pensar queai sem dúvida estava a experiência crucial. Spinoza percorresaltivamente suas etapas e apresentara não o caminho que seguira,mas o resultado, rigorosamente desenvolvido, que atingira.

Ora, repitamo-lo. se não indica seu modo de constituição e nãodefine exatamente seu campo de aplicação teórica, o sistema per-manece letra morta. E a letra morta não poderia ser a letra verda-deira. "O verdadeiro é o todo"", mas o todo apresentando suasarticulações, isto é, os momentos diferentes pelos quais se instituicomo totalidade. É nesse sentido que o Absoluto (ou o verdadeiro)"é sujeito". Não há, de um lado, o sujeito (do conhecimento) e,do outro, a substância. O Verdadeiro (ou o Absoluto) é o sujeitode seu próprio desenvolvimento. No fim de seu percurso, ele seencontra "tal como em si mesmo" o devir o mudou. Portanto, osistema só pode ser, na verdade, um sistema de sistemas.

Ele comportará três momentos: o de sua constituição, que éapresentado na Fenomenologia do espírito, obra na qual a "cons-

ciência" — o que o ser é para si —, chocando-se com o em sinecessário á sua afirmação, assume figuras diversas até o momentoem que descobre a não-diferença do em si e do para si, isto é, oEspírito; o de sua realização, cujo núcleo está contido na Ciênciada lógica e a exposição completa na Enciclopédia das ciênciasfilosóficas; o de sua manifestação, cujas expressões mais impor-tantes são A Estética, a Filosofia da religião e os Princípios dafilosofia do direito, eles próprios inseparáveis das Lições sobre afilosofia da história.

Efetua-se aqui um movimento triplo, cuja história do empreen-dimento filosófico dá outros exemplos veementes. Há o períodode formação, no decorrer do qual o modo discursivo da filosofiase distingue radicalmente das outras maneiras de usar a linguagem(os diálogos ditos socráticos para Platão, a Primeira meditaçãometafisica de Descartes, O Tratado da reforma do Entendimento,de Spinoza, as obras de "juventude" de Kant até a Dissertação de1770), seja rejeitando-os, seja manifestando, por uma operação deintegração crítica, sua insuficiência e parcialidade. Há o momentodo saber, que é atualização do sistema e fundação da contestação,recém-introduzida, que a partir dal passa a ser prova teórica davalidade de uma tentativa que até então tinha apenas uma justifi-cação pedagógica e crítica (A República, por exemplo, as segunda,terceira e quarta Meditações metafísicas, os primeiros livros daÉtica, as três Críticas). Há, depois da prova, a experiência (quenão poderia, em nenhum caso, ser legitimados, mas que determinao campo da atividade teórica): Platão constrói o modelo cosmoló-gico de seu Times, a "filosofia da história" do Político e do Cridos,e descreve nas Leis, a Cidade de "segunda categoria"; Descartesfaz física e estuda o mecanismo das Paixões da alma; Spinozaconclui a Ética; e Kant consagra-se à Metafísica dos costumes e áFilosofia da História.

O esquema é simplificador; exclui, entre outros pensadoresimportantes, Aristóteles e Leibniz, por exemplo (cujas obras nosforam transmitidas ou foram compostas, parece, de outra maneira);faz pouco-caso da diferença existente entre os filósofos que come-çam pela exclusão da prática comum, refletida ou irrefletida (Platãoe Descartes), e os que decidem, para melhor destruir esta última,integrá-la (Kant e Hegel). Esse esquema nem por isso continuasendo menos significativo de um estilo, isto é, de uma maneira deusar da linguagem, característico do modo filosófico.

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bA CONSCIÊNCIA AO ESPÍRITO 7372 ^ ^ . HEGEL

Hegel, inventor da "nova dialética", é o herdeiro da antiga.Leva esta a suas conseqüências verdadeiras. Liberta, sistematica-mente, o sentido da operação filosófica, que é de obrigar o homem— para seu maior bem, acredita, ou para seu maior dano, poucoimporta —á estiagem última da palavra. Tentaremos acompanhá-lonesse empreendimento. Não para resumi-lo, digamos mais umavez; a frase hegeliana é tão densa e tão bem amarrada que ridicu-lariza de antemão toda paráfrase, seja redundante ou elíptica. Porisso é que nos contentaremos aqui em apontar os traços importantesdo sistema, tentando, ao mesmo tempo, seguir as etapas de suaconstituição. O traço é uma linha que sublinha; é também umaflecha que atiramos. Ainda somos o alvo do hegelianismo?

Da "Consciência" ao EspíritoA Fenomenologia do espírito , é, em sua forma e conteúdo, umaobra ambígua. Baseando-se nessa ambigüidade, no próprio desen-rolar do texto, na invenção fulgurante que• traz essa ou aquelapágina, , um bom número de intérpretes considera-a o núcleo daobra, o texto em que o essencial. — ou o importante para nós —do pensamento de Hegel teria sido apresentado, os livros posterioressendo apenas desenvolvimentos universitários, dogmaticamenteconstruídos. Na verdade, Hegel se explica claramente sobre a funçãoque convém atribuir Fenomenologia do espirito: no Prefácio daobra e na Enciclopédia das ciências filosóficas, entre outros. Umafenomenologia do espírito é uma descrição dos caminhos múltiplose contudo ordenados que a consciência segue quando tenta, dra-maticamente, reconhecer-se como Espirito, isto é, quando aceitaviver, como consciência, os momentos de sua constituição. Comotal, essa fenomenologia é ao mesmo tempo a introdução e a primeiraparte do sistema.

Ela é introdução. Toma a consciência em sua imediatidade.em sua ingenuidade, o que significa: em seu estado nativo ounatural. Nesse sentido, é pedagógica, pois segue o caminho quepermite ir do não saber ao saber. Se está claro — como estabelecemos primeiros parágrafos do Prefácio — que não poderia haver"introdução á filosofia". no sentido tradicional — uma introduçãosendo um. texto que, em poucas e bem claras palavras, adverte oleitor não informado do que se vai tratar e lhe assinala, em acres-

cimo, o quanto isso será interessante a fenomenologia da cons-ciência fazendo-se Espírito é a única "introdução" possível.

Todavia, se é uma verdadeira introdução, já está no sistemado Saber. O movimento que descreve só tem sentido em relaçãoa seu resultado: o saber no qual vai dar, e que lhe traz sua justi-ficação, lhe é necessariamente imanente. Está desde sempre presentecomo dinamismo que ora se esconde, ora sé revela. A fenomeno-logia é a primeira parte da Ciência na medida em que esta jámanifesta nela, silenciosamente, todos os seus contornos.

Em suma, a Fenomenologia do espirito, em sua equivocidade,repousa sobre uma constatação banal, experimentada por todo pe-dagogo. A primeira lição de leitura pega a criança ignorante e devetratá-la como ignorante. Mas deve supor, ao mesmo tempo, nãoapenas um professor, que já saiba ler, mas também uma criançaque já esteja em condições de tomar-se professor.

Na Fenomenologia do espirito o Espírito já está presente. Masconvém fingir sua ausência, isto é, supor que a consciência nãosabe que deve vir a ser espirito. É esse fingimento que constitui omovimento fenomenológico. Ele desfruta do triplo status que aconsciência possui experimentando-se, aos poucos, e confusamente,como espirito. De um lado, ela é para si, na satisfação da experiênciaque, provisoriamente, a satisfaz conhece sua certeza como verdade;encontra no objeto em que se reconhece sua legitimação e suarealização. Mas esse objeto — "essa figura do Ser" — que ainstitui, que ela coloca como existente em si, em troca a imobilizae a obriga a justificar-se, a definir-se, a substituir os êxtases frágeisda experiência pela dura necessidade da prova. Confrontada como que ela é em si, a consciência se transforma e determina umnovo modo de aparecer a si, um outro para si que, por sua. vez,apresenta um novo em si legitimante. Entretanto, para nós, isto é,para Hegel e seus leitores, essa mutação é significativa: a cadaetapa, é verdade contínua. O jogo do para si e em si não é con-tingente, desde o momento em que se constata, a cada etapa, quea ordem do novo para si constituído depende da ordem do.. para sisuperado. Em si e para si. Em si e para si; o que quer dizer paranós — nós que, graças a Hegel. estamos no extremo: desenha-seuma ordem em segundo grau, que é a ordenação ou instituição doEspírito.

Assim, a Fenomenologia do espírito poderia ser editada emtricolor, de maneira que cada registro — o do para si. o do em si,

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74 HEGEL DA CONSCIÊNCIA AO ESPÍRITO 75

e o do para nós (do em si para si) — se manifeste para o leitor'.A abordagem, contudo, é formal. Na operação de rememoração —de resgate cultural — que representa essa pedagogia do Saber estápresente uma outra "lógica" que, em contraponto, justapõe seusdesenvolvimentos ao esquematismo ordenado, cujas arestas acaba-mos de indicar. Deve-se também ler a Fenomenologia do espiritocomo uma lógica do sujeito transcendental. É dessa maneira austeraque se oferece a obra, se consideramos seu índice (e é evidenteque o estudante que começa a ler Hegel terá todo interesse emdedicar-se ao trabalho dessa maneira). Não começamos pela cons-ciência, apreendida na sua imediatidade sensível — aquela que seatribui a uma criança, ao homem "natural": o puro ver, o puroouvir...? Não descobrimos como ela se supera, se descobre comosujeito percebendo coisas e, logo depois, como entendimento queconcebe essências? Mas ainda não é aconsciênciaem sua amplitude:é pobre o entendimento que não se conhece como vida e comodever. A lógica do Sujeito transcendental adota aqui uni novo pontode partida: a percepção se ultrapassa em desejo, uni desejo queintroduz, como tal, a intersubjetividáde, a relação com o Outrocomo outro humano...

A dialética está desde então a caminho, a caminho de suarealização, o Saber absoluto: a "psicologia transcendental" — istoé, a análise de todo sujeito, análise que constitui e legitima o fatode todo sujeito empírico — se desenvolve. Sem • dúvida acontecede as transições dialéticas serem um pouco forçadas: ainda assim,o discurso hegeliano nos obriga a compreender como a consciência,transformada em consciência de si, se faz Razão assim que percebeque nela se realiza essa universalidade que toma iguais, pelo menosem direito, a visão do sujeito e a posição do objeto.

Mas não se trata aqui de parafrasear o "plano" da Fenomeno-logia do espírito: a lógica hegeliana, que se deve seguir em seudesenvolvimento efetivo, nisso que já denominamos de seu "em-pirismo teórico", realiza, atravês de mediações freqüentementerigorosas, a consciência agora transformada em Razão, como Es-pírito, ou seja, como totalidade inteligível englobando a Cultura,ou seja, ainda como conjunto sistemático do que é e do que foidito. (e pensado). Aqui, o Cogito (que é indissoluvelmente umDica), na articulação sistemática de seu devir, estende-se á ampli-tude da história e do mundo, integra-o, ao mesmo tempo em quea ela se entrega. Tomado subjetividade imperial, inteiramente„ no

interior de seus atos teóricos, ele perde seu status de sujeito,identifica-se cada vez mais com os objetos que promove e desdo-bra-se em uma exterioridade que o constitui.

O momento em que o interior e o exterior, o para si e o emsi, a indefinição potencial da consciência e a finitude necessáriado saber coincidem, e em que se eliminam as contradições, é o doSaber absoluto. O Absoluto Saber, isto é, a etapa última na qualo sujeito se experimenta como absoluto, o que significa: não seexperimenta mais como sujeito, mas como saber, não fornece,ademais, como tal, nessa introdução-primeira parte do sistema,nenhuma ciência, no sentido estrito do tenho. O último capítuloda Fenomenologia do espirito traz apenas uma garantia, mas queno -entanto é capital: se queremos submeter à prova dialética oaspecto último da consciência descoberta — o si concebendo a simesmo como sendo simultaneamente por inteiro para si e fora desi —, logo percebemos que retomamos necessariamente á figuraque se oferecera inicialmente como primeira, à consciência reduzidaao puro sentir... Esse retomo constitui, para Hegel, a prova de quetodas as fases da "psicologia transcendental" são desde entãoconhecidas, que a fivela foi afivelada, a força inventiva • da cons-ciência foi agora dominada, sua liberdade se fez saber, no circuloefetivamente fechado de suas aparições dramáticas.

Será mesmo uma prova? Seu projeto e sua realização teóricossão, de qualquer modo, teoricamente corretos e não vemos bem— a Ciência da lógica o estabelecerá — que outro modo delegitimação um empreendimento teórico, se chega ater um sentido,poderia dar. Voltaremos a isso na abordagem do terceiro capítulo.Ocorre que é possível uma outra leitura do texto, complementaràquela cujas direções acabamos de indicar. Na qualidade de intro-dução-primeira parte do sistema concluído, a Fenomenologia doespírito prefigura — como acabamos de indicar — a Lógica e aEnciclopédia. Mas anuncia também as Lições sobre a filosofia daHistória e sobre a História da filosofia.

Não se trata mais de uma "psicologia transcendental" se su-perando, mas do anúncio de uma técnica teólice enciclopédica que,recusando-se a considerar dispensável qualquer manifestação cul-tural e dedicando-se a resgatar, em seus mínimos detalhes, todasessas manifestações, tenta englobar, num todo sistemático, a tota-lidade da experiência humana na medida que esta se exprima nasatitudes e nas suas obras. A Enciclopédia, cujo iniciador e construtor

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76 rrEGEIDA CONSCdNCIA AO ESPÍRITO 77

foi Diderot, é ainda uni diçionário: aceita a classificação das pa-lavras. É a "formação". da humanidade que devemos retomar etomar inteligível; é a imanência da Cultura — do Espírito — àexistência que precisamos compreender. Ora, o Espírito se exprimecomo arte, religião, filosofia. No âmago de cada atitude "existen-cial" — aquela do homem que quer acreditar apenas em seus olhose ouvidos, como aquelas do sábio estóico, do "Honnête Homme"clássico ou do revolucionário terrorista — delineia-se uma concep-ção do mundo, do homem e das relações de um e do outro, que épreciso elucidar e situar, segundo sua dinâmica própria, na ordemdo pensamento.

A Fenomenologia do espírito já é uma história da metafisicaocidental, na medida em que esta exprime a relação que mantêmas tomadas de posição do "monge", do "cidadão deferente", do"revoltado", por exemplo, com as outras disciplinas, que se pre-tendem também elas totalizantes, a Arte ou a Religião como teorias.Um segundo discurso .sobro a metafísica, que é ela própria umsegundo discurso sobre as realizações do Espírito, é como semanifesta, em sua objetividade literal, a obra de 1806-1807. Arememoração no estágio do Cogito duplica-se: não se trata maisde pensar apenas o devir do sujeito: mas também de acompanhar,nas suas realizações, historicamente complexas, essa odisséia do-lorosa do homem que percebe, deseja, sofre e fala, e que não sabe,nem pode saber, que Penélope o espera desde sempre, ciosa ededicada a tecer a urdidura e a trama do discurso.

A ordem do para si (da "consciência"), do em si (da "objeti-vidade") e do em si e para si (da "equiparação") é a ordem queindicamos primeiro. Agora, duas outras se acrescentam: convémler a Fenomenologia do espirito como "psicologia transcendental"que conclui a metafisica moderna, mas também como "história dopensamento", que o retoma em suas manifestações reais. Bastaseguir o plano que propõe A. Kojáve!' para ver surgir a riqueza eprecisão das referências hegelianas nesse outro domínio. E a gênesedo pensamento ocidental que se descreve — ao menos como elechega a conceber sua realização. Pois o problema não é nada maisnada menos que o da constituição da cultura, em seu fundo "exis-tencial' e em sua tripla manifestação, estética, religiosa e filosóficaconstituição que permite compreender, entre outras, por que tal"concepção filosófica" originou aquela outra (ou a sucedeu), porque todo esse trabalho estimulante termina agora e por que, de

repente, a retomada, podadora de inteligibilidade, é, doravante,possível e real. - -

Precisemos um ponto: é evidente que essa sistemática muitasvezes não leva em conta a história científica como hoje a conce-bemos. Um analista poderá achar que Hegel interpreta mal esseaspecto do pensamento estóico e ignora as modalidadesefetivasda "passagem" do estoicismo para o cetismo; outro achará que o"monge asceta" Mo está bem tratado, que o "poeta trágico" ésuperficialmente compreendido. Terão bastante razão, e o que va-mos dizer da Filosofia da história hegeliana só fará ratificar essasreservas. Ainda assim, não importa o quanto sejam verdadeirasessas 'contestaçõeahistóricas, a questão colocada por Hegel à mar-gem da Fenomenologia do espírito é da ordem da verdade, não daordem da realidade.

Trata-se de saber, tordo-se dado o status real do Espírito comoo entende Hegel, qual discurso sobre a história da Cultura podemos,legitimamente, sustentar. Hegel ignora tal aspecto de. Crisipo oude Epi Beto? Essa falta não compromete muita no funda a imagemdo estoicismo depositada na cultura fingem que esta retoma eoomtint no seu-0esenvolvimento sistemático. Pois,.. se a filosofiarompo ciência tem seu sentido, "filosofia ,, na expressão "históriad• fi(aeofia", não ê um giedifaáivo mm um objetiva A história dafilosofia não poderia ser um gênero (entre os outros gêneros de"história"); ela é sempre história filosófica; remetes um modo dopensamento, isto é, a uma decisão que organiza. O que visamosaqui são os discursos dos filósofos enquanto elementos, do discursouniversal. E, nessa ótica, caso se deva fazer uma censura a Hegel,é que, nas Lições sobre a história da filosofia, por exemplo, elefoi menos fiel a essa exigência do que o definia seu projeto teórico.

Esse devir da consciênciae essa história do homem tomadonas ramificações da Coibira culminam no Saber absoluta - A su-cessão das figuras do sujeito, a ordem dos modos de existência (ede pensamento), brutalmente se imobilizam. O livro, quê líamosao comer das páginas e Cujo progresso experimentávamos, organi-za-se de outra maneira Dessa maneira, tomas possível uma últimaleitura É mais sincrónica que diacrõniea, corno se gosta de dizerhoje. A. Kojéve, do qual se pode achar, de uma maneira nãointeiramente ilegítima que destacou em excesso os aspectos his-tórico-existenciais da obra, evidenciou também a lógica ou. maisprecisamente, o sistema de correspondências e oposições que go-

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DA CONSCIÊNCIA AO ESPIRITO 7978 HEGEL

versa a arquitetura fenomenológica. Portanto, é uma verdadeira"tabela periódica de Mendeleiev" dos elementos do Espírito quese poderia construir: a disposição nas colunas verticais seria assimcomandada pela ordenação hierarquizada do em si, do para si, doem si e para si; quanto ao desenvolvimento horizontal, correspon-deria à sucessão simples das figuras do Espírito em sua "ordem"histórico-lógica.

Ocorre que a esse nível classificatório, pelo menos, as questõesdo Espírito são mais complexas do que as da matéria química.Com efeito, cada nível refrata, complexificando, o nível anterior.A partir daí, o jogo de correspondências se desmultiplica Assim,o primeiro estágio da consciência é a consciência simplesmentesensível; a ela corresponde, no nível seguinte, o da consciência-de-si, do desejo. Mas no estágio da Razão, que é, em sua primeirafigura, "a consciência certa de si mesma como realidade, ou...certade que toda realidade efetiva não é nada senão ela mesmo"", omomento do desenvolvimento que convém colocar diante do mo-mento da consciência e do momento do desejo — a Razão obser-vante — se subdividirá ele próprio, Maleficamente, segundo se..atualize 'ele próprio em si, para si, e em si e para si.

É por isso que substituímos a série de tabelas de dupla entradaque poderíamos construir, tabelas tendo entre si relações cada vezmais complexas, por uma apresentação circular que deve permitirao. leitor reconhecer-se na ordem estrita da Fenomenologia doespírito" (ef. p. 80-8I). •

Para facilitar sua interpretação, esclareçamos alguns pontos.Essa figura deve ser lida como tendo, ela própria, uma entradadupla: o menor círculo interior determina a ordem do em si, dopara si e do em si e para si. Deve-se conjugá-lo com o círculoexterior que indica como, no estágio da Razão, cada momento sedialetiza da mesma maneira Assim, essa disposição circular nosensina, por exemplo, que o que Hegel chama de estágio da "obrade arte espiritual", estágio em que analisa a significação da epopéia,da tragédia e da comédia.gregas, pertence ao último circulo, o daReligião, que é, globalmente, o momento da Razão se tomandoimediatamente em si e para si. É o estágio em si e para si — neleo Espírito se experimentou na exterioridade, retomou a si e integrouesse duplo movimento de exteriorização e interiorização — daReligião estética; esta é, ela própria, o momento para si do retorno

a si mesma da Religião (Razão sendo imediatamente em si e parasi, como acabamos de indicar).

Essa organização nos permite também compreender que à"obra de arte espiritual" corresponde essencialmente — no nívelda Razão para si — o Espírito se apreendendo como liberdadeabsoluta (que vai dar no Terror, como a tragédia dará na Comédia)e — no nível da Razão em si, do Idealismo — a atitude daqueleque critica e quer reformar, em nome da virtude.

Isso não passa, claro, de um esquema. Para facilitar sua leitura,nós o reduplicamos: na primeira apresentação, estão consignadosos próprios termos empregados por Hegel; na segunda, utilizamosem grande parte a notável transcrição modernizada que propõe A.Kojéve (cf. p.112.113). Na verdade, a representação plana nãoconvém: seria necessária uma figura de três dimensões. Não uma.espiral: entre cada momento há ruptura, descontinuidade dialética;mas uma série de círculos concêntricos e ascendentes na direçãodo Saber absoluto.

O Saber absoluto é precisamente esse conjunto. É o recensea-mento sistemático de tudo o que "sucedeu" ao homem, consciênciafazendo-se Espírito, nos múltiplos domínios de sua expressão. Elenão figura no circulo, pois ele é o círculo. A Religião é apenasimediatamente a Razão que, pela assunção de todas as medirsçõespelas quais se tomou o que é, se sabe em si e para si.

Observemos, a partir de agora e sem querer antecipar o quediremos em nossa terceira parte, que, talvez, a boa leitura criticadesse ciclo do engendramento do conhecimento é centrípeta, e nãocentrífuga.

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O sistema:O Saber absoluto

A primeira parte-introdução da Ciência não pode deixar de com-binar uma "psicologia transcendental" (que só pode ser hiper-em-pirica), uma análise existencial*, uma história do devir da huma-nidade e uma história da cultura. Essa dialética ascendente conduzao Saber absoluto. É nesse ponto de vista que podemos e devemosnos colocar agora. O que foi percorrido no âmago desse drama emque a vida e a dignidade são constantemente' ameaçadas, ou asatividades, doutrinas e as "atitudes" se confrontam na paixão eque nós tomamos inteligíveis, á medida que, instaurando-se pro-gressivamente uma ordem, convém agora pensá-la na paz do con-ceito. Os hussardos decididamente passaram: o pássaro da sabedoriapode alçar seu vôo.

A perspectiva da Ciência da lógica, já a definimos. Para com-preender o sentido dessa dialética das categorias, é preciso admitir:I — que, de agora em diante, toda diferença ou desigualdade entreo que a metafisica designa pelo termo Ser e pelo termo Pensamentoperdeu sentido; 2 — que toda categoria do discurso é, em conse-qüência, uma categoria do Ser; 3 — inversamente, que toda ani-culação do Ser deve se realizar em seu lugar no discurso; 4 — quecategorias (é a palavra que usaremos durante algum tempo paradesignar os conceitos que atuam na Ciência da lógica, a fim depreservar o sentido exato que Hegel dá a esse vocábulo: "conceito"neste mesmo texto) como as de"Nada", "desaparecimento", "ines-sencial". "contingência", "finitude" são tão categorias do Ser-Pensamento quanto as que a metafisica investiu de dignidade maior;5 — que nenhum dos desenvolvimentos dialéticos deste livro éinteligível se não supomos integrados e superados os momentosda consciência sofredora e vitoriosa da Fenomenologia do espirito.

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82 HEGEL O SABER ABSOLUTO 83

Trata-se por conseguinte, para Hegel, de anular de maneirasistemática o conjunto das categorias de todo discurso possível,isto é, de determinar, com .lermos rigorosamente definidos, nãoapenas em si mesmos, mas também e sobretudo pelo lugar queocupam na ordem do Saber (e, em conseqüência, pelas relaçõesmúltiplas e transparentes que cada um guarda com todos os ramos),o campo cerrado desse mesmo saber. Portanto é a própriaaxiomNicade todo Saber possível que é apresentada; aqui são determinadasas "condições de consolidação" de todo discurso.

Não será preciso; contudo, que essas expressões tornadas deempréstimo à matemática nos enganem. Entre a axiomática pres-suposta pelo matemático e a que tenta constituir a Ciência dalógica, existem, no mínimo, duas diferenças, e são decisivas. Aprimeira é que os enunciados do matemático, embora definem umcampo unitário, são colocados uns ao lado dos outros, e não devem,se possível, ter entre si nenhuma relação; as categorias hegelianas,ao contrário, só derivam sua significação de suas ligações com oconjunto; é delas que adquirem sua eficácia teórica. A segundadiferença é que a axiomática matemática admite, a titulo principal,que ela resulta de uma decisão logicamente contingente e quequalquer outra série de enunciados, convenientemente combinados,é tão legitima quanto ela; Hegel não aceita tal envergadura namedida exata em que construiu um sistema de Saber que encontraem si sua própria justificação, julga ser este sistema o único possívele, em conseqüência, o único real.

Tampouco será preciso que se exclua toda referência à meta-física real, histórica. Certamente, a Ciência, como tal, encontraem seu desenvolvimento e em sua própria `clausura" uma legiti-mação integral; não tem de polemizar. O equívoco da "filosofamda reflexão" reside na obstinação em contestar os erros do outroe acreditar que nessas contestações encontra-se a verdade! O Saberé em si mesmo sua própria prova e não se admite nenhum outrocritério além desse! Ainda assim, o filósofo ê — mesmo que tenhatomado plenamente o caminho percorrido pela Fenomenologia doespírito — pedagogo. Deve facilitar a tarefa de seu leitor, que secompreenderia agora como metafisico. À estrita economia do dis-curso demonstrativo, isto é, dialético, a Ciência da lógica acrescentanotas. Estas determinam as relações existentes entre os conceitosdefinidos pelo Saber e os que a metafisica passada — de Platão aKant e a Fichte, passando por Aristóteles, Leibniz e Spinoza

singularmente — pôde elaborar. Essas notas não têm função de-monstrativa; são elucidações que têm por finalidade situar as noçõesdepositadas na cultura em relação à ordem verdadeira da Ciência...

Em contraponto à demonstração, a Ciência da lógica desen-volve pois um determinado número de "discursos filosóficos" queretomarão, mais tarde, os cursos consagrados por Hegel à históriada filosofia Sobre o conteúdo desses cursos, não teremos oportu-nidade de voltar aqui. Abramos um parêntese sobre este ponto.Sem dúvida nenhuma, os textos da Fenomenologia do espirito jáo demonstram, o filósofo de Berlim é um mau "historiador" dafilosofia. Tem o defeito de achar que a história da filosofia develevar a realidade menos em conta que a verdade, que é menoshistórica que filosófica, e que acima de tudo o importante é fazervaler a prerrogativa do conceito sobre as obscuridades da empinaEm suma, o que conta é a significação dos conceitos utilizadospor esse ou aquele filósofo, no interior do campo teórico definidopela própria atividade filosófica. Toda grande filosofia é coerente;ela não tem tampouco de ser julgada em função de um critério quelhe seja exterior, assim sendo, exclui toda "refutação": tem de sersituada, isto é, compreendida. Quanto à doutrina spinozista dasubstância, por exemplo, a obra de 1812-1816 propõe um textoque toma claro o método de Hegel, "historiador da filosofia"; essetexto é tão impressionante que o citamos:

No que diz respeito à refutação de um sistema filosófico, é preciso(...) eliminar a idéia errónea segundo a qual esse sistema deve serapresentado como absolutamente falso, e segundo a qual, em contra-partida, o sistema verdadeiro deve ser pura e simplesmente oposto aofalso. No contexto onde o sistemaspinozista é examinado, o verdadeiroponto de vista desse sistema apresenta-se por si mesmo, e a questãode saber se é verdadeiro ou falso resolve-se por si mesma. A relação

da substancialidade resulta da natureza da essência; essa relação,com sua apresentação, forma um todo num sistema, e constitui umponto de vista necessário, sobre o qual se funda o Absoluto. Esseponto de vista não deve ser considerado uma opinião subjetiva eindiferente, unia representação ou uma simples maneira de ver própriade um indivíduo. mas sobretudo como um desvario da especulação;esta se vé necessariamente lançada nesse desvario, e é só assim queo sistema realiza sua verdade. Mas esse não é o ponto de vista maiselevado. Eis por que não se pode dizer que esse sistema i falso, ou

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90 HEGEt O SABER AUSOLUTO 85

suscetível de ser refinado; o que há de errado nele é apenas suapretensão de ser o ponto de vista mais elevado. O sistema verdadeironão pode apenas ser oposto a ele: uma oposição assim seria elaprópria unilateral. Sendo o ponto de vista mais elevado, ele devesobretudo conter em si o sistema a ele subordinado.

Em conseqüência a refutação não deve vir de fora, isto é, ba-sear-se em premissas estranhas a esse sistema e que não lhe corres-pondem. O sistema não precisa aceitar essas premissas, e só há falhapara aqueles que se apitam nas necessidades, nas exigências funda-mentadas nestas premissas. É por isso que já se disse que aquele quenão supõe, radicalmente, a liberdade e a autonomia do sujeito cons-ciente de si mesmo não poderá jamais levar a bom termo uma refutaçãodo spinozismo. Além disso, um ponto de vista tão elevado e em si tãorico quanto o da relação de substancialidade não ignora estas pre-missas, mas já as contém em si; um das atributos da substânciaspinazista é o pensamento. O spinozismo sabe muito bem reduzir ouatrair para si as determinações com as quais se o combate, tão bemque das reaparecem nele, com apenas algumas moSicaçães. O nervoda refutação exterior consiste em pór em aposição obstinadamenteas premissas de cada sistema, por exemplo: a autonomia do indivíduopensante e a forma do pensamento, enunciada como Idêntica à ex-tensão na substância absoluta. A refutação verdadeira deve, ao con-trário, enfrentar diretamente o adversário, e penetrar no círculo desuas forças; atacá-lo fora desse circulo, situar-se onde ele não está,não faz as coisas avançarem muito. Para refutar o spinozismo, deve-mos acima de tudo reconhecer que seu ponto de vista é essencial enecessário, e tentar em seguida elevar esse ponto de vista a partirdele próprio até o ponto de vista superior. A relação de substancia-!idade, considerada em si e para si mesma, conduz ao seu contrário,a concelto. A aposição da substância contida no último livro, é poisata única e verdadeira refutação ao spinozismo"

Assim, refutar é chegar "a um ponto de vista mais elevado".A história da filosofia é devir, não da contingência, tingência, mas da neces-sidade, isto é, devir teórico. Esse ponto de vista ê o da Ciência. AFenomenologia do espírito definiu seu itinerário. Trata-se agorade realizar esse Saber (realizá-lo, quer dizer, fazê-lo existir, mate-rialmente,. como discurso exaustivo comunicável, como livro). Aordenação da Ciência da lógica e o rigor de seu conteúdo são taisque todo resumo ou trecho são irrisórios. L. Herr" arriscou-se a umaesquematização, que é admirável. Tentemos, segundo seu exemplo.

e com a pretensão apenas de empregar um guia de leitura, desen-volvê-la

Permitamo-nos, antes, a fim de que as coisas fiquem ainda umpouco mais claras, insistir no ponto de que, na ótica hegeliana. nãoexiste método dialético como tal. A Ciência da lógica desenvolve,na liberdade de suas determinações sucessivas, o Pensamento doSer, o Ser do Pensamento, o Pensamento = o Ser. O rigor formalaparente que o diagrama proposto por nós manifesta°.— temcomo fundamento efetivo o movimento das noções. O paradoxodo hegelianismo talvez seja, precisamente, que se pode formalizar,sem muitas dificuldades, -a propósito de obras pedagógicas (a Pro-pedêutica filosófica, a Fenomenologia do espirito), ou trabalhosuniversitários (o Restamo da enciclopédia das ciências filosóficas,as diversas Lições sobre a Religião, Estética, História da Filosofia,Filosofia da História), mas que aqui, quando se trata do texto quefundamenta todo o resto, a ordem é tão sutil que exclui todaformalização de pretensão simplificadora Saber é dificil e difícilé seu desenvolvimento constantemente rigoroso.

Externamente, o texto se divide em duas partes, de extensãodesigual: a primeira, publicada em 1812, tem com subtítulo: Lógicaobjetiva; a segunda, editada quatro anos depois, intitula-se Ciênciada lógica, segundo volume, Lógica subjetiva ou Teoria do Conceito.Contudo, desde o prefácio desse segundo volume, Hegel explicao significado dessa designação: quer indicar aos "amigos da lógica"— no sentido tradicional do termo — que vai tentar, nesse novolivro, devolver a vida a uma disciplina há muito esclerosada; nãobusca com isso mais (nem menos), porém. do que visava na Lógicaobjetiva: a verdade; e o progresso que propõe consiste essencial-mente em que, integrando á `lógica subjetiva", nascida da teoriado conhecimento moderno, os resultados obtidos pela análise on-tológica da "lógica objetiva", a supere e lhe confira um statusefetivamente científico. Essa lógica só é subjetiva na medida emque reduz a subjetividade, por conseguinte, a ser apenas o penúltimomomento do sistema da Ciência

A economia real da Obtens da lógica é dividida em três partes:o primeiro livro trata do Ser, o segundo da Essência, o terceiro doConceito. O Saber é a totalidade desse desenvolvimento. Fora desi, ele não deixa nada, a não ser a fantasia da opinião, que elecoloca em seu lugar e reconduz, a partir dai, à trivialidade. Comoindicamos no capitulo anterior", a categoria pela qual deve começar

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a Ciência é a do Ser. O é, como cópula ou posição de existência,é o eixo de toda enunciação. Mas, como salientamos também, essacategoria, aparentemente a mais rica (em extensão), é também (emcompreensão) a mais pobre. A medida que nos detemos nela,percebemos com clareza cada vez maior sua carência e fragilidade.Sua simplicidade e imediatidade são apenas aparentes. Enquantosimples e imediato, precisamente, o Ser não se distingue do Nada; eeste é ele próprio apenas a ausência de toda determinação: "A umidadenão é nem o Ser nem o Nada, mas ofato de que o Ser passou (e idopassou) ao Nada, e o Nada ao Ser": o Devir. Se recordamos atoaprimeira trilogia parcial, é porque ela manifesta claramente o tipo demovimento que governa a elaboração da Ciência: nada que seassemelhe à rigidez de um formalismo lógico, mas sobretudo olivre processo do pensamento em busca de suas determinaçõesmais profundas.

Nesse primeiro momento, o Ser é o Absoluto (ou a verdade)Mas o que é ê necessariamente alguma coisa. Como tal, em suaimediatidade, ele é Qualidade; o que quer dizer, antes de maisnada, que recebe uma definição, uma qualificação, em geral: todoisto que é (e vem a ser) ê vermelho, floresta, campo. Mas isto queé vermelho, que é uma floresta ou um campo, é um existente, umser-presente (Dasein). A qualidade, em geral, particulariza-se comopresença determinada; é seu segundo momento, que ele próprio semediatiza. O ser-presente só.é o que é na medida em que é postoem relação com o que Mo é ele; e por conseguinte, enquanto élimitado, remetido a sua própria finitude: a verdade de "qualquercoisa" está em sua relação com a "outra coisa". Entretanto, olimite que caracteriza a finitude permanece abstrato se ela mesmanão for relacionada com isso de que ela ê o limite, do "outro lado",se poderia dizer, do lado do conjunto de todas as "outras coisas",isto é, do ilimitado. Já a idéia de "dever ser", da qual o kmnimnofizera uso copioso, marca bem a precariedade da categoria definitude: esta encontra sentido apenas no conceito de infinito, nainfinidade afirmativa que se constitui, por sua vez, como absoluto,como verdade do Ser enquanto Ser-presente. Observemos que esseúltimo enunciado aractefia a filosofia.

.4 proposição O finito é ideal constitui o idealismo. O idealismo dafilosofia reside unicamente no fato de que ela não reconhece o finitocomo um existente verdadeiro. Toda filosofia é essencialmente ideo-

lume,, ou o tem como princípio; a questão que se impõe é apenas~Ser como esse principio efetivmnente se realiza. A filosofia é tãoidealista quanto a religião; a religião lambem não reconhece afinitudecomo um ser verdadeiro, último, absoluto, um ser não estabelecido,eterno e incriado. Motivo pelo qual a oposição da filosofia idealistae ds filosofia realista não tem nenhwmt significação. Uma filosofiaque atribuísse à presença finita, como tal, um ser verdadeiro, últimoe absoluto, não mereceria o nome de filosofia; os princípios dasfilosofias antigas, ou até dar mais recentes, como a água, a matériaou as átomos, são pensamentos, são da ordem do universal, do ideal,e mão coisas que podemos encontrar imediatamente em sua singula-ridade sensível — mesmo a água de que fala Tales; pois embora essaágua seja igualmente a água empírica, ela constitui de fato o em siw a essência das outras coisas; estas não são independentes e criadasem si mesmas, mas dispostas a partir de uma outra, a água, o quequer &ser que são Ideais."

O infinito, verdade do Darein, não é, todavia, verdade daQualidade. O Dasein existe apenas enquanto, de um lado, é negaçãodo ser-devir em geral que é, do outro, negado pelo que não é ele:a outra finitude ou a infinidade: só é em si sendo para outro quenão si. Só chega a si voltando sobre si mesmo, sendo ser para si.Essa ê a terceira determinação da Qualidade.

Dizemos que alguma coisa é para si quando suprimiu .o ser-outro,~Ido rejeitou toda relação e comunidade com o outro e se abstraiudele. O outro é para ele qualquer coisa de anulado, seu momento; ose para si consiste em ter ultrapassado seus limites, seu ser-outro,de maneira a realizar, no fundo dessa negação, o retomo em si Infinito.A consciência contém, enquanto tal, a determinação do ser para si,na medida rosque se representa um objeto que ela percebe, intui etc.,e cujo conteúdo possui nela, no modo do ideal; ela está junto de sina intuição e intrica" com seu outro, o negativo dela mesma. Ose para si é a relação polêmica e negativa com a finirude do outroa pela negação desta o ser-refletido-em-si; é verdade Que ao ladodesse retorno em si da consciência e da idealidade do objeto, arealidade do objeto é sempre Mantida, já que a consciência reconhece,ao mesmo tempo, uma presença externe. r

O Ser para si, reunido nele mesmo, é unidade; exclui. repeletoda multiplicidade; cada unidade, porém, procede identicamente;

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cada uma se quer única, lança a outra na exterioridade, mas, aomesmo tempo, tenta englobar tudo o que não é ela. A discussãomagistral do Parmênides, a doutrina spinozista da substância, ateoria leibniziana da mesada ilustram as dificuldades encontradaspor um. pensamento que identifica o Absoluto e o Ser para si. OSer como qualidade realiza-se na unidade do para si; mas umaunidade como essa — que cumpriu a qualidade dando-lhe consis-tência — é incerta: ou continua cega ao que não é imediatamenteela, ou se dispersa na imediatidade indiferenciada do que a iguala...

Dizer que o Ser é qualidade, por conseguinte, é proibir-se desair do imediato, de ir além desses enunciados que, por maiscomplicados que possam ser, se limitam a dizer que Isto — emgeral ou particular (de Deus à floresta) — é isso (vermelho, grande,infinito, um ou múltiplo). A mediação é a Quantidade, segundacategoria fundamental da teoria do Ser. Contra as metafísicas,passadas ou presentes, que desvelam brutalmente, como imediati-dade irrecusável, o conteúdo de uma intuição intelectual qualquer,Hegel opõe, não menos brutalmente, unia mediatidade negadora.A quantidade pura em geral é o Ser, colocando-se á distância desi, apreendendo-se na exterioridade.

O espaço, o tempo, a matéria, a luz etc., e até o eu oferecem, casose deseje, exemplos mais determinados da quantidade pura; contudo,como já observamos, não é preciso confundir a quantidade com osimples quantum. O espaço, o tempo etc. são extensões, multiplicidadesque formam uma saida-fora-de-si, um escoamento; essa salda-fora-de-si e esse escoamento ndp passam pelo seu contrário, o um ou aqualidade, mas são, enquanto tais, uma autoprodução incessante desua própria unidade."

A quantidade pura especifica-se em quanlwn, isto é, em quan-tidade determinada: o número exprime o quantum e se aplica sejaà quantidade intensiva, seja à quantidade extensiva; permite-definiro infinito quantitativo do matemático e os diversos tipos de relaçõesentre as quantidades.

No entanto, a quantidade ainda não é a categoria última dateoria do Ser. Na verdade,

A quantidade. considerada enquanto al, parece a principio oposta àqualidade; mas é ela própria uma qualidmk. uma determinidade

relacionada-a ela mesma, diferente da determinidade de seu outro,isto é, a qualidade. Ela não passa contudo de uma qualidade, mas averdade da qualidade é a quantidade; a qualidade passa pela quan-tidade A quantidade, em compensação, é na sua verdade a exterio-ridade não indiferente, reenviada a ela mesma 6 por isso que elaconstitui a qualidade, a tal ponto que fora dessa determinação aqualidade mal poderia existir. Para que a totalidade seja estabelecida,é preciso uma dupla passagem, não apenas aquela de uma das de-terminidades para sua outra, mas igualmente a passagem, ou o re-torno, da segunda determinidade para a primeira Com a primeirapassagem, a identidade. das duas determoridades é apenas dada emsi; a qualidade está contida na quantidade, que permanece sendo umadeterminidade :enlatem!. Para que a quantidade esteja igualmentecontida na qualidade e forme do mesmo modo um momento suprimido,é preciso uma segunda passagem — o retorno à primeira determini-dada essa observação sobre a necessidade de uma dupla passagemé de enorme importância pura o todo do método científico.

O quantum não é mais agora uma determinação exterior ouindiferente,- é suprimido como tal, e a qualidade, aquilo pelo qualuma coisa é o que ela é. constitui a verdade do quantum, ser umamedida."

A Medida é a síntese e a superação da qualidade e da quanti-dade; por ela, aquela se transforma nesta; desse modo, com ela, oSer encontra sua verdade. A física, a química, que medem, trazema verdade última do Ser tal como se dá em sua imediatidade, comoqualidade. Em suma, para fornecer um fio condutor que nos permitaseguir os níveis dessa primeira janela do tríptico do Saber (fiocondutor erróneo, sem dúvida, pois é do domínio do vocabulárioda psicologia transcendental), digamos que, para tomar o Ser comoabsoluto, devemos, em todo o rigor, acolhê-lo, em primeiro lugar,tal como se impõe na percepção — como qualidade —, ter acesso,em seguida, graças à matemática, à sua natureza abstrata — comoquantidade pura, extensão, interioridade, relações aritméticas ougeométricas — chegar, enfim, à física — como medida.

Mas, assim como a física não é a Ciência, o Ser não é oAbsoluto. O segundo momento da Ciência da lógica é consagradoà análise das categorias especificas utilizadas pela filosofia desdeque se definiu como tal, isto é, desde Platão (o que não significaabsolutamente que as referências do livro anterior não sejam filo-

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sóficas: elas retomam filosoficamente categorias que não são, fi-losoficamente, originárias — do mesmo modo as múltiplas análisesrespectivas às doutrinas de Spinoa e de Leibniz). O segundo livrotem por título: a Essência.

"A verdade do Ser é a Essência."

O Ser é o imediato. Se o saber quer alcançar o verdadeira o que oSer é em si e para si, não pode parar no imediato e em suas deter-minação-s, deve penetrar nesse imediato, supondo que atrás desse Serhá outra coisa além de Ser, e que esse dmago constitui a verdade doSer. Esse conhecimento é um saber med atlzado, pois não se encontraImediatamente Junto da Essência e nela, mar toma seu ponto de partidanum outro, o Ser; ele tem de percorrer um caminho anterior, o dapassagem para além do Ser, ou melhor, da penetração neste. Sóquando o saber se interioria a partir do Ser Imediata somente portal mediação, é que ele atinge a Essência Nossa língua, para designara Essência, conservou no verbo ser (Seio) o particípio passado:gewesen; a Essência, na verdade, é o Ser passado, mar passadoImsemporariomente.

Quando esse movimento é representado como o caminho do saber,o processo que parte do Ser, o supera e tem acesso à Essência comoalguma coisa de mediafisada aparece como uma simples atividadedo conhecimento, exterior ao Ser e estranha à sua natureza própria

Na verdade, essa c®rinMda é o próprio movimento do Ser. Foidito acima que o Ser se interioriza par sua narwea e se torna, poresse regresso em si, Emlmcia.

Se o Absoluto era armes determinado como Ser, ele é agoradeterminado como Esnoca. OSaber não pode manter.« em oposição.à presença, Mo mais que ao Se, o Ser paro; a reflexão mostraimediatamente que esse Ser puro, que é a negação de todo finito,supõe uma iaerielasãa um Movimento que transforma a presençaimediata em Ser puro. O Se é então determinado como Essência,como um Se r no qual tudo o que é finito e determinado é negado. Odeterminado é assim afastado, de maneira inteiramente exterior, daunidade simples e indeterminada; diante dessa unidade, ele própriocontinuava sendo alguma coisa de exterior, e o é ainda após ter sidoafastado; ele não foi com efeito suprimido em si, mas relativamentea essa unidade. Lembramos mais acima que, quando a Essência édeterminada como o conjunto de todas as realidades, essas realidadessão dominadas pela natureza da determinidade e a ação da reflexão

abstrata e mal todo se rede a uma simplicidade vazia. A Essência,desse ponto de vista, é apenas um produto, um artefatass

"Á Essência é um produto.. ", o produto da reflexão. "Elafoge do Ser", diz-nos Ilegal. É em si e para si, mas só imediata-mente, mau dgr, em si. Assim que a vemos, ela determina oconceito de fundamento, mas ela própria permanece sem funda-mento. Contudo, é preciso acompanharas articulações desse sistemacmegaial da metafísica indiciosW para compreender a tranqüili-dade de Hegel, convencido — e talvez não sem razão — de quesuperou as polêmicas conceituais, porque soube inserir cada con-ceito no lugarque lhe convêm, e de certa maneira defini-lo, limitá-lona sua f mNlo.

A reflexão que impõe a Essência, o Ser transformado no queele é, se determina, antes de tudo, em fwição da apetência. O Ser-devir ( ) se manifesta como o vaziopelo qual • Essência adquire ara cia: é necessário havero Ser que se dissolve na aparecia de ser para que a reflexãoencontre seu Sana. Assim, ' arq?exão é rectartbaciaadaEssência":ela é aquilo pelo qual esta se manifesta. A pssencia que se tonouessencidareme aparente, tendo eliminado o que a impedia de serapmeme, desenvolve a partir dal sua liberdade "natural": identicaa si — etenameale — ela se compra nessa identidade; mas sabeque essa identidade implica uma diference uma diferença da qualdeve fazer uma contradição, sem a qual sua operação de inteligi-bilidade se perderia muna categoria regressiva — a do Ser, esquar-tejado entre o um e o múltiplo (não é certo. que os que contestamo discurso hegeliano em nome de uma outra teoria do discurso oude uma outra teoria das forças — nietzschianos ou husserlianos —tedam entendido bem a significação desse texto cientifico). Averdade da Essência é pois a contradição que legitima, ao mesmoempo, como vimos, a idealidade—sem a qual não haveria nenhumdiscurso sensato possível —e a diferença —sem a qual o discursosaia apenas uma série indefinida de repetições. Num primeiromomento, a contradição anula o positivo e o negativo e os reconduzà aridade zero. Mas temos de considerar seu movimento. O positivoproduz o negativo, o negativo produz o positivo; um e outro sóexistem enquanto se superam; numa segunda fase, a contradição écontradição resolvida A reflexão que anima o processo da Essênciaa define como fundamento (Grund): a Essência tem por função,

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através das identidades, diferenças e contradições, explicar a razãodo Ser; o nega para melhor colocá-lo; como tal, ela determina, noseu estágio último, a condição que faz com que o Ser seja o queele é.

Entretanto, a Essência, verdade do Ser, não é ela mesma;permanece abstrata, e o próprio Ser que ela condiciona continuasendo abstrato. Para que a Essência seja, é preciso que se revele.O segundo momento dessa segunda janela da ciência examina osconceitos que concernem à categoria do Fenómeno. O fenômenoé o Ser essencial, ou melhor, a Essência, a razia de ser, enquantoela emerge no próprio Ser. A polêmica contra o criticismo kantianoé, aqui, evidente. A "fenomenalidade" não depende de modo algumda modificação que introduz, necessariamente a subjetividade trens-cerdental: ela ê uma categoria do Ser (= Pensamento)-Devir. AEssência tem de se fenomenalizar para desempenhar efetivamenteseu papel. A essência que se mostra é, em sua imediatidade, aexistência; esta não é, nem poderia ser, o predicado daquela; é suaexteriorização absoluta, "além da qual nada subsiste-só". Ora, aexistência é a própria coisa, tal como ela é em si. A coisa e suaspropriedades — ora, não há coisa sem propriedades, mesmo nega-tivas — pertencem á ordem do fenômeno: não ê preciso, comojulga Kant, opor aquelas- a este. O fenômeno existe antes de tudocomo coisa, isto é, como Ser mediatizado pela reflexão, definidopelos caracteres que lhe pertencem, aqueles nos quais se apóia o"realismo" de que alguns filósofos julgaram valer-se (confundindoassim, "coisidade", existência, realidade e, também, objetividade).Mas a coisa, por menos que o trabalho da Essência se aplique aela, se dissolve por si mesma: revela-se como sendo nada maisque o feixe de suas propriedades. O "fenomenismo" está certo: ofenômeno é a verdade da coisa aquilo no qual a existência me-diatizada se dá mediatamente; não existem "coisas", mas umaordem de aparição, uma lei, isto é, uma regulação necessária. Averdade última do fenômeno é o fato da relação; a Essência é isso:a indefinida possibilidade de estabelecer, entre as múltiplas apari-ções, as relações formais, reais ou necessárias; ela se manifestaassim como verdadeflllosófrca do Ser; delimita a imagem provisória(parcial) do Absoluto teórico tal como a filosofia reflexiva julgoupoder defini-lo.

Permitimo-nos, aqui, abrir um parêntese: refere-se à interpre-tação da obra fiegeliana, na França, em particular. Teremos a opor-

tunidade em breve de destacar que o fato de que as especulaçõesontológicas - como as de Engels da Dialética da Natureza ou asde Teilhard de Chardin — tenham podido exigir a "cobertura"hegeliana é uma vigarice; já denunciamos a inconsistência dasleituras românticas, existenciais, do hegelianismo, que serviramsem dúvida à difusão da obro, mas não à sua compreensão coreta.Acrescentamos, a esse estágio da análise da Ciência da lógica, queé surpreendente que um texto tão importante tenha sido negligen-ciado durante tanto tempo e que tenhamos desenvolvido frenetica-mente, durante decênios, a partir dessa ignorância, tolices acerca.das relações do em si e para si, da Essência e da Existência. Omenor glossário dos termos filosóficos que se pudesse organizarsegundo o texto hegeliano de 1812-1816 revelaria, em poucaspalavras, a tolice dessas obras despejadas sobre o pensamentofrancês desde Bergson, que pegam qualquer palavra para dizerqualquer coisa... Se falar quer dizer (e se dizer quer provar), se oexercício teórico tem um sentido (é preciso estabelecer que tenha),então não é possível opor,, por exemplo, o registro da Existênciaao tia Essência. A menos que sejamos, tranqüilamente, retóricos.Mas é verdade que a atividade retórica jamais deixou de ser, emnossas sociedades, de muitas maneiras, proveitosa.

Fechado este parêntese, importa ver que a essência, tornadafenômeno, ainda não adquiriu sua consistência. A Essência secoloca, assim que a fragilidade da categoria do Ser apareceu comoa Verdade, como o Absoluto. Ela é, em si, unidade do Ser e doPensamento: realiza, imediatamente, a vocação da metafísica. Tor-na-se — idealmente — o que era desde sua emergência: Substancia.A Essência — que foi razão de ser e existência — se conhece (éconhecida) doravante como substância. O raciocínio hegeliano éaqui, por assim dizer, o inverso do raciocínio aristotélico: confir-ma-o, contudo. Aristóteles achava que da pergunta: o que é (questãoda substância), logo seria preciso chegar na questão: o que é isso?(questão da essência). Hegel identifica os dois problemas: estabe-lece, nos dois sentidos do termo, a identidade deles: o que é e oque isso é, absolutamente, é a realidade efetiva (Wirklichkei ), quenenhuma imediatidade pode contestar. pois é a imediatidade refle-tida. -

A realidade efetiva se mantém igualmente mais elevada que o exis-tência. Esta é a imediatidade salda do fundamento e das condições,

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ou da essência e de sua reflexão Ela é em si o que é a realidadeefetiva, uma reflexão real, mas não é ainda a unidade feita da reflexãoe da imediatidade. A existência passa dai ao fenômeno, desenvolvendoa reflexão que ela contém. Ela é o fundamento que soçobrou; suadeterminação é a restauração desse fundamento; torna-se então re-lação essencial, e sua última reflexão consiste em colocar sua ime-diatidade como a reflexão em si, e o inversamente; essa unidade, noseio da qual a existência ou a imediatidade, o ser em si, o fundamentooco refletido são apenas momentos, forma agora a realidade efetiva.O real eletivo é pois manifestação; sua exterioridade não o absorvena esfera da modificação, ele não aparece no seu outro, mas semanifesta; isso significa que ele é ele mesmo apenas em sua exterio-ridade, e nela somente, como um movimento que se determina e sedistingue dele mesmo.5r

A Realidade efetiva —a substância, no sentido que Aristóteles,a escolástica, Descartes, Spinoza conferem a esse termo —, en-gendrando seus modos, é o absoluto do Saber. Nela se realizam,como em Deus, a realidade formal (o possível), a realidade "real"(o fato), a realidade necessária Ela ê, assim, a categoria dominantea partir da qual todo o discurso que trata do que é (o que é pensado)se toma efetivamente possível, isto é, eventualmente real (even-tualidade tendo aqui um sentido rato ocasional, mas lógico). OSaber parece estar no seu fim. Spinoza, tal como o compreende oprimeiro livro, é superado; a teoria da Essência lhe dá consistência;Haveria na Ética um único erro; um erro metodológico: não terexposto, segundo seu processo de constituição, aquilo de que resultaa verdade.

Aqui se manifesta a contribuição da crítica kantiana à Ciência.Hegel não é Spinoza com o acréscimo do sentido de historicidadee a consciência infeliz. Ele conclui a metafisica integrando numdiscurso único as múltiplas categorias que ela originou. O livro de1812 termina com a crítica da noção de Realidade efetiva, deSubstância, que retoma, aprofundando-a, aquela que Kant desen-volvera. na Analítica transcendental da Critica da razão pura. Asubstância — como já o sabia Aristóteles — só pode ser realmen-te substância se for diva, caso se tome causa: em si, a Substânciaé substrato; pára si, potência produtora; em si e para si, une essasduas determinações sob o conceito da ação reciproca. Este é oúltimo estágio da "lógica objetiva", seu "estado perfeito". Na

totalidade infinita da Substância, concebida como conjunto siste-mático de ações recíprocas, o Sor refletido como Essência encontrasua consumação. O trabalho da metafísica chega aqui a seu termo:não há nada mais a saber: a percepção e sua superação fisica, afilosofia (e a teologia que ela pressupõe) e seus desenvolvimentosdefiniram, doravante, o campo discursivo no interior do qual osconceitos que eles produziram tomam suas determinações legíti-mas...

Nilo há nada mais a saber. A não ser precisamente a sabê-loe a tirar, dessa conclusão, as conseqüências teóricas. A ciênciafisica não é o Saber, a metafisica também não. A Ciência é o saberdo Saber: wn saber humano que se sabe como tal, ou seja, naterminologia hegeliaa, o Ser em si e peco si, não mais imediato, masmediatizedo. É essa terceira e última etapa que percorre o livro de1816, "a lógica subjetiva". Ela é a verdade da "lógica objetiva":acabamos de precisar o significado dessa última expressão. Se essalógica é "subjetiva", não é porque reintroduz uma psicologia qual-quer, mas porque revela o termo que não deixara de estar secreta-mente presente: o sujeito, enquanto ele fala e como fala, que dizo Ser (ou por quem o Ser se diz) na totalidade sistemática de suasdete minaçôes. O percurso que acabamos de acompanhar, do Serna sua imediatidade à Essência se descobrindo, afinal, como subs-tância, tem por fundamento um dinamismo impossível de apreenderenquanto se efetuava (tanto que eram necessárias forças para as-sumir as realizações sucessivas), mas cuja significação se pode,agora que ele chegou ao fim, compreender.

A lógica objetiva, que examina o Ser e a Essência, constitui, propria-mente falando, a exposição genética do conceito. A Substância já é aEssência real, ou a Essência unida ao Ser e introduzida na realidadeefetiva. O conceito tem pois por pressuposição Imediata a Substdncia,esta é em si o que ele é enquanto manifesto. O moviménto dialéticoda Substância, pela casualidade a ação e a reação recíproca, formaassim a gênese imediata do conceito, pelo qual é exposto seu devir.Mas a significação desse devir, come todo devir, é a reflexão dotransitório em seu ãundamento; o que parece ser a principio o outrono qual ele se precipitou constitui de fato sua verdade. Assim oconceito é a verdade da Substância e, como o modo de relaçãodeterminado da Substância é a necessidade, a liberdade aparece comoverdade da necessidade e o modo de relação do conceito 58

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O que manifesta o movimento teórico que conduz á categoriade substância é portanto a liberdade como modo de desenvolvi-mento do conceito. A necessidade dessa liberdade é o que importacompreender agora. Para tanto, é preciso lembrar que:

O conceito, considerado superficialmente, aparece como a unidadedo Ser e da Essência A essência é a primeira negação do Ser, quese torna com isso aparência; o conceito é a segunda negação, ou anegação dessa negação, portanto o ser restaurado, mas como a me-diação infinita e a negatividade do ser em si mesmo. O Ser e a Essêncianão têm mais, no conceito, a determinação na qual eles são enquantoSer e Essência; sua unidade não se limita a que cada um delescompareça no outro. O conceito não se divide portanto nessas deter-minaçães. Ele é a verdade da relação substancial, na qual o Ser e aEssência atingem um pelo outro sua determinação e autonomia Aidentidade substancial, que é do mesmo modo apenas o ser-posto,surge como a verdade da substancialidade O ser-posto é a presençao ato de distinguir; o ser em si e para si atingiu, com o conceito,uma presença verdadeira e conforme a si mesmo, pois esse ser-postoé o ser em si e para si. O ser-posto constitui a distinção do conceito;suas distinções, pelo fato de ele ser imediatamente ser em si e parasi, silo elas próprias o conceito total; em sua determinidade, sãouniversais e idênticas a sua negação.

Este é agora o conceito do conceito. Mas apenas seu conceito;ou melhor, ele mesmo ainda não passa de conceito. Como ele éenquanto ser-colocado, o ser-em-si-e-para-si, ou a Substancia abso-luta, enquanto esta revela a necessidade de substâncias distintas comoidentidade, essa identidade deve colocar ela mesma o que ela é

Os momentos do movimento da relação de substancialidade, pelosquais o conceito se tomou, e a realidade assim revelada, estão apenasa caminho do conceito; essa realidade ainda não é sua determinaçãoprópria, salda dele mesmo; ela caiu na esfera da necessidade; a esferadele pode somente ser sua livre determinação, uma presença em queele (é) idêntico a si e cujos momentos são conceitos colocados porele.9

Num primeiro momento, em conseqüência o conceito seapreende. em sua imediatidade, como elemento do entendimentoque conhece, como "produto do pensamento subjetivo". Ele é aexpressão formal da subjetividade transcendental, construindo, se-gundo a liberdade que corresponde à sua natureza a ordem inte-

Mutual que lhe permite integrar e reduzir a disparidade do "real".É nesse momento que a subjetividade se faz lógica, no sentidodado pela escolástica à invenção de Aristóteles. Ela determina"formas normais" do pensamento e do discurso. Ela define ummétodo que, constituindo-a, constitui a própria-possibilidade queela tem de conhecer e organizar o que ela conhece num sabersistemático. Ela se compraz nesse jogo e desenvolve-o; entusias-ma-se nesse domínio discursivo como se, na atividade, só se tratassedela, dela e de seu poder de dominação.

Ora, o tratamento imposto ao raciocínio por Descartes a chamaduramente de voltai ordem. O que enuncia o argumento ontológico— que Kant se deleitou em apresentar sob uma forma silogística:

Aquilo cuja representação é o sujeto absoluto de nossos juizos e quenão pode, por conseguinte, ser empregado como determinação deoutra coisa, é substância; enquanto ser pensante, sou o sujeito absolutode todos os meus juleos possíveis, e rasa representação de mim mesmonão pode servir de predicado a nenhuma outra coisa; portanto, naqualidade de ser pensante (como alma), sou uma sabe/Inciaó0,

formalização que lhe permitiu criticar — é que a linguagem lógica,por mais formal que se julgue, carrega seu peso de ser, que o emsi (transcendental e subjetivo) apresentado por ele remete a umaobjetividade — a uma "objetalidade", se deveria dizer, a um statusde objeto — que não se poderia sofismar. O ser não é substância;mas também rio ê subjetividade constituindo-se, segundo sue li-berdade transcendental, como regra onitemporal de toda realidade.Mais precisamente, ele é subjetividade apenas porque se dá atravésdessa operação de realização de si, a posição do outro: a objetivi-dade, não enquanto fato, mas enquanto reconhecimento do objetocomo para si de todo pensamento. Logo, segundo Hegel — e ébem provável que tenha razão — o Cogito cartesiano extrai suaeficácia apenaspelo fito de desaguar no argumento ontológico,.argumento queestabelece que o conceito não pode se desenvolversem significar, como tal, unia afirmação de ser: "Penso, logoexisto" é nada mais que uma afirmação empírica, se ele não provou— o que de fato faz valer o argumento ontológico — que "dopensamento do Ser ao Ser, a conseqüência é boa".

A verdade da subjetividade é a objetividade. Não uma objeti-vidade maciça e indistinta, mas uma realidade de objeto que cor-responde aos momentos em que a subjetividade julgou exaurir seus

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poderes. Na verdade, é o próprio conceito que se fez objeto, queassume o status de ente em si e para si, e que se dá como totalidadeexistente, tendo nela mesma os princípios que determinam seupróprio status. Já assinalamos a diferença decisiva que Hegel in-troduz entre a categoria de Ser-ai (Dasein) e a de realidade. Epossível, agora, avançar na definição dos termos que designam o"objetai", quer dizer, aquilo a que o "pensamento" se entrega ecom que se choca quando pensa. O Ser é o indiferenciado; o ser-ai,a determinação imediata do indiferenciado, isto é, a determinaçãoaqui e agora do existe. A existência é una categoria mediadora:ela remete ao fato — testemunhado por Aristóteles em sua criticado platonismo — de que o Ser "interiorizado", isto é, a Essência,não poderia ser se não se manifestasse fenomenalmente. Aqui, aexistência é a verdade do Ser, enquanto "a verdade do Ser consisteem ser, não um primeiro imediato, mas a essência emergida noimediato": Quanto à categoria de realidade, ê a concepção spino-ziste da substância que manifesta mais claramente seu status: elaé, em si, a união do Ser e da Essência.

É a categoria de objetividade que faz o pensamento do Absolutoatingir um nível de elaboração ainda mais profundo. O Absoluto sedá aqui cpmo conceito efetivo: aqui se determina a situação do Serenquanto ele, é doravante "objeto de ciência", na significaçãokantiana deste último termo. A "explicação", o desdobramento doSer são então compreendidos como tendo sua razão última numaconcepção, seja mecanicista da "realidade" (física), seja química,ou finalista...

Em suma, a objetividade das ciências da natureza designa omomento em que o pensamento do Ser está quase a se interligarcom o próprio Ser, onde a diferença, já anulada potencialmente,do Pensamento e do Ser, vai desaparecer. Mas a Ciênaia — nosentido em que a entende Kant (e, através dele, Newtoa Lavoisier,Laplace) — ainda não é o Saber, a Ciência que deve destruir atéa possibilidade da filosofia A "natureza", como a pensam osfisicos, define ainda umamera reconciliação abstrata Falta ai aIdéia, categoria na e pela qual o conceito (da subjetividade trans-cendental) e a objetividade (das ciências) se apreendem em suaidentidade profunda, e, ao mesmo tempo, definem liberdade -eracionalidede Como sendo termos exatamente intercambiáveis.

Essa última oposição — tradicional à metafísica — nós acolocamos, por prudência, entre parênteses até aqui. As últimas

páginas da Ciência da lógica não nos permitem eludi-la por maistempo. O Saber, a Idéia absoluta como verdade em si e para siconferem à liberdade seu status. A liberdade não é nem ilusão nempoder real de eleger: é a Razão, isto é, capacidade indefinida de o"sujeito empírico", enunciando sua experiência, conhecê-la, situa-la em seu lugar, definir sua significação e, assim, colocá-la emrelação de inteligibilidade com outras significações. A liberdadenão poderia ser empírica, pois o empírico não passa nunca dosubjetivo e do relativo, ou seja, do contingente, ou, caso se prefira,da necessidade cega. Ela não é tampouco exclusão (ou foraclusão)do empírico, caso em que seria apenas intenção, projeto ou deva-neio. Ela só poderia ser, em conseqüência, esse movimento dadono fato da linguagem e do próprio conhecimento, movimento peloqual o empírico se torna racional, pelo qual o sujeito se faz Espírito...

A última seção da Ciência da lógica, numa terminologia bemdiferente, destaca o fato de que, no fim desse longo e difícilpercurso, o Absoluto do Saber, presente desde as primeiras páginascomo dinamismo que permite a cada categoria perceber sua limi-tação e superar-se numa categoria mais rica, mais concreta, torna-seagora efetivo. O Ser, que se interiorizou como Essência e sedesenvolveu como conceito, concebe-se doravante como vida, comoverdade e Saber absoluto. Dessa demonstração, não estão ausentes,na verdade, as motivações universitárias: temos muitas vezes, aimpressão de que nessa última fase o professor Hegel está decididoa exercer exemplarmente seu domínio é a administrar a prova deque ele não desconhece nada do que foi conhecido. Assim comouma recuperação derradeira e lírica, que não existe sem fazer pensarno luxo orquestral a que se dedicavam os sinfonistas clássicos nacoda de sua composição...

A idéia absoluta, ou o conceito racional que, na sua realidade, seune somente consigo mesmo, é acima de tudo, pela imediatidade desua identidade objetiva, o retorno à vida; mas ela também suprimiuessa forma de sua imediatudade e traz em si a mais profunda contra-dição. O conceito não é apenas alma mas livre conceito subjetivo,que existe em si e possui portanto a personalidade — o conceitoprático, em si e para si, determinado, formando enquanto pessoa umasubjetividade impenetrável e atdmica; ele não é, entretanto, umasingularidade que exclui tudo, mas uma universalidade para si, umconhecer que encontra no seu outro sua própria objetividade como

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objeto. Todo o resto é erro, perturbação, opinião, aspiração, -arbitra-riedade e caduquice; só a Idéia absoluta é ser, vida imperecfve(verdade que se sabe a si mesma, e é toda verdade.

Ela é de, fato o único objeto, o único conteúdo da FilosofiaComendo nela todo deta,niaidade, e tendo por essência retornar asi pela. autodeterminação e a particularização, ela se manifesta sobdiferentes figuras, e toda a tarefa da filosofia é reconhecê-la nestas.A natureza e o espirito são dois modos bem distintas de man«estaçãode sua presença a arte e a religião são os modos pelos quais ela seapreenda se dá uma presença conforme a sua essência; a Filosofiatem portanto o mesmo conteúdo e o mesmofim que a Arte e a Religião;mas ela é a maneira mais levada de apreender a idéia absoluta, poisseu modo de captar— o conceito — é o mais profundo. Ela captaas figura da fbtitade real e ideal do mesmo modo do que aquelas doinfinito e. da sanidade e as compreende ao mesmo tempo que e4,mesma.at

Irias essa declaração, exata, sem dúvida, e, no entrado, menteao excessorcede o passo precisamente diante da exigência teórica.A exposição do pensamento como Saber absoluto se comina comuma análise de .ordem metodológica. O. que assinala, afinal, aCiência da lógica; é a própria ordem da dialêtica como fato ine-lutável do Pensamento (do discurso) e do Ser, como realidade quedestrói a diferença do Ser e do Pensamento. Já defmimos os traçosfubdamentais desse "método" dialético. Não voltaremos a ele.Estamos agora no cume da parábola: o prisioneiro, desacorrentado,liberto, está na ordem da Idéia pura Sua liberdade passou a serRazão; sua subjetividade "falante" fez-se adequação do Ser e daPalavra. Resta falar, já que a categoria já foi definida, do queexiste, agora, no outrora e no há pouco que envolve todo "agora",a existência sendo compreendida como o modo de ser da Essência— do Ser interiorizado — enquanto ele não pode deixar de semanifestar.

O sistema:A vida histórica

A atividade físicaA natureza existe, e a física, que constitui seu saber, tem statusde objetividade. Essas duas proposiçbes ligadas significam igual-mente, em conseqüência, que a Ciência tem de compreender umae outra em suas relaçttes efetivas, e segundo o lugar que ocupamno cerne do círculo fechado e exaustivo dessa Cicia É disso quese trata, quando Hegel desenvolve sua especulação nessa direção,e de nada mais. O conteúdo de suas análises Mo nos reterá muitotempo. O quê convém assinalar apenas com esse propósito é aextensão dos conhecimentos de Hegel e sua curiosidade insaciável.A correspondência testemunha a preocupação que ele tinba deestar a par das novidades, até mesmo das mais extravagantes. E,em relação a isso, ele surge de fato como um rebento do séculoXVIII. O que se pode observar também é a exigência de seuregionalismo, que o faz assumir, no tocante Is fantasias físicase biológicas em moda no seu tempo, uma atitude de críticaradical. Seja, entre outros exemplos, este texto . que desfecha aanálise consagrada, na Fenomenologia do espírito, à ciência queGall instituíra, a *etiologia, e que pretendia deduzir as qualidadesespirituais do sujeito das protuberâncias de seu crânio:

Na frerologir a réplica devem chegar a quebrar o crânio daqueleque assim julga, para prosam-lhe, de uma maneira tão grosseiraquanto grosseiro é o seu julm que um osso tão é nada em si parao homem, e muito menos ainda sua verdadeira realidade efetiva. 62

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A VIDA HISTÓRICA 103102 HECEL

Contudo, mais importante que esses julgamentos, por maisinformativos que sejam, ê a concepção da relação que mantêm,segundo Hegel, ciência fisica e ciência filosófica. Eis uma passagemdo Resumo da Enciclopédia das Ciências filosóficas:

Parágrafo 246. — O que chamamos física, chamava-se outrorafilosofia da natureza, é também rn estudo teórico e refletido danatureza que, de um lado, não parte de determinações exterioresà natureza, como as de seus fins, e que de outro lado tem porobjetivo o conhecimento daquilo que ela tem de geral —de maneiraque este seja também determinado em si — isto é, das forças. dasleis, dos gêneros, conteúdo que não deve ser um simples agregado,mas que, dividido em ordens e classes, deve apresentar-se comouma organização. Como a filosofia da natureza é uma concepçãoabrangente (begreifend), tem como objeto o mesmo elemento geralmas para si, e o considera em sua própria necessidade imanentesegundo a determinação própria da noção.

Observação.

Tratou-se na Introdução da relação da filosofia com a experiênciaNão basta apenas que a filosofia se concilie com a experiência danatureza, mas a origem e a formação da ciência filosófica têm comosuposição e condição a fisica empírica. Entretanto, o orno da for-mação e os trabalhos preliminares de uma ciência são uma coisa, ea Ciência, outra caisa.er

É à última fórmula que devemos atermos antes de tudo. Elaindica, em primeiro lugar, que a "filosofia da natureza" tem porcondição o. trabalho empírico do fisico que, pacientemente, des-venda seu domínio e constrói os conceitos que lhe conferem ainteligibilidade exigida. Assim, a "filosofia da natureza" não éespeculação: não poderia ser construção espiritual a partir depesquisas empíricas; tem como domínio de extensão apenas aquelecujos limites estas pesquisas definem. De repente, se acham elimi-nadas todas as extrapolações realizadas pela imaginação intelectual,além dos limites da experiência controlada. Aqui, o leitor da Criticada razão pura manifesta sua convicção racionalista: irrisória é toda"filosofia da natureza" que quer ultrapassar as fronteiras fixadaspelo estudo experimental do físico e do biólogo.

Mas isso não significa que a ciência filosófica se reduz àconstatação pura e simples dos resultados obtidos, e que sua únicamissão — como em breve vai indicar Auguste Comte — seja desintetizar e popularizar as aquisições do saber empírico. Este últimose coloca, necessariamente, em nome de seu próprio status, no emsi, isto é, na separação do sujeito que conhece e do objeto conhecido(ou a conhecer). Ele determina, assim, um saber "objetivo" quese esgota inteiramente no objeto que ele "sabe", que se confundecom ele, que se satisfaz plenamente com isso e esquece, por issomesmo, que ele é um saber, ou seja, que procede de uma "operaçãointelectual".

A tarefa da filosofia da natureza - no sentido que o entendeHegel — é por conseguinte tomar a fisica como para si e assegurarsua compreensão. Isso significa que ela é responsável, de um lado,por situá-la em seu lugar na ordem da Ciência e, do outro, porgarantir as bases conceituais aos diversos domínios que ela reco-nhece e às categorias que elabora. Ela funda assim a mecânica eas noções que aquela desenvolve: o espaço e o tempo, a matériae o movimento, a gravitação. Procede da mesma maneira com afisica propriamente dita e suas categorias, entre outras a luz, o pesoespecifico, a coesão, o som, o calor, o processo químico. Ela chegaà fisica orgânica e aos seus domínios: a natureza geológica, vegetal,o organismo animal.

Esta enumeração confirma o fato de que o propósito hegelianonão é nem constituir a natureza como realidade efetiva, a partir deum sujeito definido de maneira idealista — esta é uma imputaçãoabsurda que muitas vezes se fez a ele —, nem construir uma dessasfilosofias da natureza das quais diversos exemplos deploráveisforam dados, desde a Dialética da natureza, de Engels, até asfantasias gnosiológicas de Teilhard de Chardin. Não se trata deedificar a natureza, mas de construir seu conceito, ou seja, aquilograças a que sua realidade passa a ser pensável; não de prolongar afisica, mai de compreende-la e permitir-lhe melhor compreender-se.

As 'Ciências humanas"

É no estágio da Razão observante que a Fenomenologia do espíritoexamina e demarca concretamente, os limites do empreendimentode constituição da natureza. O capitulo se fecha de fato com uma

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crítica da fisiognomonia e da fienologia, momento último do estiloda orgânica, ele próprio estágio derradeiro da Razão observante.Ora, essas duas "disciplinas" representam o pior aspecto da Razãona busca do em si. E, sejam quais forem o sentido e a eficácia dotrabalho físico, elas revelam, como num fim deplorável, a irreme-diável limitação da ciência "objetai". Esta jamais deixa de ser daordem do em si; quando introduz o para si, o Espírito, não podeser senão representação, isto é, como dado abstrato e vazio. .Apsicologia é a verdade da fisica Haverá que perguntar-se aí — nóso faremos daqui a pouco — se essa simplificação dialêtica éaceitável, se a noção de "objetividade", em particular, permite iralém da oposição, tradicionalmente introduzida pela metafísica,entre "saber do objeto" e "saber do sujeito".

Ainda assim Hegel a institui. Chega a desenvolvê-la em fór-mulas cuja ironia dialética ê evidente:

A profundidade

que o espírito atirai do interior e empana para o exterior, masempurra apenas até sua consciência representativa para a! deixa-ia,e a ignordncia dessa consciência a respeito do que diz realmente sãoa mesma conjunção do sublime e do ínfimo que a natureza exprimeingenuamente no organismo vital pela conjunção do órgão da supremaperfeição, o da geração, com o órgão da urinação. O juízo infinito,como infinito, seria a realização da vida compreendendo-se a simesma; mas, quando a consciência ala vidafica na representação,ela se comporta como a fiação da urinação.

Hegel assinala aqui que é desconhecer a ordem própria doEspírito tomar as coisas tais como se mostram, estabelecer, rexemplo, uma relação essencial entre funções orgânicas, finfa,mentalmente desconexas em sua significação, do único fato de'serem materialmente, isto é, externamente, coligadas. Esse texto,alusivo, sobre a relação de codade da atividade genital e daatividade "winatória", para ' como J. Hyppolite, põe emevidência o 'tatus limitado da 'representação %sice. Quando estase dá como tal, ou seja, como representação que estabelece elosapenas representativos, ela é aceitável e sua busca participa — emseu lugar — da ordem de construção do Saber. Mas ela se iludequando acredita poder extrair conceitos dessa. Instaura somenterelações partes extra partes, que a ciência filosófica acabada teráde julgar.

Em suma, é desconhecer efetivamente o Espírito julgar quetem sentido comparar o pênis á micção e o pensamento a um osso.Juízos semelhantes têm exatamente a consistência e a natureza daurina Hegel, é verdade, pode parecer antecipar aqui as concepçõesque, de Royer-Collard a Bergson, alimentaram o empirismo espi-ritualista Mas não é de modo algum por acaso que suas fórmulassão percucientes. Se evitam a banalidade — banalidade que seráo destino do ensino oficial, na França em particular—, é exatamentepor não serem "espiritualistas" e denunciarem um materialismoingênuo e redutor apenas para instituir um conceito do Espiritoque, rapidamente, rejeita, na indiferenciação das opiniões metaB-sicas, as oposições abstratas, cujo absurdo Kant, em seu rigorsoberano, já assinalara: espiritualismo-materialismo, determinação-liberdade, idealismo-realismo, inatismo-empirismo...

Hegel — que se diz enciclopédico — não ignora a ciência"psicológica" de seu tempo. Situa, no lugar que lhes deve serdado, essas categorias do discurso que são a alma, a consciência,a subjetividade transcendente!. Torna claros seu sentido e seuslimites. Indica seus desenvolvimentos que, corretamente ordenados,não são necessariamente aberrantes. Mas passa bem depressa aoEspirito objetivo: este comporta, na verdade, dois níveis, que aPropedêutica filosófica, que é como uma exposição escolar dohegelianismo, faz aparecer formalmente. Há antes de tudo e Espíritoprático — no sentido que Kant impôs a esse termo." Enquantosubjetividade, o Espírito interioriza-se: conhece-se em si e para si.como cognoscente e raciocinante. Enquanto prático, anuncia essaadequação da liberdade e da razão que salientamos, há pouco, comosendo o próprio fato da nacionalidade consumada:

Parágrafo 173 — O espirito prótfeo não tem somente idéias, éa Idéia viva É o espírito que se determina a si mesmo por si mesmoe dá urra realidade exterior às sura própria, determinações. É preci-so distinguir o modo sob o qual o p é apenas teórico e Ideal da-quele sob d qual ele safra prática ou realmente, objeto, objetividade.

Parágrafo 174 — O espirito prático chama-se principalmentelivre querer, na medida ar que o Eu pode abahair toda determi-nidade na qual se encontra, e na medida em que permanece, emtoda determinidade, indeterminado e igual a si mesmo.

Parágrafo 175 — Enquanto conceito que determina de dentro,o querer é essencialmente atividade e conduta. Traduz suas deter-

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minações internas em realidade externa presente, para se repre-sentar como idéia.

Parágrafo 176 — Ao ato pertence todo o domínio das deter-minações imediatamente correlativas a uma modificação ocorridana realidade presente. A conduta só pertencem a principio aquelasdentre essas determinações que contêm a decisào ou consciênciaÉ só isso que o querer reconhece como seu e corno comprnmciendo.no sentido próprio, sua responsabilidade Cotado num sentidomais amplo, é preciso estender esta responsabilidade àquilo que,nas determinações do ato, sem ler .sido consciente, poderia sê-lo.'

O sujeito da Ciência já nos ensinava a Fenomenologia doespírito, não é, com certeza. o existente empírico que percebe eque reflete, não é também esse "mínimo divisor comum" ao qualse reduz. 11O . fim das contas. a subjetividade transcendental — quetem corno única legitimação a intersuhjetividade —, é o eu inÍeli-givel, na significação em que a Critica da'rifo prática (que nãosoube ir até o tiro de suas implicações) entendia essa noção. Ora.a liberdade' que se diz razão não pode restringir-se a essa efetuaçãode um Eu que conseguiu vencer seus sentimentos e fazer de suatendência uma vontade, Tênia vontade, a vontade! O que Hegeldefine contra Kant. aqui — porque ele é mais "progressista" queo último. porque administra, no fundo. mais rigorosamente, o ensinoda Idade das Luzes —. é a importância da obra. Há liberdade eracionalidade apenas efetivas — isto é. produtoras —, e é essaobra que conta.

A ordem ética se apaga. a partir de então, diante da força do-minadora da cultura. O que os homens quiseram é, precisamente.o que fizeram. O que fizeram. e que permanece. é a Arte, a Religião.o Estado. Por isso, empiricamente, eles viveram; por isso. também.alguns morreram.

A atividade artísticaA estética: Um trabalho que é, em nossa opinião, um dos mais impor-tantes de todos os que se oferecem à Ciência Na Arte, com efeitonão se trata de um simples logo útil ou agradável, mas de umalibertação do espirito do oonteúdo e da forma da frnilude. trata-se

A tas HISTÓRICA 109

da Proença do Absdmo ,w sensível e no real, de sua conciliaçãocom um e outro, do derdrodrm da votada mão história nanara! nãoesgota a essência, mas que se mota na histeria univnsat ondePodemos rrerr sor a mais belo e elevada recompensa para osárduos trabalhos no real e os penosos esforços de conhecer."

Foi mais ou menos dessa maneira que Hegel concluiu a sériede cursos publicada pouco depois de sua mate por alguns de seus&mijados ais próximos. Melhor que m orai obras, vemos com-binarem-se al, num conjunto ao mannoos traços mas do gênio hegelimo:^ lógicoo

ceit u i, aexigência conceituai, a

vontade de mica exaustiva, a surpreendente riqueza de informação.Da poesia maometana h técnica de Gidn,da simbologia hindu àsinterpretações de Schrtier, o texto é imperial. Aqui ainda, o espe-cialista omlemptwreeo não terá dificuldade para assinalar as lacu-nas e apontar, aqui on ali, simplificações ou exagera. Terá, semdúvidas, motivos. E Notará razão, pois essa Ecléticaé, sem dúvida,a primeira obra, na história da cultura ocidental, a coligar umarefletia sobre a atividade artística em sus relação com a obrahistórica do homem em geral, uma definição do conceito de bdeaem suas manifestações diversas e uma história geral da Ame: Logoque evocarmos • filosofia da História, teremos, bem depressa, defazer reservas, pois a maneira como Hegel a concebe e canoorganim seu conteúdo, constitui, armai, o fundamento do sistemae remete a uma noção — No explícita — do devir humano que,como tal, deve ser criticada. Se há ressalvas a fazer santa Estética,elas não silo da mesma ordem. Mesmo que questionemos a infor-mação e a ordenação introduzidas, temos de reconhecer, nessedomínio limitado (e por se tratar de um domínio limitado), quejamais se fora tão fundo na compreensão que as diversas sociedadesse deram de suas produções artísticas. Dessa profimdidade, E. Fanee A. Malraux são a progênie.

A Arte — à qual Kant atributa uma função tripla: mediadora(entre a Sensibilidade e a Razão), ultrapassante (na medida em queterá um campo de atividade transposta, embora efetiva, à faculdadedos princípios) e reveladora (pois permite começar a entender oque quer dizer finalidade), à qual o romantismo atribula virtudesexcepcionais — deve, antes de tudo, ser colocada em seu lugar. Oimpressionante aqui é que, apesar dos hábitos mentais da época,

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Hegel se interroga sobre a atividade de criação artística antes desolicitar o conceito de beleza, que ele analisa apenas em funçãodaquela

A Arte é o primeiro momento do Espírito —o em si do Espírito— contanto, claro, que este último tenha sido definido como o Serem si e para si. É o Espírito imediato que tenta impor sua verdadecomo sendo a verdade ela mesma e desenvolve essa pretensão, oramoderada, ora, e com mais freqüência, excessivamente. Sua relaçãocom a Religião é clara: num sentido, é uma Religião. É, aliás, seupróprio status quando a Religião ainda não se manifestou em simesma,. quando ainda não foi compreendida como religião revelada.A Religião estética — talvez se dissesse melhor, hoje, o estetismoreligioso dos gregos — confunde, numa mesma assunção da sa-cralidade do Espírito, o culto dos deuses e a adoração das belasformas. A Arte, na verdade, só adquire sua situação própria depoisque a Religião conquista sua essência efetiva, istoé, depois que aúltima mutação do cristianismo — a Reforma — se impõe.

A partir desse momento (mas a análise tem valor retrospectivo),é possível determinar seu domínio específico. Sua essência primeira— que passará por desenvolvimentos que introduzem uma com-plexidade cada vez maior, embora sem jamais sair realmente daperspectiva assim definida — é ser o Espírito manifestando-se naexpressão sensível, na intuição (na própria experiência).

A mais elevada destinação da Arte é a que ela tem em comum coma Religião e a Filosofia. Como estas, ela é um modo de expressão dodivino. das necessidades e exigências mais profundas do espírito. Jádissemos mais elevada; os povos depositaram na arte suas idéias maiselevadas, e ela constitui muitas vezes para nós o único meio decompreender a religião de um povo. Mas ela difere da Religião e daFilosofia pelo fato de possuir o poder de dar uma representaçãosensível dessas idéias elevadas que as torna acessíveis a nós. Opensamento penetra nas profundezas de um mundo supra-sensível aque se opõe como um além da consciência imediata e da sensaçãodireta; busca com toda liberdade satisfazer sua necessidade de co-nhecer, elevando-se acima do aquém, representado pela realidadefinita. Mas essa ruptura, realizada pelo espírito, é seguida de umaconciliação, obra igualmente do espírito; ele cria por si mesmo asobras de belas-artes que constituem o primeiro elo intermediáriodestinado a reatar o exterior. o sensível e o perecível ao pensamento

puro, a conciliar a natureza e a realidade finita com a liberdadeinfinita do pensamento abrangente."

Um texto como esse realça o fato de que a finalidade da Artenão é nunca — a não ser de uma maneira contingente, inessencial— imitar a natureza, despertar a alma ou moralizar a existência.Seu fim é o Belo (o Belo artístico, claro; o belo dito natural éapenas "um reflexo do Espírito; só é belo na medida em queparticipa do Espfrito69 "), o Belo que, a partir de então, se tornauma categoria do Ser. A Arte visa exibir o Ser como belo, isto é,manifestá-lo como realidade sensivel doem si e para si. Essa tarefa,que abre o caminho para a completa realização do Espírito, aomesmo tempo como um momento teórico decisivo de sua consti-tuição e na medida em que a cada momento histórico assinala asetapas reveladoras de seu devir, só pode ser específica A Arte serealiza nas belas-artes: pintura, escultura, música, poesia; passahistoricamente por'três etapas: Simbolismo, Classicismo, Roman-tismo. Os dois movimentos combinam-se. A Estética é a expressãoinformada dessa combinação.

A classificação hegeliana tomada como tal é, sem dúvida,arbitrária. Basta ler o texto, no detalhe de seu desenvolvimento,para descobrir o rigor interno. O sucesso da parte estética da obrahegeliana — a única corretamente conhecida pelo público culto,na França — baseou-se, provavelmente, em razões insatisfatórias.Na Estética, Hegel é fácil, e até mesmo. às vezes, falastrão; exaltaa espiritualidade empírica em fórmulas que têm tudo para tranqüi-lizar os "amantes da arte" e outros "connaisseurs" que precisamafiançar seu falatório. A legitimação do texto hegeliano situa-se aum outro nível, que é o mesmo definido pela Ciência da lógica.Diante das sequelas do Romantismo — que após ogrande momento,correspondente ao inicio do século, recai nos desabafos pessoais— convém fazer valer os direitos imprescritíveis do conceito emostrar que a Arte, por maior que possa ser, é apenas um momentodo Espírito e nada tem a querer além do que explicitamente pre-tende. A demonstração administrada por Hegel é, na precisão dasreferências, convincente. Em todos os níveis, mesmo nas análisestécnicas, como as tomadas de empréstimo às obras de um especia-lista. Rumohr- por exemplo, ela apresenta a prova.

Que a idéia de beleza fique em seu lugar: É, precisamente oque diz Hegel: que saiba de seus poderes e limites; que se com-

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A VIDA HISTÓRICA 113112 HEm

preenda como ascensão essencial no devir da cultura; que não searrogue, emreteoto, um alcance exorbitam que determine, tãoexatamente quanto lhe for possível, referindo-se ao passado que aconstituiu especificamente, o seu campo de ação; que não ignore,por uma cegueira narcisista, sob pena de destruir até seus recuam,que pertence 1 ordem do Espírita, isto é, que tem a ver com aReligião e a Filosofia..

Bege!, que reflete ao mesmo tempo sobre os sonhos do Auf-Ndrung, sobre os de Hôlderlin e os do grande Romantismo — ode Novalis e do Athenaeum —, decide aqui ser platónico, ou seja,conceder à Arte apenas a parte que lhe convém. A Arte não é aReligião; não é a Filosofia. Menos ainda, a Ciência filosófica.

As atividades religiosasA estética hegeliana é uma filosofia da Arte. A análise da Religiãose coloca na mesma ótica Como a Arte, a Religião é da ordem doem si par. si. Mais precisamente até, como nos adverte a Feno-menologia do espírito, a atividade religiosa é a do Espírito em sipra si apreendendo-se em sua imediatidade. As Lições sobre afilosofia da religião — como a Estética — definem, ao mesmotempo, o universal, a essência e as manifestações particulares quesão ma realização progressiva e dramática. Há uma essência daReligião que tem seu status na ordem do Espirita e cujos momentosde constituição interna podem ser reencontrados a cada nível deseu desenvolvimento. Mas essa essência só se realiza e se com-preende em relação com o devir do próprio Espírito na multipli-cidade de suma determinações.

Assim, a Religião, na sua generalidade, deve ser apreendidaquer como momento do Espírito, quer nas suas manifestaçõesparticulares, como expressão da cultura que, aos poucos, chega àcompreendo de si mesma A religião grega, por exemplo, ocupaseu verdadeiro larga na Ciência apenas na medida em que é dis-cernida, ao mesmo tempo, como asma etapa (na qual devia perma-necer e que devia superar, em breve, a atividade religiosa comotal, em seu empreendimento de construção de si) e como maafes-tação do Espírito (quando se encontrava na Grécia e no mesmomomento estava presente em Fidias, Sófocles, Tucidides e emSócrates). O que estudaremos no capítulo final, como sendo o

empirismo hegeliano, atinge aqui — assim como nas Lições sobrea história da filosofia, que não teremos a ocasião de retomar -sua apresentação mais elevada e sutil.

A Religião é da ordem do Espírito: não é dele o exterior, ocontingente, o excedente, e menos ainda a superação ou a verdade.Nem o Aufklarung¡ que quis substituir a tradição por uma "teologianatural", fundada muna análise racional do conceito do Ser infinito,nem o sentimentalismo religioso, consolidando-se na paixão de-senvolvida pela consciência de si quando percebe sua finitude easpira ao além, permitem compreender o fato religioso. Um e outro,aliás, provam sua carência, pois continuam discutindo, com argu-mentos e golpes de força, aquilo mesmo que está no fundamentoda religião: a existência de Deus.

Não há por que rejeitar as provas da existência de Deus: a esserespeito, a demonstração kantiana recorreu ao trabalho abstrato doentendimento. Para o Espírito, quando está na imediatidade do emsi e para si, Deus existe. O Espirito então se pensa ele mesmo ea consciência de si que se pensa nele experimenta sua infinitaliberdade. Foi isso que Descartes estabeleceu com a maior clareza.A critica de Kant não alcança seu objetivo: indica apenas a inca-pacidade do pensamento analítico de apreender a adequação ne-cessária que se estabelece entre o Ser e o Pensamento. A Críticada razão proa é, no fundo, apenas a negação abstrata da metafisicatradicional: não vê que é, exatamente, o argumento dito ontológicoque temos de aceitar se quisermos dar ao projeto filosófico toda asua significação.

O pressuposto de toda filosofia da Religião é que Deus existe.Argumentar sobre isso é irrisório. E recusar o fato das religiões oé mais ainda Resta mostrar como, através destas últimas, a con-cepção de Deus se precisa e se institui. Somente analisando-apoderemos pôr a Religião e as religiões no lugar que convém àessência daquela e ás particularidades destas.

Assim como o Belo é o objeto da Arte, Deus é o objeto daReligião. Deus é "o absolutamente incondicionado, bastando-se asi mamo, existindo por si mesmo, o começo e o fim derradeiroabsolutos em si e para si''. Quanto à religião, "ela representa oespírito absoluto não apenas pela Intuição e pela representação,mas também pelo pensamento e pelo conhecimento. Sua destinaçãocapital é elevar o indivíduo ao pensamento de Deus, provocar suaunião com Ele e assegurá-lo dessa unidade"". Essas definições,porém, são demasiado gerais. Determinam a função da religião que

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é para todos os homens: não é a filosofia, que não é para todas oshomens. A religião é a maneira pela qual todos os homens se cons-cientizam da verdade, e alcançamos isso pelo sentimérrto, pela repre-sentação e pelo pensamento racional. A noção de religião deve serconsiderada em relação a essa maneira geral pela qual a verdadechega ao homem.rz

Para chegar-se ã essência da Religião, ao mesmo tempo, repi-tamo-lo, como domínio especifico e como manifestação do Espíritoem geral numa determinada época, no seio de uma determinadacomunidade, é preciso seguir o movimento de seu devir; da mesmamaneira, para saber o que significa esse conceito: Deus, convémcompreender os diversos avatares de Deus até o momento em queele é o que se tomou, isto é, o para si do Ser em si e para si.

A história hegeliana da Religião, como a história da Arte, épois simultaneamente a análise dialética de um conceito e umafilosofia da História parcial estudando os diferentes momentos dodevir do homem através de suas "ideologias religiosas" sucessivas.Esse segundo aspecto é enfatizado pela Fenomenologia do espírito.A consciência não "espera" — no desenvolvimento ao mesmotempo lógico e histórico do texto — que o Espírito se conheçacomo Religião para ser religiosa. A exigência da demonstraçãoleva Hegel a descrever, por várias vezes, em função de qual dia-lética, aqui ou ali, a consciência (tomada individual e abstratamente)exige a representação do Absoluto em si e para si, nele se reconhecee se perde. Mas isso ainda não é a religião: esta só é pensável evivivel em função do Espírito, isto é, da consciência (apreendidaem sua individualidade abstrata) superada, em função da comuni-dade. Arte e Religião são as manifestações do Espírito enquantocaminha silenciosamente pelas sociedades e constitui sua unidadesecreta.

Contudo, o primeiro aspecto — a constituição do domíniopróprio da Religião — não pode ser negligenciado. E como logovamos chegar lá, toda a contenda referente ao `ateísmo" de Hegeldecorre do fato de que não se separaram suficientemente esses doisaspectos, ou de que, ao separá-los, considerou-se arbitrariamenteum dos dois como inessencial. Não se trata aqui de tentar apresentar,mesmo esquematicamente, o conteúdo das Liçães sobre a filosofiada religião, nem tampouco de pretender acompanhar suas articu-lações "histórico-lógicas'. Tomado filosoficamente, o devir das

religiões é o próprio devir do Espirito em sua imediatidade. Atravésdas experiências, da organização e do dinamismo das diversascomunidades "religiosas",a humanidade aprendeu, progressiva-mente, a se descobrir como espiritualidade, isto é, ao mesmo tempo,como já observamos, como sendo indissoluvelmente liberdade eracionalidade. A religião de um povo não é de modo algum sim-plesmente uma crença: é a expressão do conhecimento (e do graude conhecimento) que esse povo tem de si e de sua relação como mundo.

A mutação decisiva ocorre quando o Espírito passa das religiõesdeterminadas para a Religião absoluta. Hegel também chama asprimeiras de religiões étnicas: cada uma é própria a um povo, auma cultura histórica. A segunda é a Religião absoluta, consumada:nela Deus é manifesto; ele se torna efetivamente o que é em seuconceito.

A religião cristã é [..] a da verdade. Quando' se fala da verdade dareligião cristã, no sentido de sua exatidão histórica, não é esse osentido de gize se trata aqui, mas a verdade é seu conteúdo; pois elapossui, conhece a verdade e Deus tal como ele é. Uma religião cristãque não conhecesse Deus, na qual Deus não fosse revelado, não seriauma religião cristã. Seu conteúdo é a própria verdade em e para si,e ela é apenas isso, a existência da verdade para a consciência, domesmo modo que Deus nela é apenas espírito (antes manifesto, agoraverdade em e para si. — Sentimento — o contrário da verdade).Todavia esse conteúdo é o espírito, é a noção que é a realidadeabsoluta O Ser-ai, ofenómeno, o exterior, a objetividade, correspondeà noção e é apenas uma forma vazia da alteridade. A noção é inteiramenteo conteúdo da realidade. O próprio espirito é esse processo que consisteem atribuir-se essa aparência e afastá-la, em colocá-la como afastada,e nos dois celsos há revelação, pois essa aparência é a aparição deDeus. aparição infinita, que não é exterior a essa aparição.

A religião cristã é (também/ a religião da reconciliação do mundocom Deus, que. diz-se, reconciliou o mundo consigo.rs

A efetividade dessa reconciliação é a Encarnação, a Paixão ea Transfiguração do Cristo.

No ideal grego. principio da individualidade existia para a cons-ciência de si intuitiva. Deus se revela.. aos judeus como único no

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pensamento, não pelaintuição; é por isso que ele não é espíritoperfeito. Perfeito como espirito significa exteriorizar como infinitasua subjetividade; essa oposição absoluta é, no seu ponto extremo,um fenómeno espiritual, e um retorno negativo infinito ¡..j É umverdadeiro indivíduo, que não é como o ideal grego em pedra ou embronze, uma Individualidade ideal à qual falta a infinidade universalem epor si [..j.

Assim a Idéia existe, tendo de maneira imediata a mesma naturezaque os out ros homem, éflnitvde comum e como indivíduo igualmenteexclusiva paro si inteiramente outro, objetivo como todo sujeito parasi, mas de modo que os outras individuoa não sejam eles mesmos essaIdéia divina Esse indivíduo é único [..j. É a realidade que se concluiem individualidade imediata. O que há de mais belo na religião cristãé a transfiguração absoluta da finitude, que se tornou intuição, daqual cada um pode se dar conta e ter consciências

com a morte do Cristo, começa a conversão da consciência Essamorte é o centro em torno do qual tudo gira; sua compreensão faz adiferença entre a concepção exterior e a fé, isto é, a apreensão peloEspírito, segundo o Espírito de verdade o Espírito Santa SeguindoBisa comparação, o Cristo é um homem como Sócrates, um Mestrecuja vida foi virtuosa e que tornou o homem consciente do que é averdade em geral, do que deve formar a consciência humana Contudo,a consideração superior é que a natureza divina se revelou no CristaEssa consciência se esclarece pelar palavras citadas: Que o Filhoconheça o Pai; palavras que têm elas próprias uma cena universa-lidade, que a exegese pode encarar sob o aspecto geral, mas que afé, pela sua interpretação da morte do Cristo, apreende em suaverdade; pois a fé é essencialmente consciente da verdade absolutade que Deus é em e por st"

Mas a Encarnação tem um significado ainda mais prefimdo: aoposição abstrata da flnitude e do infinito é abolida:

Essa humanidade em Deus — seguramente a forma de humanidademais abstrata a maior dependência a última fraqueza o grau maisiieior da enfermidade — é amorte natural. Diz-se num cómicoluterano: Deus está mono; assim se exprimiu a consciência do hu-

mano, a fanitude a enfermidade, a fraqueza, a negação são ummomento divino, porque tudo isso está em Deus, parque a fininule, anegação, a alteridade não estão fira de Deus, e porque a alteridadenão é um obstáculo à unidade com Deus. A alteridóde, a negação, éconhecida coma um momento da natureza divina Nisso se desenvolvea mais sublime idéia do Espdrito.76

É em torno dessa superaçio que se constitui a consciência dacomunhdo religiosa:

... A Comunidade é o Espírito existente, o Espírito em sua existência.Deus «infindo como comunidade. A Idéia existe a principio para siem sua simples generalidade que ainda não progrediu até o julga-mento, até a alteridade, ainda mão desenvolvida—é o Pai. Em seguidavem o particular, a Idéia fmmmenalirada — o Filho: Na medida emque o primeiro fator é concreto, a alteridade está aí seguramentecomida A Idéia é a vida eterna a eterna oração; mas o segundoelemento é a idéia na exterioridade, de modo que a aparição exteriorse torna, inversamente, o primeiro elemento, como sendo a Idéiadivina, a identidade do divino e do humano: A consciência de Deuscomo Espírito vem em terceiro lugar. Esse Espirito, em sua existênciae realização, é á comunidade. Ela começa pela existência da verdade,da verdade conhecida, existente; e essa verdade é o que. Deus e queele é um em três pessoas, que ele é a vida, o processo dele mesmoem si, a determinação dele mesmo em si. O segundo lado dessa verdadeé que ela se manifestou se relacionando com o sujeito, existindo paraele, e que o sujeito tem com ela uma relação essencial e deve tornar-seum cidadão do Reino de Deus. Isto supõe que o sujeito deve se tornarum filho de Deus, porque a reconciliação se fez em e para si na idéiadivina, porque ela se manifestou em segundo lugar e porque doravantea verdade está assegurada aos homens. A certeza é o fenómeno, aIdéia que aparecendo, se mostrando, chega à consciência O terceirolado é a relação do sujeito com essa verdade, o sujeito, enquanto serelaciona com ela, chega a asa sanidade consciente, torna-se dignodela' a cria em si e se acha repleto do Espírito divino. Esta é a noçãoda comunidade em gera, a Idéia que nesse sentido é o processo dosujeito em si e lhe diz respeito, do sujeito que é acolhido no espirito,que é espiritual de modo que nele habita o Espírito divino. Essa puracomciéncia de si do sujeito é também a consciência da verdade, e apura consciência de si que sabe e quer o verdadeiro é o Espiritodivino nela"

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Assim, como cristianismo que, sob atripla relação do conceito,da representação e do culto, realiza o Ser em si e para si em suaimediatidade, a religião se consuma. A partir daí, as religiõesdeterminadas ou "étnicas" — graças às quais pouco a pouco seconsolidou a humanidade em sua experiência do Ser infinito — setornam inteligíveis, cada uma em seu conteúdo singular e, umas eoutras, nas suas relações dinâmicas respectivas. Observemos aquique Hegel não se limita a construir uma história das religiões —segundo o conceito que utiliza para definir a história, e que exa-minaremos em breve —; ele faz alusões constantes às concepçõesda religião que lhe são contemporâneas, desenvolvendo uma criticasistemática. Para ele é a ocasião de se opor às interpretações, muitasvezes prematuras e pouco filosóficas, que seu tempo desenvolve,á porfia, contra as análises simplifcadoras do Aag*ldrung.

Houve primeiro as religiões da natureza: "O espirito aindaestá em umidade com a rmtarza... a divindade é em toda a piare oconteúdo; mas aqui é Deus na vaidade natural do espiritual e donatural; o modo natural é o que determina essa forma religiosas"A esta fase pervencem a magia direta ou indireta, e a antiga religiãoda China, a do Tao. Esta última já representa um progresso, vistoque aflora af, no seio das superstições mais comuns, a presença deuma entidade universal.

As religiões que Hegel designa como religiões da substancia-lidade formam o segundo estágio desse primeiro momento: budismoe bramanismo são analisados. O terceiro estágio é o da subjetividadeabstrata: a divindade se dissocia da substancialidade e se concebecomo princípio espiritual, como Bem que se opõe à exterioridadenatural e-triunfa _. é a vitória de Ormuzd, a luz, sobre Ahriman,as trevas, no culto dos parles —; com a religião egípcia, o princípiose 'torna representação ou, melhor ainda, símbolo. Assim:

A história de Osiris... é a história interior essencial do ser naturalda natureza do Egito, que compreende o sol, sua trajetória o Nilo,o prinNpio da fecundação e o princípio da mudança da transforma-ção. A história de Osiris é, em conseqüência, a do sol. Este se elevaaté seu ponto culminante, depois valia para trás. Os raios, sua forçaexaurem-se, mas após esse esgotamento, esse enfraquecimento, elerecomeça a elevar-se, e renasce. Osiris significa o sol, e o sol, OsirisO sol é compreendido como movimento circular, e o ano como umsujeito percorrendo espontaneamente esses diversos estados. Em Osi-

ris, a natureza é compreendida de modo a simbolizar Osiris. Osirisé o Nilo que se avoluma fecunda tudo, transborda, e torna-se pequenoe fraco com o calor — e aqui representa o principio nefasto — masque em seguida recupera suas forças. O sol, o ano e o Nilo sãocompreendidos como movimento circular, retornando sobre si mesmo.Os diferentes aspectos dessa trajetória são representados como mo-mentos independentes, como deuses particulares que simbolizam cadaUM deles um aspecto, um momento dessa trajetória É correto dizerque o Nilo é o princípio interior, que o sol, bem como o Nilo significamOsiris, e que os outros deuses são divindades do calendário. 9

Essa forma primordial, mas exterior, de existência, é expressana obra de arte, nessas construções grandiosas e maciças edificadaspela comunidade. Porém, como subjetividade permanece nela noestágio abstrato da representação, ela mal consegue se desprenderda substancialidade natural; não tendo uma consciência clara desi, manifesta-se na "linguagem muda dos monumentos de pedra".O que ela oferece é um enigma:

A inscrição no templo da deusa Neith no Baixo-Egito se enunciaassim: 'Eu sou o que foi, o que é, o que será; nenhum mortal ergueuainda meu véu, o fruto de meu corpo é Hélio.' Esse ser ainda ocultoproclama a claridade, o sol, a consciência clara de si mesmo; o solespiritual como o filho que nascerá dele.

É essa claridade realizada pelas formas religiosas que devemosexaminar agora, isto é, a religião da beleza, ou religião grega, e areligião do sublime, ou religião judia. O enigma aí se acha resolvido;um mito significativo e admirável nos mostra a esfinge morta por umgrego, e o enigma é assim decifrado: o conteúdo é o homem, o espíritolivre que se conhece."

O segundo estágio da religião determinada (ou étnica) vailevar a cabo a cisão do natural e do espiritual; distingue-os sejapara rejeitar a natureza ao lado do nada, para fazer da divindadea única realidade, seja para recombiná-Ias conscientemente, nabeleza, sob a própria égide do homem. O judaísmo, de um lado,o helenismo e sua repercussão romana, do outro, constituem osmomentos dessa religião da espiritualidade abstrata. Na análise que'consagrou a isso, Hegel reorganiza todos os materiais de seustrabalhos de juventude. Mostra como cada um desses povos de-

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senvolveu, abstrata e unilateralmente, um dos dois aspectos quevão permitir a manifestação da religião absoluta O judaísmo com-preendeu a divindade como realidade e liberdade infinitas, infini-tamente à distancia do homem; mas este foi entregue à sua finitudeculpada; os gregos compreenderam a necessidade da mediação;conceberam-na como se dando somente na equivoca infinitude daobra de arte (ou da obra política particular); quanto ao verdadeiroinfinito, eles o abandonaram ao mistério do Destino. A romanidaderecolhe essa concepção e, mais abstratamente ainda, desenvolve-a,preparando, pela sua aspiração universalista, o caminho do cristia-nismo, mas a ele se opondo também, em razão da visão abstratae superficial que ela tem do homem e da divindade.

Assim, "durante milhões de anos, o trabalho do Espírito con-sistiu em realizar a noção da religião. e jazer dela o objeto daconsciência°".-0 que é a Religião em sua essência, o que é Deus,e como deve ser conhecido, doravante o sabemos. A história dopré-cristianismo e a do cristianismo nos informam. Dito dessaforma, peece afinal que esse conhecimento da religião (e de Deus)constitui e próprio Saber absoluto. Hegel não declara guerra aospensadores do AugMarung, que conceberam todas as religiões pri-mitivas como superstições, que criticaram a fé em nome das "lu-zes", e tentaram, contra todo bom senso, elaborar um substitutopara esse conteúdo concreto: a realidade do culto, os quadros vaziosda "religião natural"? Não escreve ele que

o Autklãmng, essa presunção do entendimento, é o adversário maisvirulento da Filosofia; não entende quando esta mostra o que estácerto na religião cristã, quando jaz ver que o testemunho do espíritoda verdade está depositado na Religião. j por isso que a Filosofiadeve mostrar a Razão contida na Religião?"

Não determina, um pouco mais à frente, que

a filosofia oferece asa reconciliação (entre a Religião e a Filosofia);nesse sentido, é uma teologia, apresenta a reconciliação de Deusconsigo mesmo e com a natureza estabelecendo que a natureza, aalterldade, é em si divina e que o espírito finito deve em si mesmoelevar-se à reconciliação, realirá-la na História universal. ^E.ssa re-conciliação é a paz divina que não é superior a qualquer razão, masque é conhecida pensada e reconhecida como verdadeira, divina pormeio da razão?"

Surge aqui, seguramente, o problema do ateísmo de Hegel!Essa questão se complicou ainda mais depois que marxistas eantimarxistas a associaram, na maioria das vezes inabilmente, coma questão de sua atitude política. Na verdade, a única questão áqual se pode tentar responder legitimamente é essa — que deixade lado as disposições subjetivas de G.W.F. Hegel, cujo interesseé apenas anedótico —: Podemos considerar que existe no sistemahegeliano coincidência ame a religião que conseguiu alcançar oconhecimento de si e o Saber absoluto? A resposta é evidentementepositiva. Os textos estabelecem a validade dessa equação: Religiãocorretamente conhecida= Saber absoluto. Mas é aqui, precisamente,que se introduz a diferença, que é fundamental: o status da Religiãoé a imediatidade do Ser em si e para si. A religião consumamesmo que desenvolvesse, como teologia, por exemplo, demons-trações fundadas na mais elevada reflexão, permanece no imediato.Ela não poderia se conhece corretamente. Desde o momento emque se conhece como convém, perde sua imediatidade, deixa deser ela mesma: toma-se Ciência filosófica.

Como salienta admiravelmente A. Kojève, o plano da Feno-menologia do espírito sofre, no capítulo VII, uma distorção ines-perada. Enfim, tudo se consuma no fim do capítulo VI, consagradoà dialética da "bela alma", para que advenha o Saber absoluto.Nesse exato momento há uma mediação suplementar: o capitulointitulado "Religião", que analisa as "ideologias históricas". Eeste capítulo é necessário: o homem da "bela alma", que foisuperado, permanece abstrato; está fora da comunidade ética; aqueleque deseja se lembrar do passado da humanidade para compreender,através do que se tomou, o que é o Espírito — projeto explicitoda Fenomenologia do espírito — deve conhecer a progressão in-consciente que se exprime na Arte e na Religião. Arte e Religiãotêm por função — no cerne do empirismo lógico-histórico de Hegel— evidenciar o fato de que, ao lado das "ideologias" filosóficase a um nivel mais profundo, sem dúvida, o Pensamento desenvolveInconscientemente, por assim dizer, suas figuras.

É isso que desconhece o AuJkldntmg, que, absurda e arbitra-riamente, considera inessencial tal forma de arte ou tal conteúdoreligioso. A Arte e a Religião têm a verdade. São o caminho doEspírito, do Ser em si para si. Chegamos ao fim. O caminho, peloqual era preciso passar, foi deixado pata trás. É sobretudo umcaminho, não uma parada. Salientou-se muitas vezes — para in-

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A VIDA HISTÓRICA 123122 HE(]EI

dignar-se com ele — o pessimismo profético que Hegel manifestaem relação á Arte:

Respeitamos a Arte, a admiramos; apenas não vemos mais nela algumacoisa que não possa ser superada a manifestação intima do Absoluto,nós a submetemos à análise de nosso pensamento, e isso não com aintenção de instigar a criação de obras de arte novas, mas sobretudocom a finalidade de reconhecer a função da Arte e seu lugar noconjunto de nossa vida

Os belos dias da arte grega e da era de ouro da Idade Médiaavançada se acabaram. As condições gerais do tempo presente nãosão muito favoráveis à Arte. O artista não está apenas desconcertadoe contaminado pelas reflexões que ouve formular cada vez mais altoem torno de si, pelas opiniões e pelos juizos vigentes sobre a Arte,mas toda nossa cultura espiritual é de tal ordem que lhe é impossível,mesmo com um esforço de vontade e decisão, abstrair-se do mundoque se agita ao seu redor e das condições em que se encontra inscrito,a não ser que refaça sua educação e retire-se deste mundo, numasolidão erm que possa reencontrar seu paraíso perdido.

Sob estes relatos, a Arte continua sendo para nós, quanto à suosuprema destinação, uma coisa do passado. Por isso, perdeu paranós tudo o que tinha de autenticamente verdadeiro e vivo, sua realidadee sua necessidade de outrora, e se encontra agora relegada à nossarepresentação"

A Religião está na mesma situação, mas em um nível superior.Também é uma coisa passada. Não façamos uso, de uma maneiraque seria insultuosa, aliás, do pensamento de Nietzsche — que sesituava numa perspectiva diferente —. da expressão de Hegel quecitamos poucas páginas atrás. "Deus está morto". Quem viu algumavez um conceito morrer? Deus, síntese imediata do Ser em si epara si, do finito e do infinito, deve ser colocado em seu lugar naordem do Saber, como síntese imediata, isto é, parcial. Devemosresolver isso: o sistema hegeliano — o mesmo se dará mais tarde,com outras legitimaçães, com a ciência de Marx — não é sequerateu. O Saber absoluto está, decididamente, além das oposiçõesabstratas da metafisica.

Em suma, a tarefa da Ciência filosófica é, como indicam emseu último parágrafo as Lições sobre afnlosofta da religião, mostrar"que ainda existe verdade nu religião", e estabelecer "que nela.se encontra razão"'".

A família, a sociedade e o EstadoA Ciência filosófica — o Espirito absoluto —

é a unidade da Arte e da Religião. na medida em que a intuição,exterior de acordo com a forma, da arte, cuja produção subjetivadispersando o conteúdo substancial em numerosas figurações inde-pendentes, é compreendida na totalidade da Religião, cuja divisãome se desenvolve, bem como a mediação dos momentos desenvolvidosm representação, são não somente reagrupadas num todo, mas aindaunidas na simples intuição espiritual e elevadas em seguida ao pen-samento consciente de si mesmo. Essa ciência é assim a noção daArte e da Religião reconhecida pelo Pensamento no qual o que estádisperso no conteúdo é reconhecido como necessário, e essa neces-sidade reconhecida como livre. Por conseguinte, a Filosofia pode sedefinir como o conhecimento da necessidade do conteúdo da repre-sentação absoluta assim como da necessidade das duas formas, deum lado da intuição imediata e de sua poesia da representação quepressupõe da revelação objetiva e exterior, do outro, primeiramente,do regresso subjetivo em si. depois do movimento subjetivo em direçãoaofim que é a identificação da .# com a pressuposição. Esse conheceré pois o reconhecimento desse conteúdo e alo forma; uma libertaçãoda exclusividade das formar, bem como a elevação destas à formaabsoluta que se determina ela mesma pelo conteúdo, permanece idên-tica a ele e se descobre ser o reconhecimento dessa necessidadeexistente em si e para st Esse movimento, que é a Filosofia, já secominou quando em vias da conclusão ela apreende sua próprianação isto é, lança apenas um olhar para trás sobre o seu saber."

Com a Ciência a filosofia se consuma. O Espirito, operandona História, e a Cuhura que. nas manifestações artísticas e religiosas,é em si e para si, se conhece em si e para si. O projeto do Saberabsoluto se realiza não apenas enquanto todas as modalidades doSer e do Pensamento (do Discurso) estão presentes em seu respec-tivo lugar. mas ainda enquanto a Ciência determina, a cada um deseus momentos, seu processo de constituição. Hegel poderia pararpor ai: pois não há outra prova, nesse domínio teórico — jáenfatizamos — a não ser o desenvolvimento da própria teoria. AFenomenologia do espiritojá oferecia como prova de sua validadeo fato lógico de sua auto-suficiência: se quisermos "ir além do"

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último capítulo, reencontraremos, fatalmente, o primeiro; do mesmomodo, a Ciência da lógica apresenta-se como totalidade fechadaque engloba, em seu sistema, todas as categorias possíveis do Sere do Discurso.

No entanto, essa. "prova" lógica não basta para Hegel (ele seinterrogará sobre a significação desse escrúpulo). Ele a comple-menta com uma "prova" histórica: pois, escreve desde 1807, "de-vemos estar convencidos de que é da natureza do verdadeiro pe-netrar quando chega seu tempo, e de que ele só se manifesta quandochega esse tempo"". A verdadeira justificação" consistiria, eleespecifica, "em mostrar que nosso tempo é propício à elevação daFilosofia à Ciência". Em suma, se .é logicamente possível provarque as deslocações do Ser e do Pensamento e, por conseguinte,que a identidade profunda destes últimos são a partir de entãoconhecidas, é porque o devir real do Espirito chegou a um estágiotal que essa demonstração se impõe. Ao critério interno de validade,acrescenta-se um externo: o trazido pelos Princípios da filosofiado direito e pelas Lições sobre a filosofia da história.

Oferecemos, desde já, a solução indicada pelo Prefácio daFenomenologia do espírito: se agora é possível consumara Filosofiae "superá-la" com a ciência, é porque o mundo moderno viu surgirum modo de organização social, o Estado, que começa a se conhecerem sua verdade. Mais precisamente, com a Revolução francesa, oImpério napoleônico e a nova ordem que um e outro, de bom oumau grado, impuseram às sociedades civilizadas, engendrou-se umaprática do Estado que apreende apenas confusamente seu sentido,mas que oferece ao pensamento a possibilidade de definir a essênciado Estado, isto é, o lugar onde Razão e liberdade se identificamefetivamente. A equiparação da Razão e da liberdade é a condiçãoda realização da Ciência. O homem, "sujeito" da Ciência, isto é,depositário lúcido da racionalidade é prefigurado, de algum modo,pelo cidadão consciente do Estado moderno que, livremente, quera Razão como garantia por excelência de sua liberdade.

A teoria política e a filosofia da história, que a conclui, são ocoroamento da obra hegeliana Os Princípios da filosofia do direitoprovam, caso haja necessidade, a eficácia teórica dos princípiosestabelecidos na Ciência da lógica. No entanto, mesmo que seaceite, de boa vontade, a Estética (que cumpre as mesmas nomes"metodológicas"), é a respeito desse texto que se manifestam asmaiores reservas. Muitos são os marxistas que — desconhecendo

o que Marx escreveu" — identificam al uma apologia da "amo-cracia prussiana", e logo se indignam, confundindo levianamentea situação em que se encontrava Hegel em 1820 com a que viviaMarx em 1845; os liberais o consideram uma expressão do fana-tismo esteaste do qual os filósofos Platão e Hobbes já haviam dadoversões deploráveis. Éric Weil e Eugéne Fleischman 90 —em obrasde um rigor e de informação notáveis, as quais nos permitimosusar abundantemente no que se segue e às quais nos remetemos— mostraram, de uma vez por todas, a improcedência dessasimputações. Não retomaremos a esse ponto.

Os Princípios da filosofia do direito analisam a liberdade realque é, ao mesmo tempo, a condição de possibilidade do saber esua realização. O homem é livre: esta proposição não precisa serdemonstrada. Foram necessárias todas as banalizações psicologistasdo século XIX para que se pudesse colocar, com uma aparência

,de seriedade, essa questão da liberdade. Pois não se trata de saber,como já fizera a concepção de Descartes, Spinoza e Kant, se alguém,quando agiu assim e não de outra maneira, teria podido fazê-lo deoutra maneira: problema insignificante, que resulta do desconhe-cimento do status da empina, e que confunde o trabalho filosóficocom o do policial que tem de instruir um processo. O homem élivre, isso significa que ele pode querer e que seu próprio desejo,que parece estar submetido às forças da determinação animal, jáse constituiu, enquanto tal, como desejo humano. A célebre —demasiadamente célebre — dialética do senhor e do escravo daFenomenologia do espírito, à qual se quis reduzir com demasiadafreqüência todo o hegelianismo, estabelece apenas uma coisa: o"arbitrário" do homem, sua necessidade, não se satisfaz apenascom a aquisição de seu objeto. Ele impõe esse objeto como objetode sua satisfação. Exige uma ordem, uma legitimação: e o fazreconhecer, mesmo que seja pela violência! Seu desejo se constróicomo vontade: a prova disso é que ele está disposto a morrer —isto é, a anular a fonte de todo desejo — para nxlizá-la. Esse é ostatus do Espírito, da humanidade ou, ainda, da cultura. Em suma,Hegel; acima de todas as discussões sobre o livre arbítrio individual(discussões que só têm sentido no âmago dos sistemas que intro-duzem dogmaticamente uma oposição entre a subjetividade empí-rica, reduzida à consciência que tem de si mesma, e qualquertranscendência: Deus, Natureza ou Sociedade), repete o que afilosofia não parou de dizer: que o homem não é um animal, e que

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peio menos se tem prova disso, ao saber que a distinção do homeme do animal é humana, e não animal.

O problema é pois determinar não se o homem é livre, masem que condições o é. Pois a liberdade não é um ideal, mas umfato. Importa definir as modalidades efetivas nas e pelas quais odesejo humano fazendo-se vontade se realiza, isto é, realiza umconjunto de atos que lhe trazem -o que ele visa: tomar-se efetiva-mente vontade livre. Os teóricos do "estado da natureza" que.como Hobbes, por exemplo, compreenderam isso como reino doarbitrário, viram as coisas corretamente. Só cometeram este únicoerro — que aliás invalida toda a sua demonstração — de abstrai-lo,isolá-lo como fato originariamente irredutível. Ser que deseja, queestá às voltas com a necessidade, o homem possui não apenas seupróprio corpo, mas ainda o "direito" de querer o que pode assegurarsua sobrevivência. Não há outro limite para sua liberdade a nãoser a sua potência. Tendo um corpo, ele usa "legitimamente", aseu grado, esse corpo e os bens que o satisfazem. Em si, a liberdadese constitui no modo do ler, da posse. Mas a rigor a posse éprecária. Só se torna propriedade se for garantida. A esse nível daanálise, o Rousseau do Contrato social está, ao mesmo tempo,certo e errado. Errado: não existe outro direito senão o que envolveo desejo; certo: a satisfação duradoura do desejo remete a umdireito que é diferente do "direito de fato", isto é, a uma ordemque só é verdadeiramente ordem enquanto transcendente ao queorganiza. Em suma, a posse — cujas modalidades são tanto aocupação quanto a "transformação" (o que Locke já havia deter-minado) — só se constitui em propriedade quandvsta última seinstitui em contrato.

Só ha propriedade quando reconhecida. O contrato é a verdade(a essência) da liberdade tomada em si. A esse nível, portanto, aliberdade se realiza apenas se o ter no qual ela tem sua efetividadeencontra uma legitimição num direito: o direito privado ("priva-do", no momento, pela verdade que lhe dará, segundo Hegel, ouniversal concreto: o Estado). Contudo o fazer intervém: um dosmeios de possuir é transformar, trabalhar o material dado. O próprioagente, ao mesmo tempo, se transforma a si mesmo. Experimentaabstratamente sua liberdade como capacidade de transformação.Fazendo, faz-se. Assim, na Fesomenologia do espírito. o escravo,condenado à atividade material por seu status de homem que, tendosentido medo de perder a vida se comportou como um animal,

redescobre, dialeticamente, sua humanidade na relação ativa como mundo das coisas que lhe é imposta. Esse é,. entretanto, o nívelmais baixo da realização da liberdade: resulta apenas numa liber-dade abstrata, formadora, sem dúvida, mas reduzida à estagnaçãoe à repetição. Observemos, em relação a isso, que parece muitoestranho o "marxismo" que viu, não apenas na dialética do senhore do escravo, mas também na significação do trabalho servil, ummodelo que teria servido a Marx na elaboração de sua teoria sobrea luta de classes. Segundo Hegel, a réplica espiritual do modo detrabalho imposto pela dialética do senhor e do escravoé o estoicismoe sua superação, o ceticismo. Seria surpreendente que Marx, bomleitor de Hegel, tivesse de repente conferido ao trabalho em geral,seja ele qual for, um valor formador. Não parece, aliás, que tenhadito isso. Para Hegel, bem como para Marx, o trabalho, tomadocomo tal, ao nível da propriedade privada possuída ou usurpada,não produz nada — nem virtude nem conhecimento —, a não sero que fabrica: um objeto "abstrato" na medida exata do processo"abstrato" que o engendra. É preciso decidir-se: o segredo davalidade do conceito de luta de classes não se encontra na dialéticado senhor e do escravo da Fenomenologia do espirito, à qual Ilegalatribula, aliás, apenas um alcance limitado, como o atestam tambémos textos dos Princípios da filosofia do direito.

Pois não é possível ater-se ao direito privado. Este, sem dúvida,envolve o contrato, isto é, uma ordem que vai além das relaçõesempíricas. Ainda assim, a natureza do contrato é determinada peloobjeto do próprio contrato: a posse pretendendo-se propriedade..1.-.1. Rousseau já observara isso: não soube tirar as conseqüências.Tentou pensar a relação social em termos contratuais. Quis conferirdignidade á relação contratual, tão obcecado estava pela idéia datolice ineficaz da violência. Só fez generalizar, fundando — vo-lera-nolens — a teoria segundo a qual participam da sociedadeaqueles que, de alguma maneira, são proprietários. O direito privado— ao qual não se poderia conferir nenhum valor, nem tradicionalnem racional (nem Haller, nem Rousseau) — é arruinado por umacontradição que o invalida. Nenhuma universalização o salva.

Ele tende, de fato, a realizar a liberdade, o ser mesmo dohomem, mas só consegue isso instituindo um ter, definindo o queo homem é pelo que ele tem. Essa inconseqüência manifesta-seassim que se coloca o problema do delito e da punição. O contratonão protege efetivamente contra a injustiça: limita-se a defini-la.

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Estipula que aquele que não o respeita, voluntária ou involuntaria-mente, deve ser punido. O tribunal tem por função determinar odelito e a pena Ora, a ação do tribunal só pode ser violenta. Paramanter a paz que deve reinar entre proprietários que se reconhecemuns aos outros em sua posse legítima, ela introduz a força. Não hádireito de propriedade sem direito de punir, já nos salientara Locke.Ora, a punição aplica-se ao próprio ser do criminoso: atinge sualiberdade; atenta contra ela Supõe com isso que o direito confereao indivíduo o status da pessoa; mas quando esta é reduzida a seuter, ela se empenha em confiná-la em seu status e não apenas emsua exteriorização.

A verdade do direito privado é a lei de talião; ficando nessaordem, corremos o risco de conceber a relação social como sucessãoindefinida de "revanches e vinganças""'. Trata-se de uma ordemabstrata, que admite apenas uma universalização formal, feita deparcialidades e contradições. A transcendência do direito—verdadeda propriedade e de seus corolários, o contrato e o delito — é umafalsa transcendência, que só faz confirmar elementarmente essedado incontestável, mas inconsistente: todo homem pode tomar oque, correspondendo a suas necessidades, se encontra nos limitesde se poder de "ocupação" e "transformação", entender-se pro-visoriamente com os que reconhecem tal "direito", e instituirtribunais com o poder efetivo de impor essa organização. A paz .assim determinada, que tem como única função tornar aceitável aviolência inicial da tornada de posse, tem como único fundamentoa força, isto é, o poder dos "proprietários"..

O império do direito privado só ilusoriamente é o da liberdade.A partir daí, esta reflui para si, compreende que tem de ser elamesma seu próprio fundamento e que erraria em buscar fora de sio princípio de sua legitimação. À exteriorização na propriedade,no `ter", se opõe logicamente a interiorização moralista. Esta é anegação abstrata daquela: doravante, é em si mesmo, como subje-tividade, que o sujeito se constituirá como ser livre. No entanto,é bastante claroque a emparia desmente essa exigência O "sujeito"de que se trata aqui não é o lugar mesmo onde se exercem asdeterminações as mais confusas e contraditórias? É isso pelo menoso que é confinado não apenas pela experiência corrente, mastambém pelas constatações daqueles a quem denominamos preci-samente "moralistas": a subjetividade é o domínio da paixão. Defato, seria absurdo negá-lo. Mas aceitá-lo também o seria E preciso,

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apesar da empina, que o sujeito seja livre (senão, não é maissujeito): deve sê-lo...

- Não é o ser que o moralismo — trata-se aqui evidentementeda filosofia prática de Kant — opõe ao ter, mas o dever-ser. Ohomem deve ser livre; deve se querer agente de sua conduta, devereivindicãr, ao menos na qualidade de possibilidade, a autonomia,isto é, a livre determinação de si. Somente desse modo, a liberdade— que não é nem recusada nem concedida, mas a ser conquistada,imposta — guarda uma significação. A análise hegeliana da "mo-ralidade" kantiana ê impiedosa: estabelece que a Critica da razãoprática, embora recuse o sentimentalismo do A4kletrarg, aceitasua concepção de conjunto e só chega à razão batizando de "razão"o que é apenas o "coração" abstratamente elevado ao nível deprincípio formal; estabelece, contra os românticos — eles própriosnegação abstrata dos discursos kantianos e chantres de uma sub-jetividade critica que se pretende princípio de toda realidade —,uma argumentação que os defensores contemporâneos do "niilis-mo" deveriam levar em conta.

Ainda assim, seria errado assimilar a"disposição" hegelianado sistema moral de Kant às refutações produzidas pelo "moralismoativo", e que tomam como tema a fórmula estúpida segundo a qual"Kant tem as mãos limpas, mas só porque não tem mãos". Trata-se,para Hegel, na lógica da liberdade constituída pelos Princípios dafilosofia do direita, de compreender a situação da moral. A morale sua doutrina — o "moralismo" — são uma peça essencial dosistema. Não é o caso de relutá-los: é o caso de compreendê-los,isto é, definir sua função dentro desse conjunto estrutural que é oEspirito. Em outros termos, é necessário que o homem moderno,que se experimenta como subjetividade, passe pelo "estágio kan-tiano" e decida-se pela liberdade (como teve de passar pelo "estágiojurídico": será concebível uma sociedade em que qualquer umtome de qualquer outro qualquer coisa em quaisquer circunstân-cias?). Ele deve se pretender autônomo. O que assinala Hegel, eque é decisivo, é que ele não pode conseguir isso nas condiçõesdefinidas por Kant. O conceito de autonomia é essencial (e não éo caso de pilheriar sobre sua eficácia empírica): a censura a serfeita a Kant é por não ter definido as condições de uma autonomiaefetiva, de ter acreditado que a autonomia é, antes de tudo, daesfera do sujeito abstrato, que deverá reunir-se, em seguida, aooutro na ordem da sociedade dos espíritos.

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Os "juízos" da `bela alma" romântica que ora se apaixonapela Revolução Francesa, ora condena seus excessos; são umaconsegãênciadessa atitude; "julgam" sob o prisma da subjetividadeque, seja lã o que queira, é levada pela contingência de seu pontode vista empírico. O fato é que o homem — que quer a liberdade— pertence a uma família, produz e consome entre outros produ-tores e consumidores, age politicamente, de uma maneira ou deoutra, no âmbito de um Estado.

Sem moralidade subjetiva (Moralitdt), a moralidade objetiva(Sittlichkeit) está, pelo menos na situação atual, sem fundamento(o que quer dizer: o cidadão deve ser "moral"). Mas, inversamente,sem a Sittlichkeit, a moralidade permanece abstrata e sem função(o que significa: não há "salvação moral" sem efetividade "polí-tica"). A moralidade objetiva ou concreta, a existência de comu-nidades humanas que não esperaram a reflexão filosófica paradeterminar as regras de seu funcionamento, são o lugar real daliberdade, aquele onde a liberdade ê confrontada com seu poder ecom seus limites. A esse nível é que o exame do ato livre, que emfilosófico, torna-se científico. Dirá então não o que deve ser, maso que é (e dirá também como o que é implica, na qualidade decondições reais, embora superadas, o que deve ser, jurídica emoralmente).

.O que é, primeiramente, é a família Nela, a vontade se encarna:a subjetividade impõe, por sua plena vontade, limites a seu desejoe se dá obrigações. Ela troca essa limitação por um direito depertinência, o direito de "fazer parte" de uma coletividade tantomais capaz de "reconhecimento" quanto mais restrita e que aparececomo fundada em sentimentos naturais. O em si da família desen-volve-se, por si, no casamento e atualiza-se no patrimônio, bens efilhos. Os filhos? É da essência deles não permanecerem comotais. A instituição da família dura, como fona; não tem outroconteúdo a não ser essa forma. Ela só assegura o reconhecimentoexigindo dois dados contingentes, o sentimento frágil do amor e arealidade parcial, precária se a tomamos em sua parcialidade, depatrimônio.

De fato, não existe a família, mas as famílias que se organizamem meio á luta pela subsistência. A existência da família remeteàquela da Sociedade civil, isto é, na terminologia hegeliana, àordem de produção dos bens visando assegurar a sobrevivênciados homens. Hegel foi um leitor atento dos trabalhos dos econo-

mistas ingleses.°` Na perspectiva que estes definiram, ele analisao homo oeconomicus e o status de sua atividade específica, isto é,o trabalho. Põe em evidência o fato — já assinalado — de que otrabalho tomado em sua generalidade abstrata (o que já fazia aFenomenologia do espírito) pode ser considerado como formador,mas que jamais é ativo genericamente, que toda atividade laboriosaeficaz envolve uma divisão do trabalho, isto é, uma distribuiçãodas tarefas contendo ao mesmo tempo a ordem e a desordem, osistema e a contradição, a igualdade formal e o antagonismo real.

A motivação efetiva do honro oeconomicus é o interesse. Asociedade civil é o sistema instável onde funcionam livremente asatisfação das necessidades egoístas. O homem em sua individua-lidade — aquele do humanismo metaflsico — exprime sua forçacriadora. Não é senão o que faz, entra formalmente em relaçãocom todos os outros: sua atividade é função da atividade de todos.Todo trabalho "privado" é um trabalho "público". Adam Smithenfatizara essa harmonia "exterior" dos produtores que, buscandocada um seu interesse pessoal, contribuíam para o bem geral. Maso que ele não viu é que, aqui e agora, um aqui e um agora queduram, cada indivíduo "atomizado" e submetido ao único princípiodo interesse não pode deixar de constituir-se como adversário detodos os outros. No interior de cada oficio instala-se o conflito;entre as profissões, desenvolve-se a concorrência; no âmago dasociedade, classes opõem-se, aquelas às quais a contigência histó-rica deu a posse dos meios de subsistência e , aquelas que, naprivação, são apenas o que fabricam.

A última fórmula que acabamos de empregar poderia deixarsupor que uma parte importante da obra de Marx já está na deHegel, pelo menos nos Principias da filosofia da direito. Na ver-dade, compreender os textos dessa maneira é alterar sua essência.Hegel não é marxista nem pré-marxista. Legatário universal dacultura ocidental, administra genialmente as produções dela: nelaintegra a nova economia, como fato e como ideologia. Acentua aspositividades e as contradições da civilização industrial nascente,usando um vocabulário herdado do Aufldmnmg. Descobre, a partirde Adam Smith, o homo oeconomicus, mas não chega, para pen-sá-lo, a superar os esquemas oferecidos pela tradição política, deAristóteles a Montesquieu e a Rousseau.

Ainda assim, define a contradição própria a toda organizaçãosocial que quisesse compreender-se unicamente como Sociedade

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civil, isto é, como "sistema" dos interesses individuais. Um sistemaassim, que anuncia o êxito a cada um,reserva a todos o conflitomortal. A Sociedade civil é o lugar onde s liberdade real, que seacredita enfim atingir mais seguramente, se perde e se dissolve nosatalhos estéreis do interesse. O económico não é a verdade dohomem. Nele, a liberdade, que se alienou no ter congelado doproprietário ou na intenção abstrata do sujeito moral, torna-se atoefetivo; fabrica-se um mundo (uma transformação do mundo dado)que, respondendo primariamente ü necessidades, atesta secunda-riamente o poder que o homem tem de constitu ir-se a si mesmo,através dos produtos que manifestam simultaneamente sua potênciaindefinida e suas limitações históricas. A nível do econômico, aliberdade não se toma ainda o que ela é, ou seja, razão.

É no e pelo Estado que a humanidade se realiza. Que Estado?O "realismo" hegeliano mantém-se aqui, num domínio onde ge-ralmente triunfam a.reivindicação e a utopia. Pois não se trata dedar o "saltorodesiano" de edificar unia destas construções soberbasque desde Platão estorvam e excitam a imaginação política. OEstado que realiza a liberdade efetiva é o Estado que enlate, quefunciona sob nossos olhos e que temos apenas de conhecer em suaessência e em seu funcionamento. Voltemos aqui a um ponto quejá assinalamos: esse "realismo" foi com demasiada freqüênciacompreendido como apologia do fato consumado, isto é, da mo-narquia prussiana dominante na Alemanha,, e da Santa Aliança Demodo algum 4 necessário, a esse exato nível, referirmo-nos aostestemunhos de Marx e Engels. Besta consultar os textos "enga-jados" de Hegel — o comentário aos debates sobre a constituiçãode Wurtemberg (1815-1816) e as observações abordando o Re-form-Bill inglês, publicadas no mesmo ano da morte do filósofo— para assegurar qua ele foi um liberal — numa época e numpaís onde não era exatamente cómodo sê-lo nem mais nemmenos que um liberal.."

Não dizem outra coisa, aliás, os Princípios da filosofia dodireito. A. mensagem que transmitem foi bastante subvertida, eesqueceu-se demasiado rápido de que a defesa do Estado moderno,isto é, do Estado que repousa na centralização governamental eadministrativa, na competência dos administradores e na garantiada liberdade privada dos cidadãos, contradiz o Estado existente (enão-real). A Grfl-Bretanha (parlamentar) e a França (napoleônica),e Prússia (centralizada) manifestam aspectos desse Estado real: no

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entanto, estes não são conhecidos como tal, nem pelos governantesque os impõem nem pelos governados submetidos a eles; nãopodem desenvolver por isso suas potencialidades. A tarefa da teoriapolítica é revelá-los tais como são, como se deve conhecê-los (poisa teoria não tem que indicar o que deve ser — operação que está,de uma vez por todas, fora de seu poder —; a teoria só podemostrar corno o que existe é, isto é, como deve ser conhecido,segundo sua ordem).

O Estado (que é) deve ser conhecido "como a realidade eficazda idéia morar"; é "a razão em si e para sito'. É a manifestação,para nós (expressão que logo.precisaremos), do universal concreto,em que a particularidade da existência empírica (a vida privada,sob seus múltiplos aspectos) e a exigência do reconhecimentointegral ("o reino dos fins" definido por Kant) encontram o quadroativo de sua reconciliação. É o lugar onde o `vivido" e o "querido"deixam de manter o conflito e onde se dão as chances de uma boacoabitação. Em suma, realiza-se nele "a vontade livre que quer aliberdade da vontade"

A essência do Estado é o universal em e para si, o elemento racionalda vontade, subjetivo contudo enquanto se sabe e se afirma umindivíduo em sua realidade.'De uma maneira geral, sua obra, emrelação ao extremo da individualidade, isto é, a multidão de indivíduos,é dupla; ele deve em primeiro lugar conservà-los como pessoas, fazerpor conseguinte do d ireito uma realidade necessária, depois promoverseu bem-estar, para o qual cada um trabalha para si mesmo, mas quetem um lado geral; deve proteger a família e dirigir a sociedade civil— em segundo lugar deve reconduzir essas duas coisas assim comotoda mentalidade e toda atividade do Indivíduo, que tende a se cons-tituir em seu próprio centro, à vida da substancia universal, e nessesentido ser um obstáculo como potência livre às esferas que lhe sãosubordinadas e conservá-las em sua imanência substancial. sr

O Estado, como espirito vivo, é apenas uma totalidade organizada,diversificada nas atividades particulares que, derivando da noçãoúnica (embora ignorada como noção) da vontade racional, a produzemsem interrupção corno seu resultado. A constituição é esse organismodo poder do Estado. Contém as determiraçãessegundo as quais avontade racional, enquanto está nos indivíduos, só em si universal,de um lado chega à consciéncia e a Inteligência de si mesma semanifesta, e do outro, graças à ação do governo e de sua, diversasramificações, se estabelece na realidade, nela se conserva é nela é

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tão bem protegida contra sua subjetividade contingente quanto contraa dos individuos. É a justiça existente enquanto realidade da Liberdadeno desenvolvimento de todas suas determinações racionais."

Mas qual constituição convém a rigor ao Estado racional? É.Weil assim a define: "Esse Estado é uma monarquia, mais preci-samente, uma monarquia constitucional, fortemente centralizadaem sua administração, amplamente descentralizada no que dizrespeito aos interesses económicos, com um corpo de funcionáriosde oficio, sem religião de Estado, absolutamente soberano tantono exterior quanto no interior99 ". Acentuamos que não se trata, demaneira alguma, de um ideal. Formalmente, a "constituição" deuni povo corresponde ao espírito desse povo. É dificil compreendercomo se poderia prescrever do exterior uma organização: esta jáexiste e as nações não esperaram os juristas para tentar pôr emordem as totalidades que elas constituem. Do mesmo modo, nãoimporta aqui saber o que deve ser. Repitamos: os Estados modernoscomeçam a realizar os princípios do Estado: a tarefa da Ciênciaconsiste apenas em esclarecer esse princípio e facilitar o conheci-mento que todos, governados e governantes, têm ao tomá-lo.

A formulação de É. Weil é tão exata que basta comentá-la. OEstado que assegura a eficácia da coletividade e a liberdade decada um é uma monarquia, "As constituições democrática, aristo-crática e monárquica..., é preciso... considerá-las como formaçõesnecessárias ao desenvolvimento e por conseguinte á história doEstralam." Essa monarquia não deve ser confundida com o des-potismo oriental nem com o sistema predominante na época feudal:

A verdadeira diferença entre essas formas e a monarquia autênticaconsiste no conteúdo dos princípios do direito em vigor, que encontramsua realidade e garantia na força do Estado. Esses princípios são osque se desenvolveram nas esferas anteriores, isto é, os da liberdade,da propriedade e ademais da liberdade pessoal, da sociedade civil,de sua indústria, das comunas e da atividade regular regida pelasleis, das autoridades particulares.'01

Mas por que a monarquia? Porque é necessário que a soberaniase encarne.

A soberania, que a princípio é apenas o pensamento universal dessaidealidade, só se torna existência como subjetividade segura de si e

como determinação abstrata, e em conseqüência sem motivo da von-tade por si, de onde depende a decisão suprema. É o lado individualdo Estado que é único, que só então se manifesta como único. Masa subjetividade só é verdadeira como sujeito, a personalidade cornopessoa, e numa constituição que atinge a realidade racional, cadaum dos três momentos do conceito tem sua encarnação separada ereal para st Esse elemento decisivo, absoluto, do conjunto não é poisa individualidade em geral, mas um indivíduo: o monarca.102

O ato do monarca não poderia ser arbitrário: "O monarca nãoé o fit lamento das decisões importantes do Estado soberano, masseu desfecho: ele as assina e pela sua assinatura liga toda suaexistência pessoal à individualidade do Estado, declara-se com issodisposto a viver e morrer com 'seu' Estado, que se torna o seuporque ele se submete à soberania do conjunto 101 ". Mas, se objetaráainda, por que a monarquia hereditária (e não "eleitoral")? Porqueconvém subtrair aquele que encarna o "universal concreto" dosquestionamentos contingentes, e porque afinal de contas a filiaçãobiológica assegura uma melhor continuidade que os outros modosde recrutamento de "soberano realizado". Essa monarquia é cons-titucional. Mais precisamente, há um governo que assegura o poderexecutivo. A grande originalidade da compreensão hegeliana doprincípio do Estado moderno é de acentuar o fato de que a seleçãodos governantes se opera não segundo os critérios contingentes: aclasse, a fortuna, o sorteio, a eleição, o bel-prazer do monarca,mas em função da competência. Especialista do universal, umfuncionário exerce um oficio para o qual está qualificado. Reto-mando a idéia platónica da "seleção dos guardiões", Hegel, ins-pirado no exemplo napoleônico, logo depois seguido pela Prússia,define uma estrutura de governo a qual, é preciso dizer, correspondeao que não paramos de ver desenvolver-se depois: a administraçãoestatal e, como se gosta de dizer, a tecnocracia..

Ao funcionário é que cabem as decisões (de acordo com omonarca), aquelas, em particular, respectivas á Sociedade civil.Esta, sabemos, é o domínio do arbitrário e do conflito, conflitonecessário, mas que pode comprometer a unidade da sociedade eameaçar os direitos dos cidadãos. A ação dos governantes visa,portanto, organizar, conciliar, até mesmo reduzir as forças contra-ditórias que deixam a Sociedade civil e entram, com o risco depertorbá-lo, no domínio próprio do Estado.

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Os interesses particulares das coletividades são administrados pelascorporações, nas comunas e nos outros sindicatos e classes pelas suasautoridades: presidentes, administradores etc. As coisas de que têmnecessidade... a propriedade e o interesse privados dessas esferasparticulares, e, por esse lado, sua autoridade repousa na confiançade seus companheiros e concidadãos... tos

Assim, o povo, não como populaça desorganizada e irrespon-sável, mas ordenado em `estados" segundo sua atividade profis-sional ou sua posição geográfica, designa representantes que sãoencarregados ao mesmo tempo de administrar os interesses parti-culares (na sua estrita particularidade) e de fazê-los valer junto aosfuncionários. -

Assim, é informando-se junto a esses representantes que estesúltimos tomam efetivamente as decisões de acordo com o interessegeral. Estas são teoricamente imperativas. Mas, na verdade, aexistência reconhecida das comunas e das corporações constituiuma muralha contra a eventual arbitrariedade administrativa, e issotanto mais quanto os "estados" puderem apelar ao monarca. Étambém dessa maneira que funcionará o poder legislativo:

As assembléias de ordem terão por missão fazer chegar à existênciao Interesse geral não apenas em si mas também para si, isto é, fazerexistir o elemento de liberdade subjetiva formal, a consciência públicacomo universalidade empírica dar opiniões e dos pensamentos damassa. 1ds

Serão órgãos de mediação entre o governo e o povo dispersoem esferas e indivíduos diferentes.

Vemos como, segundo Hegel, o Estado moderno em seu prin-cipio assegura uma centralizáção administrativa que garante aomesmo tempo sua soberania "tanto no interior quanto no exterior"e as liberdades privadas. Exclui, além disso, toda intervenção daIgreja Certamente, foi preciso que a Religião tivesse conhecidoseu pleno desenvolvimento para que pudesse aparecer o.Estado emseu status atual; certamente, a Religião, como coisa privada, asse-guro um alicerce á moralidade objetiva; certamente, "O Estado e aIgreja não se opõem quanto ao conteúdo da verdade e da razdo 1° ".Mas o Estado se situa no Saber, enquanto a Igreja permanece nasubjetividade da. crença:

Pelo fato de que os princípios da moralidade objetiva e da ordem doEstado em geral passam pelo plana religioso, e não apenas podem

mas devem entrar em relação com ele, o Estado recebe de um ladouma garantia religiosa mas de amo lado resta-lhe o direito e aforma da rabo consciente de si, objetiva o direito de fazê-la valer,e de afirma-ia diante de teses que nascem da forma subjetiva daverdade, quaisquer que sejam a garantia e a autoridade que ascercamier

Assim se define, em linhas gerais, o "liberalismo" hegelianono direito político interno. Entretanto, essa lógica da liberdade queos Princípios da filosofia do direito constituem trata também dasoberania "voltada para o exterior". Cada Estado, desse ponto devista, é um indivíduo; é a verdadeira subjetividade que asseguraa liberdade das subjetividades empíricas. Sua tarefa é defendê-lacontra todo empreendimento estrangeiro. Pois ocorrem, não podemdeixar de ocorrer, ações adversas. A situação característica daSociedade civil se reencontra, nesse domínio mais amplo: o concertodas nações é necessariamente dissonante. Sem dúvida, nenhumEstado pretende outra coisa que não a salvaguarda de sua inde-pendência, e nada mais. Na verdade, ele só existe enquanto seindividualiza, enquanto reivindica agressivamente sua soberania,enquanto se apresenta como sendo o único Estado que, merecendoefetivamente essa determinação, deve ser respeitado como tal. Aanálise hegeliana confirma aqui a descrição profética de Tucídides:no início, a única coisa que a Mis busca é evitar ser reduzida áescravidão; arma-se para este fim e manifesta sua força; mas logopercebe que o melhor meio de provar sua força é usá-la: subjugandoa outra, assegura-se de não ser subjugada pela outra

A ordem formal que rege a relação entre Estados é a do conflito.Isso não significa que haja guerras perpétuas: são concebíveiscontratos que atenuam por um tempo os antagonismos. Existe um"direito dos indivíduos" que subsiste mesmo quando eclodiu aguerra, e que separa, tanto quanto possível, o homem empírico,empenhado numa ação guerreira, e o homem como pessoa privada.Se o direito internacional tem um sentido, é por impor essa sepa-ração. Mas esperar que possa além disso definir as condições deuma paz perpétua, é sonhar. A paz perpétua — visada pelas cons-truções abstratas do abade de Saint-Pierre ou Kant — supõe naverdade ou que seja realizada a situação aristofanesca na qual nãoexiste mais Estado, e onde os indivíduos, tomados abstratamente,negociam harmonicamente —hipótese pueril —, ou que um tribunal

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tenha poder de regular eficazmente os conflitos. Esta segundaeventualidade é igualmente abstrata: que "soberano" aceitaria obe-decer a uma decisão tomada por um tribunal, isto é, perder suasoberania, ainda que essa decisão o vise como soberano? O direitointernacional ajuda, em caso de conflito, a salvaguardar o que podeser salvaguardado das liberdades das pessoas privadas; não poderiaabolir o conflito entre Estados, conflito do qual a guerra é a soluçãonormal. Devemos reconhecer, nós que soubemos o que valeu aexperiência, um século depois, da SDN e da ONU, que a interpre-tação hegeliana é 'realista".

O Estado moderno chegou ao próprio princípio do Estado; alógica que governava as sociedades está agora descoberta O Estadodispõe agora dos critérios de seu bom funcionamento, funciona-mento que assegura o dinamismo e o controle da Sociedade civil,do domínio econômico. A 'Monarquia constitucional" tal comoacaba de ser definida é a verdade do Estado: seu conceito permitepensá-lo em suas contradições sobrepujadas. Não parece, ademais,feitas as transposições terminológicas, que a leitura de Hegel sejade tal sorte errada. Seria uma polêmica muito mesquinha tomarcomo único argumento o fato dela aceitar a monarquia hereditária!Pois é provável que, em relação a isso, o engano, se existe, caibamenos a Hegel que às "famílias reais".

Ainda assim — e isso é muito mais importante —, Éric Weilo acentua com força, se o Estado moderno revela o princípio doEstado, não o realiza. Qual é a essência do Estado? Agora somoscapazes de sabê-lo e determinar, por conseguinte, o que devemosdesejar em tais ou tais circunstâncias empíricas. O Estado, comouniversal concreto, como união da Razão e da Liberdade, aindanão existe. Pois só poderia ser concreto sendo universal, isto é,mundial. Os Princípios da filosofia do direito terminam com odesenvolvimento do conceito da História universal.

Racionalidade é históriaUma leitura correta do que é o Estado moderno revela o Estadona sua verdade: os Estados "ocidentais" existentes organizam-sesegundo princípios ainda não bem conhecidos pelos cidadãos, quesão aqueles mesmos que utilizará o Estado universal futuro. Nessesentido, e apenas nesse sentido, aqueles prefiguram este. Mas eles

mesmos são um resultado. Conhecê-los em seus princípios supbeque saibamos por que e como se tomaram o que são hoje. Domesmo modo que a compreensão do que é a Religião ou do queé a Arte requer o conhecimento do movimento pelo qual Religiãoe Arte se constituíram em sua especificidade, a ciência do Estadodeve conter em si a história sistemática do devir dos Estados.Existe, contudo, uma grande diferença. O devir da Arte e daReligião, enquanto manifestam a Razão (ou a Idéia) imediatamenteem si e para si, não passa de uma expressão limitada do devir total.Ao contrário, como o Estado, verdade da moralidade objetiva, elaprópria verdade da Arte e da Religião, é a razão mediatamente emsi e para si (e permite a constituição da Ciência), sua história é

• História universal.Esta é pois o coroamento, mas também o fundamento do

sistema. Convém aqui voltar atrás e colocar, com mais precisão,o problema do status da história na obra hegeliana acabada. Sa-lientou-se muitas vezes a paixão histórica do jovem Hegel, seugosto pelo passado e, mais ainda, pelos acontecimentos que sub-vertem seu tempo. Infatigável leitor de gazetas, profundamentesensível ao fato de que um mundo novo está em gestação, o jovemfilósofo se confere a tarefa de "pensar a vida" e, singularmente,a vida histórica. Quando seu pensamento começa, bem antes dasprimeiras exaltações, a se constituir como sistema, isto é, comoteoria legitimada, a abundante riqueza dos acontecimentos se or-dena, em níveis diversos, como mosaico lógico. O resultado dessetrabalho, que visa deixar falar o acontecimento para que, por simesmo, se coloque em seu lugar, é a Fenomenologia do espirito.Esta define a experiência da consciência que, lembrando-se de simesma, percorre de novo as etapas que lhe permitiram tornar-se oque ela é, isto é, Razão concebendo-se em si e para si. Essaexperiência, como vimos, se distribui segundo vários registros queinterferem: o de um sujeito "empírico ideal" (o leitor efetivo daobra), que tem de reorganizar a cultura que precisa possuir legiti-mamente, ode um sujeito "transcendental", que tem de compreen-deraconstituição de seu próprio status e, ao mesmo tempo, justificara atividade teórica passada e presente, o de um agente históricoque tem de definir, ao mesmo tempo, a problemtica atual no seioda qual ele é "atuante" e os "fatos", isto é, as atitudes passadas(e suas conseqüências) a partir do que ele pode e deve se determinar.

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A Fenomenologia do espirito é o aprendizado, no triplo sentido,pedagógico, ontogenético e fllogenético, da liberdade, a saber: daRazão. A liberdade racional e a razão liberta desdobram as articu-lações de seu campo teórico . na Ciência da lógica. A "história"da consciência não tem ai mais nenhum lugar; a história da filosofiaintervém apenas como ilustração nas observações destinadas nãoa fundamentar o rigor dos enunciados, mas a confirmar sua exatidão,pela referência a tal ou qual doutrina. Insistimos o suficiente nesseponto: o sistema de Hegel é a Ciência da lógica. Por mais imaturase sedutoras que sejam as obras de juventude, incluindo a Fenome-nologla do espirito, extraem seu verdadeiro interesse apenas dissoa que conduzem: essa lógica, que é a verdade da metafisica, istoé, sua superação. O desenvolvimento do sistema — a Enciclopédiadas ciências filosóficas —, suas aplicações: as diversas "lições"sobre a Filosofia da religião, sobre a Estética (e o sistema dasBelas-Artes), sobre a Filosofia da natureza, sobre a História dafilosofia, são apenas, quando se faz referência ao texto decisivo de1816-18, repertórios abundantes em genialidade, mas também emcontingência.

Ora, nesse corpos "científico", que representa, em suma, oretomo hegeliano á Caverna, os Principias da filosofia do direitoocupam um lugar à parte. As teorias do direito privado (dapropriedade e do contrato), os direitos e deveres do sujeito (moral),da família, da Sociedade civil e do Estado terminam com asconsiderações sobre a História universal. Estamos muito longeda Fenomenologia do espírito e de seu empreendimento multívocode recuperação. O devir real (real = racional) se intensifica.Institui-se como fundamento; se a Ciência, realização da filosofia(te: o Saber absoluto, fazendo as perguntas corretas e respon-dendo-as de uma maneira legitima) é doravante possível (e real:na Ciência da lógica), é porque finalmente o Estado se tomouo que "devia" ser, o quadro normal da equiparação entre aexigência de liberdade e a vontade de racionalidade. A pedagogiahegeliana é exata: a formação de "si" que constitui a Fenome-nologla do espirito permite chegar aos princípios articulados doSaber. E estes, graças aos quais compreendemos adequadamentea realidade da Arte e da Religião, possibilitam decifrar o enigma:o enigma do espírito que é e se conhece na medida em que écapaz de decifrar os momentos efetivos de sua constituição,istoé, a própria história da humanidade.

Sem dúvida, há aqui um círculo. Mas esse círculo não é outrosento o do próprio Saber. A ordem das razões — para empregaressa expressão cartesiana, analisada por M. Guéroult — pedago-gicamente desenvolvida na Fenomenologia do espirito, expostalogicamente na Ciência da lógica, rigorosamente aplicada a domí-nios específicos da cultura, desemboca, quando se trata dessa rea-lidade que é o Estado, na ordem do Ser, que é a ordem do Devir,sobre a História universal. O Saber absoluto sabe a partir dai deque, no fundo, ele é saber: da formação da humanidade por simesma, da progressão dramática do Espírito construindo-se emmeio ao estrondo estridente das guertas e das tragédias quotidianasdo trabalho. A operação de fundação só se efetua e só podeefetuar-se dessa maneira (na ótica hegeliana, que é a da filosofia):um sistema do discurso descobrindo, quando discurso consumado,que ele revela o sistema daquilo de que é o discurso.

A introdução às Lições sobre a filosofia da história pode serlevada a sério apenas se aceitamos essa perspectiva teórica longa-mente elaborada. O texto é polêmico e o debate que e instituiinteressa-nos diretamente, já que a luta a favor ou contra a Históriaestá — certa ou erradamente — no centro do problema epistemo-lógico contemporâneo. Define a história filosófica, aquela que, secolocando do ponto de visos da razão, conhecendo-se a si mesma,desvela a sucesslio real e organizada do Ser-devir da humanidade.Essa história recusa em primeiro lugar a história original;

aquela de Heródoto. de Tintdidas e dor historiadores desse gêneroque desaeaermn sobretudo as ações, os acontecimentos e as situaçõesqae tirerav diante de. seus olhos, a cujo espirito emprestaram elespróprios o ouvido, e que [Fretam passar ao domínio da representaçãointelectual o que existia exteriormente. par

Um tipo de narrativa como essa — por mais interessante ereveladora que possa ser — é irrefletida; se despem o interesse,é apenas porque seu autor foi colocado, pelas circunstâncias, istoê, de uma maneira contingente, numa situação que lhe permitiadominar um momento, bastante limitado, do devir, as significaçõesque se pode tirar são parciais; é, por seu estilo, da ordem domaterial.

É isso que a história reflexiva quer superar. Tomada em geral,desenvolve uma "narração que não mantém relações com a época,mas que, para o Espirito, ultrapassa o atuar". Põe-se a distância.

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Desta maneira, é a História universal que terna alcançar "umavisão de conjunto de toda a história de um povo, de un pais oude um mundo 1'. Assim procedem as compilações de Tito Livio.Introduzem-se então a abstração e a seleção: determinado acontecimento é destacado; mas o que preside essa escolha é a maneirapela qual o historiador, segundo a representação particular que tem,concebe as coisas. A História pragmática, também ela, se põe àdistância; ela também reflete, mas para extrair lições de um passadoque ela aniquila como tal na medida em que lhe atribui a virtudede ensinar o presente: —

O que a experiência e a história ensinam é que povos e governosjamais aprenderam nada da história e jamais agiram segundo asmáximas .que dela estreitam. Cada época se encontra em condiçõesparticulares. , constitui uma situação tão individual que dessa situaçãodeve-se e pode-se decidir apenas por ela. No emaranhado factual domundo, uma máxima geral não serve mais que a lembrança de situa-ções análogas, pois uma coisa, como uma fraca lembrança, fica semforça diante da vida e da liberdade do presente."'

Outra maneira reflexiva é a maneira critica. Devo-se salientarque aqui Hegel tem em mira precisamente a escola alemã dita"filológica", que está, na verdade, na origem do que consideramos,hoje, história científica. Ele se admira do escrúpulo que nos parececonstituir o requisito de toda análise séria: "Não se dá a própriaHistória, mas uma história da História, uma ap eciaçdo das nana-Uvas históricas e uma investigação sobre sua verdade e autenttci-ddae 113 ". Essa mania de controle, que se desenvolve sem conceitos,é, aos olhos do filósofo de Berlim, a expressão de uma subjetividadeordinária que mascara, sob o pretexto da verificação (urna verifi-cação, de direito, indefinida), seu temor diante de uma históriareal, em que se equipara riam res gestae e historia rentes gestaran.

Essa equiparação é proporcionada pela história filosófica Esta,entretanto, deve precaver-se de uma última deformação da históriareflexiva: esta, por preocupação classificatória, introduz "domí-nios" e "níveis" (histórias da arte, da religião ou histórias de talou tal nação). Na verdade, e é da verdade que se trata, só o pontode vista da Razão permite reorganizar corretamente o materialfornecido pela história original. Ai. ainda, o corte introduzido éartificial e remete à dupla contingência que é a subjetividade dohistoriador e as segmentações incertas do dado empírico.

"A única idéia que a filosofia traz é essa idéia simples daRazão de que a Razão governa o mundo, e de que por conseguintea História universal é racional"." Recolher os fatos históricos talcomo se apresentam é precisamente aceitar esse "preconceito"aparente. O empirismo dos historiadores aceita preconceitos implí-citos e múltiplos. Presumir que a História (res gestae) é racionalnos leva, em compensação, muito mais simples e lucidamente areconhecer um fato empírico tão importante quanto os aconteci-mentos diversos que prendem a atenção dos historiadores de oficio:que a História é história do Homem, e que o Homem é "sensato",quer a Razão e a liberdade, confusamente na maioria das vezes,mas sem descanso. Foi isso que pressentiram Anaxégoras e asdoutrinas da Providência, sem ter a possibilidade de definir suasconseqüências. Essas conseqüências, convém admiti-las plenamenteagora: a chave do devir da Humanidade —que funda a possibilidadede uma história (historia renan gestarwn) — é que esse devir é oda liberdade (descobrindo-se, progressivamente, Razão). Tal é oprincípio imanente que se deve conceber caso se queira que opassado (e, por conseguinte, o presente e o que ele assinala comofuturo) possua uma inteligibilidade qualquer.

O espirito não apenas paira sobre a História como sobre as águas;mas vive nela, é seu único animador. No seu percurso, é a liberdade— isto é, a evolução histórica conforme sua noção — que determinatudo. A meta final desse processo não é outra senão a realização porsi mesma dessa liberdade, meta que se pode designar também pelotermo de verdade. Assim, a constatação de que o espírito é consciente,em outras palavras, que há razão na história. não é somente umaverdade reconhecida pela Filosofia, mas também uma evidência aomenos plausível para o bom senso. 11° [Que] "a História universalseja o progresso na consciência da liberdade — progresso do qualtemos de reconhecer a necessidade",

o próprio conteúdo do devir humano o impõe. Assim, "os orientaissouberam apenas isso, que um só é livre; já os gregos e romanossouberam que alguns são livres, mas nós sabemos que todos oshomens em si são livres..." 5 ". A função da Ciência é trazer àconsciência dos que são livres em si que eles também o são em sie para si. e que têm de querer em função do que são (não apenaspessoa do direito privado e sujeito moral, mas também e-sobretudocidadão). .

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A VIDA HISTÓRICA 145144 HEGEL

A História, que é a própria vida dos povos, é realizada pelaação dos indivíduos. O papel do "grande homem" — ele existe,e o senso comum que acha que "não existe grande homem paraseu criado de quarto" ignora que isso não se deve ao grande homem,mas ao criado de quarto — é, na medida em que ele persegue finsparticulares e que é arrebatado pelas paixões, buscar a glória e afortuna, realizar o destino do povo que ele dirige, de fazer existirefetivamente seu espírito. De maneira que devemos abster-nos defazer juízos morais do herói:

A Justiça e a virtude, o erro, a violência, o vicio, os talentos e osatos, as pequenas e grandes paixões, o esplendor da vida individuale coletiva a independência, a felicidade e a infelicidade dos Estadose indivíduos têm seu significado e valor definidos na esfera da cons-ciência real imediata onde encontram seu julgamento e sua justiçaembora incompleta. A História universal fica fora desses pontos devista. Nela, o momento da idéia do Espírito universal que é seu nívelatual recebe um direito absoluto; o povo correspondente e seus atosrecebem sua realização, felicidade e glória.11e

A ação do grande homem é, em particular, transformar o povoem nação e, dai, em Estado. O gênio de Napoleão é precisamenteter sabido fazer da nação francesa, forjada no cadinho da Revolução,um Estado, o primeiro Estado moderno. Na verdade, se conside-ramos o devir humano do ponto de vista da Razão, vemos clara-mente que:

Os Estadoe. os povos e os indivíduos nessa marcha do Espirito uni-versal elevam-se cada um no seu principio particular bem definido,que se exprime na sua constituição e se realiza no desenvolvimentode sua situação histórica: eles têm consciência desse principio e sãoimpregnados por seus interesses, mas ao mesmo tempo são instru-mentos inconscientes e momentos dessa atividade interna na qual asformas particulares desaparecem enquanto o Egltrito em si e para siprepara-se para seu nível imediatmneme superior."

Como a História é a encarnação do Espirito sob a forma doacontecimento, da realidade natural imediata, os graus da evoluçãosão dados como principias naturais imediatos, e esses principio,,enquanto naturais, existem como uma pluralidade de termos exteriores,de maneira que cada povo recebe um. É a existência geográfica eantropológica do Espírita"

O povo que recebe um elemento assim como princípio natural tempor missão aplicado no decorrer do progresso da consciência de sido Espírito universal que se desenvolve. Esse povo é o povo dominantena História universal para a época correspondente Só pode desta-car-se uma única ver na História, e contra esse direito absoluto queele tem por ser o representante do nível atual de desenvolvimento doespirito do mundo, ar outros povos estão sem direitas, e também esses,assim como aqueles cuja época passou, Mo contam mais na Históriauniversal

R: a evolução particular de um povo histórico contém, de umlado, o desenvolvimento de seu princípio desde o estado da infânciaem que está envolto até seu desabrochar, quando, ao alcançar a cons-ciência de si objetivamente moral e livre, entra na História universal.Mas também contém, de outro lado, o período de decadência e queda;pois assim se manifesta nele o aparecimento de um princípio superior,sob a forma simples de negação de seu próprio principio. Desse modoanuncia-se a passagem do Espiritaa esse novo principio, e da Históriauniversal a um outro povo. A partir desse novo período, o primeiropovo perde seu interesse absoluto. Sem dúvida recebe em si mesmoe assimila o princípio supe rior, mas Mo se comporta nesse domínioemprestado com vitalidade e frescor imanentes, pode perder suaindependência, pode também continuar vegetando como povo parti-cular ou agrupamento de povos, e transformar-se ao acaso nas ten-tativas interiores e lutas exteriores variadas) 1 s

Observemos aqui que as determinações geográficas vêm, porassim dizer, em socorro das disposições históricas: elas esboçamcegamente o destino dos povos. Sobre isso, as páginas que asLições sobre a Filosofia da História consagram a esse papel impostoàs nações pela paisagem que habitam e os recursos dos quaisdispõem são reveladoras: preocupado em não omitir nada da in-formaçãoque recolheu, mas pouco preocupado em ir ao fundo,Hegel arrisca-se a considerações empíricas em que se entrecruzamas intuições geniais e as bobagens apregoadas pelos viajantes.Testemunho das primeiras, o texto referente à América do Norte,que prefigura — de maneira surpreendente — as análises de Toc-queville; testemunho das últimas, as narrativas consagradas à Áfricanegra e à "petulância natural dos negros1S0".

Porém muito mais importante é a imagem do devir humanoproposta por Regei. No detalhe de seu desenvolvimento, a filosofiahegeliana da História tem as qualidades e defeitos que destacamos

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acerca das Lições sobre a Filosofia da Religião ou da Estética. Ariqueza do conteúdo, a credibilidade da documentação (levando-seem conta a época), a exatidão dos pontos de. vista Mo tais quetodas as filosofias da História posteriores (apocalípticas ou pro-gressistas) — que no entanto deveriam ser mais bem informadas— parecem irrisoriamente pueris e esquemáticas, de Spengler a A.Toynbee, de Spencer a Mac Luhan. Hegel é, decididamente, e comos limites que acabamos de acentuar, o último enciclopedista. Nele,realizam-se o sonho platónico de uma inteligibilidade integral, osonho aristotélico de uma apreensão completa das "produções" danatureza, bem como o sonho goetheano de uma compreensão globaldas ações humanas.

Essa estranha segurança, porém, é datada: ê fácil demais, hoje,julgar errada a interpretação que Hegel dá a esta ou àquela civili-zação. O que é decisivo, ademais, não ê isso: é o esquema deconjunto proposto, cujas análises parciais não devem jamais serconsideradas provas, mas ilustrações... A Humanidade passou porquatro etapas — cada povo erguendo-se, por sua vez, para ir atéo "fim do caminho" que o espírito lhe atribui —: a infãncia é oOriente e o despotismo oriental; a juventude, o mundo grego; aidade viril vem com o Império romano; o Império gennânico o mundo cristão — corresponde à velhice (estando claro que omodelo biológico não poderia ser tomado ao pé da letra: "a velhicenatural é fraqueza; mas a do espírito é sua maturidade perfeita'21").Hoje, com o Estado moderno, estamos além da velhice, na situaçãoem que o Espirito, se conhecendo em si e para si, supera seu devirdramático para começar a desabrochar em seu devir livre...

O despotismo oriental organiza-se politicamente como teocra-cia. É proveniente do agrupamento natural patriarcal. Supera-o, jáque institui um Estado; permanece ligado, visto que confunde numavisão indiferente o pai, o deus e o magistrado supremo. O únicoindivíduo (livre) é o monarca; a oráempólítica, a social e a divinanão se separaram ainda; a lei identifica-se com o costume, com ointerdito (religioso), com a decisão arbitrária (do chefe). Na medidaem que o monarca é deus, senhor dos elementos naturais, aquiloem que cada um se deve reconhecer, o antagonismo do homem eda natureza foi mascarado. Os homens só têm de ordenar sua açãoem função da situação que lhes é dada, e com isso assegurar suasubsistência. Toda a sociedade está imobilizada em tomo desseprincipio. Do monarca emana uma administração cerimoniosa e

complicada, que regula, na exterioridade de um "direito" profa-no-divino, o comportamento de todos e de cada um. É concedidaà coletividade a sobrevivência. Quanto à vida, que deve exteriori-zar-se, ela só pode se manifestar na atividade exterior de conquistasguerreiras, nas invasões que acarretam a devastação e a morte. Ointerior não está mais à altura do exterior. O déspota oriental éuma criança: orgulhoso da onipotência que exerce, apaixona-se porseu poder e quer exercê-lo universalmente. Os "sujeitos" que oadmiram no sucesso e na glória o abandonam bem depressa norevés. O despotismo oriental é, ao mesmo tempo, uma prefiguraçãoe uma caricatura do Estado verdadeiro.

A Polis grega traça o verdadeiro rosto do Estado. A unidadesubstancial do povo, descoberta pelo Oriente, subsiste. Seu funda-mento não é mais, contudo, uma simples manifestação do dadonatural, filiação pelo sangue ou proximidade geográfica. É deter-minado por um acordo entre indivíduos que, reconhecendo-se unsaos outros, fecham um acordo e se definem como livres: é uma"obra de arte política". A lei, explicitamente estipulada, define olugar refletido no seio do qual cada homem livre encontra a legi-timação e o controle de sua conduta. Foi isso que Sócrates, aodefinir o sujeito como ser moral, que tem de se conhecer em suarelação como outro, compreendeu profundamente. No mundogrego, a abstração que dá ao espírito seu status está no apogeu: deum lado, o Estado, o universal, organizado segundo as normas dareflexão, do entendimento e capaz de justificar, nos mínimos de-talhes, o sentido e a validade de suas leis; do outro, o indivíduo,o particular, educado por essa reflexão e que, de repente, vai aléme questiona, em nome da reflexão, essa "universalidade particular"que consiste, fatalmente, no direito positivo e sua aplicação. Só-crates é o verdadeiro cidadão grego: morre condenado pela lei quenão cessou de defender.

Com o Império romano,

efetiva-se até o dilaceramento infinito a separação da vida moralobjetiva nos extremos da consciéncia pessoal privada e da universa-lidade abstrata. A oposição, que tem seu ponto de partida na Intuiçãosubstancial de uma aristocracia contra o principio da personalidadelivre sob sua forma democrática desenvolve-se do lado aristocráticoaté a superstição e a afirmação de uma violência fria e ávida, dolado democrático, até a corrupção da plebe A dissolução do conjunto

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culmina na infelicidade universal, na morte da vida moral, onde asindividualidades dos povos morreram na unidade do Panteão. Todosos indivíduos são reduzidos ao nível de pessoas privadas, de iguais,dotados dedireltos formais, que sãç mangdos Zaenas por uma arbi-trariedade abstrata levada à monstruosidade.'

O Estado romano assegura apenas uma unidade formal noâmago da qual cada indivíduo se reencontra como pessoa privada,como proprietário restrito aos seus interesses mesquinhos e sepa-rado de todos os outros.

Surgem entre os romanos a prosa da vida a consciência da frnitudepara si, a abstração do entendimento e a rigidez da personalidadeque não redimensiona, nem mesmo na família sua rebeldia em mo-ralidade natural, mas permanece o Um sem alma e espírito, apresen-tando a unidade desse Um numa generalidade abstrata [...j Ao en-tendimento sem liberdade, espírito e alma do mundo romano, devemosa origem e o desenvolvimento do direito positivo. In

A mais cliva manifestação dessa situação é o lugar que o Imperadorvai ocupas

O soberano do mundo tem a consciência efetiva do que ele é — aforça Universal da efetividade —na violência destruidora que exercecontra o. Si de seus súditos que lhe forem oposição Sua foiça, defato, não é á unificação espiritual na qual as pessoas conheceriamsua própria consciência de si; como pessoas, elas são sobretudo parasi e excluem da rigidez absalute de sua pontualidade a continuidadecom. outras. Elas se comprometem; pois, muna relação apenas nega-tiva, tanto uma para com a outra quanto para com ele, que é sualigação ou continuidade. Sendo essa continuidade, ele é a Essênciaé o conteúdo do formalismo delas, mas o conteúdo que lhes é estranho,a Essência. que lhes é hostil, a que suprime antes isso mesmo quepara elas vale coma sua essência O Ser para si. vario de conteúdo;enquanto continuidade da personalidade delas, ele acaba precisamen-te destruindo eaa.persotaltdade.lu

Na época imperial:

O que estam-presente na consciência dos homens não era a pátria.nem uma unidade moral desse gênero; eles tinham como único recurso

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entregar-se dfatalidade e adquirir pela vida uma perfeita indiferença,buscando-a seja na liberdade do pensamento, seja no prazer sensualimediato. Assim o homem rompera com a existência ou então seentregara inteiramente à vida sensual. Encontram seu destino natentativa de buscar para si os meios de deleitar-se, obtendo o favorimperial, ou empregando a vidência a captação de heranças, aastúcia; ou então buscava pai na Filosofia, a única ainda capaz deoferecer um ponto de apoio sólido, existindo em si e para si; pois ossistemas desse tempo, o estoicismo, o epicurismo e o ceticismo, emboraopostos, culminavam contudo no mesmo resultado, a saber, tornar oespírito em si indiferente acerca de tudo o que a realidade apresenta.' 25

Era preciso, para que o Espírito permanecesse vivo, uma con-ciliação de ordem superior. É o cristianismo, ele próprio superaçãodo "sofrimento infinito" do povo judeu, que o traz, "o cristianismoque foi o primeiro a ousar dizer que Deus morreu para ressuscitarna consciência de cada indivíduo que crê"". Com ele,

o Homem, considerado por si mesmo como finito, é ao mesmo tempoImagem de Deus e fonte do Infinito. Desse modo, ele tem sua pátrianesse mundo supra-sensível, numa interioridade infinita, que só ad-quire rompendo com a existência e o querer naturais e pelo seu esforçovisando essa ruptura Interior. 'n

Doravante, todos os homens se reconhecem como livres.Esse principio é o que anima o terceiro momento: a idade viril

do Império germânico:

O espírito germânico é o espírito do mundo moderno, que tem porfinalidade a realização da verdade absoluta enquanto determinaçãoautónoma infinita da liberdade, essa liberdade que tem por cometidosua própria forma absoluta A destinação dos povos germânicos con-siste em fornecer suportes ao principio cristão. O principio funda-mental da liberdade espiritual, o princípio da reconciliação, insta-101i-se nas almas ainda puras e incultas desses povos alises foi impostocomo missão não apenas conservar para o serviço do Espírito doUniverso a idéia da verdadeira liberdade como substância religiosa,mas também produzi-lo em liberdade no mundo, retirando-o da cons-ciência subjetiva de si mesmo.lrs

Num primeiro período — que vai até Carlos Magno — abarbárie ingênua e brutal acolhe simplesmente o princípio cristão.

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O segundo período desenvolve abstratamente esses dois aspectos(do ano 800 à época do reinado de Carlos Quinto): existe,. deum lado, um mundo mental onde reinam as virtudes teológicas,e que, subsistindo por inteiro na representação, acaba por transitarno fantástico; e do outro, a servidão, a rigidez dos costumes, asguerras constantes. O terceiro período corresponde ao mundomoderno:

O mundo secular parece então conscientaar-se de que tem direitotambém à moralidad!, à retidão, à honestidade e à atividade humasm.Torna-se consciente de sua própria legitimidade graças ao restabe-lecimento da liberdade cristã. O principio cristão passou então pelaterrível disciplina da Cultura, e a Reforma lhe conferiu, pela primeirovez, sua verdade e sua realidade Esse terceiro período do mundogermánico estende-se da Reforma até os nossos dias. O princ/pio daliberdade do espírito organiza então o mundo sob seu estandarte eesse principio é a fome do desenvolvimento das máximas gerais daRazão. O pensamento formal, o entendimento, jà tinha sido formado,mas a Reforma só deu ao pensamento seu verdadeiro conteúdo, graçasà consciência concreta renascente da liberdade do espírito: foi só daique o pensamento começou a receber malformação; dela estralam-seos princípios segundo os quais se deveria reconstruir a cansUmiçãodo Estado. A vida do Estado deve, a partir de então, ser organizadaconscientemente, de acordo com a razão Costmaes, tradição, nãotêm mais valor; os diferentes direitos devem se legitimar, tendo comobase as máximas racionais. Só assim a liberdade de espírito atingea realidade. 129

A Reforma teve influência decisiva na formação do Estadomoderno. Ela realiza a ordem cristã: a. fé deixa de perder-se naexterioridade da instituição para se tomar nada mais do que oprincipio moral, íntimo, de uma consciência que se diz livre eracional e que, doravante, pode tentar tudo na universalidade deseu projeto para efetivar a liberdade. O reformado é desde já,interiormente, um cidadão; é apenas um cidadão "privado" queparticipa da obra comum apenas enquanto ser privado. A Idadedas Luzes desenvolve profunda e abstratamente essa concepção:ela faz do homem universal um ideal e tente conciliar, pela idéiado progresso, a mistura de finitude e infmitude que constitui todohomem — cada homem — se o consideramos individualmente.

A liberdade, prometida a cada uni pelo Cristo, continua sendoabstrata: é a liberdade concedida, outorgada, não reconhecida. Édefinida como um fato abstrato, não como um direito. Com aRevolução Francesa (que é a verdade da Aufklanmg, assim comoa As f dãnmg é, no fundo, a verdade da Reforma),

o, pensamento, o conceito do direito, fez-se de repente valer e a velhainstituição da iniqüidade não pôde resistir-lhe. No pensamento do'direito, construiu-se portanto agora uma constituição, tudo devendo,daí em diante, assentar-se nessa base. Desde que o Sol se encontrano firmamento e os planetas giram ao redor dele, não se vira o homemse colocar de cabeça para baixo, Isto 4 fundamentar-se na idéia econstruir segundo ela a realidade. Armxdgoras dissera antes de todosque o noüs governa o mundo; mas só agora o homem conseguiureconhecer que o pensamento deve reger a realidade e.spirihwl. Erapois um esplêndido nascer-do-sol. Todos os seres pensantes celebra-ram essa época. Uma emoção sublime reinou nesse tempo, o entu-siasmo do espírito comoveu o mundo, como se somente nesse momentose houvesse chegado à verdadeira reconciliação do divino com omundo. 13° •

O acontecimento é de uma importância histórica universal:assinala — ousemos essa expressão popular — o começo do fimda História. A Liberdade consciente de si, isto é, racional, realiza-senuma ação que unifica todos aqueles que se dizem cidadãos. Oempreendimento foi apenas o desencadeamento: chocava-se comdemasiados obstáculos internos (o passado da nação francesa, ca-tólica em seu intimo) e com excessivas oposições externas (osentimento nacional dos povos) para ter êxito. Fracassou, comoabortou a operação prematura que nesse mesmo impulso NapoleãoBonaparte quis realizar.

De qualquer modo, daí em diante, o Estado na sua verdadeestá presente; não é o Estado universal; para Hegel, a Alemanhafederal, protestante, submetida à decisão — sempre contestada econtestável — do rei da Eduzia (Frederico Guilherme III, lembre-

• Este tenho grego fora Imduzido em latim pelo tenho "intuitias". ver. Porvezes é traduzido entre nós pelos seguintes termos: "pensamento puro";"entendimento puro": "ralo"

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A VIDA HISTÓRICA 153152 HEGEL

mas), apresenta a imagem confusa do que poderia ser o Estadoracional:.

A mentira de um Império desapareceu completamente. Dividiu-se. emEstadas soberanos. As obrigações feudais foram suprimidas, dos prin-cípios da liberdade da propriedade e da pessoa fizeram-se principiasfundamentais. Todo cidadão pode ter acesso às funções do Estado,contudo habilidade e aptidão são condições necessários. O governoapóia-se no mundo dos funcionários, com a decisão pessoal do mo-narca no topa pois uma decisão suprema é, como já se observou,absolutamente necessária Entretanto, com leis firmemente estabele-cidos e uma organização bem definida do Estado, o que se reservouà única decisão do monarca deve ser considerado pouca coisa emrelação ao substancial. Deve-se seguramente considerar uma grandefelicidade quando cabe a um povo um nobre monarca; no entanto

. isso, mesmo num grande Estado, não tem imponáncia tão considerá-vel, pois a força do Estado reside na sua razão. A existência e atrangaifldade dos pequenos Estados são mais 'ou menos garantidaspelos outros; por essa razão, não são Estados verdadeiramente inde-pendentes eirado têm de se submeter à prova de fogo, a geena Comodissemos, todos aqueles que têm os conhecimentos, a prática e avontade moral necessários, podem participar do governo. Estes sãoos que sabem que devem reinar, ot aptotot e não a ignorareia, ea vaidade da Ciência pretensiosa Errfrm, no que diz respeito aossentimentos, já vimos que a Igreja protestante conseguiu reconciliara Religião com o Direito. Não existe consciência sagrada, consciênciareligiosa distinta do direito secular ou, com mais forte ,mão opostaa ele."'

O "fim da História"Ai começa pois o "fim da História", desta história que é o funda-mento e o material do sistema Fim da História? Em relação a isso,assinalemos dois contra-sensos que convém evitar se quisermosentender corretamente o hegelianismo. O primeiro refere-se aojuízo político de Hegel: o "sucesso" da Alemanha como momento

• m mimem é por vezes traduzido pela expressão "os melhores". Os maispreparados, por assim dizer. (N.R.T.).

de pacificação administrando as aquisições. da Reforma, do Auf-klanmg, da Revolução Francesa e do Império Napoleônico, signi-ficaria que a Alemanha da época incorpora plenamente o Estadoracional, ou que ela tem por missão, excluindo toda outra nação,realizá-lo num futuro próximo. Não é nada disso: a nação alemãcumpriu — por sua vez — sua missão: logo deverá ceder seu lugará qualquer outra, se acreditarmos na regra da filosofia hegeliana •da História que designa a cada nação desempenhar umpapel eapenas um no devir dos homens. Como o Império Napoleónico, aPrússia será substituída por alguma nação mais dinâmica, até que,na desordem das guerras, se instaure o Estado universal, isto é,mundial. Este, todavia, não será fdndamentalmente diferente, emseu princípio, em seu modo de organização, em seu projeto, doque encobre confusamente o Estado prussiano: haverá um monarcadotado de poder de decisão, um corpo de funcionários responsávelpor determinar o interesse geral, e "estados" representando osinteresses particulares. Em que outra nação pensava Hegel paraincorporar os "progressos" futuros? Nenhuma conjetura a esserespeito parece séria

O segundo contra-senso refere-se à significação "ontológica"da fórmula: fim da História Pode-se, com efeito, interpretá-la comoextinção do tempo. A escatologia cristã admite, sem dúvida, queo tempo, que é uma criatura, tem um começo e um fim, e que,chegado o momento, não existirá mais. Semelhante ontologia nãotem o menor sentido na concepção hegeliana. O Ser (= Espirito),que é devir, não poderia ser suprimido. A humanidade continuará"devindo"; porém no seio do Estado mundial, ela não "evoluirá"mais, no sentido de que não criará mais nada de novo, estará emplena positividade e viverá numa sociedade integralmente transpa-rente. O que será essa existência, é igualmente impossível imaginar.A. Kojève desenvolve, a esse propósito, uma ficção sedutora,baseada na interpretação do "esnobismo" japonês"a.

Seja como for, o Estado moderno completa a História do mesmomodo que a Ciência conclui o Pensamento. O homem sabe, dora-vante, tudo o que tem a saber, e em conseqüência, com muitaexatidão, o que ele tem de querer. Nas Lições sobre a filosofia dahistória, Hegel especifica:

Não fizemos senão considerar o desenvolvimento do conceito, tendorido de renunciar à satisfaçao de descrever de mais perto a felicidade,

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154 HEGEL

as períodos de florescimento dos povos, a beleza e a grandeza dosindivíduos, as vicissitudes de seu destino na dor e na alegria AFilosofia trata apenas do esplendor da Idéia que se reflete na Históriauniversal. Cansada das agitações suscitadas pelas paixões imediatasna realidade, a Filosofia se livra delas para entregar-se à contem-plação; seu interesse consiste em reconhecer o curso do desenvolvi-mento da Idéia que se realiza e sem dúvida da Idéia de liberdadeque só existe enquanto consciência da Liberdade.

Que a História universal é o curso desse desenvolvimento e odevir real do Espírito sob o espetáculo cambiante de suas histórias— eis a verdade ira Teodicéia a justificação de Deus na História Sóessa luz pode reconciliar o Espírito com a História universal e arealidade, ou seja o que aconteceu e cotidianamente acontece nãoapenas não está fora de Deus, mas ainda, essencialmente, é suaprópria obra.lss

Conclusão

O triunfo hegdiem ê completo. Com a filosofia da história, comessa Teodicéia queé aliás, antes, uma "noodicéia", o Saber encontraao mesmo tempo seu funcionamento (lógico), sua realização("real") e sua legitimação (prática). O sistema, considerado. emsua literalidde, não deixa subsistir nenhuma falhe, nenhuma con-tradição. Nesse sentida Hegel talvez seja o único dos grandesteóricos da filosofo ocidental que pretendeu (e conseguiu) resolvertodas os problemas que se colocou. Platão, no Farménides, apontaas dificuldades da doutrina das "Idéias separadas"; Aristótelesindica a ambigüidade de sua concepção da substância; Agostinhointenugs-se sobre a relações da revelação e da intelecção; Des-erta deixa sem solução o problema da união de fato da alma edo capo; Leibniz, Humo, e Kant desenvolvem indagações quedeixam em suspenso,..

O discurso hegeliam, em sua ordem explicita (os tatos queele publicou) e nas confirmações que se deram dele (as liçõespronunciadas e que chegaram até nós), coloca todas as questões,cada uma na sua formulação correta e no lugar que lhe convém,e dá todas as respostas, integrando estas e aquelas numa totalidadetransparente e fechada. Não persiste nenhuma grande obscuridade,nenhuma ambigüidade. É nesse sentido que o sistema consideradocomo tal é irrefutável. Pois não é refutá-lo observar, aqui e ali,páginas mais ou menos fáceis ou trançam mais ou menos claras— como o fizemos em relação à Fenomenologia do espirito. Nãoé refutá-lo tampouco fazer referências aos "fatos" (que fatos,recorrendo à história das ciências, culturas, povos, da Históriasimplesmente, podem valer contra uma teoria — contra uma ordemfundada do discurso — que estabelece, precisamente, o que ha a

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C'ONCLUSÃO . 157156 MEGEL

estabelecer como "fato '7). A única refutação eficaz pode consistirapenas no seguinte: revelar o caráter errôneo da concepção deconjunto adotada por Hegel. Assim sendo, as doutrinas propria-mente filosóficas posteriores ao hegelianismo que o ignoraram ouquiseram ficar "à margem" dele caíram "no interior" dele (nointerior das "atitudes", das categorias que o sistema hegeliano jádefinira como momentos parciais do Espírito em devir).

O que se chamou de "a tirania hegeliana" repousa no simplesfato histórico de que nenhuma das "filosofias", elaboradas desdeum século e meio atrás, conseguiu se desligar seriamente dosresultados obtidos por Hegel; de que as que os desconheceram(como a de Bergson, por exemplo, e em menor escala a de Husserl)permaneceram com isso no estágio de uma exigência cuja efetuaçãofoi muito medíocre; de que as que se referiram a eles, mesmo quefosse para rejeitá-los, acabaram sendo-lhes finalmente tributárias,do marxismo ao espiritualismo cosmológico, passando pelo que sechama de existencialismo. Pode-se detestar o sistema hegeliano —como Kierkegaard —, não se pode, hoje, caso se pense que aatividade filosófica tem um sentido, eludi-la A razão disso ê queHegel se inscreveu efetivamente no projeto filosófico, odo discursointegralmente legitimado, levando ao homem (concebido comohumanidade) e ao homem (concebido como indivíduo e superandoessa condição) a sabedoria, isto é, a possibilidade de conduzir-sede maneira a ser ao mesmo tempo livre e racional. Esse discurso,ele o construiu; o concluiu. Ao mesmo tempo, mostrou que osproblemas que definem o campo da pesquisa filosófica • foramcolocados primitivamente por Platão e Aristóteles; estabeleceu queera preciso formulá-los de outro modo, e tendo realizado esse"requestionamento", respondeu, exaustiva e definitivamente, su-perando, de uma vez por todas, os problemas dos quais se alimentoua metafisica, e cuja inanidade Kant acentuara. Com a obra hegeliana,o domínio da filosofia especulativa, definido quatro séculos antesde nossa era e, desde então, quão fecunda, encontra as condiçõesde seu encerramento. Hegel é o último filósofd,-no senso estritodo termo. Lendo-o, tem-se vontade de escrever em algum dicionárioresumido: "Filosofia — suba feto. Gênero cultural, nascido emAtenas em 387, nos jardins de Acedemos, e morto em Berlim em1816, com a publicação de A Ciência da lógica."

É preciso que partamos dessa evidência razoavelmente desa-gradável para que nossa "conclusão" fique à amura da doutrina;

cujos aspectos mais significativos acabamos de tentar relembrar.Nenhum academismo é conveniente; o realismo e o rigor de Hegelinvalidam-no antecipadamente: E todas as vezes em que nos fornecessária recorrer a algum termo em -irmo, que se saiba que oemprego terá análogo a ele.

Hegal não é espiritualista nem materialista — no sentido daOntologia tradicional — nem idealista ou realista — no sentido dateoria do conhecimento que disso deriva O sistema transcendemesmo a oposição antologia-teoria do conhecimento que pautou odesenvolvimento da philosophia perenais. Convém tomá-lo comoele se dá, como superação efetiva e integração real de todas aspoidçdes doutrinais que o antecederam. É preciso tomá-lo assim,já que, precisamente, a única coisa que ele pretende é isso: ser averdade da filosofia que se tomou metafisica. É a ordem à qualqualquer discurso, que se diga filosófico, deve atingir, caso reflitasobre as normas que comandam legitimamente sua produção comodiscurso: Não existe, a partir dai, nenhum motivo para contestar-lheo titulo de Ciência que ele se dá... O problema é apenas sabercomo e de que ele é ciência...

Discurso de terceiro grau, assim tentamos definir o texto daCiência da lógica. O grau zero seria o puro sentir e o puro desejo,tal como os evocam os primeiros capítulos da Fenomenologia doespírito para assinalar logo, aliás, que eles não passam de umlimite, que devem transformar-se num primeiro nível, transmitiruma mensagem, tentar se provar, se definir como atitude arriscadaque exige um desdobramento que já é um reconhecimento. Oprimeiro discurso é o em si (um em si que é revelado somentedepois, que não se sabe, que se esvai no objeto que o coloca -que já é; aliás, mediação em relação ao desejo e ao sentir — é aeorc tal como a define Platão, ou a certeza como a pensa ocartesianismo). Articula-se como consciência, como consciência desi, como Razão. Ainda não é o Espírito presente em si.

Este desenvolve-se como segundo discurso, nas "atitudes exis-tenciais" (mais ou menos deliberadas), nas obras culturais (estéticase religiosas), nos textos dos metafísicos. É o produto de umareflexão que se sabe tal; resulta de uma mediação que, desta vez,é decisiva. A própria Fenomenologia do espirito é esse segundodiscurso: percorre os momentos dessa reflexão definindo seus mo-mentos, e determina a organização graças à qual o Espirito se dásua própria transparência. O status ambíguo da obra de 1806-1807

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158 REGEI CoNCEUSÃO 159

origina-se precisamente do fato de que ela é, ao mesmo tempo, asimples compilação do segundo discurso e que, sendo uma com-pilação completa, já é da ordem do saber.

Mas convém nos determos aqui: o puro sentir e o puro desejonão são "humanamente" sustentáveis; eles têm de falar; entramnecessariamente na malha do primeiro discurso, que os traduz, istoé, os exprime fazendo "passar" o que têm de essencial. Essatransposição é, ao mesmo tempo, enriquecimento e diferenciação.Hegel está de tal modo persuadido da existência de uma ordemgeral do Ser (e do Discurso) que o "recalcamento" do puro sentire do puro desejo os exalta e os eleva a uma expressão que constitui,homologicamente, a sua verdade. Do mesmo modo, o primeirodiscurso — homólogo, ainda falando inabilmente, ao silêncio rui-doso, ao grau zero —encontra nos segundos discursos, os da Moral(Sittlichkeit), da Arte, da Religião e da Metafísica, uma transposiçãoela própria homológica, assegurando uma inteligibilidade tranqüi-lizadora. Assim, o que o mundo romano, ao seu nível, exprime eassegura sobre o sentir e o desejo, encontra primeiro no direitoprivado, em seguida na oposição abstrata do ceticismo e do estoi-cismo, as manifestações homológicas da contradição específica quea faz existir: a par romana, nessas determinações diversas, mashomogêneas, é colocada como uma totalidade que define um mo-mento da vida do Espírito.

Detenhamo-nos ainda nesse exemplo: existe um domínio, de-limitado ao mesmo tempo lógica e historicamente: o mundo roma-no; este tem uma essência ou, caso se prefira, uma definição. Estaé dupla: assegura, de um lado, a unidade da romanidade, contraas realidades essenciais que a "circundam" histórico-logicamente,a Pólis grega, a parte ante, e o universo cristão, a parte posa elapresta conta, por outro lado, de suas diversas manifestações: omundo romano recolhe uma herança, significativa das instânciaspróprias ao Espírito (toda sociedade tem, num certo aspecto esegundo articulações confusas ou definidas, uma Sittlichkeit, umaarte, uma religião, uma filosofia), que a essência da romanidadedeve compreender segundo o desenvolvimento próprio que os ro-manos livremente lhe deram. A unidade entre o que se pode chamar,para simplificar, a "essência externa" — aquela determinada poraquilo a que ela se opõe, isto é, por seu lugar na história lógicado Espirito — e a "essência interna" — a que estabelece a coerênciaentre as manifestações diversas, e que podem aparecer como não

se correspondendo, do mundo romano — encontra sua expressãono próprio devir de Roma. A história lógica de Roma, desde queseja "bem feita", permite compreender como Roma sucede à Gréciae como antecipa o cristianismo, e por que engendrou esse tipo dereligião, esse tipo de filosofia.

Em suma, a essência da romanidade não apenas constitui aregra a partir da qual se organizam todas as expressões romanasque contam, mas também coloca a romanidade no lugar que lheconvém. É o elo abstrato a partir do qual tudo o que foi atualizado— até o momento em que aparece o mundo romano —, tudo oque este desenvolve em matéria de acontecimentos e obras, tudoo que ele anuncia (e que se realizará) se toma inteligível. Nela seentrecruzam e se ordenam determinações que são simultaneamenteda natureza do fato e da natureza do direito: a ordem romanasimboliza com a ordem do Ser (e do Discurso), visto que nela,simultaneamente, se revelam um momento do devir e uma mani-festação do Espirito.

Mede-se aqui a complexidade da causalidade acionada pelosistema hegeliano. Essa causalidade é eficiente (ou real) — querse trate de existência (a Grécia, Roma, o cristianismo, a religiãoegípcia) ou de essência (o fenômeno, a realidade, o objeto): cadaetapa opto-histórico-lógica é um efeito cuja causa produtora é aetapa anterior; e engendra ela própria a etapa seguinte. Essa efi-ciência, contudo, é dialética. Mas, na verdade, que significa essequalificativo? Como vimos, a Ciência da lógica nos esclarece aesse respeito. A diferença entre duas `categorias" (como entredois momentos históricos, religiosos ou estéticos) não poderia sercompreendida como diferença se inscrevendo no seio de um mesmoregistro: não é da ordem da comparação (comparação que se podefazer aparentemente, por exemplo, entre os dois estados de umcorpo submetido a uma transformação fisica ou química). Ela sóé diferença inteligível se comporta em si o processo que produz adiferenciação. Ora, a causalidade identitária (a que vai do Mesmoao Mesmo) é incapaz de assegurar essa produção, a não ser recor-rendo à ação contingente de um agente exterior — é isto queestabelece claramente a fisica galilaico-cartesiana: para que doisestados de um mesmo sejam diferentes, é preciso que um outrointervenha (Descartes tem de aproximar o pedaço de cera de umachama para que ele se tome maleável).

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160 HEGEL CRONOLOGIA 161

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CONCLUSÃO 163162 HEGEL

Na ótica identitária, a diferença não é pensada: é somenteconstatada. Há diferença pensada apenas entre o Mesmo e oOutro, eis o que é preciso admitir: o Mesmo e o Outro fazem adiferença. O um, todavia, só pode ser relacionado ao outroenquanto o engendra. A causa não é a verdade do efeito — istoé, não leva em conta sua manifestação —, a não ser quando oefeito é a negação da causa Só a . relação de negação torna adiferença pensável. O Império romano, que veio depois, é diferenteda Pólis grega. Para que, entre esses dois momentos, se instaureuma relação de inteligibilidade, é preciso que as determinaçõescaracterísticas de Roma neguem as da Grécia, tragam algumacoisa que seja, ao mesmo tempo, completamente nova e que, noentanto, não o é absolutamente. A negação é a verdade dadiferença, visto que no momento em que, necessariamente, elasepara, tão necessariamente quanto sem referência a qualquerexterioridade, ela une.

O sistema reproduz — nos diversos níveis do Espírito (dacultura, das diversas culturas) — o processo pelo qual as múltiplasdiferenças compreendendo-se como momentos ligados pela causa-lidade dialética, se ordenam segundo a inteligibilidade e a neces-sidade. Existem níveis diversos: a Propedêutica filosófica, a Fe-nomenologia do espírito, a primeira na exterioridade, a segundanum movimento de retomada interior, examinam o nível pedagó-gico, no sentido forte e platônico do termo; a Ciência da lógica,definindo, pelo lugar que ocupam necessariamente na ordem doSer (e do Discurso), todas as categorias concebíveis, determina olugar, finito e ilimitado, do pensável; as Lições sobre a filosofiadas religiões, sobre a Filosofia da história, sobre a Estética, bemcomo os Principias da filosofia do direto analisam, segundo oregistro próprio de cada um, os domínios onde o Espírito teve detrabalhar para fazer-se Espírito. Ora, se existe um sistema, é porqueentre esses diversos níveis existe uma unidade ou, pelo menos,uma homologia.

O Espírito seria uma simples coleção de conjuntos ordenadosse ele próprio não fosse o conjunto desses diferentes conjuntos.A Fenomenologia do espirito, numa primeira versão, a Enciclo-pédia das ciências filosóficas, num texto muito mais elaborado,introduzem essa coerência. Cada nível cultural é situado dialeti-camente em relação a todos os outros, segundo seu lugar onto-histórico-lógico. Os elementos que apresentamos visam precisa-

mente destacar a vontade hegeliana de organizar, segundo suas"diferenças-contradições", o todo do Espírito. A ordem do con-junto de todos os conjuntos — o Ser sabendo-se Espirito.—aparece ai como ele mesmo submetido à causalidade dialética.Esta, funcionando de maneira imanente, desempenha um triplopapel: assegurar, primeiro, a unidade diacrônica das diversasfiguras do Espírito no interior de cada ai de seus domínios;fundar, em seguida, a unidade sincrônica do Espírito diversificadoem domínios; estabelecer, enfim, a unidade da ordem sincrônicae da ordem diacrônica no absoluto de mar Saber que não deixanada cair fora de si.

Assim, no fundo, se cada elemento (existente ou essencial)extrai sua existência e significação das relações diacrônica (a Gré-cia, Roma, a cristandade) e sincrônica (a Arte, a Religião, a Filo-sofia) que ele mantêm com os elementos que, justapondo-se a ele,o determinam (e se determinam em relação a ele), o sistema dessasrelações encontra sua razão apenas no todo. O todo de Roma, otodo da Arte, o todo da Arte romana são expressões parciais datotalidade: nesse sentido, pôde se dizer que eles "simbolizam" comesta. A partir de então, assim como a causalidade real (ou "histó-rica") tem sua razão na dialética que a sustenta, a causalidadedialética que se diferencia em contradições articuladas tem seufundamento na causalidade do todo. -

A totalidade — que também podemos chamar o Ser, o Devir,o Pensamento, o Discurso ou, ainda, o Espírito — ê causa e razãoúltima. Sem referencia a ela, nenhum elemento, nenhuma relaçãoentre elementos é inteligível. Mas ela própria não é senão o sistemadesses elementos e dessas relações. Em cada linha diacrônica, -naordenação dos níveis tomados sincronicamente, a inteligibilidadeé introduzida por um ser-outro. Nem por isso é menos verdade queesse jogo das alteridades só tem sentido como organização de umterritório único, onde cada um dos elementos definidos pelas di-ferenças que se tomaram contradições acabam por se identificarsimbolicamente com o todo, na medida em que, à sua maneira ePM seu lugar, o exprime.

Mas visto que- o Todo é fundamento de tudo, em que ele selegitima? Tudo indica que não é obrigado a fazê-lo: é auto-su-ficiente e toda instância legitimadora suporia uma exterioridade,cuja função seria necessário legitimar. É preciso contudo que ele

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164 HEGEL Corva.UttO 165

ofereça um signo dessa auto-suficiência. Hegel, nós o sabemos,indica dois que, aliás, se confundem. É necessário retomar a esseponto. A suficiência da Ciência da lógica é confirmada pelo fatode que todas as categorias do discurso estão compreendidas nela— nos dois sentidos do termo; a Fenomenologia do espírito eas Lições sobre a filosofia da história determinam, quanto a elas,as condições, de um. lado "subjetivas", e de outro "objetivas","históricas" que permitem justificar o fato de que um tal saberaparece agora, nessa etapa (a última, aliás) do Espírito. Naverdade, a prova de fato dada por esses dois textos, por maisreveladora que seja da concepção de Hegel, extrai toda a suaeficácia das razões oferecidas pela Ciência da lógica. A Intro-dução às Lições sobre a filosofia da história não é, em relaçãoa isso, ambígua: é preciso pressupor (para que a continuaçãotenha sentido) que "a razão governa o mundo". Ora, esse voca-bulário. esotérico tem seu fundamento na demonstração apresen-tada pelo texto de 1812-1816. É a esta tambêm que remete a"filosofia da história", que conclui a exposição dos Princípiosda filosofia do direito.

A lição é clara. A resposta à pergunta que fazemos em nossaIntrodução, "Que é ser hegeliano?", pode agora ser formuladaassim: ser hegeliano é aceitar, sento todas as conclusões, todas aspáginas da Ciência da lógico, pelo menos a concepção de conjunto,o 'Método" propostos por ela. Mas o que ela propõe de fato? Amais estranha e genial das tentativas de redução jamais tentadas.Em geral, as reduções eliminam; rejeitam no inessencial o que nãoé importante. Já redução hegeliana não rejeita nada; quer integrartudo; e consegue. O essencial e o inessencial permutam suas de-tertninações a ponto de toda aresta e todo vazio tomarem, rapida-mente, seu lugar na engrenagem do Saber absoluto. Tudo está emseu lugar, da doutrina estoicista à existência do rei da Muda, eseria muito imprudente aquele que pretendesse encontrar na do-monstração erros que a desqualificassem.

Como o sistema hegeliano conseguiu elaborar essa reduçãogq integra? Atribuindo, no inicio da empreitada, ao homem, ou— é preferível dizer, sem dúvida •— ao sujeito Aa Ciência acapacidade de introduzir uma transparência total. IA metafísicatradicional,acentuamos, está fundada numa ambigüidade: assu-mindo a separação inicial do Ser e do Pensamento, ela admite,

ao mesmo tempo, que entre eles aliste conivência e que se podereduzir a distancia; ela se depara assim com dificuldades inex-tricáveis (aquela, por exemplo, do critério da verdade, do indíciopelo qual se pode reconhecer que a conivência foi mais forteque a separação). Essas dificuldades são afastadas pelo hegelia-nismo: Ser e pensamento são a mesma coisa; o Pensamento, queaprendeu a duras penas a apreendê-lo, pode se conhecer como opróprio Ser enquanto este se torna o que ele é: unidade doPensamento e do Ser. O Saber absoluto administra esse fato: sóele, parece, dissipa as obscuridades que a filosofia ocidentalacumulou...

Acabamos de assinalar: o equívoco desta última — de Platãoa Wolff (e mesmo até Kant, do modo como o lê Hegel) —consiste em definir arbitrariamente a distinção entre o essenciale o inessencial, isto é, de fundar essa distinção sobre um empirismoradical; pois a verdade. (uma verdade que, de qualquer modo,funciona como critério) da idéia platônica, bem como a daverdadeira e imutável natureza cartesiana, só é confirmada pélaexperiência que o Espírito pode ter dela, liberto da sujeição daspaixões. A Razoo se opõe à não-razão e a julga: mas é aexperiência da Razão que decide e consegue extrair do existenteconfuso aquilo sobre o que temos o direito de nos apoiar legi-timamente. A verdade define a realidade: o real é aquilo queexperimentamos como verdadeiro. 4-

Hegel não cai nessa armadilha O arbitrário da distinção es-sencial-inessencial, a contingência da experiência que a legitimadeixam a filosofia sem resposta diante das contestações céticas.Tudo é igualmente verdadeiro e real: convém partir deste princípio.É o único meio de conjurar a anifilosofia e de superar, organizan-do-a, a metallsica É propriamente no Ser-Devir, na totalidade desuas manifestações, que devemos nos fiar, para acompanhar, me-ticulosamente, suas articulações e seus desenvolvimentos. No en-tanto, o empreendimento só tem sentido se o Ser, mesmo que nãose conheça, que não seja conhecido como tal, já é Radio. Naconcepção metafisicamente revolucionária de Hegel, as oposiçõesentre o Absoluto e o Sujeito, o Ser e a Razão, a derivada doPensamento e do Discurso andam-se. O Absoluto é Sujeito, o Seré Razão, o Pensamento é Discurso. Mas como o descobrimos?Como esse movimento que, partindo de diferenciações efetivas,chega à identidade diferenciada,como ele se legitima?

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166 HEGEL CONCLUSÃO 167

Por uma outra experiência, a da Razão se constituindo, per-correndo-se e controlando-se ela mesma enquanto desenvolve oprocesso de seu discurso explícito. A separação do essencial e doinessencial é abolida; a experiência — no sentido empirista —subsiste, contudo, como critério da organização, isto é, do juízo.Na Fenomenologia do espírito, o dado, o experimentado — o sentirda consciência, o desejo da consciência de si, a razão —encontramrapidamente sua tradução, uma tradução que, sem nada eliminar,expõe sua racionalidade. A Ciência da lógica não procede de outromodo: parte de um dado — a noção do Ser, presente em todo oenunciado — e se entrega em seguida às determinações que esteimplica...

O hegelianismo é um empirismo da Razoo. É neste sentidoprecisamente que é bem-sucedido, que cumpre sua tarefa consumaro platonismo e suprimir todas as dificuldades da metafísica subse-qüente. Esta tentava reproduzir no conceito o núcleo racional in-cluído na realidade. A Ciência hegeliana compreende a realidadeem toda sua vastidão como Razão e, por conseqüência, a Razãocomo sendo a própria realidade. Seu material é a razão-realidaderefletida por sua ordem discursiva. Sua constituição é a do próprioSer. A antropologia da Aujkidrang recuperou inteiramente o em-preendimento metafísico: a finitude, reconhecendo-se assim, passoua ser o lugar da infinidade atual. Não que o homem seja Deus (ouque "Deus esteja morto"): é que, na ótica definida por Hegel, ummundo se ergue, o último, que, em todos seus domínios, introduza possibilidade de uma transparência completa

A contestação (ou a validação) não poderia ser da ordem dofato. Pouco importa, no fundo, que a situação dos Estados atuaistenha "dado razão" a Hegel, ou que o desenvolvimento das ciênciasfisicas não lhe tenha "dado razão". O problema não se situa nessenível. Não se poderia, tampouco, aceitar (ou recusar) a revoluçãocartesiana, comprovando seja a exatidão de sua Dióptrica,- ou oerro que ele cometeu em relação á detenninaçlo da força viva ouem relação ao cálculo da distância da Terra à Lua A questão ésaber se a definição hegeliana da atividade teórica é correta, se dáuma definição aceitável da ciência.

A realidade da Ciência tem por fundamento, segundo Hegel,a identidade primeira do Ser-Dev ir e do Pensamento-Razão. Elapressupõe não apenas duas identificações "primárias" (às quais

não voltaremos), porém ainda e mais profundamente um movimentoduplo de absorção, do Ser na Razão, da Razão no Ser. Uma primeiraobjeção — banal e eficaz — impõe-se: Klug já a apresentara e osdetratores atuais do "dogmatismo" hegeliano o repetem à vontade.A identificação sine qua non (est scienlia) exige que já se tenhareduzido implicitamente o Ser à sua medida racional, que se tenhaeliminado a profusão e a opacidade de fato (senão de direito) doexistente, que se tenha integrado, em particular, o devir à sua"filosofia".

Mais ou menos na mesma época, Kierkegaard e o jovem Marx,este instruído pela critica de Feuerbach, se servem da realidadeempírica para negar o poder do sistema. O primeiro invoca a riquezavivida da subjetividadeque, sempre aquém do conceito, está naverdade sempre além, na contingência indefinida de sua aventuracriativa; o segundo opõe "à coisa da lógica", pela qual só seinteressa o homo logicus hegeliano, produto quintessenciado daideologia metafísica, "a lógica da coisa" com a qual se confrontouna prática o homem real, trabalhador que tem de, acima de tudoe fundamentalmente, produzir e reproduzir socialmente seus meiosde existência.

Essa contestação da teoria pela empina, por mais interessanteque possa ser em determinadas conjunturas históricas — ela o foino que diz respeito a Marx —, não é realmente séria: os interlo-cutores de Sócrates já evocavam a experiência, pessoal ou social,para ridicularizar as pretensões da filosofia. Kierkegaard e o jovemMarx, no fundo, não vão muito mais longe que eles, embora oconteúdo de sua argumentação exija mais reflexão. Qual é, naverdade, a natureza dessa realidade empirica que teria por si mesmao privilégio de julgar em última instância? Por que esta em vezdaquela? Foi exatamente esse recurso arbitrário que a metafísicatentou eliminar, e que o hegelianismo, repensando a "experiência",distinguindo existência e realidade, conseguiu invalidar. A expe-riência fala apenas quando a interrogamos...

Trata-se pois apenas de saber se o hegelianismo define ascondições de uma boa interrogação. Ora, parece que o principioteórico que assegura o êxito do sistema proíbe este, ao mesmotempo, de formular verdadeiras interrogações: entre a pergunta ea resposta não há nenhuma distância; a própria imanência doEspirito estabelece de uma à outra uma continuidade que confere,

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168 .HEGFL

CONCIOSÃO 169

sem dúvida, a coerência, mas que abole a possibilidade de umaproblemática efetiva qualquer. A pergunta está implícita na ordemdo Ser, ordem que garante ela própria a resposta. Como jaacen-tuamos, o Saber absoluto é, no fim das contas, o conjunto de todasas respostas e a resposta global que disso resulta. Quanto às per-guntas, não são nada senão a prefiguração das respostas.

Repitamos que toda crítica "realista" é inoperante. O que faltaao hegelianismo não é de modo algum um objeto empírico a partirdo qual (ou contra o qual) se construiria o sistema: tampoucorecusam o empirismo hegeliano o sujeito de Kierkegaard ou ohomem empírico do Marx do Manuscrito de 1844, muito menosainda os "fatos" evocados desde então — fatos que só são "obs-tinados" na cabeça dos que não pensam. O que pode contestarefetivamente o sistema é o "método" implícito que ele adota:"desde o início" — do Ser e do Pensamento — a ordem racionaljá esta ai, desenvolvendo, de antemão, por assim dizer, suas inter-rogações e soluções. "Desde o início" — um início ao mesmotempo e confusamente histórico, lógico, pedagógico; literal — oque se chama hoje de significante, ou seja, o registro mal diferen-ciado onde se entrecruzam e se impõem as condutas, palavras, ostextos, os desejos, as reações do padecimento e as conseqüênciasdo que se convencionou denominar vontade, inscreve-se comoreflexo (ou reflexão) de uma ordem. Essa ordem ê pressuposta; aordem de uma linguagem, de determinado tipo, a linguagem ra-cional, que usa como critério de sua legitimação a clareza, adistinção, a transparência de seu próprio desenvolvimento, a lin-guagem da metafísica...

Em suma, há uma eventualidade que Hegel não revela —even(ualidade indicada talvez por Aristóteles, na qual se baseavaSpinoza, que evocava Kant —, segundo a qual a ordem jamais épré-dada: existem "acepções múltiplas" (do ser e do discurso),todas também válidas, tomadas como tais; há níveis do conheci-mento, cada um obedecendo a uma lógica própria, irredutíveis unsaos outros; há uma constituição da Ciência que é impensável semreferência à existência-limite de uma alteridade que, por ser redu-tível, não deixa por isso de ser fundamental. O hegelianismo admitecomo fato da. razão, partindo, em conseqüência, de si, que todasas línguas são homogêneas umas às outras e que o ponto de suahomogeneidade é o de sua integração. A redução integrante queele introduz toma por principio a Idéia de que todo conjunto de

significações encontra no sistema "superior" sua expressão ade-quada: assim, entre o discurso da consciência tentando "falar" desua experiência, o da Sialichkeit manifestando-se nos atos e nasobras, o do Saber que reflete esse conjunto, Hegel, que é tido comoo teórico da contradição, supõe uma identidade fundamental. Paraele, filosofar é traduzir; e traduzir é transpor numa metalinguagemdefinitiva e enriquecedora.

Certamente, não há outro da linguagem (a não ser como limiteindefinidamente presente e em relação ao qual a especulação nãodeixar& irrisoriamente, de desenvolver suas hipóteses). Mas há aoutra língua, as outras línguas, das quais não há nenhuma garantiade que se possa reduzi-las diretamente — pelo jogo de múltiplasmediações "lógicas", de tão numerosas e sutis que seriam — àlíngua fundamental.. Hegel postula a existência dessa língua fim-dementai; ao mesmo tempo, atribui à Ciência um status cuja legi-timidade não provou. Sem dúvida ele parece implicado na noçãomesma de um discurso científico que compreende aquilo de que édiscurso. Mas não estabelece por que a diferença entre a ciênciae seu "objeto" deve ser restabelecida, através da contradiçãoresolvida, à identidade efetiva.

Essa diferença talvez seja de outra natureza, da qual não dãoconta nem a identidade ("metafísica") nem a contradição (dia-lética).

Finalmente, é com desenvoltura que Hegel trata a hipóteseteórica desenvolvida por Kant. Não conviria melhor ao processoefetivo da Ciência que a teoria fosse apenas a análise, indefinida-mente retomada, das condições do trabalho cientifico; e que, comotal," não se constituísse jamais, em nenhum caso, como corpodoutrinal? Não pertence ao status dessa análise não ter outra provasenão a possibilidade que oferece às "ciências reais" — as que,tendo constituído seu objeto, indicam com exatidão seu campo

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170 HEGEL CONCLUSÃO 171

empírico e seus métodos — de se conhecer melhor e apreender,mais claramente, as relações que mantêm umas com as outras?

Em suma, o hegelianismo confunde, numa operação redutora,Saber absoluto, sistema das ciências e teoria da Ciência. Deixa dediscutir seriamente — porque rejeita, com justa razão, a filosofiaprática de Kant como solução — a oportunidade teórica da pers-pectiva descortinada pela Critica da razão pura...

Com a obra de Hegel, a Razão, na sua acepção especulativa,atinge, ao mesmo tempo, sua maior profundidade e expansão; e,na medida em que a linguagem da pesquisa filosófica e científicaainda é hoje bastante tributária desta concepção da racionalidade,o texto hegeliano é de importância fundamental. Define os concei-tos-chave em tomo dos quais se organiza a linguagem do que seconvencionou chamar ciência. O parentesco de origem entre estae a metafísica é tal que a compilação hegeliana — a técnica derememorização refletida — fornece e fornecerá por muito tempoas articulações teóricas graças às quais poderão ser eficazmentecombatidos os equívocos do empirismo e do positivismo. Leninestá certíssimo: o conhecimento da lógica de Hegel continua a sera propedêutica ao exercício do Saber. Quase não insistimos, naanálise anterior, nos temas que constituíram o essencial da inter-pretação do hegelianismo na França desde meio século atrás: adialética do desejo e do reconhecimento, a do trabalho e da liberdade(que alimentaram o humanismo cristão-marxista) ou o mêtodo"tese-antítese-síntese" (que serve de esquema para as más disser-tações). Se os negligenciamos foi porque, para a leitura, julgamosque não correspondem nem à exposição manifesta nem a umsignificado oculto dos textos. O sistema de Hegel não é umaantropologia; é uma lógica. Define uma filosofia, não do Homem(desejo, trabalho, superação, contradição, totalidade) mas do Espí-rito (diferença, contrariedade, decibilidade). O pós-marxismo, opós-nietzscheísmo (como se fosse possível!), o pós-freudismo jul-garam poder extrair do discurso hegeliano uma problemática exis-tencial com a virtude de "atualizar" Hegel, isto é, tomá-lo eficaznos debates ideológicos (ou contra-ideológicos) dominantes... Aordem hegeliana não tem lapsos parciais: diz o que diz até oesgotamento do sentido.

Resta o lapsus global. Este lapsus refere-se à própria cons-tituição da Razão, que, no meio da redundância do discurso, éo objeto de uma estranha elipse. Hegel, não mais que Sócrates.

apesar de incisivamente solicitado por Cálicles, não está em.condições de responder à pergunta decisiva: a da natureza dessaforça que habita a Razão e que, sob os aspectos da legitimação,finalmente, a impõe. A qual realidade corresponde essa produçãoda Razão? Desenvolvimento não é fundamento; a auto-suficiêncianão explica a Potência. Seria ainda preciso saber por que e emquais circunstâncias a linguagem da Razão (na prática da escritadeliberando sobre sua forma) não parou de afirmar seu império.Hegel estabeleceu os direitos da Razão — com mais segurançae extensão que Spinoza e Kant talvez —; mas só conseguiu issoao conduzir o direito ao fato, ao pressupor sua identidade fun-damental. Elucidou o problema formulado precisamente por Spi-noza, Kant e também Rousseau: o problema do fundamento e daforça efetiva do direito, o problema da constituição da Razão.

A busca da melhor maneira de formular essa questão, dedeterminar seu sentido exato, de desvendar o alcance que poderiamter a ou as respostas, é nisso que se emprega a pesquisa atualmente.À distância da deslumbrante clareza hegeliana.

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rxONOtOGM 173

Cronologia

OS ACONTECIMENTOS

A CULTURA

A VIDA

AS OBRAS

1770 Lavoisier analisa a composiçãodo ar.

1771 Invenção da water-frame porArlrwright

1772 Segunda viagem de Cook.1773 Revolta de Pugatchev.

17741775 Watt utiliza industrialmente o

vapor1776 Proclamação da independencia

dos EUA

17771778

1779 Invenção da anule-jenny porCrompton.

1780

1781 Capitulação inglesa emYorktown.

17821783 Análise da água feita por

Lavoisier; invenção do acros-tato; invenção da pudlagem.

1784

D'Holbach, O Sistema danatureza (1769-1772);—o alemã, em fragmen-tos, das obras de Steuart,Investigaçbes sobre os princí-pios da Economia (publicadoem Londres an 1767).

Goethe, Goeh de gerflchingen.

Goethe, 'Perfilar.Lavater, Fragmentos%rsiognomdnicos.Adam Smith, Investigaçãosobre a natureza e as camasda riqueza das nação; B.Gibbon, Declínio e queda doImpério romano.Klinger, $tmm md Drang.Morte de 1.-1. Recosam; Beau-marchais, As bodas de Figaro;Buffon, Les 4poques de lonature.

Wieland, Oberon.

Schiller, Os salteadores; Kant,Critica da razão pura.Lados, As ligação perigosas.

Herdar, Idéias sobre amafilosofia da história dahumanidade

1770 27 de agosto. Nascimento deCrtmg-WiBa:lm-Fried,ichHegel em slmtgan, filho deOeorg-Ludwig Hegel, chefe da

chancelaria do ducado e deMaria-Magdalena, nascidaEram.

1773 Impem na escola primáriadml

1775 Ingresso asa escola Wma

1780 Ingresso na escola religiosa, oGywoariow ilhrire deStuttprt (permanecerá ai poronze anos).

1783 Morte da mie de liegeL

• Obras publicadas durantea vida de Hegel.

172

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174 HEGEt CRONOLOGIA 175

OS ACONTECIMENTOS

A CULTURA

A VIDA - AS OBRAS

1785 Viagem de La Pérouse;primeira fiação a vapor;invenção do tear mecânico.

1786 Morte de Frederico II; subidaao trono de FredericoGuilherme II.

1787 Constituição dos EUA.

1788

1789 Assembléia constituinte;tomada da Bastilha; declaraçãodos Direitos do homem e docidadão.

1790 Morte de José II, imperada daÁustria; subida ao trono deLeopoldo II; na França,Constituição civil do clero.

1791 Lei Le Chapelier; reunião daAssembléia legislativa, otelégrafo ótico.

1792 Morte de Leopoldo II; subidaao trono de Francisco II; naFrança, "a pátria em perigo";manifesto de Bninswick; comu-na insurrecional de Paris; que-da da realeza; Vaimy; reuniãoda Convenção; Jemmapes.

1793 Execução de Luls XVI;criação do Comité de SalvaçãoPública; o `Terror''; o"máximo"; invenção dodescaroçador de algodão.

Mozart, As bodas de Figaro;Jacobi, Acerca da filosofia deSpinoza; Mendelsohn, *lati-rdes.L de Multa, História daea federação suíça.

tal. da Crítica da razãopura Goethe, /lgdnia;SdNkr, Don Carlos;Lagrange, Mecânica analítica;Mozart, Doa Giovanni;Kant, Critica da razão práticaGoethe. Egmont, Schiller, Arevolta dos Palres Baixos.

1. Bentham, Introdução aosprinclpr'os da moralidade e dalegislação.

Goethe, Primeiro FaustaKant, Critica da faculdade dejulgar, E. Burke, Reflexõessobre a Revolução Francesa;Th. Paine, Os direitos dohomem.

Fichte, Ensaio de uma criticaa toda revelação: 1792-1796,Goya, as Mujas.

Jean-Paul, La Loge invisible;Schiller, A Guerra dos TrintaAnos, Ind. da Ilíada por Voss;Fichte, Contribuiçdes... sobrea Revolução Francesa

1788 Diploma de fim de estudossecundários (Maturum); inscri-ção no Stift de Tobingen,seminário de teologiaprotestante, na qualidade debolsista ducal.

1789

1790 Hegel obtém o grau deMagister philosophiae.

1793 Hegel defende sua dissertaçãoperante o consistório do Stifi.Renuncia à sua profissão depastor e toma-se preceptor emBerna.

1785 Hegel começa uni diáriointelectual em alemão e latim;Conversa com Otávio, Antônioe Lépido.

1787 Sobre a religião dos gregos edos romanos.

Sobre algumas diferençasentre os poetas antigos emodernos (esses três textospublicados por Hoffmeister emDocumentos sobre a evoluçãode Hegel, Stungart, 1936).

Por volta de 1793, Religiãonacional e cristianismo.

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176 HEGELO[ONOLOCAA

177

A VIDA AS OBRASOS ACONTECIMENTOS

1794 Insurreição de Kósciusko;festa do Ser supremo; Floreai;queda deRObespiare; fecha-mento do clube dos jacobinos;abolição do "máximo".

1795 Na França, Constituição doano III; o Diretório substitui aConvenção.

17% Na França, prisão de Babeuf;morte de Catarina II, impera-triz da Rússia; subida ao tronode Paulo I; Batalha de Arrole;Jenner descobre a vacinação.

1797 Rivoli; preliminar de Laeben;golpe de Estado do Fnnidor;Frederico Guilherme II. Subidaao trono de FredericoGuilherme III. Campo-Farino.

1798 Expedição do Egito; Segundacoalizão.

1799 Golpe de Estado do Rabiai;vitória francesa em Zurique;estabelecimento do Consulado;Constituição do ano VII; oConselho de Estado.

A CULTURA

Bani, A religião dentro doslimites da simples razão; Con-doia* Esboço de um esquemador progressos do espíritohumano; 1794-1795,Fichai Doutrina da ciênciaKani, Projeto da pos perpétua;Sede. A filosofia na alcova;Schelling, Da possibilidade deesta forma da filosofia emgeral;De Bonald, Teoria do poderpolítico; Laplace, aposiçãodo sistema do mundo; Fichte,Os fundamentos do direito na-tural; Schelling,.Canas sobreo criticismo e o dogmahámo.Kant, A mmwJ<aica da moral;ClWaubriand, Ensaio sobre aRevolução; 1797-1799, Hblder-lin, Hipérion ou o eremita daGrécia.Goethe e Schil cr, Bailam;Wordaam/h e Coleridge, Bala-das líricas; Mahha, &sai sarle pbripe de la popvlarion;1798.1800, A.-W. e Fr.Sdnkgel, O oramo; FiehR, Adoubina dos costumes.

Schb®acber, Discurso sobrea 'Oiti* Beemove , Sonatapatética; Filhe. Destino dohomem.

1795

1796

1798 Preceptorado em Frankfurt.

1799 Morte do pai de Hegel.

Vida de Jesus; 1795-1796, Aposição da religião cristã(essa dois títulos publicadosem Escritos teológicos dojovem Hegei, H. Nohl.Tabingen, 1907)."Primeiro programa doidealismo alemão"; diário deviagem no Oberland(publicado por Hoffmeister,op.cit.).

A nova situação interior deWurtemberg (publicado por G.Lasson, Escritos polãicos,Leipzig, 1913); Rad. ecomentário das Cartas de 1.4Cera; 1789-1799, O Espíritodo cristianismo e seu destino(em Nohl, op.cit), aConstituição da Alemanha (inLasson, op.cit.), comentário dolivro de Siarei, Investigaçõessobre ar princípio, daeconomia política.

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1801 Defesa da tese de habilitaçãoem lema; Privatdozent naUniversidade de Iene.

1802 Fundação, em lena, com Schel-ling do Jornal Critico deFilosofia.

178 HEGEL CRONOLOGIA . 179

OS ACONTECIMENTOS

A CULTURA A VIDA

AS OBRAS

1803

1800 Criação do Banco de França;instituição dos prefeitos;Marcn-go; Hohmlindaç Voltainventa a pilha

1801 Na Rússia. subida ao trono deAlexandre 1; a Concordata.

1802 Paz de Amiais; os liceus;Constituição do ano X.

1803 Quebra da paz de Arnicas; oopúsculo operário.

1804 O Código civil; Napoleão Iimperador dos franceses;Constituição do ano XII.

1805 Terceira Coalizão; Ulm;Trafalgar; Austerlitz; paz dePresbourg; invenção do oficiode tecer a seda; Mohamed Ali,paxá do Cairo.

1806 Napoleão rompe com o papa;a Confederação do Reno; fimdo Sacro Império romanogermânico; Quarta coalizão;lona; Auerstaedtl entrada deNapoleão em Berlim; oBloqueio continental.

Schiller, Wallenstein; lean-Paul, Fitam; Sdrelling, Sistemado idealismo transcendendahMme. de Sael, Sobre a

Cbateura.

CIWpubrimd, Atola; Fichte,O Estado comercial fechado;Jaco-bi, Sobre a empreitadado criticismo.Novelis, Poesias; Henrid'Ofterdingen; Cabanis, Tra-tado Jlsico e moral do homem:Chateaubtim4 Espírito docristianismo; Schelling, Brunoou Sobre o principio natural edivino das coisas.

Hebbel, Poesias; 1.-B. Say,Trotado de economia política.

Fourier, Harmonia universal;Beethoven, Sinfonia heróica;Schelling, Filosofia e religião.Schiller, Guilherme reli;Chateaubriand. René.

Fichte, lnmoductim à la viebienheureuse.

• Orbitis Planetaeum;• Diferença dos sistemas deFichte e de Schelling.

O sistema da moralidadesocial (publicado por O.Lassai, op.cit.); 1802-1803,• artigos do Jornal critico defilosofia: 1. Sobre a essênciada critica filosófica; 2. Comoo senso comum compreende afilosofia; 3. A relação do ceti-cismo com a filosofia; 4. Fé esaber, 5. Sobre as maneiras detratar cientificamente o direitonatural.1803. 1806, os Cursos de lena(publicados por G. Lassai,Leipzig, 3 vo1.,1923-1932).

1806-1807, • A fnomenologiado espirito.

1805 Sob a recomendação deGoete, Hegel é nomeado pro-fessa extraordinário em Ima.

1806

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180 HEOEL CRONOLOGIA

181

A VIQA AS OBRASOS ACONTECIMENTOS

1807 Eylau; Friedland; tratado deTilsin; abolição da escravaturana Prússia; reforma doexército e da administraçãopnusianas.

1808 Inicio da insurreiçãoespanhola; Bolívar toma opoder em Caracas; entrevistade Erfurt.

1809 Quinta coalizão; Eckmehl;Essling; Wagram; pisão dePio VII.

1810 Insurreição geral das colôniasespanholas; criação daUniversidade de Berlim;rompimento do Bloqueiocontinental pela Rússia;invenção da máquina de fiar olinho; o Código penal; criseeconómica na Inglaterra

1811 Reformas do liberalHardenberg na Missa.

1812 Inicio da sexta coalizão;campanha da Rússia; aMoscou; a &rezina.

1813 Sétima coalizão; Leiprig.1814 Campanha da França; capitula-

ção de Paris; abdicação deNapolelo; início do Congressode Viena; a locomotiva deStephenson; primeira tentativade iluminação a gás, emLondres.

A CULTURA

Kleist, Aephiayon; leso-Paul,Levam.

Fichte, Discursos à medoatem& Goethe, Fausta; Kleist,Pentesl1n; Fr. »legal,Língua e sabedora doshindus; A.-W. Sehlegel.Blindava dramática.Goethe, As afinidades deliras;Schelling, Pesquisas filosóficassobre a essência da liberdadehumana.Kleist, Cogitarias deReabram; Mme. de Slael,Sobre a Akmanhc Ba bono,Fumam; 1810-1814, Goya, OSdesastres da guerra.

1811-1832, Niebubr, Hktdriaromana; 1810-1833, Goethe.Pasce e verdade;Byroq Chllde Harald; Tieck,Phanrasur, os irmãos Grimm,Contos; SchopenWUer, Aquádrupla raiz...; 1813-1826,Sbelley, Poesias.

Chateaubriand, De Huonapateata Bourbon; Biran, Bapporada physiq.e et das moral;Hofmann, Tableaux defintaria, 1814-1832; W. Se«,Romances.

1807 Hegel assume a direção daGrama de Bamberg;nascimento de um filhonatural, Ltdovie (morreu noExtremo Oriente em 1831).

1808 Graças a Niethammer, énomeado professa, depoisdiretor do ginásio deNuremberg.

1811 Hegel se casa com Maria vonTbeher, e dessa união nascerãodois filhos, Karl e Immenuel.

1809-1816, Propedêuticafilosófica.

1812.1816, • Ciência dalógica, 3 vol.

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Fr. Sahosei, História daliteratura antiga e moderna;1815-1822, Limarei, Histórianatural dos animais semvértebras

Schlosser, História universal;Bazdlius, Química mineral;Cuvier, O reino animaldistribaldo segundo suaorganaaçdo; Bopp, Sistema daCMf no& d0 sdnscrlto.D. Ricardo, Pri clpior de eco-nomia pal&lca; &ira-Simon, Aindústria.

Clausewitz começa a redaçãode A guerra; Schopenh.uer, Omundo como vontade enprasentaçdo,, 1818.1820,descobertas farmsluticas dePeitai« e Cavadou.Goethe, Divd ocidental-oriental; O. Grimm, Gramáticaalemd; Keats, Odes; F.Schuben, Quinteto para doisvioloncelos; Gericauh, AJangada da "Medusa".

1816 Nomeação • cadeira defilosofa da Universidade de'Heidelberg.

1817 • Resumo da Enciclopédia dasciências filosóJkas; doisartigos publicados rios Anaisliterários de Heidelberg;• Resumo t. Ill das obrar deJacobi e • Sobre os debates deWurtemberg de 1815 e 1816.

1818 Nomeação de }lega, peloministro liberal Altenatain,para a cadeira de filosofa daUniversidade de Berlim, vagadesde • mate de Fichte (1814).

1819 Liça.: sobre a história dafilosofo; proferidas asaBafore, publicadas por K.-L.Michela, 3 vol., Berlim, 1833-1836.

CRONOLOGIA 183182 NEGO_

OS ACONTECIMENTOS

A CULTORA A VIDA

AS OBRAS

1815 Os "Cem dias"; Waterloo; em23 de maio, o rei da Próssiapromete unia Constituição aosseus súditos; • Santa Aliança;desenvolvimento, naAlemanha, das "sociedades deestudantes".

1816 Sublevações agrárias naInglaterra.

1817 A Burschensclmf de Ieneorganiza a cerimônia patriótico-liberal de Wanburg; repressãoda policia.

1818 Constituições para a Baviera eBaden; greve dos operáriosdas tecelagens na Inglesem,.

1819 Constituição para oWOriemberg; agitação operáriana Inglaterra (acontecimentosde "Petaloo", de Bonnymulr);promulgação da lei dita dos"Seis Atos" reprimindo •atividade reivindiuWiaopairia; assassinato de Kotze-bue, propagandista do Czar;conferencia de Carlsbad,pondo sob tutelas asuniversidades alemãs; oSavannah, primeiro navio avapor a atravessar o Atlântico.

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184 HEGFL CRONOLOGIA 185

OS ACONTECIMENTOS

A CULTURA

A VIDA

AS OBRAS

1820 Assassinato do duque deBerry; revoluções em Mal,Nápoles, Lisboa; agitação naAlemanha (execução de Sand);congresso de Troppau e deLaibach; relançamento daSanta Aliança; repressãoaustríaca tia Itália

1821 Inicio da insurreição grega.

1822 Congresso de Varou; tomadado Trocadao; repressão naEspanha e em Portugal;massacres de Chio.

1823 Buonarroti expulso de Gene-bra; repressão policial condaos intelectuais na Prússia; de-claração de Monroe nos EUA.

1824 Reorganização autocrática daPrússia; renovação das deci-sões de Carlsbad; prisão de V.Cousin em Dresden como libe-ral; vitória de Sucre em Ayacu-cho; reconbecimehto pela Grã-Bretanha das repúblicas do Mé-xico, Colômbia e da Argenti-na; morte de Luis XVIII;subida ao trono de Carlos X.

1825 Morte de Alexandre 1;tentativa de golpe de Estadomalograda na Rússia (os"dezembristas"); leireconhecendo o direito degreve na Inglaterra; ação deRobert Owen em favor daTrades-Union e dascooperativas.

lamartine, Meditaçõespoéticas; Toma, Roma vistado Vaticano; Oersted, o abam-magnetismo; Ampère, o Metro-dinamismo; 1820-1823,(Rimas sonatas para pisoo deBeedoveq Prehkin, Rmuslanee Ladwilla.1. de Meistre, Les soldes deSaia-Pétersbourg, 1. S. Mill,Elementos de economia políti-ca; trabalhos de Faraday; KM. von Weba, O Freischro.Fomier, Tratado daassociação doméstica eagrícola; Orate, Influência dareligião natural sobre afelicidade da humanidade;Champollion decifra a pedrade RosemBeedovea, Missa solene.Nona sinfonia.

S. Canot, a termodinSmica;Sues, O voto de Luis XVIII;Delacroix, Cenas de massacreem Selo; 1824-1826, últimosquartetos de Bethoven; 1824-1831, B. Comas, Sobre areligião.

1825-1840, mapa geológico daFrança de E. de Beaumont eDufrenoy; 1825, A. Thiemy.História da conquista daInglaterra

1820 Ilegal f designada membro dacomissão de pesquisa cientificade Brandmmburgo.

1821

1822 Viagem à Bélgica e aos FalsesBaixos

1824 Viagem a Praga e a Viena.

1820-1829, Lições sobre a esté-tica, publicadas por E. Hotho,3 vol.. Berlim, 1837-1842.

• Princípios da flmofa dodireito, 1821-1831; Liçõessobe a filosofia da religião,publicadas por P. Marheineke,2 vol., Berlim, 1832.Lições sobre a filaeofia dahistória, publcadis por E.Gans, Berlim, 1837.

1823-1831, publicação de oito• artigos nos Anais de criticacientOca.

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A CULTURA A VIDA AS OBRAS

H. Hcinc, Quadras de viagem;Guia inicio da História darevniuçõo da InglaterraHeine. O livro as canções; V.Hugo. Cromwel; trabalhos deOhm; Michelet, Compêndio dahistória moderna.Correspondência entre Goethee Schiller.

V. Hugo, Henrani; debatecome Cuvier e G.offroy Saint.Hilaire sobre o transformismo;A. Comte, inicio do Curso defilosofia positiva.

1827 Vagem • Puis (encontra V.Coosio) com Goelhe.

1829 Hegel é eleito mirar daUnivmeidade; encontro comSoda&

186 HEGEL CRONOLOGIA 187

OS ACONTECIMENTOS

1826 Autonomia da Sérvia.

1827 Batalha de Nevaria; subida aopoder de R. Peei na Grã-Breta-nha

1829 Abolição da óiiI do Test eliberalização do regime naManda.

1830 "Tas dias gloriosos"; quedade Carlos X; Luis Felipe, reidos francesa; subida ao tronode Guilherme IV na Gm-Bre-tanha; voto da óill de Reformapela Cintara das Cominas;revolução belga; governoprovisório autônomo naPolónia; Constituições deHannover e da Baeta;IMependbncia da Grécia;inven-ção da máquina decosturar; estrada de ferro deLiverpool a Mar-bater.

1831 Repressão rama na Pala;conferência de Londres garan-tindo • neutralidade da Belgica.

183/ Hegel morre de cólera Publicação da primeira parede um e migo no Jornal doEstado pnmmno sobre o BUI& reforma inglês, publicaçãointerrompida pela censura.

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Notas

Notas do anilo.

P-31• É evidente que estamos simplificando cansiderevelmeate. Seria preciso

estudar, em particular, as nuanças, as mutações, até mesmo as contradiçõesde F. Sehkgel.

p36

• Os textos citados da Ciência da lógica foram traduzidos (para otrances) por Antoine Bermas.

R74• É isso que A. Kojbve ensina, com preciso. O plano da Fenomenologia

do espírito que ele propõe, insobstitulvel e que é nosso pia nesta pesquisa,distingue nitidamente o que é em si, o que é para si, e o que, por ou go lado,é da ordem das "notas" (que não deveriam, com todo rigor, figurar no texto).É isso que classificamos sob a rubrica "em si e para si". O pedagogo nemaempm consegue evitar a condição de mestre.

p.81

• Talvez surpreenda, em relação a esses aspectos "existenciais", queMo tenhamos estudado mais detalhadamente na seção anterior o que pareceu• muitos intérpretes a contribuição. decisiva da Fenomenolagia do espirito:a análise do Desejo, a dialética do senhor e do escravo, a definição da "atitudelaboriosa" e da essencia do trabalho que dela resulta Esses textos foramobjeto de inúmeros comentários, dos quais o mais admirável é o que abre olivro de A. Kojeve; cf. Hegel, Phénoménologie de 1'Ewrit, 1, p.155-166.Elucidemos que não julgamos fundamental esse momento da obra hegeliana,por mais importantes que sejam as ressonâncias que teve. Assinalemos essetexto condensado que consta no Précis de L'Encyclopédie, 3• parte, l a seçãoB, b, p.24143:O desejo: A consciência de si em sua imediatidade é coisa individual e desejo,mas é a contradição de sua abstração que deve ser objetiva. ou de sua

189

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190 NEGEL NOTAS 191

imediatidade que temo aspecto de um objeto exterior e que deve ser subjetivo.Para a certeza de si, proveniente do afastamento da consciência o objeto édeterminado, como nada (nichtiges) o mesmo se dá com a idealidade abstratana relação da consciência de si com o objeta

A consciência de si é portanto si, em si, no objeto, que, nessa relação,está de acordo com a tendência. Na negação dos dois momentos exclusivos.como atividade própria do Eu, %ssa identidade se realiza para ele. O objetonão pode resistir a essa atividade, como estando privado de individualidadeem si e para a consciência de si; a dialética que é sua natureza consistindoem afastar-se. existe aqui como essa atividade do Eu. — O objeto dado éaqui posto subjetivamente enquanto a subjetividade dissipa sua exclusividadee se torna por si objetivo.

O resultado desse processo é que o Eu se encerra em si mamo e encontraassim sua própria satisfação e realidade. Exteriormente, permanece nesseretorno a principio determinado coma individual, e se conservou assimporque só se relaciona negativamente com o objeto sem individualidade eporque este se acha assim simplesmente absorvido. O desejo é. em geral,destruidor quando se satisfaz; bem como em seu conteúdo, egoísta; tantoporque a satisfação foi sentida apenas no ser individual como porque épassageiro, o desejo reproduz-se pela satisfação.

Mas o sentimento de si que dá ao Eu a satisfação não permanece dolado interior ou em si. no ser-para-si abstrato ou na sua individualidade,porém como negação da imediatidade e da singularidade, o resultado encerraa determinação da generalidade e da identidade da consciência de si comseu objeto. O juizo ou divisai; dessa consciência de si é a consciência de umobjelo livre em que o Eu acha a consciência de si mesmo como Eu: eu queainda está fora dele.

A consciência de si, que reconhece (Anerkennend): Uma consciência desi para uma outra consciência de si é antes de tudo imediata como outracoisa para uma outra coisa' Eu me vejo nele imediatamente como Eu, masvejo nele também um outro objeto que está ai, que existe (daseindes), ime-diatamente, enquanto Eu absolutamente independente diante de mim. O afas-tamento da individualidade da consciência de si foi o primeiro; ele foideterminado apenas como particular. Essa contradição lhe inspira o desejode mostrar-se como si livrem de estar presente para a outra como tal — esseé o processo do reconhecimento dos eu.

Trata-se de uma luta; pois não posso me reconhecer como eu mesmono outro enquanto o outro é para mim uma outra existência imediata.- meuobjetivo é portanto afastar sua imediatidade. Não posso mais ser reconhecidocomo imediato, a não ser enquanto afasto em mim a imediatidade e permitoassim à minha liberdade de estar ai de existir. Ora, essa imediatidade étambém a corporeidade da consciência de si. na qual ela possui como emseu signo e seu instrumento seu próprio sentimento pessoal e seu ser paraoutros e sua relação que, com eles, a mediatiza.

A luta pelo reconhecimento (Anerkennend) está na vida e na morte;cada uma das duas consciências de si pie em perigo a vida da outra e aceitapara si essa condição, mas se pãe somente em perigo; na verdade, cada umatem também em vista a preservação de sua vida como sendo o ser-efeito.

cada uma tem também em vista a preservação de sua vida como sendo oser-at de sua liberdade. A morte de uma que resolve a contradição de umlado pela negação abstrata grosseira em conseglincia da imediatidade, estáassim do lado essencial, o ser-aL do reconhecimento que é ai ao mesmotempo afastado, uma nova contradição, superior à primeira Sendo a vidatão essencial quanto a liberdade. a luta termina antes de tudo como negaçãoexclusiva; um dos combatentes prefere a vida e se conserva como consciênciade si individual, mas renuncia a ser reconhecido livre, engtante o outromantém sua relação consigo mesmo e é reconhecido pelo primevo que lheé submetido; é a Mago da dominação e da servido.

Observapo: A luta pelo reconhecimento e a submissão a um senhor éo fendmeno do qual saiu a vida social dos homens, enquanto inicio dosEstados A violência que é a base desse fenómeno nem por isso é fundamentodo direito, embora seja o momento necessário e legitimo na passagem doestado em que a consciência de si mergulha no desejo e individualidade, aoestado da consciência geral de si. É esse o começo exterior ou fenomenaldos Estados, mas não seu principio substancial.

Essa condição é, de um lado. uma vez que o meio da dominação, oservidor. precisa conservar também sua vida a comunidade das necessidadese dos cuidados necessários à sua satisfação. Pela destruição do objetoimediato, substitui-se a aquisição, a preservação e a formação desse objetocomo termo médio que possibilita aos dois cifremos, a independência e asujeição, unir-se; a forma da generalidade na satisfação das necessidades éum meio durável e uma previsão que leva em conta o futuro e o assegura.

Em segundo lugar, a partir de sua diferença. o senhor encontra em seuservidor e seus serviços a intuição do valor de seu ser para si individual; eUso por meio do afastamento de seu ser para si imediato, mas este cairá emum outro. — Esse, o servidor, reduz, trabalhando a serviço do senhor, suavontade individual e egoísta. afasta a imediatidade exterior do desejo; e esseabandona assim como o temor do senhor. constituem o inicio da sabedoria— a passagem para a consciência de si geral.

A consciência de si geral: A consciência de si geral é o conhecimentoafirmativo de si mesmo no outro eu; e cada um deles, como individualidadelivre, tem uma autonomia absoluta; mas. graças à negação de sua imediatidadee seu desejo, um do se distingue do outro, são universais e objetivos, epossuem a generalidade real. como reciprocidade, de tal modo que cada umse sabe reconhecido no outro eu livre e o sabe na condição de reconhecero outro eu e de sabê-lo livre.

Siglas

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NOTAS 193t92 é(EG`EL

GPhR: Príncipes de ta philosephie da dratt (K Kaan), NRF, 1940 /PhR:Philosophie de la Migam, (1. GibeEn)/.Vrin, 1954-59. /PM: Leçons sar laphilosophie de l'histoire, (J. Gibelin) Vriq 1945./ PK Artigo nos Atitudesde critique seienm/Ique consagrado às Mdd'imtionr biMigaei, de Banana (P.Klossowski), Éd. de Minuit, 1948.

Notas bibliográficas

1. Précis, 224 /2. Respectivamenlr, Ser Junge Hegel, Berlim, 1954; LeMalhem. data de la consciente dam la philamphie de Elege). Paris, 1929;Imraduetion d la philosophie de l'áWoire de Hegel, Paris, 1948. /3. CfBibliografia p.256:assinalamos desde já o interesse que mantém para nósum texto, cuja terminologia pode parecer envelhecida e a sintaxe «agnada-mente retórica, como a haroduclion à la pbdlaeoykie de Hegel, Paris, 1855./4. Imroduclion à la frature de Hegel, Paris, 1 ed.,1947; 2' ed. aumeol,1962. /t PhG 1, 8. l6. Lo Répdtition, trad. P.-H. Tiueau, 124. /7. Cf, o artigoManeme et /aumentaste, ira Posar Maca, 227-249. /8. Cf as noras de leiturada Lógica (Berna dez. de 1914), publicadas nos Cahlers phiosophguer deLIAM, trad. L. Veroanl e E. Bottigelli, Éd. Sociales, 1955. /9. Neoache etla philosophie, Paris, 1962, 9. /l0. Hegel et l'Éfat, Paria 1950, texto ao qualnos referimos com freg0lncia, assim como a La Logque de la philosophie,do mesmo autor, como às obras cujo domínio e inigualável. /11. B. Croce,Ce qui esl vivam et ce qui eis moei dane la phiarophle de Negel, tad,Buriol,Paris, 1910. /12. Regeis thealogische Jugendschrlflaç S. N0h1, 429. /13.PhG, 1,67. /14. 13 out.1806, Correspondance, E 114-115. /15. 23 jan.1807,Correspondance, I, 130. /16. Chefia d'dcrits, I I, 117-118. /17: PrdcI, 74./18. Citado por M. Boucher, La Retida:h n Iraaçaise de 1789 vare par lesderivalm allemands coniemporalm, Paris, 1954, 40. /19. Idem, 47. /20.Vermirchte Schrplen henmsgegeben von F. Grau, 646.21. LescouldéraRansdeslindes à recllfier leslugemenr dar public asar la Revalmlon françaee. Paratudo isso, deve-se referir à excelente análise, a ser lançada. de A. Philonenko,71Korle et Previa dam la pende morde et pol4s.e de Kant et de Fiehteera 1793. /22. F. Schlegel, Fragmente, citado por Max Rouché, intrad. à suatrad. do Discwso à nação alemã, 29. /23. WL, I, 5, 29-30, 51-2. Fazemosreferencia As páginas da dição francesa, trad. Jankéldviteh, Aubier. A traduçãod de A. Berman. 24 Cf a interpretaçao de A. Philonenko, La libera Iluminedam la philosophie de Ficha, Paria 1965. /25. ef. Xavier LMn, Fichte etaon temer, LII, cap.'', 433-69. /26. PAG, 1, 65-6. 27. PhG, II, 78-179. /28.WL, 1, 28-9. /29. WL, 1, 71-3. /30, WL, I, 58. /31, WL, 1, 73. /32. PhG, 1,82. /33, PhG, 1, 83. /34. PhG, I, 83-4. /35. PhG, 1, 85. /36. PhG, I, 85-6./37. PAG, 1, 87. /38. PhG, I, 89. /39. PhG, I, 91.2. /40. PhG, 1, 41 /41. PhG,1, 18. /42. PhG, 1, 18. /43. Op.e4., 576-97. /44. PhG, I, 1%. /45. Cfp.152-53./46. WL, 11,247-48. /47.Op.c0.,121-26. /48. Cf p.226-27. 149. Cf p.81-3. /50.WL, 4 73. /51.WL, I, 158. /52. WL, 1. 162. /S. WL, I, 201. /54. WL. 4

332-33. /55. WL, II, 5-6 /56. WL, II, 122. /57. 1111, 11. 198. /58. WL, II, 244./59. WL, 11, 266-67. /60. Critique de la ratam puxe. dialedque transcenda-tale, LII, cap.1, trad. Tremesaygues e Paraud. 326. 161. WL, II, 549-50. /62.PhG, 1, 281. /63. Précis, 137-38. /64. PhG.I. 287. /65. ÉS Weil, em Hegel

et I'État e na Philosophie por ti se, E. Fleischmem, em sua obra admirávelsobre a Philosophie poldque de Rege!, assinalaram profundamente o funda;mento kantiano da análise política de Nega. Kr f. Propddeutgae, 212-13. K7.'Eithdsique, Hl, 2' pare, 290.168. &thiique,1, 29. /49. Fathtique, 1, 8.170.PhR, I pane, 15. /11. Propddeutgue, 221. /72. PAR, 1' pane, 65. 173. PhR,3' pane, I, 42.3. /74. PM, 3' pane.

I3 131 /15. PAR. 3' peste. Id 162-63./76. PAR, 3' pane, 1, 164. T. PAR, 3 parle, 1, 189. 178. PAR, 2 parte, 1,13. M, PhR, 3' parte, I, 177.74 a PAR, 39 pana I, 18647. 181. PAR, 3'parte, I, 9.152. PAR, 3' pene, I, 212. /13. PAR, 3 pane, I, 215. A4, &tMétique,1, 30. /55. PAR, 3' pane, 1, 218. /96. Meca, 307-01. /17. MG, I, 61. /81.PAG, 1, 8. M. Carta de Engole de 8 de maio de 1870; resposta de Marx de10 de maio (ed. de Moscou, 193L IV, n° 1369-370). M. Cf acima, n° 65.AI. Q E. Fleiuhmrm, Op.eiL, 08-I, 14. /92. Sobre isso, a pesquisas deP. Chamley, Éconmme notifique e philosophie chex Situar: e Mn Rege!,Paris, 1963, trazem boas indicações. /93. Cf. É. Weil e E. Fleirhrann, Op.cii.,1. d'Hmdt, Hegt1, Paris, 1967, e o ensaio introdutMio de Z.A. Pelezynskida trad. ingl. dos Re a polaina de Hegel, feito por T.M. Knox, Oxfod,1964. 1114. GPAR parig.257. /9S. GPAR partg. 254. /96. E. Fleischnsnn,Op. cit., 256. M. Fedeu, 28142. 199. Mica, 282. 199. Op. cit., 56. /180.Mira, 217. /Ni. Pndcis, 217. /N2. GPAR, puís. 219. /IQ. E Fleischnann,Op. cit., 306. /184. GPhR, parág. 288. /193. GPhR, pres., 301. /196. GPhR,perla. 270. /197. GPhR pois. 270. (1W. Phli, 17. /11119. MI!, 19. /11APhH, 19. /111. PAI!, 21. /112. PhH, 21. /113. MH, 23. /114. Prdcia, 293(citação segundo • Ind. de E. Flàsdm tem, Op. ci., 363). /115. PhH, 30./116. GPhR, parig. 345. /117. GPMR, petas. 344. /119. GPhR, perta. 346./119. GPhR,'prág. 347. /1211. PM), 77-95. /121. PAN, 100. /122. GPAR,pré*. 357. /123. PAN, 264. 1124. PhG, II, 48. /125. PhH, 2%. /126. E.Fleiscbmam, Op. cit., 371. /127. PAN, 302-303. /I2$. PAH. 313. /129. PhH,313. /139. PAH, 401. /131. PAH, 408. /132. Op. eh., 2' d., 436-37. /133.PhH, 409.

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Bibliografia

A presente bibliografia foi apoiada por Dominique Seglard.

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É pois a idéia da filosofia como a concebeHegel que Ch telet tente analisar em primeirolugar, compreendendo-a como momento deci-sivo do devir da racionalidade ocidental. Elemostra que a dialética hegelianaé o modo dis-cursivo que implica necessariamente a reali-raçao da filosofia. Examina em seguida as con-seqüências do "sucesso" de Hegel, acompa-nhando, com recurso a alguns exemplos privi-legiados, o trabalho dialético e sua força ex-pressiva, indicando, finalmente, no que culmi-na esse empreendimento.

Numerosas, sem dúvida, são as concepçõesfilosóficas atuais que ignoram o hegelianismo,seja porque endossam o empirismo lógico ouum naturalismocientifrcista, seja porque se en-tregam às ressalvas husserlianas. Estão na fal-sa significação dos começos absolutos e, ade-mais, se privam de um bom ponto de apoio. Émelhor — como Marx e Nietzsche — come-çar por Regei, visto ser ele um fim.

F&Anças CHArv.8r nasceu em 1925, fale-cendo prematuramente em 1985. Foi histo-riador da filosofia, filósofo político e pensadorda história, tendo escrito uma consagradaHistória da filosofia ocidental, em oitovolumes (Zebu Editores), uma História dasidéias políticos e uma História da rai(Io(Jorge Zahar Editor). Foi ainda um professorexemplar, nos moldes da grande tradição so-crática, integrando, com Foucault e Deleuze,o departamento de filosofia da Universidadede Vincennes, e participando da fundação doCollège Intemational de Philosophie. Preo-cupou-se sempre em unir pensamento e ação,no combate sem trégua de um homem com-prometido com seu século.

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HEGEL

François Châtelet, célebre pela clareza e lucidez de suasexplanações, trata neste livro de Hegel, do triunfo e daconsumação da filosofia clássica, ou, caso se prefira, dametafísica. Mostra que a dialética é o modo discursivoque implica necessariátnente a realização da filosofia, exa-mina as conseqüências do "sucesso" de Hegel, e indicaem que culminou um dos maiores empreendimentos dafilosofia ocidental.

sioBIBLIOTECA DE FILOSOFIA

ARISTÚIE ESAnne Cauquelin

DESCARTESPierte Guenancia

O EPICURISMOIvan-François Duvemoy

HECELFranceia Chateia

As ID91AS'FILOSÓFICAsNA FRANÇAChristian Descampa

KANTMichèle Campe-Casnabet

IOC O3

Yves Michaud

PLATÃOAbel lesaniète

Os PR -SOCRÃTICOS

Gérard Legrand

SCHOPEIHAUERMarie-7osé Petnin

WnNSIawChris6aa Cbauvkó

UMA HISTÓRIA DAFILOSOFIA OCIDENTALD.W. Hamlyn

IsaN 6-7attF3S7 x

q N^,INN^IIIII^

^J•Z E) Jorge Zahar Editor