Hegel e o I Ching
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Foto de Mensagens Taostas Dirias.Mensagens Taostas DiriasHegel e
o I Ching"Abro um parnteses para assinalar a evoluo do tratamento
dispensado por Hegel ao taosmo. No incio ele parece no ver no
taosmo nada maisque uma coleo de 'receitas' tendo em vista melhorar
o bem-estar de cada um, prolongar a vida, interpretar os
acontecimentos, o que faz do povo chins 'o povo mais supersticioso
da terra... e de alguma maneira o pas da adivinhao'. Mas, com o
contato com o sinlogo Abel Rmusat, que encontrou em Paris em 1827,
ou, mais provavelmente, depois do estudo das Memrias de missionrios
jesutas que voltaram da China, Hegel se mostra pouco a pouco mais
atento s analogias entre o taosmo e sua prpria filosofia. Entre
essas analogias h, claro, a famosa complementariedade entre yin e
yang, que pode se remeter complementariedade entre a mediao e a
imediatez. necessrio, alis, precisar que, em sua origem, o yin e o
yang no significavam o feminino e o masculino, ou a passividade e a
atividade, mas antes a mediao e o imediato:o yang (frequentemente
representado por um trao longo ) o que diretamente esclarecido; o
yin (representado por dois traos curtos _ _ ) o que s aparece
indiretamente atravs das sombras formadas pelos objetos tocados
pela luz. Mas, em seus ltimos cursos de 1831, dedicados filosofia
da religio, Hegel d um passo alm. Ele chega a apresentar o taosmo
(ou a 'religio de Estado chinesa') como um momento equivalente ao
da medida lgica: o tao, diz ele, traz as principais determinaes
abstratas que do conta de todas as transformaes, sejam elas csmicas
ou individuais, materiais ou espirituais, fsicas ou morais. No h
dvida, o I Ching ou o Livro das Mutaes que est sendo visado aqui.
Embora o I Ching seja considerado muitas vezes, at por Hegel, como
um simples livro de adivinhao, ele dedicado antes de tudo ao estudo
terico das transformaes em geral. Assim como o hegelianismo, o
taosmo se interessa pela realidade como devir, como processo de
transformao.Desse ponto de vista, Hegel e o I Ching se colocam
fundamentalmente a mesma questo: quais so as 'leis', a lgica, a
espiritualidade, que guiam ou fazem o processo de transformao que a
realidade? As respostas trazidas pelo I Ching vo permitir lanar
brevemente um olhar retrospectivo ao caminho percorrido at aqui. Se
esse caminho tem um objetivo, o de mostrar que a filosofia de Hegel
no se reduz afirmao da complementariedade entre um yang e um yin,
ou entre a imediatez e a mediao, a afirmao e a negao. O que tentei
mostrar que esse princpio de complementariedade, longe de se
aplicar mecnica ou cegamente a todas as situaes encontradas (para,
por exemplo, afirmar tudo e seu contrrio, e depois reunir os dois),
se conjuga, na realidade, com duas outras grandes ideias. A
primeira, trazida luz na Lgica, o fato de que todo processo, toda
transformao, implica igualmente dois tipos diferentes de negao que
vm, por assim dizer, se intercalar entre o imediato (o em-si) e o
mediatizado (o em si-para-si). Trata-se da negao do ser-a, ou
diferenciao da coisa em relao a seu outro; e da negao do para-si,
ou sada da coisa e afirmao de si. Cada transformao segue, pois,
quatro grandes momentos: o em-si, o ser-a, o para-si e o
em-si-para-si. Ora, o I Ching tambm distingue quatro grandes
figuras que regulam o curso de toda transformao: o grande yang
(dois traos longos), que pode ser traduzido por 'sim'; o pequeno
yang (dois traos curtos sobre um longo) que pode ser vertido para
'sim mas'; o grande yin (dois traos curtos sobrepostos), ou 'no'; e
o pequeno yin (trao longo sobre dois curtos), 'no mas'.[...] claro
que a filosofia de Hegel no se limita a dizer que tudo saiu do
imediato (yang), nem da mediao (yin), nem que tudo mensurvel a
partir da combinao de dois grandes tipos diferentes de negatividade
('sim mas' e 'no'). Mas o I Ching tambm no para por a. Em certo
sentido, ele chega a seguir um caminho paralelo quele que seguimos
at aqui. Vimos que a Fenomenologia do Esprito iluminava uma
terceira grande ideia que nada mais tem de lgico ou de formal, mas
que se prova, se experimenta, se pratica a cada vez de maneira
singular: ela consiste em ver que o esprito, o sentido das coisas,
se eleva de cada indivduo at a realidade social, at a substncia
histrica, mas desce novamente tambm, como fazemos neste momento, da
substncia conscincia. Dito de outra maneira, o esprito se
manifesta, se exterioriza, ali onde a histria de cada um em
particular e a histria do mundo em geral entram em interao. Isso
pode se dar em uma obra de arte, em um sentimento religioso, mas
tambm, de maneira bem mais imperfeita, na aspirao subjetiva de uma
conscincia em agir no mundo, ou na maneira pela qual a realidade
histrica influencia efetivamente nossas maneiras de ser ou de
pensar.Notemos que esse duplo processo, pelo qual o sujeito vem
substncia e a substncia vem ao sujeito, se manifesta de maneira
singular e irreversvel em cada situao. Quer uma situao seja vivida
de maneira imediata ou, ao contrrio, sob um modo mediatizado, ela
exprimir sempre uma relao bem precisa, bem particular, entre a ao
do homem sobre a substncia e a ao da substncia sobre o homem. Na
Fenomenologia do Esprito, a ao do homem sobre a substncia se
exprime pela elevao da conscincia individual at a moralidade do
esprito, enquanto a ao da substncia no homem corresponde experincia
artstica, revelao religiosa e ao saber absoluto.Ora, o fato notvel
que o I Ching tambm coloca em evidncia essa complementaridade entre
atividade e receptividade. Ele o faz de maneira bastante simples,
superpondo dois trigramas (escolhidos entre os oito possveis) para
formar um hexagrama: o trigrama colocado embaixo corresponder funo
'receptiva' ou terrestre; o trigrama superior simbolizar a funo
'criadora' ou celeste. Assim, cada transformao 'recebe' e 'produz'
ao mesmo tempo diferentes aspectos, os quais so obviamente sempre
interpretados em termos de (pequeno e grande) yin ou yang. claro
que Hegel jamais estabeleceu um tal catlogo. Mas ele tambm reuniu,
conjugou as trs grandes ideias que acabei de recordar sumariamente
(imediatez e mediao, negatividades primeira e segunda,
devir-substncia do sujeito e devir-sujeito da substncia).
Divertir-se em encontrar na filosofia hegeliana o que
corresponderia a uma ou a outra das transformao descritas no I
Ching poderia, ento, constituir um tipo de jogo dialtico, uma
maneira de redescobrir ou de reinventar as diversas figuras da
Fenomenologia, por exemplo."Benot Timmermans
Hegel - Coleo Figuras do Saber